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5902/2317175820897
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RESUMO ABSTRACT
O objetivo deste artigo é apresentar uma interven- The objective of this paper is to present an inves-
ção investigativa em um centro urbano mapeando tigative intervention in an urban center mapping
a arte de rua e seus atores sociais, a fim de levantar to street art and its stakeholders, collecting data
dados relacionados a questões culturais, sociode- related to cultural, demographic, political and
mográficas, políticas e econômicas. A importân- economic issues . The importance of this issue is
cia desse tema decorre da presença da arte urbana a function of the presence of urban art in the city
na cidade e da inexistência de estudos sobre ma- and the lack of studies that support the acade-
peamentos ou censos de artistas de rua na capital e my’s debate, society and public authorities as re-
no Rio Grande do Sul que subsidiem o seu debate gards the maps or street performers census in the
na academia, na sociedade e no poder público. A capital and in Rio Grande do Sul. From a review
partir de uma revisão de literatura acerca do tema of literature on the subject and data collection by
e coleta de dados por meio da aplicação de ques- applying questionnaire and direct observation, it
tionário e observação direta, foi traçado um perfil was traced a profile of urban state artists. Data
dos artistas urbanos do estado. A análise de dados analysis provides an overview of the presence of
traz um panorama da presença de artistas de rua street performers in the covered area and at the
na área abordada, permitindo a sugestão de novas end, it is suggested new proposals research.
proposições de pesquisa. Keywords: culture; mapping; Street artists; Rio
Palavras-chave: cultura; mapeamento; artistas de Grande do Sul.
rua; Rio Grande do Sul.
* Esta pesquisa foi financiada via Edital da Secretaria de Estado da Cultura (SEDAC) n.º 11/2013 – Concurso “Desenvolvimento da Economia da Cultura
Pró-cultura RS FAC”.
1 Administrador no Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) de Porto Alegre. Graduação em Administração de Empresas com Ênfase em
Analista de Sistemas (PUCRS) e em Programa Especial de Formação Pedagógica (UNISC). Especialização em MBA em Marketing Político e Organização
de Campanha Eleitoral (UNINTER), em Gestão Pública Municipal (UFSM), em Gestão de Projetos Sociais e em Política e Sociedade (CBM) e em História
e Cultura Afro-brasileira (UCAM). E-mail: professor@carloshoffmann.com.br.
cal onde os problemas sociais e huma- que faz do lugar uma multiplicidade de
nos se mostram, tomam forma, ganham locais” (BARROS, 1998-1999, p. 33).
uma dimensão pública e são resolvidos. Entretanto, segundo Blauth e Possa
Por outro lado, é perceptível que (2012), ao serem apresentadas no espa-
o espectador está distanciado da arte ço público, as obras criam uma relação
contemporânea, provavelmente, con- dialógica a partir do local.
forme Blauth e Possa (2012), por não De acordo com Da Matta (1997, p.
estar engajado nas proposições dos ar- 15), o espaço da “rua” e o da “casa” po-
tistas, por falta de informações ou mes- dem ser compreendidos como categorias
mo por falta de interesse. Em virtude sociológicas, opostas e complementares,
disso, além da peculiar complexidade já que não designam “[...] simplesmen-
das diferentes manifestações artísticas, te espaços geográficos ou coisas físicas
os espaços e as instituições culturais comensuráveis, mas acima de tudo en-
procuram novos instrumentos para que tidades morais, esferas de ação social,
o grande público possa se aproximar províncias éticas dotadas de positivida-
e ampliar sua compreensão acerca das de, domínios culturais institucionaliza-
produções da arte atual (BLAUTH; dos [...]”. Dessa forma, segundo Garcia
POSSA, 2012). Sendo assim, segundo (2005), o uso da categoria “rua” é per-
Blauth e Possa (2012, p. 149): tinente às pessoas que frequentam esse
espaço, com suas especificidades e pre-
No final dos anos 1960 e início dos ferências. Os artistas de rua, ainda con-
anos 1970, o abandono dos espaços forme Garcia (2005, p. 3), “buscam se
fechados das galerias, de museus, dos orientar pelas características do espaço
locais de produção em atelier e a inter- para que seus espetáculos criem o efeito
venção direta na natureza colocaram
de verossimilhança para o público”.
