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I SEMINÁRIO INTERNACIONAL

DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POBREZA:


A situação de crianças e adolescentes na América Latina hoje

DOMÍNIO DA LÍNGUA NACIONAL, CIDADANIA E SOBERANIA1


Darcilia Simões2 (UERJ – PUC/SP – SUESC)

Resumo: Neste artigo procuramos, por meio de uma analogia com o processo de plantio
e colheita, discutir o cenário educacional brasileiro, com ênfase na educação lingüística.
Partimos da definição de povo e soberania, articulando essas noções com a
configuração de um Estado de direito democrático em que os direitos e garantias
fundamentais à pessoa humana sejam respeitados e praticados. Tomamos o domínio da
língua nacional como condição para o exercício da cidadania e para a participação
política. Por isso fazemos uma leitura do cenário nacional brasileiro tomando como
referência o analfabetismo, e este como entrave à realização e enriquecimento pessoais,
assim como à garantia da soberania nacional sustentada pela autonomia intelectual.
Defendemos o direito à informação por meio do acesso à cultura letrada pela qual a
liberdade de pensamento pode de fato efetivar-se e viabilizar a criação de uma
sociedade justa e igualitária.
Palavras-chave: língua nacional - cidadania - soberania
Resumen: En esto artigo buscamos, a través de una analogía con el proceso de plantío y
cosecha, discutir o escenario educacional brasileño, con énfasis en la educación
lingüística. Tomamos como punto de partida la definición de pueblo e soberanía,
articulando esas nociones con a configuración de un Estado de derecho democrático
donde los derechos y garantizaciones fundamentales a los hombres sean respetados y
practicados. Tenemos el dominio de la lengua nacional como condición para el ejercicio
de la ciudadanía y para la participación política. Asimismo hacemos una lectura del
escenario nacional brasileño teniendo como referencia el analfabetismo, y esto como
obstáculo a la realización y enriquecimiento personales, así como a la garantización de
la soberanía nacional sustentada pela autonomía intelectual.
Defendemos el derecho a la información a través del acceso a la cultura letrada por la
cual la libertad de pensamiento puede de facto realizarse y viabilizar la creación de una
sociedad justa e igualitaria.
Palabras-llave: lengua nacional - ciudadanía – soberanía

"A Carta Magna brasileira, embora nesse ponto confusa e


retórica, registrou o significado moderno que a soberania
assumiu no seu ciclo histórico de buscar no povo de uma
nação, muito antes que no Estado, a fonte de sua própria
existência, eficácia, e legitimidades jurídicas”. (Leal,
Apud del Negri, 2002)

1
Área Temática - GT II: Cidadania e Direitos Humanos no Mercosul
2
Instituto de Letras – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) & Programa de Pós-graduação em
Comunicação & Semiótica – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)- www.darcilia.simoes.com

1
Preparando o terreno
O texto em epígrafe aponta o povo como fonte da soberania. A pós-modernidade
discute os conceitos de soberania e ainda assim seu caráter polêmico se mantém. No
entanto, considerando o Estado brasileiro e sua Carta Magna3, verifica-se uma grave
incoerência entre as ações do Estado e a atuação do povo. Este prejudicado pelas
condições precárias de sobrevivência que resultam num total despreparo político-
cultural, não consegue firmar-se como cidadão e exercer seu direito-dever de
participação política.
Por conseguinte, a soberania, desde os primórdios da nação brasileira, ficou a
cargo do Estado, sobre o qual o povo se mostra historicamente inócuo, em função da
condução autoritária (que simula democracia) dos destinos da nação, a despeito da
vontade dos nacionais.
Impõe-se aqui um parêntese para definir o que se entende como povo neste texto.
Duas visões dicionarescas se destacam para povo: 1 - Conjunto de indivíduos que falam
a mesma língua, têm costumes e hábitos idênticos, afinidade de interesses, uma história
e tradições comuns; 2 - O conjunto das pessoas que constituem o corpo de uma nação,
que se submetem às mesmas leis. [Aurélio, s.u.] A partir dessas definições, pode-se
perceber que a idéia de povo também não é unânime. Por um lado, um povo se define
em paralelo à nação, caracterizando-se pela língua, costumes, hábitos, interesses,
história e tradições comuns. De outro lado, a definição se assenta em paralelo às leis.
Então, o termo indivíduo dá lugar a pessoas, no que subjaz a idéia de sujeito de direitos.
Ainda que isso seja uma visão mais avançada e aparentemente mais justa, nela o povo
parece perder posição, uma vez que se mostra abaixo das leis e não mais ao lado delas,
como se pode inferir da definição primeira em que povo e nação se mostram como
valores paralelos e correlatos.
Com que idéia de povo ficamos? Optamos por gerar nossa definição particular de
povo com vistas a reunir às características das duas definições em tela. Definimos povo
então como conjunto de pessoas que se identificam pela língua, costumes, hábitos,
interesses, história e tradições comuns, constitui o corpo de uma nação e submetem-se
às mesmas leis produzidas no legítimo direito-dever de participação política.
Dessa definição de povo surge por conseqüência uma revisão da idéia de
soberania, uma vez que esta se constrói e consolida a partir de um Estado coeso, justo e
eficiente. Vejamos o que diz o jurista (Apud Martins, 1998: 165):
Celso Ribeiro Bastos, com muita propriedade, assim discorre sobre soberania:
(...) soberania é a qualidade que cerca o poder do Estado. [...] indica o poder de mando
em última instância, numa sociedade política. [...] a soberania se constitui na
supremacia do poder dentro da ordem interna e no fato de, perante a ordem externa, só
encontrar Estados de igual poder. Esta situação é a consagração, na ordem interna, do

