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ARTIGO 3: A Necessidade de Um Programa Fundado em Bases Científicas - Odt
ARTIGO 3: A Necessidade de Um Programa Fundado em Bases Científicas - Odt
Gustavo Machado
O filósofo grego Platão, comentando sobre o discurso dialético, diz que ele “precisa ser
construído como um organismo vivo, com um corpo que lhe seja próprio, de forma que não se
apresente sem cabeça nem pés, mas com partes bem definidas e articuladas entre si e com o todo”
(PLATÃO, 1975, p.155). Ora, se no curso do século XX muitos procuraram arrancar os pés da obra
e vida de Marx, decepando sua atividade partidária e organizativa, outros procuraram arrancar
também sua cabeça, soterrando o programa que regeu toda sua elaboração e atividade política. Em
particular, procurou se arrancar fora o núcleo central desse programa: a tomada do poder pelo
proletariado e a construção da ditadura do proletariado. Um partido sem programa é como um cego
no tiroteio, que não sabe para onde ir. Da mesma forma, um programa que não tenha um partido
para disputá-lo no interior do movimento dos trabalhadores, é apenas tinta impressa em um papel.
Nesse artigo indicaremos alguns momentos centrais da longa atividade de elaboração
programática de Marx. Trata-se de momentos de seu pensamento que foram em sua maior parte
esquecidos ou distorcidos no intuito de torná-lo um mero teórico da economia ou da sociedade,
afastado de toda e qualquer atividade revolucionária.
“A combinação de forças que a classe trabalhadora já efetuou por suas lutas econômicas
deve, ao mesmo tempo, servir de alavanca para suas lutas contra o poder político de seus
exploradores.
[...] A conquista do poder político tornou-se, portanto, o grande dever da classe
trabalhadora.” (MARX, 1992, p.79)
Eis a finalidade programática que deve reger todo o programa de um partido revolucionário:
a tomada do poder pelo proletariado. No entanto, com qual finalidade o proletariado deve tomar o
poder? É somente depois do Manifesto e da experiência das revoluções de 1948 que Marx concluí
não ser suficiente a tomada do poder pelos trabalhadores. É necessário também destruir o Estado
burguês e construir a ditadura do proletariado.
Que seja do nosso conhecimento, esse é o primeiro programa assinado por Marx em que a
ditadura do proletariado aparece explicitamente como finalidade imediata de um partido
revolucionário. Pouco tempo antes o tema é desenvolvido com mais detalhes em um artigo da Nova
Gazeta Renana – Revista, posteriormente publicado por Engels com o título A luta de classes na
França. Nesse trecho se lê:
Esse socialismo é a declaração de permanência da revolução, a ditadura classista do
proletariado como ponto de transição necessário para abolição de todas as diferenças
de classe, para a abolição da totalidade das relações de produção em que estão baseadas,
para a abolição da totalidade das relações sociais que correspondem a essas relações de
produção, para a convulsão da totalidade das ideias, que se originam dessas relações sociais.
(MARX, 2012b, p.138).
Essa elaboração de Marx teve grande repercussão entre os círculos socialistas europeus.
Tanto é assim que em 1 de janeiro de 1852, o jornal Turn-Zeitung, editado por emigrantes
socialistas alemães nos EUA, publicou um artigo de Joseph Weydemeyer: Sobre a ditadura do
proletariado, escrito sob a influência direta da obra de Marx. Mas essa ideia também recebeu
críticas tão logo foi lançada ao público.
Muitos questionaram: se o objetivo final do programa proposto por Marx é a abolição da
sociedade capitalista e das classes sociais que lhe correspondem, pondo fim, simultaneamente, à
política, ao Estado e todos demais meios de dominação de uma classe sobre a outra, qual o motivo
de se construir um outro Estado: a ditadura do proletariado? Se contrapunha, assim, ditadura do
proletariado e abolição do Estado.
