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Max Weber e a Mídia 3
obtém o material oferecido ao público? É a ológicos dos seus produtos, muito menos a
partir destas questões que este ensaio busca relevância que esta tem no agendamento dos
discutir à luz dos estudos que daí se funda- debates de interesse público, consolidando
mentou. assim o direito à informação.
Neste momento preciso fazer uns aponta-
mentos para que o leitor possa tomar con-
2 As Teorias Centradas na
hecimento dos paradigmas que nortearam
as pesquisas em teoria da comunicação e, Agência
sobretudo, sociologia da mídia no século Uma teoria, ou mais precisamente um
XX. Umberto Eco lançou um livro célebre conjunto paradigmático é construído com a
que problematiza o caráter epistemológico intenção de responder a questões inerentes
(diriam ideológico, os mais afoitos) do con- a uma época. Isso quer dizer que uma teo-
hecimento construído em relação às mí- ria enquadra os elementos analíticos den-
dias e suas práticas cotidianas. Metaforica- tro de um quadro conceitual delimitado,
mente, Eco denomina de apocalípticos os que visa alcançar determinadas asserções.
autores que analisam o fenômeno midiático Melhor, as teorias não são desinteressadas
enquanto produto de alienação e confor- (BOURDIEU, 1997). Elas visam alcançar
mação social, servindo de elemento agre- um fim; seria, basicamente, ter a supremacia
gador e legitimador das classes dominantes explicativa dos fenômenos em detrimento de
no poder. Uma corrente bastante importante outras.
foi a Escola de Frankurt e seus estudos so- Max Weber esboçou uma sociologia cen-
bre a indústria cultural e seus produtos cul- trada nas ações dos indivíduos. São eles que
turais que reforçavam a alienação e a so- realizam as ações, que no seu cerne dispõem
ciedade de classes. Com isso, a cultura passa de um sentido visado que persegue um fim
a ser uma mera mercadoria, posta vulgar- (objetivo). O ponto de partida para o sen-
mente à venda. Alguns autores, entre eles tido social da ação está no indivíduo; por isso
BOUGNOUX (1999), afirmam que os apoc- poderíamos denominá-la de uma microsso-
alípticos são tecnofóbicos. Já os integra- ciologia. Em contrapartida, este autor afirma
dos assumiriam uma postura mais conser- que a ação do indivíduo só tem sentido se
vadora na análise dos fenômenos midiáti- for em referência a um ou outros indivíduos;
cos, sem questioná-los. Estes viam com bas- é uma ação relacional. Daí nasce o conceito
tante otimismo o advento dos meios técni- weberiano de relação social. Alguns autores
cos como forma de realização das potencial- contemporâneos evitam falar em indivíduo;
idades humanas; “o meio é a mensagem”, o sentido mais apropriado para denominar o
como disse MacLuhan. Desta feita, a inten- sujeito que confere sentido a ações práticas
cionalidade do meio não está na mensagem cotidianas é a agência.
que veicula, mas na própria configuração do O primeiro modelo teórico que assinalo
meio que está a mensagem. é o paradigma de Lasswell. Este esquema
Estudos mais recentes buscam integrar em teórico lasswelliano nasce no importante es-
suas análises uma interpretação da mídia que tudo do communication research dos Es-
não ignore os aspectos mercadológicos e ide-
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tados Unidos, marcadamente empírico que assinala que a influencia dos meios de co-
privilegiava as finalidades cognitivas inter- municação de massa “deriva mais das car-
nas do sistema midiático (WOLF, 2008). acterísticas do sistema social a eles circun-
Este paradigma tentava compreender a co- stante do que do conteúdo que difundem”.
municação de massa a partir das premis- Este paradigma abre perspectivas que dé-
sas quem (estudo dos emissores), diz o quê cadas depois vai alicerçar as reflexões sobre
(análise do conteúdo das mensagens), por a hipótese da agenda-setting.
