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Como projetar uma organização ética

Nicholas Epley e Amit Kumar

7 de junho de 2019

Desde o fiasco das emissões da Volkswagen e


as práticas fraudulentas de venda da Wells
Fargo até a invasão de privacidade da Uber, o
delito corporativo é uma realidade permanente
nos negócios globais.
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O comportamento antiético cobra um preço
significativo das empresas, prejudicando a
reputação e o moral dos funcionários e
aumentando os custos regulatórios — para não
mencionar o dano mais amplo à confiança
geral da sociedade nos negócios. Poucos
executivos quebram as regras para obter
vantagens, e a maioria das empresas tem
programas para evitar a má-fé em todos os
níveis. No entanto, os escândalos recorrentes
mostram que há muito a fazer.
Em geral as intervenções para encorajar o
comportamento ético são baseadas em
percepções errôneas de como as
transgressões ocorrem e, portanto, não são
tão eficazes quanto poderiam ser. Em relação
à ética, os programas de compliance vêm
adotando abordagem legalista, que por sua vez
se concentra na responsabilidade individual.
Eles são projetados para educar os
funcionários e, depois, punir os delitos das
“maçãs podres”. No entanto, segundo um
grande conjunto de pesquisas científicas
comportamentais, até mesmo pessoas bem
informadas e bem-intencionadas são
eticamente mais maleáveis do que se poderia
supor. Diante de uma possível emergência, por
exemplo, é mais provável que intervenham se
estiverem sozinhas do que se outros
espectadores estivessem por perto — porque
acham que os demais vão lidar com a
situação, acreditam que eles estão mais
qualificados para agir ou não reconhecem a
emergência porque as pessoas não parecem
alarmadas. Pequenas mudanças de contexto
podem ter efeito significativo no
comportamento. Porém, nessas situações, as
pessoas tendem a não reconhecer a influência
do contexto. Nos famosos experimentos de
obediência de Stanley Milgram, os
participantes que receberam, da parte de uma
figura de autoridade, a ordem para aplicar
choques elétricos cada vez mais fortes em
outra pessoa avançaram para voltagens muito
mais altas do que a previsão de outras
pessoas para a voltagem que elas mesmas
aplicariam. O contexto não é apenas poderoso;
os pesquisadores perceberam que ele é
surpreendentemente poderoso.
Pilares de uma cultura ética
A criação de culturas éticas exige que se
pense sobre ética não apenas como questão
de crença, mas também como problema de
design. Identificamos quatro aspectos críticos
que precisam ser abordados quando se projeta
uma cultura ética: valores explícitos,
pensamentos durante a decisão, incentivos e
normas culturais.
VALORES EXPLÍCITOS > Estratégias e práticas
devem ser ancoradas em princípios
claramente definidos que possam ser
compartilhados amplamente dentro da
empresa. Uma declaração de missão bem
elaborada pode ajudar a conseguir isso, desde
que seja usada corretamente. Os líderes
podem se referir a ela para orientar a criação
de qualquer estratégia ou iniciativa nova e, ao
lidar com os funcionários, observar sua
conexão com os princípios da empresa,
reforçando, assim, o sistema ético mais amplo.
Os funcionários devem ser capazes de
perceber facilmente como os princípios éticos
influenciam as práticas da empresa.
Provavelmente, eles se comportarão de
maneira diferente se pensarem que a
organização está sendo guiada pelo etos de
Rogers, o anfitrião infinitamente gentil do
programa da PBS, em vez do etos de Gordon
Gekko, o banqueiro implacavelmente
ganancioso do filme Wall Street. De fato, em
um experimento, 70% dos participantes de um
jogo econômico que jogavam com um parceiro
cooperaram para o ganho mútuo quando ele foi
chamado de Community Game, mas apenas
30% cooperaram quando ele foi chamado de
Wall Street Game. Esse efeito dramático
ocorreu mesmo com incentivos financeiros
idênticos.