em crise os objetos artísticos, provo-
cando novas interrogações sobre a Dentro desse contexto, a arte ur-
função crítica da arte e sua dimensão bana é vista como um trabalho social,
dentro do contexto público da arte. cujas obras possibilitam a apreensão
de relações e diferentes meios de apro-
A territorialidade, a rua e o es- priação do espaço urbano, um ramo da
paço urbano são o estúdio, o palco e o produção da cidade, expondo e mate-
atelier do artista urbano, o que permi- rializando suas conflitantes relações so-
te que o espectador se aproxime final- ciais, bem como seus modos de temati-
mente da arte. Diante desse cenário, zação cultural e política (PALLAMIN,
como referem Blauth e Possa (2012), 2000). A esse respeito, acrescenta Los-
os conceitos de lugar e local adquirem sau (2009, p. 37) que “a arte no espaço
novos significados e conceituações na público deve contribuir para fortalecer a
arte contemporânea a partir da utiliza- identidade e o reconhecimento das par-
ção de espaços não convencionais pelos ticularidades das cidades”.
artistas. Conforme Barros (1998-99), o Pallamin (2000, p. 19), ao refletir
lugar é algo aberto, pessoal e humano, sobre a produção e recepção da arte ur-
que mantém suas qualidades básicas e bana, afirma que:
tem suas narrativas e histórias próprias.
Sendo assim, é possível compreender Os significados da arte urbana desdo-
bram-se nos múltiplos papéis por ela
que é no local que ocorre a confron-
exercidos, cujos valores são tecidos
tação das experiências resultantes da na sua relação com o público, nos
comunicação entre diferentes lugares e seus modos de apropriação pela co-
culturas, de modo que o local tem ca- letividade. Há uma construção tem-
racterísticas mais amplas do que o lugar poral de seu sentido, afirmando-se ou
(BLAUTH; POSSA, 2012). Ao lugar, infirmando-se. Assim, tais práticas
“soma-se um conteúdo da memória artísticas podem contribuir para a
ram responder à pesquisa durante o pe- respondidos. Pelo menos uma dezena
ríodo do trabalho de campo, que atuam de artistas não quis responder, mesmo
em outras cidades para além da região após sensibilização quanto ao objetivo
metropolitana de Porto Alegre ou que desta pesquisa. Nas subseções a seguir,
não foram encontrados pelo pesquisador, são apresentados os resultados obtidos.
pudessem ter uma forma de fazê-la.
A investigação acerca dos artis- 2.3.1 Dados e análise dos resultados:
tas de rua está calcada sobre cinco eixos eixo sociodemográfico
base, definidos como sociodemográfico
(nome completo e artístico, sexo, gêne- Nesta seção, são listados e anali-
ro, orientação afetivo-sexual, etnia, fai- sados os dados referentes ao eixo socio-
xa etária, grau de escolaridade, estado demográfico. Quanto à nacionalidade, é
civil, local de moradia, nacionalidade e interessante destacar que 63% dos en-
naturalidade), econômico (faixa de ren- trevistados são brasileiros. Destes, sete
da total, percentual de renda extraída da são de Porto Alegre, sete são de outras
atividade cultural, recebimento de bolsa cidades do Rio Grande do Sul e um é
família, se tem registro no Cadastro Na- do Paraná. Mesmo não sendo maioria, o
cional da Pessoa Jurídica – CNPJ – e contingente de estrangeiros indica a im-
se tem registro de trabalho na Delegacia permanência desses artistas em termos
Regional do Trabalho – DRT –, na Car- territoriais: dos nove que são originários
teira da Ordem dos Músicos – OMB –, de países latino-americanos, quatro pro-
etc., se possui outra ocupação profissio- veem da Argentina, e um veio do Chile.
