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Resumo Abstract
A história da participação feminina na The history of feminine participation in
formação da sociedade foi durante séculos formation of the society for centuries was
deixada em segundo plano no mundo left in second place in the western world.
Ocidental. Esse artigo problematiza a visão This article discusses the masculine vision
masculina em relação às mulheres e in relation to the women and gives
destaca os papéis e imagens, que, para a prominence the parts and images that the
sociedade masculina patriarcal brasileira, masculine society patriarchal Brazilian
formavam a mulher ideal formed the ideal woman.
Palavras-Chave: História da Mulher. Papel Keywords: History of the Woman. Social
Social. Visão Masculina. Part. Masculine Vision.
1
VASCONCELOS, Tânia Mara Pereira. A perspectiva de gênero redimensionando a disciplina histórica.
Revista Ártemis, n. 03, dez., 2005 (A), p. 02. Disponível em: <http://www.prodema.ufpb.br/revistaartemis>.
Acesso em: 15 de junho de 2007.
2
No século XIX era permitido às mulheres o acesso à educação, porém num nível de instrução que as
mantinham sob o jugo masculino.
3
No século XIX a história política era considerada mais real ou mais séria do que o estudo da sociedade e
cultura.
4
VASCONCELOS, 2005 (A). Op. cit. p. 02.
5
DUBY. Georges & PERROT, Michelle. História das Mulheres no Ocidente. Porto: Afrontamento. São Paulo:
Ebradil, 1991, v. 1.
6
A Escola dos Annales surgiu na década de 1920, com os franceses Marc Bloch e Lucien Febvre que criticavam
os historiadores tradicionais e almejavam substituir a história política por uma “história mais ampla e mais
humana, que abrangeria todas as atividades humanas e estaria menos preocupada com a narrativa de eventos do
que com a análise das estruturas”. Bloch e Febvre fundaram a revista Annales d’Histoire Économique et Sociale,
na qual faziam críticas aos historiadores tradicionais e divulgavam a nova forma de se fazer história. BURKE,
Peter. História e teoria social. São Paulo: Unesp, 2002, p. 30.
7
BURKE, P. História e teoria social. São Paulo: UNESP, 2002, p. 76.
8
VASCONCELOS, 2005 (A). Op. cit. p. 02.
Assim, o gênero pode ser compreendido como uma convenção social, histórica e
cultural, baseada nas diferenças sexuais. Logo, está ligado às relações sociais criadas entre os
sexos. “Gênero é a construção sociológica, política e cultural do termo sexo”9.
Da mesma forma que a categoria gênero depende de um “acordo social” que delimita
os papéis desempenhados pelo gênero feminino e masculino, ela pode mudar dependendo do
período histórico e da sociedade na qual os estudos são elaborados. Portanto, Mergár destaca
que,
As relações de poder entre os gêneros, da mesma forma que os significados, os
valores, os costumes e os símbolos, divergem através das culturas. A religião, a
economia, as classes sociais, as raças e os momentos históricos estabelecem
significados que se consolidam e se relacionam integradamente e agindo em todos
os aspectos do dia-a-dia10
Igualmente, podemos perceber que o termo gênero reporta aos dois sexos e às relações
que são socialmente construídas entre eles. O termo, dessa forma, não se baseia unicamente
na questão biológica e “[...] não significa homem e mulher tal como nascem, mas tal como
[se] fazem, com diferentes poderes, diferentes comportamentos, diferentes sentimentos [...].
Conceitos de gêneros estruturam a percepção do mundo e de nós mesmos, organizam concreta
e simbolicamente toda a sociedade”11.
A autora Rachel Soihet, acredita que os novos métodos e teorias auxiliam no
desenvolvimento das pesquisas historiográficas relacionadas à história das mulheres.
