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o beabá do Cordel

e do Repente

: ,

Moreira de Acopiara
/

o BEABÁDO CORDEL
E DO REPENTE

Moreira de Acopiara

2006 - SP
/

o, beabá do Cordel

Eu resolvi escrever
Um cordel sobre CORDEL
Porque o cordel tem sido
Meu companheiro fiel,
E pra tirar do leitor
Alguma dúvida cruel.

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o cordel em minha vida Era comum na fazenda


Esteve sempre presente; A gente se reunir
Esteve, está e estará' Ao redor de uma fogueira
Na vida de muita gente! Pouco antes de dormir
Comigo ele sempre foi Para ler versos rimados,
Um professor excelente. Cantar e se divertir.

É que nasci no sertão O Pavão Misterioso,


Onde havia pouca escola. Coco Verde e Melancia
Por lá os divertimentos E o de Pedro Malazarle
Eram: um joguinho de bola, A gente com gosto lia.
Forrós, vaquejadas e Logo se emocionava
Versos ao som da viola. Com cada autor que surgia.

E as leituras de folhetos José Pacheco, a meu ver,


Dos poetas do sertão. Foi um poeta moderno.
Quando aparecia um, O seu folheto liA Chegada
Os jovens da região De Lampião no Inferno"
Se reuniam e, atentos, É um dos mais bem compostos,
Ouviam a narração. Nasceu para ser eterno.

Pois o povo era sensível, E nesse clima poético


E apesar de ser pacato, Pude me desenvolver.
De ter pouca informação Sempre lendo, sempre atento,
E de residir no mato, E depois de tanto ler
A leitura de folhetos E de tanto ouvir, senti
Foi sempre o grande barato. Que precisava escrever.

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Mas para escrever direito E li poesia branca,


Era preciso estudar, Li poesia rimada,
Dominar a arte de Li poesia matuta,
Rimar e metrificar. Moderna, metrificada,
E pra botar conteúdo E descobri que pra ler
Eu tinha que pesquisar. Qualquer estilo me agrada.

E li muitos e bons livros: Mas na hora de escrever


O Dicionário, a Gramática! Foi que eu pude constatar
Devorei livros de História, Que minha paixão maior
De Redação, Matemática, Era mesmo o popular.
E tudo que eu aprendia E as origens do cordel
Ia colocando em prática. Eu resolvi pesquisar.

Fiz meus primeiros versinhos E li Câmara Cascudo


Com quinze anos de idade; Do começo até o fim;
Mas uns versos primitivos, Patativa do Assaré,
Sem muita propriedade Juvenal Galeno, enfim,
Pois nessa idade ninguém Descobri que essa cultura
É poeta de verdade. Estava dentro de mim.

Mas prossegui pesquisando; E li os versos e a história


Lendo isso, lendo aquilo, De Inácio da Catingueira
Questionando, indo atrás, E Silvino Pirauá,
Curioso e intranqüilo; Essa gente pioneira
E escrevendo muito, até Que foi fundamental para
Desenvolver meu estilo. A cultura brasileira.