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Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
        I - a soberania;
        II - a cidadania
        III - a dignidade da pessoa humana;
        IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
        V - o pluralismo político.
        Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição. (cf. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988) In
http://www.presidencia.gov.br/CCIVIL/Constituicao/Constituiçao_Compilado.htm

     

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princípio da subordinação, com o Estado no ápice da pirâmide, e, na ordem
internacional, do princípio da coordenação. Ter, portanto, a soberania como fundamento
do Estado brasileiro significa que dentro do nosso território não se admitirá força outra
que não a dos poderes juridicamente constituídos, não podendo qualquer agente
estranho à Nação intervir nos seus negócios.
Segundo Bastos, soberania abarca atributos político-econômicos relevantes, com
o que concordamos. Porém, quando se refere à supremacia do poder dentro da ordem
interna, a nosso ver deveria estar ali contida a ação do povo como força geradora do
Estado, de suas leis, enfim da Nação soberana. Entretanto, essa ficção só poderia
concretizar-se no caso de estar-se diante de um povo apetrechado político-
culturalmente, portanto, preparado para discutir e perseguir o modelo de sociedade
desejado, além de impor-se ante outras nações, a partir do conhecimento, respeito e
divulgação dos valores nacionais.
Observe-se que nossa idéia de povo e nação é englobante. Quando usamos o
termo nacionais, idealizamos um conjunto de sujeitos de direitos iguais, a princípio, o
que implica um Estado justo com disponibilização de condições dignas de vida para
todos: saúde, educação, moradia, emprego e segurança. Porém, não somos
suficientemente românticos para imaginar uma igualdade plena incontinenti. Para nós,
essa igualdade que reúne toda e qualquer pessoa nas rubricas povo ou nacionais implica
a atuação desses sujeitos em conformidade com o modelo almejado de sociedade. Logo,
esse sujeito deve transitar entre os limites dos direitos e dos deveres de modo a garantir
a harmonia social. Entretanto, esse sujeito ideal, a seu turno, demanda imediatamente
subseqüente às condições básicas de saúde um modelo educacional que o prepare para
essa atuação sociopolítica. Mas o modelo de Estado experimentado pelos brasileiros não
é esse, não cumpre seu papel, sobretudo em conseqüência de ser produzido por uma
oligarquia que se perpetua historicamente no poder e que deliberadamente mantém a
maioria da população em indigência social, intelectual, moral. Dessa indigência decorre
a atitude passiva de aceitação de políticas assistencialistas e populistas, que
engambelam essa maioria político-culturalmente despreparada, manipulando-lhe a
opinião por meio do mercadejo de ilusões que dizem ensinar a pescar4, mas
efetivamente dão pão e circo5 como antanho na Antigüidade Clássica.
Onde pretendemos chegar com tais considerações? Simplesmente pretendemos
abrir caminho para trazer à baila o assunto que diz respeito à nossa atuação político-
acadêmico-profissional: atuamos no ensino da língua nacional e entendemos que
dominá-la é condição indispensável à cidadania e à soberania nacional. Entendemos que
cidadania demanda conhecimento, informação; e que soberania implica autonomia
intelectual. Logo, dominar a língua nacional é um fator de segurança nacional
Começando o plantio
Dentre os direitos humanos deve estar inclusa a garantia da capacidade de
expressão. Esta demanda domínio proficiente da língua nacional na modalidade padrão
(ou culta), uma vez que é esta a usada nos documentos, é essa que dá acesso ao
conhecimento letrado e, portanto, abre as portas ao desenvolvimento intelectual dos
sujeitos.
O Estado brasileiro vem há muito em débito com a distribuição da educação
lingüística aos nacionais. Reformas e reformas são produzidas, mas o problema da
4
"É mais importante ensinar a pescar do que dar o peixe.” Célebre frase de Confúcio, o filósofo e sábio chinês
nascido em 551 a.C
5
Na Roma da antiguidade clássica, César dava à massa pobre e faminta os espetáculos vividos no Coliseu; era a
chamada Política do Pão e Circo. Ao povo fornecia-se o pão, para saciar a fome, e shows de combates entre
gladiadores, para saciar a mente. A massa, por conseguinte, dificilmente se rebelava contra os governantes daquela
cidade, uma vez que estava alimentada, tanto física quanto mentalmente.