qual canal (análise dos meios), a quem (au- Já os Cultural Studies debruçam-se na
diência) e com qual efeito (processos comu- análise das estruturas sociais e no contexto
nicacionais de massa). histórico enquanto variantes essenciais para
Este modelo paradigmático, como qual- compreender a ação dos meios de comuni-
quer outro, apresenta falhas em conceber o cação de massa. Esta teoria surge nos anos
processo comunicacional: a tese de que a 50 na Inglaterra no CCCS de Birmingham.
iniciativa seja primordialmente do comuni- WOLF (2008:103) considera que:
cador e que os púbicos apresentam os efeitos
O interesse dos cultural studies tende so-
das mensagens, com o tempo mostrou-se in-
bretudo a analisar uma forma específica
cipiente; o processo de interação perde sen-
de processo social, relativa à atribuição
tido se o percebermos no reducionismo do
de sentido à realidade, ao desenvolvi-
estímulo-resposta. O ponto a ressaltar é que
mento de uma cultura de práticas sociais
Lasswell, já nos anos 30 do século passado,
compartilhadas.
percebeu o viés intencional no processo, seja
nos emissores, seja nos públicos. Neste momento, constatamos as semel-
Lazarsfeld foi o principal teórico da abor- hanças de abordagens propostas por Max
dagem empírica ou dos “efeitos limitados”. Weber já em 1910 e as preocupações re-
É um paradigma que estrutura seu pensa- flexivas estudadas na Escola de Birming-
mento no viés sociológico e centra a análise ham. Esta abordagem não negligencia o as-
na capacidade de os meios de comunicação pecto macro dos condicionantes sociais “es-
de massa (mass media) como influenciador truturas sociais” muito menos no âmbito
dos públicos. A esse elemento interno dos onde as práticas se efetivam “agência”. Neste
meios de comunicação de massa Max We- processo social o elemento cultural assume
ber já havia alertado: como que estes meios proeminência, pois para WOLF (2008: 102):
emitem mensagens difusa e amplamente No conceito de cultura cabem tanto os
conseguem influenciar no nível individual. significados e os valores que surgem e
O diferencial deste paradigma é considerar se difundem nas classes e grupos soci-
importante o fato de os processos comunica- ais, quanto às práticas efetivamente re-
cionais ocorrerem a partir do contexto social alizadas. (grifo do autor).
em que eles se organizam. Não haveria um
apriorismo no processo; as mensagens são No epicentro do processo estariam os
decodificadas pelos agentes em detrimento meios de comunicação de massa, uma vez
de um contexto histórico. O aspecto histórico que seriam os elementos ativos de con-
não foi negligenciado. WOLF (2008: 37) struções coletivas de visões de mundo. Os
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Cultural Studies dividem sua análise em dois Colocar-se do lado de lá e estudar o con-
pólos: os meios e o consumo dá conseqüente. junto de ações dos nativos de outra cul-
Primeiramente, os meios de comunicação tura como um sistema, ou seja, um coer-
de massa são vistos numa perspectiva de ente em si mesmo.
produção. Esta produção consiste num “sis-
São incontestes as contribuições de Max
tema complexo de práticas determinantes
Weber para o método contemporâneo, con-
para elaboração da cultura e da imagem da
forme atesta PEIRANO (2000). Peirano
realidade social” (WOLF, 2008: 104). E em
acredita que esta releitura é possível porque
segundo lugar, o mundo do consumo da co-
a teoria social weberiana tem como ob-
municação de massa é percebido como um
jetivo “se definir como uma teoria de
lugar de negociação entre práticas diferenci-
valor com fundamento cultural” (PEIRANO,
adas. Os Cultural Studies distinguem-se da
2000: 93). Entre os antropólogos contem-
Teoria Crítica e da Teoria Funcionalista da
porâneos que têm Max Weber como inter-
mídia por considerar a realidade social como
locutor, são: Louis Dumont, Clifford Geertz
resultante de complexas negociações de sen-
e Stanley Tambiah. A novidade, ou o inusi-
tido e interesse que resultam em construções
tado, é que por vezes o método etnográ-
desta mesma realidade tendo como vetor os
fico passa a ser utilizado para compreender
meios de comunicação de massa.