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Foi João Martins de Atayde


Depois de ler esses vultos Outro grande ídolo meu.
Eu, com muito gosto, li Foi mesmo gigante o número
Os versos do imortal De versos que ele escreveu.
José Duda do Zumbi. Os cordéis que publicou
E nessa constante busca, Muita, muita gente leu.
Inquieto eu prossegui.
São esses alguns autores
Depois li mais versos de Que marcaram minha infância
José Camelo de Meio E minha adolescência,
E também Leandro Gomes E com bastante elegância
De Barros. E aqui revelo: Tiraram este poeta
O trabalho de Leandro Das trevas da ignorância.
É pra mim sem paralelo.
Houve muitos outros bardos
Leandro foi, a meu ver, Que pisaram o mesmo chão,
O primeiro sem segundo; Brilharam com seus cordéis,
Foi ele o mais cuidadoso. Serviram de inspiração
Se não foi o mais profundo, E que bordaram de sonhos
Mas foi, com toda certeza, A minha imaginação.
No seu tempo o mais fecundo.
Muito bem! Depois de ler
Primou pela qualidade, Esses e outros autores
Teve vasta produção, Busquei mais informações,
Vendeu muitos mil cordéis, Falei com pesquisadores,
E, em certa ocasião, Vasculhei bibliotecas,
Drummond o chamou de príncipe
Conversei com professores.
Dos poetas do sertão.
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Descobri que na Península Há alguma controvérsia,
Ibérica, séculos atrás, Mas dizem que o primeiro
Essa arte era uma espécie A publicar um livrinho
De narrativas orais No Nordeste brasileiro
Recitadas nos castelos Foi Silvino Pirauá,
E nos Palácios Reais. Sendo ele assim, pioneiro.

E foi com os portugueses Era mais ou menos mil


Que essa arte aqui chegou, E oitocentos e noventa
Instalou-se no Nordeste Quando esse fato se deu,
E se aperfeiçoou, Segundo o que se comenta.
Modernizou-se e, em seguida, O certo é que desde então
Pelo Brasil se espalhou. Essa arte se sustenta.

Histórias que divertiam Vendidos nas feiras livres


O Brasil colonial Pendurados num cordão
Foram logo adaptadas Esses livretos viraram
À realidade local; O jornal da região
Mais outros temas, porém, Levando conhecimento
Permaneceram no oral. Àquela população.

Só no século XIX, Nesse tempo no Nordeste


Acompanhando o progresso, Televisão não havia.
Essas histórias rimadas, Também não havia rádio,
Após fazerem sucesso Muito menos energia,
Entre o povo sertanejo, Mas o povo era sensível,
Passaram para o impresso. Gostava de poesia.

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E quando surgia uma


Notícia espetacular Os principais temas foram
De catástrofe ou de guerra, Cangaço e religião.
O poeta popular Já li muitos cordéis sobre
Preparava seu poema Padre Cícero e Lampião
E saía a declamar. E outras grandes narrativas
Ocorridas no sertão.
Depois mandava imprimir
E o comercializava. Outro fator importante
Chegava nas feiras livres, Nesse tipo de cultura
Em um canto se instalava, Foi que os artistas passaram
Declamava, enquanto o povo A usar Xilogravura,
Atento ouvia e comprava. Um processo artesanal
Que enriquecia a brochura.
Por ser um livreto impresso,
Mesmo em precário papel, No começo esses livretos
Exposto em pequena corda, Eram em QUADRAS escritos;
O seu leitor mais fiel Com versos de sete sílabas,
Depressa o batizou de Porém poetas peritos
Poesia de cordel. Acharam que com sextilhas
Ficariam mais bonitos.
Os poetas populares
Logo se multiplicaram. SEXTILHA é esse estilo
Os sertanejos atentos Que você está lendo agora;
Por certo muito gostaram, Seis versos de sete sílabas,
E foi lendo cordel que E foi enorme a melhora
Muitos se alfabetizaram. Pois cada estrofe assim vibra
De maneira mais sonora.
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Cada verso é uma linha, Infelizmente inda há


