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Ilustrações Thiemi Okawara

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gestão empresarial

Dilemas, paradoxos
e a gestão ambidestra
POR RUDOLF GABRICH

No mundo organizacional contemporâneo, é e dos acionistas pela entrega de resultados de curto


comum encontrarmos executivos que, ao se depa- prazo. No setor da saúde, por exemplo, esse para-
rarem com uma situação complexa e ambígua, doxo se materializa a partir da aparente contradição
consideram que têm um dilema para solucionar. entre modelos de negócio atuais, fundamentados
No entanto, muitas dessas situações não são exa- em conhecimento médico que foi produzido a partir
tamente dilemas, mas paradoxos que nascem de de grandes médias estatísticas, e os modelos de
alternativas opostas e interconectadas, o que eleva negócio futuros, construídos sobre conhecimento
bastante o grau de complexidade e exige uma abor- médico produzido por algoritmos criados para tratar
dagem distinta daquela utilizada para solucionar grandes quantidades de dados da população (Big
um dilema. Neste artigo, apresento as diferenças Data). No Brasil, o estopim desse paradoxo está
fundamentais entre dilemas e paradoxos, para sendo a integração e disponibilização de grandes
então analisar o processo e as abordagens de ges- bancos de dados – como os do Ministério da Saúde
tão mais adequadas a cada tipo de situação. e os sistemas de informações sobre Nascidos Vivos
Para discutir essas diferenças, proponho utili- e Mortalidade. No limite, o avanço na precisão do
zar um dos paradoxos mais recorrentes no discurso conhecimento epidemiológico possibilitará mais
de presidentes de empresas, nesta era de avanços eficiência e eficácia dos recursos aplicados em
tecnológicos: aquele que decorre da pressão, simul- saúde e deve revolucionar toda a cadeia do setor,
tânea, dos competidores que estão mudando as desde as operadoras de planos de saúde, passando
regras do setor com inovações no modelo de negó- pelos hospitais, até chegar aos fornecedores de
cio (como tecnologias e organizações exponenciais) materiais e medicamentos.

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Em trabalho recente, com foco na arquitetura O paradoxo, por outro lado, comporta alterna-
organizacional de uma grande operadora de pla- tivas opostas entre si, quando observadas isolada-
nos de saúde com sede no estado de São Paulo, mente, mas sinérgicas se analisadas na perspectiva
pude observar como os executivos do setor estão de um sistema mais amplo. Ou, como definem
lidando com essas mudanças. Numa entrevista Smith & Lewis (2011), “paradoxos são compostos
com o presidente da empresa, ouvi a seguinte por elementos contraditórios e inter-relacionados,
afirmação: “estou diante de um grande dilema: que existem simultaneamente e persistem ao longo
estamos investindo de modo incipiente, mas do tempo”. Essa definição abrange os dois princi-
importante, no desenvolvimento da capacidade pais componentes de um paradoxo. O primeiro são
de análise de grandes quantidades de dados e as tensões subjacentes – o limite interno de cada
já temos pequenos frutos desse investimento na opção cria uma distinção e reforça a oposição entre
melhoria da gestão de nossa rede de prestadores. elas. Nesse aspecto, o paradoxo se iguala ao dile-
Por outro lado, tenho sofrido intensa pressão do ma, e o questionamento empático pode colaborar
conselho de administração para reduzir o tamanho para o seu esclarecimento. O segundo componente
e os recursos aportados nessa área. Em função da são as sinergias – o limite externo e mais amplo
crise, tivemos uma importante perda de receita entre as alternativas esclarece as sinergias pela
em nossa carteira empresarial e isto está pressio- construção de um todo coerente. Para iluminar esse
nando nossos custos e despesas. Os conselheiros componente, é preciso adotar um questionamento
estão preocupados com a assembleia geral que se reflexivo do tipo “e se adotarmos as duas alterna-
aproxima e gostariam de reafirmar aos cooperados tivas?”, ou “quais sinergias podemos potencializar
o compromisso de que entregaremos os resultados a partir das duas alternativas?”, para examinar as
contratados para o ano”. Mais do que ilustrar o implicações e potenciais ganhos na integração. O
potencial impacto disruptivo do Big Data no negó- símbolo taoísta do Yin-Yang – energias opostas que
cio da operadora, a frase demonstra que o CEO não se complementam e são o fundamento da totalida-
estava diante de um dilema, mas sim de um para- de – é perfeito para ilustrar a dinâmica do paradoxo
doxo. E tentar resolvê-lo como um dilema talvez como um processo que provoca, muitas vezes, um
não seja a abordagem mais adequada. novo olhar sobre o problema.
Nesse sentido, é importante partirmos de uma Podemos citar como exemplo uma empresa de
correta conceituação de dilema e paradoxo, pois tecnologia de informação de São Paulo, em franco
há diferenças importantes entre as duas situações, crescimento, que se encontrava diante do parado-
como veremos a seguir. xo de conjugar uma proposta de valor – em que
Em um dilema, cada opção apresenta van- “chama seus clientes pelo nome” e constrói solu-
tagens e desvantagens claras e, para resolvê-lo, ções individuais pelo atendimento direto (cada vez
é preciso analisar seus prós e contras. Fazendo mais difícil de manter, à medida que a empresa
uso de um questionamento empático, do tipo “e cresce) – com produtos e um atendimento padro-
se defendermos a alternativa oposta?”, podemos nizado que permitem aumentar a base de clientes
explorar as perspectivas de uma alternativa e (mas que acaba levando estes mesmos clientes a
acentuar as polaridades existentes entre elas. se “tornarem números em filas de chamados”).
Outra importante característica do dilema é que A empresa poderia até tratar a questão como um
ele comporta em si mesmo sua solução. Ou seja, dilema e optar por não crescer, para manter seu
na medida em que se aprofunda a análise das posicionamento diferenciado no mercado. Mas
vantagens e desvantagens de cada opção, a solu- essa opção poderia levar a outro paradoxo: como
ção naturalmente emerge da melhor relação custo/ não crescer e não ser potencial alvo de aquisições
benefício. Por exemplo, se uma empresa está no futuro? Assim, a organização decidiu adotar
pensando em expandir suas operações para outras uma perspectiva mais ampla – a necessidade de
regiões do país, pode fazer um levantamento de crescer e manter a intimidade com clientes –, o
mercado entre as diversas opções e, a partir daí, que a levou a desenvolver um modelo operacional
escolher a que tenha o maior potencial de retorno inovador, conjugando os pilares de evolução tecno-
em relação ao custo envolvido. lógica, customização e acordos de nível de serviço.

