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ANAIS DO I SEMINARIO DE GESTÃO SOCIOAMBIENTAL E

POLÍTICAS PÚBLICAS
UNESP – Universidade Estadual Paulista

Reitor
Prof. Dr. Sandro Roberto Valentini

Vice-Reitor
Prof. Dr. Sergio Roberto Nobre

Pró-Reitor de Pesquisa
Prof. Dr. Carlos Frederico de Oliveira Graeff

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

Diretora
Profª. Drª. Célia Maria David

Vice-Diretora
Profª. Drª. Márcia Pereira da Silva

Comissão Editorial UNESP - Câmpus de Franca

Presidente
Profa. Dra. Célia Maria David

Membros
Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa
Prof. Dr. Alexandre Marques Mendes
Profa. Dra. Analúcia Bueno R. Giometti
Profa. Dra. Cirlene Ap. Hilário da Silva Oliveira
Profa. Dra. Elisabete Maniglia
Prof. Dr. Genaro Alvarenga Fonseca
Profa. Dra. Helen Barbosa R. Engler
Profa. Dra. Hilda Maria Gonçalves da Silva
Prof. Dr. Jean Marcel Carvalho França
Prof. Dr. José Duarte Neto
Profa. Dra. Josiani Julião Alves de Oliveira
Prof. Dr. Luis Alexandre Fuccille
Profa. Dra. Paula Regina de Jesus P. Pavarina
Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges
Prof. Dr. Ricardo Alexandre Ferreira
Profa. Dra. Rita de Cássia Ap. Biason
Profa. Dra. Valéria dos Santos Guimarães
Profa. Dra. Vânia de Fátima Martino
Analúcia Bueno dos Reis Giometti
Maria José de Oliveira Lima
Orlinéya Maciel Guimarães
(Organizadoras)

ANAIS DO I SEMINARIO DE GESTÃO SOCIOAMBIENTAL E


POLÍTICAS PÚBLICAS

UNESP
Câmpus de Franca
2017
COMISSÃO ORGANIZADORA
Profª Drª Analúcia Bueno dos Reis Giometti
Profª Drª Maria José de Oliveira Lima
Ms. Orlinéya Maciel Guimarães

COMISSÃO CIENTÍFICA

Profª Drª Analúcia Bueno dos Reis Giometti


Profª Drª Andréia Aparecida Reis de Carvalho Liporoni
Profª Drª Fernanda de Oliveira Sarreta
Profª Drª Maria Cristina Pianna
Profª Drª Maria José de Oliveira Lima
Ms.Orlinéya Maciel Guimarães

FICHA CATALOGRÁFICA

Seminário de Gestão Socioambiental e Políticas Públicas (I : 2017 :


Franca, SP).
Anais do I Seminário de Gestão Socioambiental e Políticas Públicas
/ I Seminário de Gestão Socioambiental e Políticas Públicas, 22 e 23 de
agosto de 2017, Franca, São Paulo, Brasil; Analúcia Bueno dos Reis
Giometti ... [et al] (Organizadoras). –Franca : UNESP- FCHS, 2018.

486 p.
ISBN: 978-85-7818-101-7

1. Serviço social. 2. Serviço social – Políticas públicas. 3. Educação


ambiental. I. Título. II. Giometti, Analúcia Bueno dos Reis.
CDD – 360
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Andreia Beatriz Pereira – CRB8/8773
APRESENTAÇÃO

O Grupo de Estudos sobre a Gestão Socioambiental e a Interface com a Questão


Social (GESTA) foi criado em 2002 pelas Profas. Dras. Claudia Maria Daher Cosac e
Analúcia Bueno dos Reis Giometti, com objetivo de abordarem pesquisas referentes a gestão
social e a gestão ambiental que passaram, então, a nortear as pautas de discussões e debates.
O GESTA busca compreender questões socioambientais em função da percepção das
lacunas do Estado no atendimento de carências nesta área. A participação efetiva de alunos
(graduação e pós-graduação) e docentes e pesquisadores da unesp enfatiza a importância da
proposta, buscando soluções compartilhadas, abrangendo investigações junto à sociedade civil
organizada, organizações governamentais, ONGs, empresas.
O grupo obteve grandes avanços por meio de reuniões entre seus membros, eventos e
fóruns de discussões sobre a temática envolvida reunindo autoridades, estudiosos,
pesquisadores e estudantes também de outras instituições de ensino.
Em 2010, o grupo promoveu duas palestras tratando respectivamente das ONGs e
sustentabilidade. Em junho de 2011, participou do "III Congresso de Serviço Social e 18ª
Semana de Serviço Social - A ética na formação e no trabalho do assistente social", cinco
palestras foram ministradas por membros do GESTA. Em 2013, três teses foram
desenvolvidas sobre Terceiro Setor.
Nesse mesmo ano, o grupo começou a repensar suas ações propondo desenvolver uma
ação mais propositiva junto à sociedade, surgindo a idéia de elaborar uma cartilha sobre
gestão e prestar contribuições mais efetivas junto à comunidade. No ano de 2014, por meio de
reuniões, o grupo decidiu desenvolver uma atuação mais direta na comunidade levando
contribuições no processo de gestão junto às organizações de bairros da cidade de Franca.
Este trabalho justifica-se pelo fato de que essas organizações têm dificuldades no processo de
gestão e por isso, muitas vezes, não conseguem atingir seus objetivos.
Com a aposentadoria da Profª Drª Claudia Maria Daher Cosac, a mesma convidou a Profa.
Dra. Maria José de Oliveira Lima, docente do curso de Serviço Social para dar continuidade à
coordenação do grupo junto da docente Drª Analúcia Bueno dos Reis Giometti.
A professora Dra. Maria José de Oliveira Lima, assumindo a liderança do grupo, e a partir
da estratégia de atuação junto as Associações de Bairro da cidade de Franca, elaborou um Projeto
de Extensão, denominado Assessoria e Consultoria na Gestão de Organizações de Bairro, o qual
foi aprovado pela Pró-Reitoria de Extensão da Unesp. Após a aprovação do projeto, os trabalhos
foram iniciados no ano de 2016 e os participantes do GESTA foram convidados a participar na
organização e execução das ações junto às Associações de Bairro da cidade.
Com a intenção de melhor desenvolver o trabalho, as professoras Dra. Maria José de
Oliveira Lima e Dra. Analúcia Bueno dos Reis Giometti, lançaram a proposta de realizar uma
pesquisa sobre a realidade social e ambiental das Organizações de Bairro da Cidade de
Franca, considerando um universo de 37 associações de bairro na cidade de Franca, iniciando
com apenas uma associação, para subsidiar a ação do projeto de Extensão. O projeto de
pesquisa está sendo construído pelos membros do GESTA e, logo em seguida, será
encaminhado para FAPESP visando buscar recursos e financiamentos.
Paralelamente a esse trabalho o Gesta também decidiu em realizar a pesquisa sobre o
Curso de Serviço Social e o perfil dos ingressantes de 1996 a 2016, a partir de documentos
fornecidos pela VUNESP e UNESP visando homenagear o Curso pelos 40 anos de trajetória e
contribuir na construção do conhecimento.
A iniciativa dessa pesquisa foi das lideranças do GESTA, professoras Dra. Analúcia e
Dra. Maria José, que contaram com a participação da maioria dos membros no processo
investigatório.
O Grupo se propõe a aprofundar e expandir seus conhecimentos, tendo como estratégia a
participação em eventos acadêmicos e científicos, elaborar ação constantes de pesquisas
bibliográficas, de campo e documentais sobre as linhas de pesquisa do grupo, quais são:

 Gestão de Políticas Sociais


 Indicadores geopolíticos e os impactos sociais e ambientais
 Indicadores sociais e estratégias de abordagem às demandas sociais
 Indicadores sócio-ambientais e as políticas sociais
 Educação Ambiental

Em 31 de Maio de 2016 o grupo GESTA ministrou um Curso Satélite sobre “Gestão


Socioambiental” através de alguns membros do grupo de pesquisa para os participantes do “V
Congresso Internacional de Serviço Social e II Seminário Internacional de Pós-Graduação em
Serviço social “80 anos do Serviço Social no Brasil: trajetórias de lutas, conquistas e
desafios”, realizado de 31 de maio a 02 de junho de 2016 pelo Departamento de Serviço
Social e pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UNESP/Câmpus de Franca.
Outras ações foram planejadas para o ano de 2016 visando o aprofundamento e
produção do conhecimento. Essas ações são: visitas técnicas ao circuito das águas de Franca
(bacia do rio Canoas, ETA e ETE); visitas intermunicipais Ribeirão Preto, Barretos, e visita à
Cooperativa de Materiais Reciclados de Franca (COOPERFRAN).
Todos conhecimentos apreendidos nas visitas serão discutidos e refletidos a partir de
referencial teóricos e servirão de elementos para a elaboração de novas pesquisas.
Além disso, o grupo se propõe a fazer visitas técnicas periódicas de campo para
conhecer a realidade dos espaços da comunidade local (associações de bairro da cidade de
Franca) e detectar necessidades e demandas.
Em 06 de agosto de 2016 o grupo realizou uma visita na
O grupo atualmente conta com a participação efetiva de 40 participantes: 17
pesquisadores, sendo 6 professoras doutoras da UNESP/Câmpus de Franca e 23 estudantes
(entre graduandos e pós-graduandos).
Destaca na tabela abaixo os trabalhos, resultado de pesquisas de mestrandos e/ou
doutorandos, que foram gerados pelas pesquisas do grupo:

Trabalhos Realizados pelo Gesta


Nome Titulo Titulo do trabalho
Ana Lúcia Scagnolato de Doutor O Perfil do Excluído Social Antendido no Serviço
Almeida Leme de Triagem, encaminhamentos e Auxílios da
Prefeitura Municipal de Piracicaba
André Luis Centofante Alves Doutorado A Gestão Social na Atividade Educacional
Religiosa: o caso da Hallel Escola no Brasil,
André Luis Centofante Alves Mestrado Gestão de Organizações Não Governamentais,
Andréa das Graças S. Camacho Doutorado Associações sem fins lucrativos de atividades
Gimenez Garcia profissionais e clubes de serviços: questão jurídica
e social -cidade de Franca/SP
Angela Marcia de Souza Doutorado Turismo Rural: Uma viagem de Inclusão
Produtiva
Bárbara Oliveira Rosa Mestrado As vozes e as visões dos catadores de materiais
recicláveis sobre o meio ambiente
Edna Maria Campanhol Doutorado As re-ações socioeconômicas em Franca em face
do processo de globalização
Gislaine Alves Liporoni Peres Mestrado A gestão do trabalho no Sistema Único de
Assistência Social
Gislaine Alves Liporoni Peres Doutorado A Consultoria do Serviço Social na Gestão das
Políticas Sociais,
José Alfredo de Pádua Guerra Doutorado Gestão das Fundações e Responsabilidade Social
Roberto Galassi Amaral Doutorado terceiro Setor: a gestão do pensar, sentir e agir
Roberto Galassi Amaral Mestrado A Responsabilidade Social da Empresa: a área de
gestão de pessoas como mediadora entre a
organização e a comunidade
Rosalinda Chedian Pimentel Doutorado O setor elétrico brasileiro nos anos 90: a
valorização do/no espaco e as desigualdades
regionais
Fonte: Arquivos do Grupo GESTA
No ano de 2016 o GESTA desenvolveu a pesquisa sobre o Curso de Serviço Social da
UNESP de Franca, em homenagem aos 40 anos do Curso. Essa pesquisa apresentou e
demonstrou o esforço de estudo, análise e sistematização da pesquisa desenvolvida pelo
GESTA.
SUMÁRIO

A CATEGORIA TRABALHO: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO


PROFISSIONAL NO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL NA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO ........................................................................... 13

A GESTÃO SOCIAL E AS INQUIETANTES CONCEPÇÕES AO SEU ENTORNO .. 27

GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO ATENDIMENTO DE CRIANÇAS E


ADOLESCENTES .................................................................................................................. 39

GESTÃO SOCIAL NO BRASIL E O NOVO MARCO LEGAL DAS RELAÇÕES


ENTRE ESTADO E SOCIEDADE ...................................................................................... 53

O PAPEL DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A REPRESENTAÇÃO SOCIAL PARA


AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS .......................................................................................... 69

O PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL: POSSIBILIDADES E DESAFIOS


PARA SUA EFETIVAÇÃO .................................................................................................. 83

OS SISTEMAS SOCIAIS E A BIOÉTICA: CRIMINOLOGIA E A JUSTIÇA SOCIAL


.................................................................................................................................................. 91

POLÍTICAS AFIRMATIVAS E POLÍTICAS DE PERMANÊNCIA ESTUDANTIL . 101

REFLEXÕES SOBRE GESTÃO ........................................................................................ 111

COMO SE FABRICA UM CONVÊNIO DE FINANCIAMENTO? ............................... 119

GESTÃO ESTRATÉGICA NO TERCEIRO SETOR: COMPARAÇÃO ENTRE O


PLANO DE TRABALHO E O RELATÓRIO DE EXECUÇÃO DE ATIVIDADES ... 131

O EMPODERAMENTO DOS SUJEITOS: COOPERATIVA ACÁCIA -


ARARAQUARA, UMA HISTÓRIA DE LUTAS.............................................................. 145

O TRABALHO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NA INTERVENÇÃO


FRENTE A DROGADIÇÃO: EXPERIÊNCIA JUNTO A UMA COMUNIDADE
TERAPÊUTICA NO MUNICÍPIO DE CATANDUVA/ SP ............................................ 155

9
PROJETO COLETIVO RECICLAGEM COMO TECNOLOGIA SOCIAL:
SISTEMATIZAÇÃO DE EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL À LUZ DA TEORIA
CRÍTICA ............................................................................................................................... 167

SERVIÇO SOCIAL E TERCEIRO SETOR: CONTRADIÇÕES E DESAFIOS


INERENTES A CATEGORIA PROFISSIONAL ............................................................ 179

A ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NO ENFRENTAMENTO


DA QUESTÃO AMBIENTAL: REFLEXÕES SOBRE OS DESAFIOS E AS
POSSIBILIDADES À LUZ DA PROMOÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
CRÍTICA ............................................................................................................................... 189

A DIMENSÃO EDUCATIVA NO TRABALHO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE


SOCIAL NA VERTENTE DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL: EXPERIÊNCIA JUNTO A
UMA ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL DA CIDADE DE BARRETOS-SP.
................................................................................................................................................ 201

A QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL NA CONTEMPORANEIDADE........................... 215

ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO PROGRAMA NÚCLEO DE ENSINO DA


UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”-
UNESP, NOS PROJETOS COM VIÉS EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL .................... 229

DETERMINANTES HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL .......................... 245

EDUCAÇÃO AMBIENTAL FRENTE AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


................................................................................................................................................ 261

LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA COM ENFOQUE NA COOPERATIVA


DE CATADORES ................................................................................................................ 275

MÍDIA, SANEAMENTO BÁSICO E POLÍTICAS PÚBLICAS..................................... 291

O CADASTRO AMBIENTAL RURAL COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA


PÚBLICA: O CASO DAS PEQUENAS PROPRIEDADES RURAIS NO ESTADO DE
SÃO PAULO ......................................................................................................................... 305

O OLHAR DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS SOBRE O PODER


PÚBLICOS ............................................................................................................................ 319

O PROGRAMA BATEA - BATATAIS EDUCAÇÃO AMBIENTAL E VIVEIRO


FLORESTAL, DA FUNDAÇÃO JOSÉ LAZZARINI, NO CONTEXTO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS INSERIDAS NA LEI DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL ....... 333

10
OS INCENTIVOS ECONÔMICOS COMO FOMENTO PARA PROCESSOS DE
PRODUÇÃO MAIS LIMPOS PARA UM MEIO AMBIENTE SADIO. ....................... 349

UNIDADE DE CONSERVAÇÃO PARQUE ESTADUAL FURNAS DO BOM JEUSUS:


A HISTÓRIA DO LUGAR E SEU LUGAR NA HISTÓRIA .......................................... 361

URBANIZAÇÃO INSALUBRE: A MIGRAÇÃO GLOBAL PARA AS CIDADES E O


PAPEL DO PLANEJAMENTO URBANO NA SAÚDE E NA QUALIDADE DE VIDA
DA POPULAÇÃO ................................................................................................................ 371

A ATUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DE MICRO E PEQUENAS EMPRESAS NA


CIDADE DE FRANCA SOB O OLHAR DO PROGRAMA ALI ................................... 381

ABORDAGEM QUANTITATIVA DO DESEMPREGO E DO EMPREGO


INFORMAL EM DECORRÊNCIA DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO ............ 397

ATENÇÃO ACOLHEDORA: UMA PRÁTICA QUE OTIMIZA A FREQUÊNCIA


DOS ALUNOS NA UNIVERSIDADE ABERTA PARA MATURIDADE- UNABEM –
UEMG .................................................................................................................................... 407

INDICADORES SOCIAIS: INSTRUMENTO PARA ACOMPANHAMENTO ÀS


FAMÍLIAS ASSISTIDAS NOS CRAS DE POÇOS DE CALDAS – MG ...................... 419

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: A RELEVÂNCIA DA INTERVENÇÃO JUDICIAL


PARA ASSEGURAR O DIREITO À SAÚDE DOS PRESIDIÁRIOS (ANÁLISE DA
ADPF 347-DF). ..................................................................................................................... 433

O PAPEL DO ESTADO PARA A PROMOÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO NAS


RELAÇÕES DE TRABALHO À LUZ DAS INICIATIVAS GOVERNAMENTAIS
FEDERAIS. ........................................................................................................................... 445

PARTICIPAÇÃO POPULAR NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO,


EMPREGO E RENDA ......................................................................................................... 457

PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA: AVANÇO OU RETROCESSO DA


POLÍTICA HABITACIONAL............................................................................................ 473

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A CATEGORIA TRABALHO: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO
PROFISSIONAL NO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL NA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO

Claudia Caroline Delefrate Pereira*


Maria José Oliveira Lima**

Resumo: A pesquisa tem como objetivo geral analisar a materialização da categoria trabalho
no processo de formação dos egressos do curso de Serviço Social da Universidade Federal do
Triângulo Mineiro (UFTM), bem como contextualizar a formação acadêmica dos discentes
considerando o perfil do egresso, objetivos do Curso, competências e habilidades esperadas e,
identificar as características do processo de formação profissional em Serviço Social, que se
aproximam e/ou afastam da categoria trabalho, a partir da própria vivência e fala dos egressos
e, analisar se há a materialização da categoria trabalho no processo de formação em Serviço
Social. A metodologia é constituída pela retomada da pesquisa bibliográfica e documental
com objetivo de apropriar-se da discussão teórica a partir das categorias, trabalho e formação
profissional; pesquisa de campo, com entrevistas semiestruturadas com os egressos. E a
análise dos dados será composta pela ordenação, dedicado ao contato com o material
empírico, envolvendo a transcrição das entrevistas, e organização das diferentes categorias
apresentadas nas entrevistas; leitura atenta do material coletado nas entrevistas com o intuito
de identificar no processo de formação profissional a dimensão da categoria trabalha para
análise e, análise final dos dados (referencial teórico/revisão bibliográfica e pesquisa
documental/entrevistas) será possível evidenciar como se dá a materialização da categoria
trabalho no processo de formação profissional no curso de Serviço Social na UFTM.

