Um casal resolve tomar café fora, num domingo de sol.
Ou então, melhor assim:
Às pressas, um casal sai rapidamente de casa, num domingo
de manhã, logo após o telefonema de seu filho. O menino assustado disse que estava com bolhas em todos os dois braços, algumas do tamanho de uma folha de árvore. Como o menino passou a noite fora - a festa do pijama - correram cegos e ansiosos. A mãe dirige mecanicamente o automóvel - cuidadosa como sempre -, quando o pai atende ao telefone, no meio do caminho. Ao viva voz, o menino diz que "Fiquem mais calmos, pois as bolhas sumiram. "Como assim, sumiram?" Em seguida, pede para ficar mais tempo brincando com os amigos. A mãe cuidadosa, ainda ao volante, pergunta se "Você dormiu bem, meu lindo?" O pai sorri ao vislumbrar a cena dos dois e gargalha quando o menino termina a mensagem com um sonoro e desinteressado... "Tchau!"
Os dois resolvem dar um tempo nas proximidades, porque
"Daqui a pouco pegamos ele, né bem?" é melhor do que voltar tudo de novo. Estacionam o automóvel numa padaria, resolvendo tomar um café, como nos velhos tempos. Mesmo assim ao ,ongo do simples café, os interesses são díspares e divergentes. A mulher quer logo sentar a mesa. O marido a deixa parcialmente sozinha, de olho nela, ciumento, e sai em busca de um jornal, tentando salvar a manhã. mas quando volta, percebe que sua mulher mudou de lugar. Lá está ela sorrindo pra vida, acomodada numa mesinha dos fundos, sentada ao sol, diante do parque. Ideal. Barulho calmante matinal das folhas dos jornais, talheres, o serviço de copa e mesa, louças, dizeres cruzados. Funcionários varrendo e tirando o enxoval das mesas desocupadas, novos casais se aproximando, motoristas sentados. Conversas amenas e próximas se entrecruzando. O alegre casal pede os seus cafés a uma séria funcionária que não sorri diante dos comentários animados; os pedidos são registrados britanicamente, mas demoram para chegar. No entanto, como os dois tem partes do jornal assim dividido, não baixam a bola, sorrindo silenciosamente. Ela está folheando os cadernos classificados e ele tentando ler os cadernos culturais. Cafés de todo tipo são servidos para a maioria das mesas ao lado, mesmo para aquelas mesas em que os clientes chegaram muito depois: os dois trocam olharem e começam a se sentir incomodados. Agora o marido quase pede dois cafés no balcão, vazio. Em cima da hora, chegam os dois cafés. Acontece que estão errados, não pediram omeletes e salada, mas um café continental simples. Voltam a esperar com paciência, pois uma casa cheia tem seus problemas, nada de mais voltar aos jornais, mesmo com fome.
O homem relata, então - fingindo-se animado -, os ideais
contidos num artigo sobre a arte, a imigração e o reconhecimento dos artistas em seus países natais, como Tomie ou Volpi, que não tem créditos no Japão ou Itália. A mulher canta relatando, quase ao mesmo tempo, anúncios publicitários dos preços de casas e automóveis, televisões, sofás, camas, ferros de passar e demais artigos eternamente em promoção. Os dois notam a ênfase dada à demonstração de total desinteresse no que cada um dizia. Os dois já tomavam cafés, tendo largado os jornais e colocado as xícaras brancas, cujas asinhas estavam sujas de tinta, nos respectivos pires. Os cafés eram dos dois. Os papéis de cada um... O marido pede mais pãezinhos, e para sua mulher, sugere mamão papaia, encomendas feitas, mas não entregues. Monologam. Um deles passava a debater praticamente sozinho a complexa questão da transição da arte tradicional japonesa à modernidade ocidental. A outra dizia com o rosto iluminado que o Celta estava a trinta mil: insistiu, protestou mesmo, apesar de ter ouvido apenas hum-hums...