nal e qual a atividade principal), cultural Quanto à cidade de moradia,
(tipo de apresentação, tempo de ativida- 54% moram em Porto Alegre, e 46%
de na rua, motivação para se apresentar em outras cidades da região metropoli-
na rua, horários de apresentação, tem- tana de Porto Alegre ou do Brasil ou em
po de duração da apresentação, dias de outros países. Esse dado é natural tendo
apresentação do artista, frequência de em vista que a pesquisa foi realizada de
apresentação, local(is) de trabalho(s), forma presencial na capital gaúcha.
infraestrutura empregada, se tem site de Em relação ao sexo, 88% são do
divulgação, se utiliza redes sociais para sexo masculino, e 12% são do sexo fe-
divulgação e se pertence a algum gru- minino, dado que mostra uma dispari-
po de artistas de rua), político (se tem dade grande entre os gêneros, devendo
conhecimento sobre a Lei n.º 200/13 ser motivo de estudos específicos. Ou-
– “Lei dos Artistas de Rua” de Porto tro achado interessante é que todas as
Alegre ou à lei correspondente em sua mulheres entrevistadas são jovens (de
cidade, se é sindicalizado em sua área, 18 a 25 anos), o que pode denotar tam-
se tem cadastro na Secretaria Municipal bém variáveis relativas à faixa etária
da Cultura de Porto Alegre, na Secreta- cruzada com o gênero.
ria Estadual da Cultura do Rio Grande No que concerne à faixa etária,
do Sul ou no Ministério da Cultura, se 21% dos entrevistados têm entre 18 e
conhece o Sistema Nacional de Cultu- 25 anos e entre 26 e 30 anos de idade;
ra – SNC – e se tem apoio financeiro 25% têm entre 31 e 35 anos; 8% têm de
ou subvenção do poder público) e livre 36 a 40 anos; 4% têm de 41 a 50 anos;
(qual a satisfação geral como artista de 17% têm de 51 a 60 anos; e 4% têm en-
rua e observações livres). tre 61 e 70. Esses dados mostram que
a grande maioria é jovem-adulta (entre
2.3 Dados e análise dos resultados 18 e 35 anos) e que há um pico situado
na faixa dos 51 a 60 anos, que pode ser
Tendo por base a metodologia considerada uma faixa de transição para
explicitada, 24 questionários foram a terceira idade. A necessidade de liber-
a supremacia da música frente às outras lher mais de uma opção para melhor des-
áreas, seguida pelo teatro, pelo atuação crever a sua arte de rua. Tal informação
como palhaço, pelas artes circenses em pode auxiliar os pesquisadores e o poder
geral e pela representação por mímica. público a entenderem a oferta cultural,
Esses ocupações, contudo, não totalizam podendo contribuir na melhoria das polí-
100%, já que o respondente podia esco- ticas públicas específicas.
Sobre a duração média da apre- ponderam que têm, e 4,2% não soube-
sentação, 50% utilizam entre uma e três ram ou não quiseram responder. Esses
horas para cada espetáculo, 25% dos dados corroboram com os da motiva-
entrevistados utilizam entre três e cinco ção para a arte na rua, já que ilustram
horas por apresentação, 12,5% utilizam claramente a liberdade de ação e inde-
menos de uma hora, 4,2% utilizam en- finição de regras presente nessa prática
tre cinco e sete horas, 4,2% empregam artística. Como locais específicos para
entre sete e nove horas, e outros 4,2% as apresentações, foram citados a Es-
utilizam mais de nove horas. Esse dado quina Democrática (Rua dos Andradas
indica que a maior frequência é justa- com Borges de Medeiros), o Parque da
mente a que costumeiramente se en- Redenção, a Praça Parobé, a Rua dos
contra na duração de espetáculos em Andradas e a Praça XV de Novembro,
teatros, casas de shows e outros locais todos no centro de Porto Alegre; a Rua
tradicionais, informação relevante no José Bonifácio, na Cidade Baixa de
sentido de auxiliar uma possível orga- Porto Alegre; e o Trensurb (trem me-
nização em uma grade de apresentações tropolitano), que perpassa as cidades de
artísticas em um espaço público coleti- Porto Alegre, Canoas, Esteio, Sapucaia
vo ou público. do Sul, São Leopoldo e Novo Hambur-
Quanto à frequência de apresen- go (todos os locais citados situam-se na
tação, a maior parte informou que é diá- região metropolitana de Porto Alegre).
