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N1 - PROCESSO PENAL

LUCAS PITA

Antes de apresentar meu parecer sobre o tema, cabe um breve resumo sobre os fatos que
serão aqui discutidos.
No dia 21/01/2019 José Roberto foi preso em flagrante dentro de uma boate, pesou sobre
ele acusações de estar vendendo 12 comprimidos de LSD, o flagrante foi feito através de
um policial civil disfarçado que ao desconfiar de José, abordou José passando-se por um
comprador, inquiriu por determinada quantidade de droga e em seguida efetuou o flagrante.
Posteriormente José teve sua prisão convertida em preventiva sob fundamento de que sua
liberdade (ainda que seja réu primário) acarretaria em risco social. Estes são os fatos.

Ora, como advogado da parte aqui previamente qualificada só nos resta apontar os crassos
erros que acompanham este processo. Trata-se de prisão ilegal, e a falta de relaxamento ou
até mesmo da concessão de liberdade provisória comprova que meu cliente vem sendo
tratado de maneira totalmente injusta e parcial por parte do Estado.

Em primeiro lugar, faz-se pedido o imediato RELAXAMENTO DA PRISÃO em virtude de se


tratar de CRIME IMPOSSÍVEL. O art 17 CP prescreve “ não se pune tentativa quando por
ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível
consumar-se o crime.”
Grifamos a última parte do dispositivo legal, pois ela está em total consonância com a
situação fática. Ainda que houvesse a probabilidade de algum crime por parte de José, este
jamais iria se consumar vide que a autoridade policial provocou JOSE (PACIENTE) a
comercializar o entorpecente com o mero intuito de prendê-lo.

A Doutrina classifica tal ocorrência como “FLAGRANTE PREPARADO” nesta modalidade


de flagrante (ilegal pelo óbvio) o agente é induzido a prática criminosa através da
autoridade, muitas vezes é ocorrida por meio de policiais disfarçados. Neste caso a
impossibilidade não é advinda do meio ou do objeto, mas por uma má intenção antecedente
por parte da autoridade policial. Este estado prévio de simulação por parte da autoridade é
o que garante que em nenhuma hipótese ocorrerá o crime, pois não há nenhuma chance de
consumação.

Nas palavras de Távora - No flagrante preparado, o agente é induzido ou instigado a


cometer o delito, e neste momento acaba sendo preso em flagrante. É um artifício onde
verdadeira armadilha é maquinada com intuito de prender em flagrante aquele que cede a
tentação e acaba praticando a infração1

Neste entendimento já tivemos a SÚMULA 145 DO STF que prevê esta hipótese de
flagrante preparado por meio de autoridade policial, classificando como crime impossível e
portanto extinguindo a punibilidade.

1 TÁVORA,ALENCAR, (2008) p.464


Súmula 145

Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna


impossível a sua consumação.2

Posto isto, é clara a NECESSIDADE do RELAXAMENTO da prisão com base no art 5° da


nossa carta magna, inciso abaixo
LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;

Se a nossa legislação e jurisprudência classifica o referido flagrante como ILEGAL em


virtude de se tratar de crime impossível e a nossa própria LEI MAIOR determina o
procedimento a se seguir, temos ainda o Código Processual, que nos ensina

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e
quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a
presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do
Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:

I - relaxar a prisão ilegal; ou

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes


do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares
diversas da prisão; ou

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

Grifamos acima os pontos de maior relevância para nossa argumentação. Todavia


ainda existem fatos a serem discutidos. Nosso segundo pedido de forma subsidiária é que
na impossibilidade de reconhecimento de flagrante preparado, pleiteamos a
DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART 283 OU §3° ART.334 AMBOS DA LEI DE DROGAS.5
2 http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2119
3 Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo
pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será
submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

4 § 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para
juntos a consumirem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e
quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

5 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm
Posto que caso ainda restem dúvidas quanto a ilegalidade da prisão, não restam
dúvidas de que JOSÉ não é um traficante por ofício. Ainda que o flagrante esteja carregado
de ilegalidades o'que resulta na ilegalidade do próprio material apreendido e por
consequência na própria impossibilidade de prisão, pela descrição fática podemos
enquadrar José como um usuário ou que ainda decidiu compartilhar seus entorpecentes
naquela ocasião.

