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Max Weber e a Mídia

Influência do pensamento weberiano nos estudos dos


fenômenos midiáticos no século XX : apontamentos
introdutórios
Rubens Elias da Silva

Índice vas e, com isso, suscitar novos debates e dis-


cussões. Num texto pouco conhecido, escrito
1 Introdução 1 para a Associação de Sociologia (Archiv für
2 As Teorias Centradas na Agência 3 Sozialwissenschaft), denominado Sociologia
3 Abordagens da Sociologia dos Emis- de imprensa: um programa de pesquisa, We-
sores : o olhar lançado sobre agentes 6 ber já porfia em 1910 significativas consid-
4 Considerações finais 9 erações teórico-metodológicas voltadas para
5 Referências Bibliográficas 13 uma nova instância de poder na Europa Oci-
dental e nos Estados Unidos: a imprensa, ou
mais numa nomenclatura atual, a mídia. É
Influência do pensamento weberiano nos um texto curto, direto, com tom de conversa
estudos dos fenômenos midiáticos no sé- franca que se debruça sobre as questões da
culo XX : apontamentos introdutórios 1 mídia, a produção social da notícia e a con-
seqüente tensão entre espaço público e es-
“O meio propõe, o indivíduo dispõe”.
paço privado, além da subjacente instilação
Daniel Bougnoux
do processo, hoje vulgar e notório, da es-
petacularização das notícias. Este trabalho
1 Introdução tem como objetivo analisar qualitativamente
as propostas de pesquisa sugeridas por Max
Este ensaio não pretende esvaziar o tema
Weber e como elas foram desenvolvidas ao
acerca da influência do pensamento de Max
longo dos estudos de sociologia da mídia.
Weber nos estudos sociológicos da mídia no
Max Weber foi um pensador que pro-
efervescente século XX; pelo contrário, in-
duziu uma obra vasta e sua sociologia é
tenta elaborar caminhos, ventilar perspecti-
conhecida como compreensiva. É notória a
1. Ensaio realizado como requisito de conclusão contribuição que este oferece para o desen-
da disciplina Sociologia da Mídia, ministrada pelo volvimento metodológico e interpretativo da
professor Dr. Wellington Pereira do PPGS / UFPB. sociedade ocidental de seu tempo: Estado
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e suas formas de dominação, a empresa e duta enquanto visão de mundo. Corrobo-


seus mecanismos de racionalização e hier- rando com essa minha visão, BOUGNOUX
arquização, as religiões e seu caráter so- (1999), concorda que a invenção dos tipos
cial e, por fim, a esquematização de uma móveis por Gutenberg (em meados de 1450)
ética antinômica própria da condição hu- acelerou a difusão dos livros e o acesso
mana. Uma importante démarche do pensa- direto dos leitores a múltiplas mensagens;
mento weberiano é a compreensão racional teria favorecido, assim, a cisão protestante
do movimento histórico a partir de práti- mas, também, o espírito do livre julgar,
cas que se abrem para determinados cam- preparando o terreno para a propagação
pos de possibilidades e não de outros. Daí do racionalismo e a filosofia das luzes. O
decorre preocupações como: por que deter- homem e sua capacidade de julgar e decidir
minadas culturas aderem a distintas escolhas passa a ser a força motriz dos processos so-
e renegam outras? A ética protestante de o ciais.
espírito do capitalismo (2000) é um exem- Max Weber era consciente disso e deixa
plo claro desta metodologia interpretativa do claro sua preocupação neste texto; não toma
curso histórico fluido que Weber propõe à a ingênua postura de criticar a prática dis-
imprensa naquele artigo. Embora Weber não cursiva da imprensa como elemento desagre-
seja intersticialmente um autor de referência gador, mas propõe interpretá-la por um viés
aos estudos midiológicos, no texto Sociolo- compreensivo, ao ponto de querer explicar
gia de imprensa ele antecipa as tendências por que a sociedade ocidental tomou a si o
e preocupações a que sociólogos, antropól- papel de grande relevância no agendamento
ogos e filósofos vão se debruçar a partir da dos assuntos da vida comunal. Ele perspi-
segunda década do século passado com re- cazmente capta a idéia de que a imprensa
lação ao fenômeno da mídia. tornará tênue o limite entre o que é de inter-
É inegável que o fenômeno da imprensa esse público e o que é de foro privado, e ob-
começava a tomar proporções massivas e serva aí diferenças significativas no savoir-
associando-se necessariamente ao Estado faire do jornalismo americano do francês.
democrático moderno ocidental. A Europa, Este autor lança mão de uma série de inda-
séculos antes, passou por significativas trans- gações que, mesmo não se propondo a re-
formações técnico-sociais: o advento de uma sponder, passa a fazer parte da agenda dos
cultura escrita se sobrepondo a uma cultura pesquisadores logo após o falecimento deste.
oral. Depois do papiro egípcio e do papel, Max Weber indaga-se: se a imprensa não
surge na Europa uma nova forma de propa- existisse, como seriam as formas da vida
gação das informações através da impressão. moderna? O que se tornará público e o que
Com isso, as informações passam a ter um não? Quem é que está autorizado a falar
valor singular, além de virem não mais na imprensa? E em quais condições? Quais
num suporte biológico, mas físico (PENA, concepções de mundo orientam as condu-
2008). Para que houvesse uma circulação efi- tas dos jornais? Que tomadas de posição daí
ciente da informação, tornava-se necessário provêm? Quem são as fontes das notícias?
uma mudança conjuntural da sociedade, uma Quais interesses estão em jogo neste pro-
mudança, como diria Max Weber, da con- cesso social? De onde e como a imprensa