Palavras-chave: Serviço Social. formação profissional. categoria trabalho.

INTRODUÇÃO

A motivação para discutir a categoria trabalho no processo de formação profissional,


deu-se em virtude da compreensão da relevância e centralidade, da discussão da mesma
evidenciado a partir da pesquisa de mestrado, no Programa de Pós Graduação em Serviço
Social da Universidade Paulista (UNESP), em Franca-SP. Parte deste estudo é fruto da
discussão teórica realizada no Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Serviço
Social na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), em Uberaba-MG.
Para tanto se analisou a categoria trabalho e o tema formação profissional, por meio da
discussão acerca dos elementos constitutivos destas categorias, fundamentalmente

*
Mestranda no Programa de Pós Graduação em Serviço Social, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Membro do - GESTA/FCHS- UNESP/Câmpus de Franca.
**
Docente do Programa de Pós Graduação em Serviço Social- Mestrado em Serviço Social da Universidade
Estadual Paulista (UNESP). Líder do Membro do - GESTA/FCHS- UNESP/Câmpus de Franca.

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relacionadas à interlocução teórica com o referencial dialético crítico, orientador das
Diretrizes Curriculares, do Projeto Ético-Político e de formação profissional, a partir da
década de 1990, bem como será realizada a discussão a respeito da percepção da categoria
trabalho com os egressos do Curso de Serviço Social da UFTM, que estão inseridos no
exercício profissional como Assistente Social a respeito da compreensão da categoria trabalho
no processo de formação.

OBJETIVOS

Objetivo Geral
• Analisar a materialização da categoria trabalho no processo de formação dos egressos do
curso de Serviço Social da UFTM.

Objetivos Específicos
• Contextualizar a formação acadêmica dos discentes do curso de Serviço Social da UFTM,
considerando o perfil do egresso, objetivos do Curso, competências e habilidades esperadas;

• Identificar as características do processo de formação profissional em Serviço Social, que se


aproximam e/ou afastam da categoria trabalho, a partir da própria vivência e fala dos
egressos;

• Analisar se há a materialização da categoria trabalho no processo de formação em Serviço


Social, e articular os resultados juntos às dimensões ético político, teórico-metodológica,
técnico-operativa.

JUSTIFICATIVA

A escolha da teoria marxista como direcionamento sistemático da atuação profissional


em Serviço Social advém da apreensão de que o pensamento dialético, segundo Kosik (1969)
é um processo de concretização que procede ao percurso da compreensão do “todo”, e neste
processo de correlações, os conceitos entram em movimento recíproco (construção e
reconstrução) e, mutuamente atingem a concreticidade.

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“A dialética não é o método da redução: é o método da reprodução espiritual e
intelectual da realidade é o método do desenvolvimento e da explicitação dos fenômenos
culturais partindo da atividade prática objetiva do homem histórico.” (KOSIK, 1969, p. 32.)
O processo do abstrato ao concreto, como método de conhecimento da realidade é a
dialética da totalidade concreta, na qual se reproduz idealmente a realidade em todos os
seus planos e dimensões. A dialética da totalidade concreta não é um método que pretende
conhecer todos os aspectos da realidade e oferecer um quadro real da totalidade, é uma teoria
da realidade e do conhecimento que se torna uma via para apreensão da realidade (KOSIK,
1969, p. 15).
O fato desse conhecimento se dar por via dialética, segundo Kosik (1969), não é um
processo de sistematização fundada sobre uma base imutável, mas sim um processo de mútua
compenetração e elucidação dos conceitos, no qual a abstratividade dos aspectos é superada
em uma correlação dialética, quantitativo-qualitativa e regressivo-progressiva. As partes se
encontram em relação de interna integração entre si, exemplo disso é o todo, que cria a si
mesmo na interação das partes.
E compreender, segundo Kosik (1969), é conhecer a estrutura, dar-lhe um significado
a partir da decomposição do todo, por isso a necessidade da dialética, pois, o processo não é
rápido, nem simples nem de “fora para dentro”, é decompor o que é necessário- principal e o
que é secundário (processo de separação entre fenômeno e essência).
Esse processo de decomposição é naturalizado inclusive tanto no pensamento quanto
nas ações. Ainda segundo o autor, decompor e isolar alguns momentos da realidade não é
desprezar ou excluir os outros, mas sim uma forma de criar um “pensamento comum”. Essa
forma de pensamento é o que compõe a “práxis utilitária humana” é a forma ideológica do
indivíduo agir.
Compreender o processo dialético da inserção do Assistente Social na divisão social e
técnica do trabalho, como especialização do trabalho, é ser capaz de realizar a identificação
das manifestações da questão social como o objeto de intervenção profissional. É o processo
que materializa o reconhecimento do exercício profissional como trabalho e partícipe do
processo de trabalho e, ainda como classe trabalhadora na divisão social do trabalho.
Definir o objeto de intervenção profissional, na relação antagônica capital e trabalho,
significa tomar como objeto de atenção, de preocupação e de intervenção profissional a
dialética, a práxis, o movimento inerente ao processo de trabalho do assistente social e, ainda,
o resultado do mesmo na vida em sociedade. Significa buscar uma intervenção que supere a
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visão simplificada e aparente das demandas, que por vezes, fragmenta o entendimento da vida
social.
Kosik (1969) afirma que a grande complexidade dos fenômenos que habitam o
cotidiano e a atmosfera comum da vida humana faz com que, seu imediatismo, adquira um
aspecto de natural, construindo uma ambígua relação entre fenômeno e essência, realidade
aparente e real é o que segundo o autor, constitui o mundo da pseudoconcreticidade.
O mundo da pseudoconcreticidade no livro “Dialética do Concreto” demonstra a
tentativa de desmascarar a pretensa concreticidade e sua falsa fluidez através da apreensão da
abstração (método dialético), é a maneira pela qual nós destruímos o mundo da
pseudoconcreticidade e nos deparamos com a totalidade concreta.
A utilização da práxis que revolucionaria como mecanismo de superação da
“coisificação” das construções teóricas, não pode ser aquela que fragmenta os indivíduos,
com bases na divisão social: do trabalho, de classes, e hierarquização social.
Essa “práxis utilitária imediata” é contraditória, que se apresenta como verdades
engendradas pelas ideologias da classe dominante, por isso, o fazer profissional também é um
movimento de pensamento, pois, o autor discute que o percurso entre a caótica representação
do todo, e a rica totalidade da multiplicidade das determinações e das relações, coincidem
com a compreensão da realidade.
Por isso, a dialética não considera os produtos fixados, as configurações e os objetos,
todo o conjunto do mundo material reificado, como algo originário e independente. Da mesma
forma que não concebe o mundo das representações e do pensamento comum, submetem-nos
a um exame em que as formas reificadas do mundo objetivo e ideal se diluam, para mostrar-
nos a realidade como fenômenos derivados e mediatos, como produtos da práxis social da
humanidade (práxis revolucionária) (KOSIK, 1969, p. 50).
Faz-se necessário perceber a totalidade do processo de trabalho do Serviço Social,
pois, este é permeado por inúmeras contradições, marcada por uma determinada historicidade,
em um campo social determinado pelas relações de trabalho.
A individualidade humana encontra-se atravessada por uma diversidade de vetores
externos à interioridade e que permeiam a consciência individual dos seres. Esses vetores
diversos são construídos historicamente, em contextos culturais específicos a cada época e a
cada povo.
Entretanto, o indivíduo que é único e indivisível se constitui, enquanto tal, na trama
das múltiplas relações da sociedade. Não há dicotomia entre indivíduo e sociedade, entre
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sujeito e objeto, singular e universal. Há uma interdependência entre o sujeito e seu contexto
natural e social. Existe uma forte conexão entre as partes e o todo, ou seja, entre o ser que é
uma parte do universo e todo este conjunto que consolida a vida humana, situando-a no
universo natural, político, ideológico, cultural, social, econômico e mais uma vez humano.
Na perspectiva do materialismo histórico, o processo de humanização acontece na
medida em que é possível para os sujeitos expressarem-se em seu contexto, inserirem-se no
mesmo, por intermédio de suas atividades e criações. A humanização, entretanto, é uma
dinâmica que muitas vezes fica “engessada” nesta sociedade. Inúmeros processos sociais de
exclusão, criados na dinâmica das relações sociais, interditam as possibilidades de inserção do
sujeito em seu meio. Dificultam o acesso das pessoas nas instâncias de defesa de direitos
disponibilizadas sobre a perspectiva social.
A alienação é um produto da (des)humanização das relações sociais que propiciam o
estranhamento do sujeito em seu próprio meio, o não reconhecimento deste sujeito como
pertencente a seu contexto.
“A propriedade privada tornou-nos tão néscios e parciais que um objeto só é nosso
quando o temos, quando existe para nós como capital ou quando é diretamente comido,
bebido, vestido, habitado etc., em síntese, utilizado de alguma forma.” (MARX, 1983, p. 120.)
Na perspectiva marxista, as sociedades baseadas no lucro e no consumo retiram do
sujeito sua dimensão subjetiva e criativa, à medida que tudo se torna mercadológico e objeto.
As coisas do social são objetos a serem consumidos, “engolidos” e aqueles que não têm
acesso ao consumo estão de fora, ficam à margem de alguns processos sociais.

Todas as suas relações humanas com o mundo – ver, ouvir, cheirar, saborear,
pensar, observar, sentir, desejar, agir, amar, em suma, todos os órgãos de sua
individualidade, como órgãos que são de forma diretamente comunal, são, em sua
ação objetiva (sua ação com relação ao objeto), a apropriação desse objeto, a
apropriação da realidade humana. (MARX, 1983, p. 120.)

Para Marx (1983), a maneira como as pessoas se apropriam dos objetos efetiva um
tipo específico de realidade humana, própria das sociedades capitalistas, nas quais, esta
efetivação “é efetividade humana e sofrimento humano”. Na situação dos processos de
alienação, o sujeito encontra-se diante de um estranhamento em relação ao contexto e diante
de si mesmo, situando-se fora, alheio a certas dimensões da vida social. Neste processo,
acontecem inúmeras perdas individuais e subjetivas que se materializam na vida cotidiana e
concreta dos indivíduos.

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Eis aí o sofrimento referido por Marx (1983), na ocasião da “efetividade da realidade
humana”, onde a existência fica reduzida ao ter – possuir ou não possuir – vai situar a vida
humana em maior ou menor grau de possibilidade de acessar os recursos disponíveis no seu
contexto. Isso se estende a ponto de causar a interdição deste acesso, em milhares de casos da
vida dos sujeitos desta sociedade contemporânea, ainda mediada pelas relações entre capital-
trabalho e suas consequências.
A expressão “gênero humano”, utilizada por Duarte (2000, p. 122), é significativa para
explicitar as relações entre as pessoas, na trama multiforme e dinâmica do campo social. O
indivíduo singular é um ser genérico, ou seja, pertencente ao gênero humano; a vida dos
indivíduos deveria traduzir a universalidade e a liberdade já conquistadas pelo gênero humano.
Cada ser, por condição, tem direito a participar, a fazer parte do seu mundo, de seu contexto e
deveria ser universal o acesso de todas as pessoas ao espaço social construído pelos seres.
O processo histórico de vida e sociabilidade dos sujeitos que são “objetos” das ações
dos assistentes sociais é permeado por diversas culturas, formas de criatividade,
transformação do meio ambiente, são apenas algumas das particularidades desses sujeitos.
Portanto, o profissional comprometido com o Código de Ética do Assistente Social
(promulgado em 1993), que regulamente sua profissão, precisa destacar em sua intervenção
profissional a alienação que entrava a expressão da subjetividade, desloca o sujeito do seu
contexto e do seu próprio eu, e para isso se faz necessário e fundamental, trabalhar com
consciências e com os processos sociais de conscientização.
Para realizar essa discussão, no primeiro momento, foi necessário considerar a
perspectiva e trajetória histórica do Serviço Social, as manifestações da questão social e o
próprio processo de formação profissional em Serviço Social.
No segundo momento, procedeu-se a análise das unidades temáticas do Projeto
Político Pedagógico do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Triângulo
Mineiro (P.P.P.C.S.S. UFTM) do ano 2010/2, que tratam da categoria trabalho. Identificando
assim as Unidades Temáticas que evidenciavam a referida categoria, posteriormente, parte-se
para a compreensão da materialização dessa categoria, no próprio processo de formação, por
meio das ementas das unidades temática e referências.
A opção metodológica para análise dos dados caracterizou-se pela teoria social crítica,
articulando a análise com as dimensões ético-político, teórico-metodológica, técnico-operativa
da profissão com as unidades temáticas, a partir de uma abordagem qualitativa das mesmas.
Tendo em vista o contato com P.P.P.C.S.S. UFTM 2010/2 durante o processo de
18
formação, optou-se por determinar uma etapa “pré-análise”, que se configurou pela leitura das
ementas das unidades temáticas que pertenciam à grade curricular do curso. Para isso, adotou-
se como metodologia de pesquisa a revisão bibliográfica e pesquisa documental.
Quanto às aproximações conclusivas do ensaio, considera-se o que diz Minayo (2000,
p. 79), “[...] o produto final da análise de uma pesquisa, por mais brilhante que seja, deve ser
sempre encarado de forma provisória e aproximativa.”
Portanto, a análise da categoria trabalho no processo de formação em Serviço Social
na UFTM, evidencia o estabelecimento da articulação entre as unidades temáticas e os
referenciais teóricos da pesquisa, procurando as respostas para os objetivos desta. Ratificando
a necessidade da apresentação e discussão da categoria trabalho como elemento fundante do
ser social; a especificidade do trabalho na sociedade burguesa e a inserção do Serviço Social
como especialização do trabalho coletivo e o trabalho profissional do Serviço Social face às
mudanças no padrão de acumulação capitalista e regulação social.
Como resultado deste estudo, das unidades temáticas analisadas1 disponibilizadas na
Matriz Curricular do curso e específicas da graduação em Serviço Social, amparadas nos
fundamentos filosóficos, teóricos, éticos e políticos, e, sobretudo, mediadas pela compreensão
do trabalho como categoria constitutiva e constituinte do ser social, realizada pela práxis,
apresentaram reais possibilidades da compreensão da categoria trabalho.
Possibilidades essas que se afirmam nas próprias referências bibliográficas utilizadas,
como Karl Marx, Ricardo Antunes, José Paulo Netto e Giovanni Alves, entre outros nomes.
Contudo, entendendo, que apenas a referenciação como fundamento de discussão do
tema proposto não é suficiente, se fez necessário desdobrar a compreensão da dimensão da
categoria nas unidades temáticas de acordo com as suas respectivas ementas.
Além de discutir a categoria, essas unidades, localizá-la no bojo do movimento de
surgimento do Serviço Social como profissão assalariada. Destaca-se, que nos últimos
quarenta anos, o trabalho, enquanto atividade fundamental na constituição de relações sociais
(não apenas daquelas diretamente relacionadas à produção material) tem sido fortemente
questionada, devido tanto às reconfigurações nas formas e processos de trabalho, quanto às
alterações na formação da identidade dos trabalhadores enquanto grupo social.
Foi possível apreender como resultado também, as mudanças na configuração da classe