não apenas as sociedades tradicionais, mas
Passo agora a fazer considerações sobre a
no campo da comunicação auxilia na análise
teoria etnográfica aplicada ao jornalismo e a
das rotinas de produção nas redações. Pode-
questão do indivíduo aí presente. Esta teo-
mos citar como exemplo o trabalho do pro-
ria em diferentes momentos serviu de instru-
fessor Alfredo Vizeu Pereira Junior 2 ao es-
mento de análise e compreensão dos fenô-
tudar as rotinas dos jornalistas e as reflexões
menos midiáticos. Os pesquisadores e al-
sobre o newsmaking, teoria da enunciação e
guns profissionais da Comunicação valeram-
a análise do discurso.
se do método etnográfico em grande me-
Seguindo metodologia semelhante à etno-
dida por conta da complexidade do fenô-
grafia, a corrente do New Journalism teve
meno da mídia, que abarca uma hetero-
grande importância no fazer jornalístico na
geneidade de campos e a incipiência de
década de 60 nos Estados Unidos. Nor-
explicá-lo tomando como aporte apenas um
man Mailer (Os nus e os mortos), Gay
campo disciplinar. Esta metodologia ex-
Talese (Fama e anonimato), Tom Wolfe (De
ige do pesquisador que não apenas ex-
Bauhaus ao nosso caos) e Truman Capote (A
plique os elementos culturais, mas aproprie-
sangue frio) foram os principais expoentes
se de suas manifestações, analisando-as num
desta modalidade de fazer o jornalismo.
movimento de dentro para fora; em outras
Não compreendeu um método de pesquisa
palavras, que o pesquisador seja analítico,
acadêmica; pelo contrário, foram os profis-
mas também agente das práticas que procura
compreender. Pena (2008: 151) explica que 2. Cf. PEREIRA JUNIOR, A.V. A produção dos
a etnografia tem como objetivo sentidos no jornalismo: da teoria da enunciação à
enunciação jornalística. Revista da FAMECOS, v. 22,
p. 107-116, 2003.
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aplicada à rotina de produção jornalística. scrição fiel da realidade. A realidade seria at-
Visto desta forma, o selecionador ou grupo estada pelo jornalista sob o estatuto do teste-
tem o poder decisório de permitir ou inter- munho. Essa visão romântica ainda encanta
romper a informação no seu fluxo. A rotina estudantes, mas não passa de uma quimera.
diária nas agências e redações, o deadline O jornalismo não é análogo ao real. É e sem-
entre outros fatores exigem do profissional a pre será a busca de conferir sentido a essa
capacidade de selecionar, dentre uma gama “realidade”. Vejamos agora um breve esboço
considerável de releases e acontecimentos sobre a teoria do newsmaking.
cotidianos e/ou extracotidianos o que deve O modelo teórico do newsmaking defende
ou não ser noticiável. a premissa de que o jornalismo produz dis-
curso, submetido a ingerências de várias
As decisões do gatekeeper são realizadas
naturezas para chegar àquilo que comu-
menos a partir de uma avaliação individ-
mente denominamos como notícia (PENA,
ual da noticiabilidade do que em relação
2008). Este modelo teórico tenta responder
a um conjunto de valores que incluem
a questão da imagem de mundo que é pas-
critérios, quer profissionais, quer orga-
sada pela mídia e sua correlação com as
nizativos, tais como a eficiência, a pro-
coerções e exigências na produção de notí-
dução de notícias, velocidade (ROBIN-
cias (WOLF, 2008). No processo de “man-
SON citado por WOLF, 2008: 186).