Como você vê aqui. Poetas despreparados
Os versos dois, quatro e seis, Que não sei porque publicam
Esses rimam entre si Cordéis desmetrificados,
Mas os ímpares não rimam,
Muito pobres de teor,
Isso, cedo eu aprendi.
E o mais cruel: mal rimados.
Esse estilo de seis linhas
É o mais utilizado . Não sei se sou bom, mas tento
Hoje pelos bons poetas, Ser um perfeccionista
Como em recente passado. E busco fazer bem feito,
Com SETE LINHAS também Pois acho que o grande artista
É bastante apreciado. É aquele que evolui
Em todo ponto de vista.
Já li cordéis em oitavas!
Muito raros. Estranhei, Por exemplo: esse livrinho
Pois escrevendo sextilhas Que você tá lendo agora,
Foi que eu me projetei; Se reparar com cuidado
E o estilo sete linhas
Verá a grande melhora
Jamais abandonarei.
Inclusive no formato,
Muitos escrevem em décimas, Bem diferente de outrora.
Eu não faço objeção.
Pois pra mim o que interessa Até na capa você
Para a realização Percebe mais de uma cor,
De um bom cordel, são três itens: Desenhos mais produzidos,
Métrica, Rima e Oração. Papel de melhor valor ...
São os efeitos benéficos
Que trouxe o computador.

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É como diz Zé Maria,


Bom poeta, um cidadão:
o beabá do repente
Se você não aceitar
A lei da evolução,
Volte para o pergaminho
E não saia do sertão!

É isso que eu penso. E


Desejo daqui pra frente
Versejar neste cordel
Um pouco sobre REPENTE,
Essa arte popular,
Difícil, que agrada a gente.

Sobre CORDEL escrevi


Uns versos anteriormente
E em mais de trinta sextilhas
Falei de CORDEL somente.
Mas, agora em sete linhas,
As considerações minhas
Serão só sobre REPENTE.

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Falarei tranqüilamente Mas tem que RIMAR direito!


Sobre repente e viola O bom bardo popular
Porque desde muito jovem Não rima amor com chegou
Sou aluno dessa escola. Nem chegará com chegar.
E já descobri também Não rima fé com mulher
Que o que conhece bem " E nem café com colher,
Para falar não se enrola. Nem Ceará com rimar.
t~

E jamais se descontrola, Rima rimar com amar


Trabalha e nunca desleixa. E rima café com fé.
Não abandona as raizes, Chegou rima com rimou
Não lamenta e nem se queixa. E chulé rima com pé.
Ceará com mar não cabe ...
E para que este CORDEL
Agora você já sabe
Seja um retrato fiel,
Rimar correto o que é.
Estou 'pegando na DEIXA'.
Bom poeta sempre é
E o que é pegar na DEIXA?
Cuidadoso, preparado.
Eu já lhe explico: essa 'pega'
Em qualquer modalidade
E assim: dois repentistas
Tem sempre muito cuidado
No momento da refrega,
Para não escorregar
Cada qual parte pra cima
E o seu trabalho ficar
E o verso primeiro rima
Bonito, bem ritmado.
Com o último do colega.

Um solta e o outro pega,


Rimando do mesmo jeito.
,., Tem também muito cuidado
Com a METRIFICAÇÃO ..
E as três principais medidas
E criando versos novos, Pra cantar repente, são:
Com a viola no peito; De onze, dez e de sete.
Rimando e metrificando, É assim que se compete
Um soltando, outro pegando, Em qualquer ocasião.
Fica um trabalho bem feito.
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Finalmente a ORAÇÃO: As MODALIDADES são


Na verdade é o conteúdo Hoje perto de quarenta.
O enredo é, a meu ver ' Umas caíram de moda,
Mais importante que t~do. Noutras pouco se comenta.
Mas para.metnftcar, Somando as mais importantes,
Pôr conteúdo e rimar Mais as suas variantes
É preciso muito estudo. Talvez passem de cinqüenta.

Inclusive eu não me iludo Repentista se apresenta


Quando vejo um cantador Conforme pede a platéia.
Rimando e metrificando Não escreve, faz na hora,
Porém, sem nenhum te~r. Tirando tudo da idéia.
A meu ver, quem rima tudo, E para agradar o povo
E mede, sem conteúdo Tem sempre um assunto novo
Não possui muito valor.' Para cada nova estréia.