1
Trabalho e Sociabilidade; Homem, Sociedade e Cultura; Fundamentos Teórico-Metodológicos Ético-Político
Técnico-Operativo do Serviço Social, I, II, III e IV; Ética e Serviço Social; Formação e Trabalho Profissional I
e II; Serviço Social e Processo de Trabalho I e II; Supervisão de Estágio Curricular Obrigatório em Serviço
Social I, II, III e IV.
19
trabalhadora, a sua heterogenização, em consonância com as transformações nas formas de
organização dos processos de trabalho, foram acompanhadas de um extenso e profundo
desmonte do movimento sindical.
A introdução da discussão da categoria apresenta os trabalhadores enquanto classe
social, e seu reflexo como objeto de preocupação central, em boa parte da história da
sociologia, e das referências bibliográficas por autores clássicos, como os citados
anteriormente. No entanto, em contrapartida desse destaque para os trabalhadores, pode-se
constatar a manifestação da sociedade no contexto capitalista, onde o trabalho adquire
configuração e se realiza de modo a negar suas potencialidades emancipadoras, invertendo
seu caráter de atividade livre, consciente, universal e social, propiciando aos indivíduos que
realizam o trabalho não se reconheçam, nele, como sujeitos, incluindo para isso o fenômeno
da alienação.
Destaca-se dentre as análises já realizadas, que nos últimos quarenta anos, o trabalho,
enquanto atividade fundamental na constituição de relações sociais,- não apenas daquelas
diretamente relacionadas à produção material-, tem sido fortemente questionada, devido tanto
as reconfigurações nas formas e processos de trabalho, quanto nas alterações na formação da
identidade dos trabalhadores enquanto grupo social.
A intencionalidade da escolha das unidades temáticas, visualizadas nas ementas e suas
referências, pautaram-se na necessidade da reflexão filosófica com vistas a possibilitar a
identificação do ser social, reafirmando o “ethos” profissional - modo de ser profissional -
especifico do Assistente Social. Somente este profissional, regido pela razão, pode
compreender os ditames do capitalismo imperante e instituir coletivamente uma nova ordem
societária.
Retomar neste momento o estudo e a síntese sobre o processo de formação em Serviço
Social, a categoria trabalho apresentada e discutida pelas várias unidades temáticas presentes
no P.P.P.C.S.S. UFTM 2010/2, é desafiador e ao mesmo tempo oportuniza a (re)significação
e reflexão da centralidade da categoria trabalho na atualidade, para além das "novas"
configurações no interior da categoria profissional, mas para toda a classe trabalhadora e/ou
toda aquela que "vive do trabalho".
Continuar com o objetivo de avançar nesta pesquisa, é sobretudo entender o ato de
pesquisar como um processo, onde o pesquisador tem “[...] uma atitude e uma prática teórica
de constante busca que define um processo intrinsecamente inacabado e permanente”, tendo
em vista, a necessidade de sucessivas aproximações com a realidade e objeto pesquisado,
20
numa perspectiva dialética, onde esse objeto, esse estudo, apresenta “uma carga histórica” e
reflete posições frente à realidade (MINAYO, 1994, p. 23).
Apreender a pesquisa em sua íntima relação com a formação profissional e o exercício
profissional, ressaltando a relação de unidade entre teoria e prática, no contexto sócio-
histórico em que a profissão se constrói, consolida-se e se reconstrói, no movimento em que
as contradições e desafios presentes neste contexto se apresentam, instiga a necessidade da
escuta, da materialização ou não dos resultados já obtidos.
A presente proposta, não trata, apenas de enfatizar a ilustração teórica, os resultados de
uma pesquisa bibliográfica e documental- já realizada-, mas fazer o exercício contínuo de
aprofundar criticamente a discussão a respeito e a possibilidade de ampliação e discussão
crítica dos resultados obtidos.
O Serviço Social como profissão sócio-histórica tem em sua natureza a pesquisa como
meio de construção de um conhecimento comprometido com as demandas específicas da
profissão e com as possibilidades de seu enfrentamento.
Contudo, o ato de pesquisar se coloca como um desafio permanente para os
profissionais que se apresentem um perfil crítico, pois, necessitam inicialmente do
reconhecimento do conhecimento como uma das expressões da práxis profissional, como uma
das objetivações possíveis do trabalho humano frente aos desafios colocados pela relação
entre o homem, a natureza e a sociedade.
Neste contexto, a pesquisa ganha significado ontológico, ou seja, existencial e
laborativo, pois faz parte da natureza humana perguntar pelo desconhecido para, através das
possibilidades de respostas, atender às necessidades do homem em suas dimensões individual
e coletiva, produzindo e reproduzindo sua própria existência, não de forma mecânica, mas de
forma complexa, processual, contraditória e histórica.
Segundo José Filho (2006, p. 64) “[...] o ato de pesquisar traz em si a necessidade do
diálogo com a realidade a qual se pretende investigar e com o diferente, um diálogo dotado de
crítica, canalizador de momentos criativos.” A tentativa de conhecer qualquer fenômeno
constituinte dessa realidade busca uma aproximação, visto sua complexidade e dinamicidade
dialética.
Considera-se, portanto, que o processo de pesquisa se constitui em uma atividade
científica básica que, através da indagação e (re)construção da realidade, alimenta a atividade
de ensino e a atualiza frente à realidade. Assim como vincula pensamento e ação já que “[...]

21
nada pode ser intelectualmente um problema se não tiver sido, em primeiro lugar, um
problema da vida prática.” (MINAYO, 2000, p. 17).
Nesse momento, a intencionalidade de prosseguir com a discussão do tema no
mestrado, refere-se à oportunidade de realizar também a pesquisa de campo, o que acredita-se
que propiciará uma maior contribuição e análise aprofundada sobre a discussão da
materialidade do P.P.P.C.S.S. UFTM, entendendo a importância da escuta qualificada a
respeito do papel dos sujeitos.

MÉTODO

A proposta desse projeto pauta-se no método dialético como percurso metodológico,


orientador de todo o processo de investigação e análise. Portanto, ratifica-se que a escolha do
método dialético permanece como forma de orientar e direcionar a realização da pesquisa
proposta, por entender, que a orientação do pesquisador de trabalhar sempre considerando a
contradição e o conflito, o que ainda estar por vir, o “real” o “aparente”, o movimento
histórico, a totalidade e a unidade dos contrários, além de apreender, em todo o percurso de
pesquisa, as dimensões filosófica, material/concreta e política que envolve seu objeto de
estudo (PONTES, 1997).
Desse modo, o conhecimento da realidade não é apenas a simples transposição dessa
realidade para o pensamento, pelo contrário, consiste na reflexão crítica que se dá a partir de
um conhecimento acumulado e que irá gerar uma síntese, o concreto pensado (QUIROGA,
1991.)
Enfatiza-se a necessidade de manter o diálogo com o real, ou seja, apreender a “luz”
das considerações analisadas no resultado do Trabalho de Conclusão de Curso, se a partir da
realidade dos sujeitos, da sua fala, há a materialização da categoria trabalho no processo de
formação em Serviço Social na UFTM.
É com o objetivo de possibilitar vistas ao desvendamento do real e na tentativa de
apreensão da essência da materialização do objeto de estudo no movimento concreto, que a
presente pesquisa consiste em ‘aproximações sucessivas que não são lineares’ com a
formação profissional em Serviço Social, no contexto da UFTM.
E ainda, compreende-se o movimento do real para realizar o caminho de volta até o
objeto, caminho este muito mais rico porque traz consigo novas e múltiplas mediações.
(PONTES, 1997)
22
Segundo Gonsalves (2001, p. 67), a pesquisa de campo é o tipo de pesquisa que
pretende buscar a informação diretamente com a população pesquisada e, exige-se do
pesquisador um encontro mais direto.
A escolha da abordagem qualitativa para o desenvolvimento dessa investigação está
relacionada com a capacidade desse enfoque em compreender que o mundo do sujeito não
pode ser traduzido em números (MINAYO, 2000). A abordagem qualitativa nesse estudo faz
se necessária, tendo em vista que, o objeto de pesquisa visa à apreensão dos fenômenos
independe de números e estatísticas, mas relacionados às percepções dos sujeitos envolvidos
com o processo de formação profissional em Serviço Social.
Entende-se que não há escolhas isentas de interesses, nem conhecimentos espontâneos,
mas sim, uma construção historicamente condicionada pela posição social do cientista social e
pelas correntes de pensamento em conflito na sociedade (MINAYO, 1996).
Portanto, o desenvolvimento da pesquisa se faz, entendendo a realidade social
dinâmica, contraditória, histórica e ontológica, e que implica na utilização de procedimentos
metodológicos que consigam engendrar todos esses pressupostos com a mesma intensidade
como se apresentam quando estão em relação documental.
Desde a criação do curso com a expansão das vagas em Universidades Federais em
virtude do REUNI (Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), em
2009 até o presente momento (2016/1) formaram nove turmas no curso de Serviço Social da
UFTM, perfazendo uma média de 20 alunos por turma, totalizando aproximadamente cento e
oitenta (180) bacharéis em Serviço Social, dentre esse universo total da pesquisa, serão
selecionados como amostra, todos os profissionais que estão inseridos no exercício
profissional.
Para levantar o perfil do universo, foi solicitado, através de Termo de Autorização para
a UFTM, o acesso aos dados de contatos referentes aos egressos. Será solicitada aos sujeitos a
leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido. As entrevistas serão
gravadas, desde que haja autorização do entrevistado, a fim de proporcionar maior segurança
na análise das informações colhidas. A proposta compreende a elaboração de instrumental de
coleta de dados, com roteiro de entrevista semiestruturada.
O processo de pesquisa é constituído por meio das seguintes etapas:
 Retomada da pesquisa bibliográfica e documental com objetivo de apropriar-se da
discussão teórica a partir das categorias, trabalho e formação profissional;
 Pesquisa de Campo: entrevistas semiestruturadas com os egressos;
23
 A análise dos dados obtidos será composta pela ordenação, dedicado ao contato com o
material empírico, envolvendo a transcrição das entrevistas, e organização das
diferentes categorias apresentadas nas entrevistas;
 Leitura atenta do material coletado nas entrevistas com o intuito de identificar no
processo de formação profissional a dimensão da categoria trabalha para análise;
 A análise final dos dados (referencial teórico/revisão bibliográfica e pesquisa
documental/entrevistas) será possível evidenciar como se dá a materialização da
categoria trabalho no processo de formação profissional no curso de Serviço Social na
UFTM.
De acordo com Gomes (2005) a organização e o processamento de dados são um dos
aspectos mais complexos dos estudos analíticos. Considerando essa complexidade, nessa
etapa serão utilizadas as referências teóricas definidas pelas categorias previamente escolhidas
(educação, trabalho, cotidiano e formação profissional).
Serão tomadas todas as providências para garantir a confidencialidade por meio de
identificação dos sujeitos por nomes fictícios, impedindo assim quaisquer riscos de exposição
dos sujeitos. Quanto à descrição dos desconfortos e riscos serão observadas para que a
pesquisa atenda à Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012, que visa a assegurar os
direitos e deveres dos participantes de pesquisas científicas, bem como à comunidade
científica e ao Estado.

RESULTADOS OBTIDOS

Espera-se que com a realização desta pesquisa que a análise final sobre a
materialização da categoria trabalho no processo de formação dos egressos do curso de
Serviço Social da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), possa evidenciar um
processo de formação em Serviço Social articulado às dimensões ético político, teórico-
metodológica, técnico-operativa, em consonância com as diretrizes curriculares da
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) e que ainda
possibilite e fomente o debate na comunidade acadêmica e de profissionais sobre a formação
profissional e suas respectivas categorias centrais.

24
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Espera-se que com a realização desta pesquisa que a análise final sobre a materialização
da categoria trabalho no processo de formação dos egressos do curso de Serviço Social da
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), possa contribuir na efetivação da
qualidade do processo de formação profissional em Serviço Social, articulando às dimensões
ético político, teórico-metodológica, técnico-operativa, em consonância com as diretrizes
curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS).
Que ainda possibilite e fomente o debate na comunidade acadêmica e de profissionais sobre
a formação profissional e a construção do conhecimento

REFERÊNCIAS

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Bauru: Projeto Editorial Práxis, 2013.

ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? São Paulo: Cortez, 1995.

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Sociedade, São Paulo, ano 17, n. 50, p. 78-85, abr. 1996.

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Paulo: Boitempo, 1999.

CFESS. Legislação e resoluções sobre o trabalho do/a assistente social. Brasília, DF, 2011.
Disponível em:
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triangulação. In: MINAYO, M. C. S.; ASSIS, S. G.; GONSALVES, E. P. Conversas sobre
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KOSIK K. Dialética do concreto. Tradução de Célia Neves e Alderico Toríbio. 3. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1969.
25
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MARX, K. Manuscritos econômicos e filosóficos. Tradução de Octávio A. Velho. 8. ed. Rio


de Janeiro: Zahar, 1983.

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MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital (1930). Tradução de Isa Tavares. São
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______. A teoria da alienação em Marx (1930). Tradução Isa Tavares. São Paulo:
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MIN6.AYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 4. ed. São


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______. Para uma leitura do Método em Karl Marx: anotações sobre a “Introdução” de
1857. Rio de Janeiro: Ed. UFF, 1996.

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PAULO NETTO, J. Capitalismo monopolista e Serviço Social. 7. ed. São Paulo: Cortez,
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______.; CARVALHO, M. L. B. Cotidiano: conhecimento e crítica. 4. ed. São Paulo: Cortez,


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PONTES, R. N. Mediação e Serviço Social: um estudo preliminar sobre a categoria teórica e


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QUIROGA, C. Invasão positivista no marxismo: manifestações no ensino da metodologia


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UFTM. Projeto Político Pedagógico do Curso de Serviço Social da Universidade Federal


do Triângulo Mineiro 2010/2 (PPPCSS UFTM). Uberaba, 2010.

26
A GESTÃO SOCIAL E AS INQUIETANTES CONCEPÇÕES AO SEU ENTORNO

Graziela Donizetti dos Reis*

Resumo: O tema Gestão social conquistou maior visibilidade recentemente, sua introdução
na sociedade brasileira ocorreu nos anos de 1990, permeado pela tensão entre dois processos
contemporâneos que marcam a realidade contemporânea. Um dos processos está vinculado a
globalização da economia que possui o poder de mercantilizar e expandir os segmentos de
atuação no âmbito social. O outro processo versa sobre a relação social tardia, que foi
conquistada por meio da cidadania, pela recente, instigadora e desafiante participação da
sociedade civil para vislumbrar um Estado democrático de direitos. Esse debate
contemporâneo nas organizações sociais e acadêmicas sinaliza a importância de ressaltar as
referências que foram e estão sendo construídas para sustentar este campo temático.
Apresenta-se neste presente artigo, a revisão bibliográfica elaborada por meio da produção do
Serviço Social, recorrendo a outras áreas de conhecimento. Esse conteúdo possui viés
investigativo, funda-se na metodologia da análise de conteúdo, ensaiando a sistematização de
um referencial teórico sobre a gestão social visando à aproximação com a temática a ponto de
abrandar as inquietudes provocadas pelo tema. Possibilitando a identificação dos movimentos
que aproximam a gestão social do serviço social e consequentemente do Estado e da
sociedade civil.

Palavras-chave: gestão social. cidadania. Serviço Social.

INTRODUÇÃO

O esforço em torno desse trabalho foi norteado pela perspectiva dialética, na busca
pelo conhecimento que tem a ação como ponto de partida, assim como ressalta Kosik (2002),
é necessário ater-se a apreensão do real , da totalidade concreta, partindo do agudo e
condizente movimento dialético entre o ser, considerando a ontologia e o conhecer,
considerando a gnosiologia.

A realidade social não é conhecida como totalidade concreta se o homem, no


âmbito da totalidade, é considerado apenas e, sobretudo, como objeto e na
práxis-objetiva da humanidade não se reconhece a importância primordial do
homem como sujeito. (KOSIK, 2002, p. 52-53).

A partir desse pressuposto e referencial, no qual somos percebidos e potencializados


como sujeitos que partilham desse processo como outros sujeitos, iniciamos o
aprofundamento acerca da gestão social.

*
Graduanda do curso de serviço social da Universidade Estadual Paulista, UNESP, Câmpus de Franca.

27
Tal desafio incita a busca pela compreensão de que a gestão social é uma construção
social e histórica, constituída na tensão entre os projetos societários de desenvolvimento que
rivalizam na atual conjuntura. Por isso, a gestão social, concebe-se e viabiliza-se na totalidade
do movimento contraditório nos projetos societários, sendo que há dois pontos extremamente
importantes ressaltar, como o desenvolvimento do capital (que acirra as desigualdades
sociais) e o desenvolvimento da cidadania (a população toma ciência dos seus direitos e os
reivindica com maior afinco). Esses dois pontos do desenvolvimento demonstram as
diferentes perspectivas em torno da Gestão Social que estão inseridas no movimento
contraditório da realidade.

