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revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais

abril | maio | junho 2011 | v. 79 — n. 2 — ano XXIX

A legitimidade do poder administrativo:


o Estado Democrático de Direito em
Jürgen Habermas*

Ana Silvia Macatto Begalli1

Marco Aurélio de Oliveira Silvestre2

Maria Rosilene dos Santos3

Rafael Simioni4

Régis Willyan da Silva Andrade5

Vitor Ribeiro Romeiro6

Resumo: Este artigo procura explicitar a fundamentação reconstrutiva do Estado Democrático


de Direito no pensamento de Jürgen Habermas. Na perspectiva da teoria do discurso, o poder
político e o direito são cooriginários. De modo que é inadequado entender o direito somente
como a forma do exercício do poder político. A relação entre direito e poder pode ser melhor
entendida como uma relação de cooriginariedade no âmbito de um processo democrático que
institucionaliza juridicamente o exercício do poder comunicativo, que se exerce na forma de
três tipos de discursos políticos: negociações estratégicas, discursos ético-políticos e discursos

*  Pesquisa realizada no âmbito do Projeto Decisão Jurídica e Democracia (PPGD/FDSM), com o apoio do CNPq.
1
  Advogada, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Constitucional pela Puc/Campinas, aluna do Programa de Pós-
graduação em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas.
2
  Advogado, Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito do Sul de Minas e Especialista em Direito
Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, Professor de Direito Administrativo pela Faculdade de Direito
do Sul de Minas, aluno do Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas.
3
  Advogada, Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito do Sul de Minas, aluna do Programa de Pós-graduação
em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas.
4
  Doutor em Direito, Mestre em Direito, Professor do Programa de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas e
pesquisador líder do Grupo de Pesquisa Tertium Datur (PPGD/FDSM).
5
  Advogado, Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Uniderp e Direito Constitucional pela Faculdade de Direito do Sul
de Minas, aluno do Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas.
6
  Médico, Bacharel em Direito, Professor de Medicina Legal da Faculdade de Direito do Sul de Minas, aluno do Programa de Pós-
graduação em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas.

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morais. A articulação desses três tipos de discurso permite reconstruir a lógica da divisão dos
poderes do Estado sob uma nova configuração, capaz de dotar o exercício do poder administrativo
do Estado de um maior grau de legitimidade democrática.

Palavras-chave: Estado Democrático de Direito. Poder Administrativo. Política. Direito.


Jürgen Habermas.

1 Introdução

A teoria discursiva do direito de Jürgen Habermas apresenta uma proposta importante


de reconstrução da lógica de divisão dos poderes do Estado e da própria fundamentação
do poder no âmbito do Estado Democrático de Direito. Tradicionalmente, o Estado é
entendido como um sistema de organização do poder político, por meio de estruturas de
decisão pré-definidas pelo direito. Entretanto, a concepção de Habermas aponta para uma
necessidade de legitimação mais sofisticada do exercício do poder político, de modo a
transformar a atividade administrativa do Estado na expressão de uma atividade legítima
da sua comunidade.

Para tanto, torna-se necessário ir além da concepção de Estado de Direito como uma forma
de legitimação jurídico-formal do poder, para se conceber um Estado Democrático de Direito
no qual tanto o poder, quanto o direito, devem ser resultados de discursos públicos racionais,
no âmbito dos quais a formação do direito e o exercício do poder administrativo do Estado
tornam-se cooriginários com os princípios morais e os valores éticos da comunidade.

Este artigo procurará explicitar essa proposta de Jürgen Habermas, destacando os pressupostos
teóricos e as condições sob as quais pode ser possível atingir graus mais elevados de legitimidade
na atuação estatal, seja no campo da definição e execução de políticas públicas, seja no da
elaboração de leis.

Assim, num primeiro momento, será analisada a relação de cooriginariedade entre direito e
política. Dessa explicitação resulta a constatação de que a forma do direito não é suficiente
para a legitimação do exercício do poder, motivo pelo qual se torna necessário suprir esta
insuficiência por meio de três tipos de discursos. Assim, num segundo momento, este artigo
analisará os tipos de discurso e o sentido dos princípios do Estado Democrático de Direito na
teoria discursiva do direito de Habermas, bem como a sua nova proposta de reformulação da
velha lógica da divisão dos poderes segundo funções por uma divisão de poderes de acordo com
os tipos de discurso.