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obtém o material oferecido ao público? É a ológicos dos seus produtos, muito menos a
partir destas questões que este ensaio busca relevância que esta tem no agendamento dos
discutir à luz dos estudos que daí se funda- debates de interesse público, consolidando
mentou. assim o direito à informação.
Neste momento preciso fazer uns aponta-
mentos para que o leitor possa tomar con-
2 As Teorias Centradas na
hecimento dos paradigmas que nortearam
as pesquisas em teoria da comunicação e, Agência
sobretudo, sociologia da mídia no século Uma teoria, ou mais precisamente um
XX. Umberto Eco lançou um livro célebre conjunto paradigmático é construído com a
que problematiza o caráter epistemológico intenção de responder a questões inerentes
(diriam ideológico, os mais afoitos) do con- a uma época. Isso quer dizer que uma teo-
hecimento construído em relação às mí- ria enquadra os elementos analíticos den-
dias e suas práticas cotidianas. Metaforica- tro de um quadro conceitual delimitado,
mente, Eco denomina de apocalípticos os que visa alcançar determinadas asserções.
autores que analisam o fenômeno midiático Melhor, as teorias não são desinteressadas
enquanto produto de alienação e confor- (BOURDIEU, 1997). Elas visam alcançar
mação social, servindo de elemento agre- um fim; seria, basicamente, ter a supremacia
gador e legitimador das classes dominantes explicativa dos fenômenos em detrimento de
no poder. Uma corrente bastante importante outras.
foi a Escola de Frankurt e seus estudos so- Max Weber esboçou uma sociologia cen-
bre a indústria cultural e seus produtos cul- trada nas ações dos indivíduos. São eles que
turais que reforçavam a alienação e a so- realizam as ações, que no seu cerne dispõem
ciedade de classes. Com isso, a cultura passa de um sentido visado que persegue um fim
a ser uma mera mercadoria, posta vulgar- (objetivo). O ponto de partida para o sen-
mente à venda. Alguns autores, entre eles tido social da ação está no indivíduo; por isso
BOUGNOUX (1999), afirmam que os apoc- poderíamos denominá-la de uma microsso-
alípticos são tecnofóbicos. Já os integra- ciologia. Em contrapartida, este autor afirma
dos assumiriam uma postura mais conser- que a ação do indivíduo só tem sentido se
vadora na análise dos fenômenos midiáti- for em referência a um ou outros indivíduos;
cos, sem questioná-los. Estes viam com bas- é uma ação relacional. Daí nasce o conceito
tante otimismo o advento dos meios técni- weberiano de relação social. Alguns autores
cos como forma de realização das potencial- contemporâneos evitam falar em indivíduo;
idades humanas; “o meio é a mensagem”, o sentido mais apropriado para denominar o
como disse MacLuhan. Desta feita, a inten- sujeito que confere sentido a ações práticas
cionalidade do meio não está na mensagem cotidianas é a agência.
que veicula, mas na própria configuração do O primeiro modelo teórico que assinalo
meio que está a mensagem. é o paradigma de Lasswell. Este esquema
Estudos mais recentes buscam integrar em teórico lasswelliano nasce no importante es-
suas análises uma interpretação da mídia que tudo do communication research dos Es-
não ignore os aspectos mercadológicos e ide-