ufatura” da notícia, o newsmaking considera
O primeiro teórico a aplicar este con- alguns elementos constitutivos e decisórios
ceito no jornalismo foi M. White, em 1950. neste processo: a noticiabilidade, valores-
White pesquisou o fluxo das notícias den- notícia, constrangimentos organizacionais,
tro dos jornais com a intenção de obser- audiência e rotinas de produção. Nesta abor-
var como funcionavam os gates (cancelas). dagem há uma estreita interdependência en-
Este pesquisador chegou a conclusão que as tre a cultural profissional dos jornalistas e
decisões, deliberativas ou não, eram condi- como o trabalho destes está organizado no
cionadas por questões subjetivas, arbitrárias processo de produção.
e estas tomadas de posição eram oriundas A organização do trabalho jornalístico
do conjunto de valores intrínsecos ao gate- é que vai determinar o que é notícia.
keeper (selecionador) (PENA, 2008). Assim, Determina-se, segundo WOLF (2008), um
as decisões do gatekeeper são orientadas conjunto de critérios de relevância que de-
por uma lógica atrelada à atividade cotidi- fine o que é noticiabilidade em cada acontec-
ana do grupo redacional. A teoria do gate- imento, ou mais precisamente sua “aptidão”
keeper teve limitações que foram discutidas para tornar-se notícia. Noticiabilidade para
pelo paradigma da construção social da re- WOLF (2008: 196) corresponde:
alidade; o processo de seleção do material
Ao conjunto de critérios, operações e in-
a ser publicado tanto depende das decisões
strumentos com os quais os aparatos de
individuais quanto do contexto histórico que
informação enfrentam a tarefa de escol-
estas práticas estão circunscritas.
her cotidianamente, de um número im-
Muito se acreditou que o jornalismo e
previsível e indefinido de acontecimen-
suas práticas cotidianas tratassem de uma de-
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tos, uma quantidade finita e tendencial- “atributos que orientam principalmente a se-
mente estável de notícias. leção primária dos fatos – e, claro, que tam-
Érik Neveu, em seu Sociologia do jornal- bém interferem na seleção hierárquica desses
ismo (2006), parte do pressuposto de que fatos na hora do tratamento do material den-
a tipologia dos acontecimentos combinam tro das redações” (SILVA, 2005: 96-97).
os critérios de intencionalidade (comunicado Em seu texto, SILVA (2005) alerta para
de imprensa, por exemplo) ou não (aci- o aspecto agencial e ao mesmo tempo rela-
dente aéreo) como fatores geradores de in- cional na produção da notícia. Neste com-
formação. O estudo de NEVEU não nega a plexo processo de decidir o que é e o que
validade dos pressupostos da communication não é noticioso, há a figura do jornalista que
research, mas a complementa. As matérias- de acordo com critérios profissionais e subje-
primas da noticiabilidade são os aconteci- tivos decide que notícias “entram” e quais as
mentos do mundo. Embora estes “aconteci- que “caem”. Assim para SILVA (2005: 99):
mentos” sejam imprevisíveis e aleatórios, e Demarcar o conceito de valores-notícia
por isso mesmo, torna-se imperativo esta- no território do acontecimento em si
belecer critérios práticos de noticiabilidade não significa, porém, ignora a presença
para que viabilize a rotina de produção da do sujeito-jornalista diante da matéria-
notícia. Sem isso, tornar-se-ia impossível o prima noticiosa. (grifo meu).
ofício de jornalista, pois para SILVA (2005:
Ao terminar o texto, SILVA (2005) afirma
97) uma vez que:
que os valores-notícia como atributos de
A necessidade de se pensar sobre acontecimento e deve-se, sim, reconhecê-los
critérios de noticiabilidade surge diante como construção social da realidade e que
da constatação prática de que não há es- a prática jornalística os enfeixa a partir de
paço nos veículos informativos para a referenciais pragmáticos circunscritos num
publicação ou veiculação da infinidade dado contexto histórico. Assim, os valores-
de acontecimentos que ocorrem no dia- notícia são marcas de representação da real-
a-dia. Frente a volume tão grande de idade.
