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A Vida secreta de Deus – Parte 3

Absolutamente Você

Deus precisa de você?


Muito e nem um pouco.
Como discutimos anteriormente, quando Deus escolheu expressar a possibilidade
de Seu aperfeiçoamento, a criação da humanidade se tornou um veículo necessário
para a manifestação desse aspecto da Divindade.
No entanto, o motivo pelo qual enfatizo a palavra "possibilidade" é para lembrar
que Deus não precisa expressar Seu aperfeiçoamento, mas é livre para fazê-lo.
Deus não teve de nos criar; Ele escolheu nos criar.
E é exatamente esse conceito que constitui a base do nosso grande dilema, da
nossa crise existencial, da nossa insistência em encontrar significado e ainda da
nossa luta com o fato de que somos efêmeros.
Em segundos podemos não mais nos sentir confiantes em nosso papel, necessários
no trabalho e essenciais às nossas famílias para nos sentirmos inseguros,
dispensáveis e substituíveis.
Nós nos sentimos de uma só vez necessários e desnecessários.
Às vezes somos conscientes disso até demais; outras, isso nos persegue
subconscientemente.
Mas sempre que tentamos compreender o significado e o valor da nossa existência,
essa angústia oculta volta à tona.
Estamos sempre nos perguntando qual é o significado e o sentido da nossa
existência.
A fim de entender melhor esse dilema e de uma vez por todas transcendê-lo,
devemos começar por onde sempre começamos — Deus — onde tudo começa.
De acordo com a Cabala, Deus é a realidade absoluta — Aquele que foi, é e sempre
será.
A realidade suprema deve ser.
Na terminologia filosófica, fala-se sobre Deus como "a existência necessária" ou "a
realidade necessária".
Se alguma coisa vai ser, então Deus deve ser.
Há de haver uma realidade absoluta, original e infinita que foi, é e sempre será.
É isso que queremos dizer quando usamos o Tetragrama, o nome nunca
pronunciado de Deus, que consiste de quatro letras hebraicas, YHVH — uma fusão
do verbo "ser" no passado, no presente e no futuro — foi/é/será.
Com seis anos de idade, meu filho Yehuda me perguntava repetidamente quem
criou Deus.
E eu inúmeras vezes tentei explicar que ninguém O criou, porque se "alguém" criou
"Deus", esse alguém seria Deus.
E que Deus sempre foi, é e será.
Mas por mais que eu tentasse, ele sempre dizia: "Ah, vai pai. Quem criou Deus?"
Obviamente, na cabeça de uma criança que não está pronta para ideias abstratas,
Deus aparece como um ser invisível, flutuando no espaço.
E assim como todo mundo no espaço veio de algum lugar, Deus também deve ter
vindo de algum lugar.
Para a mente madura, porém, é crucial entender que quando falamos de Deus,
estamos nos referindo à realidade que foi, é e sempre será.
Deus não foi criado.
Ele simplesmente foi, é e sempre será.
(Para se aprofundar mais sobre isso, veja o capítulo 1 do meu livro Enxergando
Deus.)
Portanto, por assim dizer, embora Deus tenha de ser, Ele não tem de nos criar.
Nós não temos de ser.
Deus (a Realidade Suprema), ao contrário do mundo, existe necessariamente.
Esse é um princípio básico na Cabala.
Deus criou o mundo.
Por quê?
Por razão nenhuma. Deus não tinha de criar o mundo.
Deus tem de ser, mas não tem de se tornar.
E isso significa que Deus não tinha de nos criar — Ele cria por absoluto livre-
arbítrio.
O que é livre com relação ao livre-arbítrio absoluto?
Deus quis criar, então Ele criou.
Deus quis expressar um processo de aperfeiçoamento, então Ele criou este mundo
imperfeito e um personagem imperfeito — o ser humano — que luta e trabalha
para se aperfeiçoar cada vez mais.
O livre-arbítrio absoluto não tem razão de ser.
Se tivesse, isso seria o que o determinaria, e não seria mais livre-arbítrio.
Se há uma razão para criar, então o ato criativo não é livre, mas sim o resultado
necessário daquele motivo.
Portanto, quando a Cabala fala sobre por que Deus criou o mundo, não está
perguntando apenas "por quê?", mas sim "para quê?".
Para ilustrar esse argumento, se eu lhe pergunto "por que Graham Bell inventou o
telefone?", posso estar perguntando uma de duas questões implícitas: (1) "Por que
motivo ele inventou o telefone?" ou (2) "Para que propósito ele inventou o
telefone?"