Bom poeta cantador E agrada toda platéia:


E sempre bem informado· Canta para o operário,
Lê muito, pesquisa, estud'a Canta para o agregado,
Improvisa com cuidado ' Para o latifundiário,
E, em todo canto, ele brilha. Canta para o professor,
Canta muito bem: SEXTILHA O analfabeto, o doutor,
E MARTELO AGALOPADO. E o universitário.

É bom em MOURÃO VOLTADO Inclusive o seu salário


SETE LINHAS e QUADRÃO ' $ o que dá na bandeja.
MOTE de SETE e de DEZ ' E assim: Na CANTaRIA
Qualquer tipo de MOURÃO Quando começa a peleja
E GALOPE BEIRA MAR. Todos os ouvintes dão
E ainda sabe ABalAR Uma contribuição,
E cantar COCO e CANÇÃO. Cada um como deseja.

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~ família sertaneja Porém, repente tem sido


E muito fã do repente. Em todo Brasil cantado.
Os meus irmãozinhos do Os Gaúchos cantam TROVAS;
Nordeste, principalmente; NO Rio, SAMBA RODADO,
Nas mais bonitas cidades Ou DE RODA. E também pode
E nas universidades Ser chamado de PAGODE,
Essa arte está presente. Outro estilo apreciado.

Como o cordel, o repente Também já fui informado


Instalou-se no Nordeste. De que na terra baiana
Chegou com os portugueses, Outro estilo de Repente
Se espalhou pelo Sudeste, Conhecido por TIRANA
Pelo Sul e, hoje em dia, É sucesso garantido.
çsse tipo de poesia CURURU é conhecido
E inspiração celeste. Na região paulistana.

No Norte e no Centro-Oeste A terra paraibana


Também se canta repente. Nos deu Pinto do Monteiro.
Em cada região tem Foi no seu tempo o melhor
Um estilo diferente. Repentista brasileiro.
Seja de que jeito for Foi o rei dos repentistas,
Um bom improvisador Masháh~ebonsa~~as
Consegue agradar a gente. Cantando no seu terreiro.

Mas no Nordeste, o REPENTE Batucando num pandeiro


E muito mais difundido Inácio foi sumidade
E os muitos poetas têm Na pequena Catingueira.
Seu espaço garantido. Escravo sem vaidade,
Promovem bons festivais Por causa da poesia
Que deixam o Nordeste mais Ganhou carta de alforria
Humano e mais divertido. Pra cantar a liberdade.

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E cantou muita saudade Só pra concluir: Meu plano


A mando do seu Senhor. Foi falar sobre repente
Já Fabião das Queimadas
Também foi um precursor Na linguagem do Cordel,
Que cantou amor e paz. Estilo que agrada a gente.
Faz tempo que morreu, mas
Inda ficou por falar.
Deixou muito seguidor.
Se a natureza ajudar
Hoje há muito Cantador Falarei futuramente.
No Nordeste brasileiro
E o repente está presente
Nesse meu Brasil inteiro.
Seja com acordeona,
(Que o povo chama sanfona),
Com viola e com pandeiro.

Seja num simples terreiro,


Seja num rico salão,
Seja na forma de RAP
Ou na forma de Canção,
A linguagem do Repente
Está e estará presente
Na cidade e no sertão.

Descobri que o RAP não


E coisa de americano.
RAP quer dizer Repente
E é do chão brasiliano.
Foi daqui pra o estrangeiro,
Retornou e é brasileiro,
Digo isso e não me engano.

