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Razões para a não utilização de atividades práticas por professores de Física no

ensino médio.

Bruno Gusmão Kanbacha [jeeptoyota@yahoo.com]


Carlos Eduardo Laburúb [laburu@uel.br]
Osmar Henrique Moura da Silvac [osmarh@uel.br]
a
Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática/UEL.
b
Departamento de Física/UEL.
c
Doutorando em Educação para a Ciência pela UNESP (Bauru), membro do Grupo de Pesquisas em Ensino de Ciências da
UNESP (Bauru).

Resumo

No Brasil, as atividades práticas passaram a ser amplamente difundidas em meados da década de


sessenta, através dos projetos americanos PSSC, BSSC, CHEMS entre outros. Desde então, vários
pesquisadores em ensino de ciências começaram a fazer uma análise dos modos que estas atividades
poderiam ser trabalhadas e a importância que elas teriam na melhoria da aprendizagem do conteúdo
cientifico. Como conseqüência disto, passou-se a ter um consenso entre pesquisadores e professores, de
que as atividades práticas são importantes para o processo de construção do conhecimento em Física,
Química e Biologia. Mas embora exista este consenso da importância das aulas experimentais, a partir
da segunda metade da década de oitenta, encontra-se na literatura relatos descrevendo que as aulas
práticas vêm cada vez menos sendo utilizadas no Brasil. Os relatos deste tipo, não param por aí,
descrições recentes anunciam que esta situação perdura até os dias atuais e estes autores descrevem
algumas razões para tentar justificar a não utilização de atividades práticas no ensino de Física. Com
base neste panorama, propomos neste trabalho efetuar um estudo através do discurso dos professores
de Física no ensino médio com a finalidade de fazer o levantamento das razões da não utilização de
atividades empíricas. Nosso objetivo é comparar as razões de professores em exercício com o que está
descrito teoricamente na literatura analisando suas coincidências e diferenças.

Introdução

A importância que é dada às atividades empíricas para o ensino de ciência é algo consensual para
diversos autores (Axt 1991; Hodson 1994; Solomon 1988).
As atividades experimentais nas escolas de ensino básicas estão presentes há mais de cem anos,
sendo influenciadas pelo trabalho experimental que é desenvolvido nas universidades (Galiazzi et al.
2001). Mas foi em meados da década de sessenta que este tipo de atividade passou a ser amplamente
difundido, começando pelo Estados Unidos e se estendendo posteriormente a países como o Brasil,
através dos projetos americanos PSSC, BSSC, CHEMS entre outros.
Desde então, vários pesquisadores em ensino de ciências passaram a fazer uma análise crítica com o
objetivo de melhorar a aprendizagem do conteúdo cientifico. Mais fortemente na década de oitenta,
vários autores criticavam duramente a forma com que os professores utilizavam as atividades
experimentais (Solomon1988; Hodson 1994; Millar 1987). Tinha-se a preocupação de evitar que estas
atividades práticas fossem trivializadas, perdendo-se assim seu real significado.
Por volta desta mesma época, percebe-se em alguns autores brasileiros a observação de que as
atividades empíricas vêm, cada vez menos, sendo utilizadas no ensino de Física (Pessoa 1985, Elia
1985, Axt 1991, Barbosa et. al 1999). Mas mesmo com toda a ênfase dada a atividade experimental
pela literatura, vê-se que esta situação se prolonga até os dias atuais (Galiazzi 2001, Borges 2002,
Peixoto 2003). Tomando este fato como referência, temos o objetivo de efetuar um estudo comparativo
entre o discurso empregado pelos professores, quanto à questão das atividades empíricas, e as
justificativas descritas pela literatura para a não utilização destas atividades. Onde se tem como
principal intenção, verificar se estas justificativas da literatura coincidem com o que é apresentado
pelos professores e também, se já existe algo ainda não identificado pela literatura.