Para serem atingidos esses resultados, a pesquisa utilizará uma metodologia analítica,
desenvolvendo as questões sob a perspectiva da teoria discursiva do direito de Jürgen Habermas
e explicitando, por meio de discussões embasadas nos ideais do Estado Democrático de Direito,
as relações entre as proposições da teoria e os conceitos nela pressupostos.
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2 A relação de cooriginalidade entre Direito e Política

Uma das questões mais relevantes e divergentes em vários campos do conhecimento diz respeito
à concepção de Estado. Afinal, o que é o Estado? Qual o seu alcance? Qual a sua função? Sobre
o tema, Habermas leciona:

O Estado é necessário como poder de organização, de sanção e de execução,


porque os direitos têm que ser implantados, porque a comunidade de direito
necessita de uma jurisdição organizada e de uma força para estabilizar a
identidade, e porque a formação da vontade política cria programas que tem
que ser implementados (HABERMAS, 1997, p. 171).

É possível imaginar uma sociedade sem uma forma de controle social? A resposta nos salta à
vista: não. Se assim o fosse, viveríamos em um completo estado de natureza, onde prevaleceria
o poder dos mais fortes sobre os mais fracos, além da possibilidade de cada um fazer justiça a
seu próprio modo ou gosto.

Surge desse modo, então, a ideia da jurisdição, e da entrega de uma parcela da liberdade
de cada membro da sociedade para o Estado, a fim de que esse regule condutas e relações
jurídicas, aplique o Direito aos casos concretos e pacifique os conflitos que surgem no meio
social, que se mostra cada vez mais pluralista, complexo e mutável.

Para tratar dos litígios advindos da sociedade, Habermas se utiliza da lição de Parsons sobre a
dupla contingência. Vejamos:

Os atores esperam uns dos outros que eles decidam, em princípio, desta
ou daquela maneira. [...] E quando a coordenação não se efetua, surgem
consequências na ação, que são experimentadas, como problemáticas pelos
próprios participantes (PARSONS apud HABERMAS, 1997, p. 176).

O sociólogo alemão nos mostra em seguida quatro formas de sanar as contendas entre os
membros pertencentes ao mesmo grupo social. O primeiro é definido como consenso, que se
utiliza de normas, valores e uma autoridade para se chegar a uma solução adequada para
aquele caso em especial.

A segunda hipótese indicada por Habermas é a arbitragem, que consiste em um pacto que tem
por objetivo a própria negociação dos interesses em questão e a consequente formação de um
compromisso. A terceira possibilidade é basicamente um desdobramento da segunda, com a
única diferença de que conta com o auxílio de um mediador para facilitar a transação, sem
que este tenha, porém, o poder de obrigar as partes a qualquer ato ou decisão.

Finalmente, chegamos à quarta maneira de resolução de querelas. Habermas nos explica


que, em muitas sociedades, a autoridade para tal está concentrada em mãos de famílias
que gozam de grande prestígio social ou nos partidos que possuem a maioria. O teórico
da Escola de Frankfurt defende a descentralização desse poder, baseado na teoria

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discursiva do Direito, segundo a qual os destinatários do direito devem ser os próprios


autores das leis.

Nesse sentido, podemos constatar que existe uma relação intrínseca entre a Política e o
Direito. Para Habermas, os dois institutos são cooriginários, conforme se denota no trecho
a seguir:

Ao emprestar forma jurídica ao poder político, o direito serve para a constituição


de um código de poder binário. Quem dispõe de poder pode dar ordens aos
outros. E, nesse sentido, o direito funciona como meio de organização do
poder Estado. Inversamente, o poder, na medida em que reforça as decisões
judiciais, serve para a constituição de um código jurídico binário. Os tribunais
decidem o que é direito e o que não é. Nessa medida, o poder serve para a
institucionalização política do direito (HABERMAS, 1997, p. 182).

É brilhante a conclusão do estudioso germânico. Ora, o Estado, para que possa cumprir suas
funções precípuas, exige uma forma de composição capaz de transformá-lo em uma estrutura
lógica e funcional. Quem desempenha esse papel é o Direito.