Bom, ninguém conhece a razão pela qual ele inventou o telefone.
Pode ter sido porque sua mãe estava no seu pé, dizendo: "Alex, vá arrumar um
trabalho! Você é um nada. Vá ser alguém!"
Ou pode ser porque ele cortejava uma bela donzela e queria impressioná-la com
sua genialidade.
Não sabemos o motivo.
Sabemos, porém, o propósito da invenção.
É um meio de se falar com alguém à distância.
É para isso que serve — comunicação.
Quando falamos de Deus, não estamos simplesmente dizendo não saber a razão
pela qual Deus criou o mundo, mas sim que não há urna razão.
Há um propósito para o qual Deus criou o mundo, mas não uma razão.
Embora o mundo seja proposital, ainda sim é irracional.
Pode ser um tanto perturbador perceber que a sua existência é basicamente
irracional e desnecessária.
Não há razão que a determine.
A sua existência é baseada em nada mais do que o puro livre-arbítrio de Deus.
Deus não tinha de criá-lo, não tinha motivo para criá-lo; Ele apenas quis.
O mundo parece absurdo quando você o vê sob essa perspectiva — esse vasto
universo e todos aqui podem existir ou não.
O mundo pode estar aqui neste momento e desaparecer no próximo.
A diferença entre nós e Deus é que a existência de Deus é absolutamente
necessária, ao passo que a existência humana não é nem absoluta nem necessária.
A nossa existência é mera possibilidade — Deus não tinha de manifestar a
possibilidade do Seu aperfeiçoamento, mas quando a expressou, a criação da
humanidade se tornou um veículo necessário para esse aspecto da Divindade.
Mas Deus não tinha de expressar esse tipo de perfeição.
E embora Ele o tenha feito e a humanidade tenha se tornado necessária, isso ainda
não significa que os indivíduos, você e eu, tenham de existir.
Também não quer dizer que esse tipo de perfeição deve continuar a existir.
Deus, a qualquer momento, pode escolher não mais expressar a perfeição
dinâmica.
De toda maneira, isso não nos faz sentir tão bem.
É claro que podemos dizer que o mundo tem um propósito, mas ouvir que a nossa
existência é irracional e desnecessária — que podemos ou não existir — nos faz
sentir descartáveis, como pratos de papel descartados quando acaba o piquenique.
Por isso, um dos desejos mais básicos do homem é justificar sua existência e se
fazer sentir necessário.
Queremos ser absolutos e necessários como Deus.
Lembre-se, antes de se quebrarem, os recipientes sentiram um gostinho da Luz
Infinita de Deus — a luz da realidade absolutamente necessária.
Portanto, nós, que somos esses recipientes quebrados, nascemos neste mundo
ansiando recuperar o sentimento da existência necessária.
Nós, seres humanos, gastamos uma enorme quantidade de tempo e energia
justificando nossa existência.
Mas, no final, somos como o empregado que trabalha duro e luta para ser
indispensável, gabando-se: "Sem mim, este negócio estaria arruinado. Eu tenho de
estar aqui."
Mas quem disse que o negócio tem de existir em primeiro lugar?
De fato, o negócio é totalmente dispensável.
Então acabamos por nos sentir como um cachorro correndo atrás do próprio rabo
ao tentar encontrar outra razão para a nossa existência.

Deus, o Absoluto
Um dos ensinamentos básicos da Torá e da Cabala diz que não temos uma
existência independente.
É verdade que nosso corpo parece sugerir que temos sim uma existência
independente.
Há algo no corpo físico que diz: "Sou uma pessoa. Sou independente. Não preciso
de ninguém."
Mas isso é ilusão.
Não somos independentes.
Não somos autossuficientes.
Não nos definimos por nós mesmos.
Isso não existe!
No Isralight, muitas vezes convido os participantes a sentir o próprio pulso, fechar
os olhos e contemplar o significado.
Pergunto: Quem decide que a batida continua?"
Raramente contemplamos como somos dependentes.
Dependemos totalmente de Deus em todos os momentos da nossa existência.
Deus não precisa de nós para existir, mas nós precisamos Dele.
Neste segundo, existimos apenas por que Deus quer.
Se Ele não quisesse que existíssemos neste momento, deixaríamos de ser.
Ou seja, a base da nossa existência é mera possibilidade, completamente
dependente de Deus.
Por isso, ninguém mais, a não ser Deus, existe absolutamente.