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A GRANDE DISTINÇÃO ENTRE internos conflitantes. Reúnem desde especializa-
ção E generalização, passando pela centralização
DILEMA E PARADOXO ESTÁ E empoderamento, eficiência E flexibilização das
NO FATO DE QUE O DILEMA rotinas, até chegar aos fluxos de conhecimento
top-down E fluxos de conhecimento laterais e
COMPORTA UMA ESCOLHA, bottom-up. Como exemplo, podemos citar o para-
MAS O PARADOXO NÃO doxo vivido pela área de compras de uma grande
empresa construtora de unidades residenciais:
como, e em que medida, centralizar as compras
para garantir escala e poder de barganha contra
fornecedores E flexibilizar as compras para garantir
atendimento local e tempestivo em obras espalha-
das por todo o Brasil? Esse é o típico paradoxo
que os executivos buscam resolver como dilema,
estabelecendo níveis de alçada, mas sua tensão
insiste em reaparecer com o tempo. Não é de se
Portanto, a grande distinção entre dilema e estranhar, portanto, que muitas organizações per-
paradoxo está no fato de que o dilema comporta maneçam em constante mudança de sua arquite-
uma escolha, mas o paradoxo não. No dilema, tura organizacional, em busca da “solução ideal”.
a exploração das vantagens e desvantagens das O que, obviamente, não existe, quando lidamos
alternativas ilumina aquela que vai solucioná-lo. com paradoxos.
Para o dilema, é uma alternativa OU outra. No • Paradoxos de liderança – geralmente, se
paradoxo, como somente a exploração das siner- originam de forças para a convergência e a mudan-
gias entre as alternativas pode encaminhar sua ça. Esses paradoxos abrangem desde a promoção
solução (ainda que temporária), é uma alternativa da competição E da colaboração, passando pelo
E outra. estímulo à tomada de decisão individual E com-
Podemos encontrar vários tipos de paradoxos partilhada, até chegar à cobrança por resultados E
organizacionais. suporte às equipes. Muitos líderes se preocupam
• Paradoxos estratégicos e de sustentabilida- com resultados aquém do esperado de equipes com
de – vêm da pluralidade de partes interessadas muito tempo de casa e pensam em mudar o seu
na organização, o que muitas vezes resulta em estilo de gestão, mas também se inquietam com os
demandas estratégicas conflitantes. Como exem- impactos que podem causar no clima organizacio-
plo, podemos citar os conflitos pela terra, que nal. Como cobrar resultados individuais E manter
envolvem muitas empresas responsáveis por gran- um modelo de gestão colaborativo na empresa?
des áreas cultivadas no Brasil. Nesse caso, como Esse é um dos paradoxos mais complexos, pois tem
entregar resultados aos acionistas da empresa E potencial para extrapolar os limites do exercício da
promover desenvolvimento econômico e social das liderança propriamente dito e chegar aos indicado-
comunidades impactadas por suas operações? res e metas utilizados na gestão estratégica e no
• Paradoxos de aprendizado organizacional – sistema de reconhecimento da empresa.
como o exemplo da operadora de planos de saúde,
envolvem uma tensão entre manter sua competiti- A GESTÃO AMBIDESTRA Diferentemente dos dile-
vidade no modelo de negócios atual E construir as mas, cuja resposta exige a escolha da alternativa
competências necessárias a um futuro incerto. Em de melhor custo/benefício, as respostas aos para-
outras palavras, a questão que se coloca é: “como doxos passam pelas alternativas opostas, num
reutilizar e refinar o conhecimento já existente na equilíbrio dinâmico. Essas respostas podem ser
empresa E buscar e incorporar novos conhecimen- de “negação”, “aceitação” ou escolha da “gestão
tos que estão fora dos limites da organização”? ambidestra”. O equilíbrio dinâmico significa que,
• Paradoxos de organização – surgem nos com- em qualquer uma delas, há um contínuo movimen-
plexos sistemas que criam arranjos e processos to de forças opostas, como no símbolo do Yin-Yang.