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educação nacional só tem sido agravado. E isso se deve ao fato de ser indispensável
dominar o português padrão para aprender as demais disciplinas, todavia, como não se
consegue ensinar proficientemente a língua nacional, os conteúdos de geografia,
história, matemática, biologia, etc. não são assimilados, e o fracasso escolar se
consolida.
A nosso ver, o acesso à língua nacional deveria ser garantido não só por atos
legislativos, mas por ações políticas que resultassem em efeitos técnico-pedagógicos
capazes de promover um ensino efetivo e eficiente. Políticas de valorização da língua
por meio da distribuição de dados que demonstrem a expansão da língua portuguesa no
mundo; que incentivem a formação vernácula em todos os ramos da atuação humana,
distribuindo a responsabilidade com a fala padrão entre todos os sujeitos escolarizados;
revitalizando o magistério de modo a devolver-lhe a condição de responsável pela
formação intelectual dos sujeitos, incentivando-lhe o aperfeiçoamento permanente por
meio do reconhecimento de seu valor político-social que se materializa em melhores
condições profissionais no que tange a apetrechamento do contexto escolar e
atualização de salários condizentes com a necessidade de aquisição de livros, realização
de cursos, participação de encontros acadêmicos, etc.
Entendemos que essas políticas de valorização (entre outras) poderiam dar início
a um movimento de recuperação do modelo educacional brasileiro e, por conseguinte,
de reorganização social, sobretudo na busca do expurgo da corrupção e da violência.
Selecionando as mudas ecologicamente adequadas
Nossa reflexão sobre ensino de língua, cidadania e soberania é originária, em
especial, da constatação do despreparo lingüístico do povo brasileiro, cujo testemunho
se dá nas produções verbais dos estudantes do terceiro grau. Uma vez percebida a inópia
lingüística de um graduando, deduz-se dela a indigência dos demais sujeitos nacionais,
quadro que é agravado pelo percentual de analfabetos e de analfabetos funcionais que
figuram nas estatísticas internacionais, para nossa tristeza.
Uma pesquisa6 realizada, no início da década da alfabetização (2003-2012), pela
ONG Ação Educativa em parceria com o Instituto Paulo Montenegro (ligado ao Ibope)
indicou que:
(...) apenas 25% dos brasileiros com mais de 15 anos têm pleno domínio das habilidades
de leitura e de escrita. Isso quer dizer que 1 em cada 4 brasileiros consegue
compreender totalmente as informações contidas em um texto e relacioná-las com
outros dados.
Segundo o levantamento, 38% dos brasileiros podem ser considerados analfabetos
funcionais. Desses, 8% são analfabetos absolutos. Os outros 30% têm nível de
habilidade de leitura e de escrita muito baixos, pois só conseguem identificar
enunciados simples, mas são incapazes de interpretar um texto mais longo ou com
alguma complexidade.
Os 37% restantes têm um nível básico de leitura e de escrita. São capazes de localizar e
de compreender informações em textos curtos, como uma carta ou uma notícia.
Para 80% dos brasileiros, o ensino fundamental completo garante somente um nível
básico de leitura e de escrita. Tal resultado não é surpreendente, uma vez que apenas
20% da população brasileira têm a escolaridade mínima obrigatória (ensino básico de
08 anos).
Dados mais recentes são apresentados pelo Fundo Nacional para o
Desenvolvimento da Educação - FNDE7: sessenta e cinco milhões de pessoas não