Ocorre que o Direito, como um instrumento de equilíbrio social e de “estabilização das


expectativas de comportamento”, segundo Habermas (1997, p. 182), necessita de coercibilidade,
para que se torne efetivo, pois, do contrário, seu cumprimento seria meramente opcional e não
obrigatório. Quem realiza este encargo é o Estado, por meio de seu poder político.

Assim, percebe-se que o nexo de mutualidade que une Direito e Política não só é relevante, mas
imprescindível para a organização de qualquer sociedade civilizada. O poder político necessita
da forma do direito para organizar e fazer funcionar o poder dentro de uma estrutura lógica
e previsível, ao mesmo tempo em que o direito necessita do poder político para ter coerção.

3 Poder formal e poder comunicativo

Mas a forma do direito, por si só, não é suficiente para a legitimação do exercício do poder
administrativo do Estado. A forma do direito — do direito positivo — garante a organização, a
segurança e a previsibilidade da atuação administrativa. Mas ela não garante a legitimidade
democrática desse exercício de poder administrativo.

Para que o exercício do poder administrativo tenha legitimidade democrática, não basta a
definição legal-formal de competências administrativas e de limites ao poder administrativo,
como proposta pela teoria pura do direito de Hans Kelsen (2000; 2003). O exercício do poder
administrativo não pode mais estar baseado em um mero poder formal, definido segundo regras
jurídicas igualmente formais de competência administrativa. A legitimidade pressupõe um valor
político a mais, um valor político genuinamente democrático que, inspirado no pensamento de
Hannah Arendt, Habermas vai denominar de “poder comunicativo”.

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A análise inicial das relações entre código do direito e código do poder passa pela busca da
“segurança jurídica”, estabilizando as consequências do comportamento próprio e alheio.
Pressupõem-se, por conseguinte, normas jurídicas expressas, de caráter preciso, sem
contradição, públicas, aplicáveis a todos os cidadãos.

Tais normas jurídicas expressas organizam tanto o Estado (na qualidade de Administração) quanto
a própria Justiça. Em decorrência dessa “segurança jurídica”, garantem autonomia pública e
privada, tanto dos cidadãos quanto de instituições políticas, procedimentos e competências.

Isso não implica, necessariamente, “troca autossuficiente e horizontal entre direito e poder
político”, segundo Habermas (1997, p. 183). Tal análise seria limitada e simplista. Destarte, entre
direito positivo e poder político, apresenta-se um contexto limitado à própria circunscrição.
Precisamente nessa mediação entre direito positivo e poder político torna-se importante o
conceito de poder comunicativo de Hannah Arendt.

Arendt propõe um modelo de poder comunicativo normatizador, propiciando legitimidade ao


direito, pois as convicções produzidas por meio do discurso e compartilhadas intersubjetivamente
possuem também uma força motivadora, configurando um potencial gerador de poder. A simples
adoção de posição, dentro de uma discussão pública racional, em termos de sim ou não em
relação a um ato de fala, pode significar uma aceitação tácita de obrigações relevantes para a
ação, oportunizando, até mesmo, uma nova realidade social.

Por meio desses discursos públicos, o poder se transforma em potencial de uma vontade comum
formada numa comunidade não coagida. Isso porque o poder comunicativo só pode formar-se
em esferas públicas, só pode ser legítimo se advindo de estruturas de intersubjetividades
intactas de uma comunicação não deformada. Em outras palavras, o poder comunicativo —
diferentemente do poder formal — surge onde há uma livre formação da opinião e da vontade,
a qual, junto com a liberdade comunicativa que permite a cada um “fazer uso público de sua
razão em todos os sentidos”, faz valer a produtividade de um modo de pensar mais amplo;
tendo por característica que “cada um atém o seu juízo ao juízo de outros possíveis, e se coloca
no lugar de cada um dos outros” (HABERMAS, 1997, p. 184; 2004, p. 13).

Para Hannah Arendt, o poder político é uma força autorizadora que se manifesta na criação
do direito legítimo e na fundação de instituições. Manifesta-se em ordens que protegem a
liberdade política, em oposição às repressões que ameaçam a liberdade política a partir de
dentro ou de fora, principalmente nos atos instauradores de liberdade.