Referencial Teórico

Conforme mencionado anteriormente, temos um grande número de autores que se dedicaram e ainda se
dedicam a escrever sobre a importância das atividades empíricas para o ensino de Física. Logo, a
seguir, faremos uma síntese de alguns destes trabalhos, dando uma maior ênfase para as questões que
justificam a importância destas atividades para o ensino, como também as justificativas para a sua não
utilização. Axt, em seu trabalho de 1991, descreve que as atividades práticas são importantes para
aproximar o ensino de ciências das características do trabalho científico, além de ser uma boa forma de
contribuir para a aquisição de conhecimento e o desenvolvimento mental dos jovens. Com relação ao
desenvolvimento mental, como justificativa, o autor cita uma observação de Piaget: “as crianças em
idade de cursar ciências têm seus raciocínios operando sobre situações com significado concreto”.
Desta forma, é importante que os alunos participem de aulas práticas. Ainda se referindo aos conceitos
de Piaget, Axt comenta que as aulas experimentais podem ser importantes para gerar situações de
conflito cognitivo, quando se coloca o aluno diante de fenômenos que ele não consegue explicar com
sua própria concepção. No trabalho de Seré et. al (2003), tem-se uma discussão das vantagens que as
atividades experimentais oferecem, ao possibilitar diferentes tipos de abordagens nas aulas práticas. Em
cada uma destas abordagens, os autores comentam que se pode exigir dos alunos objetivos distintos
como, por exemplo, numa aula onde se salienta a relação entre teoria e experimento. No trabalho de
Pessoa (1985), o autor discute que as atividades práticas são bastante importantes para o ensino de
ciência, pois com as aulas práticas consegue-se colocar o aluno diante de um fenômeno que ele pode
investigar com seus próprios recursos mentais. Para ele, o ideal seria que cada aluno enfrentasse, com
certa independência, certos problemas, planejasse e executasse os trabalhos práticos necessários para
resolvê-lo. Pessoa descreve que os experimentos podem ser importantes para despertar o interesse dos
alunos, para sugerir problemas a eles, para fazer distinção entre vários fatores que causam um
determinado efeito, para proporcionar dados para, confirmar ou refutar hipóteses e para oferecer
situações novas nas quais se possa utilizar o aprendido. No trabalho de Borges (2002), há algumas
críticas à forma com que a atividade prática vem sendo tradicionalmente usada e com base nestas
críticas, o autor discute algumas alternativas, potencialmente mais relevantes e, pedagogicamente mais
interessantes. Neste trabalho, o autor descreve que as razões para o não uso de atividades experimentais
devem-se ao fato de não existirem atividades já preparadas para o professor, falta de recursos para a
compra de componentes e de materiais de reposição, falta de tempo para o professor planejar as suas
atividades, laboratório fechado e sem manutenção e de uma postura equivocada quanto à natureza da
Ciência. Semelhantemente a este autor, Pessoa (1985) também apontou que o laboratório sem
manutenção e falta de tempo para a preparação das aulas, como sendo razão para a não utilização de
aulas práticas. Além destas razões, Pessoa salientou que em muitos casos, a formação do professor não
permite que ele faça uso de atividades práticas e também que não há disponibilidade de laboratorista
nos colégios. No trabalho de Axt (1991), coloca-se a formação do professor e a falta de materiais como
os grandes responsáveis pela não utilização de atividades empíricas. Com relação ao problema na
formação, o autor comenta que os professores não são capazes de dosar suas aulas práticas com o
tempo que tem disponível. Por fim, numa pesquisa realizada em Portugal, Thomaz (2000) observou
que a não utilização de atividades práticas está ligada com o fato de os professores terem uma postura
errada da natureza da ciência e de não saberem qual é o papel do laboratório no ensino de Física.
Metodologia