ria (29,2%), 25% disseram ser três vezes Quanto à infraestrutura neces-
por semana, 16,7% afirmaram ser sema- sária normalmente utilizada, 62,5%
nal, 12,5% afirmaram ser seis vezes por responderam “Outros”, 50% indica-
semana ou variada, e 4,2% disseram ser ram “Figurino”, 45,8% mencionaram
mensal. Essa questão ilustra a habitua- “Caixa de Som/Amplificador”, 41,7%
lidade das apresentações, demonstrando responderam “Microfone” e “Maquia-
que elas acontecem de forma contínua e gem”, 33,3% disseram “Bateria ou
frequente na cidade, e também auxilia gerador”, 29,2% indicaram “Banco
no entendimento e na organização de ou pedestal”, 8,3% citaram “Teclado/
uma grade de espetáculos. Piano” e “Triângulo”, e 4,2% disseram
Quanto ao hábito de ter uma agen- “Instrumentos andinos/indígenas”. Os
da ou rotina de apresentações ou local itens “Violino” e “Zabumba” não foram
fixo definido, 62,5% dos respondentes mencionados pelos entrevistados. Esses
informaram que não a têm, 29,2% res- dados se relacionam diretamente às mo-
to Alegre ou de outra cidade, 83,3% traída pela maioria dos artistas é pequena
dos artistas afirmaram que não tem, e e não atende aos requisitos mínimos de
16,7% responderam que sim. Já quanto sobrevivência digna, o que indica uma
à Secretaria Estadual da Cultura do Rio situação preocupante que pode ser a cau-
Grande do Sul, 91,7% afirmaram não sa de uma eventual impermanência dos
ter cadastro, e 8,3% afirmaram ter. Por artistas nessa atividade.
fim, ao serem questionados sobre ca- Sobre o fato de os artistas te-
dastro no Ministério da Cultura, 91,7% rem algum tipo de registro empresarial
afirmaram não ter cadastro, 4,2% afir- (CNPJ), 66,7% responderam que não
maram ter, e outros 4,2% afirmaram têm, e 33,3% afirmaram que têm. Esse
não saber ou não querer responder. Os dado novamente corrobora o fato de que
números ilustram, primeiramente, a há baixa profissionalização da atividade
não aderência dos artistas a essas ins- e, consequentemente, uma renda menor.
tituições governamentais, que deveriam Em relação à presença de registro
dialogar profundamente com seu públi- de trabalho, 66,7% afirmaram não ter
co, e a menor aderência dos artistas à qualquer registro, 16,7% disseram ter
medida que a distância geográfica ou registro na Ordem dos Músicos do Bra-
hierárquica, em termos de poderes (mu- sil, e 12,5% afirmaram ter registro na
nicipal, estadual e federal), aumenta. Delegacia Regional do Trabalho. Essa
Como um óbvio reflexo dessa situação reflete, em conjunto com as an-
falta de relação com o poder público, teriores, a não vinculação profissional
100% dos entrevistados afirmaram não dos artistas, gerando uma situação de
ter apoio financeiro ou subvenção do desproteção e redução das possibilida-
poder público municipal, estadual ou des de associação e obtenção de renda.
federal. Tal situação escancara a distân- Sobre a existência de outra ocupa-
cia dos governos em relação aos artistas ção além da artística na rua, 58,3% afir-
de rua, já que não há qualquer política maram ter, 37,5% afirmaram não ter, e
de subvenção ou apoio financeiro para 4,2% não souberam ou não quiseram res-
fomento da arte urbana no estado. Dian- ponder. Esses dados se relacionam à ren-
te isso, torna-se essencial a aproxima- da obtida, que, sendo baixa, faz com que
ção do governo com os artistas, a fim de os artistas tenham de buscar outra fonte
possibilitar a melhoria da arte produzi- de recursos para a própria sobrevivência.