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tados Unidos, marcadamente empírico que assinala que a influencia dos meios de co-
privilegiava as finalidades cognitivas inter- municação de massa “deriva mais das car-
nas do sistema midiático (WOLF, 2008). acterísticas do sistema social a eles circun-
Este paradigma tentava compreender a co- stante do que do conteúdo que difundem”.
municação de massa a partir das premis- Este paradigma abre perspectivas que dé-
sas quem (estudo dos emissores), diz o quê cadas depois vai alicerçar as reflexões sobre
(análise do conteúdo das mensagens), por a hipótese da agenda-setting.
qual canal (análise dos meios), a quem (au- Já os Cultural Studies debruçam-se na
diência) e com qual efeito (processos comu- análise das estruturas sociais e no contexto
nicacionais de massa). histórico enquanto variantes essenciais para
Este modelo paradigmático, como qual- compreender a ação dos meios de comuni-
quer outro, apresenta falhas em conceber o cação de massa. Esta teoria surge nos anos
processo comunicacional: a tese de que a 50 na Inglaterra no CCCS de Birmingham.
iniciativa seja primordialmente do comuni- WOLF (2008:103) considera que:
cador e que os púbicos apresentam os efeitos
O interesse dos cultural studies tende so-
das mensagens, com o tempo mostrou-se in-
bretudo a analisar uma forma específica
cipiente; o processo de interação perde sen-
de processo social, relativa à atribuição
tido se o percebermos no reducionismo do
de sentido à realidade, ao desenvolvi-
estímulo-resposta. O ponto a ressaltar é que
mento de uma cultura de práticas sociais
Lasswell, já nos anos 30 do século passado,
compartilhadas.
percebeu o viés intencional no processo, seja
nos emissores, seja nos públicos. Neste momento, constatamos as semel-
Lazarsfeld foi o principal teórico da abor- hanças de abordagens propostas por Max
dagem empírica ou dos “efeitos limitados”. Weber já em 1910 e as preocupações re-
É um paradigma que estrutura seu pensa- flexivas estudadas na Escola de Birming-
mento no viés sociológico e centra a análise ham. Esta abordagem não negligencia o as-
na capacidade de os meios de comunicação pecto macro dos condicionantes sociais “es-
de massa (mass media) como influenciador truturas sociais” muito menos no âmbito
dos públicos. A esse elemento interno dos onde as práticas se efetivam “agência”. Neste
meios de comunicação de massa Max We- processo social o elemento cultural assume
ber já havia alertado: como que estes meios proeminência, pois para WOLF (2008: 102):
emitem mensagens difusa e amplamente No conceito de cultura cabem tanto os
conseguem influenciar no nível individual. significados e os valores que surgem e
O diferencial deste paradigma é considerar se difundem nas classes e grupos soci-
importante o fato de os processos comunica- ais, quanto às práticas efetivamente re-
cionais ocorrerem a partir do contexto social alizadas. (grifo do autor).
em que eles se organizam. Não haveria um
apriorismo no processo; as mensagens são No epicentro do processo estariam os
decodificadas pelos agentes em detrimento meios de comunicação de massa, uma vez
de um contexto histórico. O aspecto histórico que seriam os elementos ativos de con-
não foi negligenciado. WOLF (2008: 37) struções coletivas de visões de mundo. Os

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Cultural Studies dividem sua análise em dois Colocar-se do lado de lá e estudar o con-
pólos: os meios e o consumo dá conseqüente. junto de ações dos nativos de outra cul-
Primeiramente, os meios de comunicação tura como um sistema, ou seja, um coer-
de massa são vistos numa perspectiva de ente em si mesmo.
produção. Esta produção consiste num “sis-
São incontestes as contribuições de Max
tema complexo de práticas determinantes
Weber para o método contemporâneo, con-
para elaboração da cultura e da imagem da
forme atesta PEIRANO (2000). Peirano
realidade social” (WOLF, 2008: 104). E em
acredita que esta releitura é possível porque
segundo lugar, o mundo do consumo da co-
a teoria social weberiana tem como ob-
municação de massa é percebido como um
jetivo “se definir como uma teoria de
lugar de negociação entre práticas diferenci-
valor com fundamento cultural” (PEIRANO,
adas. Os Cultural Studies distinguem-se da
2000: 93). Entre os antropólogos contem-
Teoria Crítica e da Teoria Funcionalista da
porâneos que têm Max Weber como inter-
mídia por considerar a realidade social como
locutor, são: Louis Dumont, Clifford Geertz
resultante de complexas negociações de sen-
e Stanley Tambiah. A novidade, ou o inusi-
tido e interesse que resultam em construções
tado, é que por vezes o método etnográ-
desta mesma realidade tendo como vetor os
fico passa a ser utilizado para compreender
meios de comunicação de massa.
não apenas as sociedades tradicionais, mas
Passo agora a fazer considerações sobre a
no campo da comunicação auxilia na análise
teoria etnográfica aplicada ao jornalismo e a
das rotinas de produção nas redações. Pode-
questão do indivíduo aí presente. Esta teo-
mos citar como exemplo o trabalho do pro-
ria em diferentes momentos serviu de instru-
fessor Alfredo Vizeu Pereira Junior 2 ao es-
mento de análise e compreensão dos fenô-
tudar as rotinas dos jornalistas e as reflexões
menos midiáticos. Os pesquisadores e al-
sobre o newsmaking, teoria da enunciação e
guns profissionais da Comunicação valeram-
a análise do discurso.
se do método etnográfico em grande me-
Seguindo metodologia semelhante à etno-
dida por conta da complexidade do fenô-
grafia, a corrente do New Journalism teve
meno da mídia, que abarca uma hetero-
grande importância no fazer jornalístico na
geneidade de campos e a incipiência de
década de 60 nos Estados Unidos. Nor-
explicá-lo tomando como aporte apenas um
man Mailer (Os nus e os mortos), Gay
campo disciplinar. Esta metodologia ex-
Talese (Fama e anonimato), Tom Wolfe (De
ige do pesquisador que não apenas ex-
Bauhaus ao nosso caos) e Truman Capote (A
plique os elementos culturais, mas aproprie-
sangue frio) foram os principais expoentes
se de suas manifestações, analisando-as num
desta modalidade de fazer o jornalismo.
movimento de dentro para fora; em outras
Não compreendeu um método de pesquisa
palavras, que o pesquisador seja analítico,
acadêmica; pelo contrário, foram os profis-
mas também agente das práticas que procura
compreender. Pena (2008: 151) explica que 2. Cf. PEREIRA JUNIOR, A.V. A produção dos
a etnografia tem como objetivo sentidos no jornalismo: da teoria da enunciação à
enunciação jornalística. Revista da FAMECOS, v. 22,
p. 107-116, 2003.