Por consequência, o direito pode ser criado de modo a ligar-se a um poder comunicativo,
que é tipo de poder capaz de produzir direito legítimo, capaz de dotar a forma do direito de
legitimidade. E nessas condições, não há mais necessidade de se encontrar um substituto para
a justiça do direito natural. Pois o direito criado a partir do poder comunicativo tem já em si
mesmo a expressão da legitimidade.

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A proximidade conceitual entre a normatização do direito e formação do poder torna


claro o motivo do sistema dos direitos ter que aparecer simultaneamente como
direito positivo, não podendo reclamar para si nenhuma validade moral ou jusnatural
preordenada à formação da vontade dos cidadãos. Isso porque, através do conceito de
poder comunicativo, pode se encontrar uma nova forma de entendimento a respeito do
surgimento do poder político.

Segundo Habermas (2003), o poder comunicativo, como esfera pública de legitimação do direito,
torna possível avaliar a legitimidade de um poder a partir da harmonia entre palavras e feitos,
sem, contudo, ser transformado automaticamente em poder administrativo, antes de poder
assumir, na figura do poder administrativo, as funções de sanção, organização e execução, das
quais o sistema dos direitos depende e dos quais ele pressupõe.

A política não pode coincidir, no seu todo, com a prática daqueles que falam entre si, a fim
de agir de forma politicamente autônoma, pois o exercício da autonomia política significa a
formação discursiva de uma vontade comum; porém, não inclui ainda a implementação das leis
que resultam dessa vontade.

Deflui-se nesse contexto que a ideia de Estado de Direito pode ser interpretada como a exigência
de ligar o sistema administrativo, comandado pelo código do poder, ao poder comunicativo,
estatuidor do direito, e de mantê-lo longe das influências do poder social, quer dizer, longe da
implantação fática de interesses privilegiados.

Sendo assim, sua relevância está em pretender o fim da arbitrariedade e da coerção nas questões
que circundam toda a comunidade, propondo uma maneira de haver uma participação mais
ativa e igualitária de todos os cidadãos nos litígios que os envolvem e, concomitantemente,
obter justiça nas decisões políticas da comunidade.

4 Três tipos de questões políticas e de discursos correspondentes

Habermas (1992, p. 95-107) destaca a existência de três grandes tipos de questões políticas no
âmbito do Estado Democrático de Direito. E para cada tipo de questão política, há um tipo de
discurso correspondente, que permite repensar a ideia tradicional da divisão dos poderes do
Estado segundo funções.

Queremos introduzir essa discussão de um modo mais lúdico, fazendo o seguinte questionamento:
o que teriam em comum a camada de pré-sal, a tortura e o mico-leão-dourado? O que
justifica a repulsa por atitudes do nosso Executivo em relação aos regimes autoritários do Irã
ou da Venezuela?

Segundo Habermas (1992, p. 96), quando discussões, questões e conflitos desta natureza se
apresentam, sempre nos colocamos diante da pergunta que devemos fazer? Mas estes tipos

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de questões políticas podem ser classificadas de acordo com as referências comunicativas que
articulam, como: pragmáticas, morais e ético-políticas.

Quanto as questões pragmáticas, é típico o primeiro exemplo — exploração da camada


de pré-sal. A solução do conflito, deveria se fundamentar em um tipo de discurso no qual
predominariam os argumentos que se referem ao saber empírico, às preferências dadas e
fins estabelecidos e que julgam as consequências de decisões alternativas (que geralmente
surgem sem que se tenha ciência) de acordo com máximas estabelecidas.

Nas questões morais — tais como o aborto, meios de prova, tributação, educação e
saúde — os discursos submetem os interesses e orientações valorativas conflitantes a um
teste de generalização no quadro do sistema de direitos interpretados e configurados
constitucionalmente. Os argumentos partem geralmente de exigências de coerência em uma
perspectiva cada vez mais universal (HABERMAS, 1989; 1993, p. 73; 2002, p. 448), pois o que
vale para um tem que valer também para todos.

Já as questões ético-políticas — tais como as discussões sobre meio ambiente, imigração,


proteção a minorias etc. — exigem o dever de se pensar em discursos de autoentendimento,
que passem pelos interesses e orientações valorativas conflitantes, e numa forma de vida
comum que traga reflexivamente à consciência concordâncias mais profundas. Trata-se de uma
experiência hermenêutica, que coloca em cena todo aquele conjunto de crenças, preconceitos
e pré-convicções não problemáticas que constituem a identidade ética, política e cultural de
uma determinada comunidade.