Por meio de entrevistas semi-estruturadas, teve-se o objetivo de obter o discurso utilizado por
professores que utilizam ou não atividades experimentais nas aulas de Física do ensino médio. A
mostra de professores que fizeram parte das entrevistas é de um total de 10 (Dez) e engloba professores
do ensino médio da rede pública e privada na cidade de Londrina. Todos os professores que fizeram
parte da pesquisa, obrigatoriamente lecionam na disciplina de Física, independentemente de sua
formação. A entrevista consiste de duas etapas, onde na primeira parte, são feitas perguntas visando
obter informações a respeito do cotidiano do professor na sala de aula e também procurando saber se
as atividades empíricas estão ou não presentes na sua prática docente. Já na segunda etapa, o professor
fica a vontade para falar sobre a sua relação com as aulas práticas e também algumas razões que, na sua
opinião, são importantes na decisão de se utilizar ou não atividades práticas e que não foram abordadas
ao longo da primeira parte da entrevista.

Análise dos Resultados

O total de professores entrevistados foi de dez, entre estes, cinco eram de escolas particulares e os
outros cinco restantes, professores da rede estadual. Algumas características apresentadas no discurso
dos professores são comuns a todos os entrevistados. Por exemplo, dentre todos os entrevistados,
nenhum se queixou de sua formação ser insuficiente para que possibilite o uso de atividades práticas.
Todos os professores acham que é importante participar de cursos de capacitação que envolva
atividades empíricas e também acreditam que as aulas práticas são importantes para o ensino de Física
e devem estar presentes no cotidiano de sala de aula. Com exceção do professor P3, todos os outros
entrevistados são licenciados em física. O professor P3 é bacharel em física. Os professores P5 e P7
trabalham em colégios particulares. Nestes colégios, tem-se a disponibilidade de equipamentos e de
uma aula semanal para as aulas práticas. Ambos os professores trabalham com os alunos, pelo menos
uma vez na semana, com aulas práticas. O colégio não os obriga a utilizar o laboratório, mas eles
acreditam que isto é importante e por isso o fazem. O professor P5 se queixa que as aulas práticas dão
bastante trabalho para se preparar, pois o colégio não tem laboratorista, mas mesmo assim ele faz uso
deste tipo de aula. Já o professor P7 não tem este problema, pois o colégio dispõe de laboratorista. O
professor P1 (escola pública) diz que o fator limitante na utilização de aulas práticas é o grupo de
professores que existe no colégio. Se o colégio tiver professores de Química e Biologia que fazem uso
de aulas práticas, fica bom de se trabalhar com estas atividades em Física, pois os alunos já sabem
como devem se comportar. Nestas situações, o professor P1 chega a trabalhar duas vezes por mês com
seus alunos em aulas práticas. Já quando os professores não têm o costume de trabalhar com aulas
práticas, fica inviável, pois se perde muito tempo para organizar os alunos em sala e para tentar fazer
com que eles entendam o que é para ser feito. O professor P2 (escola pública) utiliza poucas aulas
práticas com seus alunos (cerca de oito aulas no ano), o fator que o impede é a baixa carga horária
semanal de aulas. O professor P3 (escola pública) faz uso constante de aulas práticas com suas turmas.
Para ele, as aulas práticas sempre foram bastante frutíferas. O professor P10 (escola pública) também
sempre faz uso de aulas práticas com seus alunos. Para ele, as aulas práticas são bastante importantes
para se introduzir um novo assunto. O professor comenta que, apartir do momento em que se mostra o
fenômeno, os alunos ficam motivados a aprender o conceito que vem na seqüência. Os professores P3 e
P10 não se queixam de nenhum problema que possa influencia-los a parar com as aulas práticas. Os
professores P4, P6 e P8, trabalham em colégios particulares, onde o sistema de ensino em todas as
séries, é o que trabalha com a resolução de problemas visando os concursos de vestibular. Nestas
escolas, os professores disseram que não há permissão para se usar aulas práticas, pois pode haver um
atraso na programação das matérias. Todo o conteúdo anual da matéria de Física é trabalhado na forma
de resolução de questões de vestibular. O professor P9 (colégio público) não utiliza aulas práticas com
seus alunos, um dos fatores que ele aponta como justificativa desta realidade, é o fato de os alunos não
se comportarem bem dentro da sala de aula e também por causa de o colégio não dispor de uma infra-
estrutura (laboratório e equipamentos). Uma observação a ser feita é que: todos os professores das
escolas públicas se queixaram da falta de espaço físico e também de equipamentos nos colégios. Estes
professores relataram que costumam fazer uso de atividades práticas com experimentos construídos por
eles próprios e em alguns casos, em conjunto com os alunos. Somente o professor P10 relatou, que em
um dos dois colégios em que ele ministra aulas, existe uma disponibilidade de equipamentos e
laboratório.