matéria prima, é preciso estratificar para De forma introdutória, realizei a tarefa de
escolher qual acontecimento é mais mapear os paradigmas precursores e mais at-
merecedor de adquirir existência pública uais em estudos de mídia focados no estatuto
como notícia. individual no processo de construção da re-
Num estudo preliminar sobre os critérios alidade midiática. Agora, empreendo as re-
de noticiabilidade, Gislene Silva (2005) sis- lações necessárias entre o pensamento we-
tematiza estes critérios na origem dos fatos beriano presente no texto Sociologia da im-
e seu processo de seleção primária na rotina prensa e as correspondências à luz dos estu-
de produção jornalística. Os valores-notícia dos acima relacionados.
compreendem um componente da noticiabil-
idade e são usados para sistematizar o tra-
balho na organização. Segundo Silva (2005)
os valores-notícia podem definidos como
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mesmos problemas são discutidos dentro setting é elaborada justamente para enten-
e fora do jornal, a aparente inibição dos der esta característica dos meios de comu-
jornais com tudo que é emocional, o que, nicação de massa, que é a veiculação de
por outro lado, constitui uma e outra vez notícias e, subjacente a ela, idéias. A na-
a base de sua própria existência, e outras tureza do “tornar-se público” é percebida
questões parecidas. (grifo meu). num processo cognitivo que tenta conhecer a
dinâmica da sociedade de massa e relatar os
Acredito que a abordagem quantitativa em
acontecimentos de modo padronizado e sis-
muito beneficiou à sociologia seja nos estu-
temático.
dos dos emissores, da recepção, dos conteú-
Essa pergunta que Max Weber sugere
dos e principalmente da audiência. Há uma
que seja objeto de estudos em sociologia,
infinidade de trabalhos acadêmicos que uti-
PENA (2008) considera a mais relevante per-
liza essa ferramenta metodológica para anal-
gunta em teoria do jornalismo. Segundo ele
isar os dados colhidos em campo ou docu-
(PENA, 2008: 71):
mentalmente.
Num trecho do texto Sociologia de im- ‘Revelar o modo como as notícias são
prensa, Max Weber nos invoca a questionar produzidas é mais do que a chave para
a prática jornalística no que diz respeito ao compreender o seu significado, é con-
que deve tornar-se público (WEBER, 2005: tribuir para o aperfeiçoamento da so-
15). Conforme enfatizei neste ensaio, é jus- ciedade’
tamente o principal tema de discussão nas
A prática jornalística seria um vetor de
pesquisas americana e européia no século
representação do mundo. Esta representação
passado. A perspectiva de que a prática jor-
oferecida pela mídia de modo geral seria
nalística e o tratamento da informação es-
uma forma de construção social da reali-
tavam estritamente relacionados a critérios
dade. Neste momento alerto para a inade-
de novidade, proximidade geográfica e do
quação da proposição que pergunta: o que
pitoresco foi a pauta dos primeiros estu-
deve ser público? Considero a formulação in-
dos; obviamente, com o desenvolvimento
adequada no presente momento. Seria mais
dos meios técnicos, esta hipótese já não
oportuno inquirir: como um fato passa a ser
cabia mais. O processo de produção da notí-
público? A questão deixaria o espaço do de-
cia não estaria enfeixado num regime lin-
ver (portanto da ética) e passaria para o sta-
ear entre emissor – mensagem – receptor.
tus de processo.
É a partir de paradigmas como os Cultural
Sem dúvida esta é uma questão complexa
Studies que o processo é visto sob a inter-
que este ensaio não tem condições de re-
dependência entre estrutura e agência, numa
sponder, mas sugere a abertura do debate.
intercambiação recíproca e necessária.