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romances, etc. E até hoje é muito apreciada, não


Descobrindo a Literatura de Cordel
somente no Nordeste brasileiro, mas em muitas
regiões do Brasil e até lá fora.
o paraibano Manoel d'Almeida Filho (1914- O cordel chegou ao Brasil como poesia oral,
1995), um dos mais perfeitos poetas da literatura de ainda com o colonizador. Passou a ser chamada
cordel, não gostava do verbete "cordel". Segundo ele, poesia de cordel por causa do modo como era (e ainda
Literatura Popular seria o nome mais indicado. Mário é, em muitos casos), apresentado ao público para a
Souto Maior era outro que criticava duramente esse venda. Depois de impressos os livrinhos eram
vocábulo. Ele achava que essa arte deveria se chamar expostos nas feiras e mercados populares, pendurados
Literatura Popular em Versos ou Poesia Nordestina. em barbantes. Daí a denominação.
Em artigo publicado no Jornal do Brasil, em O cordel é geralmente escrito em sextilhas
setembro de 1976, Carlos Drummond de Andrade (estrofes com seis versos) de sete sílabas poéticas, ou
chegou a classificar o poeta cordelista Leandro Gomes septilhas (estrofes com sete versos, também de sete
de Barros (1865-1918), de "o rei da poesia do sertão". sílabas). Mas escreve-se também em décimas e em
E acrescentou: "Em 1913, certamente mal informados, oitavas, embora com menos freqüência. As
39 escritores, de um total de 173, elegeram por maioria metrificações de dez e onze sílabas são mais usadas
relativa Olavo Bilac príncipe dos poetas brasileiros. pelos cantadores repentistas.
Atribuo o resultado à má informação, porque o título, a A linguagem dos repentistas, também
ser conhecido, só poderia caber a Leandro Gomes de conhecidos por violeiros, é a mesma utilizada pelos
Barros, nome desconhecido no Rio de Janeiro, local da poetas de bancada. Ambos se utilizam das rimas e da
eleição, mas vasta mente popular no Nordeste e no métrica. Daí a razão porque muita gente ainda os
Norte do país, onde suas obras alcançaram divulgação confunde. Há ainda os emboladores de coco, que
jamais sonhada pelo autor de Ouvir Estrelas". cantam trabalhos previamente feitos, acompanhados
Antes da evolução do rádio, do jornal e da tv, a por pandeiros, que nada têm a ver com os repentistas,
literatura popular em versos, ou literatura de cordel, que cantam de improviso.
prestava grande serviço à sociedade. Alfabetizou muita Veja um exemplo de sextilha de sete sílabas, do
gente e chegou a ser chamada de O Jornal do cordel "Nos caminhos da educação", de minha autoria.
Sertanejo, uma vez que era através dela que o povo se Note que o segundo, o quarto e o sexto versos rimam.
inteirava de algumas notícias, dos acontecimentos Os demais versos não rimam:
históricos, atualidades, fofocas, ficção, política,

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Há varandas e flores nas janelas,


É que os córdeis sempre são
Rios limpos cruzando as avenidas ...
histórias bem trabalhadas,
Os casais estão sempre apaixonados,
Possuem linguagem fácil,
As crianças libertas e assistidas,
Estrofes sempre rimadas,
Os patrões irmanados produzindo,
Versos sempre bem medidos,
Os doutores curando e assistindo,
Palavras cadenciadas.
E as polícias em paz salvando vidas.
Agora um exemplo de uma septilha de sete
Mais um exemplo. Agora duas estrofes de oito
sílabas, (estrofe de sete versos, ou sete linhas). Esta
versos (oitavas), também de sete sílabas poéticas:
estrofe é do livreto "Quer fazer um cordel? aprenda a
fazer fazendo", de autoria do grande poeta Manoel
Monteiro, da Academia Brasileira de Literatura de Eu levo a vida cantando
Cordel. Alegre e muito faceiro,
Mas não é só por dinheiro
Agora mesmo está vendo Que vivo cantando assim.
Neste cordel sendo usadas Vivo cantando contente
Estrofes de sete versos E sem preocupação
Com sete sílabas contadas. Pra cumprir uma missão
A oração incluída Já preparada pra mim.
Está implícita e contida
Nas informações prestadas. Sinto-me realizado
Vendo a platéia feliz,
"O Brasil que imagino" é um poema que escrevi Às vezes pedindo bis
com estrofes de sete versos (septilhas) de dez sílabas Ou que eu não pare tão breve.
(decassílabos). Veja as duas estrofes iniciais: E ao declamar um poema
Com você na minha frente
O Brasil que imagino é diferente, Meu peito vibra contente,
Nele vejo somente cenas belas; Vou pra casa de alma leve.
Não há brigas de gangues nem corruptos,
Não há pontos de drogas nem favelas. Como falei de décima (estrofe com dez versos) no
Há somente infinitas alegrias, início deste texto, é bom que você veja pelo menos
Praças, parques, tranqüilas moradias uma estrofe, de sete sílabas:
E felizes cristãos morando nelas.