Para entender melhor esse conceito, considere o seguinte exercício.
Pare de ler agora mesmo e crie uma mulher (ou um homem) na sua mente.
Onde essa pessoa existe?
Dentro da sua mente.
Essa pessoa tem uma existência independente?
Não.
Ela existe apenas enquanto você pensa nela.
No momento em que você para de pensar nela e volta a ler, ela não existe mais.
Agora imagine este exercício sob a perspectiva da mulher na sua mente.
Digamos que ela tenha consciência.
Ela poderia pensar: "Eu e meu criador existimos."
Mas a verdade é que apenas o criador existe.
Essa mulher existe apenas dentro do criador e não tem uma existência
independente.
Ela é apenas uma possibilidade na sua mente e existe somente por causa do seu
desejo, leitor, de que ela exista.
E no momento em que você começa a pensar "o que vou comer de janta?", essa
mulher deixa de existir.
Por isso você não pode dizer "existimos eu e essa mulher".
Na verdade há apenas você, mas misteriosamente essa mulher na sua mente
também existe.
E embora ela não seja você, embora seja outra que não você e não tenha de
existir, ela é uma manifestação sua.
Isso também se aplica à nossa relação com Deus.
Apesar de sermos outros que não Deus, e apesar de não termos de existir, somos
uma expressão de Deus, que deve existir.
Ou seja, somos manifestações desnecessárias do necessário.
Portanto, embora algo em nós pareça descartável, ainda há o sentimento de que
somos absolutos e necessários.
E aqui se encontra a raiz do nosso dilema.
A metáfora do pensador-pensamento explica apenas parte da natureza da
existência.
A mulher na sua mente não tem livre-arbítrio, enquanto nós, em relação a Deus,
temos (trataremos deste assunto no próximo capítulo).

Inseguro? Quem, eu?


Estou envolvido com educação há mais de quinze anos e pensava que algumas
pessoas são seguras, e outras, inseguras.
Mas quando conheci meus alunos mais profundamente, descobri que nenhum deles
era realmente seguro.
Por definição, se você é humano, é inseguro, porque sua existência não tem de ser.
Você não tem de existir, e mesmo assim sente, de algum modo, que tem de existir,
porque você é uma alma, uma centelha do Deus absoluto.
Quando você compreende que não há razão para que você exista, sente uma
absurdidade em sua própria existência, mas sente também que isso não pode estar
certo.
Então você tenta justificar sua existência.
Mas pense: há qualquer coisa que você poderia fazer que o tornasse necessário?
Você tem de admitir que a vida continuaria sem você.
Essa é a implicação assustadora da morte.
Ela constantemente diz: "Você não tem de existir."
Pior que a morte é a insegurança traiçoeira que ela alimenta — o medo de morrer.
A verdadeira experiência da morte ocorre apenas uma vez para cada um de nós.
E para muitos, que podem morrer durante o sono ou repentinamente de ataque
cardíaco, a experiência da morte não será dolorosa.
O medo da morte, porém, existe todo dia, seja consciente ou inconscientemente; é
uma dor crônica.
Há uma história sobre dois rabinos que fizeram um acordo.
Quem morresse primeiro voltaria em um sonho e contaria ao outro como era a
transição.
Um dia, um deles morreu.
O outro esperou e, uma noite, o amigo apareceu-lhe em um sonho e disse:
"Oi, estou aqui. Agora estou do outro lado."
"Uau, como foi?"
"Maravilhoso. O anjo da morte me puxou para fora do corpo, delicadamente, como
um cabelo sendo retirado de um creme."
"Foi assim tão fácil? Incrível!"
"Mas eu lhe digo, se me forçarem a voltar, vou armar a maior briga."
"Por quê? Agora você sabe o segredo da morte."
"Não é a morte que me incomoda. É o medo da morte. Se eu voltar ao mundo, vou
esquecer e novamente terei medo de morrer."
Por que temos medo da morte?
Porque ela nos lembra de que somos apenas uma possibilidade.
Podemos estar aqui hoje e não amanhã.
Mesmo alguém bem-sucedido e importante, que cause um grande impacto no
mundo, pode morrer de repente, sem aviso.
É por isso que todos os americanos acima de quarenta anos lembram exatamente
onde estavam quando ouviram que John F. Kennedy havia sido assassinado.
John Kennedy era a pessoa mais importante dos Estados Unidos.