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sionais do jornalismo que se apoderaram de de século passado, reagindo aos pressupos-


um método de investigação muito próximo tos da abordagem empírica dos efeitos lim-
da narrativa literária para cobrir aconteci- itados. Os teóricos que desenvolvem esta
mentos de forte impacto social ou de apelo hipótese foram Lippmann, Lang e Noelle
sociológico. O que me interessa neste mo- Neumann. A contribuição da idéia de agen-
mento é associar, com justeza, o método do damento (ou agenda-setting) é a de propor
New Journalism a uma busca de dar mais que a mídia não tenta persuadir os públicos
poder ao agente que enuncia, conferindo sig- verticalmente. O caráter primevo da mídia
nificados aos acontecimentos. é elaborar discursos acerca dos fatos cotidi-
Passarei agora para um esboço descritivo anos ou extracotidianos e oferecer aos públi-
do que tem significado para o campo cos como que num menu. Nesse processo
de pesquisa da Comunicação as hipóteses dinâmico e complexo a mídia seleciona ou
lançadas pela sociologia dos emissores. exclui os acontecimentos a serem distribuí-
dos (ou melhor, divulgados) os públicos e
estes, também, seleciona ou exclui os acon-
3 Abordagens da Sociologia dos
tecimentos que deseja debater. Eis a hipótese
Emissores : o olhar lançado de SHAW citado por WOLF (2008: 143):
sobre agentes
Em consequência da ação dos jornais,
Prefiro não me reportar às abordagens da televisão e dos outros meios de in-
a seguir com a nomenclatura de tendên- formação, o público ciente ou ignora,
cia (WOLF, 2008), porque pressupõe efe- presta atenção ou descuida, enfatiza ou
meridade, o que certamente não é o caso. negligencia elementos específicos dos
As pesquisas em Comunicação e os re- cenários públicos. As pessoas tendem a
spectivos aportes teóricos nas abordagens incluir ou excluir dos seus próprios con-
contemporâneas buscam romper com o de- hecimentos aquilo que os mass media in-
terminismo da Teoria Funcionalista e do cluem ou excluem dos próprios conheci-
fatalismo da Teoria Crítica. Estes estudos mentos o que a mídia inclui ou exclui do
recentes procuram analisar os fenômenos próprio conteúdo. Além disso, o público
midiáticos como construções possíveis da tende a conferir ao que ele inclui uma
realidade determinadas por diversas esferas importância que reflete de perto a ênfase
(social, econômica, cultural, histórica, ide- atribuída pelos meios de comunicação de
ológica, profissional); porém, os aspectos massa aos acontecimentos, aos proble-
pragmáticos do fazer profissional são consid- mas, às pessoas.
erados cruciais para a compreensão do fenô- Posso agora fazer uma ressalva à teoria do
meno e o “sujeito” é novamente posto em ev- agendamento. Há muito havia sido negligen-
idência para as discussões sobre os critérios ciado o aspecto “administrativo” como var-
de construção da realidade a partir dos me- iável importante do processo social de pro-
dia. dução da notícia. O agendamento traz à baila
A Teoria do agenda-setting é desen- de discussão que os profissionais do jor-
volvida nos Estados Unidos nos anos 70 nalismo cognitivamente constróem (respei-

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tando inumeráveis pressupostos pessoais, so- de sentido e valor às mensagens midiáti-


ciais, econômicos, ideológicos), a notícia cas. Com isso, os jornalistas de modo geral
para os públicos. Para os defensores do agen- desenvolvem seus critérios de noticiabili-
damento, a mídia influencia na formação e dade tendo como lógica primordial as roti-
mudança de cognições e como estas pessoas nas de produção e os respectivos critérios de
formam seu conhecimento sobre o mundo relevância.
(PENA, 2008: 144). E é nesta constatação A possibilidade de inclusão e exclusão de
que defendo a idéia de que a proposta temas no debate público remete à questão
metodológica de Max Weber faz todo o sen- basilar da sinergia entre a agenda midiática
tido de ser associada a uma sociologia das e a agenda pública (WOLF, 2008), (PENA,
rotinas de produção jornalística. Vejamos o 2008). Este aspecto de confluência dentre
que Shaw citado por Wolf (2008: 146) afirma a agenda midiática e o que se debate em
sobre esta peculiaridade prática do exercício público preocupou Max Weber. Discuto a
do jornalismo: questão da esfera pública adiante.
A realidade social, na perspectiva do agen-
A maneira de hierarquizar os acon-
damento, pode ser compreendida como uma
tecimentos ou os temas públicos im-
construção de imagens e discursos. Esta con-
portantes, por parte de um indivíduo,
statação permite afirmar que a lógica da notí-
assemelha-se à avaliação desses mesmos
cia repousa na repercussão social e cont-
problemas praticada pela mídia, mas ape-
role sobre a ação dos indivíduos na esfera
nas se a agenda dos meios de comuni-
pública e privada. Segundo Neumann, citado
cação de massa for medida em relação
por Wolf, a ação midiática é cumulativa, pois
a um período longo de tempo, como um
cria e mantém relevância sobre um tema;
efeito cumulativo. (grifo meu).
os processos sociais de informação tendem
Para a sociologia compreensiva é o indiví- a ser mais semelhantes do que díspares,
duo historicamente situado que confere sen- portanto consonantes; por fim, onipresente,
tido às atitudes com referência ao grupo que posto que a mídia está em todos os lugares,
adere. A capacidade cognitiva só tem vali- pautando temas.
dade se for centrada no indivíduo, por isso Os estudos recentes em teoria do jornal-
novamente reforço a singularidade destas ismo têm o mérito de associar os campos
novas pesquisas em detrimento dos paradig- da sociologia e da comunicação, de modo a
mas funcionalista e materialista. E é o profis- aprofundar a análise da mídia. Num primeiro
sional da mídia que dá “sentido ao que ob- momento estas pesquisas se preocuparam
servamos” (WOLF, 2008: 145). Max We- com a cognição dos emissores e os respec-
ber em sua famosa palestra sobre imprensa tivos processos de confecção da notícia e sua
havia chamado a atenção para a necessidade publicabilidade. Kurt Lewin em 1947 realiza
de estudar os condicionantes que tornam um um estudo sobre o gatekeeper (selecionador)
acontecimento passível de relevância pública que correspondia aos hábitos alimentares
(WEBER, 2005: 14). A hipótese do agen- e a mudança destes. Os pesquisadores em
damento lança mão da idéia da noticiabil- Comunicação apropriaram-se do conceito e
idade como um mecanismo de atribuição desenvolveram a tipificação do gatekeeper