da e das condições sociolaborais. Dentre os que responderam que
tinham ocupação adicional, 41,7% se
2.3.4. Dados e análise dos resultados: declararam autônomos, 8,3% se decla-
eixo econômico raram estudantes e não souberam ou não
quiseram responder, e 4,2% disseram
Nesta seção, são listados e analisa- ser aposentados. Ninguém assinalou
dos os dados referentes ao eixo econômi- as opções “assalariado”, “empresário”
co. Quanto à faixa de renda mensal obti- ou “voluntário”. Novamente, a liberda-
da com a atividade cultural de rua, 50% de de ação e gestão do tempo aparece
recebem até R$ 1.085,00, 29,2% não quando a maioria dos artistas que tem
souberam ou quiseram responder, 12,5% outra ocupação atua como autônoma.
afirmaram receber entre R$ 1.085,01 e Por fim, quando questionados
R$ 1.734,00, e 4,2% mencionaram re- sobre qual seria sua atividade principal,
ceber de R$ 3.737,01 a R$ 7.475,00 e 62,5% referiram ser a de artista de rua,
acima de R$ 9.745,00. As faixas de R$ 20,8% afirmaram ser outra (apresentada
1.734,01 a R$ 3.737,00 e de R$ 7.475,01 na questão anterior), e 16,7% disseram
a R$ 9.745,00 não foram citadas pelos não saber ou não querer responder. Es-
entrevistados. A partir dos dados coleta- ses dados demonstram que os artistas
dos, é possível afirmar que a renda ex- realmente dependem mais do seu traba-
lho na rua do que de outras atividades, Em relação à satisfação geral dos artis-
sendo patente que atuar para qualificar e tas de rua quanto ao seu trabalho (Grá-
dignificar o trabalho dos artistas irá im- fico 3), fica claro que a grande maioria
pactar de forma positiva a sua arte e as dos entrevistados (83,3%) se sente sa-
suas vidas. tisfeita ou muito satisfeita. Isto mostra
que, apesar de todas as dificuldades, os
2.3.5. Dados e análise dos resultados: artistas gostam do que fazem e se com-
eixo livre prazem com a atividade artística de rua.
Ainda, 58,3% dos artistas afirma- sável pela autorização de trabalho vin-
ram não sofrer preconceito por causa culada ao território, também foi citada
da atividade cultural na rua. Como um algumas vezes, seguida de “vizinhos/
alerta, 33,3% responderam terem sofri- moradores”, “comerciantes” e “segu-
do preconceito, e 8,3% não quiseram ou ranças do Trensurb”. Essa grave situa-
souberam responder. Dentre os precon- ção escancara o despreparo do poder
ceitos sofridos, encontram-se questões público para lidar com a classe artística
de xenofobia, machismo e de as pessoas e revela questões para um importante
não entenderem a arte na rua como um debate social. A centralidade da Lei do
trabalho adequado ou digno. Essa si- Artista de Rua (ainda existente no esta-
tuação revela que ainda é preciso uma do apenas em Porto Alegre) é enorme
especial atenção pública para a elimina- e deve servir de garantia legal e salva-
ção do preconceito contra os artistas e guarda para os artistas populares na rua,
ilustra outra face dessa luta social pelo pelo menos na capital do estado.