Não apenas ele era o presidente do país mais poderoso do mundo, mas, aos olhos
de muitos americanos, ele estava conduzindo o país a uma nova era de idealismo.
Ele era indispensável.
Então, em uma sexta-feira de manhã, alguma hora entre o café-da-manhã e a aula
de geografia, John Kennedy não existia mais.
Um lembrete catastrófico de que nós simplesmente não temos de existir.
Todo o Livro de Eclesiastes reitera essa ideia da condição existencial da
humanidade como transitória, desnecessária e irracional: "Futilidade das
futilidades, tudo é futilidade."
A vida, o mundo, nós mesmos, tudo é nada; é vapor.
Parece substancial, mas não tem substância real.
É descartável.
Muitas vezes as pessoas tentam superar a insegurança existencial adquirindo
propriedades, construções ou outras formas de riqueza material, como títulos ou
ações.
Certa vez um casal me convidou a ensinar Cabalá a seus amigos e assim gerar
fundos para o Isralight.
Era uma ocasião elegante.
Na mansão, o bufê era a última palavra em gourmet e os garçons usavam luvas
brancas.
"Incrível!", pensei. "Isso vai ser um sucesso!"
Quando comecei a aula, Harry, meu anfitrião, estava sentado bem na minha frente.
Em dois minutos ele se levantou e saiu.
Fiquei magoado.
Pensei: "Meu Deus, o que fiz de errado? Será que eu disse alguma coisa ofensiva?
Em apenas dois minutos, decepcionei meu anfitrião."
Cerca de cinco minutos depois, Harry voltou e se sentou ao fundo da sala.
Alguns minutos depois ele se levantou de novo e saiu.
Quando voltou, ficou perto da porta.
Ele fez isso tantas vezes que eu já estava ficando frustrado.
Eu não sabia o que estava acontecendo.
Depois da aula, me reuni com alguns convidados e os anfitriões.
Um dos convidados disse: "Harry, achei ótimo que você construiu uma piscina
nova. Quanto custou?"
Ele disse: "Sabe, estava pensando nisso. Calculei que se por dez anos eu nadar
todo dia, baseado na quantidade de braçadas que eu daria, cada braçada me
custaria cinquenta centavos."
As outras pessoas riram, mas o Harry estava sério.
Quando íamos embora, começou a chover, a cair uma tempestade.
Saímos do estacionamento e vimos o Harry, meu anfitrião multimilionário, sair de
casa e ir para a rua, na chuva, sem guarda-chuva, sem casaco.
Um de seus amigos me disse: "Pobre homem!"
"Pobre homem?", perguntei, surpreso.
"Sim, pobre homem!", o amigo continuou.
"Você não viu como ele não conseguiu se sentar nem por um minuto durante a sua
aula? Ele é sempre assim. Não consegue sentar. Dizem que ele nem dorme. Está
sempre andando pelas ruas à noite."
A Ética dos Pais (Pirkê Avót), coleção de ensinamentos dos sábios incluída no
Talmud, declara: "Quanto mais você tem, mais se preocupa."
Você se preocupa em perder o que tem.
Sabe que ter essas coisas é algo que acontece apenas no mundo da possibilidade, e
que isso pode desaparecer assim como existe agora.
Essa é a insegurança.

Feito de livre-arbítrio
Desde a Antiguidade, filósofos e cientistas tentam descobrir de que elementos os
seres humanos são feitos.
Segundo a Cabala, somos feitos de livre-arbítrio.
Somos a livre expressão do livre-arbítrio de Deus.
Nossa existência é mera possibilidade.
E isso adiciona mais combustível à fogueira da nossa insegurança, que queima
nossos sentimentos de importância.
A substância da vida é o livre-arbítrio.
Mas o que é o livre-arbítrio?
É pura possibilidade.
E é isso que somos.
Nossa essência é a liberdade.
Por um lado, lutamos para ser quem somos.
E quem somos?
Pura possibilidade, pura liberdade.
Portanto, não podemos evitar o desejo de ser livres e fazer o que quisermos.
A liberdade nos dá grande prazer.
Por outro lado, a liberdade nos causa grande dor.
O clássico de Erich Fromm, O Medo à Liberdade, desenvolve a ideia de que os seres
humanos também sentem a liberdade como algo doloroso.
Nós, seres humanos, vivemos um paradoxo.
Queremos e não queremos ser livres.
Temos um relacionamento de amor e ódio com a nossa liberdade.
Odiamos ser livres porque isso nos lembra que somos pura possibilidade, que não
somos necessários.