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Sou um caboclo de sorte, versos, com certa lentidão, em todas as modalidades


Não tenho medo de nada. usadas pelos cantadores repentistas (umas quarenta,
Faço aquilo que me agrada, mais as suas variantes). E não sou um cantador
repentista mais por causa de minha voz e porque
Venho das bandas do norte;
minha paixão maior e primeira foi pela palavra escrita.
Meus versos são meu esporte,
Porém, a palavra cantada nunca deixou de me
Presto atenção no que digo.
fascinar.
Quem quiser falar comigo
Mande uma mensagem para a cordel está presente em muitos momentos da
Moreira de Acopiara, cultura brasileira, de Norte a Sul do Brasil. Na música
Seu poeta, seu amigo. de Luiz Gonzaga, de Zé Ramalho, Elomar, Vital Farias,
só pra citar alguns: na boa música caipira o cordel
Na maioria das vezes um cordel tem a medida também está muito presente. "Saudade de minha
11x15 e oito páginas, que é justamente uma folha de terra", "Rei do gado", "Travessia do Araguaia", dentre
papel tipo A4 dobrada duas vezes, e o mais comum é tantas outras, são modas de viola belfssimas, de
ter de 28 a 32 estrofes. Mas quando é uma história autores do Sudeste do Brasil, e que têm a linguagem
maior pode dobrar de tamanho e ter 12, 16,32 páginas do cordel.
ou mais, e passa a ser chamado de romance. No samba de roda, comum no Rio de Janeiro;
a cordel por acaso se instalou no Nordeste na tirana, modalidade muito cantada na Bahia; no
brasileiro e depois de mudanças e adaptações se cururu e no catira, comuns em São Paulo e Minas. No
espalhou pelo Brasil. Mas há notícia de cordel na Rio Grande do Sul há repentistas maravilhosos; enfim
Península Ibérica. A maioria dessas toadas hoje no Brasil todo. A música que mais emocionava Luiz
cantadas pelos poetas repentistas já eram cantadas há Gonzaga, e continua emocionando muita gente,
centenas de anos, até por beduínos tangendo seus inclusive a mim, chama-se "A triste partida", que nada
camelos atravessando os grandes desertos. Existe até mais é do que um cordel do genial Patativa do Assaré,
uma modalidade na cantoria dos repentistas chamada escrito nos anos cinqüenta. Em quase todos os discos
mourão, que vem de mouro. Que chegou aqui de Zé Ramalho você vislumbra trabalhos na linha do
juntamente com os mouros, e ao longo dos anos se repente e do cordel.
aperfeiçoou e se popularizou.
Há quem diga que Rap é abreviatura de repente
Como vimos, repente tem tudo a ver com
e que, ao contrário do que muita gente pensa, ele não
cordel. Muitos poetas repentistas escrevem cordéis,
é americano, e sim brasileiro. Contam que na época da
mas nem sempre o poeta cordelista (também chamado
poeta de bancada), canta repente. Sei improvisar segunda guerra mundial os americanos instalaram uma