Porquanto é possível trabalhar com novas temáticas relacionadas ao espaço privado cotidiano
como: a sexualidade, a maternidade e a família12. Em relação às temáticas abordadas pelo
estudo de gênero, Nader acredita que após a década de 1970 as discussões acadêmicas deram
ênfase às pesquisas que denotavam a “libertação feminina do jugo que lhe foi imposto pela
sociedade durante milênios”, destacando não só aspectos da vida social da mulher, mas
também temas vinculados à saúde, ao sexo, à maternidade, casamento, divórcio, profissão,
9
MERGÁR, Arion. A representação social do gênero feminino nos autos criminais na Província do Espírito
Santo (1853-1870). 2006. 160 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História Social das
Relações Políticas, Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Vitória,
2006, p. 79.
10
Idem, p. 79.
11
Ibidem, p. 80.
12
SOIHET, Rachel. História das Mulheres. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Org.).
Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
salário, escolaridade, movimento feminista, enfim, uma série de assuntos que envolvem o
gênero feminino13.
13
NADER, Maria Beatriz. A condição masculina na sociedade. Dimensões – Revista de História da Ufes.
Vitória: Ufes, n. 14, 2002, p. 462.
14
Para Peter Burke (Op. cit. p. 71), o conceito de papel social é um dos mais importantes em Sociologia. Esse
conceito é definido com base nos padrões ou normas de comportamento que se esperam daquele que ocupa
determinada posição na estrutura social.
15
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente: 1300-1800. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
Maria trazia a redenção às mulheres mostrando que era possível cumprir o papel de
procriadora, sem exercer o desejo carnal.16.
Logo, é nítido que no Ocidente a imagem das mulheres ora foi diabolizada, ora
santificada, e, a expressão diabólica compunha a noção de uma natureza sexuada selvagem,
rebelde, má, cuja domesticação resultaria na imagem da “boa”, da “verdadeira” mulher. Os
discursos fundadores dessas concepções em torno do feminino vão de Aristóteles a Paulo de
Tarso, passando por inumeráveis caminhos discursivos e temporalidades diversas, entre o
medievo, com as teorias de Santo Agostinho, e, a modernidade, com os discursos de
Rousseau17.
Somente no século XVIII é que a mulher foi reconhecida como a “guardiã da
infância”, mas, tal reconhecimento encontrou algumas barreiras, porquanto não era tarefa fácil
convencer a sociedade de que a mulher, considerada perigosa, poderia se tornar responsável
pelo cuidado com as crianças. A imagem da mulher demoníaca deu espaço para a imagem de
Maria. Anteriormente considerada imperfeita no cumprimento de suas tarefas, a mulher
passou a desempenhar um papel adequado às funções delegadas por Deus, como a tarefa de
ser boa mãe e esposa18.
Reconhecida como “guardiã da infância”, a mulher, mais do que nunca, tinha um
exemplo a seguir, o de Maria. Aquelas que transgredissem o modelo “esposa-mãe-dona-de-
casa-assexuada” eram consideradas desviantes do perfil, do papel social, que a sociedade
espera. Essas mulheres desviantes eram julgadas e culpabilizadas pela sociedade na qual
viviam simplesmente por não quererem ou não poder se encaixar no molde mariano. A
prostituta, por exemplo, era considerada um “anti-modelo” da mulher-mãe, apesar de os
homens que elaboravam tais modelos a considerarem como um “mal necessário”. Assim, na
edificação de um exemplo ideal de mulher, as desviantes seriam associadas à imagem da
prostituta.
Conforme Mergár, o ideal de mulher que subordina sua sexualidade à maternidade, em
contraposição àquelas dotadas de erotismo, perigosas, dadas como criminosas, loucas,
prostitutas, foi nos séculos XIX e parte do XX assegurado pela visão dominante e afirmado
16
VASCONCELOS, Vânia Nara Pereira. Visões sobre as mulheres na sociedade Ocidental. Revista Ártemis, n.
03 dez/2005 (B), p. 06. Disponível em: <http://www.prodema.ufpb.br/revistaartemis>. Acesso em: 15 de jun.
2007.
17
SWAIN, Tania Navarro. Feminismo e representações sociais: a invenção das mulheres nas revistas
“femininas”. História: Questões & Debates. Curitiba: UFPR, n. 34, 2001, p. 16.
