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PROFISSIONAIS DA INFORMAÇÃO
Lúcio Farias
Professor da Universidade Federal da Bahia
Doutorando da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Orientador: Armando Malheiro da Silva
Co-orientadora: Isabel Margarida Duarte
fariaslucio@gmail.com
Não apenas em termos da União Europeia dos actuais 27 países, mas também no espírito da
modernidade e globalização dos avanços tecnológicos, quanto mais se adoptam políticas comuns
em áreas económicas, sociais e culturais, tanto mais se partilham espaços geográficos
caracterizados por enorme diversidade cultural e linguística. Se, por um lado, devem-se prezar e
defender os valores naturais e culturais de cada nação, de modo especial a língua como elemento
primário da identidade étnica de um povo1, por outro, quem se dedica às ciências, artes ou ofícios,
sente a necessidade de utilizar linguagem especializada, de cunho teórico-científico supranacional,
ou seja, produtos terminológicos internacionalmente aceites, como uma espécie de interlíngua.
Nunca, porém, em termos daquela artificial lingua internazionale2 para a comunicação dos
cientistas.
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1 – “Minha pátria é a língua portuguesa.” (Fernando Pessoa). “ O que quer, o que pode esta língua. Eu não
tenho pátria: tenho mátria e quero frátria.” (Caetano Veloso, na canção Língua).
2 – Foi criada em 1903 por Giuseppe Piano. Entre 1924 e 1951, a International Language Association
lançou uma outra com a mesma finalidade.
Na geração da informação e gestão do conhecimento, destaca-se cada vez mais a
multifuncionalidade das linguagens de especialidade. Uma documentação terminológica bem
cunhada e organizada resulta na criação de bancos de dados terminológicos para uso
multidisciplinar. Neles são disponibilizados sistemas de conceitos para a aquisição compartilhada
do conhecimento. Eles são instrumentos úteis na migração do fluxo informacional tanto na
comunicação interindividual, quanto na intra e interinstitucional. Também estabelecem interfaces
com módulos de sistemas de informação de vária origem.
Nas relações entre língua e ciência, entre as tarefas dos linguistas ou terminólogos e as dos
cientistas ou especialistas, surgem agora múltiplas possibilidades de cooperação. Entretanto, nesse
relacionamento confluem preocupações tanto na precisão conceptual da ciência, quanto na
harmonização e correcção da linguagem. Ademais, convém atentar para o facto de que o emprego
indevido ou distorcido de conceitos em voga e a incorrecção linguística na tradução / adaptação de
termos têm contribuído para a difusão e perpetuação de erros ou equívocos conceptuais e/ou
terminológicos. Por isso, a parceria entre ciência e língua contribui para a adaptação ou tradução
de termos e apresentação e difusão de definições correctas dos conceitos. Entretanto, considerando
que a integração de nações com línguas e culturas diferentes em organismos de cooperação
mundial pode gerar processos suspeitos de deriva terminológica, persiste uma dúvida: traduzir ou
não traduzir certos termos técnico-científicos para o português, mormente os que designam
conceitos excentricamente singulares, controversos, heterogéneos ou mesmo enganosos em uso
nesta navegação conceptual hodierna. A esse respeito diz Paul Teyssier (2006, p.749): “Quand on
analyse en quoi consiste la traduction, on arrive à la conclusion que celle-ci ne peut être le plus
souvent, en toute rigueur, qu’approximative et imparfaite.” Mesmo assim, os cientistas não
prescindem das traduções, nem dos recursos disponibilizados pelas obras de referência, e, como
ressalta Malheiro da Silva (Ibid.,p. 67),“recorrer a um dicionário ou a uma afamada enciclopédia para
importar definições dignas de consenso e de credibilidade é solução difícil de recusar, quando o tema em
análise se joga numa boa colocação da semântica dos termos e das noções axiais.”
Fantina Tedim Pedrosa et al. (2005 ,p.183), em texto publicado em homenagem a Mário
Vilela, asseveram:
Nesse contexto, o contributo dos linguistas e terminólogos apresenta-se como fundamental
em diferentes aspectos: na tradução fidedigna de conceitos, contribuindo para uma
delimitação de fronteiras entre áreas conceptuais contíguas, no aproveitamento pelos
especialistas dos recursos linguísticos existentes e mais adequados e mesmo na criação de
novos termos (neónimos) para conceitos novos ou que continuam sem designação.
(…) uma terminologia é caracterizada pelo facto de os elementos que a constituem serem
unívocos, ou seja, a cada termo corresponder apenas um significado no universo de
referência. Esta característica inerente às terminologias torna-as num instrumento
indispensável na construção e desenvolvimento da área em que se situam, participando
assim da natureza da linguagem verbal que sustenta interactivamente a construção do
mundo em que se movem os falantes.
Nessa mesma linha de pensamento, Isabel Margarida Duarte (2005, p.100), abordando a
terminologia linguística,3 salienta as coerências lógico-conceptual e pragmático-funcional, factores
de textualidade resultante da interacção entre elementos textuais e os estados das coisas, o
conhecimento do mundo. Destarte, diz ela: “O funcionamento da língua não pode ser dissociado
do seu contexto de utilização, da sua inscrição no mundo social, da sua inserção nas interacções
humanas.”
Finaliza-se com uma frase de Paulo Freire, transcrita por Malheiro da Silva na introdução
do seu livro aqui citado: “A leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta
implica a continuidade da leitura daquela”.
REFERÊNCIAS
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XX: o dicionário da língua
portuguesa. 3.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
PEDROSA, Fantina T. et al. Dar a palavra à ciência: diálogos entre linguística e linguagens de
especialidades a propósito de um dicionário terminológico. In: Estudos em homenagem ao
professor doutor Mário Vilela. Secção de Linguística / Departamento de Estudos Portugueses e de
Estudos Românicos. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2005. v. I, p. 181-192.
TEYSSIER, Paul. Peut-on traduire la poésie? In: Revista Portuguesa de Filologia: miscelânea de
estudos in memoriam José Gonçalo Herculano de Carvalho. v. XXV, t. 2, p.749-758. Instituto de
Língua e Literatura Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2003-2006.