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SUMÁRIO:

1. CONCEITO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARTÍSTICO E CULTURAL ..... 3


2. PATRIMÔNIO CULTURAL TANGÍVEL E INTANGÍVEL ............................... 6
3. A CULTURA COMO HERANÇA ................................................................... 9
4. CONCEITO DE PATRIMÔNIOS HISTÓRICO, NATURAL E CULTURAL .. 11
5. PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL E PRESERVAÇÃO .................. 14
6. HISTÓRICO E TIPOLOGIA DA PRESERVAÇÃO ....................................... 17
7. ARTE TÉCNICA: CONCEITO E FINALIDADE ............................................ 20
9. ARQUEOMETRIA: CIÊNCIA APLICADA A HISTÓRIA DA ARTE TÉCNICA
......................................................................................................................... 28
10. CURADORIA E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO ........... 31
11. PRINCIPAIS ATIVIDADES DA CURADORIA ........................................... 34
12. ARTE TÉCNICA, CURADORIA, CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO... 37
13. CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO DA ARQUITETURA ... 39
14. CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO DE PINTURA EM MADEIRA ........ 44
15. CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO DE PINTURA EM TELA ................ 47
16. PINTURAS MURAIS: CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO ................... 52
17. CONSERVAÇÃO DE PINTURAS EM MARFIM ........................................ 58
18. PINTURAS EM PAPEL: CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO ............... 60
19. MUSEOLOGIA, MUSEOGRAFIA, CURADORIA E GESTÃO DE
EXPOSIÇÕES .................................................................................................. 63
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 72

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1. CONCEITO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARTÍSTICO E CULTURAL

A Grande Mesquita de Kairouan, fundada em 670, é um grande exemplo de património cultural.


Ela é uma das grandes obras arquitetônicas da civilização muçulmana que serviu de modelo
para muitos lugares de culto no ocidente muçulmano. O edifício é o principal monumento de
Kairouan localizado na Tunísia, e foi considerado Património da Humanidade pela UNESCO
em 1988. Fonte da imagem: http://www.traveltourxp.com/8-interesting-things-to-do-in-tunisia/
(acesso: 25/07/2018).

O património cultural é definido como todos os bens, materiais ou


imateriais, de importância artística e/ou histórica pertencente quer a uma
entidade privada (pessoa, empresa, associação) ou a uma entidade pública
(comunidade, cidade, região, país etc.); este grupo de bens culturais é
geralmente preservado, restaurado, salvaguardado e mostrado ao público de
uma forma excepcional (como as Jornadas Europeias do Património, que se
realizam num fim de semana em Setembro), ou numa base regular (visita a
castelos, logradouros, museus, igrejas etc.), grátis ou não; muitas vezes esta
forma de exposição está sujeita a uma taxa de entrada e visita paga.

O chamado “patrimônio material" consiste principalmente de paisagens


construídas, arquitetura e planejamento urbano, sítios arqueológicos e

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geológicos, certos desenvolvimentos na área agrícola ou florestal, objetos de
arte e móveis, artefatos industriais (ferramentas, instrumentos, maquinaria,
edifícios etc.). O “patrimônio imaterial” pode assumir diferentes formas:
canções, costumes, danças, tradições gastronómicas, jogos, mitos, contos e
lendas, pequenas descrições, histórias, técnicas de captura e know-how,
documentos e arquivos (incluindo audiovisual).

O património baseia-se na ideia de uma herança legada pelas gerações


que nos precederam e que devemos transmitir intacta ou aumentada para as
gerações futuras, bem como a necessidade de construir uma herança para o
futuro. Vai muito além da mera propriedade pessoal (o direito de usar e abusar
de acordo com a lei romana). Pertence ao bem público e ao bem social comum
de toda a humanidade.

A noção de “herança” surgiu no século XII, e sua terminologia associa-se à


palavra do Latim: “Patrimonium”, que significa “legado do pai”, e é definida
etimologicamente, por extensão, como um conjunto de ativos herdados da
família. Segundo WITTOCX (2018) o precursor da preservação de artefatos e
documentos históricos foi o coletor francês François Roger de Gaignières (1642
a 1715), que no auge do Renascimento viajou por toda a França para resgatar
a memória da Idade Média, registrar a imagem de monumentos através do
desenho, recolher artefatos e acumular cópias de documentos históricos
preservados pelos monarcas beneditinos, além de manuscritos e medalhas.

Finalmente, François Roger de Gaignières elaborou um inventário da


herança francesa por volta de 1700 e criou um famoso museu. Ele procurou
também sem sucesso criar um serviço público para a proteção de
monumentos. Mas, graças a ele, o conceito de patrimônio foi além da ideia de
“Patrimônio Familiar” como uma propriedade herdada, passada pelas gerações
anteriores. No caso do “Patrimônio Cultural”, a herança não consiste em
dinheiro ou propriedade, mas em cultura, valores e tradições.

O patrimônio cultural implica um vínculo compartilhado, pertencendo a uma


comunidade. Representa nossa história e nossa identidade; nosso vínculo com

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o passado, com nosso presente e com o futuro. Nosso objetivo com esta
disciplina é aprofundar o conheciento de “Patrimônio Artístico”, e analisar todas
as formas de preserva-lo e expô-lo ao conhecimento público.

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2. PATRIMÔNIO CULTURAL TANGÍVEL E INTANGÍVEL

O patrimônio cultural muitas vezes traz à mente artefatos (pinturas,


desenhos, gravuras, mosaicos, esculturas), monumentos históricos e edifícios,
além de sítios arqueológicos. Mas o conceito de patrimônio cultural é ainda
mais amplo do que isso e tem crescido gradualmente para incluir todas as
evidências da criatividade e expressão humana: fotografias, documentos, livros
e manuscritos, instrumentos etc., seja como objetos individuais ou como
coleções. Hoje, as cidades, o patrimônio subaquático e o meio ambiente
também são considerados parte do patrimônio cultural, uma vez que as
comunidades se identificam com a paisagem natural que as circunda.

Além disso, a herança cultural não se limita apenas aos objetos materiais
que podemos ver e tocar. Também consiste de elementos imateriais: tradições,
história oral, artes cênicas, práticas sociais, artesanato tradicional,
representações, rituais, conhecimentos e habilidades transmitidos de geração
em geração dentro de uma comunidade.

Portanto, o patrimônio imaterial inclui uma variedade estonteante de


tradições, músicas e danças, como samba, tango e flamenco, procissões
sagradas (Festa de Nossa Senhora Aparecida, Círio de Nazaré etc.),
carnavais, falcoaria, cultura cafeeira vienense, o tapete do Azerbaijão e suas
tradições de tecelagem, teatro de marionetas chinês, dieta mediterrânea, canto
védico, Teatro Kabuki, o canto polifônico da Aka da África Central (apenas para
citar alguns exemplos).

Mas a herança cultural não é apenas um conjunto de objetos culturais ou


tradições do passado. É também o resultado de um processo de seleção: um
processo de memória e esquecimento que caracteriza cada sociedade humana
constantemente engajada na escolha - por razões culturais e políticas - do que
é digno de ser preservado para as futuras gerações e do que não é.

Todos os povos contribuem para a cultura do mundo. É por isso que é


importante respeitar e salvaguardar todo o patrimônio cultural, por meio de leis
nacionais e tratados internacionais. O tráfico ilícito de artefatos e objetos
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culturais, a pilhagem de sítios arqueológicos e a destruição de edifícios e
monumentos históricos causam danos irreparáveis ao patrimônio cultural de
um país. A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura), fundada em 1954, adotou convenções internacionais
sobre a proteção do patrimônio cultural, para promover a compreensão
intercultural e enfatizou a importância da cooperação internacional.

A proteção da propriedade cultural é um problema antigo. Uma das


questões mais recorrentes na proteção do patrimônio cultural é a difícil relação
entre os interesses do indivíduo e da comunidade, o equilíbrio entre os direitos
privados e públicos. Os antigos romanos estabeleceram que uma obra de arte
poderia ser considerada parte do patrimônio de toda a comunidade, mesmo
que fosse de propriedade privada. Por exemplo, as esculturas que decoram a
fachada de um edifício privado romano foram reconhecidas como tendo um
valor comum e não puderam ser removidas, uma vez que se encontravam num
local público, onde podiam ser vistas por todos os cidadãos.

“Apoxyómenos”, escultura feita por Lysippos de Sikyon, entre


330 a 320 Ac. Segundo CHILVERS (2015) existe uma cópia em
mármore da idade romana pertencente ao Gabinete do Museu
Pio Clementino (Museu do Vaticano) Fonte da imagem (Flickr):
https://farm5.static.flickr.com/4766/28400105299_e1b230fbe8_b.jpg
(acesso: 25/07/20180.

Segundo WITTOCX (2018), em sua “Naturalis Historia”, o autor romano


Plínio, “o Velho” (23 a 79) relatou que o estadista e general Agripa colocou o
“Apoxyomenos”, uma obra-prima do famoso escultor grego Lysippos de Sikyon,
em frente aos seus banhos termais. A estátua representava um atleta raspando
poeira, suor e óleo de seu corpo com um instrumento específico semelhante a

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uma espátula. O imperador Tibério admirava profundamente a escultura e
ordenou que ela fosse removida da vista pública e colocada em seu palácio
particular. O povo romano levantou-se e obrigou-o a devolver o Apoxyomenos
à sua localização anterior, onde todos podiam admirá-lo.

Nosso direito de desfrutar das artes e de participar da vida cultural da


comunidade está incluído na Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948, das Nações Unidas.

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3. A CULTURA COMO HERANÇA

O termo “herança cultural” normalmente evoca a ideia de uma sociedade


única e a comunicação entre seus membros. Mas as fronteiras culturais não
são necessariamente bem definidas. Artistas, escritores, cientistas, artesãos e
músicos aprendem uns com os outros, mesmo que pertençam a diferentes
culturas, distantes no espaço ou no tempo. Basta pensar sobre a influência das
gravuras japonesas nas pinturas de Paul Gauguin; ou das máscaras africanas
nas obras de Pablo Picasso.

Podemos também pensar na influência da arquitetura ocidental em lares


liberianos na África. Segundo WITTOCX (2018), isso deve-se ao fato de
quando os escravos afro-americanos foram libertados, e voltaram para sua
terra natal, construíram casas inspiradas no estilo neoclássico das mansões
das plantações americanas. O estilo neoclássico americano foi, por sua vez,
influenciado pelo arquiteto renascentista Andrea Palladio, que por sua vez foi
influenciado pela arquitetura romana e grega. Podemos dar outro exemplo, o
retrato da Mona Lisa, pintado no início do século XVI por Leonardo da Vinci, e
exibido no Museu do Louvre, em Paris, do nosso ponto de vista moderno, a
quem pertence a herança nacional da pintura da Mona Lisa?

Leonardo era um pintor italiano muito famoso, e é por isso que a Mona Lisa
é obviamente parte da herança cultural italiana. Quando Leonardo foi para a
França, para trabalhar na corte do rei Francisco I, ele provavelmente trouxe a
Mona Lisa com ele. Parece que, em 1518, o rei Francisco I adquiriu a Mona
Lisa, que, portanto, acabou nas coleções reais francesas: é por isso que
obviamente também faz parte da herança nacional da França. Esta pintura foi
definida como a mais conhecida, a mais visitada, a mais descrita e a mais
parodiada obra de arte do mundo: desta forma, como tal, pertence à herança
cultural de toda a humanidade.

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A Mona Lisa de Leonardo da Vinci, tinta a óleo sobre painel, executada entre 1503 a 1505,
uma das obras de arte mais visitadas, pertencente ao Museu do Louvre. Fonte da imagem:
https://fr.wikipedia.org/wiki/Art#/media/File:Mona_Lisa,_by_Leonardo_da_Vinci,_from_C2RMF_
retouched.jpg (acesso: 25/07/2018).

As formas de arte que apareceram na Europa durante os séculos passados


ocupam agora um lugar considerável na cultura ocidental, dando origem a
novos artistas que têm direito às suas exposições, bibliotecas e eventos,
incluindo fotografia, cinema, arte performática, instalações, vídeo arte, arte da
televisão. Portanto, seria possível manter o lugar da arte na sociedade como
um discurso intemporal de valor universal. O patrimônio cultural transmitido a
nós por nossos antepassados deve ser preservado para o benefício de todos.
Em uma era de globalização, a herança cultural nos ajuda a lembrar de nossa
diversidade cultural, e sua compreensão desenvolve respeito mútuo e diálogo
renovado entre as diferentes culturas.

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4. CONCEITO DE PATRIMÔNIOS HISTÓRICO, NATURAL E CULTURAL

Mapa Global dos patrimônios Histórico/Natural/Cultural preservados pela UNESCO. Fonte:


https://medium.com/@peret/lista-do-patrim%C3%B4nio-mundial-no-brasil-870629a52c89
(acesso: 25/07/2018).

(1) Patrimônio histórico: é o acervo representado pelo conjunto de


recursos físicos e bens tangíveis e intangíveis que contribuem para a
apreciação e compreensão da história e do desenvolvimento cultural de um
povo, de um lugar geográfico, de uma região, de um país; ou do continente
onde ele está inserido.