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aplicada à rotina de produção jornalística. scrição fiel da realidade. A realidade seria at-
Visto desta forma, o selecionador ou grupo estada pelo jornalista sob o estatuto do teste-
tem o poder decisório de permitir ou inter- munho. Essa visão romântica ainda encanta
romper a informação no seu fluxo. A rotina estudantes, mas não passa de uma quimera.
diária nas agências e redações, o deadline O jornalismo não é análogo ao real. É e sem-
entre outros fatores exigem do profissional a pre será a busca de conferir sentido a essa
capacidade de selecionar, dentre uma gama “realidade”. Vejamos agora um breve esboço
considerável de releases e acontecimentos sobre a teoria do newsmaking.
cotidianos e/ou extracotidianos o que deve O modelo teórico do newsmaking defende
ou não ser noticiável. a premissa de que o jornalismo produz dis-
curso, submetido a ingerências de várias
As decisões do gatekeeper são realizadas
naturezas para chegar àquilo que comu-
menos a partir de uma avaliação individ-
mente denominamos como notícia (PENA,
ual da noticiabilidade do que em relação
2008). Este modelo teórico tenta responder
a um conjunto de valores que incluem
a questão da imagem de mundo que é pas-
critérios, quer profissionais, quer orga-
sada pela mídia e sua correlação com as
nizativos, tais como a eficiência, a pro-
coerções e exigências na produção de notí-
dução de notícias, velocidade (ROBIN-
cias (WOLF, 2008). No processo de “man-
SON citado por WOLF, 2008: 186).
ufatura” da notícia, o newsmaking considera
O primeiro teórico a aplicar este con- alguns elementos constitutivos e decisórios
ceito no jornalismo foi M. White, em 1950. neste processo: a noticiabilidade, valores-
White pesquisou o fluxo das notícias den- notícia, constrangimentos organizacionais,
tro dos jornais com a intenção de obser- audiência e rotinas de produção. Nesta abor-
var como funcionavam os gates (cancelas). dagem há uma estreita interdependência en-
Este pesquisador chegou a conclusão que as tre a cultural profissional dos jornalistas e
decisões, deliberativas ou não, eram condi- como o trabalho destes está organizado no
cionadas por questões subjetivas, arbitrárias processo de produção.
e estas tomadas de posição eram oriundas A organização do trabalho jornalístico
do conjunto de valores intrínsecos ao gate- é que vai determinar o que é notícia.
keeper (selecionador) (PENA, 2008). Assim, Determina-se, segundo WOLF (2008), um
as decisões do gatekeeper são orientadas conjunto de critérios de relevância que de-
por uma lógica atrelada à atividade cotidi- fine o que é noticiabilidade em cada acontec-
ana do grupo redacional. A teoria do gate- imento, ou mais precisamente sua “aptidão”
keeper teve limitações que foram discutidas para tornar-se notícia. Noticiabilidade para
pelo paradigma da construção social da re- WOLF (2008: 196) corresponde:
alidade; o processo de seleção do material
Ao conjunto de critérios, operações e in-
a ser publicado tanto depende das decisões
strumentos com os quais os aparatos de
individuais quanto do contexto histórico que
informação enfrentam a tarefa de escol-
estas práticas estão circunscritas.
her cotidianamente, de um número im-
Muito se acreditou que o jornalismo e
previsível e indefinido de acontecimen-
suas práticas cotidianas tratassem de uma de-