Nada que fazemos tem de ser.
Podemos fazer isso ou aquilo.
Tanto faz.
E isso é assustador.
Que diferença faz a minha escolha no final?
Se livre-arbítrio significa que posso fazer o que quiser, então quer dizer que minhas
ações são arbitrárias.
Significa que o que faço não é necessário; se fosse, por que eu teria a liberdade de
escolher?
Eu teria de fazer.
Mas não tenho de fazer nada porque sou livre.
Por isso detestamos a liberdade, porque ela nos remete à nossa insegurança.
As pessoas querem ser prisioneiras.
Não que queiram necessariamente estar em uma penitenciária, mas se sentem
seguras em sua própria prisão.
Elas querem dizer: "Não tive escolha. Isso tinha de acontecer."
Nós nos sentimos bem assim.
Por isso as pessoas procuram médiuns, leitores de mão e de tarô.
Elas querem escapar do peso de um futuro incerto.
"Diga-me o que vai acontecer para que eu não precise escolher."
A liberdade nos dá prazer e também nos causa dor.
Isso expressa quem somos — manifestações do livre-arbítrio de Deus.
Mas também nos lembra quem somos — mera possibilidade.

Fugindo do dilema
Ao longo da história, o homem inventou maneiras de superar a insegurança
existencial de ser apenas possibilidade e de aliviar a dor da liberdade de escolha.
Solução número um: negar!
A negação é um modo fantástico de lidar com problemas.
Eu nego que sou pura possibilidade.
Não sou pura possibilidade.
Quem disse isso?
Quem disse que o mundo foi criado?
Quem disse que Deus usou de livre-arbítrio para criar o mundo e que este não
tinha de existir?
O mundo tinha de ser.
A natureza é um resultado necessário, uma expressão da realidade absoluta.
A natureza é apenas um modo diferente da eternidade.
Essa era a posição de Baruch Spinoza.
O controverso teólogo do século 17 argumentava que natureza é Deus.
A natureza é absoluta.
Não foi criada.
Sempre foi, é e será.
É necessária.
O homem, como parte da natureza, é necessário.
Não somos possibilidade, não somos algo irracional.
Somos um modo diferente da realidade absoluta.
Portanto, a liberdade é uma ilusão.
Tudo é predeterminado, da mesma maneira que uma semente de carvalho gera um
carvalho e o carvalho produz sementes de carvalho.
Essa visão, conhecida como panteísmo, é essencialmente idólatra.
E qual era a posição do idólatra?
A natureza tem de existir.
A natureza é absoluta e a realidade, necessária.
O homem alcança a segurança ao se fundir com a natureza.
O homem da Antiguidade era inseguro e buscava segurança ao se fundir com a
natureza.
Se você visitar a ala de história da Antiguidade de um museu, ficará surpreso ao
ver que muitos dos ídolos de civilizações pagãs eram animais.
Por que um ser humano idolatraria um animal?
Porque acreditava que os animais estavam em um nível superior ao do homem.
Esses povos antigos aspiravam ser como animais porque o animal é exclusivamente
natural, guiado por instinto, descomplicado da ideia maluca do livre-arbítrio.
O paganismo moderno também idolatra a natureza.
Por isso o objetivo é "fluir com a natureza", fazer o que vem naturalmente.
E, claro, o que vem naturalmente pode ser um marido deixar a esposa e os filhos
para se divertir com uma ninfeta vinte anos mais jovem.
Todos os tipos de atos abomináveis são cometidos por pessoas aparentemente
boas que dizem: "Tive vontade de fazer."
A suposição é que se é natural, é bom.
Isso é idolatria.
Por isso a Torá é tão contra a idolatria.
Se você já leu a Torá, pode querer saber por que ela trata os idólatras com tanta
veemência.
Quer dizer, por que você se importaria se alguém resolvesse se ajoelhar a uma
pedra ou a uma árvore?
O mundo é livre.
Se alguém quer se curvar a uma pedra ou a uma árvore, por que eu teria que me
incomodar?
O problema é que não se trata apenas de pessoas se curvando a árvores.
É uma questão de endeusar a natureza.
A idolatria é uma visão de mundo em que tudo o que é natural é bom.
A pior eclosão do paganismo moderno foi o nazismo.
Essencialmente, Adolf Hitler era pagão.
Eis o que ele disse em Mein Kampf: "Na natureza, não há piedade com relação às
criaturas inferiores quando estas são destruídas para que o mais adaptável possa
sobreviver. Ir contra a natureza arruína o homem. Trata-se apenas de imprudência
judaica exigir que superemos a natureza."