Pode-se incluir no rol desses recursos: a arquitetura e os estilos


arquitetônicos, os locais e as suas características históricas e regionais,
vestimentas de determinados períodos, móveis e mobiliário, estruturas, locais e
áreas, sítios arqueológicos; e os elementos intangíveis, como ideias, conceitos,
comportamentos, jeitos de ser, preceitos éticos, legais e morais passados de
geração a geração através da linguagem oral e de documentados manuscritos,
ou registrados por algum meio mecânico.

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(2) Patrimônio natural ou do meio ambiente: é o conjunto de eventos
monumentais da natureza, com reconhecido valor universal pela beleza que
apresentam, especialmente do ponto de vista da fruição estética ou física,
geralmente destinados à visitação e ao turismo, ou ainda de elevado valor para
as pesquisas científicas.

Geralmente é composto por formações de geografia física e geológica, de


aparência exuberante, e áreas delimitadas que servem de habitat para animais
e espécies vegetais específicas daquele ambiente, e micro-organismos, em
geral correndo risco de extinção. Além da flora e fauna, Incluem também os
minerais, oceanos, rios e manguezais com as espécies vivas que costumam
habita-los. São acervos naturais de alto interesse para a ciência e protegidos
por leis de preservação.

(3). Patrimônio cultural: é soma de elementos legados por um grupo ou


sociedade, incluindo objetos físicos, como edifícios, monumentos, fotos,
patrimônio natural – abarcando paisagens e biodiversidade – artefatos, livros e
obras de arte; além da porção social herdada pelos atributos imateriais que
formam a cultura de uma população, como a língua e os dialetos, as tradições
folclóricas, registros escriturais, e o conhecimento transmitido de maneira
formal ou espontânea. O patrimônio cultural praticamente inclui as outras as
duas categorias (itens 1 e 2), e é definido deliberadamente pelas autoridades,
especialistas e cientistas como de grande interesse de preservação e
conservação.

No acervo dos bens culturais são incluídos aqueles objetos de grande


interesse para o conhecimento e o estudo da história da humanidade, que
oferecem uma base concreta de avaliação. Obras de arte e artefatos artísticos
que incorporam a memória de tempos históricos e registram a expressão do
pensamento e da maneira de ver o mundo dos artistas de uma época,
refletindo também o passado e os valores das civilizações que vivenciaram
determinado período da saga humana. A realidade dos objetos culturais
permite tocar o passado, conhecer culturas diferentes, formas de pensar e
transmitir pensamentos, ideias e vivências que permanecem ligadas aos
artefatos e são carregadas por eles durante séculos de história.

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Entretanto, preservar esses objetos muitas vezes exige um serviço muito
especializado de restauração, e apresenta altos riscos para a existência dos
mesmos, sujeitos ao toque dos turistas, aos efeitos da iluminação especial que
necessitam para a visualização nos museus e locais de exposição, a
manipulação por mãos inexperientes e os perigos dos próprios locais de
conservação e exibição, sujeitos a variações ambientais de temperatura e
umidade, além da possibilidade do ataque de insetos e roedores.

O estado de conservação dessas peças muitas vezes é comprometido pela


maneira que foram produzidas e pela qualidade do material empregado. Muito
embora, no passado, alguns artistas tenham se preocupado em produzir obras
que pudessem ter grande durabilidade pelo domínio que exerciam sobre os
métodos empregados e pela escolha dos materiais muitas vezes produzidos
por eles próprios, e de acordo com processos que mantinham em segredo.
Essa é uma característica mercante da pintura do Renascimento, que não se
encontra presente nos séculos seguintes.

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5. PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL E PRESERVAÇÃO

Patrimônio é definido como um conjunto de bens em posse de uma família


ou pessoa jurídica, isto é, uma empresa, uma instituição pública ou uma
organização privada. Lembra, também, a herança paterna, os bens de família
que passam de pai para filho e vão constituindo a reunião de posses que um
indivíduo ou um grupo de pessoas com laços familiares detêm para usufruto ao
longo da vida: imóveis, propriedades rurais, dinheiro, ações, investimentos,
automóveis, e outros bens materiais de menor porte como televisão,
eletrodomésticos, utensílios.

Na idade média, patrimônio também era designado o conjunto de riquezas


passadas pelos imperadores cristãos e pelos fiéis para as mãos da igreja
romana, que constituíram a origem dos estados da igreja sob a liderança do
papa. No entanto, patrimônio não é representado apenas pelos bens familiares,
de entidades jurídicas ou da igreja. Existe um patrimônio que pertence a todos
os cidadãos, que é representado pelo legado cultural de uma civilização, que
não consiste em bens ou dinheiro para ser utilizado individualmente, mas sim
da cultura, arte, valores e tradições que pertencem a toda comunidade, e que
representam a conexão e o vínculo com períodos anteriores que moldaram a
identidade dessa sociedade, e que continuarão a servir de parâmetro para as
gerações futuras. Um patrimônio que precisa ser preservado.

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O Festival Holi ou Festival das Cores – reconhecido como patrimônio imaterial da humanidade
– é um festival realizado na Índia todos os anos, entre fevereiro e março, que comemora a
chegada da Primavera. Neste dia, as pessoas atiram tintas das mais diversas cores umas às
outras, com muita bebida, comida e música. Essa brincadeira começa quando crianças atiram
as tintas nos pais e irmãos sendo que, no final, todas as demais pessoas estão completamente
pintadas e coloridas. Fonte da imagem: https://timesofindia.indiatimes.com/travel/destinations/offbeat-places-
to-celebrate-holi-2018-in-india/as63024539.cms (acesso: 01/08/2018).

Esse tipo de patrimônio representado pela cultura e pela história não se


traduz apenas pelos artefatos tangíveis construídos pelo ser humano durante a
sua trajetória histórica desde épocas primitivas, mas também pela carga
simbólica formada por elementos imateriais como as tradições que orientam
comportamentos, a história transmitida oralmente, práticas sociais ligadas à
ética e a moral, costumes, rituais, representações, conhecimento e habilidades
técnicas transmitidas de uma geração a outra, permitindo consolidar a massa
crítica de um agrupamento social.

Muitas vezes, esses elementos imateriais estão incorporados a expressões


artísticas ligadas ao movimento: danças, música, carnaval; tradições
relacionadas à confecção de algum tipo tradicional de artesanato, como as
técnicas e habilidades de fabricar um tapete oriental, a comida de determinada
região ou país, o teatro de bonecos japonês, o teatro e a dramaturgia ocidental,
o canto gregoriano, e tantos outros tipos de manifestações dentro de uma
determinada cultura, ou como expressões de amplos espaços geográficos ou
regiões, a exemplo da cultura ocidental, a cultura oriental, africana, brasileira,
espanhola, portuguesa etc.

Essa carga de produção simbólica está consolidada similarmente nos sítios


arqueológicos, na arquitetura, nos edifícios e monumentos históricos. E
impregnada, também, nos artefatos e objetos de arte como desenhos, pinturas,
gravuras, esculturas, arte muralista e mosaicos. Gradativamente, a concepção
de patrimônio cultural vai ampliando seus horizontes e englobando a maioria
dos resultados do gênio e da criatividade do homem, tais como: a fotografia, o
cinema, documentos, relatos e escrita histórica, pergaminhos, papiros,
ferramentas primitivas, obras de arte, instrumentos ou meios de produção de
artes plásticas e visuais, reunidos, tanto em forma de coleções que podem ser

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encontradas em tipos específicos de museus, ou na posse de colecionadores
particulares.

Pode incluir uma cidade inteira, um ambiente natural com forte identificação
pela paisagem diferenciada, sítios arqueológicos ou geológicos e marítimos, e
outros formatos naturais ou da indústria humana que resultam da prática e da
intervenção do homem. De certa forma pode-se dizer que todo esse acervo faz
parte do patrimônio da humanidade, isto é, integra um conjunto de elementos
relacionados com a produção de artefatos concebidos para possibilitar a
sobrevivência histórica e o conforto do homem, impregnados com a sua
imaginação e criatividade, e orientados por direcionamentos ideológicos e
simbólicos destinados a consolidar todos os aspectos imateriais e expressivos
que orientam os comportamentos das sociedades e ajudam a estruturar o meio
ambiente social.

Mas, nem todos os elementos desse conjunto são de interesse


preservacionista, é importante que o patrimônio cultural, para ser considerado
como tal, inclua elementos de alto valor para a arqueologia, para a história da
arte e história da arte técnica, a documentação histórica e a etnográfica, e seja
portador de interesses públicos relacionados a características relevantes para
preservar a memória de um povo e de um lugar. Nesse sentido, para
possibilitar o estudo estruturado do patrimônio humanístico ele é dividido em
três categorias: (1) Patrimônio histórico; (2) Patrimônio natural ou do meio
ambiente; (3). Patrimônio cultural.

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6. HISTÓRICO E TIPOLOGIA DA PRESERVAÇÃO

As civilizações clássicas, e especialmente alguns povos autóctones


atribuíram grande importância para a conservação de suas crenças e tradições
e criaram formas de preserva-las e de manter o seu valor histórico para a
posteridade, não raro almejando com isso alcançar também a imortalidade,
como pretendiam os egípcios através da sua cultura e da arte funerária. Povos
antigos acreditavam que os bens culturais eram elementos essenciais como
recursos para transmitir conhecimento e a integração social. Monumentos
foram construídos em homenagem aos deuses e também com a intenção de
preservar e manter a ordem social, o respeito pelos líderes e a hierarquia das
camadas sociais.

Na contemporaneidade é possível produzir objetos em quantidades jamais


pensadas em qualquer outra época e os objetos carregam apenas o seu valor
comercial e de uso, entretanto, os objetos de cultura eram criados para serem
únicos, destinados a incorporar pela sua unicidade valores sociais e culturais
destinados a transmitir o universo simbólico de uma civilização; da sua maneira
de viver, de seus valores sociais, religiosos e culturais.

Objetos de arte, como estatuetas, esculturas, pinturas não foram


concebidas como objetos comerciais, para consumo, mas sim como
instrumentos de transmissão do conhecimento e da sabedoria dos povos, de
suas formas de relacionamento social e seus valores éticos e morais a serem
preservados pelas próximas gerações. Esses artefatos são carregados de
significação e representam para nós uma herança civilizatória que nos liga ao
passado e à realidade dessas povoações, que vivenciaram a história antes de
nós, e que procuraram criar meios de transmitir as suas experiências e
percepções para as gerações futuras. Muitas vezes, o que uma geração
considera patrimônio cultural pode não ser reconhecido como tal pela geração
que a precede, mas pode ser revivida por várias gerações que virão depois.

Em 1972, a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação,


Ciência e Cultura – promoveu a Convenção para a Proteção do Patrimônio

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Mundial Cultural e Natural, estabelecendo parâmetros de preservação cultural
e ambiental, e determinou regras de preservação adequadas, além de
implantar o conceito de “Bens Culturais da Humanidade”, criando também
critérios de tombamento de bens culturais e naturais para diversas partes do
mundo, entre os países membros da organização, e difundiu o preceito que os
bens culturais devem ser protegidos como parte dos direitos humanos básicos
Segundo GOMBRICH (2015), a convenção de Haia para Proteção dos Bens
Culturais em caso de Guerra existe desde 1954. Em termos de preservação, a
cultura incorpora dois aspectos distintos:

(1) O conceito de “Patrimônio Cultural Imaterial”, que envolve aspectos


considerados não matéria (ou intangíveis) de uma determinada cultura,
frequentemente mantidos por costumes sociais durante um determinado
espaço de tempo na história. Essa concepção engloba as formas e
manifestações de comportamento de uma organização social, e o conjunto
formal de regras que estabelecem os padrões de ação dos agentes sociais em
um habitat de cultura particular.

Esses padrões envolvem as tradições e os valores sociais, os costumes, a


língua, a criatividade e a expressão artística, e as práticas estéticas e
religiosas, além de outras manifestações do espírito individual e coletivo. Pela
análise dos aspectos tangíveis dos bens materiais (físicos) é fácil compreender
aquilo que transmitem e significam. Entretanto, aspectos imateriais englobando
preceitos políticos, religiosos, socioeconômicos, étnicos e filosóficos de uma
determinada formação social são muito mais difíceis de preservar. Conceitos
culturais considerados não matéria envolvem:

1. Manifestações de cultura popular e folclore;


2. Rodas de conversa e história oral;
3. Preservação do idioma, dialeto e aspectos culturais da língua.

(2) O “Patrimônio Cultural Físico”, ou patrimônio de bens culturais


tangíveis, é referente à guarda e preservação de artefatos da cultura de um
povo e obras de arte. Em geral, recebe uma classificação de dois níveis:

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patrimônio imobiliário e patrimônio mobiliário. O legado imóvel envolve os
edifícios, e suas instalações que também podem incorporar artefatos de arte,
como colunas de sustentação, vitrais e afrescos, os monumentos e bustos de
homenagem. Geralmente os edifícios preservados de culturas antigas
incorporam em seus espaços várias obras de arte utilizadas na decoração de
seus interiores, ou destinadas ao culto de divindades e entidades que faziam
parte da crença dos povos.