respeito e pela dignidade individual. Em uma pergunta de resposta li-
Quanto a sofrer algum tipo de vre sobre qual seria a maior dificuldade
repressão por conta da atividade cul- como artista de rua, os entrevistados
tural, pergunta focada principalmente mencionaram questões diversas, tais
na relação com o poder público, 70,8% como, a repressão, a demora em conse-
dos artistas responderam positivamen- guir a liberação legal para o trabalho, a
te, 20,8% responderam negativamente, burocracia, a falta de um olhar especí-
e 8,3% não souberam ou não quiseram fico/projeto dos governos e de políticas
responder. Dentre as repressões sofri- públicas e do reconhecimento cultural e
das, a polícia foi mencionada diversas político da arte na rua, a falta de linhas
vezes. A prefeitura, vista como respon- de crédito específicas para o artista de
rua, os problemas de não ter um local trabalho via internet ou contato pessoal
adequado e de infraestrutura, principal- e não pertencendo a qualquer grupo de
mente em termos de equipamentos ne- artistas de rua. Além disso, sob o viés
cessários, a falta de disciplina pessoal político, há o relativo desconhecimento
do próprio artista, o clima e as intem- legal e a baixa participação ou inter-re-
péries, a falta de parceiros para compor lação com a esfera pública governamen-
projetos na rua, a impossibilidade de ter tal. Já quanto ao eixo econômico, fica
acesso a outros espaços, como feiras e patente a informalidade nas relações de
exposições, a falta de cultura do público trabalho ou empresariais, a baixa renda
e uma espécie de aversão à arte e segre- auferida (até R$ 1.085,00) e presença
gação do artista, as dificuldades de rela- de outra ocupação paralela, mas com
cionamento com outros artistas de rua, a preferência pela artística. Ademais, os
polícia e os comerciantes, a dificuldade entrevistados consideraram-se, em sua
de deslocamento até os locais de traba- maioria, satisfeitos com a atividade na
lho e os problemas de convivência entre rua, embora sofrendo algum tipo de re-
os artistas, já que cada um se apresenta pressão por conta da atividade cultural e
em espaços geográficos próximos, ha- enfrentando diversos problemas ineren-
vendo concorrência entre as caixas de tes à classe artística.
som e os aparelhos de reprodução de Importante salientar, ainda, que
áudio de cada um. Tais dados eviden- esse “censo exploratório” é inédito em
ciam a existência de muitos problemas sua forma, em seu conteúdo e em sua
a serem enfrentados pela classe artísti- metodologia, não havendo qualquer
ca, que devem ser resolvidos por eles, outra pesquisa que verse sobre as prin-
pelo governo e pelo conjunto da socie- cipais questões referentes aos artistas
dade, tendo em vista sua complexidade urbanos do estado do Rio Grande do
e especificidade. De qualquer forma, é Sul ou nos outros estados, com exceção
essencial haver um interesse maior dos de São Paulo (SÃO PAULO TURIS-
atores políticos e sociais, objetivando a MO, 2012). Acerca da execução desta
resolução ou pacificação dessas impor- pesquisa, ressalta-se a dificuldade em
tantes questões. encontrar os artistas de rua, devido à
inconstância de locais, dias e horários.
3 Conclusão Com certeza, todos os artistas da cida-
de não puderam ser mapeados por con-
Nesta pesquisa, mostraram-se as- ta dessa variabilidade. Também houve
pectos culturais, sociodemográficos, po- uma dificuldade de acesso aos artistas,
líticos e econômicos dos artistas de rua. em virtude de não haver qualquer ca-
É relevante destacar, ainda, que, no ge- dastro sistematizado com o contato dos
ral, os artistas são brasileiros, gaúchos, artistas de Porto Alegre ou de qualquer
homens, brancos e solteiros, moram na outra cidade do Rio Grande do Sul.
região metropolitana de Porto Alegre ou Além disso, alguns artistas não quise-
na capital, possuem entre 18 e 35 anos ram ou não se interessaram em respon-
e têm, no mínimo, ensino médio com- der este estudo, impossibilitando a co-
pleto. Eles trabalham como artistas de leta de dados.