Ele argumentava basicamente o seguinte: é errado quando um leão devora uma
zebra? Não é isso o que deve ser? Não é a natureza? A sobrevivência do mais forte
é natureza.
Nós, seres humanos, não deveríamos reprimir nossa natureza.
Somente os judeus e sua Torá insistem que você pode dominar a natureza.
De fato, a Torá ensina que devemos ficar acima da natureza, elevando tudo o que é
natural, em vez de sucumbirmos a ela.
Mais uma vez citando Hitler: "É verdade que somos bárbaros. É um título honorável
para nós. (...) Eu liberto a humanidade das algemas da alma, do sofrimento
degradante causado pela falsa visão chamada consciência e ética. Os judeus
infligiram duas feridas na humanidade: circuncisão no corpo e consciência na alma.
Estas são invenções judaicas. A guerra pelo domínio do mundo é travada apenas
entre estes dois campos, os alemães e os judeus. Tudo o mais é apenas decepção."
Hitler era um verdadeiro pagão e reconhecia que o conjunto de crenças que os
judeus haviam trazido ao mundo era contrário ao paganismo.
A circuncisão ritual, que traz o bebê para a aliança de Abrahão, declara que a
natureza pode ser melhorada pelas aspirações espirituais do ser humano.
A consciência, o outro "castigo" que Hitler atribuiu corretamente aos judeus, nos
obriga a uma adesão a leis morais acima de "fazer o que vem naturalmente".
O paganismo, ao tornar absoluta a natureza, é uma solução para a insegurança
humana espiritual.
Outra solução é simplesmente aceitar a nossa existência como desnecessária,
absurda, nada.
Lute para se tornar nada, que é o que você essencialmente é.
Filosofias como as de Arthur Schopenhauer são baseadas nessa conclusão, assim
como algumas religiões orientais que lutam para alcançar o nirvana, o "nada" ou a
"extinção" (do ego individual no Absoluto).
Todos os desejos devem ser suprimidos, pois eles levam inevitavelmente ao
sofrimento.
Algumas dessas religiões evitam todos os absolutos, inclusive qualquer conceito de
Deus; o ser humano cumpre seu potencial máximo ao entrar no estado do nada.
Entre acreditar que você é absoluto ou acreditar que você não é nada, há outra
maneira de resolver o problema — os mandamentos.

Resolvendo a insegurança
O Rei Salomão, no Livro de Eclesiastes, luta contra a consciência devastadora de
que a nossa existência é aparentemente absurda:
"Futilidade das futilidades, tudo é futilidade! Que real valor há para uma pessoa em
todo o seu trabalho sob o sol?"(l:2-3)
Ou seja, não há substância em nossa vida; não temos de existir.
Mas depois de descrever uma longa jornada de tentativa e erro, expectativa e
decepção, depois de tanto tumulto espiritual pessoal, o Rei Salomão nos
surpreende com uma resposta "curta e grossa": “No final, depois que tudo foi dito
efeito, reverencia a Deus, vive conforme os Seus mandamentos — pois isto é tudo
para o homem." (12:13)
Como cumprir os mandamentos de Deus pode resolver nossa crise existencial de
insegurança?
Como os mandamentos resolvem nosso conflito entre o desejo de liberdade e o
desejo de sentir que quem somos e o que fazemos é necessário?
A recorrente reclamação sobre os mandamentos é que eles tiram a liberdade.
Se nos ordenam "não roubarás", por exemplo, perdemos a liberdade de roubar.
Moisés, no Deuteronômio (30:19), delineia o arquétipo da situação de escolha:
"... tenho dado perante vós a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolherás
pois a vida..."
Mas espere um minuto!
Que tipo de escolha eu tenho se alguém me diz o que escolher?
É como dizer: "Olhe, estou lhe dando a escolha entre um Chevrolet e um Ford.
Escolha o Chevrolet... ou sofra as consequências."
Você tem a liberdade de escolha, porque, mesmo sabendo as consequências, ainda
pode escolher o Ford.
E quando pensa sobre isso, deduz que se suas escolhas não acarretassem
consequências, não haveria significado nelas.
Que diferença faz se você escolhe fazer ou não uma ação se não há consequências?
Se você quer se expressar como um ser livre, e mesmo assim sentir que é absoluto
e necessário, vai livremente escolher exatamente aquilo que é ordenado a fazer,
aquilo que deve fazer.