Do patrimônio mobiliário fazem parte as estatuetas e esculturas, livros,


documentação escrita, fotos, pinturas, maquinaria, vestimentas, e diversos
tipos de objetos considerados relevantes para serem preservados e
conservados, para que futuras gerações possam usufruir do uso ou da
visualização dos mesmos. Esta categoria inclui objetos significativos para as
pesquisas e constatações arqueológicas, como referência de design e estilos
arquitetônicos, arqueologia, arquitetura e urbanismo, ciência e tecnologia de
uma referida cultura. As disciplinas e aspectos que envolvem a preservação
desses bens culturais são:

1. Arquivística;
2. Conservação (património cultural);
3. Conservação arqueológica;
4. Conservação arquitetônica;
5. Conservação de arte;
6. Museologia;
7. Preservação de filmes;
8. Preservação de registro fonográfico
9. Preservação digital.

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7. ARTE TÉCNICA: CONCEITO E FINALIDADE

A História da Arte Técnica é um ramo emergente da História da Arte que


consiste no estudo das técnicas e materiais expressivos usados na produção
das obras de arte, através de análises físico-químicas, juntamente como os
conhecimentos da Ciência da Conservação, que são aplicadas a bens culturais
com a finalidade de identificar sua origem, autenticar períodos e autorias, bem
como fornecer informações preciosas para a conservação e restauração de
obras de arte.

Diversas teorias clássicas das chamadas ciências humanas orientadas pela


História da Arte, tais como Física, Química e Biologia são aplicadas na
investigação interdisciplinar proposta pela História da Arte Técnica com a
preocupação de analisar os tipos de materiais, as técnicas, os meios (mídias) e
suportes que os artistas utilizaram, ou utilizam, para produzir suas obras.

A História da Arte Técnica fornece metodologias precisas para avaliar as


diferentes fases de produção de uma obra de arte, em especial as técnicas de
pintura sobre tela e madeira, e mesmo em outros suportes, que podem revelar
informações sobre o processo criativo de um artista e suas intenções, e
constituir uma proposta real de estabelecer um diálogo, idealmente sem
barreiras, entre a produção da Arte e as Ciências Humanas e Naturais,
visando, especialmente, a eficácia na restauração e conservação do acervo
cultural da humanidade.

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Restauradora trabalhando na restauração de uma escultura antiga. O papel da restauração é
recuperar e preservar o patrimônio cultural em benefício das gerações presentes e futuras. O
restaurador contribui para a compreensão da propriedade cultural em relação ao seu
significado estético e histórico e sua integridade física. Fonte da imagem: http://anais-
lechat.com/ (acesso: 06/08/2018).

Além da identificação e autenticação, a conservação e restauração de arte


são os objetivos da História da Arte Técnica, e consistem em qualquer tentativa
de conservar e reparar a arquitetura, pinturas, desenhos, gravuras, esculturas e
objetos das artes decorativas (móveis, vidros, objetos de metal, têxteis,
cerâmica etc.) que foram negativamente afetados por negligência, danos
intencionais, ou, mais comumente, a inevitável decadência causada pelos
efeitos do tempo e do uso humano dos materiais de que são feitos.

O termo “Conservação de Arte” denota a manutenção e preservação de


obras de arte e sua proteção contra danos futuros e deterioração. “Restauração
de Arte”, por outro lado, denota a reparação ou renovação de obras de arte que
já sofreram lesões ou deterioração e a tentativa de restauração de tais objetos
para um aspecto que se aproxima da sua aparência original e não danificada.
As técnicas e métodos de conservação e restauração da arte andam de mãos
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dadas e se tornaram uma especialidade de profissionais treinados a partir do
século XX.

Esses profissionais se tornaram um aspecto cada vez mais importante do


trabalho não apenas dos museus, mas também das autoridades públicas, de
apoio aos curadores, e de todos aqueles que se interessam por obras de arte,
sejam artistas, colecionadores ou frequentadores de museus e galerias. Os
métodos de restauração de arte usados em períodos anteriores estavam
intimamente ligados e limitados pelas técnicas de produção de arte conhecidas
na época de sua confecção, mas, avançaram consideravelmente com apoio da
História da Arte Técnica.

Cena documentando a restauração de pinturas de Michelangelo na Capela Sistina, com


utilização de tecnologias avançadas da História da Arte Técnica e da Arquiometria. Fonte da
imagem: https://www.britannica.com/topic/Sistine-Chapel (acesso: 28/07/2018).

Avanços na ciência e tecnologia e o desenvolvimento da conservação


como profissão no século XX levaram a abordagens mais seguras e eficazes
para estudar, preservar e reparar objetos. A prática moderna de conservação
adere ao princípio da reversibilidade, que determina que os tratamentos não
causem alteração permanente no objeto. A conservação da arte tornou-se uma

22
importante ferramenta de pesquisa; é prática comum entre os conservadores
profissionais documentar tratamentos com fotografias e relatórios escritos.

23
8. HISTÓRIA DA ARTE TÉCNICA E ARQUEOLOGIA

A arqueologia é uma disciplina científica que tem como objetivo estudar a


trajetória dos seres humanos no planeta, desde a pré-história até os tempos
modernos, aplicando técnicas e tecnologias altamente desenvolvidas para
observação de restos de materiais que sobreviveram ao tempo e a destruição
nos mais diferentes períodos, tais como ferramentas, ossos, cerâmica, armas,
moedas, joias, roupas, pegadas, vestígios, pinturas e esculturas, edifícios e
infraestruturas urbanísticas e históricas. Desta forma, a arqueologia é uma forte
aliada da História da Arte Técnica.

O trabalho da arqueologia tem muitas facetas, mas, em primeiro lugar, o


arqueólogo é um historiador do passado cujo objetivo é reconstruir a vida dos
seres humanos de determinado período, de determinada região, e de
determinada cultura. Também tem outro papel, o de salvaguardar e preservar o
patrimônio histórico, cultural e artístico da humanidade. Desta forma, a
arqueologia é uma forte aliada da História da Arte Técnica.

Seu trabalho é dividido em várias partes que são geralmente de


responsabilidade de diferentes especialistas, e também pode ser apoiado por
um historiador de arte e/ou um especialista em História da Arte Técnica, para
auxiliar na aquisição de dados que geralmente passam pela escavação
arqueológica, arquivamento e preservação de objetos, análise e interpretação,
compilação e redação, aprimoramento e recuperação dos restos mortais e,
finalmente, a transmissão do conhecimento por meio de museus que expõem
as peças descobertas, palestras, publicações e ensino universitário.

Todos os artefatos pesquisados, pertencentes a um determinado período,


civilização, região, sítio arqueológico ou assentamento, são chamados de
culturas arqueológicas. Essa cultura material é, acima de tudo, um conceito
baseado na montagem de vestígios encontrados em espaços e em cronologias
contingentes, no mesmo local, ou na mesma região da investigação
arqueológica; por exemplo, no Brasil temos a cultura marajoara, uma
civilização que habitou a Ilha do Marajó entre 400 a 1300 anos aC, e que tinha

24
habilidades extremamente refinadas na confecção de objetos cerâmicos, como
vasos, utensílios domésticos, urnas funerárias etc.

Exemplares de Cerâmica Marajoara antiga. A cerâmica marajoara é considerada uma das mais
belas e sofisticadas quando comparada com as cerâmicas das Américas, considerando suas
formas e contornos, suas motivações variadas, seu rico simbolismo e sua versatilidade
inusitada. Através da arquiometria e do método de datação C-14, os arqueólogos chegaram a
propor que a cultura Marajoara teria surgido por volta do ano 1100 aC. Segundo BARROS
(2018), estas conclusões foram divulgadas pelo professor Mário Ferreira Simões e sua equipe
de antropólogos pertencentes ao Museu Emílio Goeldi em Belém do Pará. Fonte da imagem:
http://ocantodobemtevi.blogspot.com/2007/04/povos-da-amaznia-cermicas-marajoara.html
(acesso: 28/07/2018).

O arqueólogo, numa abordagem diacrónica (levantamento de dados de


acordo com a sua evolução), organiza a maior parte da sua documentação
através do trabalho de campo – em oposição ao historiador, cujas principais
fontes são os textos –. Mas o arqueólogo também usa documentos escritos
quando eles estão fisicamente disponíveis, assim como ele também pode
apelar para as ciências da física ou biologia, ou outras ciências da área
humanística, como a antropologia e a sociologia, quando necessário. Essa
característica constitui a arqueologia em uma atividade essencialmente
multidisciplinar.

25
A existência ou não de fontes textuais antigas permitiu uma divisão
cronológica das especialidades arqueológicas em três grandes períodos:
Arqueologia da pré-história – sem fontes textuais –; Arqueologia do início da
civilização – culturas que ainda não tinham fontes textuais, mas que são
citadas nas histórias dos povos da época e que chegam a nós através da
oralidade; e a Arqueologia dos períodos históricos – culturas que já contavam
com a existência de fontes textuais –. Há também especializações
arqueológicas feitas de acordo com o tipo de artefatos em estudo (cerâmica,
pintura, escultura, arquitetura etc.), ou a partir da análise da matéria-prima
usada na confecção dos artefatos estudados (pedra, barro, vidro, osso, pele,
tecido, papiro etc.).

O fim do século XIX e início do século XX foram marcados pela ascensão


do cientificismo, do positivismo e do construtivismo, bem como de uma teoria
do conhecimento (epistemologia) avançada, que propôs novos modelos
teóricos em todos os campos de pesquisa. O darwinismo permitiu que a
arqueologia pré-histórica sustentável pudesse lançar as bases para uma
reflexão sobre a evolução humana desde as origens do gênero Homo. Este
período crucial viu o nascimento da arqueologia proto-histórica.

A segunda metade do século XX foi marcada por grande renovação teórica:


a arqueologia processual estabelece as bases para uma reflexão antropológica
puramente arqueológica, desconectada da premissa histórica, e regida pela
abordagem hipotético-dedutiva. Mas, surge a seguir a corrente da arqueologia
pós-processo, que é construída em resposta a esse primeiro movimento e
reintroduz o processamento de dados arqueológicos como um componente
necessariamente histórico.

A arqueologia a partir dos anos 1960 foi dotada de novos meios técnicos e
conceituais para estudar as sociedades do passado. O progresso na física
nuclear passou a permitir o uso de equipamentos e ferramentas de datação
como o radiocarbono, o estrôncio, o argônio e o potássio. O desenvolvimento
de técnicas espectrofotométricas também possibilitou a aquisição de
informações quantitativas e qualitativas que são particularmente relevantes

26
para o estudo de objetos e obras de arte. Por exemplo, a origem de uma
cerâmica, pigmento ou minério usado na confecção de artefatos pode ser
determinado com extrema precisão.

As ciências ambientais e paleoambientais também estão integradas à


pesquisa arqueológica, dando origem à arqueologia da paisagem, à
arqueologia ambiental, à geomorfologia arqueológica e assim por diante. O
desenvolvimento da arqueologia urbana e a arqueologia preventiva, a partir dos
anos de 1970 e 1980, desempenhou um papel importante introduzindo a
“arqueometria” e ajudando a profissionalizar as atividades de arqueologia,
atualmente equipada para adquirir dados de campo com tanto método e rigor
quanto possível.

27
9. ARQUEOMETRIA: CIÊNCIA APLICADA A HISTÓRIA DA ARTE TÉCNICA

A arquiometria é um poderoso instrumento científico usado pela História da


Arte Técnica. Como uma disciplina nascida como extensão da arqueologia, a
arqueometria possibilita hoje revelar novas informações sobre as técnicas
utilizadas por um artista na realização de seu trabalho. A arqueometria pode
ser definida como o encontro das ciências das humanidades com as ciências
exatas e naturais. Enquanto a arqueologia nos permite reunir informações
relacionadas à proveniência, organização ou evolução de uma sociedade, a
arqueometria, por outro lado, combina técnicas e tecnologias avançadas
desenvolvidas em laboratórios, para fornecer informações que nos permitem
avaliar as composições desenvolvidas pelas técnicas de fabricação de
materiais e o desgaste de objetos arqueológicos, em particular das obras de
artes visuais.

A arqueometria é desenvolvida em torno de três eixos principais de


pesquisa: arqueologia, história da arte e conservação do patrimônio. Este ramo
científico inclui muito conhecimento e experiência que vêm de várias disciplinas
científicas que apoiam a História da Arte Técnica. Além da análise do
significado artístico das obras, agora é possível recuperar a maneira como os
artistas trabalharam, revelar os seus gestos, a forma como executaram suas
obras, e a composição dos materiais que usaram.

Como ramo auxiliar da História da Arte Técnica, a arquiometria permite


acompanhar a evolução das técnicas utilizadas pelos artistas ao longo de suas
carreiras, suas mudanças na prática de execução, sua evolução expressiva e
seus “retrabalhos” (reformulações em cima de obras já executadas). Isso
também permite explicar a ocorrência de danos ao trabalho, a fim de buscar
técnicas para sua restauração. Este trabalho é possível graças à
implementação de novas ferramentas e novas tecnologias que inovaram os
processos de análise de imagens.

Antes era necessário mover fisicamente os trabalhos para analisá-los em


laboratórios, e esse processo era bastante caro em certos casos, ou

28
absolutamente impossível no caso das pinturas murais. Nessa época, não
havia escolha a não ser usar amostragens retiradas das obras, o que era muito
prejudicial para os trabalhos analisados. Hoje, ao contrário, com emprego da
arquiometria, são os pesquisadores que estão indo para os sítios arqueológicos
e lugares de pesquisa. O desenvolvimento de novas ferramentas móveis agora
possibilita aos pesquisadores analisar os trabalhos in loco, seja em uma
caverna ou espaço natural, em um museu ou em uma residência particular.