OBJETIVOS

Objetivo Geral
Identificar e descrever algumas dentre as várias concepções sobre a Gestão Social para
vincular o seu desenvolvimento à cidadania e o Serviço Social

Objetivo Específico
Os objetivos específicos desse artigo pretendem:
· Descrever os conceitos teóricos vinculados ao tema;
· Caracterizar o movimento contraditório em torno do tema;
· Identificar a dimensão social dentro tema.

METODOLOGIA

O presente ensaio teórico foi elaborado a partir da revisão bibliográfica, corroborando-


se em fundamentação teórica das áreas de Administração, Economia Serviço Social e
Sociologia.

DISCUSSÃO TEÓRICA
As Distintas Perspectivas Sobre a Gestão Social

Na atual conjuntura, diante das condições estabelecidas e determinadas pelo projeto de


desenvolvimento hegemônico, pode-se reconhecer a gestão social que também e possui sua
28
hegemonia, como gestão construída e firmada nas suas perspectivas, torna-se facilmente
confundida e identificada como contrária ao social. Tal concepção é disseminada por Ribeiro
(2000), ao afirmar que a sociedade é contra o capital, considerando as características do
projeto societário do capital.
A gestão que se opõe ao social é concebida como afirmação do capital e não da
cidadania, pois é uma tática que viabiliza a qualificação e eficiência do trabalho realizado nas
organizações voltadas para o campo social, mas visando a supremacia do capital (BARBOSA,
2004, p. 51-76). A reificação da técnica, ganha destaque, pois possibilita a eficiência e
aplicabilidade, por meio de ferramentas e produtos, dentre eles o empreendedorismo, a ação
voluntária, o marketing social, responsabilidade social e projetos que visam o marketing
social. Assim apresenta-se um leque de possibilidades para a comunidade, porém é necessário
ater-se ao fato de que a comunidade e as pessoas que compõem o público alvo desses
produtos são vistas como objetos e não como sujeitos do fazer.
Para Carvalho (2002, p. 229) é notório que o âmbito social necessitava de
instrumentos para qualificar seus processos. Contudo, isso não significa que a perspectiva
posta, deve colocar a tecnologia como ponto central e retirar do cidadão o seu protagonismo,
como tem ocorrido ultimamente. Torna-se perceptível que o aparato tecnológico é inserido no
campo social como mais um objeto do “capital” com o propósito de aprimorar seus meios
para controlar e explorar a classe trabalhadora.
A gestão do social, voltada para o desenvolvimento capitalista é inserida
principalmente por meio do terceiro setor. Sendo que este surge no Brasil e demais países
latinos americanos nos anos de 1990, devido a influencia européia e americana (LANDIM,
1999). A despeito das distinções entre tais origens, o terceiro setor se estabelece no Brasil em
meio à difusão das práticas e valores neoliberais como afirma (MONTAÑO, 2002) que são
cultivadas em conjunto com organizações sociais da sociedade civil, pois expandem-se a
influência de empresas e fundações com viés filantrópico, derivadas do meio mercadológico.
Perante as inúmeras contradições, vislumbra-se junto ao terceiro setor, a dimensão
social que se apresenta como tema público após o chamamento à responsabilidade social,
sendo este requisito de suma importância e valor para enfrentar as expressões da questão
social. Todavia, esse movimento ocorre como estratégia para fragilizar e atenuar a
responsabilidade pública do Estado, sendo suscitada pelo desenvolvimento capitalista que
assume o caráter institucional nas práticas reformistas das instituições sociais, empresariais e
do Estado brasileiro.
29
Processo esse que visa envolver a todos e a cada um, em uma ação que se é
reformista, não é revolucionária, na medida em que propõe que combata os
sintomas da crise sem, no entanto questionar o modelo econômico que
contribui para a sua produção. (CARRION; GARAY, 2000, 203-222).

Por esse motivo, o terceiro setor, torna-se parte constitutiva de uma importante
mediação funcional como afirma (MONTAÑO, 2002) e coloca-se como instrumento do
capital, em razão do qual pode-se explicar a tensão entre o setor público e privado, inserindo-
se hegemonicamente nos processos de privatizações.
As práticas voltadas para o âmbito social apresentam expansiva quantificação em
território nacional, conquistam visibilidade utilizando a solidariedade, valor extremamente
valorizado pela sociedade, porém ela adentra o âmbito social com um caráter despolitizado
das práticas sociais elaboradas com o intuito de tornarem-se políticas públicas, pois são
desconectadas do contexto societário no qual a realidade está posta.
Outra perspectiva da gestão refere-se à participação e apelo daqueles que colaboram,
que são consumidores e clientes, pois isso resulta na retirada da dimensão “cidadã” politizada,
sendo que está é imprescindível para assegurar o prevalecimento dos direitos conquistados em
todo processo social. Tal fato termina reproduzindo as remotas práticas autoritárias que se
contrapõem as propostas democráticas de cidadania especificadas na Constituição Federal de
1988, assim como no documento que propiciou a Reforma do Estado no início dos anos 1990
(PEREIRA, 1997), de acordo com a história , tais conquistas foram sonhadas pelos brasileiros
e ardentemente reivindicadas pelos movimentos sociais e populares.
No âmbito estatal, as organizações e seus trabalhadores são atraídos para a formação e
exercício da gestão social, tendo como ponto de partida os ditames da reforma gerencial
(BEHRING, 2003), pautando-se no aprimoramento da qualidade, competência e eficiência
técnica, visando os resultados que foram obtidos anteriormente e que precisam ser
melhorados. Havia a necessidade de mudanças nessa área, porém não nessa concepção
facilitadora e condizente com os ajustes neoliberais do Estado brasileiro, determinados pela
ordem internacional capitalista e seus leais defensores. Somado a essas novas atribuições do
trabalhador dessa área social, realiza-se uma movimentação estratégica de privatização,
descentralização e focalização das políticas públicas voltadas para o social, remove-se
gradativamente o papel de agente regulador do Estado na área social, sendo que essa foi uma
conquista tardia da sociedade civil. Tal fato ocorre de forma pouco visibilizada e junto aos
retrocessos jurídicos legais que outrora firmaram e afirmaram o Estado democrático de
30
direitos, que se apresentara de forma legítima e legalmente garantidora dos direitos
especificados na constituição de 1988.
Nota-se a comprovação plena da força do capital perante a reestruturação produtiva
que ele impõe e consequentemente define a direção e reestruturação das instituições públicas
e privadas, assim como da vida em sociedade, como afirma Gramsci (1988, p. 396) “[...] os
novos métodos de trabalho são indissolúveis de um determinado modo de viver, de pensar e
de sentir a vida: não se pode obter sucesso em um campo sem obter resultados tangíveis no
outro.”
Partindo dessas pontuações, valida-se a nominação de gestão contrária ao social, assim
como opõe-se aos processos de gestão na área social, pois ratifica-se como implementação
dos valores e propósitos capitalistas. Observa-se com nitidez os valores e propósitos do
modelo de gestão assumido partindo das peculiaridades comparativas ressaltadas por Prates
(1995): a pessoa neste projeto é reconhecida como objeto e não sujeito dessa questão, pois a
técnica e o capital assumem a centralidade, por isso coloca a sociedade como agente
multiplicador da exclusão e exploração. Ou seja, os processos sociais constituem-se em prol
do interesse de uma parcela mínima da sociedade, mas que detém em suas mãos o poder
financeiro, capitalista e que decide e norteia o modo de viver em sociedade.
Frente à concreticidade da realidade da gestão contrária ao social, que se nutre e
também nutre o projeto societário capitalista, erigem-se reações e proposições que constituem
a resistência manifestada no projeto societário que visa o desenvolvimento da cidadania e na
gestão social exemplificando a “[...] tensão dialética sempre superável do já sido e ainda não o
sendo.” (CURY, 2000, p. 31).
Enfatiza-se o processo de conhecimento em que a realidade é construída por meio da
concretização do novo e diferente que ao superar a contradição, acaba superando a si mesmo,
como pontua Cury (2000, p. 31):

A possibilidade existente no movimento das coisas quer dizer que a


possibilidade do novo, daquilo que ainda não é, mas pode ser imanentemente
naquilo que é. E ao abraçar toda a realidade, esse novo possível, concebido de
modo dialético, se inscreve ao mesmo tempo no homem e nas relações que
este mantém com o mundo e com os outros homens.

Esse movimento dialético de pessoas, movimentos sociais, instituições públicas e


privadas e organizações filantrópicas, que se concretizam outros conhecimentos, formas de
saberes e práticas que apontam a necessidade de transformação da sociedade, calcada em

31
valores justos, democráticos, que visam à equidade e igualdade capaz de alcançar a
universalidade da cidadania.

A GESTÃO SOCIAL E O VÍNCULO COM O SERVIÇO SOCIAL

A proximidade com a Gestão Social deriva-se também da produção teórica do Serviço


Social, pois trata-se de uma área de conhecimento intrinsecamente voltada para as demandas
da sociedade e políticas sociais, por isso pretende-se recorrer ao Serviço social como respaldo
para contribuir com esse ensaio teórico. Por isso, buscou-se conhecer as publicações
elaboradas pela categoria profissional e que repercutem como referencial bibliográfico que
norteiam essa temática dentro da profissão.
Nota-se que o tema gestão é torna-se recorrente e que sua focalização refere-se à
organização e intervenção de ações em diversas áreas do campo social e em distintas
dimensões, dentre elas, a sociedade civil, o mercado e o Estado. Para IAMAMOTO (1999, p.
126) o Serviço Social tem assumido desde o início dos anos de 1990, a formulação, avaliação
e recriação de propostas no âmbito das políticas sociais e de organização das forças da classe
trabalhadora e da sociedade civil. Segundo Carrion (2004), essa afirmação sinaliza que o
referencial elaborado pelo serviço Social pertinente a gestão, pode ser caracterizado como
gestão do social.
A aproximação dos referenciais teóricos sobre gestão social voltado para o Serviço
Social sinalizou a necessidade de ter outros fundamentos teóricos para discorrer as linhas
deste trabalho. Por isso buscou-se respaldo também nas áreas de Sociologia, Economia,
Administração além do Serviço Social. Tal diversidade potencializa a interdisciplinaridade.
Bardin propicia uma análise densa dos referenciais teóricos:

Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter por


procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção e recepção destas
mensagens. (BARDIN, 1997, p. 42).

O processo analítico foi realizado em duas partes. Primeiro, desenvolveu-se a “análise


temática” (MINAYO, 2004, p. 208), visando à aproximação dos conteúdos centrais
desenvolvidos pelos autores sobre gestão social. No segundo momento, buscou-se a “análise
das relações” (MINAYO, 2004, p. 2004), com o objetivo de relacionar os distintos conteúdos

32
dos autores, utilizando como ponto inicial, a identificação das semelhanças e disparidades dos
subtemas contidos no tema.
Iniciou-se a identificação da gestão social a partir do texto de Tenório que apresenta a
seguinte concepção:

Conjunto dos processos sociais desenvolvidos pela ação gerencial, em vista da


articulação entre as suas necessidades administrativas e políticas postas pelas
exigências da democracia e cidadania para a potencialização do saber e
competência técnica e do poder político da população, [...]. (TENÓRIO, 1998,
p. 84).

Para Singer (1999), em contrapartida, a gestão social refere-se às ações interventivas


que são desenvolvidas em distintas áreas da vida social para a satisfação das necessidades
mínimas da população que se apresentam de inúmeras formas, desde o abandono de incapazes
(crianças e idosos) até a exclusão do mundo do trabalho. A concepção do autor é de que a
gestão social se torna viável por meio das políticas e ações sociais que são articulações
derivadas das múltiplas demandas e organizações voltadas para o desenvolvimento do social
como, governo universidades e entidades não governamentais.
Segundo Carvalho (1999, p. 19-29) a gestão está intrinsecamente relacionada à gestão
das ações públicas voltadas para o social. O ponto de partida são as necessidades e demandas
indicadas pela população por meio de políticas públicas, projetos e programas sociais que
ratifiquem respostas efetivas a realidade dessa população que é composta pela massa (camada
desprivilegiada da sociedade).
Para a autora é essencial ressaltar o protagonismo da sociedade civil, visando
identificar as demandas e necessidades, para que seja possível a proposição e fiscalização de
políticas públicas e ações governamentais voltadas para o social, sendo que estas são
responsabilidade do Estado. Contudo, deve-se atentar para que estas iniciativas não se tornem
meramente imediatas, mas que também sejam pensadas para que o efeito seja não apenas
superficial, mas que a médio e longo prazo repercutam na vida da população de modo que ela
não seja transformada em refém dessas iniciativas e sim que alcance a emancipação.
Todavia, Dowbor (1999) submete a gestão social à metamorfose da sociedade, na qual
a atividade econômica assume o papel central do bem-estar social, priorizando o
desenvolvimento capitalista em detrimento do social. Por isso, o autor essa hipótese sinaliza a
emergência da construção de outro paradigma organizacional, tendo como princípio norteador

33
a reorientação das relações entre o público, o privado e as instituições que compõem o
terceiro setor de forma que abranja as dimensões: sociais, econômicas e políticas.
Entretanto, Fischer (2002) pontua que a área da gestão social pode ser considerada a
área do desenvolvimento social, pois é parte constitutiva de um processo social inserida em
inúmeras origens e interesses, perpassando a mediação entre as relações de poder, de
aprendizagem assim como as conflituosas. Segundo a autora, a fusão entre as dimensões
praxiológicas e epistemológicas somadas, direcionam a uma propositura “pré- paradigmática”
da gestão social. Essa perspectiva de gestão social identifica-se como os sujeitos, os
indivíduos e os grupos coletivos compatíveis entre si e que são mediados pelas redes e
organizações públicas, privadas e do terceiro setor.
Para Minayo (2004) a metodologia é o caminho adequado para promover as
realizações e transformações articuladas por meio das técnicas somadas as concepções
norteadas pelo referencial teórico. Por isso, a análise da temática, tendo como ponto de partida
a apreensão das informações sobre gestão social, permitiu a assimilação das tendências
conceituais da atual conjuntura, oportunizou diálogos entre visões aproximadas e ou distintas
dos autores acima citados.
Observa-se que os propósitos que circundam a gestão social se expressam em três
vertentes, são voltados para as ações sociais públicas e gerenciais com cunho social; são
processos sociais visando o desenvolvimento social e por fim, são ações afirmativas e
transformadoras que visam a emancipação. A gestão social fundamenta-se na interação dos
atores sociais e do comprometimento frente às questões de interesse em comum, pois assim o
foco não se dispersa nas partes, mas se fortalece na interação entre as partes. Por isso, Tenório
afirma:

O conceito de Gestão Social não está atrelado às especificidades de políticas


públicas direcionadas a questões de carência social ou de gestão de
organizações do denominado terceiro setor, mas também a identificá-lo como
uma possibilidade de gestão democrática, onde o imperativo categórico não é
apenas o eleito e ou o contribuinte, mas sim o cidadão deliberativo; não é só a
economia de mercado, mas também a economia social; não é o cálculo
utilitário, mas o consenso solidário; não é o assalariado como mercadoria, mas
o trabalhador como sujeito; não é somente a produção como valor de troca,
mas igualmente como valor de uso; não é tão somente a responsabilidade
técnica, mas, além disso, a responsabilidade social; não é a res privata, mas
sim a res publica; não é o monólogo, mas, ao contrário , o diálogo.
(TENÓRIO, 2008, p. 55, grifo do autor).

34
A gestão social abarca as ações e os processos que agrupa um conjunto de ações nas
concepções: gerencial como apresenta (TENÓRIO, 1998), envolta nas políticas públicas
como ressalta (SINGER, 1999) e intrinsecamente vinculada as políticas sociais como explicita
(CARVALHO, 1999). Assim a gestão social não intervém de forma imediata na
complexificação do desenvolvimento societário, mas atua reconhecidamente como mediadora
do desenvolvimento. A gestão social pode errônea e facilmente ser considerada como
exclusivamente instrumental devido a sua proximidade com os referenciais direcionados para
o empreendedorismo pelos fomentadores do capital. Entretanto, deve-se atentar-se para sua
essencial participação no desenvolvimento societário como assegura Fischer (2002), assim
como os seus movimentos constitutivos e dialógicos que perpassam o poder, o conflito e a
aprendizagem que resultam na transformação, como ressalta Dowbor (1999). Compreende-se
que a gestão social fundamentada na contra-hegemonia do projeto societário disseminado pelo
capital, termina por constituir-se em um processo que visa o desenvolvimento social que
viabiliza o desenvolvimento e emancipação da sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente ensaio teórico propôs-se a oportunizar o conhecimento de referenciais


teóricos e a reflexão acerca dos mesmos, sistematizando a concepção sobre gestão social.
Possibilitou a percepção da gestão social como um conjunto de processos sociais
potencializadores e viabilizadores do desenvolvimento societário, visando a transformação e a
emancipação humana. Fundamenta-se nas práticas e valores que compõem a formação da
democracia e cidadania somando forças para enfrentar as expressões da questão social, para
assegurar os direitos humanos e universais, para afirmar e defender os interesses e espaços
públicos. Possibilitando avistar-se uma nova sociedade que fortaleça a interação entre os
agentes sociais: sociedade civil, sociedade política e econômica, efetivando a participação das
pessoas que historicamente permaneceram excluídas dos processos voltados para os direitos
sociais.
Estes referenciais teóricos sinalizam a práxis da gestão social como mediadora da
cidadania que se opõe à concepção mercantil que erroneamente é direcionada para esse tema.
Pode-se considerar que a gestão social é uma área de conhecimento interdisciplinar, condensa
e expande valorosas produções que podem ser aprofundadas pelo Serviço Social, pois
apresentam consideráveis contribuições para a categoria profissional.
35
Compreende-se o Serviço Social como parte constitutiva da mediação que afirma a
práxis da gestão social, principalmente por meio do conjunto de atribuições e referenciais da
categoria profissional, assim como os compromissos teórico-metodológicos, ético-políticos e
técnico-operativos que visam a afirmação da cidadania, da democracia e do enfrentamento das
expressões da questão social, assim como a gestão social, por isso, percebe-se que as duas
ares se complementam e somam forças. Portanto, a acumulação das competências e
habilidades das duas áreas propiciam uma atuação mais enfática junto à realidade social e à
população desprivilegiada perante a sociedade capitalista e que torna-se a centralidade do
processo e desenvolvimento da gestão social.