E isso resolve o problema da sua insegurança existencial.
Ser ordenado sobre o que escolher não é o problema; é a solução.
A solução é escolhermos livremente aceitar nossa missão Divina e ser um veículo
para Deus, que é absoluto e necessário.
Ou seja, os mandamentos capacitam o homem a se ligar ao absoluto, e o absoluto
é Deus.
Eu supero a insegurança de ser desnecessário e realizo meu desejo de liberdade ao
escolher cumprir uma missão para Aquele que é necessário.
E quando faço isso, vivo a verdade sobre mim mesmo, a qual intuía o tempo todo
— sou uma centelha do Deus absoluto.
E nunca vou morrer.
Posso deixar o corpo e este mundo, mas existirei eternamente unido a Deus.
Como eu (um ser que é apenas possibilidade) me conecto a Deus, a realidade
absoluta?
Por meio dos mandamentos, que contêm a vontade expressa de Deus, eu escolho
fazer o que tenho de fazer, e o faço pelo Ser que tem de existir.
Eu livremente aceito a minha missão de ser um agente de Deus.
A menos que um caminho espiritual possa articular para mim o desejo expresso de
Deus — me dizendo exatamente o que Ele quer de mim, o que devo fazer por Ele —
nunca poderei preencher a lacuna que existe entre a minha fútil existência humana
e a realidade absoluta de Deus.
De acordo com a Cabalá, o ser humano encontra a paz somente em Deus.
Não encontra descanso em nenhum outro lugar.
Se estamos impacientes e inseguros, é porque não nos comprometemos a trabalhar
para Deus.
Quanto mais o homem deseja se conectar a Deus (quanto mais ele deixa Deus
fazer parte de sua vida ao servi-Lo), mais ele vai sentir a existência absoluta e a
paz interior.
O único modo de realmente nos conectarmos a Deus é fazer da Sua vontade a
nossa vontade, ser Seu agente e cumprir Sua missão.
Atualmente, muitas pessoas que querem se aproximar de Deus praticam vários
tipos de meditação.
Não acredito que porque as pessoas sentem que estão se aproximando de Deus,
elas estejam necessariamente se aproximando de Deus.
Na verdade, muitas vezes as pessoas que se sentem mais próximas de Deus são as
que estão mais distantes.
Elas vivem em total subjetividade.
As experiências espirituais são ilusões.
É possível, sim, acessar o real por meio de meditação.
O único modo de distinguir a verdadeira meditação da ilusória é observar se essa
prática inspira a pessoa a se alinhar ao desejo de Deus, cumprindo Seus
mandamentos e lutando para crescer, escolhendo o bem e melhorando o mundo e
a si mesmo.
Um homem pode passar dez horas por dia meditando e dizer que está mais
próximo de Deus, mas se ele comete adultério, todos sabem que trata-se de um
hipócrita.
Somente os mandamentos, o desejo expresso de Deus — não apenas meditação —
habilitam o ser humano a se ligar com o Divino.
Os mandamentos são a ponte entre o ser humano que é pura possibilidade e o
Divino, a realidade absoluta.
Por meio dos mandamentos, vivemos como parte do Absoluto; descobrimos que
nosso "eu interior" é nada mais que uma manifestação do Absoluto.
Então ficamos plenos de um profundo sentimento de segurança e paz.
O caminho do mandamento me dá a escolha.
Posso escolher o que devo fazer, ou posso escolher não fazer o que devo fazer.
Posso trabalhar para Deus e me sentir parte do Absoluto, ou posso trabalhar para
mim mesmo, fazer o que quiser e me sentir desnecessário e descartável.
É claro que isso seria ridículo.
Quando Deus ordena "escolha a vida", e isso significa vida eterna, você pode
imaginar alguém dizendo "Não! Quero liberdade, então vou escolher a morte eterna
e sofrer a insegurança e a angústia de ser uma mera possibilidade e de nunca
descobrir meu verdadeiro eu interior."?
Embora a possibilidade exclusiva possa parecer atrativa, na verdade é uma tortura.
Imagine acordar todo dia sem nada para fazer, nada que você tenha de fazer.
Pode fazer o que quiser.
Então você acorda e não tem de escovar os dentes, levar as crianças para a escola,
tomar café-da-manhã, ir à aula de ginástica, responder às mensagens do telefone,
fazer compras, visitar um amigo ou ler o jornal de domingo.