Além disso, a carga dos processos usados antes estava inclinada para uma
abordagem mais leve. Agora está dando lugar a ferramentas de análise
portáteis desenvolvidas nos centros de pesquisa arquiométrica, que podem
caber em uma mala e serem transportadas por um pesquisador, para realizar
análises de maior profundidade. Isso permite reduzir a manipulação de obras e,
sobretudo, no caso de sítios arqueológicos, ir aos locais mais remotos.

As técnicas de pesquisas arquiométricas são inovadoras e não invasivas,


porque estão permitindo não mais tocar o trabalho. Antes de analisar uma obra
de arte sob aspectos puramente físico-químicos, atualmente estão sendo
desenvolvidas técnicas ligadas à imagem, à computação gráfica e ao
escaneamento, que permitem ver o trabalho sob todos os ângulos. Uma
imagem é mais significativa e mais completa do que um ponto único de análise,
como era antes costume de estimar a partir de uma amostragem de pequenos
pedaços da obra.

Todas as técnicas de imagem são agora usadas: imagens clássicas de alta


resolução aplicadas a áreas visíveis; raio ultravioleta e infravermelho e também
raios X; fluorescência; espectroscopia (análise dos espectros de emissão ou
absorção de radiações eletromagnéticas); analisadores de gás; colorimetria
(medição da quantidade de calor absorvido ou liberado pelos processos físicos
e/ou químicos dos pigmentos usados pelo artista em uma pintura) etc. Nos
laboratórios, atualmente, somente aceleradores de partículas ainda estão em
uso.

29
Segundo BRANDI (2016), essas técnicas permitiram a descoberta de várias
“retrabalhos” (mascarando ou destacando personagens, objetos ou corpos e
sua posição repintados sobre a obra original) e outras alterações feitas pelos
artistas em seu trabalho no momento de sua criação, e que permanecem
invisíveis a olho nu. Pesquisadores da Universidade de Liège, na Bélgica,
estão trabalhando no desenvolvimento de técnicas ainda mais inovadoras que
podem eventualmente permitir a análise de trabalhos em três dimensões
através do uso de ferramentas mais poderosas e mais leves, que poderão ser
operadas a partir de um aplicativo de celular.

30
10. CURADORIA E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO

Os patrimônios culturais, especialmente aqueles integrados por obras de


artes visuais, pertencem, de maneira geral, a museus e instituições públicas ou
privadas e sua preservação exige uma série de atividades e estratégias
multidisciplinares e interdisciplinares. Um patrimônio arqueológico, documental,
arquitetônico, cultural ou artístico vai se transformar em uma coleção de
artefatos e obras devidamente armazenadas em locais especiais como
museus, galerias, bibliotecas e espaços públicos, exigindo restauração,
preservação e conservação, bem como a organização em forma de coleções
que serão colocadas à disposição de especialistas, pesquisadores e cientistas
interessados no conhecimento herdado de antigas culturas, e também
expostas publicamente para o público em geral que busca conhecimento e
cultura.

As exposições de arte, desde a escolha das coleções que serão expostas, o plano de exibição,
divulgação e coordenação de todas as atividades envolvidas fazem parte das atribuições de
um curador. Fonte da imagem: http://www.jeremiebaldocchi.fr/peintre/salon-artexpo-new-york-
usa/ (acesso: 06/08/2018).

Para gestão dessas coleções os espaços que as abrigam precisam de um


gestor profissional com conhecimento e experiência para executar todas as
tarefas ligadas a aquisição, manutenção e exposição desses acervos; isto é, de
31
um curador responsável por essas tarefas. A palavra “curador” vem do latim:
“cura”, que significa "cuidar", e é exatamente isso que faz o curador, cuida,
gerencia e supervisiona o patrimônio de uma instituição.

Tradicionalmente, um curador é o gestor de uma instituição detentora de


um patrimônio cultural, como um museu, galeria, biblioteca ou arquivo, que se
especializou no conteúdo e nas características das coleções que ela possui, e
está envolvido com a interpretação, divulgação e exposição do acervo desse
patrimônio. A preocupação de um curador tradicional envolve necessariamente
objetos tangíveis de algum tipo: coleções de arte; itens históricos ou coleções
científicas. Mais recentemente, novos tipos de curadores começaram a surgir
nas áreas da Web, como curadores de dados e conteúdo digitais e na área das
ciências naturais, como biocuradores (curadores de diversidade biológica).

Uma parte importante do que um curador de museu de artes visuais precisa


realizar consiste na aquisição de novas coleções. Museus de todos os tipos
devem obter novos artefatos e coleções para manter as exposições renovadas
e os clientes interessados. Embora alguns curadores sejam procurados pelos
proprietários desses artefatos, muitas vezes precisam criar conexões e
relacionamentos que levem a essas peças, que podem ser adquiridas ou
recebidas na forma de doações. Os curadores geralmente se mantêm
informados sobre novos leilões, dos quais participam e fazem lances para itens
que interessam aos museus e instituições que representam.

Em organizações menores, um curador pode ser o único responsável por


aquisições e até mesmo por cobranças. O curador toma decisões sobre quais
objetos selecionar, supervisiona seu potencial e documentação, realiza
pesquisas com base na coleção e em sua história, verifica a autenticidade das
peças, fornece embalagens adequadas para o transporte das obras de arte e
compartilha pesquisas com o público e a comunidade científica, por meio de
exposições e publicações. Em museus muito pequenos, baseados em
voluntários, como os das sociedades históricas de pequenas localidades, um
curador pode ser o único membro remunerado da equipe.

32
Em instituições maiores, a principal função do curador é a de um
especialista em assuntos e temas das diversas épocas da produção artística,
com a expectativa de que ele conduzirá pesquisas originais sobre os artefatos
e orientará a organização em sua coleta. Tais instituições podem ter múltiplos
curadores, cada um com a responsabilidade completa por uma área de coleta
específica (por exemplo, curador de arte antiga, curador de gravuras e
desenhos, curador de esculturas e objetos de arte etc.); e frequentemente essa
equipe de curadores opera sob a direção de um curador geral.

Em tais organizações, o cuidado físico com a coleção pode ser


supervisionado por curadores gerentes de coleções ou por conservadores de
museus, responsáveis por itens como documentação, assuntos administrativos,
treinamento de pessoal, contrato de seguro, empréstimos e registros do
museu.

33
11. PRINCIPAIS ATIVIDADES DA CURADORIA

Na arte contemporânea, o título de curador identifica um profissional que


seleciona e frequentemente interpreta obras de arte. Além de selecionar
trabalhos, verificar a autenticidade das obras acompanhando pesquisas de
arquiometria, o curador é frequentemente responsável em providenciar a
restauração, supervisionar a preservação e conservação, e por escrever os
memoriais das obras, bem como ensaios para catálogos e outros conteúdos
que apoiam exposições, incluindo informações para a imprensa.

Esses curadores podem ser membros permanentes da equipe, curadores


convidados de uma organização afiliada ou universidade, ou "curadores
freelancers" trabalhando como consultores. O final do século XX viu uma
explosão de artistas organizando exposições. O curador artista tem uma longa
tradição de influência nas exposições, que remonta ao Renascimento e
prevalece até os dias atuais. Entre as principais atribuições do curador
podemos destacar:

1. Design e organização de novas exposições: Após os curadores


receberem novas peças, eles precisam criar exposições que farão a exibição
dessas peças de maneira eficaz. Eles podem reorganizar os artefatos
atualmente em exibição ou remover algumas dessas peças para dar espaço
para as novas doações. Os curadores também usam suas habilidades de
pesquisa e familiaridade com tópicos históricos para encontrar maneiras de
fazer as peças funcionarem juntas. Muitos museus apresentam grandes placas
com memoriais que falam sobre os itens expostos e de onde vieram essas
peças. Os curadores são os responsáveis por criar essas mensagens e garantir
que os visitantes permaneçam informados.

2. Oferecer avaliações: Muitas vezes assistindo a qualquer tipo de reality


show que lide com a compra e venda de objetos históricos, podemos ver
curadores de arte em ação na tela. Os curadores de museus geralmente têm
familiaridade com um tipo específico de objeto ou um período de tempo
histórico específico. Alguns se especializam em antiguidades, mas os

34
curadores também podem ter familiaridade com um tipo específico de arte, um
tipo de história ou uma determinada região do mundo. Eles oferecem
avaliações para aqueles que querem saber mais sobre o valor de um objeto
específico, mas também são responsáveis por avaliar as doações que o museu
recebeu para fins de seguro.

3. Conservar, restaurar e preservar: De acordo com o OBRIST (2014), os


esforços de conservação e preservação, bem como a solicitação e supervisão
de restaurações, são as partes mais importantes daquilo que um curador de
museu faz. Mesmo o maior dos museus não pode exibir todos os itens obtidos
e doados ao longo dos anos. Os museus costumam ter depósitos cheios de
centenas de artefatos que os curadores exibem de vez em quando e
armazenam, quando exibem coleções e exposições especiais. Os curadores
são os responsáveis por conservar e preservar esses objetos para garantir que
cada peça permaneça em condições dignas de exibição. Eles usam materiais,
tecnologias avançadas e recursos especiais para envolver e preservar
cuidadosamente cada artefato.

4. Palestras e treinamento: Além desses deveres, os curadores de


museus também podem dar palestras, conduzir visitas e organizar eventos de
arrecadação de fundos para arrecadar mais dinheiro para um museu, galeria
ou instituição. Eles precisam ter fortes habilidades de comunicação e
capacidade de trabalhar de forma independente, e para se relacionar com a
mídia e os profissionais de imprensa. Entre as obrigações de um curador, o
treinamento de pessoas da equipe, especialmente aquelas dedicadas à
conservação e preservação, é um dos itens de maior responsabilidade.

Curadores possuem um alto grau acadêmico e especialização em seu


assunto, tipicamente um profissional com MBA, podendo ter também mestrado
e doutorado, o que o faz progredir na carreira. Geralmente são graduados em
história, história da arte, arqueologia, antropologia ou outras áreas das
humanidades. Espera-se também que os curadores possam contribuir para sua
área acadêmica, por exemplo, oferecendo palestras públicas, publicando
artigos ou apresentando-se em conferências acadêmicas especializadas. É

35
importante que os curadores tenham conhecimento do atual mercado de
arrecadação para sua área de especialização e estejam cientes das práticas e
leis éticas vigentes que podem afetar a coleta de obras para a sua
organização. O aumento da complexidade de muitos museus e organizações
culturais levou à emergência de programas profissionais de ensino em áreas
como da história da arte técnica, estudos de museus, gestão de artes e
curadoria e prática curatorial.

36
12. ARTE TÉCNICA, CURADORIA, CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO

A conservação pode ser definida como um termo abrangente que inclui os


processos de limpeza, estabilização, reparo e restauração de objetos de arte
(e de outros artefatos de cultura). A conservação requer exame técnico e
compreensão da vida do objeto antes que qualquer trabalho prático possa ser
concluído. História da arte técnica é o estudo de um objeto através de exame
técnico. Isso inclui pesquisar e investigar as técnicas, ferramentas e materiais
de um artista para entender melhor a especificidade de cada componente
usado para criar o trabalho. Em geral, os curadores de museus são
responsáveis pela solicitação e supervisão desses processos.

Como as obras envelhecem e sofrem os horrores do tempo e das


condições de conservação em que se encontram, os cientistas e
pesquisadores da História da Arte Técnica oferecem tecnologias avançadas
destinadas à conservação e restauração, cada vez mais eficazes para as obras
de arte. Para isso, procuram identificar os problemas que surgiram ou que
podem surgir para as coleções de artefatos de arte das diversas instituições.

Processo de restauração da obra “Madonna del Cardellino”, óleo sobre tela de Rafael Sanzio
(realizada em 1506), que precisou de dez anos para ser restaurada. Fonte da imagem:
http://g1.globo.com/Noticias/PopArte/0,,MUL835508-7084,00-
OBRAPRIMA+DE+RAFAEL+E+EXIBIDA+APOS+ANOS+DE+RESTAURACAO.html (acesso:
08/08/2018).

37
Mais e mais restauradores e galerias de arte estão confiando no trabalho
desses profissionais, para identificar os problemas e tentar resolvê-los,
propondo soluções em relação à conservação ou ao uso de novos materiais
para restaurar artefatos de arte. Novas técnicas tornam possível buscar a
origem de certas alterações para melhor entendê-las e enfrentá-las. Segundo
WITTOCX (2018: 97) "Os cientistas também têm acesso a modelagem para
considerar os efeitos que as condições de conservação poderiam ter em um
trabalho em relação à sua evolução, e para desenvolver as técnicas de
restauração a serem utilizadas”.

O trabalho dos cientistas não se limita, no entanto, a obras do passado,


mas também se volta para a arte contemporânea. Mesmo o artista atual nem
sempre tem consciência do que está usando, e da incompatibilidade de certos
materiais com os outros. Nesses casos, os especialistas procuram trazer
soluções para que as obras mantenham a sua durabilidade, realizando estudos
sobre os materiais empregados e suas propriedades. Com a sua experiência e
o reconhecimento das suas competências, pesquisadores ligados a ciências
como a física e a química, e as especialidades e conhecimentos da história da
arte de da história da arte técnica, colaboram multidisciplinarmente, com várias
organizações públicas e privadas, oferecendo os seus serviços para auxiliar na
autenticação de obras de arte, conservação e preservação.

