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3.

DO NOME CIVIL:

O nome civil das pessoas naturais é a forma pela qual as pessoas são identificadas
em sociedade e como elas se reconhecem enquanto membros de uma coletividade. Nas
palavras de Rubens Limongi França (1975):

O nome, de modo geral, é elemento indispensável ao próprio conhecimento,


porquanto é em tôrno dêle que a mente agrupa a série de atributos pertinentes aos
diversos indivíduos, o que permite a sua rápida caracterização e o seu
relacionamento com os demais [...] é através dêle que os respectivos titulares são
conhecidos e se dão a conhecer (p. 22)

Miguel Maria Serpa Lopes (1955, p. 167), em sua obra Tratado dos Registros
Públicos, considera que o nome é, simultaneamente, um direito e uma obrigação, portanto, é
um instituto jurídico que possui, concomitantemente, duas dimensões: uma pública e outra
privada. Esta se manifesta na forma pela qual o indivíduo se reconhece perante a coletividade,
enquanto aquela diz respeito ao meio pelo qual o Estado assegura a estabilidade quanto à
identificação dos sujeitos nas relações jurídicas firmadas.

3.1. História do nome civil:

Acredita-se que a origem da atribuição de um nome a um indivíduo se confunda


com a própria origem da humanidade, ao passo de que não se sabe de povo que desconhecesse
a designação pessoal.

Rubens Limongi França (1975, p. 27-36), em Do nome civil das pessoas naturais,
traça um panorama histórico acerca do nome civil. Na antiguidade, de acordo com o autor, os
povos Hebreus, em princípio utilizavam-se de um único nome: Esther, Rachel, Jacob, David e
apenas com o tempo acrescentaram-se outros nomes a este primeiro. Desde a antiguidade,
portanto, já era perceptível a relação criada entre o gênero do sujeito e seu nome. Enquanto as
mulheres eram chamadas de Esther ou Rachel, aos homens era conferido os nomes Jacob ou
David.

Os Romanos, por sua vez, adotavam um sistema mais complexo, composto por
até quatro elementos: prenome, nome, cognome e agnome. O prenome distinguia os membros
de uma mesma família, o nome designava a gens a que pertencia o indivíduo, o cognome
diferenciava as várias famílias em uma mesma gens, enquanto o agnome representava um
apelido por algum feito notório. No período dos imperadores Diocleciano e Maximiliano foi
promulgada uma constituição que possibilitava o homem livre de modificar o seu nome,
prenome ou cognome desde que não houvesse fraude.
Na Idade Média, por muito tempo, prevaleceu a denominação individual, o que
acontecia devido ao reconhecimento do sujeito como um ser autônomo e independente da
família. Outra influência importantíssima na formação dos nomes durante o medievo,
aconteceu quando o Papa S. Gregório Magno emitiu um decreto segundo o qual os pais
deveriam das às crianças nomes de santos; é possível perceber, nos nomes mais comuns dos
nossos dias, os efeitos provocados por esse decreto. Na Idade Média, então, o nome foi quase
sempre único e, comumente, constituído da denominação de algum santo da Igreja Católica.
(SERPA LOPES, 2005, p. 194).

Na cultura ocidental moderna é possível perceber alguma padronização no modo


de dar nome às pessoas:

predomina um traço comum que consiste em adotarem fundamentalmente uma


dupla denominação, composta do nome individual, seguido do nome de família.
Entretanto, outros elementos secundários do nome, ou até mesmo substitutivos
dêste, podem surgir, tais como: as alcunhas, os pseudônimos, os títulos, a partícula,
etc. (FRANÇA, 1975, p. 35)

No Brasil, a forma de denominar as pessoas apresenta os elementos


predominantes entre os povos integrantes da cultua ocidental. São dois os elementos básicos:
o prenome ou nome individual, destacado como designação do indivíduo; e o sobrenome
como característico de sua família, hereditariamente transmissível. (PEREIRA, 2013, p. 206)

3.2. Registro civil:

No Brasil, a regulação do registro do nome civil acontece nos termos da Lei 6.015/73
(Lei de Registros Públicos), conforme estabelecido em ser art. 1º, §1º, I. A mesma lei
determina, no art. 2º, que o registro civil das pessoas naturais “dão-se em ofícios privativos,
ou nos cartórios de registro de nascimentos, casamentos e óbitos” e funcionarão todos os dias,
sem exceções (art. 8º, parágrafo único), sendo que não poderão ser adiados (art. 10, parágrafo
único). Além disso, os registros de nascimento e óbito são gratuitos, assim como as primeiras
vias das respectivas certidões (art. 30) e outras vias, para os reconhecidamente pobres (art. 30,
§ 1º).