REFERENCIAS

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Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 2002.

37
GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO ATENDIMENTO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES

Bruna Alves Gazeta*


Maria José de Oliveira**

Resumo: O presente trabalho traz o tema “Gestão de políticas públicas para o atendimento de
crianças e adolescentes”. A pesquisa tem por objetivo central, compreender as políticas de
atendimento a crianças e adolescentes, tendo em vista o contexto de desmonte das políticas
públicas sociais no Brasil, através da investigação por meio de trabalho de campo que será
desenvolvido em dois bairros da cidade de Franca, visando compreender como estas políticas
estão sendo geridas e como estão sendo concretizadas e efetivadas de acordo com o que o
Estatuto da Criança e do Adolescentes- ECA preconiza. Assim, teremos um diagnóstico da
realidade de como vem sendo tratado a gestão de políticas públicas voltadas para o
atendimento de crianças e adolescentes na cidade de Franca, compreendendo o contexto de
disseminação de valores e práticas Neoliberais que instaurou a contradição entre políticas
públicas e capital e os rebatimentos destas contradições na sociabilidade das crianças e
adolescentes.

Palavras-chave: gestão. gestão social. políticas sociais.

INTRODUÇÃO

A gestão social é compreendida enquanto gestão de ações sociais públicas, tendo por
objetivo gerir ações sociais, visando atender demandas e necessidades, por meio das políticas
sociais, a fim de garantir direitos e atender as necessidades da sociedade civil através da
consolidação das ações e intervenções no campo da transformação social.

Quando falamos em gestão social, estamos nos referindo à gestão das ações
sociais públicas. A gestão do social é, em realidade, a gestão das demandas e
necessidades dos cidadãos. A política social, os programas sociais, os
projetos são canais e respostas a estas necessidades e demandas.
(CARVALHO, 1999, p. 19).

O estudo do tema, tem início no Brasil com professor, Fernando Guilherme Tenório,
“[...] o termo Gestão Social tem sido confundido quase exclusivamente com gestão de
políticas e ou programas sociais.” (TENÓRIO, 2006, p. 134).

*
Bacharel em Serviço Social pela UNESP/Câmpus de Franca; Mestranda em Serviço Social pelo Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da FCHS da UNESP/câmpus de Franca, integrante do GESTA
Unesp/Câmpus de Franca.
**
Doutora em Serviço Social pela Unesp-Franca, Docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP/Câmpus de Franca; Líder do do GESTA Unesp/Câmpus
de Franca.
39
A gestão social é uma resposta às manifestações das expressões da questão social, ela
representa a agenda do Estado, se concretizando por via das políticas sociais, constituindo-se
por meio da viabilização dos direitos.
A sua concretização se dá pela ação do Estado por meio de órgãos do governo como
os munícipios, os estados e pela União, além das instâncias não-governamentais como
empresas privadas, instituições sem fins lucrativos e ações da sociedade civil.
A Gestão Social é discutida por diversos autores e diversos conceitos são colocados
por estes autores, assim para compreender melhor as concepções de gestão se faz necessário
analisar esses autores.
Tenório (1998), compreende a gestão social enquanto processo gerencial e este
processo de tomada decisões deve ser compartilhada por todos os indivíduos que estão
inseridos na ação, seja em organizações públicas, privadas ou não-governamentais. Assim,
“Assim, gestão social é o processo intersubjetivo que preside a ação da cidadania tanto na
esfera privada quanto na esfera pública”. (TENÓRIO,1998, p. 22).
Dowbor (1999) atribui a gestão social à uma ação de transformação da sociedade, e
essa só se dará com a construção de uma nova organização em que seja redefinido a relação
entre o político, o econômico e o social, para assim construir uma nova gestão. Defende a
ideia que essa transformação deve ser em conjunto com empresários, políticos, organizações
não-governamentais e movimentos sociais a fim de construir uma nova gestão que seja
transformadora.
Fischer (2002) designa que gestão social é a gestão do desenvolvimento do campo da
gestão social, que se constitui por um processo social e que são mediados por relações de
conflito e poder.
França Filho (2008, p. 3) acredita que a gestão das demandas sociais devem ser
desenvolvidas não só pelo Estado como também pela sociedade através de associações.
A partir destes referenciais, a gestão social pode ser compreendida pela noção de ações
que viabilizam direitos, buscando a emancipação dos indivíduos e a superação das expressões
da questão social, tornando a gestão um instrumento de mediação para o acesso aos direitos e
as políticas sociais.

[...] gestão social como um conjunto de processos sociais com potencial


viabilizador do desenvolvimento societário emancipatório e transformador.
É fundada nos valores, práticas e formação da democracia e da cidadania,
em vista do enfrentamento às expressões da questão social, da garantia dos
direitos humanos universais e da afirmação dos interesses e espaços
40
públicos como padrões de uma nova civilidade. Construção realizada em
pactuação democrática, nos âmbitos local, nacional e mundial; entre os
agentes das esferas da sociedade civil, sociedade política e da economia,
com efetiva participação dos cidadãos historicamente excluídos dos
processos de distribuição das riquezas e do poder. (MAIA, 2005, p. 16).

Em um contexto Neoliberal, a gestão social assume um novo papel na sociedade.


Passa a ter a finalidade de ações gerenciais com cunho social realizado por três atores: o
Estado, o Mercado e o chamado Terceiro Setor. Este vem assumindo um papel de gestão pela
atuação da sociedade civil organizada através de organizações não-governamentais sem fins
lucrativos, ou seja, o que deveria ser desenvolvido pelos órgãos estatais vem sendo
desenvolvido por instituições da sociedade civil e pelo mercado. Assim, essas organizações
assumem responsabilidades políticas de cunho Estatal e o Estado se torna mínimo nestas
ações.

[...] o cenário social contemporâneo, a gestão social assume novas


dimensões. No contexto da redução das ações reguladoras do Estado e
encolhimento das funções sociais. Mais ainda, em nome do fortalecimento
da sociedade civil e do estimulo as iniciativas autônomas, comparece com
grande força o discurso da solidariedade que no âmbito da crise do Estado
contemporâneo, ganha contornos de desresponsabilização com as políticas
sociais e repasse de sua execução para organizações não-governamentais,
além da privatização de um conjunto de serviços públicos, que passam a ser
intermediados pelo mercado. (RICHELIES, 1998, p. 117).

Estas organizações estão ocupando um papel na sociedade que deveria ser do Estado.
O Estado transfere sua responsabilidade, não desenvolvendo as ações que lhe compete, assim
as políticas públicas e sua gestão se tornam quase ausentes na agenda do Estado. Isso expressa
claramente o norte do ideário Neoliberal que defende uma atuação mínima do Estado para o
social.
O Neoliberalismo é um modelo de acumulação que se deu com a crise econômica do
pós-guerra em 1973, que propunha um desmonte das políticas sociais com a redução dos
gastos sociais, contenção de recursos, corte de gastos públicos, Estado mínimo, privatização,
terceirização e etc. (SOARES, 2000, p. 35).
A ideologia neoliberal se expande no Brasil na década de 1990 com o presidente
Collor de Melo, que abriu o mercado para produtos e empresas estrangeiras, favorecendo a
economia externa e foi com Fernando Henrique Cardoso que se intensificou essa política de
privilegiar as potências capitalistas.

41
[...] o neoliberalismo é uma ideologia do sistema capitalista que defende o
ajuste dos Estados Nacionais as exigências do capital transnacionalizado,
contrariando, portanto, aos pactos que subordinam o capital a qualquer
forma de soberania popular ou instituições de interesse público; transfere as
obrigações do Estado para a iniciativa privada. (RAMOS, 2012, p. 18).

O resultado desta política econômica que se perpetua na sociedade atual, é um


mercado altamente livre e desigual, um trabalho precário, terceirizado, flexibilizado, levando
a um grande contingente de exército de reserva, baixos salários, subempregos, aumento do
trabalho informal, desemprego, aumento da pobreza, desmonte das políticas sociais e etc.

[...] esse novo modelo de acumulação implica que: os direitos sociais perdem
identidade e a concepção de cidadania se restringe; aprofunda-se a separação
do público-privado e a reprodução é inteiramente devolvida para este último
âmbito; a legislação trabalhista evolui para uma maior mercantilização (e,
portanto, desproteção) da força de trabalho; a legitimação (do estado) se
reduz ao assistencialismo. (SOARES, 2000, p. 40).

No ideário neoliberal o Estado transfere as responsabilidades que são estatais para a


sociedade civil. Assim, a atuação das políticas fica por encargo da sociedade civil ou
empresas e instituições, levando ao desmonte das políticas públicas e dos direitos socialmente
conquistados.

POLÍTICAS SOCIAIS

As políticas sociais são um conjunto de decisões, planos, metas e ações


governamentais, podendo ser de nível nacional, estadual ou municipal, voltadas para a
resolução de demandas de interesse público, na qual, visa garantir subsídios para perpetuar
direitos sociais dando respostas as expressões da questão social.
No Brasil se deu na década de 30, resultante da aproximação dos movimentos sociais e
lutas da classe trabalhadora. Esta se deu como resposta do Estado afim de amenizar os
conflitos e reivindicações que se davam na época.

Políticas públicas são conjuntos de programas e planos vinculados à ação


governamental, dirigidos a intervenção nas áreas social e econômica, por
meio dos quais são traçadas as diretrizes e metas a serem fomentadas pelo
Estado, em especial na implementação dos objetivos e na viabilização de
direitos fundamentais assegurados na Carta Política. (BUCCI, 2012, p. 251).

42
A Constituição Federal de 1988, estabeleceu esse processo que se se tornou um marco
para a cidadania brasileira, com conquistas democráticas, estabelecendo novas diretrizes para
a efetivação das políticas públicas, representando um grande avanço no acesso aos direitos.
Esta garante e prevê a consolidação de direitos civis, políticos e sociais, tendo a
participação da sociedade na formulação e implementação das políticas públicas. A
Constituição estabeleceu novas diretrizes para a efetivação das políticas sociais, representando
um grande avanço no acesso aos direitos.
"Art. 6° - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição." (BRASIL, 1988).
As políticas sociais no Brasil foram desenvolvidas tardiamente, foi construída de
forma lenta e com caráter assistencialista, seletista, fragmentada, focalista e descentralizada,
longe de uma política universal e emancipatória.
Em 1990, a ideologia Neoliberal se estabelece no Brasil, negando o que foi conquistado
na Constituição Federal, com redução dos gastos sociais, contenção de recursos, corte de gastos
públicos, Estado mínimo, privatização, terceirização e etc. (SOARES, 2000, p. 35).

[...] esse novo modelo de acumulação implica que: os direitos sociais perdem
identidade e a concepção de cidadania se restringe; aprofunda-se a separação
do público-privado e a reprodução é inteiramente devolvida para este último
âmbito; a legislação trabalhista evolui para uma maior mercantilização (e,
portanto, desproteção) da força de trabalho; a legitimação (do estado) se
reduz ao assistencialismo. (SOARES, 2000, p. 40).

Esse Estado que está configurado no ideário Neoliberal só reforça ainda mais as
expressões da questão social, bem como, a desigualdade, desemprego, pobreza e miséria,
causados pela terceirização, flexibilizado, exército de reserva, baixos salários, subempregos,
aumento do trabalho informal, violação de direitos e privatizações.
Resultado deste ideário é o desmonte das políticas sociais e privação de direitos.

POLÍTICAS SOCIAIS PARA CRIANÇA E ADOLESCENTE

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal n. 8.069 de 1990, marca a


concessão do direito na proteção integral à criança e ao adolescente, tornando-se um marco na
proteção da infância e juventude, tendo como base a doutrina de proteção integral que se dá
com a Constituição de 1988.
43
Em 1990, tem-se a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e
consequentemente a revogação do Código de Menores, resultado de grandes mobilizações de
cunho social, dos direitos humanos e dos movimentos populares, trazendo respostas junto a
Constituição Federal de 1988, com o Art. 227, que estabelecia novas diretrizes na proteção e
defesa dos direitos desses sujeitos, “[...] a criança e o adolescente deixam de ser,
juridicamente, 'menores' para serem sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de
desenvolvimento.” (JANUÁRIO, 2007, p. 22)
O ECA, em suas disposições coloca o Estado, a família e a comunidade como
responsáveis em garantir os direitos fundamentais destes, o que antes era visto como papel
fundante da família, o estatuto vem para romper com este pensamento da família como
responsável, o que levava a uma culpabilizacao das famílias.

Art. 3º - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais


inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual
e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 1990).

O Estado, a família e a comunidade são responsáveis em garantir e defender os direitos


das crianças e dos adolescentes. O Estado tem atribuição em gerir, elaborar e efetivar políticas
públicas a fim de garantir os direitos estabelecidos não só no ECA como também na
Constituição Federal.

Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder


público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
(BRASIL, 1990).

Assim, o Estado tem que garantir políticas públicas que defendam e asseguram todos
os direitos estabelecidos no Art.4° do Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas a pergunta
que fica é como que vem sendo efetivadas, concretizadas e geridas esses direitos no contexto
do desmonte das políticas sociais.

44
OBJETIVO GERAL E ESPECÍFICOS

Conhecer o processo de Gestão de Políticas Públicas voltadas para o atendimento de


crianças e adolescentes na cidade de Franca, compreendendo o contexto de disseminação de
valores e práticas Neoliberais que instaurou a contradição nas políticas públicas e os
rebatimentos desta contradição na sociabilidade das crianças e adolescentes. Por meio da
análise e diagnostico dos impactos das ações dos conselhos da criança e do adolescente sobre
a sociedade civil, identificando junto aos conselhos de direitos, as principais demandas na
cidade de Franca e a analisar o processo de gestão dessas políticas, preconizando um debate
da efetivação das políticas públicas voltadas para o atendimento à crianças e adolescentes,
indagando a contradição Gestão em tempos de desmonte das políticas públicas no Brasil.

METODOLOGIA

A pesquisa científica tem por objetivo a elaboração de conhecimentos, na busca para a


construção do conhecimento científico podendo contribuir para a transformação e
compreensão da realidade.

[...] pesquisa é toda atividade voltada para a solução de problemas; como


atividade de busca, indagação, no âmbito da ciência, elaborara um
conhecimento, ou um conjunto de conhecimentos, que nos auxilie na
compreensão desta realidade e nos oriente em nossas ações. (PÁDUA, 1997,
p. 29).

A pesquisa é uma forma de caminhar ao conhecimento, afim da compreensão da


realidade do mundo, “nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em
primeiro lugar, um problema na vida prática”, ou seja, nenhum estudo se dá sem
embasamento a algum questionamento da realidade concreta.
O estudo se concentrará na abordagem qualitativa,

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa,


nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria
ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com um universo dos significados, dos
motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto
de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois
o ser humanos se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e
por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com
seus semelhantes. (MINAYO, 1993, p. 22).
45
Esta se baseia nas relações humanas, pois, vai além de números e busca compreender
as subjetividades e especificidades de seus sujeitos, apoiada na pesquisa bibliográfica e na
pesquisa de campo, por meio de coleta de dados, entrevistas e análise dos dados obtidos, para
um apreensão real da ação prática se apoiando na ação teórica.

PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

A pesquisa bibliográfica é uma instância da investigação científica que parte de


estudos exploratórios, através de materiais constituídos por artigos científicos e realizada por
autores específicos dos temas abordados na pesquisa.
A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao
investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que
poderia pesquisar diretamente. Esta vantagem se torna particularmente importante quando o
problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço (GIL, 1994, p. 65).
Esta tem o embasamento teórico como responsável por fornecer base para a pesquisa
de campo, instaurando um método teórico-prático.

TRABALHO DE CAMPO

A pesquisa de campo tem por sua finalidade compreender as particularidades


indagando entender e transformar a realidade, assim

O trabalho de campo permite aproximação do pesquisador da realidade sobre


a qual formulou uma pergunta, mas também estabelecer uma interação com
os “atores’’ que conformam a realidade e, assim, constrói um conhecimento
empírico importantíssimo para quem faz pesquisa social. (MINAYO, 2012,
p. 61).