rua há até dez anos, sendo motivados É interessante ressaltar, ainda, a
pela “liberdade” e pelo “contato com o não ocorrência de artistas de grafite nes-
público”, se apresentando até três vezes te estudo. Isso se deve ao fato de que
por semana com sessões que duram en- estes não “se apresentam” ao público,
tre uma e três horas, não tendo rotina mas expõem sua obra em prédios, ca-
de apresentações definida ou local fixo, sas, fachadas e equipamentos urbanos
utilizando diversos equipamentos para em momentos de invisibilidade ou re-
a consecução artística, divulgando seu duzida circulação de pessoas. Também
é possível que não haja uma produção refere ao seu apelo visual e à sua inter-
cotidiana de grafites, já que esses ar- venção simbólica, já que ampliaria so-
tistas, quando permitidos por donos de bremaneira o escopo da pesquisa, além
imóveis ou pelo governo, atuam em de necessitar de requisitos conceituais
momentos específicos e temporários. na área das artes plásticas, para análises
Com o que foi traçado até aqui, de aspectos visuais, tópico que também
algumas limitações metodológicas pre- pode ser abordado em pesquisas poste-
cisam ser evidenciadas. Primeiramente, riores. Por fim, muitos outros temas a
conforme salientam Soto Torres e Fer- partir de diversas metodologias podem
nandez Lechón (2006), há a limitação ser trabalhados em decorrência deste
da variável histórica a partir de mode- estudo pioneiro e preliminar, tais como
los estatísticos e econométricos tradi- a antropologia etnográfica e visual, os
cionais como os aqui utilizados. Nesse problemas sociológicos e as questões
sentido, porém, o intuito desta pesquisa jurídicas, assistenciais, de gestão pú-
foi justamente o de mapear preliminar- blica e de fomento e patrocínio à arte
mente esse campo de pesquisa e abrir urbana.
espaço para estudos posteriores que in-
cluam análises longitudinais ou quali- Referências
tativas acerca do tema. Ressalta-se que
esta investigação é pioneira e que nunca
foi feito qualquer levantamento estru- ALVES, Manoel Rodrigues. O Domí-
turado sobre o tema no estado do Rio nio Público e Privado na Construção da
Grande do Sul. Ademais, há o limite da Cidade Contemporânea. In: Anais do
impossibilidade da presença física (para Seminário de História da Cidade e do
além da virtual) em todas as cidades do Urbanismo - Sessão temática 5 “Temas
estado, fato que, se viável, iria aumentar Emergentes”, v. 8, n. 5, 2004.
o número de entrevistados muito prova- BAKHTIN, M. A Cultura Popular na
velmente. Idade Média e no renascimento. São
Ainda, importa salientar que Paulo. HUCITEC, 1996.
esta pesquisa não se propôs a avaliar
a apropriação dos espetáculos e das BARDIN, L. Análise de conteúdo.
intervenções artísticas pelo público, já Lisboa: Edições 70, 2002.
que, segundo Lassau (2009, p. 43), “a BARROS, A. Espaço, lugar e local. Re-
avaliação dos efeitos e significados de vista da USP, n.40. São Paulo:dez/fev,
uma obra de arte no espaço público 1998-99.
exige métodos que considerem a espe-
cificidade/complexidade dos diferentes BLAUTH, L; POSSA, A. Arte, grafite
contextos [...]”, ficando essa questão e o espaço urbano. PALÍNDROMO –
como uma proposição de pesquisa fu- Programa de Pós-Graduação em Artes
tura. Nesse sentido, o consumo cultural Visuais – CEART/UDESC, nº 8, 2012.
pode ser abordado em estudos que fa- BRASILEIROS. São Paulo e Rio per-
çam um debate sobre o que é mostrado dem primazia como polo cultural do
no espaço público. Ainda, poderá ser Brasil, 2013. Disponível em: <http://
feita em estudos futuros, a partir de au- brasileiros.com.br/2013/11/sao-paulo-e
tores como Goffman e Bateson, dentre -rio-perdem-primazia-como-polo-cul-
outros, uma análise das performances tural-do-brasil/> . Acesso em: 19 out.
dos artistas de rua da cidade, a fim de 2016.
revelar questões do cotidiano urbano
das cidades. Ademais, não se buscou BURKE, P. A Cultura Popular na
refletir sobre o grafite e outras interven- Idade Moderna. São Paulo: Compa-
ções urbanas das artes visuais no que se nhia das Letras, 1989.