18
VASCONCELOS, 2005 (B). Op. cit. p. 08.
por autoridades, como filósofos, médicos e juristas, dando, assim, um respaldo científico para
aquilo que já existia no passado explicado por um ideário cristão19.
19
MERGÁR. Op. cit. p. 83.
20
SOUZA, Alinaldo Faria de. Entre a reclusão e o enfrentamento: a realidade da condição feminina no Espírito
Santo a partir dos autos criminais (1845-1870): desmistificando estereótipos. 2007. 143 f. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas, Universidade Federal do
Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Vitória, 2007, p. 69.
21
SOUZA, Eros de; BALDWIN, John R. A construção social dos papéis sexuais femininos. Psicologia, reflexão
e crítica. v. 13, n.03, 2000, p. 03. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/psicologia/revista>. Acesso em: 15 jun.
2007.
22
RIBEIRO, Arilda Inês Miranda. Mulheres educadas na colônia. In: LOPES, Eliane (Org.). 500 anos de
educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 79.
sexuais. O prazer sexual masculino ficava a cargo das negras escravas, e, à esposa era
proibido sentir tal prazer já que o sexo cabia somente à reprodução23.
Apesar de todos esses modelos e regras que as mulheres deveriam seguir para serem
qualificadas como honradas, existiam aquelas que não se encaixavam em tais modelos, fosse
por situações passageiras ou permanentes, ligadas ao modo de vida. Geralmente esses padrões
eram ditados para as mulheres brancas, pois as escravas, negras alforriadas e mestiças já eram
mal vistas pela sociedade, consideradas como mulheres sem honra. Porém, mesmo as
mulheres brancas nem sempre conseguiam manter esse ideal, como era o caso das mulheres
pobres. Elas precisavam trabalhar fora de seus lares e isso já as caracterizavam, na maioria
dos casos, como mulheres públicas.
Nesse contexto havia três classificações para as mulheres: honradas, desonradas e sem
honra. As mulheres desonradas eram aquelas que praticavam relações extra-conjugais,
perdiam a virgindade antes do casamento ou possuíam um comportamento desajustado
socialmente. Elas manchavam a honra da família ou de seus maridos e, por isso, eram
exemplarmente punidas pelos familiares ou condenadas ao ódio da sociedade. As mulheres
honradas eram aquelas que seguiam os padrões e normas que a sociedade impunha, seguindo
também o ideal de pureza mariano. Deveriam exaltar as virtudes de uma vida recatada e
submissa ao poder masculino, ora do pai, ora do marido. Por fim, as mulheres sem honra eram
aquelas, na maioria, ligadas direta ou indiretamente à prostituição, e, aquelas ligadas ao
submundo das ruas. As escravas, por exemplo, eram consideradas mulheres sem honra.
No geral, a existência dessas mulheres ligadas à prostituição era aceita na sociedade
pelas famílias ricas e pela Igreja, já que ambos segmentos viam-nas como uma forma de
proteger a sexualidade das virgens de boa família. Cabia ainda a essas mulheres a iniciação
sexual dos varões das famílias abastadas. A prostituição era, em muitos casos, a única forma
de algumas mulheres pobres e marginalizadas sobreviverem e sustentarem a família.
O sustento da família fez com que a mulher pobre no período colonail brasileiro
desempenhasse inúmeras funções, tidas muitas vezes como masculinas, como era o caso das
tropeiras e cocheiras. A grande maioria das mulheres pobres possuía atividades como
lavadeiras, cozinheiras, domésticas e vendedoras ambulantes, afirmando Nader que “a
sociedade brasileira, que se pautou no poder masculino, jamais prescindiu da mão-de-obra
23
Idem, p. 83.
24
NADER, Maria Beatriz. Op. cit., p. 197.
25
MERGÁR. Op. Cit. p. 97.
26
MANOEL, Ivan Aparecido. Igreja e educação feminina (1859-1919): uma fase do conservadorismo. São
Paulo: Unesp, 1995, p. 22.