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tos, uma quantidade finita e tendencial- “atributos que orientam principalmente a se-
mente estável de notícias. leção primária dos fatos – e, claro, que tam-
Érik Neveu, em seu Sociologia do jornal- bém interferem na seleção hierárquica desses
ismo (2006), parte do pressuposto de que fatos na hora do tratamento do material den-
a tipologia dos acontecimentos combinam tro das redações” (SILVA, 2005: 96-97).
os critérios de intencionalidade (comunicado Em seu texto, SILVA (2005) alerta para
de imprensa, por exemplo) ou não (aci- o aspecto agencial e ao mesmo tempo rela-
dente aéreo) como fatores geradores de in- cional na produção da notícia. Neste com-
formação. O estudo de NEVEU não nega a plexo processo de decidir o que é e o que
validade dos pressupostos da communication não é noticioso, há a figura do jornalista que
research, mas a complementa. As matérias- de acordo com critérios profissionais e subje-
primas da noticiabilidade são os aconteci- tivos decide que notícias “entram” e quais as
mentos do mundo. Embora estes “aconteci- que “caem”. Assim para SILVA (2005: 99):
mentos” sejam imprevisíveis e aleatórios, e Demarcar o conceito de valores-notícia
por isso mesmo, torna-se imperativo esta- no território do acontecimento em si
belecer critérios práticos de noticiabilidade não significa, porém, ignora a presença
para que viabilize a rotina de produção da do sujeito-jornalista diante da matéria-
notícia. Sem isso, tornar-se-ia impossível o prima noticiosa. (grifo meu).
ofício de jornalista, pois para SILVA (2005:
Ao terminar o texto, SILVA (2005) afirma
97) uma vez que:
que os valores-notícia como atributos de
A necessidade de se pensar sobre acontecimento e deve-se, sim, reconhecê-los
critérios de noticiabilidade surge diante como construção social da realidade e que
da constatação prática de que não há es- a prática jornalística os enfeixa a partir de
paço nos veículos informativos para a referenciais pragmáticos circunscritos num
publicação ou veiculação da infinidade dado contexto histórico. Assim, os valores-
de acontecimentos que ocorrem no dia- notícia são marcas de representação da real-
a-dia. Frente a volume tão grande de idade.
matéria prima, é preciso estratificar para De forma introdutória, realizei a tarefa de
escolher qual acontecimento é mais mapear os paradigmas precursores e mais at-
merecedor de adquirir existência pública uais em estudos de mídia focados no estatuto
como notícia. individual no processo de construção da re-
Num estudo preliminar sobre os critérios alidade midiática. Agora, empreendo as re-
de noticiabilidade, Gislene Silva (2005) sis- lações necessárias entre o pensamento we-
tematiza estes critérios na origem dos fatos beriano presente no texto Sociologia da im-
e seu processo de seleção primária na rotina prensa e as correspondências à luz dos estu-
de produção jornalística. Os valores-notícia dos acima relacionados.
compreendem um componente da noticiabil-
idade e são usados para sistematizar o tra-
balho na organização. Segundo Silva (2005)
os valores-notícia podem definidos como

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4 Considerações finais nosso projeto com grande confiança e


benevolência.
Max Weber asseverou, certa vez, numa
passagem deveras famosa entre os sociól- Max Weber foi um sociólogo bastante per-
ogos que as preocupações do homem re- spicaz no tocante à questão metodológica e
flexivo advêm do tempo histórico em que quando se refere de que meios analisar os
este vive. Foi um homem de seu tempo. produtos midiáticos, acerta em cheio quando
Consolidou-se como uma das vozes mais alerta para a necessidade do próprio meio ser
polissêmicas de interpretação do social em o canal de interpretação e análise, uma vez
seu curso histórico e o papel dos agentes na que “é impossível alcançá-lo se não podemos
construção do devir societário. A sociedade nos prover, em grande medida, de material
que Max Weber analisou já era a sociedade procedente precisamente desse setor” (WE-
de massa, democrática politicamente e a Ale- BER, 2005:14). Embora Max Weber tenha
manha vivenciava o regime parlamentarista. sido um analítico por excelência de natureza
Este autor ironiza as peculiaridades da so- qualitativa da realidade, munindo-se obvia-
ciedade de massa que são a descentralização mente de uma neutralidade axiológica para
do tornar possível compreender a natureza dos
Poder, a individualização das condutas e fenômenos sociais, neste texto ele enfatiza a
dos destinos, a burocratização dos serviços e necessidade de uma abordagem quantitativa
a rotinização do domínio político principal- que a complemente. Assim (WEBER, 2005:
mente através do carisma (WEBER, 1999: 20),
560-580). E finaliza (WEBER, 1999: 579) Esse material é constituído pelos
dizendo que ‘as “massas” [...] “somente pen- próprios jornais. Consequentemente,
sam até depois de amanhã”’. teremos que começar, de forma total-
Não obstante, Max Weber explanou de mente trivial, digamos claramente, a
modo geral que questões de imprensa dev- medir com tesoura e compasso, como
eriam ser estudadas com rigor metodológico foi se transformando o conteúdo dos
no âmbito da sociologia. Um novo tipo de jornais, em seu aspecto quantitativo, no
organização social estava tomando corpus transcurso da última geração; não por
na Europa e a sociologia não poderia se último no relativo à seção de anúncios,
furtar de debruçar-se sobre este fenômeno à seção cultural, entre seção cultural e
emergente. Ou como o próprio autor resume artigos editoriais e notícias, entre tudo
(WEBER, 2005:14): aquilo que hoje em dia se publica como
Um tema extraordinário, não podemos notícia e aquilo que já não se publica.
nos enganar, um tema que irá re- Porque é aqui onde a situação mudou
querer não apenas meios materiais muito extraordinariamente. Existem inícios de
importantes para os trabalhos prelim- tais estudos, que tratam de comprovar
inares, como, de modo algum, poderá tais fatos, mas apenas inícios. Dessas
ser tratado objetivamente caso os círcu- análises quantitativas passaremos depois
los dominantes da imprensa não acolham às qualitativas. Teremos que estudar o es-
tilo do jornal, isto é, os modos em que os