O mero pagamento de um valor irrisório por parte dos policiais ( o'que não se
concretizou pois foi um delito de ensaio) não caracteriza lucro ou benefício por parte de
José, sendo portanto incabível o argumento de que ele esteja na traficância.

Temos ainda, que ressaltar a ILEGALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA e pedir


novamente o seu relaxamento. O fato é que José, com bons antecedentes, residência fixa,
ocupação lícita e réu primário como comprovado nos autos está preso em virtude da
conversão de sua prisão em flagrante (ilegal) para preventiva.

Todavia, mesmo que seu flagrante fosse legal, não é cabível prisão preventiva. Se o
próprio Direito Penal atua como “ultima ratio” ou última hipótese desejada em meio a um
convívio social6 , este mesmo princípio impera na prisão preventiva. Vejamos,

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da
ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal,
quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo
estado de liberdade do imputado.

A fraca fundamentação para prisão preventiva, foi a mera alegação de que a


liberdade do réu acarretaria em risco social (ordem pública), todavia faltou comprovar de
que maneira, o aguardo em liberdade de um jovem primário, de bons antecedentes,
residência fixa e ocupação lícita atenta contra a ordem pública. Além da ilegalidade do
flagrante que já foi discutida de maneira aprofundada, resta analisar que a prisão preventiva
não é apenas dispensada mas NÃO DESEJADA para esta hipótese.

Ressaltamos que a mera alegação de preservação por ordem pública, que não seja
devidamente comprovada não é capaz de manter a prisão. Nas palavras do juízo, “ não é
possível manter a prisão cautelar do paciente com fundamento na garantia da ordem
pública, pela simples natureza e gravidade abstrata do delito”7

Ademais, a prisão cautelar deve ser utilizada como exceção e não como regra do
ordenamento jurídico. De forma que nosso código dispõe de diversas medidas cautelares
previstas no art.319 CPP que devem ser preferencialmente utilizadas, e que são totalmente
cabíveis na situação fática como por exemplo

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz,


para informar e justificar atividades;

6 https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/990749/direito-penal-como-ultima-ratio
7 https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/117661139/habeas-corpus-hc-10000130470297000-
mg/inteiro-teor-117661185?ref=juris-tabs
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por
circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante
desses locais para evitar o risco de novas infrações;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o


investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do
processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à
ordem judicial

Todas as medidas acima, dentre outras são hipóteses previstas em lei que devem ser
preferencialmente utilizadas e que são de fácil aplicação no caso concreto. Segue a
jurisprudência

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PRISÃO


PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
PARA O DECRETO DE PRISÃO. ILEGALIDADE QUE VAI RECONHECIDA, COM
RELAXAMENTO DA PRISÃO. 1.A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem
consagrado o entendimento segundo o qual a restrição cautelar do direito fundamental à
liberdade (artigo 5º, inciso XV, da CF/88) deve ter fundamento empírico e concreto,
verificadas as circunstâncias do art. 312 do Código de Processo Penal. 2.A prática de crime
de tráfico, por si só, não autoriza o decreto de prisão preventiva, pois não existe prisão
preventiva obrigatória. E a Constituição Federal assegura que ninguém será preso senão
em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, exigência que deve ser feita em relação à conversão do flagrante em prisão
preventiva, por óbvio. ORDEM CONCEDIDA, RATIFICANDO A LIMINAR.8

Encerramos nosso parecer com pensamento que pedimos aos julgadores para
refletirem nele, e analisar se ele tem algum nexo com o os arbítrios no caso aqui discutido.

“é um contrassenso e aberração jurídica permitir que o Estado atue


ilegalmente, sob pena de negar sua própria existência” 9

8 (TJ-RS - HC: 70054225750 RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Data de Julgamento:
09/05/2013, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia
21/06/2013)
9 BRITO, Alexis Couto de; FABRETTI, Humberto Barrionuevo; LIMA, Marco Antônio Ferreira. Processo penal
brasileiro. São Paulo: Atlas, 2012. p. 176.

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