Esses profissionais não autenticam uma obra de arte em si, mas ajudam os
restauradores e os especialistas a identificar os erros cometidos por possíveis
falsificadores através da análise de técnicas artísticas, pigmentos ou materiais
básicos usados, e através da aplicação de várias ferramentas e técnicas
bastante avançadas. O uso dessas novas técnicas e tecnologias desenvolvidas
pelos cientistas e historiadores da arte técnica parecem prevalecer em áreas
como História da Arte e Arqueologia da Arte. As principais áreas de
conservação, restauração e preservação das obras de arte são: Arquitetura;
Pintura em Tela; Pintura em Madeira; Afrescos (Pintura Mural); Pinturas em
Marfim; e Pinturas em Papel.

38
13. CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO DA ARQUITETURA

A arquitetura é considerada uma das sete expressões que constituem


atualmente as chamadas “Belas Artes”, juntamente com a pintura, escultura,
música, dança e teatro, literatura e cinema. No entanto, a conservação e
restauração da arquitetura antiga é uma preocupação moderna e cada vez
mais crescente. Os primeiros edifícios a sobreviver historicamente, geralmente
tendem a ser aqueles que foram destinados à veneração religiosa. Mas,
quando essas estruturas não eram mais veneradas, elas desapareciam como
outros edifícios. Foi somente no início do século XIX que o Fórum da Roma
antiga foi descoberto, preservado como patrimônio da humanidade e passou
por um processo de conservação.

Prédio do Fórum da Roma Antiga – que representava o centro do poder do Império Romano –
localizado e preservado no Vale do Palatino e do Capitólio, em Roma, Itália. Fonte da imagem:
http://www.cota.com.br/blog/forum-romano-e-palatino-o-centro-de-poder-da-roma-antiga/
(acesso: 08/08/2018).

39
Os construtores da Idade Média tratavam o trabalho arquitetônico de seus
antepassados com uma absoluta falta de admiração. Cada nova capela gótica
construída seguia seu próprio estilo e muitas construções antigas desse
período, inclusive os edifícios românicos, foram reformados e conformados ao
estilo gótico. Com o Renascimento na Europa, cresceu um novo respeito pela
antiguidade clássica e um novo interesse em suas formas arquitetônicas. No
final do século XVIII, o conhecimento da arqueologia havia se tornado uma
realização aceita pelo homem instruído. O próprio projeto arquitetônico tornou-
se uma questão de respeito pela forma original. Os prédios antigos em toda
parte começaram a ser "restaurados" especialmente no estilo dos períodos em
que foram construídos.

Conforme BRANDI (2016), o arquiteto e escritor francês E. Viollet-le-Duc


restaurou brilhantemente a Sainte-Chapelle (de 1840 a 1867) e a catedral de
Notre-Dame de Paris (de 1845 a 1864). As antigas muralhas de Carcassonne
na França ,e o Castelo de Windsor na Inglaterra, não foram apenas reparadas
no século XIX, mas também amplamente reconstruídas mantendo-se as
características originais.

Com a disseminação da Revolução Industrial e a crescente dependência de


processos mecânicos, o trabalho manual tornou-se mais caro, e o valor do
artesanato ganhou um novo significado. Construções antigas, que
frequentemente exibiam os toques pessoais de mestres artesãos, começaram
a conquistar um novo respeito, a ponto do crítico de arte inglês John Ruskin
(1819-1900) ser capaz de afirmar que “a maior glória de um edifício é a sua
idade” (WITTOCX, 2018: 99).

Em 1877, os pioneiros do movimento de conservação, liderados pelo artista


e escritor inglês William Morris (1834–1896) fundaram a Sociedade para a
Proteção de Edifícios Antigos. Essa sociedade opunha-se veementemente ao
reajuste indiscriminado de antigas construções às "restaurações conjeturais",
que alteravam a forma original do edifício, ainda tão elegante. BARROS (2018)
cita como exemplo desse tipo de reforma a nova fachada oeste da Catedral de
St. Albans na Inglaterra (reformada de 1880 a 1883). O movimento ganhou

40
força, e, no século XX, grupos preservacionistas em todo o mundo passaram a
dedicar seus esforços à conservação arquitetônica.

Uma demanda local adicional foi adicionada pelo orgulho nacional; em


países como a Polônia, a reconstrução pós-guerra tornou-se o símbolo do
ressurgimento e da reconstrução nacional. Quase todos os países estão cada
vez mais conscientes da sua herança de edifícios antigos, enquanto
organismos culturais como a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) emprestaram ao movimento de
conservação um poderoso contexto internacional.

Um dos maiores inimigos das antigas construções são os efeitos da


mudança econômica e social. O desenvolvimento da arquitetura pode ser
compreendido como um índice sensível de mudança social. O clima econômico
e as preocupações sociais de cada época se combinaram para gerar sua
própria arquitetura e suas próprias cidades. Em quase todas as décadas um
novo estilo de edifício exibe suas próprias características peculiares e modifica
por consequência os edifícios e cidades de ontem. Mas o ambiente urbano é o
investimento da sociedade em seu futuro, e o ciclo de renovação é contínuo,
embora muitas vezes lento. Assim, os problemas de manutenção e
conservação de antigas edificações são complicados pela mudança econômica
e social de longo prazo.

Hoje as tendências mais marcantes ainda são aquelas que provocaram o


próprio movimento de conservação. Primeiro é o ritmo acelerado do
crescimento físico. Os edifícios antigos tornaram-se não apenas relativamente
raros, mas quase sempre insubstituíveis em termos de mão-de-obra e
artesanato e, às vezes, de materiais. Em muitos casos, edifícios antigos dão a
uma localidade muito do seu caráter especial e identidade, como, por exemplo,
as cidades históricas de Ouro Preto em Minas Gerais. E, ao lado de tudo isso,
está a evidência tangível de que qualquer prédio antigo proporciona à sua
comunidade uma espécie de continuidade social e ambiental; um ponto de
referência tranquilizador em um mundo em constante mudança, bem como
proporciona uma atração turística que gera renda para as comunidades e
governo local.

41
Outra mudança social é o rápido aumento da mobilidade através,
especialmente, do automóvel que trouxe estradas melhores e um incentivo
para usá-las. Centros urbanos antigos, após séculos de vida essencialmente
doméstica, começaram a ser abandonados em favor da expansão viária dos
subúrbios. Este acréscimo periférico das cidades é aliado à sua decadência
central como comunidades. Como um resultado universal, a expansão do anel
viário estimula um processo constante de alargamento da estrada, pelo qual
muitas áreas históricas intermediárias foram completamente erodidas.

Esses, e outros fatores destrutivos, exigem uma participação efetiva da


legislação de um país ou de uma localidade para proteger a arquitetura
histórica. Em toda a conservação da arquitetura, o primeiro passo efetivo é
decidir e definir quais edifícios ou locais são dignos de proteção. Para a maioria
dos países, isso envolveu um processo sistemático de inventário e pesquisa.

Na Grã-Bretanha, por exemplo, a “Comissão Real de Monumentos


Históricos (RCHM)” foi criada em 1908 e a Lei de “Conveniências Cívicas” de
1967 permitiu que as autoridades de planejamento local definissem áreas
especiais para “conservação e melhoria”. Na França a “Commission des
Secteurs Sauvegardés” foi criada em 1962 sob o comando de André Malraux,
ministro de Assuntos Culturais, para buscar um programa ativo de proteção
pública de áreas históricas.

Nos Estados Unidos, a “Historic American Buildings Survey” foi projetada


para montar um arquivo nacional de arquitetura americana histórica que
deveria ser preservada. No Brasil, o “Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan)”, do Ministério da Cultura, foi criado, juntamente com
organismos estaduais e municipais, para promover as atividades de
preservação e proteção de patrimônios históricos, envolvendo arquitetura,
monumentos e paisagens naturais.

No entanto, esses critérios para conservação raramente são bem definidos.


O mérito arquitetônico deveria ser altamente classificado; especialmente no
caso de qualquer edifício que exemplifique autenticamente seu período, e não
as associações históricas, como por exemplo, o local de nascimento de uma
pessoa famosa. Um efeito pernicioso de toda a seleção é a maneira pela qual é
42
selecionado o exemplo arquitetônico mais notável de qualquer período, em vez
de um exemplo verdadeiramente típico de estilo arquitetônico. No final, a
biografia de quem viveu no local, ou um acontecimento histórico em torno do
edifício, é o que prevalece na escolha para permanecer como uma
representação de um período particular de arquitetura, o que nada tem a ver
com seu estilo ou design.

43
14. CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO DE PINTURA EM MADEIRA

De um modo geral, a maioria das pinturas pode ser dividida em (1) pinturas
de cavalete, em tela ou em um suporte sólido, geralmente de madeira; (2)
pintura mural, ou muralista; (3) pinturas em papel e (4) pinturas em marfim. O
conservador das pinturas visa, sobretudo, uma “verdadeira conservação”, isto
é, a preservação dos objetos em condições que, tanto quanto possível,
impedirão a deterioração do material, e vão atrasar o máximo possível o
momento em que uma nova restauração seja necessária. A escolha correta
das condições de exibição e armazenamento é, portanto, de primeira
importância. Idealmente, cada tipo de pintura requer suas próprias condições
especiais para máxima segurança, dependendo de seu tipo de confecção.
Neste capítulo, vamos analisar a preservação da pintura em madeira.

Retábulo (“Pintura de Louvores”) de Jan Van Eyck, realizado entre 1430 1432, têmpera e óleo
sobre madeira, 3,5x4,6m. Pertence ao Museu de Belas Artes de Ghent, na Bélgica. Fonte da
imagem: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/19/Retable_de_l%27Agneau_mystique_%281%29.jpg
(acesso: 08/08/2018).

A madeira tem sido usada como suporte desde as pinturas encáusticas


(com uso de cera de abelha como aglutinante) da Grécia antiga. Os suportes
44
de painéis de madeira foram usados quase universalmente na arte europeia
dos ícones devocionais da Idade Média e outras obras antes do século XVI,
quando o uso da tela se tornou dominante. A madeira tem a desvantagem de
inchar e encolher em suas dimensões quando há variações na umidade relativa
da atmosfera.

Em climas temperados do hemisfério norte do planeta, variações na


umidade podem ser consideráveis. Na Inglaterra, por exemplo, a variação
sazonal da umidade relativa do ar em um museu que é aquecido centralmente
no inverno pode ser de 25% no meio do inverno, e chegar a 90% no verão.
Embora a tinta tenha certa elasticidade, ela normalmente não pode
acompanhar muito movimento, e, em pinturas sobre madeira, geralmente ela
quebra em uma rede conhecida como “craquelure” (rachaduras ao longo de
toda a pintura).

Em massas de terra continentais, como nos Estados Unidos, a umidade


relativa média em zonas secas pode ser consistentemente baixa, de modo que
as pinturas europeias com suportes de madeira “temperadas ao ar frio” ou
acostumados a uma umidade mais alta podem sofrer consideravelmente. Tanto
na Europa como nos Estados Unidos, a combinação de um ambiente
inadequado de umidade relativa baixa ou variável com o efeito de restrição da
camada de tinta frequentemente produz uma curvatura permanente do painel,
que fica convexo na superfície frontal. O Brasil repete esse comportamento.

Para neutralizar tanto o encolhimento quanto a curvatura (especialmente o


último efeito), restauradores no passado colocaram tiras de madeira chamadas
sarrafos, ou estruturas mais complexas chamadas berços, na parte de trás do
painel como restrições. Esta solução, no entanto, produziu muitas vezes
tensões internas que levaram a uma distorção severa da superfície frontal,
rachaduras no painel ao longo do grão da madeira e, em alguns casos, danos
extensivos à tinta. Esta forma de intervenção foi largamente abandonada em
favor de uma abordagem ambiental que coloca a ênfase na manutenção de um
ambiente estável que promove a preservação através do controle da
temperatura e da umidade do ar. A solução ideal de conservação é uma forma

45
de ar condicionado em que a umidade relativa é mantida o máximo possível no
que é geralmente aceito como sendo o nível mais razoável; ou seja, em cerca
de 55%. É normal, pelos padrões modernos, aceitar como inevitável alguma
curvatura convexa permanente.

Quando o empenamento e rachaduras já ocorreram ou quando o último


parece provável como resultado da aplicação incorreta de suportes
secundários, como ripas transversais, é necessário um tratamento
especializado de restauração. Em princípio, isso consiste em remover as ripas
transversais e aplicar um reforço metálico nas costas da pintura, o que impõe
uma restrição uniforme, mas suave, sobre toda a superfície. No passado,
quando a madeira era mal conservada ou dimensionalmente instável, o suporte
de madeira era ocasionalmente removido das camadas de tinta em um
processo conhecido como “transferência”.

Isso foi realizado temporariamente aderindo um suporte substancial de


papel e, possivelmente, lona para a superfície frontal e depois cortando a
madeira na parte de trás. Um suporte inteiramente novo, de painel ou tela, foi
então colado na parte de trás e o revestimento temporário foi removido. Este
tratamento é muito raramente feito hoje e é geralmente considerado uma forma
extrema de intervenção.

