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PARTE II

Branquinho realmente sentia-se muito bem, a sua auto-estima era alta. As suas
particularidades permitiam-no exibir a sua vaidade e até subestimar quem ele quisesse.
Enquanto os outros móveis serviam apenas para acomodar os alunos e professores que
pela sala de aula passassem, no caso as carteiras e cadeira rolante do professor, assim
como os armários que mais não serviam senão para guardar o material quer da escola, ele, a
função principal era servir de veiculo para transmitir conhecimento. Assim ele pensava.
Branquinho foi recebido calorosamente por toda a comunidade móvel e imóvel da Escola,
havia uma alegria enorme na escola com sua vinda.
Branquinho, ao invés de retribuir o respeito e a consideração que tinham por ele, vivia
gabando-se diante dos outros quadros das Escola Primarias e secundárias de que ele era o
melhor quadro de todas as escolas do município do Tomboco. Ele dizia de boca cheia aos
outros quadros:

- Vocês são quadros ultrapassados, o giz que escreve em vós deixa-vos muita
poeira e causa doenças pulmonares aos professores. Eu sou o quadro mais moderno, quem
me usa é só o marcador, mas atenção não é qualquer marcador tem de ser não
permanente.

Alguns não ligavam nenhuma com a forma arrogante e sem respeito com que tratava os
quadros, as carteiras e os outros imoveis das salas, outros achavam que era uma falta de
respeito tratar de forma tão áspera os seus confrades e diziam aos que achavam normal
aquela atitude:

- Vocês receberam com muita alegria o nosso irmão Branquinho que veio instalar-se
aqui na escola. E olha como vos trata, como se vocês fossem lixo, como se não servissem
para nada nesta escola. Onde é que está a vossa dignidade, afinal?

- Já que o mano acha que não podemos ficar assim sem fazermos nada, pode dizer o
que é temos que fazer?

-Bem … eu ainda não sei o que se teria, ou temos de fazer, apenas manifestei a
minha opinião de não concordância com a forma como ele nos trata.

- Estão a ver – gesticulou, virando-se aos outros quadros que acompanhavam a


discussão para chamar a sua atenção. Depois virou-se para o mano, seu interlocutor
naquele momento, e continuou, desta vez dirigindo-lhe a palavra – você é do tipo de
pessoa que nunca tem solução para as coisas, só sabes ver os problemas, nunca as
soluções.

- Manifestar a minha opinião contrária a forma como vocês veem esta situação já
não constitui soluções ou achas que as coisas, assim estão boas?

Para não continuarem a discussão interveio o quadro grande e encerrou a birra que
começava a ficar bastante quente. O quadro grande achava que tinham mais do que fazer
do que estarem perdido em discussões que ele considerava inúteis.

Enquanto isso, Branquinho continuo igual a si e sempre na mesma senda do desprezo e da


humilhação repetia as suas palavras quando quisesse e mais uma vez voltou a dizer:

Vocês são quadros ultrapassados, o giz que escreve em vós deixa-vos muita poeira
e causa doenças pulmonares aos professores. Eu sou o quadro mais moderno, quem me
usa é só o marcador, mas atenção não é qualquer marcador tem de ser não permanente.
Diante desse desprezo ninguém ousou enfrenta-lo porque, não tendo as qualidades que ele
ostensivamente, sentiam-se inferiores à ele e isto era o suficiente para ninguém o
afrontasse.

- Deixa o gajo gabar-se ele pensa que o facto de ser feito de um material diferente
do que somos é motivo suficiente para nos humilhar- reclamava o pretinho.

- Deixa o gajo gabar-se? Compadre Preto acha que pelo facto de ser feito de
material diferente deve desprezar-nos? Isso não pode ficar assim.

Durante muito tempo todos os quadros tiveram que conviver com um quadro que era
considerado por todos como arrogante, petulante, alguém que usava as qualidades para
humilhar os outros, alguém que ao invés de trazer algum valor acrescentado com o facto de
ser moderno, muito inteligente, competente, só trazia conflitos e desarmonia naquele
sociedade, que até a sua chegada sempre foi vista como uma sociedade pacífica, solidária,
onde o respeito mútuo era o princípio dominante. Agora com a sua chegada e com as
atitudes que demonstrava, os quadros prenunciavam a chegada do inferno para aquele
comunidade onde a harmonia e a paz existentes só eram comparadas a que existiam no
paraíso.

Alguns se perguntavam sobre o que fazer para inverter o quadro. Os conformistas achavam
que nada havia a ser feito pois ninguém podia fazer-lhe frente, os inconformados achavam
que algo devia ser feito, mas não sabiam concretamente o que fazer para mudar a situação.
Os religiosos achavam que tudo se resolveria apenas com as orações incluindo nelas preces
e intenções a favor do restabelecimento da paz na comunidade. Os quadros pessimistas
achavam que tudo que se pensasse fazer era inútil pois estavam certo de que as acções
para mudar a situação só resultariam em fracasso, já os quadros optimistas pensavam
diferente, entendiam que qualquer coisa que fosse feita seria boa, pois a mudança se dá
com acções sejam elas grandes ou pequenas.

O tempo foi passando e o Verdinho ia cimentando com veemência a sua arrogância e


prepotência, ninguém fazia nada e aos poucos se ia tornando o rei dos quadros na Escola e
na comunidade, pois cada dia que passasse era oportunidade para consolidar a posição e o
estatuto que só ele tinha. Os outros quadros perdendo-se em discussões inúteis, não
estavam dispostos a fazer nada, apenas discutiam e trocavam opiniões sem, no entanto,
por em prática as milhares de ideias ricas, e muitas delas oportunas, que tinham.

Passado mais algum desde a consolidação da sua posição, toda a sua vaidade começou a
acabar porque por erro a direcção da escola comprou muitos marcadores permanentes e
não se podia escrever mais nele e nos outros quadros seus conterrâneos. Ai entrou em cena
um novo quadro chamado Verdinho que estava decidido humilhar o Branquinho.

Mal chegou na Escola disse logo ao Branquinho:

- Então és tu o gabarola que vive gritando aos quatro ventos do mundo que nós,
quadros a giz, não prestamos não é?

- Sou sim! Respondeu o Branquinho e continuou – ouve lá, ó seu Verdinho de uma
figa, não é por seres o novo quadro aqui na Escola que me vás humilhar. Não permito
humilhação nem que para isso eu tenha que chegar as vias de facto contigo! Retorquiu
Branquinho que já começava a ter os ânimos a flor da pele.

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