Conclusões

De acordo com a literatura, a falta de infra-estrutura influência bastante no fato de não haver utilização
de atividades práticas, mas de acordo com os dados, percebemos que os professores P1, P2, P3 e P10
reconhecem que existe a falta de material, mas não é um fator determinante. Somente o professor P9
que apontou a falta de equipamentos como sendo um problema que leva a não utilizar atividades
experimentais, juntamente com a questão comportamental dos alunos. O professor P1 diz que, se os
professores de Química e Biologia utilizassem aulas práticas, é este o fator que vai viabiliza-lo a
utiliza-las também. O professor P2 pode se identificar com a característica descrita por Axt : “os
professores não conseguem dosar suas aulas experimentais com a disponibilidade de tempo”. Os
professores P5 e P7 não têm problemas com falta de equipamentos. O professor P5 se queixou da
ausência de laboratorista, mas isto não chega a ser um fator que o leve a não utilizar aulas práticas. Os
professores P4, P6 e P8 trabalham no sistema tradicional porque são obrigados a fazer isto. Os colégios
destes professores nem chegam a investir em laboratórios e equipamentos. Dê uma maneira geral,
podemos dizer que os fatores que levam a não utilização de aulas práticas mudam bastante de professor
para professor. A questão da falta de equipamentos não chega a ser tão decisiva assim como é colocado
pela literatura. Agora, questões como interação do aluno com as aulas experimentais e a utilização de
aulas práticas pelos professores de Química e Biologia com as mesmas turmas do professor de Física,
influenciar no comportamento do professor, não se encontram na literatura.

Referências Bibliográficas

- Hodson, D. Hacia un enfoque más crítico del trabajo de laboratório. Ensenanza de las Ciências,
v. 12, n. 3, 1994.
- Solomon, J. Learning through experiment. Studies in Science Education, v. 15, 1988.
- Galiazzi, M.C. , Rocha, J.M.B. , Schmitz, L.C. , Souza, M.L., Giesta, S. e Gonçalves, F.P.
Objetivos das atividades experimentais no ensino médio: a pesquisa coletiva como modo de
formação de professores de ciências. Ciência & Educação, v. 7, n. 2, 2001.
- Barbosa, J.O., Paulo, S.R.e Rinaldi, C. Investigação do papel da experimentação na construção
de conceitos em eletricidade no ensino médio. Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 16, n. 1,
1999.
- Axt, R. O papel da experimentação no ensino de ciências, in Moreira, M.A. & Axt, R., Tópicos
em ensino de ciências, Sagra, 1991.
- Borges, A.T. Novos rumos para o laboratório escolar de ciências. Caderno
Brasileiro de Ensino de Física, v. 19, n. 3, 2002.
- Pessoa, O. F., Gevertz, R., Silva, A. G. Como ensinar ciências, Vol. 104, 5ª Ed., 1985
Companhia Editora Nacional, São Paulo – SP, Brasil.
- Peixoto, M. A. N., Silva, F. W. O. Os laboratórios de ensino de Física nas escolas estaduais de
Belo Horizonte, Ata do XV SNEF, 2003.

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