A declaração de missão deve ser simples,


breve, acionável e ressonante do ponto de
vista emocional. Hoje, as declarações de
missão corporativa são na maioria longas
demais para serem lembradas, tão óbvias que
não precisariam ser formuladas, claramente
elaboradas para os reguladores ou muito
distantes das práticas do dia a dia para
orientar os funcionários de forma significativa.
A declaração não pode ser apenas palavras no
papel; ela deve estar subjacente não apenas à
estratégia, mas também às políticas de
contratação, demissão, promoção e
operações, de modo que os princípios éticos
centrais estejam profundamente incorporados
em toda a empresa. A declaração de missão da
Patagonia, por exemplo, é “construa o melhor
produto, não cause danos desnecessários e
use os negócios para inspirar e pôr em
execução soluções para a crise ambiental”.
Sua iniciativa Worn Wear põe em prática sua
missão ao permitir que os funcionários ajudem
os consumidores a reparar ou reciclar seus
produtos. A empresa desenvolveu uma métrica
padronizada, publicada em seu site, para
avaliar o impacto ambiental de toda a sua
cadeia de suprimentos. A Zappos diz que seu
principal valor é “surpreender por meio do
atendimento” aos clientes, respeitando-os e
garantindo sua dignidade. Ela pratica esse
valor deixando de medir a duração média das
chamadas de atendimento ao cliente (o padrão
do setor), para que os funcionários gastem o
tempo necessário com eles. Declarações de
missão como essa ajudam a fazer com que os
valores da empresa fiquem bem claros na
cabeça dos funcionários.
PENSAMENTOS DURANTE A DECISÃO > A
maioria das pessoas tem menos dificuldade de
saber o que é certo ou errado do que em
manter considerações éticas ao tomar
decisões. Os lapsos éticos podem, portanto,
ser reduzidos em uma cultura na qual a ética
está no centro das atenções. Você deve saber
que é errado prejudicar as chances de alguém
ser contratado, mas não pensa no dano que
causa a candidatos desconhecidos quando
ajuda um amigo, um membro da família, ou um
colega da faculdade de administração a
conseguir emprego. O comportamento tende a
ser guiado pelo que vem à cabeça logo antes
da ação, e esses pensamentos são muito
afetados pelo contexto. Quando alguém lhe
lembra que ajudar um amigo prejudica as
chances de pessoas que você não conhece,
talvez você reflita que o seu esforço para
apoiá-lo não é apropriado.
Diversas experiências mostram isso. Em uma
delas, as pessoas ficavam mais propensas a
dizer a verdade quando um código de honra
aparecia no início de um formulário —
colocando a ética em destaque enquanto
preenchiam o formulário — do que quando ele
era colocado no fim. Em um grande
experimento de campo com aproximadamente
18 mil funcionários terceirizados do governo
dos EUA, foi acrescentada uma opção para que
os declarantes confirmassem sua honestidade.
Só isso rendeu US$ 28,6 milhões a mais em
receita de imposto sobre as vendas do que se
a opção fosse omitida. E numa simulação em
que estudantes de MBA deveriam
desempenhar o papel de consultores
financeiros, fazê-los completar uma checklist
de ética antes de recomendar potenciais
fundos de investimento reduziu
significativamente o percentual de pessoas
que recomendavam o fundo que acabou
expondo o esquema de Bernard Madoff.
Quando a ética era prioridade, os alunos
ficavam mais atentos à possibilidade de o
fundo ser bom demais para ser verdade.
Em contrapartida, a Enron era notória por seu
constante foco no preço das ações, chegando
até a postá-lo nos elevadores. O ex-CFO Andy
Fastow disse, refletindo sobre seus próprios
erros: “Eu sabia que estava errado…, mas não
achei que fosse ilegal… A pergunta que eu
deveria ter feito não era qual é a regra, mas
qual é o princípio”. As pessoas que trabalham
em uma cultura ética são rotineiramente
acionadas a questionar “isso está certo?” em
vez de “isso é legal?”.
INCENTIVOS > É um truísmo entediante dizer
que as pessoas façam o que são incentivadas
a fazer, o que significa que alinhar
recompensas com resultados éticos é uma
solução óbvia para muitos problemas éticos.
Isso pode parecer simples (basta pagar às
pessoas que agem eticamente), mas o dinheiro
só funciona até certo ponto, e os programas de
incentivo devem oferecer recompensas dos
mais variados tipos para serem eficazes.
Além da renda, para os funcionários é
importante fazer um trabalho significativo,
causar impacto positivo e ser respeitados ou
valorizados por seu esforço. Em um
experimento, os funcionários de um hospital
eram mais propensos a seguir os
procedimentos corretos de lavagem das mãos
quando uma placa acima da pia os lembrava
das consequências para os outros (“higienizar
as mãos evita que os pacientes contraiam