A questão é tornada clara em resposta do próprio Marx a um de seus críticos. Trata-se de
Otto Liming, editor do jornal Neue Deutsche Zeiting. Esse escrevera em seu jornal uma resenha
crítica dos artigos de Marx sobre as lutas de classes na França que tinham com alvo principal
exatamente a noção de ditadura do proletariado. Marx escrevera uma resposta a Liming em que diz:
“No artigo do seu jornal ... você me censurou por defender o governo e a ditadura da classe
trabalhadora, enquanto você propõe, em oposição a mim, a abolição das distinções de classe em
geral. Eu não entendo essa correção”. Marx se defende citando o trecho de seu próprio artigo,
alvo da presente crítica, onde se vê o absurdo de tal contraposição: "Este socialismo (isto é, o
comunismo) é a declaração da permanência da revolução, a ditadura de classe do proletariado como
a ponto de trânsito necessário para a abolição das distinções de classe em geral" (MARX, 1978b,
p.387, grifo nosso).
Ora, como demonstra todas as citações de Marx que mencionamos acima, a contraposição
entre ditadura do proletariado e abolição do Estado é falsa da cabeça aos pés. De um ponto de vista
mais geral a ditadura do proletariado é apenas um meio para que se atinja o fim de todas as classes
sociais e de uma sociedade baseada na exploração, na opressão e na dominação. Mas, nos dias de
hoje, quando a classe trabalhadora está afastada de todas as formas de poder, a ditadura do
proletariado é a finalidade primeira do Partido revolucionário. Afinal, somente com a derrota do
capitalismo a nível mundial, arena sob a qual se move o capital, estarão dadas as condições para
uma sociedade sem classes (e sem Estado).
Seria esta obsessão de Marx com o programa, e a ditadura do proletariado, um resquício
sectário e blanquista do século XIX? Um obstáculo para a unidade da classe trabalhadora e, assim,
para a realização dos seus fins? Não acreditamos. Em resposta a essas questões, terminamos citando
a fala de intervenção de Marx na AIT em 15 de outubro de 1871, quando ele fez um balanço dos
motivos da derrota da Comuna de Paris. Como veremos a seguir, se é verdade que mais vale um
passo no movimento real do que uma dúzia de programas ou, dito de outro modo, de nada adianta
um programa se não se interfere na realidade, disto não se segue que um programa é secundário. Ao
contrário, sem um programa claro o movimento real pode desembocar em qualquer lugar. Diz
Marx:
“A Comuna não conseguiu encontrar uma nova forma de governo de classe. Ao destruir as
condições existentes de opressão, transferindo todos os meios de trabalho para o trabalhador
produtivo, e assim obrigando todos os indivíduos capazes a trabalhar para viver, a única base
para o domínio de classe e opressão seria removida. Mas antes que tal mudança pudesse ser
efetuada, uma ditadura proletária se tornaria necessária, e a primeira condição disso era um
exército proletário. As classes trabalhadoras teriam que conquistar o direito de emancipar-se
no campo de batalha. A tarefa da Internacional é organizar e combinar as forças de trabalho
para a próxima luta.” (MARX, 1992, p.270-1)
Referências
PLATÃO. Diálogos: Fedro, Cartas , O Primeiro Alcibíades . Tradução de Carlos Alberto Nunes.
Belém: Universidade Federal do Pará, 1975.
MARX, K; ENGELS, F. Crítica do Programa de Gotha . São Paulo: Boitempo, 2012.
______. appendices to the “Universal Society of Revolutionary Communists'” in Marx and
Engels, Collected Works , Vol. 10, 1978.
______. Statement To the Editor of the Neue Deutsche Zeitung. in Marx and Engels,
Collected Works , Vol. 10, 1978b.
MARX, Karl. Glosas críticas marginais ao artigo "O Rei da Prússia e a Reforma Social". De um
prussiano. In: Revista Práxis, n. 5, Belo Horizonte: 1995.
______. Miséria da Filosofia . São Paulo: Grijalbo, 1976.
______. As Lutas de Classes na França. São Paulo: Boitempo, 2012.
______. appendices to the “Universal Society of Revolutionary Communists'” in Marx and
Engels (1978), Collected Works , Vol. 10, 1850.
______. The First International and after: Political writings, Volume 3. London:
Penguin, 1992.