A sociologia é um postulado teórico que
Encaminhada a proposição de que a mate-
surge para entender a sociedade européia em
rialidade do meio (alguns meios, vale salien-
transformação. Como diria ELIAS (2001)
tar), auxiliar na busca de compreensão deste,
a sociedade de corte sendo paulatinamente
agora me atenho à questão do que deve
substituída pela de massa. Os meios técni-
tornar-se público. A hipótese do agenda-
cos efetuaram significativas transformações
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ação às rotinas de produção jornalística, não O autor alemão ressalta que a imprensa é
excluem nem negam este caráter ideológico uma empresa capitalista privada e que pre-
da mídia. Ajuda a desvendá-la. cisa conciliar interesses mercantis com ex-
Max Weber e sua obra foram de extrema pectativas “democráticas”, embora este as-
importância para a constituição da sociolo- pecto resulte numa grande fonte de equívo-
gia como campo de estudo. Este texto de So- cos na definição do próprio papel desta na
ciologia de imprensa causa surpresa porque sociedade ocidental. Weber esboça, a exem-
confirma a excepcionalidade do pensamento plo de sua famosa obra A ciência como vo-
weberiano. Este autor lança preocupações cação, o ofício de jornalista no mundo mod-
em diversos âmbitos: perpassa pela questão erno. Preocupa-se com a formação do profis-
da esfera das relações de poder entre a im- sional e as peculiaridades da profissão em
prensa, os anunciantes e assinantes dos jor- vários países europeus. Afinal, o trabalho do
nais, os interesses destes nem sempre em jornalista é vendido ao empresário, que es-
consonância aos fins perseguidos por aquela. pera daquele expectativas e condutas deter-
Weber lança questionamentos que somente minadas. Weber ainda propõe a discussão do
com as reflexões da Escola de Frankfurt a papel da imprensa enquanto agente suprain-
imprensa e seus discursos ideológicos vão dividual estruturador de idéias, visões e mo-
ser problematizados e explicados à luz da dos de agir peculiar surgente no Ocidente.
sociedade de acumulação capitalista. Outra A partir de reconfigurações de antigas con-
questão instilada pelo autor é o off, recurso cepções de mundo, sem dúvida a imprensa
bastante comum no cotidiano da imprensa. colabora com a construção de novas atitudes.
Eis uma nova problematização: a imprensa é O material de análise de pesquisa seria por
livre para denunciar o que quiser? E se de- excelência o próprio jornal; daí se extrairia
nuncia, em quais condições? É justo utilizar estudos que privilegiariam os estilos, os dis-
o off como ferramenta de testemunho se não cursos, as relações de poder aí presentes,
pode informar a fonte da informação? Pode- tanto dentro quanto fora do jornal.
mos observar que estas questões deontológi- O homem tem que estar atento aos prob-
cas ainda hoje suscitam debates para definir lemas que dizem respeito a sua época, já
quais os limites da imprensa ou, melhor sentenciava Max Weber há quase cem anos
dizendo, os limites do exercício da prática atrás. E nós, sejamos acadêmicos ou não,
jornalística. Weber alerta indiretamente para temos o dever de questionar a produção jor-
o caráter sensacionalista e espetacularista da nalística, tendo como referencial a busca de
imprensa, já neste momento histórico. uma sociedade mais justa.
Em livro denominado A sociedade de es-
petáculo (1997), Guy Debord estuda e anal-
5 Referências Bibliográficas
isa as transformações por que passou e passa
a sociedade ocidental e observa uma signi- AMARAL, Márcia Franz. Os (des) camin-
ficativa espetacularização das práticas soci- hos da notícia rumo ao entretenimento.
ais e dos modos de vida. Weber antecipa este Ano V. Número 1. 1ž semestre de 2008.
debate muitas décadas antes... Florianópolis, UFSC. Disponível em
www.periodicos.ufsc.br/index.php/
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