doenças”) do que quando os lembrava de
consequências pessoais. No entanto, os
gestores esquecem com facilidade a
importância de incentivos não financeiros.
Quando questionados sobre a importância
desses incentivos para os funcionários, os
gestores de atendimento ao cliente de uma
empresa da Fortune 500 tendiam a subestimar
drasticamente o que significavam para seus
subordinados.
Além de alinharem os incentivos financeiros
com os resultados desejados, as culturas
éticas fornecem oportunidades explícitas para
beneficiar outras pessoas e recompensar as
que fazem isso com reconhecimento, elogios e
validação. Por exemplo, se seus funcionários
estiverem melhorando a vida das pessoas de
alguma forma, ressaltar isso incentivará o
comportamento ético futuro. Pode até
melhorar o desempenho, porque a recompensa
está alinhada com a motivação ética. Em um
experimento, os vendedores de uma grande
empresa farmacêutica tiveram muito melhor
desempenho depois de participarem de um
sistema de bônus pró-social, que os
incentivava a gastar um pequeno prêmio em
favor de seus colegas de equipe em relação a
um típico sistema de bônus “pró-individual”, no
qual eles gastavam o prêmio em favor de si
mesmos.
Essa abordagem aos incentivos pode trazer
benefícios secundários de RH. As pessoas
tendem a subestimar o efeito positivo de se
conectar com os outros de maneira pró-social
e o impacto positivo que seu comportamento
terá sobre os outros. Em um experimento de
campo com pilotos da Virgin Atlantic, um
sistema de bônus para aumentar a economia
de combustível foi estruturado de modo que o
bônus fosse para uma instituição de caridade
que eles escolhessem. O resultado foi um
aumento de satisfação no trabalho semelhante
em magnitude ao que uma pessoa sente
quando está com problemas de saúde e passa
a ser sadia. As empresas que usam incentivos
pró-sociais provavelmente terão funcionários
mais felizes, mais satisfeitos e mais leais.
Culturas éticas não fazem apenas o bem;
fazem também sentir-se bem.
NORMAS CULTURAIS > A maioria dos líderes
reconhece intuitivamente a importância do
“exemplo que vem de cima” para estabelecer
padrões éticos nas empresas. Mas facilmente
se esquece o “exemplo que vem do meio”, que,
na verdade, pode influenciar de forma mais
significativa o comportamento dos
funcionários. Bons líderes produzem bons
seguidores; mas se os funcionários do nível
médio estiverem cercados de colegas que
mentem, trapaceiam ou roubam,
provavelmente farão o mesmo,
independentemente do que disserem seus
chefes. As chamadas normas descritivas — o
comportamento real dos pares — tendem a
exercer a influência social mais forte. Em um
experimento de campo conduzido por uma
agência de governo do Reino Unido, 13 versões
de uma carta foram enviadas a contribuintes
inadimplentes, incluindo versões que
referenciam princípios morais, a facilidade de
pagamento de impostos ou penalidades
financeiras. A carta mais eficaz comparou o
comportamento do destinatário com o dos
cidadãos: “De dez pessoas no Reino Unido,
nove pagam seus impostos no prazo. No
momento, você faz parte de uma pequena
minoria que ainda não nos pagou”.
Muitas vezes, as pessoas deixam de apreciar o
poder das normas sociais. Por exemplo,
pesquisadores interessados em determinar a
melhor forma de incentivar a eficiência
energética em uma região da Califórnia
pediram a um grupo de quase mil residentes
que previsse a eficácia de várias abordagens,
incluindo apelos à proteção ambiental,
benefícios financeiros pessoais, benefícios
sociais e normas sociais (qual porcentagem de
vizinhos economizava energia usando
ventiladores). Esses moradores achavam que o
apelo ambiental seria o mais persuasivo e o
apelo à norma social o menos persuasivo. Mas,
quando os pesquisadores enviaram uma das
quatro mensagens a cerca de mil moradores, a
norma social teve, de longe, o maior efeito na
redução do uso de energia.
Os gestores podem incentivar uma cultura
ética destacando as coisas boas que os
funcionários fazem. Embora a tendência
natural seja concentrar-se em advertências ou
“buracos negros éticos”, fazer isso pode
passar a impressão de que ações indesejáveis
são mais comuns do que realmente são, o que
pode aumentar o comportamento antiético. Em
vez disso, para criar normas mais éticas
concentre-se nas “referências éticas” de sua
organização: pessoas que colocam a
declaração de missão em prática ou se
comportam de maneira exemplar.
Como pôr em prática o projeto ético
Um líder que projeta uma cultura ética deve
tentar criar contextos que mantenham os
princípios éticos na cabeça das pessoas,
recompensar a ética por meio de incentivos e
oportunidades formais e informais e entremear
a ética no comportamento cotidiano. A
maneira exata como isso pode ser feito varia