O sentimento eufórico de liberdade que você experimenta em um primeiro
momento é logo substituído por ansiedade.
É por isso que, mesmo nas férias, planejamos o que fazer.
Temos de levantar e ir à praia, fazer uma caminhada ou passear em Praga.
Mas mesmo com o melhor dos planos, a não ser que tenhamos algo que devemos
fazer para Deus, nunca vamos superar o sofrimento causado pela nossa
insegurança existencial.
A solução para a nossa insegurança intelectual é fazer da vontade de Deus a nossa
vontade e cumprir Seus mandamentos.
É assim que satisfazemos nossos desejos paradoxais.
Por um lado, desejamos ser livres porque o livre-arbítrio é a própria essência do
nosso ser.
Por outro, desejamos nos sentir absolutos e necessários.
Quando seguimos o caminho dos mandamentos, conseguimos tudo.
Quando livremente escolhemos fazer o que devemos fazer e nos dedicamos a servir
Aquele que deve ser, sentimos a verdade sobre quem realmente somos —
centelhas do Absoluto ligadas ao Absoluto.

Escolhendo ser ordenado


No começo da história da Torá sobre a jornada espiritual de Abrahão, lemos:
"E disse o Eterno a Abrão: Anda (por ti mesmo) de tua terra. . . para a terra que te
mostrarei. . . E foi-se Abrão, como lhe falou o Eterno." (Gênesis 12:1, 4)
Os comentários clássicos ressaltam a diferença entre dois verbos em hebraico que
significam "disse", sendo que um deles tem a conotação de ordem.
Deus não ordenou a Abrahão (então conhecido como Abrão) que fosse.
Deus lhe "disse" que ele deveria ir, no sentido de oferecer um conselho.
Mas Abrahão entendeu algo muito profundo — que a maior satisfação do ser
humano é escolher ser ordenado.
Abrahão queria receber ordens porque sabia do segredo: se não há nada que eu
devo fazer para Deus neste mundo, então não tenho nenhuma conexão com o
Absoluto e minha existência é arbitrária.
Apesar de Deus ter aconselhado Abrahão a "andar por si mesmo", ele queria mais.
Ele não queria apenas ir por si mesmo, mas sim ir por Deus.
Queria transformar sua jornada livre em uma missão Divina, ser um agente de
Deus, tornar-se um veículo de Deus.
Deus dá a cada um de nós a mesma oportunidade — conexão com o Absoluto, com
o necessário — ao nos dar a missão para cumprir em Seu nome.
Podemos escolher cumprir nossa missão ou não.
Os mandamentos nos oferecem essa oportunidade.
A ironia, com a qual lidaremos no próximo capítulo, é basicamente que,
independente do que eu escolha, não posso evitar a minha missão.
Mas a questão é: escolho livremente, superando então minha insegurança
existencial e sentindo minha conexão com o Absoluto?
Ou acabo cumprindo a missão de qualquer jeito e vivo angustiado sem ao menos
saber que a cumpri?
O que tem de ser, será.
Nossa verdadeira escolha é se escolhemos saber, sentir e celebrar.

Em suma
A insegurança é um sentimento inerente à nossa existência.
Temos uma relação de amor e ódio com nossa liberdade.
Amamos a liberdade porque ela expressa quem somos — seres livres feitos de
livre-arbítrio.
No entanto, a liberdade nos lembra de que a nossa existência é mera possibilidade;
não temos de existir, e se ficamos livres para fazer o que quisermos, nossa vida
não se resume a nada.
O que preenche nossas escolhas livres com a sensação de significado eterno e valor
fundamental?
Como podemos fundir nossa existência fútil com a Realidade Absoluta?
A resposta é seguir os mandamentos — escolher o que devemos fazer e fazê-lo por
Deus.
A escolha satisfaz nossa necessidade de expressar nosso ser livre.
Escolher fazer o que devemos e fazê-lo em nome de Deus, como agentes de Deus,
liga nosso ser livre a Deus.
Isso nos traz o sentido completo.
É a única fórmula que pode trazer paz ao nosso dilema existencial
Voltando à questão original: em que medida Deus precisa de nós?
Depende de nós — das escolhas que fazemos.
A resposta pode ser "muito" ou "nada".
O quão absoluta é a nossa existência é uma característica que depende de nós —
se escolhemos fazer o que devemos fazer e se somos agentes de Deus. Então
sentiremos a qualidade Divina do nosso verdadeiro eu interior, a alma — uma
centelha do Absoluto.

Continua

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