6
Segundo publicação da Folha de São Paulo – 15/9/2003.
7
http://www.fnde.gov.br/home/index.jsp?arquivo=/brasil_alfabetizado/brasil_alfb.html

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completaram o ensino fundamental no Brasil. Desse total, 33 milhões são analfabetos
funcionais, isto é, pessoas com menos de quatro anos de estudo. Dentro desse
contingente, 16 milhões de indivíduos com idade acima de 15 anos são analfabetos.
Diante desses dados, não é difícil perceber que não houve plantio adequado na
educação lingüística – base da escolarização. Disso decorre a situação precária em que
se encontra o povo brasileiro. Quando usamos os termos inópia e indigência,
pretendemos enfatizar a falta de condições de progresso social da população nacional.
Esse progresso exige condições de acesso direto às fontes de informação, sobretudo
letrada. As constatações documentadas por dados estatísticos apresentados só vêm
asseverar a inépcia da escola brasileira que é conseqüência de uma política de
manutenção da indigência intelectual em benefício da manipulação ou mesmo
apropriação de riquezas por organismos internacionais.
Um povo não-letrado em sentido restrito não consegue interferir nos destinos de
sua nação. E a trajetória nacional brasileira vem-se mostrando estarrecedora. As
dimensões continentais do Brasil não mais garantem autonomia; e o potencial nacional
de riquezas naturais, em resultado da má administração, está sendo usurpado por nações
estrangeiras (vide o patenteamento de nossos vegetais8).
Por que o povo não reage? Porque não tem acesso à informação, e quando o tem,
não está apto a compreender o que lê e busca o entendimento na explicação dada por
outrem que, se for do mesmo nível de escolarização (ou não-escolarização) pouco ou
nada acrescentará; e se for de um nível intelectual mais avançado pode não estar
disposto a informar objetivamente, transmitindo uma visão parcial do fato ou fenômeno
que, certamente, passará a ser verdade para o interpelante.
E isto está sendo historicamente demonstrado pela não leitura crítica das ações
assistencialistas (bolsa isso, bolsa aquilo; cheque isso, cheque aquilo; cotas disso e
daquilo...) que, a nosso ver, são mecanismos de manutenção de mão-de-obra escrava e
de colégios eleitorais de cabresto. E pior: a conseqüência disso é a manutenção de um
Estado direcionado para os interesses particulares de uma minoria, do que resulta um
Estado doente, fraco e sujeito às ações externas nem sempre bem intencionadas.
Assim, constatada a manutenção de um cenário de povo impotente diante das
ações de um Estado sempre autoritário e desumano, por conseguinte injusto, a divisão
do trabalho, a distribuição de riquezas, a oferta de condições dignas de vida são sonhos
longínquos de muitos brasileiros que não compõem contingente significativo para
operar as mudanças ingentes e urgentes. Logo, não há mudas ecologicamente adequadas
o bastante para garantir a colheita esperada.
A colheita indispensável
Ainda que o conteúdo desse texto seja abundantemente negativo em suas
constatações, é preciso justificar a participação num encontro como I SEMINÁRIO
INTERNACIONAL DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POBREZA: a situação
de crianças e adolescentes na América Latina hoje. Se não acreditássemos na
possibilidade de uma colheita futura (pois que militamos entre os brasileiros que
sonham com um Estado democrático - cf. Rozicki, 2001), já teríamos desistido do
magistério. Nossa atuação no quadro nacional de docentes de língua portuguesa tem
sido um exercício político obstinado. Cremos na possibilidade de distribuir o domínio
8
Um levantamento realizado pela Campanha Contra a Biopirataria, iniciando seu ambicioso banco de dados,
mostra que somente no campo das plantas medicinais e ervas amazônicas existem 31 patentes encontradas para o
guaraná, 13 para a unha-de-gato, 11 para a copaíba, 6 para o quebra-pedras, 6 para a andiroba, 4 para o mastruz
(ou erva de santa maria), 3 para o cajiru, 2 para o abacateiro, 2 para a arruda, 2 para a quina e 1 para o cipó-das-
almas. E essa foi apenas uma sondagem preliminar. Cf. Cupuaçu gera processo brasileiro na justiça do Japão (REDE
GTA 04/04/2003 às 05:19) – In http://www.midiaindependente.org/pt/blue//2003/04/251786.shtml