É um método de investigação, em que se apresenta como uma forma de aproximação


com aquilo que desejamos conhecer, “[...] mas também de criar um conhecimento, partindo
da realidade presente no campo.” (MINAYO, 2004, p. 13).
Se dará por meio de entrevistas, coleta de dados e análise dos resultados, objetivando
analisar como a gestão social e como as políticas públicas voltadas para o atendimento de

46
crianças e adolescentes vem sendo designadas na cidade de franca, tendo dois bairros da
cidade investigados, assim teremos um resultado da viabilização destas políticas.

O CENÁRIO DA PESQUISA

A pesquisa se dará no município de Franca/SP, na região sudeste do Estado de São


Paulo, em dois bairros da cidade.
Um dos bairros escolhidos, foi o bairro Vila São Sebastião, sua escolha se deu devido
a uma pesquisa realizada no ano de 2015, pela pesquisadora deste projeto, a pesquisa de
referência se deu no trabalho de campo com adolescentes que estavam cumprindo a medida
socioeducativa liberdade assistida. A maior parte dos adolescentes que vinham cumprindo
esta medida, moravam neste bairro da cidade de Franca, o que leva a questionar se as políticas
voltadas para estes jovens e para estas crianças que se tornarão adolescentes estão sendo
concretizadas e o porquê do envolvimento de tantos jovens deste bairro em atos infracionais.
A escolha se dá devido a um reflexo das expressões da questão social, vivenciadas por
adolescentes do bairro Vila São Sebastião.
O segundo bairro escolhido, foi o bairro Portinari, na qual, o grupo de assessoria e
consultoria na gestão de organização não-governamentais, realiza um trabalho de extensão,
tendo como responsável a orientadora deste projeto de pesquisa, assim, a pesquisa e o grupo
ganham suporte para compreender as demandas, vulnerabilidades e como vem sendo geridas
as políticas de atendimento a criança e adolescentes destes dois bairros na cidade de Franca, e
consequentemente refletir se estes dados fazem parte somente da realidade da cidade de
Franca ou estes refletem o contexto da sociedade brasileira.

SUJEITOS DA PESQUISA

Os sujeitos participantes da pesquisa serão órgãos e instituições prestadoras de


serviços e atendimentos voltadas para crianças e adolescentes, sejam elas públicas ou
privadas, bem como, o CRAS Oeste que atende o bairro Vila São Sebastião e o CRAS Norte
que atende o bairro Portinari, CREASS que atendem estes dois bairros.

Os sujeitos/objetos de investigação, primeiramente, são construídos


teoricamente enquanto componentes do objeto de estudo. No campo, eles
fazem parte de uma relação de intersubjetividade, de interação social com o
47
pesquisador, daí resultando num produto compreensivo que não é a realidade
concreta e sim uma descoberta construída com todas as disposições em mãos
do investigador: suas hipóteses e pressupostos teóricos, seu quadro
conceitual e metodológico, suas interações, suas entrevistas e observações,
suas inter-relações com os colegas de trabalho. (MINAYO, 2012, p. 63).

Os Assistentes Sociais que atuam nas instituições também serão sujeitos da pesquisa,
bem como, nos CRAS, CREASS e membros dos Conselhos Municipais da criança e do
adolescente.

ENTREVISTA

A entrevista, ferramenta utilizada para maior aproximação entre pesquisador e sujeito


do estudo é entendida,

[...] como forma privilegiada de interação social está sujeita á mesma


dinâmica das relações existentes na própria sociedade. Quando se trata de
uma sociedade ou de um grupo marcado por muitos conflitos, cada
entrevista expressa de forma diferenciada a luz e a sombra da realidade,
tanto no ato de realiza-la como nos dados que aí são produzidos. Além disso,
pelo fato de captar formalmente a fala sobre determinado tema, a entrevista,
quando analisada, precisa incorporar o contexto de sua produção e, sempre
que possível, ser acompanhada e complementada por informações
provenientes de observação participante. (MINAYO, 2012, p. 66, grifo do
autor).

Como abordagem metodológica do trabalho de campo a entrevista “serve com um


meio de coleta de informações sobre um determinado tema cientifico”. As entrevistas serão
semi-estruturadas, com perguntas já formuladas, e temas livres, com aprofundamento da
história de vida, esse método possibilita “um diálogo intensamente correspondido entre
entrevistador e informantes”, além da observação participante, na qual possibilita a apreensão
de diversos fenômenos que não apreendidos pelas perguntas (MINAYO, 2004, p. 27).
As entrevistas terão perguntas pré-definidas, a escolha do questionário aberto para
captação das respostas.

[...] consiste em um conjunto de questões pré-elaboradas, sistemática e


sequencialmente dispostas em itens que constituem o tema da pesquisa, com o
objetivo de suscitar dos informantes respostas por escrito ou verbalmente sobre
assunto que os informantes saibam opinar ou informar. É uma interlocução
planejada. (CHIZOTTI, 1991, p. 51).

48
As entrevistas se darão com membros dos Conselhos Municipais, gestores municipais
e instituições de atendimento de crianças e adolescentes, com intuito de compreender e ter
uma apreensão da realidade e da efetividade das políticas públicas voltadas para estes sujeitos,
o que corresponde a uma resposta se os direitos estão sendo assegurados. Estas se farão
através da análise de conjuntura para além de dados e números, buscando um desvelamento
da realidade e sua apreensão.

FORMA DE ANÁLISE DOS RESULTADOS

A proposta de análise dos resultados se dará como denomina Minayo, o método


hermenêutico-dialético, “[...] essa compreensão tem, como ponto de partida, o interior da fala.
E, como ponto de chegada, o campo da especialidade histórica e totalizante que produz a
fala.” (MINAYO, 1998, 22).

[...] análise de conteúdo, enquanto método, tornasse um conjunto de técnicas


de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e
objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, isto porque a análise de
conteúdo se faz pela prática. (BARDIN, 2009, p. 51).

Com base nas informações coletadas por meio dos métodos utilizados será possível
problematizar e interpretar os resultados obtidos na pesquisa como um todo, baseado em um
contexto e dados obtidos pelo trabalho de campo refletindo acerca dos resultados em uma
perspectiva de totalidade e livres de conceitos e pré-conceitos já definidos, afastando do
imediato e rompendo com a pseudoconcreticidade.
A práxis, como fundamento na busca da apreensão da realidade, conciliando o saber
prático e teórico, na busca do saber teórico e dando embasamento para a atuação prática,
visando uma compressão real da totalidade que a pesquisa propõe.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa será de grande relevância para compreender como a gestão de políticas
públicas voltadas para o atendimento de crianças e adolescentes estão sendo garantidos tendo
em vista um estatuto que garante e defende os direitos fundamentais inerentes à pessoa
49
humana, direitos como: saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização,
cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária. Esses dados
revelarão a realidade e a efetividade destas políticas, mostrando a realidade de Franca e o que
vem sendo concretizado e o que pode ainda ser feito para se concretizar, a fim de assegurar
que os direitos das crianças e adolescentes sejam materializados e efetivados.
A efetivação destas politicas significam que o Estado está garantindo e concretizando
direitos socialmente conquistados, caso contrário, os direitos estão sendo violados,
repercutindo na camada mais vulnerável da sociedade. Torna-se importante apontar desafios,
dificuldades e problemas associados ao processo de gestão das políticas para possibilitar
propostas de superação dos limites e concretização e acesso de direitos.

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51
GESTÃO SOCIAL NO BRASIL E O NOVO MARCO LEGAL DAS RELAÇÕES
ENTRE ESTADO E SOCIEDADE

Thaís Gaspar Mendes da Silva*


Hellen Thaiane Romeiro Leite**
Paula Fonseca do Nascimento Viudes***

Resumo: O presente artigo, fruto de pesquisa bibliográfica, é resultado das discussões


realizadas na disciplina de Gestão Social e Serviço Social do Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),
campus de Franca - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Seu objetivo consiste em
pontuar as implicações do novo marco legal e regulador - Lei nº 13.019/2014, que trata das
relações entre Estado e sociedade no tocante aos processos de gestão social no Brasil. Nesse
intuito, buscou-se abordar o papel do Estado brasileiro no contexto de consolidação da
democracia e de garantia dos direitos sociais e como se estruturaram os mecanismos
(atribuições e normas de regulação) de efetivação da gestão das políticas públicas a partir das
reformas do Estado, implementadas desde os anos 1990, que possibilitaram maior
protagonismo da sociedade civil organizada, notadamente, do chamado “Terceiro Setor”.
Nesse contexto, é sancionado em outubro de 2014 o marco regulatório das organizações da
sociedade civil, que altera a regra das parcerias entre a administração pública e as
organizações da sociedade civil e entendida, como mecanismo de legitimação da transferência
das ações estatal para as organizações do “terceiro setor”.

Palavras-chave: gestão social, terceiro setor, novo marco legal.

INTRODUÇÃO

Abordar a temática da Gestão Social no Brasil significa percorrer um conjunto de


reflexões sobre a trajetória do Estado brasileiro. Ao longo da história, o Estado assume as
mais variadas feições num processo constante de transformações para que se possa conformar
à dinâmica social. O modo de produção capitalista e as especificidades do processo histórico
marcado pelo passado escravista e patrimonialista, contribuíram na delimitação das relações
entre o Estado, a sociedade e o mercado e nas formas de enfrentamento às questões sociais, na
organização e na implementação das políticas públicas.
No final da década de 1970 e nos anos de 1980, emerge um novo quadro
sociopolítico, que inicia um campo de potencialidades significativas para a redefinição de

*
Doutoranda em Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP/Câmpus de
Franca. Mestre em Serviço Social e Política Social - Universidade Estadual de Londrina (UEL). Docente em
Serviço Social pela Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR/Paranavaí.
**
Mestre em Serviço Social e Política Social - Universidade Estadual de Londrina (UEL).
***
Doutoranda em Geografia, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP/Câmpus
Presidente Prudente.
53
correlação de forças no Brasil. O processo de modernização conservadora implantado pela
ditadura militar foi responsável pela aceleração da urbanização da sociedade e de
industrialização, o que provocou um novo quadro das relações sociais e de organização
sociopolítica, além das interferências internacionais (crise mundial) associadas com as
articulações de movimentos sociais que traduziram um modo peculiar de condução do Estado
(LEITE, 2012).
Durante a década de 1990, o Brasil consolidou e organizou institucionalmente seu
compromisso com o regime democrático, em especial, a partir da Constituição Federal de
1988, criou-se um Estado de Direito no país, com responsabilidades sociais e com grandes
avanços em relação aos direitos sociais, possibilitando a vigência de princípios
universalizantes, de liberdades e direitos, sob a competência do Estado, bem como introduziu
mecanismos para a participação popular. Nesse sentido, o Brasil defrontou-se com suas
insuficiências e com o peso de seu passado, apesar de contar com um ganho incontestável de
transparência.
A partir da década de 1990, veio à tona uma série de questões sobre o papel do
Estado na garantia de direitos. Nesse momento, foi se consolidando a argumentação daqueles
que defendiam a redução da intervenção estatal nas políticas sociais, defendendo um
protagonismo maior de entidades e organizações não-governamentais, reconhecidas como
integrantes do chamado “terceiro setor”.
Assim, destacamos no presente texto o objetivo de apresentar as implicações do novo
marco legal e regulador - Lei n. 13.019/2014, que trata das relações entre Estado e sociedade
no tocante aos processos de gestão social no Brasil. Fruto de pesquisa bibliográfica, entendida
como aquela “[...] desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente
de livros e artigos científicos” (GIL, 2008, p. 50), é resultado das discussões realizadas na
disciplina de Gestão Social e Serviço Social do Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de
Franca - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais.
O texto está dividido em três seções: a primeira trata da Reforma do Estado a partir
do final da década de 1970 e as novas configurações da gestão social no cenário de
desresponsabilização do Estado brasileiro; na segunda seção, o texto apresenta um debate
sobre o terceiro setor sendo aqui compreendido, a partir de uma perspectiva crítica, como
fenômeno funcional ao processo de reestruturação do capital, inserido nas contradições da
sociedade capitalista contemporânea. Na terceira seção apresentamos a Lei n. 13.019/2014
54
chamada de Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil que trouxe
algumas mudanças nas parcerias entre a Administração Pública e as organizações da
sociedade civil.

REFORMA DO ESTADO E GESTÃO SOCIAL NO BRASIL

O modo como os contextos sociais se apresentaram e as crises econômicas na virada


dos anos 1980 para os anos 1990 nortearam a formatação do papel do Estado na garantia dos
direitos sociais, na medida em que se consolidavam o regime democrático e se aprofundavam
medidas para frear o retrocesso econômico-financeiro.

O Estado não teria mais como manter seu perfil estrutural, muito menos seus
encargos e atribuições. Forçado a agir num ambiente desterritorializado,
altamente dinâmico e competitivo, repleto de riscos e turbulências pouco
previsíveis, o Estado teria apenas a opção de se converter a si próprio para
ter condições de auxiliar o desenvolvimento econômico e proteger os
cidadãos da fúria das desigualdades. (NOGUEIRA, 2011, p. 45).

Embora a delimitação das responsabilidades do Estado fosse recente, com a


promulgação da Constituição Federal de 1988, um amplo processo de reforma teve início,
implicando na redução do seu âmbito institucional e da redefinição do seu papel, "[...] o papel
do Estado é fundamental para o processo de desenvolvimento econômico e social, porém não
enquanto agente direto do crescimento senão como sócio, elemento catalisador e
impulsionador desse processo." (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 1 apud SIMIONATTO,
1999).
Essa reorientação de sua responsabilidade diminuiu intensamente a sua ação como
Estado provedor das políticas sociais e rebate na diminuição dos recursos públicos na área
social, uma vez que, a redução dos gastos públicos é um dos componentes necessários ao
fortalecimento das políticas macroeconômicas e incide diretamente sobre as políticas públicas
de corte social.
Dentre os que defendiam essa reforma do Estado, argumentava-se que era “[...]
necessária e urgente, no sentido de convertê-lo em moderno, ágil e transparente instrumento
de justiça social.” (SILVA, 2004, p. 168). O Estado passou a ser entendido aqui não mais
como o provedor de serviços públicos, mas como promotor e regulador, o que implicaria em
transformações profundas em sua estrutura: novos instrumentos de gestão, novos âmbitos de

55
conflito, novos atores, novas instituições, novas formas de responsabilização e nova cultura
política-administrativa (BENTO, 2003, p. 108).
Diante deste cenário, abriu-se espaço para o fortalecimento das iniciativas de
natureza privada na execução das funções públicas - a complementaridade e mixagem entre o
Estado, sociedade civil e o mercado - e para a proliferação das organizações públicas não
estatais, e da responsabilidade civil do empresariado. O debate sobre a gestão social, no
contexto da Reforma do Estado assumiu novas direções.
Para Carvalho (1999, p. 19), gestão social correspondia à “[...] gestão das ações
sociais públicas e à gestão das demandas e necessidades dos cidadãos.” As demandas
constituem-se como direito dos indivíduos que é igual ao fundamento da política pública,
“[...] a prioridades contempladas pelas políticas públicas são decididas pelo Estado, mas
nascem na sociedade civil.”
A partir desse entendimento, a expressão ‘gestão social’ referia-se primordialmente
às ações no âmbito do Estado. No entanto, “[...] precisamente no contexto da reforma do
Estado, sob a égide do pensamento neoliberal, há o deslocamento da gestão social da esfera
público-estatal para a esfera privada.” (SILVA, 2010, p. 31). Então, o uso da expressão, que
remetia a políticas públicas, generalizou-se, paradoxalmente, em um clima de desobrigação
do Estado quanto à gestão do social e da interpelação ao empresariado e às organizações da
sociedade civil para que assumam crescentemente responsabilidades do poder público
(SILVA, 2010).
No tocante a relação Estado/Sociedade Civil/Mercado houve uma divisão de
responsabilidades em que as ações passam a serem compartilhadas entre as três esferas para a
implantação de decisões e respostas às necessidades sociais:
- O Estado não se coloca como principal responsável pela proteção social, havendo
uma distribuição entre os setores não-governamentais “[...] as populações da região
terminaram por ser incentivadas a não esperar mais nada do Estado, a buscar viabilizar-se por
si mesmas, no mercado ou na dinâmica comunitária, num contexto de luta pela vida, esforço
pessoal e voluntarismo.” (NOGUEIRA, 2011, p. 50).
- Privatizam-se as ações econômicas e algumas políticas sociais exercidas pelo
Estado assentadas na eficiência do gasto público, introduzindo mecanismos de mercado na
gestão pública.
- O mercado seria mais competente que o Estado no provimento de certos serviços
básicos, convertendo “[...] direitos de cidadania, por exemplo, em serviços (educação, saúde e
56
previdência social) a serem providos (e vendidos) pelo mercado ou pelo setor público não
estatal.” (NOGUEIRA, 2011, p. 151).
Nessa ótica, a gestão social se dá a partir da parceria entre as três esferas e se
expressa pelo papel compensatório das políticas públicas, retirando o seu caráter universal,
assumindo uma perspectiva focalista, na medida em que visa atender os segmentos
populacionais mais vulneráveis.