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Max Weber e a Mídia 11

mesmos problemas são discutidos dentro setting é elaborada justamente para enten-
e fora do jornal, a aparente inibição dos der esta característica dos meios de comu-
jornais com tudo que é emocional, o que, nicação de massa, que é a veiculação de
por outro lado, constitui uma e outra vez notícias e, subjacente a ela, idéias. A na-
a base de sua própria existência, e outras tureza do “tornar-se público” é percebida
questões parecidas. (grifo meu). num processo cognitivo que tenta conhecer a
dinâmica da sociedade de massa e relatar os
Acredito que a abordagem quantitativa em
acontecimentos de modo padronizado e sis-
muito beneficiou à sociologia seja nos estu-
temático.
dos dos emissores, da recepção, dos conteú-
Essa pergunta que Max Weber sugere
dos e principalmente da audiência. Há uma
que seja objeto de estudos em sociologia,
infinidade de trabalhos acadêmicos que uti-
PENA (2008) considera a mais relevante per-
liza essa ferramenta metodológica para anal-
gunta em teoria do jornalismo. Segundo ele
isar os dados colhidos em campo ou docu-
(PENA, 2008: 71):
mentalmente.
Num trecho do texto Sociologia de im- ‘Revelar o modo como as notícias são
prensa, Max Weber nos invoca a questionar produzidas é mais do que a chave para
a prática jornalística no que diz respeito ao compreender o seu significado, é con-
que deve tornar-se público (WEBER, 2005: tribuir para o aperfeiçoamento da so-
15). Conforme enfatizei neste ensaio, é jus- ciedade’
tamente o principal tema de discussão nas
A prática jornalística seria um vetor de
pesquisas americana e européia no século
representação do mundo. Esta representação
passado. A perspectiva de que a prática jor-
oferecida pela mídia de modo geral seria
nalística e o tratamento da informação es-
uma forma de construção social da reali-
tavam estritamente relacionados a critérios
dade. Neste momento alerto para a inade-
de novidade, proximidade geográfica e do
quação da proposição que pergunta: o que
pitoresco foi a pauta dos primeiros estu-
deve ser público? Considero a formulação in-
dos; obviamente, com o desenvolvimento
adequada no presente momento. Seria mais
dos meios técnicos, esta hipótese já não
oportuno inquirir: como um fato passa a ser
cabia mais. O processo de produção da notí-
público? A questão deixaria o espaço do de-
cia não estaria enfeixado num regime lin-
ver (portanto da ética) e passaria para o sta-
ear entre emissor – mensagem – receptor.
tus de processo.
É a partir de paradigmas como os Cultural
Sem dúvida esta é uma questão complexa
Studies que o processo é visto sob a inter-
que este ensaio não tem condições de re-
dependência entre estrutura e agência, numa
sponder, mas sugere a abertura do debate.
intercambiação recíproca e necessária.
A sociologia é um postulado teórico que
Encaminhada a proposição de que a mate-
surge para entender a sociedade européia em
rialidade do meio (alguns meios, vale salien-
transformação. Como diria ELIAS (2001)
tar), auxiliar na busca de compreensão deste,
a sociedade de corte sendo paulatinamente
agora me atenho à questão do que deve
substituída pela de massa. Os meios técni-
tornar-se público. A hipótese do agenda-
cos efetuaram significativas transformações

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na vida em sociedade e o conceito de es- (2008) e AMARAL (2008) afirmam que a