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base militar no Nordeste brasileiro. Como os soldados um dos pioneiros. Há notícias de que o paraibano
não tinham muita coisa pra fazer, convidavam os Silvino Pirauá (1848-1913) foi o primeiro a imprimir um
repentistas locais pra cantar pra eles. Terminada a livreto, por volta de 1890. Um dos poetas mais
guerra os americanos foram embora e, chegando em famosos da história do cordel é o já citado paraibano
casa, resolveram cantar repente. Como não tinham Leandro Gomes de Barros, que criou centenas de
viola, improvisaram uma percussão. Virou moda por lá folhetos. E ainda João Martins de Atayde, Rodolfo
e mais tarde voltou para o Brasil. E hoje há por aqui Coelho Cavalcante, Manoel d'Almeida Filho e Firmino
cantores de rap que improvisam muito bem. Teixeira do Amaral. Das gerações seguintes merecem
O poeta Camões, a meu ver uma das mais destaque Patativa do Assaré (1909-2002), Manoel
brilhantes mentes do planeta, glosava motes e escrevia Monteiro, Gonçalo Ferreira da Silva, J. Borges, Antônio
em forma de Cordel, com sete e dez sílabas. Se você Francisco, Antônio Alves, da Bahia, entre outros. E
pegar cada um daqueles cantos maravilhosos de "Os mais recente ainda temos os cearenses Klévisson,
Lusíadas" e imprimir num folheto, eles podem ser Arievaldo Viana e Rouxinol do Rinaré, o piauiense
chamados de cordel. Pedro Costa, os baianos Marco Haurélio e Dalmo
Os temas principais desse tipo de literatura no Sérgio, e mais um bocado de poetas bons.
Brasil foram (e ainda são): o cangaço, a religiosidade, Poetas como Manoel Monteiro, Antônio
as catástrofes, os contos de fada e as grandes Francisco e Gonçalo Ferreira da Silva podem ser
histórias de amor. Sobre padre Cícero, Lampião e frei vistos frequentemente conversando com poetas e
Damião eu conheço dezenas de livretos. Sobre Airtom gente do povo nas feiras livres, depois em reuniões
Senna também conheço dezenas deles. acadêmicas e proferindo palestras nas Universidades,
Esse gênero literário permanece até hoje convivendo, portanto, com todas as tendências das
bastante difundido no Nordeste, especialmente nos ciências, das artes e das letras. Os poetas de hoje são
estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará, Alagoas e muito mais escolarizados, logo, mais esclarecidos. A
Piauí. Os poemas, geralmente vendidos pelos próprios polidez e obediência à gramática não tiram a
autores, ainda narram fatos do cotidiano local, como autenticidade da obra. Pelo contrário, a tornam mais
acontecimentos políticos, festas, desastres, disputas, bela e atraente.
milagres, enchentes, secas ... Grandes escritores como Guimarães Rosa,
São muitas vezes declamados ou contados ao Graciliano Ramos, José Uns do Rego, Cora Coralina,
público, com acompanhamento de violas sertanejas ou Raquel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade,
pandeiros. O poeta escravo Inácio da Catingueira foi Ariano Suassuna e João Cabral de Meio Neto foram