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Na “negação” se utilizam mecanismos de Por fim, a “gestão ambidestra” pode fazer uso
defesa – como a recusa, repressão, humor e até da ciclagem temporal, da diferenciação estrutural
incompetência hábil – para evitar as inconsis- ou da síntese contextual. Na ciclagem temporal,
tências iluminadas pelo paradoxo. Analisando uma alternativa é escolhida por um período de
o exemplo do paradoxo das tecnologias expo- tempo, ao final do qual se faz o chaveamento para
nenciais, citado anteriormente, é muito comum a alternativa oposta. Se esse modelo de gestão
ouvir frases de recusa e repressão abertas, como fosse aplicado no exemplo citado, a operadora
“nossos clientes não irão buscar essas empresas de planos de saúde retomaria o investimento na
exponenciais, que não têm porte para atendê- competência de análise de grandes quantidades de
los”, “já conhecemos essa tecnologia e não é dados e desenvolveria um primeiro produto, prova-
viável economicamente”, “não precisamos dis- velmente para aplicação interna. Então, mudaria
so”. A incompetência hábil, como o próprio nome o foco da equipe desenvolvedora para suportar a
sugere, é um pouco mais elaborada e sutil – os implantação desse produto e o ganho de eficiên-
executivos emitem mensagens ambíguas (“sejam cia, o que traria os resultados – e o reconhecimen-
inovadores e assumam riscos, mas com caute- to – necessários ao próximo ciclo de investimento.
la...”), mas fazem questão de ignorar suas incon- E assim, sucessivamente. Além da habilidade
sistências e/ou de colocá-las em discussão (“... da liderança em dar o ritmo ao chaveamento, é
mas não se preocupem muito, pois veremos como preciso também pensar no desenvolvimento da
nos adaptamos durante a caminhada”). Em sínte- competência da equipe e, periodicamente, mudar
se, todos esses mecanismos não são exatamente o seu modelo mental de atuação.
respostas ao paradoxo, mas a simples negação de Na diferenciação estrutural, alocam-se as for-
sua existência. ças opostas em unidades organizacionais distintas.
Na “aceitação”, busca-se separar as tensões Essa dinâmica se refere à arquitetura da organi-
e analisar suas diferenças. Para conviver com zação que mantém duas unidades – de negócio,
os paradoxos, os atores organizacionais devem departamentos ou equipes – distintas, uma com
mudar sua perspectiva de racionalidade e lineari- foco no resultado presente, e outra, voltada para os
dade para uma nova visão, como quebra-cabeças resultados futuros. Em nosso exemplo, a operadora
persistentes e insolúveis. A aceitação pode ser de planos de saúde investiria numa estrutura dedi-
passiva ou proativa, mas ambas exigem maestria cada, provavelmente fora do ambiente da empresa
na competência de mediação de conflitos. Na e com custos menores, para desenvolver a com-
aceitação passiva, a tensão dos polos opostos petência de análise de grandes bancos de dados.
aparece naturalmente, o que implica liberdade Uma alternativa que também ajudaria a minimizar
para que a equipe busque novos conhecimentos custos e riscos seria se associar a ou estimular
e empoderamento dos defensores de alternativas uma startup, com esse propósito.
opostas. A liderança, nesse caso, deve promover O problema da diferenciação estrutural recai
um debate democrático, amplo e aberto sobre as sobre o nível de integração necessário para ope-
alternativas, mas também conduzir a tomada de racionalizar as duas unidades. Como abordado em
decisão com pulso firme e justo, para minimizar artigo anterior, publicado na DOM 29 (2016), a
a ansiedade e evitar conflitos disfuncionais que separação estrutural entre unidades de negócio ou
possam retardar o avanço organizacional. Na áreas, especialmente quando se trata de atividades
aceitação proativa, a tensão entre polos opostos é com enfoque distinto (explotação e exploração),
induzida pela liderança de modo deliberado. Para traz consigo grandes tensões de integração, exi-
isso, podem-se utilizar diversos mecanismos, gindo o uso mesclado de mecanismos diretos, com
como a troca periódica de membros da equipe foco no resultado final, e mecanismos indiretos,
por elementos externos ou o reconhecimento de focados nos meios que podem induzir resultados
práticas opostas ao senso comum, existentes finais. Quanto maior a tensão entre áreas, mais se
na empresa. Novamente, a arte está em saber deve balancear dinamicamente esses mecanismos,
quando se mover do conflito para a síntese das o que requer um “maestro” interno e um bom
alternativas e quando reabrir o ciclo. investimento de tempo e recursos em sua gestão.