46
15. CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO DE PINTURA EM TELA

A pintura sobre tela tornou-se comum no século XVI, e tem sido


amplamente utilizada nas tradições de pintura europeia, americana e brasileira
(desde o descobrimento do Brasil). Um suporte de tela se expande e se contrai
com variações na umidade relativa do ar, mas o efeito não é tão drástico
quanto da madeira. A tela, no entanto, irá deteriorar com a idade e condições
ácidas da atmosfera e pode ser facilmente rasgada. Em muitos casos, partes
da tinta e da base aplicada abaixo dela levantam-se da superfície, uma
condição denominada “clivagem"; "descamação"; "bolhas"; ou "escala".

O método tradicional para resolver esses problemas é reforçar a parte de


trás da tela, anexando uma nova tela à antiga em um processo chamado
“revestimento". Várias técnicas e adesivos têm sido empregados para o
revestimento, mas com todos os métodos existe o risco de alterar a textura da
superfície da pintura se o procedimento não for realizado com o máximo
cuidado e habilidade. A técnica mais utilizada até meados do século XX
consistia em passar uma nova tela para a velha, usando um adesivo composto
de uma mistura quente de cola animal e uma pasta farinácea, às vezes com a
adição de uma pequena proporção de plastificante.

Este método, embora menos comum hoje em dia ainda, ainda é usado,
especialmente na Itália e França. Tem a vantagem de que o calor e a umidade
ajudam a achatar a tinta levantada (fazendo-a voltar ao lugar) e as
deformações e rasgos locais na tela. Outro método, introduzido depois de
meados do século XIX, usa uma mistura de resina de cera termoplástica.
Originalmente executado com ferros aquecidos esse processo aumentou em
popularidade pela introdução, por volta de 1950, da chamada “mesa quente a
vácuo”, que repuxa a tela para o lugar original.

A mesa de sucção de baixa pressão mencionada acima e um dispositivo


menor usado para tratamento localizado, geralmente chamado de placa de
sucção, ganharam ampla utilização na virada do século XXI. As versões mais
elaboradas deste instrumento são equipadas com elementos de aquecimento e

47
sistemas de umidificação abaixo da superfície da mesa perfurada. Estas
características tornam possível aplicar humidade controlada, calor e pressão
suave para realizar uma variedade de tratamentos, incluindo realinhamento e
reparação de rasgos, redução de deformações da superfície da pintura e a
introdução de adesivos de consolidação para voltar a ligar a tinta na tela.

Na pintura em tela, as próprias camadas de tinta estão sujeitas a várias


doenças, como resultado de deterioração natural, técnica original defeituosa,
condições inadequadas de armazenagem, maus tratos e restaurações
impróprias anteriores. Deve ser lembrado que, enquanto a pintura de uma
residência geralmente tem que ser renovada a cada poucos anos, a pintura em
telas tem a mesma necessidade para sobreviver indefinidamente, já que em
algumas vezes pode ter 600 anos ou mais de idade.

Como os materiais de pintura tornaram-se mais prontamente disponíveis


nas preparações comerciais nos séculos XVIII e XIX, os métodos sistemáticos
de pintura que foram transmitidos do mestre para o aprendiz foram substituídos
por uma maior experimentação individual, que em alguns casos levou a falhas
técnicas sensíveis.

Os artistas às vezes usavam muito petróleo, levando a rugas irreparáveis,


ou sobrepunham camadas que secavam a taxas diferentes, produzindo uma
ampla “craquelure” como resultado do encolhimento desigual, um fenômeno
que acontecia cada vez mais conforme o século XIX progredia, devido ao uso
de um pigmento marrom chamado “betume”. Tintas betuminosas nunca secam
completamente, produzindo um efeito de superfície que lembra a pele de
crocodilo. Esses defeitos não podem ser curados, e só podem ser melhorados
visualmente apenas com retoques muito criteriosos.

Um defeito notável decorrente do envelhecimento da pintura em tela é o


desbotamento ou a mudança da cor do pigmento por excesso de luz. Embora
isso seja mais evidente em pinturas de camada fina, como aquarelas, também
é visível em pinturas a óleo. A paleta dos pintores renascentistas, e de
períodos posteriores, era, em geral, estável à luz; no entanto, alguns dos

48
pigmentos usados notavelmente para a pintura de lagos no paisagismo, que
consistia em vegetais corantes dissolvidos em materiais inertes translúcidos,
muitas vezes desbotavam facilmente.

Resina de cobre, de verde transparente muito utilizada a partir do século


XV ao século XVIII, tornou-se um marrom chocolate escuro após a exposição
prolongada à luz. Após a descoberta de corantes sintéticos em 1856, foram
criadas outras séries de pigmentos, alguns dos quais foram descobertos mais
tarde para desaparecer rapidamente. Infelizmente, por isso, é impossível
restaurar a cor original de uma pintura em tela e, nesse caso, a conservação,
em seu verdadeiro sentido de deter a decadência, é importante.

A técnica consiste em limitar a luz ao nível mais baixo possível, consistente


com a visualização adequada do espectador em uma exposição, que na prática
corresponde a cerca de 15 lumens por metro quadrado. A luz ultravioleta que é
o tipo de luz mais prejudicial, emitida pela luz do dia e luminárias fluorescentes,
pode e deve ser filtrada para evitar danos.

Várias resinas modernas e estáveis são empregadas no lugar da tinta a


óleo para facilitar a reversibilidade e evitar a descoloração. Imitação exata do
original implica em um estudo próximo da técnica do pintor, especialmente os
métodos de multicamadas, uma vez que as camadas sucessivas, sendo
parcialmente translúcidas, contribuem para o efeito visual final. Detalhes
minuciosos de textura, pinceladas e “craquelure” também devem ser
simulados.

Uma variedade de resinas naturais, às vezes misturadas com óleo secante


ou outros constituintes, tem sido usada para pinturas de verniz. Embora o uso
tradicional de verniz sobreposto fosse em parte para proteger a tinta contra
danos acidentais e abrasão, seu objetivo principal era estético: saturar e
intensificar as cores e dar à superfície uma aparência unificada. As resinas
naturais mais usadas estão sujeitas à deterioração. Suas principais limitações
são que elas se tornam frágeis, amareladas e menos solúveis com a idade.

49
Na maioria dos casos, um verniz descolorido pode ser removido com
segurança usando misturas de solventes orgânicos ou outros agentes de
limpeza, mas o processo é muito delicado e pode causar danos físicos e
estéticos significativos, podendo prejudicar a pintura original quando isso é feito
de forma inadequada.

Algumas pinturas exibem uma maior sensibilidade à limpeza do que outras;


e alguns vernizes podem ser decididamente intratáveis devido à sua
formulação. Além disso, muitos solventes orgânicos são conhecidos por
potencializar componentes dos pigmentos usados na preparação da tinta a
óleo. Por estas razões, a limpeza deve ser realizada apenas por um
profissional experiente, e a frequência do procedimento deve ser mantida a um
mínimo absoluto.

Quase toda pintura de qualquer grau de antiguidade terá perdas e danos, e


uma pintura de antes do século XIX, em perfeitas condições, será geralmente
um objeto de especial interesse. Antes que uma abordagem mais
conscienciosa da restauração se tornasse geral em meados do século XX,
áreas de pinturas que tinham uma série de pequenas perdas eram
frequentemente inteiramente repintadas. Considerou-se normal, em qualquer
caso, repintar não apenas as perdas ou áreas gravemente danificadas, mas
também uma vasta área de pintura original circundante, muitas vezes com
materiais que visivelmente tendiam a escurecer ou desaparecer com o tempo.

Grandes áreas com detalhes significativos em falta eram frequentemente


repintadas de forma criativa no que supostamente era o estilo do artista
original. É costume hoje em dia a repintagem (“inpainting”) somente das áreas
faltantes reais, combinando com cuidado a técnica do artista (identificada pela
arquiometria) e a textura da pintura. Alguns restauradores adotam vários
métodos de pintura em que a tinta original circundante não é totalmente
imitada. O repinte é feito em uma cor ou com uma textura destinada a eliminar
o choque de se ver uma área completamente perdida, procurando realmente
não enganar o observador. O objetivo em repintar é sempre usar pigmentos e
meios que não mudam com o tempo e que podem ser facilmente removidos em

50
qualquer tratamento futuro. Todo esse trabalho precisa ser supervisionado
pelos curadores e especialistas em história da arte técnica.

51
16. PINTURAS MURAIS: CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO

As pinturas murais são a mais antiga forma conhecida de pintura,


remontando às pinturas pré-históricas na caverna de Altamira, na Espanha, na
Gruta de Lascaux, na França e na Serra da Capivara, no Piaui, aqui no Brasil.
Nas últimas décadas do século XX, o tratamento de conservação e restauração
de duas obras-primas renascentistas da pintura mural, os afrescos de
Michelangelo na Capela Sistina na Cidade do Vaticano (de 1508 1 15120 e a
Última Ceia de Leonardo da Vinci (1495 a 1498) em Milão, chamaram a
atenção do mundo para as vulnerabilidades ambientais e estruturais desses
tesouros.

A “Útlima Ceia” de Leonardo da Vinci, antes da restauração. Fonte da imagem:


http://pastorclaudiosampaio.blogspot.com/2014/05/a-ultima-ceia-de-da-vinci-curiosidades.html
(acesso: 08/08/2018).

52
A “Útlima Ceia” de Leonardo da Vinci, depois da restauração. Fonte da imagem:
http://leonardodavinci.cc/a-ultima-ceia/ - (acesso: 08/08/2018).

Comumente, grandes pinturas colocadas em nichos arquitetônicos são


consideradas “pinturas murais”, mesmo aquelas estendidas sobre barras de
madeira estacionárias ou expansíveis na forma de pinturas de cavalete.
Estritamente falando, no entanto, “pinturas murais” são distinguidas de outros
murais em virtude de serem executadas diretamente em suportes de parede
primários, que são tipicamente constituídas de gesso (ou argamassa), aplicado
à parede (em forma de reboco) e a pintura é realizada sobre ele ainda úmido.

Pinturas de parede se tornam uma parte integrante da arquitetura, tanto no


sentido material quanto no estético. A conservação de pinturas de parede
inevitavelmente diz respeito não só às próprias pinturas, mas também ao maior
contexto da adjacente, incluindo materiais de construção, manutenção predial,
uso e preservação. Dependendo de sua construção e do grau de envolvimento
do suporte de parede, as necessidades de conservação e restauração de
pinturas murais podem ser intimamente aliadas às típicas restaurações de
pintura de cavalete ou em pedra porosa.

Do ponto de vista da conservação, diferentes tipos de pinturas murais têm


características em comum, embora as técnicas de restauração necessárias

53
para cada uma possam diferir muito em detalhes. Nesse tipo de pintura,
pigmentos misturados apenas na água são pintados diretamente sobre uma
camada recém preparada de gesso de cal úmido. Os pigmentos estão
permanentemente ligados ao gesso como resultado de uma alteração química,
à medida que o cal fresco se torna carbonato de cálcio após secagem.

No afresco seco (“a seco”), o artista aplica tintas no gesso já seco. A


estabilidade dessas pinturas depende da presença de um meio de ligação – tal
como ovo, óleo de linhaça, goma ou cola –, misturado com os pigmentos para
aderi-los adequadamente à superfície da parede. Este tipo de pintura é
encontrado nas pinturas murais do antigo Egito. Em outra versão de uma
variedade mais moderna de pintura de parede, pinturas sobre tela são
transferidas para a parede usando um adesivo.

Entre os perigos para esses tipos de pinturas murais é a excessiva


umidade. A umidade pode subir através das paredes, originando-se no nível de
contato com o solo e se espalhando para cima. A prevenção da umidade
ascendente às vezes é obtida cortando-se a parede embaixo do mural e
inserindo-se uma barra de material impermeável à água ou um tubo capilar alto
que atrai e desvia o acúmulo prejudicial. Essas vias de intervenção são, no
entanto, muitas vezes proibitivamente caras devido à engenharia complexa que
elas exigem.

Se estas abordagens não forem possíveis, a melhoria dos problemas pode


ser conseguida através da reconfiguração da drenagem no exterior do edifício
e, assim, reduzindo a quantidade global de umidade disponível. A umidade
também pode vir da parede externa, onde a infiltração direta da água da chuva
pode penetrar através do substrato até a face da pintura, evaporando na
superfície da tinta. Neste caso, reparos ou esforços de construção localizados
para proteger a parede externa podem atenuar o problema. A umidade também
pode resultar da condensação em uma superfície fria de um mural, um
fenômeno comum em igrejas, tumbas ou edifícios que são aquecidos apenas
intermitentemente ou que estão sujeitos a excesso de umidade ambiente
gerada pela respiração de multidões de visitantes.

54
Um aquecimento mais contínuo e uniforme da parede pode ajustar essa
situação, desde que o ar ambiente não seja seco tão rapidamente que ocorra
uma “eflorescência” (a formação de sais). Por fim, os danos provocados pela
infiltração de telhados, canos entupidos e canalização defeituosa são
facilmente interrompidos pela reparação desses sistemas. A manutenção
consciente é o melhor tratamento preventivo.