Como podemos observar, a abertura de um jornal, revista ou site de notícias a qualquer momento
poderia fornecer-nos exemplos eloquentes das situações identificadas e da utilidade da distinção
habermasiana segundo os tipos de discurso que são travados, na prática das discussões públicas,
a respeito dessas questões políticas. Sem que nos demos conta, recorremos a estes elementos
com bastante frequência no nosso dia a dia, podendo o observador mais atento identificar
quando se utiliza um deles ou outro.

5 Procedimentos de discussão para cada tipo de discurso — questão


política

Segundo Habermas (1997, p. 222), “No âmbito da formação da política racional da vontade, e
dependendo do tipo de questionamento, os discursos e as negociações preenchem diferentes
papéis na lógica da argumentação”.

Para tanto, há tipos de procedimentos diferentes que podem regular os diferentes tipos de
discurso. Entre eles, o procedimento mais comum é aquele que segue a regra da maioria,
segundo a qual questões específicas são decididas em tribunais colegiados, em parlamentos ou
órgãos de autonomia administrativa, mantendo uma relação interna com a busca da verdade,
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na medida em que a decisão tomada com maioria forma apenas uma censura numa discussão
em andamento.

Em contraponto, existem outros tipos de procedimentos que valorizam mais os princípios do


que as vontades das maiorias. Esses procedimentos partem da concepção de que a minoria
inferiorizada apenas concede e autoriza poder para a maioria, quando há possibilidade de
esta vir a conquistar a maioria no futuro, na base de melhores argumentos, podendo assim
modificar a decisão tomada. Além de que, as decisões da maioria são limitadas por meio
de uma proteção dos direitos fundamentais das minorias, pois os cidadãos, no exercício
de sua autonomia política, não podem ir contra o sistema de direitos que constitui esta
mesma autonomia.

Mas em um processo democrático que institucionaliza as diferentes formas comunicativas


necessárias à realização política dos ideais do Estado Democrático de Direito, o processo
político tem que satisfazer, simultaneamente, diferentes condições de comunicação, pois, só
assim pode ser atingido o intuito de formar uma política racional da vontade.

Nesse sentido, segundo Habermas:

A formação política da opinião e da vontade, ultrapassando o nível pragmático,


onde se procura saber o que podemos fazer em função de tarefas concretas,
precisa esclarecer, em primeira linha, três questões, a saber: a que subjaz
à formação de compromissos, onde se discute a possibilidade de harmonizar
entre si preferências concorrentes; a questão ético-política acerca de nossa
identidade pessoal e dos ideais que acalentamos realmente; e a questão
prático-moral que nos leva a inquirir sobre o modo de agir para sermos justos
(HABERMAS, 1997, p. 225).

Desta feita, em negociações nas quais se ponderam interesses — que correspondem às questões
pragmáticas —, pode formar-se uma vontade geral agregada; em discursos hermenêuticos
de autoentendimento — que correspondem às questões ético-políticas —, uma vontade geral
autêntica; e em discursos morais de fundamentação e aplicação — questões morais —, uma
vontade autônoma.

Aparentemente, todas essas formas de comunicação apresentam estruturas superficiais


semelhantes. Contudo, por meio de uma abordagem mais detalhada, verificam-se estruturas
profundas que exigem o preenchimento de condições distintas em cada caso, principalmente
quando se observam as consequências que cada uma das formas de comunicação acarreta
para a compreensão do sistema representativo e, em geral, para a relação entre parlamento e
opinião pública.

Os discursos ético-políticos devem preencher condições comunicativas para um


autoentendimento hermenêutico de coletividades, devem possibilitar uma autocompreensão
autêntica, conduzindo a uma crítica ou fortalecimento de um projeto de identidade, por meio
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do consenso que deságua em uma autoconscientização coletiva bem sucedida, na qual se


manifestam o autoconhecimento e a decisão para uma forma de vida.

Nos discursos de autoentendimento, exige-se a convivência reflexiva, corajosa e disposta a


aprender com as próprias tradições culturais, formadoras da identidade. Consequências
semelhantes resultam dos pressupostos comunicativos de discursos morais, sob os quais cada
participante possa assumir as perspectivas de todos os outros. Nas discussões morais, ao
contrário das ético-políticas, o círculo dos possíveis atingidos não se limita aos membros da
própria coletividade, pois as discussões morais, como acima observado, exigem a perspectiva
da universalização (LINHARES, 1989).