Dada sua importância, o nome possui caráter obrigatório, ou seja, toda pessoa, logo
que nasce, deve receber um nome. A Lei de Registros Públicos determina em seu art. 50 a
obrigatoriedade do registro de nascimento, nos termos do dispositivo:

Art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a
registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais,
dentro do prazo de quinze dias, que será ampliado em até três meses para os lugares
distantes mais de trinta quilômetros da sede do cartório.
O art. 54, por sua vez, lista uma série de informações que devem constar no registro,
entre elas: o sexo da criança e seu nome e prenome escolhidos pelos pais. Percebe-se diante
desse dispositivo a obrigatoriedade da determinação do gênero da pessoa no momento do
nascimento considerando apenas seu órgão genital e ao mesmo tempo a escolha de um nome
que seja consoante com a expectativa social existente em torno do gênero da criança.

Por fim, cabe destacar que, em regra, o prenome é definitivo, como forma de garantir
maior segurança para as relações jurídicas assumidas. Entretanto, o art. 58 admite a
possibilidade de substituição do prenome por apelidos públicos e notórios. Nas palavras de
Carlos Roberto Gonçalves (2012, p.167): “Se a pessoa é conhecida de todos por prenome
diverso do que consta de seu registro, a alteração pode ser requerida em juízo, pois prenome
imutável, segundo os tribunais, é aquele que foi posto em uso e não o que consta do registro”.

Sabe-se que o nome usado pelas pessoas transexuais é seu nome social 1, sendo o nome
de registro motivo de constrangimento e sofrimento nas situações em que há a obrigatoriedade
de seu uso.

3.3. Nome como direito personalíssimo:

No Direito Civil brasileiro, o nome goza de especial tutela e integra o rol dos direitos
personalíssimos no Capítulo II do Código Civil de 2002, que em seu art. 16 estabelece: “Toda
pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. O prenome é
aquele que individualiza o ser, é o que o especifica, é a forma primordial pela qual a
sociedade o reconhece; enquanto o sobrenome é o que identifica a procedência familiar do
sujeito.

4. O NOME COM SÍMBOLO DO GÊNERO:

O sexo biológico e o gênero não necessariamente se confundem. Enquanto o primeiro


é determinado biologicamente, o segundo é uma construção social, cultural que se manifesta
para além do sexo de forma auto-identitária. Como elemento de prova dessa distinção, pode-
se usar a própria existência de pessoas que não se reconhecem com o sexo designado no
nascimento conforme a genitália.

1
O nome social é o nome pelo qual “as pessoas transexuais se identificam e preferem ser
identificadas, enquanto o seu registro civil não é adequado à sua identidade e expressão de gênero”.
JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre Identidade de Gênero: Conceitos e Termos. 2
ed. Brasília, 2012.
Socialmente, o nome é reconhecido como um dos elementos de determinação do
sujeito enquanto homem ou mulher, em outras palavras, reconhece-se uma clara divisão entre
nomes femininos e masculinos de forma que não se pode negar a relação, culturalmente
construída desde a antiguidade, entre o nome e gênero correspondente.

A transexualidade se caracteriza por uma identidade que possibilita uma experiência


de gênero diversa daquela socialmente esperada, no sentido em que o sujeito reivindica um
reconhecimento social e legal diferente daquele culturalmente expectável para alguém nascido
com aquele determinado órgão genital. Em outros termos:

Cada pessoa transexual age de acordo com o que reconhece como próprio de seu
gênero: mulheres transexuais adotam nome, aparência e comportamentos femininos,
querem e precisam ser tratadas como quaisquer outras mulheres. Homens
transexuais adotam nome, aparência e comportamentos masculinos, querem e
precisam ser tratados como quaisquer outros homens. (JESUS, 2012, p. 15)

A dissonância entre o que consta nos documentos oficiais e à experiência auto-


identitária contribuem para processos de exclusão social e violência em torno das pessoas
transexuais.

Esse fato colabora de maneira acentuada com as 845 mortes de travestis e transexuais
no Brasil entre janeiro de 2008 e abril de 2016, segundo os dados da ONG internacional
Transgender Europe. De acordo com a ONG, “The situation in Brazil is especially worrying,
with 40% of the cases since January 2008, and 42% of the cases in 2016 so far worldwide”. 2
(http://transrespect.org/en/idahot-2016-tmm-update/)

Faz-se imprescindível, assim, a realização da retificação dos documentos oficiais das


pessoas transexuais, uma vez que consta neles o gênero diferente daquele com o qual a pessoa
se identifica e o nome de batismo, associado ao gênero do sexo biológico.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. 10 ed. São
Paulo: Saraiva, 2012.
2
A situação no Brasil é especialmente preocupante, com 40% dos casos desde janeiro de 2008 e
42% dos casos mundiais em 2016 até agora
JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre Identidade de Gênero: Conceitos e
Termos. 2 ed. Brasília, 2012.

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