Danos a pinturas de parede devido à umidade podem incluir


branqueamento, manchas de gotejamento e de laminação de camadas de tinta
devido à eflorescência. Sais cristalizados podem se formar acima, abaixo ou
dentro da imagem pintada, resultando na desintegração ou ofuscação da
imagem e criando um “véu” salgado. O conservador deve evitar revestir a
pintura com um material impermeável à água, como cera ou produtos
resinosos, de modo que a umidade possa penetrar livremente sem encontrar
uma barreira na superfície interna; quando os locais de evaporação são
bloqueados, a umidade se moverá lateralmente, expandindo as áreas de dano.
Problemas como o crescimento de fungos e mofo são resultados secundários
de ambientes excessivamente úmidos.

Outro inimigo das pinturas murais é mais insidioso e também mais


difundido. Devido ao uso mundial de combustíveis fósseis, como o petróleo, e
emissões de automóveis, as concentrações de dióxido de enxofre na atmosfera
aumentaram acentuadamente. Na presença de umidade, esses poluentes
reagem e formam ácido sulfúrico, que pode corroer rapidamente o componente
cálcio-carbonato da maioria das pinturas de parede à base de cimento e cal.
Este efeito “de chuva ácida” converte o carbonato de cálcio em sulfato de
cálcio. Desta forma, o volume do cristal de sulfato é quase o dobro do
carbonato original do mural, o que causa pressão interna dentro dos poros do
tecido da parede que pode levar à fratura (rachadura). Além disso, o sulfato
tem uma maior capacidade de absorver a umidade, perpetuando e
exacerbando o processo de decomposição cíclico e úmido.

Ambientes poluídos podem provocar superfícies enegrecidas e fuliginosas


associadas a partículas de combustível fóssil para uma pintura de parede, e

55
também podem descolorir certos pigmentos tradicionalmente encontrados em
pinturas da Renascença, como chumbo branco ou vermelho, malaquita e
azurita. Em face de tais danos causados pela umidade e poluição, o
conservador trabalha para deter os agentes causadores da deterioração e, em
seguida, passa a estabilizar as inseguranças, como lascas de estuque ou
lascas de tinta e manchas. Muitos novos tratamentos de conservação foram
desenvolvidos na segunda metade do século XX: cataplasmas químicos,
tecnologia de gel e resinas de troca iônica permitiram avanços nos métodos de
limpeza, redução de depósitos de sal e técnicas de consolidação.

Adesivos naturais ou sintéticos e consolidações inorgânicas agora são


utilizados, mas eles devem ser escolhidos pela compatibilidade com o gesso e
os pigmentos utilizados pelo autor, e usados com discrição para evitar
bloqueios de formação de filmes (impermeabilizações). A injeção hipodérmica
de adesivos, seguida de uma leve pressão durante a secagem, também se
tornou uma maneira eficaz de mitigar muitos problemas de pintura que se
destaca da parede.

Os conservadores frequentemente desenvolvem soluções diante de um


problema específico. Por exemplo, após a inundação do rio Arno, em Florença,
em 1966, os conservadores italianos desenvolveram métodos drásticos, mas
necessários e altamente especializados, para transferir afrescos de muros
decadentes. Esse procedimento mais radical consiste em colar uma lona
firmemente na superfície do afresco e, em seguida, puxar e afastar uma
camada fina do gesso que contém as partículas de pigmento do afresco. A
ligação entre a lona e o afresco deve ser bem forte para que a coesão interna
da pintura não seja destruída. Depois, o excesso de gesso é removido da parte
de trás, revelando o a pintura recolhida, que será fixada em outro suporte e
restaurada naquilo que for preciso.

Sempre que possível, as técnicas de transferência são abandonadas em


favor de tratamentos de conservação e restauração realizados no próprio local,
com o conservador trabalhando a partir da superfície real e preservando o
máximo possível o tecido de construção original, o caráter da superfície e o

56
significado contextual. A comunidade de conservação de arte – incluindo
historiadores de arte técnica e especialistas em preservação –, geralmente
defende que os murais e pinturas murais são física e esteticamente
dependentes de seu contexto arquitetônico.

A natureza dita “específica do local” das pinturas é valorizada e o caráter do


local original é mantido o mais próximo possível; a mudança pode causar
diminuição de significado ou apreciação. As disciplinas de conservação das
paredes e das pinturas murais, a engenharia e a conservação arquitetônica são
integradas, e cada especialidade é cada vez mais solicitada a contribuir para
um plano de preservação holístico.

57
17. CONSERVAÇÃO DE PINTURAS EM MARFIM

O marfim entrou em uso popular como suporte de pintura nos séculos XVIII
e XIX, como parte de tradições de pintura em miniatura baseadas em grande
parte na Europa e nos Estados Unidos. O material naturalmente translúcido foi
bem adaptado às técnicas luminosas da pintura de retratos. Derivado das
presas e grandes dentes de elefantes, morsas e baleias, o marfim é composto
de componentes orgânicos e inorgânicos da dentina. No entanto, suas
qualidades porosas e higroscópicas o tornam vulnerável a muitos agentes de
deterioração. Além disso, esse tipo de pintura não é mais praticado, o que
valoriza muito mais a preservação dos artefatos existentes.

O marfim, especialmente em camadas finas, responde com mudanças


dimensionais às flutuações no teor de umidade do ar. Pinturas em miniatura em
marfim são particularmente vulneráveis, expandindo-se e contraindo-se através
do grão de uma maneira similar às pinturas em madeira. A conservação das
pinturas de marfim depende, em grande parte, da manutenção de controles
ambientais estáveis, no padrão ideal de umidade relativa de 50 a 60 por cento,
com a temperatura não excedendo 70 ° F (21 ° C). Em níveis mais baixos de
umidade relativa, pinturas em marfim dessecam, encolhem e quebram com
facilidade, especialmente se forem comprimidas. A umidade relativa acima de
68% promove expansão e deformação; Flutuações climáticas também colocam
tensões severas nos meios de pintura.

A luz é outro agente prejudicial e pode ser responsável pelo


branqueamento das superfícies do marfim. Aquarela e guache, o meio de
pintura mais comum usado em miniaturas de marfim, é sensível à luz e
particularmente sujeito ao desbotamento. Idealmente, a iluminação desses
objetos não deve exceder de 5 a 10 lumens por metro quadrado, e a luz do dia
deve ser evitada o máximo possível. Uma vez que é uma substância porosa, o
marfim é suscetível a manchas e reter óleos indesejados; o uso de agentes de
limpeza, especialmente soluções aquosas, pode resultar em danos e remoção
da pátina. Portanto, é aconselhável usar luvas ao manusear esses objetos e,
enquanto estiverem armazenados, as pinturas de marfim devem entrar em
58
contato apenas com materiais de pH neutro, como algodão macio, linho ou
tecido sem ácido e sem detergentes.

59
18. PINTURAS EM PAPEL: CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO

Considerando que pinturas em pergaminho, papiro e casca de árvore em


várias formas remontam a tempos antigos, não foi até depois da invenção do
papel pelos chineses no século 2 aC, que finas folhas de celulose de feltro de
papel verdadeiro estavam disponíveis, principalmente para usos caligráficos ou
de impressão. Após a lenta progressão da tecnologia de fabricação de papel no
Ocidente, os primeiros trabalhos introduzidos para desenhar ou pintar durante
os tempos da Renascença foram usados como esboços de trabalho para
pinturas em madeira ou tela, esboços de esculturas ou desenhos de
arquitetura, e não como obras de arte completas em si mesmas.

Esboço em papel do Renascimento, realizado por Rafael Sanzio. Fonte da imagem:


http://3.bp.blogspot.com/_NT2qYHHyMZA/TLJkbMzAhJI/AAAAAAAABIc/cJKkBXhclYE/s1600/e
stasi.jpg (acesso: 08/08/2018).

Durante a Revolução Industrial, os fabricantes criaram folhas de papel


pesado e papelão laminado especificamente para pintura; tendo suas
propriedades mecânicas especificamente projetadas para a ilustração a cores
completa com pastel, guache, óleo, acrílico ou outros meios de pintura; estes
60
papéis podem ser claramente considerados para além dos papéis
tradicionalmente utilizados para impressões e desenhos.

Dependendo do método de fabricação da pintura no papel, a própria


camada de projeto ou o suporte pode ser a característica mais responsável
pela condição de um objeto e pela resposta da obra ao seu ambiente. Por
exemplo, um esboço fino em papel leve, que tem uma grande quantidade de
papel exposto como parte da imagem, é bem diferente em aparência e
comportamento do que uma pintura a óleo opaca, executada na superfície de
papelão laminado pesado, que pode ser utilizado para acabamento final e
pintura em cima de um esboço inicial.

No primeiro caso, o objeto pode responder ao seu ambiente mais


caracteristicamente como uma impressão ou desenho, enquanto, no último
caso, o objeto pode responder caracteristicamente como uma pintura em
madeira ou tela. A este respeito, as pinturas em papel podem variar muito, e os
requisitos de conservação podem cair geralmente na categoria de papel ou
pintura. O tratamento de conservação geralmente é melhor abordado pelo
profissional cuja especialidade é no campo do material dominante, no caso em
que estamos discutindo, o papel.

As pinturas em papel exigem as mesmas proteções ambientais da maioria


dos materiais orgânicos, ou seja, temperatura estável e umidade relativa dentro
da faixa limitada recomendada de 50 a 55%, de umidade relativa, 60 a 68 ° F
(16 a 20 ° C). A exposição prolongada à luz inevitavelmente causa perda de cor
e distorção do conceito ou intenção original do artista. Um suporte de papel
escurecido, combinado com corantes desbotados, pode distorcer seriamente
os contrastes intencionais e resultar em muita perda de profundidade ou
detalhe.

O conservador deve evitar a exposição à luz do dia tanto quanto possível,


porque o componente de luz ultravioleta é particularmente prejudicial ao papel.
Um filtro ultravioleta sobre as janelas ou incorporado ao revestimento de
acrílico pode ser de algum benefício no controle da exposição à luz, mas esses

61
esforços não são apenas uma panacéia e não devem ser usados em lugar de
um monitoramento prudente. A quantidade total de luz deve ser considerada
com base no tempo e intensidade, porque os danos devidos à luz são
cumulativos e irreversíveis.

O armazenamento ou enquadramento deve sempre exigir o uso de placas


mate e pastas de armazenamento 100 por cento livres de ácido (de preferência
todos os tipos de pano), a fim de limitar a chance de transferência ácida para a
obra de arte. A umidade e a ventilação das instalações de armazenamento
também devem ser cuidadosamente monitoradas para evitar o crescimento de
fungos no dimensionamento (a cola usada no processo de encadernação) e na
tinta, bem como para evitar a infestação secundária por insetos prateados ou
piolhos.

62
19. MUSEOLOGIA, MUSEOGRAFIA, CURADORIA E GESTÃO DE
EXPOSIÇÕES

Um museu, segundo a definição do “International Council of Museums”


(Organização com relações formais com a UNESCO e sede na ONU), é uma
instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e seu
desenvolvimento, aberto ao público, que adquire, conserva, pesquisa,
comunica e exibe o patrimônio tangível e intangível da humanidade e de seu
ambiente para fins de educação, estudo e prazer. De acordo com HOFFMANN
(2017: 53):

O museu, um dos primeiros e ainda principais habitats do


curador, está entrelaçado à história e também à burocracia. É
esse contexto institucional ímpar que o destaca de outros
estabelecimentos, como a galeria, a bienal ou a feira de arte. O
museu existe para a edificação e o avanço da sociedade, e
funciona como um barômetro da cultura secular. Diferente de
uma galeria, cujo objetivo principal é defender financeiramente
seus artistas (e a si mesma), uma instituição colecionadora é
motivada primeiramente por preocupações sociais e
educativas.

Originalmente lugares privados destinados a satisfazer uma elite, os


museus tornaram-se, inicialmente, centros de iluminação para a educação
cultural das massas. Hoje, os museus em todo o mundo tornaram-se símbolos
de orgulho nacional e indicadores de vitalidade não apenas cultural, mas
também econômica e social de um país. Se o museu já foi considerado um
relicário do passado, hoje é visto como preservador da cultura voltado para o
futuro. O museu desenvolve duas atividades:

1. Atividades de museologia: que tratam da organização do museu em


relação às técnicas de restauração, conservação, armazenagem e
documentação legal dos acervos, até a sua exposição pública, bem como a
valorização de suas coleções.

2. Atividades de museografia: Conjunto de conceitos técnicos


necessários para a execução prática dos projetos do museu planejados pela
museologia. Envolve desde a disposição dos objetos na exposição até o design
63
dos expositores, a sinalização e a organização dos textos descritivos das
obras.

Segundo DEL CASTILLO (2015), uma conferência internacional organizada


em Madri, em 1934, pelo “l'Office international des Musees” (antecessor do
ICOM) ficou conhecida como o primeiro evento museológico. A partir de então,
o conceito de “museologia” tornou-se parte permanente do vocabulário das
humanidades europeias, foi adotado pelos países ligados à UNESCO, como o
Brasil, e denota uma ciência que trata da construção (arquitetura) e gestão de
museus.

Sua definição completa, e ainda atual, foi proposta em 1981 por Georges
Henri Riviere (1993: 151). “A Museologia é uma ciência aplicada ao museu e
consiste em um conjunto de princípios técnicos e práticos destinados à
administração de todas as atividades dos museus”. Segundo RIVERE (1993), o
domínio da museologia engloba reflexões sobre o papel do museu na
sociedade, investigação e conservação, formas de apresentação, animação e
divulgação da arquitetura criada para fins museológicos e arquitetura
semelhante a museus (adaptada para os museus), investigações dos sítios e
seleção dos objetos a serem obtidos, bem como da tipologia e deontologia
(ética) das práticas museológicas.