entre as empresas, mas estes são alguns
exemplos:
CONTRATAÇÃO > Primeiras impressões são
extraordinariamente poderosas. Para muitos
funcionários, os valores de uma empresa foram
revelados no processo de contratação.
Embora, geralmente, as entrevistas sejam
tratadas como oportunidades para identificar o
melhor candidato, elas também iniciam o
processo de aculturação. Em uma empresa da
Fortune 100, por exemplo, as perguntas da
entrevista são projetadas em torno de um valor
central, como colocar as necessidades do
cliente em primeiro lugar. Em um roteiro de
entrevista, os candidatos são informados
desse valor e, em seguida, perguntam: “Fale
sobre uma ocasião em que você descobriu
uma necessidade não atendida de um cliente e
conseguiu resolver”. Não sabemos se essa
pergunta identificou pessoas que tratam os
clientes com respeito, mas esse não é
necessariamente o objetivo. Destacar os
valores na entrevista revela a importância
deles para a empresa. É uma parte de um
sistema mais amplo que chama a atenção para
a ética.
AVALIAÇÃO > Nas empresas a ética pode ser
usada também no design das avaliações de
desempenho e como recompensa e incentivo
ao bom comportamento. Na Johnson &
Johnson, por exemplo, a avaliação de 360
graus de cada executivo é baseada nos quatro
componentes do famoso credo da empresa,
que expressa o compromisso com clientes,
funcionários, comunidades e stakeholders. Em
uma versão da avaliação que observamos,
cada executivo foi avaliado em itens como
“nutre o compromisso com o nosso credo”,
“confronta ações antiéticas ou que chegam ao
limite da ética” e “estabelece um ambiente
cuja norma é a integridade intransigente”.
COMPENSAÇÃO > Em princípio, alinhar
incentivos financeiros com resultados éticos
pode parecer fácil, mas é difícil na prática. É
neste ponto que uma declaração de missão
pode ser útil. A Southwest Airlines usou um
cartão executivo de pontuação para vincular a
remuneração aos seus quatro grandes valores:
todos os funcionários são importantes, todos
os voos são importantes, todos os clientes são
importantes e todos os acionistas são
importantes. Cada valor é demonstrado por
uma medida objetiva — “todo funcionário é
importante” segundo a rotatividade voluntária;
“cada voo é importante” conforme o
desempenho e a pontualidade. Esse cartão
reflete a conformidade do sucesso do negócio
aos valores éticos essenciais da empresa,
ajudam os funcionários a mantê-los em foco e
indica as condutas necessárias para colocá-
los em prática.
Os líderes podem recompensar ações éticas
mostrando aos funcionários o impacto positivo
de seu trabalho nos outros e reconhecendo
suas ações em apresentações e publicações.
Podem também criar oportunidades dentro da
empresa para se comportarem de maneira
ética em relação aos colegas. Em um
experimento recente de campo, gestores
selecionados aleatoriamente tinham de
realizar cinco atos de bondade para favorecer
certos colegas durante um período de quatro
semanas. Isso não apenas aumentou o número
de atos bondosos observados na empresa
como também tornou os beneficiados mais
propensos do que os do grupo de controle à
prática de gestos gentis para com os demais
funcionários, demonstrando que o
comportamento ético pode ser contagioso.
Esses gestos melhoraram o bem-estar dos que
os praticavam e dos que os recebiam. Talvez
mais importante, os sintomas depressivos
caíram drasticamente entre os dois grupos em
comparação com a condição do controle, um
resultado que continuou por pelo menos três
meses além da intervenção inicial de um mês.
Ética como projeto
Nenhuma empresa jamais será perfeita porque
nenhum ser humano é perfeito. De fato, em
algumas empresas que usamos como
exemplos ocorreram sérios deslizes éticos. As
pessoas reais não são nem inteiramente boas
nem inteiramente más, mas são capazes de
fazer o bem e o mal. As empresas devem
projetar um sistema que facilite o bem o
máximo possível. Isso significa atentar
cuidadosamente para o contexto real das
pessoas, transformando os princípios éticos
fundamentais em estratégias e políticas
empresariais, mantendo a ética em foco,
recompensando o comportamento ético com
os mais variados incentivos e promovendo no
dia a dia a prática das normas éticas. Fazer
isso nunca transformará funcionários, mas
pode ajudá-los a ser tão éticos quanto são
capazes de ser.
NICHOLAS EPLEY é professor de ciência
comportamental da cátedra John Templeton
Keller da Booth School of Business, Chicago
University. Autor de Mindwise: how we
understand what others think, believe, feel and
want (Knopf, 2014). AMIT KUMAR é professor
assistente de marketing e psicologia na
University of Texas, Austin.

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