Assim, com tais procedimentos busca-se não sufocar o pluralismo das convicções e
interesses, liberando o reconhecimento em compromissos e decisões da maioria, não
legitimando nem isentando de coerção nenhum consenso que tenha passado pela reserva
falibilista e que não tenha sido exercitado na base anárquica de liberdades comunicativas
não circunscritas, cujo único ponto fixo é o processo democrático, procedimento já
contido no sistema dos direitos.

6 O sentido dos princípios do Estado Democrático de Direito

O Estado Democrático de Direito visa garantir a participação dos cidadãos em um espaço


político livre para discussões sobre seus direitos e sobre seus projetos políticos em prol do
futuro da comunidade. Esse espaço político é necessário tanto para a criação, quanto para
a fundamentação e aplicação dos direitos. Para Habermas, esse espaço político só pode ser
legitimamente ocupado por meio de discursos racionais, por meio do exercício do poder
comunicativo.

O Estado de Direito, segundo Habermas compreende-se na ideia de que:

a organização do Estado de direito deve servir, em última instância, à auto-


organização política autônoma de uma comunidade, a qual se constituiu, com o
auxílio do sistema de direitos, como uma associação de membros livres e iguais
do direito. As instituições do Estado de direito devem garantir um exercício
efetivo da autonomia política de cidadãos socialmente autônomos para que
o poder comunicativo de uma vontade formada racionalmente possa surgir,
encontrar expressão em programas legais, circular em toda a sociedade através
da aplicação racional, da implementação administrativa de programas legais,
e desenvolver sua força de integração social — através da estabilização de
expectativas e da realização de fins coletivos (HABERMAS, 1997, p. 220).

Contudo, para que isso ocorra, o Estado Democrático de Direito deve se valer de um poder
público organizado que requeira do poder político uma legitimação institucional. Ou seja, o
poder político está vinculado ao direito legalmente instituído que o legitima como tal.
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Neste âmbito da legitimidade política do Estado, Habermas observa que essa legitimação só
pode vir dos cidadãos que detêm o poder precípuo constituído pelo direito, que por sua vez
constitui e transforma o poder comunicativo. Ou seja, o direito é constituído de princípios que
foram discursivamente debatidos e instituídos e que em momento posterior, pela mesma via do
discurso, criam e transformam um Estado Democrático de Direito.

Pela teoria discursiva do direito de Habermas, princípios são construções discursivas entre
os cidadãos da sociedade. Para isso, este autor cita quatro tipos de princípios, os quais
caracterizariam o início do direito e consequentemente a correlação trifásica entre Estado,
Direito e Poder. São eles: o princípio da soberania popular; o princípio da ampla garantia
legal do indivíduo; o princípio da legalidade administrativa; e, por fim, o princípio da
separação dos poderes.

Do princípio da soberania popular, Habermas (1997, p. 213) observa que todo poder político
é deduzido do poder comunicativo dos cidadãos, pois estes manifestam suas vontades e
opiniões, que posteriormente serão aceitas entre eles, mesmo que por meio de um sistema
representacional, mas que seus poderes só se esgotem mediante o princípio que garante esferas
públicas autônomas e o princípio da concorrência entre os partidos.

Nesse sentido, seguem os demais princípios: aqueles que necessitam de fundamentação legal
decorrente de um processo democrático que visa à garantia de uma proteção jurídica individual
ampla; aqueles em que o poder administrativo tem o direito como condições possibilitadoras
e ao mesmo tempo limitadoras em sua arbitrariedade, por exemplo; e por fim aqueles que
necessitam da argumentação para sua autonomia.

Em suma, os princípios, em um Estado Democrático de Direito à luz da Teoria Discursiva de


Jürgen Habermas, são tidos como alicerces garantistas dos cidadãos que os instituíram por meio
de um discurso, o que caracteriza a finalidade precípua deste modelo de Estado, haja vista o
poder comunicativo produzido por estes cidadãos.