5
da língua nacional em sua forma padrão a todos os brasileiros, de modo a garantir-lhes a
efetiva cidadania e assegurar a soberania nacional.
Para a consecução desse objetivo, é preciso que se desenvolvam ações políticas
efetivas sobre a educação escolar, reavivando a importância do papel instrucional do
professor e da indispensabilidade da aquisição da língua escrita como meio de
crescimento pessoal e enriquecimento social.
As crianças e adolescentes da América Latina não podem continuar sendo
vítimas de políticas enganadoras que abrem as portas da escola sem assegurarem-lhe a
qualidade necessária, a permanência e a efetiva conclusão de curso. Isso tem sido
agravado pelo desprestígio ao docente que se reflete na sua remuneração e na sua
imagem social e acentua a dificuldade das relações entre docentes e discentes. Estes
vêm sendo treinados a apreciar e respeitar o ter em detrimento do ser. Por isso, o
vilipêndio da figura docente e, por conseguinte da escola, promove o desinteresse dos
jovens pela educação escolar, o menosprezo destes pela ação do magistério e a idolatria
das imagens representativas dos sujeitos ditos vencedores (futebolistas, modelos
fotográficos, pagodeiros, fanqueiros, rappers, etc.), criadas e difundidas pela mídia.
Essas imagens criam a ilusão da dispensabilidade da educação escolar, sobretudo do
domínio da língua padrão, com base na ascensão financeira rápida desses ícones
modernosos: mudas ecologicamente inadequadas. E a figura do professor (plantador
necessário) vai-se esvaindo em meio à difusão de idéias (advindas da era cibernética) de
que recursos audiovisuais, internet e similares substituem a figura proximal docente,
que, na visão de estudiosos como Vygotsky, Bahktin e Piaget, é adubo indispensável
para a boa colheita no campo da educação.
A colheita indispensável depende do plantio e acompanhamento de mudas
selecionadas segundo os pressupostos da constituição de um Estado democrático, que
segundo Rozicki são:
1) a valorização e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da
importância de dispensar a todos tratamento fraternal, igualitário e não-discriminativo;
2) a confiança nos talentos e possibilidades latentes dos homens; 3) a segurança e o
crédito nos valores institucionalizados pelas massas, como fundamentos para o
progresso do bem comum e o alcance da justiça; 4) a aceitação da legitimidade das
decisões tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberação, com o
consenso da maioria, que constitui o reflexo, o resultado de debates livres entre todos;
5) o respeito aos grupos minoritários; 6) e, a compreensão de que todo o interesse geral
é a síntese dos diversos interesses e idéias dos indivíduos e dos grupos, diferentes
centros de poder, que integram a sociedade pluralista.
Entendemos que a constituição de um Estado de direito democrático se assenta
na admissão, na garantia e na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa humana,
em uma sociedade solidária. E para nós, na qualidade de professora da língua nacional,
é direito fundamental o domínio da língua portuguesa que, por sua vez, é garantia
fundamental do exercício da cidadania e da participação política, sem a qual
permaneceremos sob a égide de um Estado autoritário travestido de democrático e
desrespeitando o direito humano fundamental que é o acesso à informação é à
autonomia intelectual, sem o que não existirá liberdade de pensamento e de formação de
opinião.

Referências bibliográficas
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Século XXI. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira. Versão eletrônica Lexikon Informática Ltda. Versão 3.0 -
1999.

6
MARTINS, Ives Gandra (Coord.). O Estado do Futuro. São Paulo: Pioneira, 1998.
NEGRI, André Luís del. “Soberania e federalismo”. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, nº.
56, abr. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2857>
Acesso em: 12/7/2006 17:35
ROZICKI, Cristiane. “Cidadania: reflexo da participação política”.In Revista Espaço
Acadêmico – Ano 1 – nº 03 – Agosto de 2001 – Mensal – ISSN 1619.6186
Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/003/03col_cris.htm Acesso
em: 12/7/2006 20:18

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