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influenciados por essa forma de literatura popular. O cordel, que tanta gente alfabetizou (inclusive
Uma das obras mais conhecidas é "O romance a mim), teve seu auge entre 1900 e 1960. Felizmente,
do pavão misterioso", de autoria controversa, dividida depois de alguns anos meio que no ostracismo, se
entre João Melquíades Ferreira e José Camelo de reerqueu e hoje atravessa boa fase, sendo divulgado e
Meio. Após inúmeras reimpressões, esse cordel já estudado em escolas e universidades e pesquisado por
vendeu mais de cinco milhões de exemplares. Pra brasileiros e estrangeiros. Por outro lado, surgiram
você ter uma idéia do que isso representa, basta novos poetas, agora mais bem informados e
lembrar que dificilmente um autor consagrado da preocupados com a perfeição da metrificação e das
literatura erudita ultrapassa 10 mil exemplares rimas, com a correção ortográfica, a estética e até a
vendidos. capa. O computador, a meu ver, trouxe muita
O folclore sempre foi o continuará sendo o contribuição.
desafio do tempo. Desde que nasci ouço falar que a
literatura de cordel está morrendo. O surgimento do
rádio provocou um susto nos cordelistas com as
afirmações de que agora o cordel está com os dias
contados. Mas o rádio não conseguiu sufocar nem o
cordel nem o repente e, atualmente, é um grande
aliado. O surgimento da televisão provocou outro susto
I Sextilha é qualquer estrofe de seis versos, ou seis linhas,
que já está passando, e o cordel continua vivo. Assim
não importa o número de sílabas ou a arrumação das rimas.
sendo, acredito que a literatura de cordel sobreviverá
Os cantadores repentistas e os poetas de bancada, também
para sempre como uma das mais encantadoras chamados cordelistas, comum ente fazem sextilhas de sete
manifestações da inteligência e da criatividade. É sílabas, rimando o segundo verso com o quarto e com o
lógico que, como toda arte, o cordel passou e passará sexto. Há ainda o martelo de seis linhas, o mesmo que
por adaptações. sextilha em decassílabo, bonita modalidade muito usada
No começo, as capas dos cordéis eram pelos cantadores repentistas.
2 Sete linhas, ou setilha, ou ainda septilha, é qualquer estrofe
brancas. Traziam apenas o título da obra e o nome do
autor. Depois passaram a ser ilustradas com clichês, de sete versos, independentemente do número de sílabas e da
divisão das rimas. Os repentistas cantam setilhas de sete e de
cartões postais ou. retratos de artistas do cinema. A
dez sílabas, rimando sempre o segundo verso com o quarto e
xilogravura, hoje muito apreciada, só foi introduzida com o sétimo, e o quinto com o sexto. Os cordelistas
por volta da década de 1930. escrevem setilhas de sete sílabas.

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3 Oitava é qualquer estrofe com oito versos. No caso dos


cantadores essa estrofe é também chamada quadrão.
4 Zé Maria é grande poeta cordelista e grande repentista.
Reside em Fortaleza.
S Pegar na deixa é começar a estrofe rimando o primeiro
verso com o último verso da estrofe anterior.
6 Há quem diga que na época da segunda guerra mundial os
americanos, que tinham uma base militar no Nordeste,
quando não tinham nada para fazer chamavam repentistas
locais para alegrar o ambiente. Finda a guerra, os americanos
retomaram e, já em casa, resolveram cantar repente. Como
não tinham viola, o jeito foi cantar com acompanhamento de
.alguma percussão. Batizaram de RAP, fizeram sucesso por lá
e mais tarde essa modalidade chegou ao Brasil.

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MORElRA DE ACOPIARA é como Manoel
Moreira Júnior assina seus trabalhos poéticos, sejam
impressos, sejam gravados.
Nasceu no dia 23 de julho de 1961, no Sítio
Cantinho, município de Acopiara, sertão central do Ceará,
onde viveu até os 20 anos, entre os trabalhos da roça e a
leitura de livros de bons autores como Graciliano Ramos,
Machado de Assis, Camões, Patatíva do Assaré e a
literatura de cordel.
É autor de vários folhetos e faz palestras sobre o
tema. Transita pelo teatro, gravou dois CDs com poemas
de sua autoria e tem trabalhos musicados e gravados por
vários artistas. Em 2004 foi eleito para a Academia
Brasileira de Literatura de Cordel, ABLC, com sede no
Rio de Janeiro.
Tem quatro livros editados, dentre eles Com o
Pé Direito na Frente.

Contatos: (O 11) 4072-2749 / 9201-7961


E-mail: m.acopiaraúVuol.com.br
Rua dos Jasmins, 148, casa 2,
09950-460/ Diadema SP
Apoio:
PREFEITURA MUNICIPAL DE ACOPLARA
Ilustrações:
Marcelo Soares:

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