7 A institucionalização jurídica dos diferentes tipos de discursos políticos

O poder comunicativo pode, portanto, fornecer os aportes de legitimidade necessários para


uma nova concepção de Estado Democrático de Direito, no qual a democracia e a participação
dos cidadãos nas decisões políticas se tornam muito mais intensas e, portanto, autênticas. Mais
que uma questão de representação política, o poder comunicativo permite que os cidadãos
possivelmente afetados pelas decisões políticas sejam, ao mesmo tempo, os seus autores.
Nessas condições, os cidadãos destinatários do direito criado politicamente tornam-se, ao
mesmo tempo, seus autores e responsáveis pelo seu cumprimento.

No entanto, torna-se necessário institucionalizar o procedimento discursivo capaz de fazer


florescer o poder comunicativo, segundo Habermas (1997, p. 221). Torna-se necessária a
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institucionalização jurídica dos procedimentos de discussão pública, de modo a tornar o


exercício do poder comunicativo uma prática política previsível e esperada. O exercício
do poder comunicativo não pode ser uma surpresa ou uma ação inusitada no âmbito do
Estado. Ele deve, ao contrário, ser esperado como uma prática que não apenas constitua uma
exigência de racionalidade das decisões políticas, mas também uma condição de legitimidade
dessas decisões.

Assim, tanto os discursos morais quanto os discursos ético-políticos, bem como as negociações
estratégicas, precisam ser institucionalizados por meio do direito, porque apesar de esses
três tipos de discursos políticos serem diferentes e articularem diferentes pressupostos na
comunicação, eles podem ser institucionalizados juridicamente de modo a se garantir a
equidade na participação política de todos os possíveis afetados pelas decisões.

O problema é que uma institucionalização jurídica desses discursos precisa satisfazer diferentes
condições ao mesmo tempo. Isso porque, como acima observado, há pelo menos três tipos de
discursos — morais, ético-políticos e negociações estratégicas — que apresentam diferentes
exigências comunicativas. E um processo democrático que institucionalize essas diversas formas
de comunicação deve ser a condição para uma formação política racional da vontade, quer
dizer, deve ser a condição para o exercício do poder comunicativo, que dota de legitimidade a
atuação administrativa do Estado.

Mas trata-se de discursos que articulam diferentes condições de comunicação. Enquanto


os discursos morais colocam em questão o que devemos fazer para sermos justos em uma
perspectiva universal, nos discursos ético-políticos são travadas discussões a respeito dos
nossos ideais e dos valores finalísticos que orientam nosso entendimento. E por outro lado,
nas negociações estratégicas ponderam-se interesses estratégicos para a formação de
compromissos.

Para Habermas (1997, p. 225), é possível um processo democrático que institucionalize essas
diferentes formas de comunicação. As negociações podem formar uma vontade agregada. Os
discursos ético-políticos podem formar uma vontade geral autêntica. E os discursos morais
podem formar uma vontade autônoma. Naturalmente, os argumentos que preenchem esses três
tipos de discurso são diferentes. Mas não são os argumentos que são institucionalizados e sim o
procedimento democrático que os faz florescer.

Nas negociações políticas, por exemplo, o que está em jogo são negociações de compromissos
recíprocos. Nessas negociações, o direito pode institucionalizar normas e procedimentos que
garantam a equidade dos compromissos, o direito à participação nas negociações, a escolha de
delegado e composição das delegações. E também pode institucionalizar normas que definam
as matérias, a coordenação, o tempo e a duração das negociações, bem como as sanções para
o caso de descumprimento de alguma norma.
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Nos discursos ético-políticos, por outro lado, o direito pode institucionalizar normas que
garantam a inclusão, como participantes desses discursos, de todos os possíveis afetados pela
decisão política. Todos os membros devem poder participar desses discursos, com as mesmas
chances e oportunidades de posicionamento sobre os temas. Por questões técnicas, esses
discursos muitas vezes só são possíveis mediante representações. Mas mesmo nesses casos, o
procedimento discursivo deve garantir a sensibilidade do discurso à opinião e vontade de todos
os membros da comunidade representados por um interlocutor.