fera pública mudou substancialmente. MAX produção jornalística passou do paradigma
WEBER (2005: 14-15) ilustra bem esta referencial para a lógica do entretenimento
transformação no campo político: e da espetacularização. AMARAL (2008)
salienta que quanto mais popular for o
Se há 150 anos o Parlamento inglês obri-
público alvo, mais elementos sensacional-
gava os jornalistas a pedir perdão de joel-
istas estarão nas pautas da programação.
hos diante dele pelo breach of privilege,
PENA (2008: 88) atenta para o caráter dra-
quando informavam sobre as sessões, e
matúrgico da notícia, cujo:
se hoje em dia a imprensa, com a mera
ameaça de não imprimir os discursos dos ‘Cada acontecimento em torno de um in-
deputados põe de joelhos o Parlamento; divíduo é superdimensionado, transfor-
então, evidentemente algo mudou, tanto mado em capítulo e consumido como um
na concepção do parlamentarismo como filme’.
na posição da imprensa.
A vida é o produto do espetáculo. Essa
Certamente mudou. Para HABERMAS, o lógica do entretenimento atende à busca de
conceito de esfera pública sofre mudanças audiência, venda de jornais, revistas sem-
no decorrer do tempo histórico. A idéia de anais que obviamente redunda em lucro,
democracia vivenciada na polis grega ao posto que a notícia seja também uma mer-
conceito de publicidade nos tempos atuais cadoria à venda. Mais do que um bem
afetam seriamente o que percebemos como público a serviço da sociedade. Partindo de
sendo público e digno de discussão. Segundo outro pressuposto, mas sem necessariamente
Habermas, a esfera pública, como tantas out- negar as afirmações acima (PEREIRA, 2000)
ras instituições sociais, está condicionada constata o fim do modelo do jornalismo
às leis impessoais do mercado. Segundo informativo e como conseqüência o nasci-
HABERMAS citado por PENA (2008), os mento do realjornalismo, cuja narrativa
assuntos públicos e privados estavam mis- oculta à sociedade as tramas ideológicas
turados na Idade Antiga. É com a burgue- presentes nos enunciados que emitem. O
sia que há uma inversão de valores: passa a realjornalismo não pretende o debate de
valorizar o isolamento, a intimidade, a pu- idéias, prefere a conformação, nem que para
dicícia como estratégia de se diferenciar das isso a sociedade seja prejudicada, pois para
classes populares. Em torno destes valores PEREIRA (2000: 30) “o realjornalismo con-
individualistas que a burguesia vai alimen- cebe o mundo através de “trucagem” de im-
tar a imprensa sensacionalista. Max Weber agens, da distorção de conceitos”.
já insinua esta peculiaridade no caso do Par- Num ponto os três autores PENA (2008),
lamento inglês. Quando a esfera política se AMARAL (2008) e PEREIRA (2000) são
curva diante da imprensa, seria porque a so- unânimes: as produções jornalísticas obede-
ciedade já havia se curvado? cem a uma lógica do mercado, e o público é
A própria atividade jornalística experi- visto como consumidor de idéias totalitárias.
mentou mudanças radicais no processo de Vale salientar que as tendências atuais de
produção das notícias. Autores como PENA abordagem da mídia, que leva em consider-

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Max Weber e a Mídia 13

ação às rotinas de produção jornalística, não O autor alemão ressalta que a imprensa é
excluem nem negam este caráter ideológico uma empresa capitalista privada e que pre-
da mídia. Ajuda a desvendá-la. cisa conciliar interesses mercantis com ex-
Max Weber e sua obra foram de extrema pectativas “democráticas”, embora este as-
importância para a constituição da sociolo- pecto resulte numa grande fonte de equívo-
gia como campo de estudo. Este texto de So- cos na definição do próprio papel desta na
ciologia de imprensa causa surpresa porque sociedade ocidental. Weber esboça, a exem-
confirma a excepcionalidade do pensamento plo de sua famosa obra A ciência como vo-
weberiano. Este autor lança preocupações cação, o ofício de jornalista no mundo mod-
em diversos âmbitos: perpassa pela questão erno. Preocupa-se com a formação do profis-
da esfera das relações de poder entre a im- sional e as peculiaridades da profissão em
prensa, os anunciantes e assinantes dos jor- vários países europeus. Afinal, o trabalho do
nais, os interesses destes nem sempre em jornalista é vendido ao empresário, que es-
consonância aos fins perseguidos por aquela. pera daquele expectativas e condutas deter-
Weber lança questionamentos que somente minadas. Weber ainda propõe a discussão do
com as reflexões da Escola de Frankfurt a papel da imprensa enquanto agente suprain-
imprensa e seus discursos ideológicos vão dividual estruturador de idéias, visões e mo-
ser problematizados e explicados à luz da dos de agir peculiar surgente no Ocidente.
sociedade de acumulação capitalista. Outra A partir de reconfigurações de antigas con-
questão instilada pelo autor é o off, recurso cepções de mundo, sem dúvida a imprensa
bastante comum no cotidiano da imprensa. colabora com a construção de novas atitudes.
Eis uma nova problematização: a imprensa é O material de análise de pesquisa seria por
livre para denunciar o que quiser? E se de- excelência o próprio jornal; daí se extrairia
nuncia, em quais condições? É justo utilizar estudos que privilegiariam os estilos, os dis-
o off como ferramenta de testemunho se não cursos, as relações de poder aí presentes,
pode informar a fonte da informação? Pode- tanto dentro quanto fora do jornal.
mos observar que estas questões deontológi- O homem tem que estar atento aos prob-
cas ainda hoje suscitam debates para definir lemas que dizem respeito a sua época, já
quais os limites da imprensa ou, melhor sentenciava Max Weber há quase cem anos
dizendo, os limites do exercício da prática atrás. E nós, sejamos acadêmicos ou não,
jornalística. Weber alerta indiretamente para temos o dever de questionar a produção jor-
o caráter sensacionalista e espetacularista da nalística, tendo como referencial a busca de
imprensa, já neste momento histórico. uma sociedade mais justa.
Em livro denominado A sociedade de es-
petáculo (1997), Guy Debord estuda e anal-
5 Referências Bibliográficas
isa as transformações por que passou e passa
a sociedade ocidental e observa uma signi- AMARAL, Márcia Franz. Os (des) camin-
ficativa espetacularização das práticas soci- hos da notícia rumo ao entretenimento.
ais e dos modos de vida. Weber antecipa este Ano V. Número 1. 1ž semestre de 2008.
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