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Por fim, na síntese contextual, busca-se um
mecanismo que acomode os polos opostos, ao PARA SE APROFUNDAR NO TEMA
mesmo tempo e sob a mesma unidade organiza-
cional. Em última instância, ela acontece menos GABRICH, R.; REVILLA, E. Building ambi-
na organização e mais nos indivíduos responsá- dexterity by structural differentiation: the
veis pela tomada de decisões. Por isso, requer o moderating role of context. The Academy of
desenvolvimento de executivos ambidestros, com Management Proceedings, Briar Cliff Manor
uma competência dialética que lhes permita gerir NY, 2015. p. 1-40.
ambiguidades e promover sínteses por meio da
GABRICH, Rudolf. A dinâmica da integra-
integração dos opostos que, num curto espaço de
ção em organizações ambidestras. DOM: a
tempo, serão confrontados por uma nova oposição,
revista da Fundação Dom Cabral, Nova Lima,
reabrindo o ciclo. Para isso, a empresa vai precisar
v.10, n.29, p. 50-56, mar./jul. 2016.
de subsistemas de desenvolvimento organizacional
e de recursos humanos bastante avançados. GABRICH, Rudolf. Inovação e excelência
Nesse sentido, a gestão ambidestra dos para- operacional: características da empresa
doxos organizacionais exige mudanças tanto no ambidestra. DOM: a revista da Fundação
nível individual quanto no da organização. No nível Dom Cabral, Nova Lima, v. 5, n. 13, p.
individual, requer complexidade cognitiva e com- 84-89, nov./fev. 2010/11.
portamental, desenvolvida a partir da capacidade
de se colocar na defesa da tensão oposta e sinteti- LÜSCHER, L.; LEWIS, M. Organizational
zar uma abordagem inovadora para as alternativas change and managerial sensemaking:
que se apresentam. No nível organizacional, requer working through paradox. Academy of
o desenvolvimento de uma competência dinâmica, Management Journal, Briar Cliff Manor NY,
ou seja, uma capacidade de abstração e aprendi- p. 221-240, Apr. 2008.
zado de segunda ordem que permita a constante
SMITH, W.; LEWIS, M. Toward a theory of
revisão da estratégia, dos processos, da estrutura
paradox: a dynamic equilibrium model of
e das competências organizacionais e individuais.
organizing. Academy of Management Review,
Organizações de certeza – cujos executivos autos-
Briar Cliff Manor NY, p.381-403, Apr. 2011.
suficientes têm respostas prontas para quaisquer
perguntas provocativas – terão muita dificuldade VOSS, G. B.; VOSS, Z. G. Strategic ambidex-
em lidar com paradoxos. A gestão de paradoxos terity in small and medium-sized enterprises:
exige de executivos de sucesso o questionamento implementing exploration and exploitation in
sincero do próprio caminho que os levou até lá. product and Market domains. Organization
Science, Catonsville, v. 24, n. 5, p. 1.459-
1.477, Sep./Oct. 2013.
Rudolf Gabrich é professor da Fundação Dom Cabral.

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