E por fim, nos discursos morais, os participantes devem assumir a perspectiva uns dos outros,
de modo a entender as questões morais como questões de universalização da decisão política.
Para tanto, a institucionalização jurídica desse tipo de discurso não pode se limitar, como
nos discursos ético-políticos, à participação dos possíveis afetados pela decisão. Isso porque,
a perspectiva moral exige uma participação universal. A submissão das decisões políticas ao
teste de generalização moral desse tipo de discurso exige a participação da opinião pública
em geral, até mesmo aquela opinião pública não organizada (HABERMAS, 2000). Claro que, por
motivos técnicos, não é possível ouvir individualmente cada uma das opiniões dos cidadãos e
seus vizinhos. A questão é que esses discursos precisam garantir uma sensibilidade à opinião
pública em geral.

8 Considerações finais

Assim, sob essas condições de institucionalização jurídica dos processos democráticos de


formação do direito e das demais decisões políticas, Habermas demonstra a possibilidade de
conectar o poder administrativo ao poder comunicativo, de modo a torná-lo legítimo.

Nessa perspectiva, o direito não é mais entendido apenas como a forma que estabelece os
limites do poder administrativo — como na concepção clássica do princípio da legalidade
administrativa. O direito criado legitimamente, por meio de um procedimento democrático
sensível tanto às questões morais quanto às questões ético-políticas e estratégicas, pode
constituir o modo decisivo para a legitimidade no exercício do poder administrativo.

Se o poder administrativo for entendido apenas como uma questão de competências funcionais
e materiais formalmente definidas pelo direito, então o exercício desse poder só pode encontrar
a sua legitimidade e aceitação social em um conceito arbitrário e metafísico de princípios a
priori, pois o que garante a legitimidade do direito e do poder administrativo não são princípios
jurídicos a priori, mas sim a sua gênese democrática. Não é a forma gramatical ou semântica da
lei que dota o exercício do poder administrativo de legitmidade, mas sim o processo democrático
que o produz.

Um direito criado legitimamente legitima, também, o exercício do poder administrativo


realizado em conformidade com ele, de modo que a própria divisão dos poderes do Estado
ganhe outros contornos. Enquanto a tripartição dos poderes do Estado, no modelo clássico,
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segue a linhas funcionais de tarefas organizadas na forma do direito, no modelo habermasiano


a divisão dos poderes deve ser realizada de acordo com os tipos de discurso correspondentes
(SIMIONI, 2007). O Legislativo utiliza argumentos morais e ético-políticos, além de discursos em
negociações estratégicas. Já o Judiciário não pode dispor arbitrariamente desses argumentos,
pois a jurisdição realiza discursos jurídicos de aplicação e não de fundamentação do direito
criado legitimamente. E finalmente, o Executivo tem para si a predominância dos discursos
estratégicos, pois a sua função está na realização do poder administrativo para a implementação
dos direitos criados legitimamente no âmbito do Legislativo.

Assim torna-se possível amarrar e conectar os três poderes clássicos do Estado sob uma nova
configuração, que valoriza tanto os princípios do constitucionalismo quanto os da democracia
(HABERMAS, 1999), porque no fundo de toda essa atividade estatal está a gênese legítima
do direito como expressão do exercício do poder comunicativo. Mais do que uma débil
legitimidade pela positividade semântica do direito, o exercício do poder administrativo
precisa de uma legitimidade democrática, a qual só pode ser suficientemente realizada por
meio do poder comunicativo.

Referências

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reconstrução de um modelo estrutural. Coimbra: Faculdade de Direito de Coimbra,
1989.

SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Direito e racionalidade comunicativa: a teoria


discursiva do direito no pensamento de Jürgen Habermas. Curitiba: Juruá, 2007.

Abstract

This article aims to explicit reconstructive grounds of the Democratic State of Law
based on Jürgen Habermas’ judgment. Under the perspective of the speech theory,
political power and Law have a common origin. So it is inappropriate to realize
Law only as a way for the political power mandate. The relation between Law and
power can be better understood as a cooriginating relation under a democratic
process which legally institutionalizes the mandate of the communicative power,
which works in three different types of political discourse: strategic negotiations,
ethical-political discourse and moral discourse. The articulation of these three types
discourses allow the reconstruction of the logical division of the State Power under
a new configuration, capable to endow the exercise of the administrative power of
the State in a higher degree of democratic legitimacy.

Keywords: Democratic State of Law. Administrative Power. Politics. Law. Jüngen


Habermas.

Data de envio: 28 jan. 2011


Data de aceite para publicação: 21 mar. 2011

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