27
SOUZA. Op. cit., p. 82.
28
SOUZA; BALDWIN. Op. cit., p. 03.
O século XIX trouxe mudanças para as mulheres, tanto na Europa quanto na América.
Foi um século no qual, em países mais desenvolvidos, elas buscaram seus direitos e tentaram
igualá-los aos dos homens. No Brasil o patriarcalismo ainda era forte, porque mesmo com sua
Independência as características principais da sociedade se mantiveram, isto é, o
patriarcalismo baseado num meio de produção escravocrata. Segundo Souza, a maior
transformação ocorreu “[...] na década de 1870, quando mudanças socioeconômicas foram
minando as bases do patriarcalismo”29.
Na educação também podemos verificar algumas alterações. As mulheres da elite
tiveram mais acesso à instrução, que era ministrada em suas próprias residências, e, nesse
momento aceita como lago positivo pelos homens. Entendia-se por instrução feminina a
dança, o aprendizado de piano, a escrita e a leitura. Livros eram escritos especialmente para
esse público, não exigindo de suas leitoras um esforço de reflexão e compreensão30. Assim,
traziam temas que não levantavam nenhuma discussão acerca da sociedade, mas, abordavam
principalmente o amor, já que, o grande desejo da maioria dessas mulheres era o de se
casarem. Na verdade, as mulheres deveriam ser educadas e não instruídas, e, esse fato é
notável pelos aprendizados destinados a elas, que não tinham nenhum teor de análise crítica
da sociedade ou conteúdos científicos. Em relação às mudanças Cerdeira destaca que,
Ela não mais permanece reclusa à casa-grande, freqüentando festas, teatros e indo à Igreja, o
que possibilita um aumento em seus contatos sociais. Sua instrução geral, porém, permanece
desvalorizada, uma vez que a sociedade espera que ela seja educada e não instruída. À sua
educação doméstica acrescenta-se o cuidado com a conversação, para torná-la mais agradável
nos eventos sociais31.
Como mencionado, as mulheres recebiam uma determinada educação para aquilo que
a sociedade esperava delas. Como destacado por Hahner “o sistema escolar brasileiro
exprimia o consenso social sobre o papel da mulher. Ensinava-se a ela só o que fosse
considerado necessário para viver em sociedade”32. Agora elas precisavam falar bem em
público, ter familiaridade com algumas artes como a dança, a música e até mesmo outro
idioma, no intuito de serem companhias agradáveis aos seus maridos e às pessoas com quem
29
SOUZA. Op. cit., p. 82.
30
SOUZA. Op. cit., p. 80.
31
MERGÁR. Op. cit., p. 93.
32
HAHNER. June E. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos da mulher no Brasil (1850-1940).
Florianópolis: Mulheres, 2003, p. 73.
CONCLUSÃO
33
SOUZA.Op. cit., p. 82.
34
FRANCO, Sebastião Pimentel. As escolas femininas de formação para o magistério no Espírito Santo:
Primeira República. Dimensões – Revista de História da Ufes. Vitória: Ufes, n. 16, 2004, p. 312.
35
HAHNER. Op. cit., p. 78-79.
36
FRANCO, Sebastião Pimentel. Do privado ao público: o papel da escolarização na ampliação de espaços
sociais para a mulher na Primeira República. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2001, p. 85.
Referências
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1990
DUBY. Georges & PERROT, Michelle. História das Mulheres no Ocidente. (Vol. 1).
Porto: Afrontamento. São Paulo: Ebradil, 1991
37
MALUF, Mariana & MOTT, Maria L. Recônditos do Mundo Feminino. In. SEVCENKO, Nicolau (Org.).
História da Vida Privada no Brasil: República - da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999, p. 371.
MALUF, Mariana & MOTT, Maria L. Recônditos do mundo feminino. In. SEVCENKO,
Nicolau. (Org.). História da Vida Privada no Brasil: República - da Belle Époque à Era do
Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
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