Além disso, ele também distingue os cenários, e uma gama de atividades


criativas levando em consideração o formato das exposições, os recursos e o
material utilizado nelas. Riviere e, posteriormente, muitos outros teóricos-
museólogos, chamaram a atenção para uma diferença fundamental entre a
museologia concebida como uma ciência que utiliza muitos domínios do
conhecimento (filosofia, estética, sociologia, psicologia, gestão, teorias do
direito financeiro, ciências históricas e naturais, história da arte técnica e
ciências exatas) e a história dos museus percebida como uma das
especializações da história e da história da arte.

No início do século XXI, a museologia está se tornando uma das ciências


mais dinâmicas em desenvolvimento; por um lado, este é o resultado da

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política cultural e social pan-museológica (ideológica) da UNESCO, que
considera o museu como um dos instrumentos mais relevantes para a
educação não formalizada. Por outro lado, a museologia está se tornando o
domínio de artistas que aplicam suas experiências e teorias para construir seus
próprios projetos, frequentemente baseados na exposição de suas obras,
inclusive contemporâneas como intervenções e instalações, praticadas em
museus. Cabe ao curador gerir as exposições de demais atividades apoiadas
na inter-relação entre a museologia e a museografia, através das seguintes
metodologias:

1. Identificação dos visitantes: Os visitantes são pessoas que tomarão a


decisão de visitar a exposição. Eles viajarão para o museu de carro, táxi,
ônibus, metrô ou a pé para chegar à porta do museu. Cada um de nós tem
nossos próprios impulsos internos para tomar decisões, o curador precisa
entender por que o visitante está escolhendo visitar a exposição que planejou.

O que está influenciando a decisão do potencial visitante de gastar tempo


(e dinheiro) para chegar ao museu e visitar a exposição? Muitas vezes é útil
segmentar os tipos de visitantes, podemos ter: pais que levam seus filhos;
turistas e curiosos; pessoas do local; visitantes de fim de semana; estudantes e
pesquisadores. Cada um terá suas próprias motivações para visitar a
exposição; o curador precisa identificar esses motivos que vão ajuda-lo não só
a organizar a exposição quanto realizar a comunicação que visa atrair esses
visitantes.

2. Plano de Exposição: Todo museu é dividido em áreas. As áreas podem


ser chamadas galerias ou zonas, ou ainda épocas ou um tópico. Uma
exposição consiste em um grupo de artefatos organizados em torno de um
tópico. Como esta exposição “se encaixará” na experiência geral do museu?
Muitas vezes o curador precisa “mapear” a experiência de um visitante através
de sua jornada no museu: como ele estaciona o carro; compra os ingressos;
usa o banheiro; olha para o mapa do museu; percorre os espaços e observa os
itens expostos.

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Onde esta exposição se enquadra na experiência do museu do visitante? O
que o visitante espera ganhar? Outro fator é pesquisar o interesse dos
potenciais visitantes da exposição sobre o tema da exposição. Qual é o nível
de conhecimento deles? Quais são os seus interesses? Quais são as suas
perguntas? Muitas vezes o curador monta mesas ao lado da entrada de um
museu e faz apenas essas perguntas, e quanto mais casual melhor for a
abordagem melhor. Ter algumas pranchetas e pessoal para essas
investigações é essencial para obter informações decisivas sobre a eficiência
do que a exposição está tentando comunicar, e também para organizar um
museu "centrado no visitante" (KOTLER, 2017).

3. Descrição da Exposição: Em linguagem simples, o curador precisa


descrever a exposição, suas características e objetivos, tanto para a mídia
quanto para os potenciais visitantes. Alguns itens são cruciais para essa tarefa:
Qual é o tema da exposição? Qual a faixa etária para os visitantes? Qual é a
atmosfera da exposição? Quais são os planos de acessibilidade para todos os
visitantes? Muitas vezes é interessante começar com um gráfico de
acessibilidade, considerando também como as pessoas com necessidades de
acessibilidade podem visitam a exposição.

4. Planejamento da exposição: Neste item temos diversas questões: Qual


é o plano para materiais de exposição? Qual é o tempo de vida da exposição?
É melhor reutilizar ou reciclar a exposição? Qual é o tamanho do espaço de
exibição? Qual é o fornecimento de energia para o espaço? Terá som,
amplificadores? Onde serão os locais de entrada e saída? Qual é o acesso ao
espaço? Tamanho do elevador? Tamanhos de portas? Muitas vezes, é melhor
começar com uma pesquisa no site do espaço da exposição. Uma pesquisa da
planta do museu é essencial, e o próprio site pode mostrar o desenho do
espaço de exposição, indicando os locais de tomadas elétricas, registros de
ventilação e um plano de teto para colocação de iluminação.

5. Base de Dados: O curador precisará criar um sistema de numeração


para a exposição. Artefatos, desenhos, elementos de exibição, vídeo, tomadas

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elétricas, cada um precisará de um número ou uma identificação. Já existem
softwares específicos para isso à disposição dos museus.

6. Budget (Orçamento): Finalmente é preciso calcular o investimento que


será feita para organização da exposição e providenciar a sua promoção junto
aos públicos de interesse: Qual é o orçamento para a exposição? Existe a
necessidades de contratação de pessoal? Qual é a programação para o
design, fabricação e instalação da exposição? Quantas pessoas o curador está
planejando visitar a exposição? Como ele vai comercializar a exposição? Como
ele alcançará os potenciais visitantes da exposição, através de marketing
tradicional e/ou na internet? Será usada publicidade impressa? Colocação em
programas de televisão? Assessoria de imprensa e relações públicas serão
ativadas? Nunca é cedo demais para começar a planejar o marketing da
exposição.

Os passos do processo de planejamento e design da exposição são


semelhantes para os Museus de Arte, Museus de História Natural, Centros de
Ciência e Museus Infantis. As diferenças estão no desenvolvimento do
conteúdo, mas a metodologia é a mesma.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O treinamento formalizado de conservadores e a pesquisa de materiais e


técnicas de artistas baseados em princípios científicos, não se tornaram um
esforço sério até o século XX. Antes do século XVIII, a tarefa de limpar e
reparar pinturas caía invariavelmente nas mãos dos artistas. Um exemplo
famoso disso, citado por BRANDI (2016), ocorreu em 1603, quando Peter Paul
Rubens foi para a Espanha entregar um lote de pinturas ao rei Filipe III como
parte de uma missão diplomática. No caminho, entretanto, fortes tempestades
danificaram uma série de pinturas, que se pensava estarem arruinadas.

Em vez de depender de outros para realizar as restaurações, Rubens


assumiu a responsabilidade de repintar os danos, e os espectadores da corte
espanhola consideraram seus reparos como de qualidade excepcional. Nos
séculos XVIII e XIX, os restauradores aprenderam empiricamente seu ofício,
realizando sua prática com pouca compreensão dos processos de degradação
que afligem as obras de arte. Os resultados dessas intervenções,
especialmente os procedimentos de limpeza, foram desastrosos, na melhor das
hipóteses. A gama de materiais recomendados para limpeza de pinturas incluía
água, urina e soda cáustica; os dois últimos são especialmente prejudiciais às
camadas de tinta a óleo e aos delicados esmaltes aplicados pelos artistas
como toques finais em seu trabalho.

A limpeza excessiva das pinturas exigiu a repintura de áreas danificadas,


muitas vezes realizadas de maneira excessiva que obscurecia grandes porções
da composição original. Ao longo dos séculos XIX e XX, uma maior consciência
da qualidade variável dos tratamentos, especialmente a limpeza das pinturas,
chamou a atenção crítica para as práticas de restauração. A controvérsia mais
famosa, de acordo com BARROS (2018), surgiu em meados da década de
1840 na National Gallery, em Londres. A remoção de grossas camadas
marrons de verniz de algumas pinturas chocou alguns espectadores e
provocou um apaixonado debate público, que levou a Câmara dos Comuns a
nomear um comitê seleto para investigar a maneira pela qual as pinturas
estavam sendo tratadas nessa instituição.
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A discussão sobre os procedimentos de restauração e conservação
continuou inabalável desde então e, embora muitas questões ainda não
tenham sido resolvidas, uma atitude mais reflexiva se desenvolveu no campo
atualmente. Onde, no passado, o revestimento e a limpeza de pinturas eram
considerados como procedimentos rotineiros e necessários – algo a ser feito
naturalmente –, os tratamentos de conservação tornaram-se, ao longo do
último meio século, muito menos invasivos e frequentes.

Hoje, os conservadores realizam atividades abrangentes que vão além de


conservar e restaurar obras de arte. No cenário do museu moderno, é comum
que os conservadores realizem muitos procedimentos investigativos para
responder a perguntas sobre condição técnica artística e atribuição. Para fazer
isso, eles trabalham em estreita colaboração com cientistas da área de
conservação e usam uma série de técnicas de imagem, incluindo a
reflectografia infravermelha e a radiografia X. Amostras minúsculas de tinta são
tiradas e examinadas como seções transversais sob microscópios de alta
potência para determinar a estratigrafia e composição das camadas de tinta e
verniz, e a presença de restaurações e sujeira.

Muitos laboratórios de conservação também são equipados com


ferramentas não destrutivas, como analisadores de fluorescência de raios X
portáteis, que podem determinar rapidamente a composição elementar das
obras de arte. No âmbito da limpeza de pinturas, grandes avanços foram feitos
com a introdução de sistemas de limpeza de gel como uma alternativa para
misturas mais agressivas de solventes. O trabalho pioneiro dos profissionais de
arquiometria permite que os conservadores apliquem soluções de limpeza
controladas para pintar as superfícies, reduzindo assim o risco de inchaço e
lixiviação do meio de pintura.

As inovações introduzidas ao longo dos últimos cinquenta anos


proporcionam ao conservador uma gama incomparável de abordagens
impensáveis no início da conservação moderna. Combinado com uma
compreensão mais profunda das práticas do passado, considerações éticas e
filosóficas e a história de cada uma das obras de arte, uma abordagem mais

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científica e contida é possível quando os tratamentos e exames técnicos são
realizados.

As pinturas selecionadas para uma exposição oferecem ao espectador não


apenas a oportunidade de examinar pinturas compostas de uma variedade de
materiais e técnicas artísticas, mas também de considerar algumas questões
intrigantes sobre sua condição e conservação. Registros anteriores de
conservação são revisados, e as pinturas são examinadas visualmente e sob
luz ultravioleta visando um mínimo de alterações possíveis em relação à obra
original.

Perguntas sobre o estado de conservação de uma obra e recomendações


para mais trabalho analítico são detalhadas em relatórios escritos que são
revisados pelos colaboradores de diversas especialidades. Atualmente,
algumas pinturas estão entrando em coleções de museus relativamente
intactas, e estão em um estado puro de preservação, enquanto outras mostram
sinais de danos e várias intervenções de restauração. Exemplos citados por
WITTOCX (2018) indicam que uma pintura de Fra Angelico (pintor
renascentista), executada com aplicações finas e translúcidas de tinta
diretamente em seu suporte de painel de madeira macia, tem uma pequena
divisão vertical à esquerda da assinatura do artista, mas não mostra sinais de
foram limpos ou restaurados.

Em contraste, uma obra de Vincent van Gogh (pintor pós-impressionista)


passou por tratamentos invasivos, incluindo revestimento de cera em um
suporte de linho, limpeza seletiva do verniz e restauração de perdas de pintura.
Para complicar ainda mais, o próprio Van Gogh parece ter reutilizado uma tela
na qual ele havia pintado anteriormente uma composição totalmente diferente
para executar essa obra. Ao olho nu, no entanto, a maioria desses problemas e
condições não é aparente porque, no passado, os danos ou mudanças que
ocorriam na superfície da tinta foram escondidos pelos restauradores.

Foi apenas através das várias técnicas de imagem e análises com


aplicação da arquiometria, que foram recentemente desenvolvidas, que se

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tornou possível descobrir detalhes como esses. Trabalhando em colaboração
com curadores de museus, historiadores de arte e de arte técnica, e cientistas
conservacionistas, é possível ao restaurador interpretar evidências históricas e
descobertas analíticas para realizar o tratamento de conservação mais
criterioso possível, tanto para a preservação de longo prazo das pinturas
quanto para torná-la visualmente atraentes para o espectador que visita as
exposições, para aprecia-las e conhecer a sua história.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Júlio et. al. Restauração do patrimônio histórico. São Paulo, SESI
SENAI, 2018.

BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. São Paulo (Carapicuíba): Ateliê,


2016.

CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de Arte. São Paulo, Martins Fontes, 2015.

DEL CASTILLO, Sonia Salcedo. Arte de Expor. Curadoria como Expoesis. São
Paulo, Nau, 2015.

GOMBRICH, Ernest Hans. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2015.

HOFFMANN, Jens. Curadoria de A a Z. São Paulo, Abogó, 2017.

OBRIST, Hans Ulrich. Caminhos da Curadoria. São Paulo, Cobogó, 2014.

WITTOCX, Eva et. al. The Transhistorical Museum: Mapping The Field. EUA,
Valiz, 2018.

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