O projeto neoliberal, visando à redução (não eliminação) da intervenção do


Estado na área social – a partir da concepção global de que o bem-estar
social pertence à dimensão privada (família, comunidade e mercado) e de
que ao Estado cabe apenas o atendimento residual para os indivíduos que
não conseguem ter suas necessidades atendidas no campo privado -, propõe
estratégias para o desenvolvimento de políticas sociais baseadas,
principalmente, na privatização, focalização e descentralização (LAURELL,
1995; SOARES, 2000; DRAIBE, 1990). [...] nesse quadro, o apelo à
solidariedade da sociedade, via voluntariado e parcerias com a sociedade
civil, e programas de renda mínima se apresentam como instrumentos
adequados para operacionalização das estratégias de intervenção social.
(SOUZA FILHO, 2011, p. 151).

Emerge nesse contexto um protagonismo maior de entidades e organizações não-


governamentais, reconhecidas como integrantes do chamado “terceiro setor”. O que se
verifica, “[...] é a transferência dos serviços sociais para a sociedade civil, sob o discurso
ideológico da 'autonomia', 'solidariedade', 'parceria' e 'democracia', enquanto elementos que
aglutinam sujeitos diferenciados.” Opera-se a despolitização das demandas sociais, ao mesmo
tempo em que se desresponsabiliza o Estado e responsabiliza os sujeitos sociais pelas
respostas às suas necessidades sociais (ALENCAR, 2009, p. 455).

TERCEIRO SETOR: ELEMENTOS PARA SUA COMPREENSÃO

É preciso compreender que a noção de “terceiro setor” reúne no mesmo debate uma
ampla gama de autores com perspectivas teórico-políticas diversas. Pode-se dizer que, há duas
tendências que prevalecem na contemporaneidade, cujas direções se distinguem e se articulam
a projetos societários diferentes: uma tendência dominante ou conservadora e uma tendência
crítica e de totalidade.1

1
Importante destacar de início, que a linha adotada por esse artigo se assenta na tendência crítica e de totalidade.
Contudo, antes de apresentar os elementos críticos referentes ao “terceiro setor” optou-se também por
apresentar brevemente, o discurso defendido pela tendência dominante/conservadora que tem clara inspiração
pluralista, estruturalista ou neopositivista, funcional com os interesses de classe (burguesa).
57
A partir da tendência dominante ou conservadora, o “terceiro setor” é constituído
pela sociedade civil organizada para responder e intervir no contexto das sequelas da questão
social. A defesa é de que nem o Estado, nem o mercado dão conta dos inúmeros problemas
sociais emergentes, cabendo então, à sociedade civil a intervenção no social, a partir da
exaltação dos princípios e valores do voluntarismo e da solidariedade.
Assim, o “terceiro setor” é entendido como alternativa de resposta à questão social,
uma vez que, “o Estado é inimigo da democracia e da liberdade e um provedor corrupto e
ineficiente de bem-estar social, sendo que em seu lugar a ‘sociedade civil’ é a protagonista da
democracia e da melhoria social” (PETRAS, 1999, p. 19 apud DUARTE, 2008, p. 58). Nessa
linha, segundo Fernandes2 (1994, p. 19 apud DUARTE 2008, p. 55), o “terceiro setor” surge
como uma “terceira possibilidade”:

Surge no mundo um terceiro personagem. Além do Estado e do mercado, há


um ‘terceiro setor’. ‘Não-governamental’ e ‘não-lucrativo’, é, no entanto,
organizado, independente, e mobiliza particularmente a dimensão voluntária
do comportamento das pessoas. As relações entre o Estado e o mercado, que
têm dominado a cena pública, hão de ser transformadas pela presença desta
terceira figura – as associações voluntárias.

A partir da perspectiva crítica e de totalidade, o “terceiro setor” é compreendido


como um “fenômeno fluído e funcional ao processo de reestruturação do capital, inserido na
perspectiva de totalidade e nas contradições da sociedade capitalista contemporânea”, que
representa claramente os interesses da classe dominante e, assim, serve como estratégia de
consenso e hegemonia (DUARTE, 2002, p. 60). O conceito não se instala como fenômeno
isolado, mas, tem como ponto de partida o movimento e as tendências das transformações do
capital como um todo, como fenômeno partícipe das transformações gerais e como produto
delas, que apresenta forte funcionalidade com o atual processo de reestruturação do capital
(MONTAÑO, 2007).
De acordo com Montaño (2007, p. 53), o termo “terceiro setor” não é neutro. Ele
surge nos Estados Unidos em 1978 e, por sua procedência norte americana, explica-se o
predomínio do voluntariado, decorrente da cultura política e cívica daquela nação baseada no
individualismo liberal. No Brasil, ele passa a ser usado a partir da década de 1990, no
contexto de reestruturação do capital e do Estado, desenvolvido sob orientação neoliberal

2
Rubem Cesar Fernandes é um dos teóricos que defende a perspectiva tendência dominante/conservadora.

58
“[...] cunhado por intelectuais orgânicos do capital, sinalizando clara ligação com os
interesses de classe, nas transformações necessárias à alta burguesia.”
Ainda, segundo o autor, a noção de “terceiro setor”, é construída a partir de um
recorte do social em esferas, onde o “terceiro setor” (sociedade civil) se constituiu em um
espaço situado ao lado do Estado (público) e do Mercado (privado). Nessa esfera, estão
incluídas entidades de natureza distinta como ONGs, fundações empresariais, instituições
filantrópicas e atividades do voluntariado, instituições essas, de fins públicos de origem
diversa (estatal e social) e de natureza distinta (privada e pública). Resumidamente,
considera-se como “terceiro setor” a esfera “não-governamental”, “não-lucrativo” e “esfera
pública não estatal” materializado pelo conjunto de “organizações da sociedade civil
consideradas de interesse público”.
Contudo, segundo Montaño (2007, p. 55), não há “[...] acordo, entre teóricos e
pesquisadores, sobre as entidades que integrariam este ‘terceiro setor’.” Para o autor, o
conceito reúne, no mesmo espaço, organizações formais e atividades informais, voluntárias
e/ou individuais; entidades de interesses político, econômico e singulares; coletividades das
classes trabalhadoras e das classes capitalistas; cidadãos comuns e políticos ligados ao poder
estatal. Assim:

Este conceito, mais do que uma “categoria” ontologicamente constável na


realidade, representa um constructo ideal que, antes de esclarecer sobre um
“setor” da sociedade, mescla diversos sujeitos com aparentes igualdades nas
atividades, porém com interesses, espaços e significados sociais diversos,
contrários e até contraditórios (MONTAÑO, 2007, p. 57, grifo do autor).

No debate sobre o “terceiro setor”, a partir da perspectiva crítica e de totalidade,


pode-se dizer que o desenvolvimento do “terceiro setor” se consiste em uma nova modalidade
de intervenção às sequelas da questão social, gestado no interior da estratégia neoliberal de
reestruturação do capital. Sua origem está ligada, a forte crítica que se faz das políticas sociais
universais, contratualistas e constitutivas de direito de cidadania (MONTAÑO, 2007).
Essa valorização do “terceiro setor” em detrimento do Estado como responsável pela
gestão e intervenção no campo das políticas sociais, tem proporcionado “a hegemonia das
tendências de despolitização da “questão social”, remetendo o seu enfrentamento ao âmbito
privado, à sociedade civil”, que segundo Alencar (2009, p. 456) é “[...] identificada pelo
conjunto de organizações privadas, muitas vezes heterogêneas e díspares quanto à sua
natureza e âmbito de atuação.”

59
Alencar (2009, p. 456) pontua que, no processo da “contrarreforma do Estado”
brasileiro, os direitos sociais passam a ser “transmutados em “direito moral”, sob os princípios
abstratos da “ajuda mútua” e “solidariedade” calcados na transferência dos serviços sociais
para o “terceiro setor”.
Essa desresponsabilização do Estado, pela via da privatização das políticas sociais, se
deu também, pelo desenvolvimento do “terceiro setor”, que, como dito anteriormente, coloca
em cena no Brasil uma nova modalidade de gestão social assentada na divisão de
responsabilidades entre Estado, sociedade civil e Mercado, onde a ação se dá de forma
compartilhada entre as três esferas. O Estado não mais se coloca como o principal responsável
pela proteção social, há uma distribuição entre os setores não-governamentais, pela via da
privatização das ações econômicas e de ações sociais.
Como forma de regulamentar no país a atuação dessas instituições que compõem o
“terceiro setor”, aprovaram-se, de acordo com Montaño (2007, p. 200) legislações que tem
ajudado à criação e operação de entidades privadas “[...] com ‘interesse público’, ‘não-
governamentais’ e ‘sem fins lucrativos’, como corolário e justificativa para o processo
neoliberal de desresponsabilização do Estado.”
No Brasil, foram promulgadas diversas leis e decretos, que de forma direta ou
indireta, legislam sobre os tipos de organização que compõem o “terceiro setor”. E
regulamentaram a constituição das suas atividades. Dentre elas, Montaño (2007, p. 203) cita:
- Lei n. 91 de 28/08/1935. Esta reconhecia como de utilidade pública as sociedades
civis, associações e fundações, constituídas no país, com o fim exclusivo de servir
desinteressadamente à coletividade. Foi regulamentada pelo Decreto nº 50.517, de 02 de maio
de 1961 e revogada pela Lei n. 13.204, de 2015.
- Lei n. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998 (BRASIL, 1998a), que dispõe sobre o
Serviço Voluntário, “[...] considerado como atividade não remunerada prestada por pessoa
física a entidade pública, [...] não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza
trabalhista, previdenciária”;
- Lei n. 9.637, de 15/05/98 (BRASIL, 1998b), ela qualifica como organizações
sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam
dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e
preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde. “Articulada pelo ex-ministro Bresser
Pereira, promove uma verdadeira transferência de atividades estatais para o setor privado”;

60
- Lei n. 9.790, de 23/03/99, qualifica pessoas jurídicas de direito privado, sem fins
lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), e institui e
disciplina o termo de parceria, a ser firmado entre o Poder Público e as Oscip, destinado ao
vínculo de cooperação entre as partes. É regulamentada pelo Decreto nº 3.100, de 30/06/99 e
alterada pela MP n. 2.123-29, de 23/02/01.
Além das normas que legislam sobre os tipos de organização e que regulamentaram a
constituição do “terceiro setor” no Brasil, é sancionado no ano de 2014, a Lei n. 13.019,
alterada pela Lei n. 13.204, de 2015 que “Institui normas gerais para as parcerias entre a
administração pública e organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação,
para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco.” (BRASIL, 2015). Essa
legislação é conhecida como o novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil
(MROSC) e será tratada a seguir.

NOVO MARCO LEGAL E REGULATÓRIO DO “TERCEIRO SETOR”

O Chamado Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil,


fundamentado através da Lei n. 13.019/2014, traz uma série de mudanças para a formalização
de parcerias entre as organizações da sociedade civil e a Administração Pública.
A Lei n. 13.019/2014 estabelece o regime jurídico das parcerias entre a
administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação,
para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de
atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em
termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação; define diretrizes
para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade
civil segundo a Lei n. 13.204, de 14 de Dezembro de 2015 que altera a Lei n. 13.019, de 31 de
julho de 2014.
Também deve ser analisada a Portaria Ministério da Justiça n. 362/2016, que
considerou as alterações trazidas pela Lei nº 13.014/2014, entre as quais a revogação da Lei n.
91, de 1935, que tratava do título de Utilidade Pública Federal (UPF). Com a mudança, o
título de UPF deixa de ser condicionante para contratualização ou para acesso a benefícios no
nível federal. Em suma, título de UPF deixa de existir. Esta Portaria esclarece que a
qualificação de OSCIP não será mais renovada através do sistema CNES de prestação de
contas, orientando sobre os critérios e os procedimentos a serem observados para os pedidos
61
de qualificação, bem como processamento, manutenção, cancelamento e perda de
qualificação.
Assim, o Ministério da Justiça (MJ) fará o credenciamento das organizações,
mediante a concessão de certidão de qualificação, e tal documento atestará a manutenção da
organização qualificada como OSCIP. Segundo informações do próprio Ministério da Justiça,
os principais pontos trazidos pela Portaria são: 1. A organização não precisará mais apresentar
relatórios anuais de atividades no CNES; 2. A organização deverá informar as alterações
estatutárias, mudança de sede, mudança de razão social e/ou alteração de suas finalidades; 3.
Será fornecida a qualificação para organizações que desejam firmar Termos de Parceria com o
Poder Público.
Assim, para obter a certidão de manutenção da qualificação, é necessário acessar o
sítio eletrônico do Ministério da Justiça e fazer o pedido, acompanhado de declaração de que
a OSCIP tem seu cadastro atualizado.
Em seu Art. 2º da Lei n. 13.204/2015 considera-se organização da sociedade civil:

a) entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus
sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou
terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou
líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou
parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas
atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo
objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo
patrimonial ou fundo de reserva; b) as sociedades cooperativas previstas na
Lei no 9.867, de 10 de novembro de 1999; as integradas por pessoas em
situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social; as alcançadas por
programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda; as
voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou
capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural; e as
capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e
de cunho social. c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades
ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a
fins exclusivamente religiosos (BRASIL, 2015, grifo nosso).

Com a entrada em vigência da Lei n. 13.204/2015, passa a existir no Brasil as


seguintes modalidades de parceria entre a Administração Pública e as organizações da
sociedade civil: Termos de Colaboração, Termos Fomento e Acordo de Cooperação.

Termo de Colaboração: instrumento por meio do qual são formalizadas as


parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da
sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e
recíproco, propostas pela administração pública que envolvam a
transferência de recursos financeiros; b) o Termo de Fomento: instrumento
62
por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela
administração pública com organizações da sociedade civil para a
consecução de finalidades de interesse público e recíproco, propostas pelas
organizações da sociedade civil, que envolvam a transferência de recursos
financeiros; e c) Acordo de Cooperação: instrumento por meio do qual são
formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com
organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de
interesse público e recíproco que não envolvam a transferência de recursos
financeiros (ONOFRIO, 2016, p. 5, grifo nosso).

Esta Lei se aplica a todas as organizações da sociedade civil, entendidas como as


pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos (que não distribuem os seus resultados
entre seus dirigentes, associados e colaboradores, destinando-os integralmente às suas
finalidades estatutárias) e que tenham interesse em celebrar parcerias com a Administração
Pública. A todos os entes da Administração Pública (União, Estados e Municípios) que
tenham interesse em celebrar parcerias, sob a forma de Termo de Colaboração ou Termo de
Fomento, com entidades do terceiro setor. Para tanto, eles devem regulamentar a Lei n.
13.019/14 por meio de Decreto.
Um novo instituto inserido no ordenamento jurídico por meio da Lei n. 13.019 de
2014, alterados pela Lei n. 13.204 de 2015 é o chamado Procedimento de Manifestação de
Interesse Social, que é um mecanismo legal que busca em seu cerne incentivar a participação
ativa do cidadão na consecução e no cumprimento das políticas públicas.
Segundo o Art. 18, podem as organizações civis, os movimentos sociais, e os
cidadãos como um todo, apresentar propostas ao poder público, para que este de fato faça
avaliações acerca da possibilidade de se realizar um chamamento público (que é o mecanismo
também instituído pela Lei, para a contratação destas parcerias), buscando a celebração de
parcerias que interessem a população de um modo geral.
Caberia à população ainda apresentar um verdadeiro relatório apontando os
diagnósticos de realidade social que se quer modificar, aprimorar ou desenvolver, sendo
ainda, quando possível, necessária a apresentação da indicação da viabilidade dos custos, dos
benefícios e dos prazos de execução da ação pretendida. Há assim um verdadeiro avanço em
termos de participação popular da coisa pública.
O procedimento não vincula a Administração Pública a realizar o chamamento
público para o cumprimento destas ideias, mas já mostra a abertura dada ao cidadão, e em
especial aos movimentos sociais para a participação mais eficaz neste meio.
A Lei ainda traz vários outros requisitos e formalidades, dentre as quais a exigência
de elaboração de um plano de trabalho que deve ser apresentado no ato de celebração de
63
parceria, com toda a descrição do objeto dos termos de colaboração ou de fomento, com
prazos, metas, quantidade de recursos empregada, definição de parâmetros, entre outros
previstos no Art. 22 da referida lei; deve ainda haver um procedimento simplificado similar à
licitação pública tradicional, mas com algumas peculiaridades específicas previstas na lei dos
Artigos 23 ao 32, denominado Chamamento Público.
As instituições terão que se adequar para poder atender aos critérios estabelecidos na
lei. Todas essas alterações legislativas podem fazer com que se torne necessária à alteração
dos Estatutos Sociais das várias instituições parceiras do Estado.
Vale lembrar que tal Lei foi promulgada no dia 31 de julho de 2014, tendo seus
efeitos postergados várias vezes, sendo fixados pelo Art. 88 em 540 dias da publicação desta
para parcerias no âmbito Federal e Estadual, e no caso dos municípios, entrando em vigor em
1º de janeiro de 2017.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo como objetivo pontuar as implicações do novo marco legal e regulador - Lei
n. 13.019/2014, que trata das relações entre Estado e sociedade no tocante aos processos de
gestão social no Brasil, foi necessário realizar o debate sobre a Gestão social no contexto da
Reforma do Estado brasileiro, ocorrida principalmente após a década de 1990 e como esse
contexto de transformações profundas na capacidade de intervenção do Estado, abre caminho
para a adoção de novos formas gestão, dentre elas, o fortalecimento de iniciativas de natureza
privada na execução das funções públicas, a partir de relações de parcerias entre Estado,
sociedade civil e o mercado.
Uma das formas de parceria entre Estado e Sociedade civil, como apontado no
decorrer desse trabalho, deu-se pelo fortalecimento e exaltação das instituições de caráter
privada, sem fins lucrativos e que prestam serviço público, àquelas que compõem o chamado
‘terceiro setor”.
Cabe registrar aqui, que o “terceiro setor” mesmo sendo compreendido como
funcional ao processo de reestruturação do capital, que representa claramente os interesses da
classe dominante e como estratégia de consenso e hegemonia, hoje ocupa papel de destaque
na organização da sociedade. As instituições que compõem esse “terceiro setor” estão
presentes em quase todos os municípios brasileiros, e são responsáveis atualmente pela
execução de muitos serviços nas mais diversas áreas.
64
A grande questão colocada é que a retração do Estado quanto à responsabilidade no
enfrentamento da questão social, mediante a transferência de responsabilidades do Estado
para o “terceiro setor”, altera substantivamente a orientação e a funcionalidade da gestão das
políticas sociais, que primordialmente deveriam ser executadas no âmbito do Estado, uma vez
que, entendemos por gestão social, o conceito trazido por Carvalho (1999), que nos remete à
gestão das ações sociais públicas e à gestão das demandas e necessidades dos cidadãos e esse
remete a responsabilidade do Estado.
Assim, a aprovação de um conjunto de novas leis que regulam o “terceiro setor” abre
possibilidade de garantir legalmente essa transferência de responsabilidades do Estado para a
sociedade civil, ou mesmo para o mercado. Essas regras nos impõem a necessidade de uma
leitura aprofundada acerca de seus objetivos e da própria funcionalidade do Estado. Muitas
vezes, sob o discurso ideológico da garantia de maior eficiência, de provimento de mais
segurança jurídica ao trabalho realizado pelas organizações e de maior transparência na
destinação dos recursos públicos, desloca-se a noção do campo do direito para o campo da
“ajuda”, ao entregar sob a responsabilidade não governamental a gestão das políticas sociais,
que deveria ser exclusivamente de responsabilidade do Estado.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, Mônica. O trabalho do assistente social nas organizações privadas não lucrativas.
In: CFESS; ABEPSS. (Org.). Serviço Social: direitos e competências profissionais. Brasília,
DF, 2009.

BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do Estado: entre a


eficiência e democratização. Barueri: Manole, 2003.

BRASIL. Lei n. 91, de 28 de agosto de 1935. Determina regras pelas quais são as sociedades
declaradas de utilidade pública. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 4 set. 1935.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1930-1949/L0091.htm>. Acesso
em: 2016.

______. Lei n. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre o serviço voluntário e dá


outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 fev. 1998a. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9608.htm>. Acesso em: 2016.

______. Lei n. 9.637, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como
organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos
e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 maio 1998b. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9637.htm>. Acesso em: 2016.

65
______. Lei n. 9.790, de 23 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas
jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 24 mar. 1999. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9790.htm>. Acesso em: 2016.

BRASIL. Lei n. 13.019 de 31 de julho de 2014. Estabelece o regime jurídico das parcerias
entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua
cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a
execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho
inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação;
define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com
organizações da sociedade civil; e altera as Leis nos 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de
23 de março de 1999. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 ago. 2014. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13019.htm>. Acesso em:
2016.

______. Lei n. 13.204, de 14 de dezembro de 2015. Altera a Lei no 13.019, de 31 de julho de


2014, “que estabelece o regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não
transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da
sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de
interesse público; define diretrizes para a política de fomento e de colaboração com
organizações da sociedade civil; institui o termo de colaboração e o termo de fomento; e altera
as Leis nos 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999”; altera as Leis
nos 8.429, de 2 de junho de 1992, 9.790, de 23 de março de 1999, 9.249, de 26 de dezembro
de 1995, 9.532, de 10 de dezembro de 1997, 12.101, de 27 de novembro de 2009, e 8.666, de
21 de junho de 1993; e revoga a Lei no 91, de 28 de agosto de 1935. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 15 dez. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
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66
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SOUZA FILHO, Rodrigo de. Gestão pública e democracia: a burocracia em questão. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011.

67
O PAPEL DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A REPRESENTAÇÃO SOCIAL PARA
AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Pamela Cristina Borelli*


Célio Bertelli**
Bárbara Fadel***

Resumo: Debates no mundo todo a respeito das mudanças climáticas mostrou que é
preocupante o legado ambiental que estamos deixando no planeta, e que o aquecimento global e
mudanças climáticas não são assuntos recentes. Buscando respostas para o enfrentamento da
crise ambiental coloca-se a educação como o instrumento que promove valores, ideias e
sensibiliza quanto à preservação do meio ambiente. Estimula a sociedade a se tornar pró-
ambiente, levando em consideração a reprodução das heranças culturais, mostrando que o
processo educativo não é neutro, desprovido de valores e ideologias, a educação constrói a
sociedade de acordo com suas escolhas e valores e vontades políticas, determinando a ordem
social. A proposta do artigo é procurar relacionar problemas ambientais e a discussão sobre o
tema Mudanças Climática em diferentes grupos dentro de uma mesma comunidade. Tenta
elucidar se existe relação entre o nível de escolaridade, idade e a consciência sobre a
preservação e o entendimento sobre o que está acontecendo local e globalmente, e quais serão
as soluções propostas por esse grupo de pessoas para melhorar o meio ambiente. Para isso foi
realizada em uma pesquisa qualitativa de natureza básica, de objetivo explicativo, e
procedimento bibliográfico survey, entrevistas com dez pessoas, de idades entre 10 a 60 anos. O
referencial teórico se baseia no discurso de Gadotti (2008), UN (2014), Jacobi et al. (2011).

Palavras chaves: educação ambiental, representação social, mudanças climáticas.

INTRODUÇÃO

As mudanças climáticas e o aquecimento global não são assuntos recentes, e o atual


modelo de economia coloca os países ainda em desenvolvimento como provedores de matéria
prima para satisfazer o consumo de países desenvolvidos. No caso do Brasil, sua maior
contribuição para o aquecimento global é o desmatamento que abre espaço para os campos de
cultivo de monoculturas. Existe um grande potencial para as florestas dos trópicos servirem
de sumidouros de carbono, por isso a preservação e conservação de áreas verdes são
recomendadas por entidades internacionais, e como ferramenta para a conservação é
importante entender qual o papel da educação ambiental perante os moradores que estão
próximos a elas dentro das cidades, assim como entender a forma como essas pessoas lidam
com esses remanescentes.

*
Mestranda do Programa de Pós-graduação Uni-FACEF/Franca-SP.
**
Mestranda do Programa de Pós-graduação Uni-FACEF/Franca-SP.
***
Docente do Programa de Pós-graduação Uni-FACEF/FRANCA-SP.

69
A proposta do artigo é procurar relacionar problemas ambientais prioritários com as
possibilidades de participação de diferentes grupos dentro de uma mesma comunidade,
investigando as questões sociais de um grupo de moradores de um bairro na cidade de Franca-
SP, com relação às mudanças do clima e a preservação de áreas verdes, avaliando o nível de
sensibilização e responsabilidade dos cidadãos sobre seus encargos perante a notável questão
do clima que vivemos hoje. O artigo consiste em relacionar o nível de instrução recebida pela
educação formal e o conhecimento prévio adquirido informalmente, fora da escola, aquele
que carregamos da sociedade e que agrega à cultura de uma população. Para isso será
realizada em uma pesquisa qualitativa de natureza básica, de objetivo explicativo, e
procedimento bibliográfico survey, através de um levantamento com interrogação direta das
pessoas no qual se deseja conhecer o comportamento. O referencial teórico se baseia no
discurso de Gadotti (2008), UN (2014), Jacobi et al. (2011).

OBJETIVOS

Objetivo Geral
Relacionar problemas ambientais prioritários com as possibilidades de participação de
diferentes grupos dentro de uma mesma comunidade na busca de alternativas para a discussão
sobre o tema Mudanças Climáticas.

Objetivo Específico
Avaliar o nível de sensibilização e responsabilidade dos cidadãos sobre seus encargos
perante a notável questão do clima que vivemos hoje. Relacionar o nível de instrução recebida
pela educação formal e o conhecimento prévio adquirido informalmente, fora da escola.
Verificar o nível de responsabilidade desse grupo de pessoas frente às mudanças que a cidade
vem sofrendo com a expansão imobiliária e aumento da população e diminuição de áreas
verdes, e a opinião deles em como essa situação poderá afetar suas vidas, oferecendo suas
visões sobre o futuro. Compreender quais são os fatores que interferem na adoção de condutas
para a preservação do meio ambiente e como a falta de uma natureza saudável pode afetar a
saúde e a rotina das pessoas. Tenta elucidar se existe relação entre o nível de escolaridade,
idade e a consciência sobre a preservação e o entendimento sobre o que está acontecendo
local e globalmente, e quais serão as soluções propostas por esse grupo de pessoas para
melhorar o meio ambiente.
70
METODOLOGIA

Serão investigadas as questões sociais de um grupo de moradores de um bairro na


cidade de Franca-SP, com relação às mudanças do clima e a preservação de áreas verdes que
está próximo a eles, avaliando o nível de sensibilização e responsabilidade dos cidadãos sobre
seus encargos perante a notável questão do clima que vivemos hoje. O artigo consiste em
relacionar o nível de instrução recebida pela educação formal e o conhecimento prévio
adquirido informalmente, fora da escola, aquele que carregamos da sociedade e que agrega à
cultura de uma população.
Busca-se verificar o nível de responsabilidade desse grupo de pessoas frente às
mudanças que a cidade vem sofrendo com a expansão imobiliária e aumento da população e
diminuição de áreas verdes, e a opinião deles em como essa situação poderá afetar suas vidas,
oferecendo suas visões sobre o futuro. Assim como entender quais são os fatores que
interferem na adoção de condutas para a preservação do meio ambiente e como a falta de uma
natureza saudável pode afetar a saúde e a rotina das pessoas. Tenta elucidar se existe relação
entre o nível de escolaridade, idade e a consciência sobre a preservação e o entendimento
sobre o que está acontecendo local e globalmente, e quais serão as soluções propostas por esse
grupo de pessoas para melhorar o meio ambiente.
Para isso será realizada em uma pesquisa qualitativa de natureza básica, de objetivo
explicativo, e procedimento bibliográfico survey (GIL, 2002) através de um levantamento
com interrogação direta das pessoas no qual se deseja conhecer o comportamento. Serão
realizadas entrevistas com moradores do Bairro Santa Mônica em Franca-SP, onde existe uma
mata que é considerada área de preservação ambiental, e que como muitas têm sofrido pressão
da urbanização e vem sendo degrada.
Serão entrevistadas dez pessoas, com idades entre 10 a 60 anos, há o cuidado de
englobar a maior faixa etária possível, desde crianças já alfabetizada até pessoas adultas, com
níveis de escolaridade diferentes, do fundamental primeiro ciclo incompleto ao superior. A
escolha dos entrevistados será aleatória, respeitando a liberdade de participação.
Será elaborado um questionário, preservando a opinião exclusiva dos entrevistados,
garantindo ser relatada a história de vida de cada um acerca das situações relacionadas sobre o
clima, com perguntas que questionavam se os entrevistados sabem o que são mudanças
climáticas e como ela afeta suas vidas, e qual a visão de futuro perante as mudanças que estão
71
ocorrendo. A quem eles atribuem a responsabilidade das mudanças no clima e quais as
possíveis soluções. De forma mais regionalizada, será perguntado ao grupo qual a influência
que a mata próxima ao bairro tem com o clima local e qual a importância desse fragmento de
mata para a cidade. Questionará também o lado afetivo das pessoas sobre as áreas verdes,
perguntando se é possível a mata estar mais bem conservada e se as pessoas gostariam de ter
maior contato a natureza próxima a elas.
Por fim, se indagará como as pessoas poderão contribuir para que a mata do bairro
esteja melhor e quais os benefícios que as pessoas poderiam ter com uma área melhor
preservada e a relação disso com a saúde.

DISCUSSÃO TEÓRICA

Debates no mundo todo a respeito das mudanças climáticas, provocados pela divulgação
de documentos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC1) mostrou
que é preocupante o legado ambiental que estamos deixando no planeta, e que o aquecimento
global e mudanças climáticas não são assuntos recentes, e o alerta está sendo dado desde a
década de sessenta (GAGOTTI, 2008).
Para Gadotti (2008), sustentabilidade é o “sonho do bem viver”, e este é o equilíbrio
entre os seres e o ambiente, harmonizados com suas diferenças, tomando a consciência que o
sentido de nossas vidas não está separado do futuro do nosso planeta. Então, percebendo a
degradação que provocamos no planeta, temos agora que racionalizar entre a crença de que
nossa cultura tecnológica será capaz de nos tirar da crise ambiental sem mudar nosso padrão
de consumo, e nosso ideal ecológico, que alimenta a esperança de uma relação saudável com
o planeta.
Buscando respostas para o enfrentamento da crise ambiental coloca-se a educação como
o instrumento que promove valores, ideias e sensibiliza quanto à preservação do meio
ambiente. Estimula a sociedade a se tornar pró-ambiente, levando em consideração a
reprodução das heranças culturais, mostrando que o processo educativo não é neutro,
desprovido de valores e ideologias, a educação constrói a sociedade de acordo com suas
escolhas e valores e vontades políticas, determinando a ordem social. A educação entra com o
papel de conservar a ordem social, reproduzindo esses valores e ideologias e interesses, se

1
Intergovernmental Panel on Climate Change

72
comprometendo com a renovação cultural da sociedade desenvolvendo suas potencialidades
(LIMA, 2009)
Com a ameaça de que podemos ser responsáveis pela destruição de todas as formas de
vida do planeta, como vem sendo mostrado nos relatórios do UN (2014), adquirimos a
consciência de que além de uma ação local, precisamos de uma ação global, e que essa última,
parte de várias ações locais que juntas formam o todo; uma nova globalização, onde a Terra
deixou de ser um fenômeno geográfico e se tornou um fenômeno histórico. Promover a
sustentabilidade é educar para vivermos no cosmo, ampliando nosso conhecimento sobre o
planeta.
Em 2008 e 2009 a Internetional Alliance os Leading Education Institutes (IALEI),
pesquisou o tema “Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Sustentável”, onde houve o
envolvimento de dez países inclusive o Brasil. Nessa pesquisa teve como resultado dez
relatórios, três deles tinham relação com a educação para o desenvolvimento sustentável de
maneira mais ampla, visando abordar o papel da educação perante as urgências das alterações
do clima. Nesses relatórios questiona-se, se a educação pode contribuir para lidarmos com as
necessidades de mitigar e adaptar nossos padrões às mudanças climáticas e de que forma essa
contribuição se daria. Uma nota importante aos relatórios é que nos últimos anos a CCE
(Climate Change Education) adquiriu características próprias, mostrando como a questão
sobre educação e meio ambiente ainda se encontra no início (JACOBI et al., 2011)
Gaudiano e Cartea (2009) citado por Jacobi et al. (2011), comentam que os relatórios da
AILEI mostram que ainda há diferenças entre países ricos e os que ainda se encontram em
desenvolvimento. Nesse sentido, aponta a principal barreira para as mudanças sociais
pautadas na complexidade da natureza estrutural do problema sobre as mudanças climáticas.
No Brasil o governo federal se interessa em qualificar o sistema educacional através de
um envolvimento maior sobre o tema Mudanças Climática, porém essas iniciativas são
diferenciadas de acordo com cada região do país, e os dados locais e regionais sobre os
projetos e suas implementações são insuficientes. E sobre o ponto de vista de formação
inicial, ainda existe um enorme espaço vazio em termos de pesquisas, intervenção e
metodologias inovadoras e debates. Para suprir essa lacuna, a opção adotada é a importância
no aprofundamento cientifico sobre o clima e meio ambiente. Desse modo, pode-se fazer a
ponte entre o conhecimento cientifico e a didática para o desenvolvimento de valores e
atitudes pró-ambiente. No Brasil, as pesquisas sobre Mudanças Climáticas ainda estão
adquirindo posição estratégica nos programas de ciências e tecnologia, combinando a
73
educação e o conhecimento científico, com o foco em relacionar os desafios de adaptar e
desenvolver programas educativos que incluam a diversidade regional (JACOBI et al., 2011)
No atual modelo de economia do mundo, os países ricos exploram ao máximo a
natureza para satisfazer suas necessidades supérfluas, enquanto os países mais necessitados a
deterioram para promover-se com o mínimo requerido para subexistir. E nesse contexto
defende-se que a Educação Ambiental não seja reduzida a uma visão naturalista e
conservadora, ela não pode perder o seu papel social. As questões ambientais não se resolvem
somente com a luz da ciência, mas está associado à cultura, o social, os valores das
organizações políticas e econômicas.
A Educação Ambiental tem como nova marca uma função social da educação para o
futuro, em busca de uma sociedade sustentável. Orientando cidadãos comprometidos na
construção de uma sociedade multicultural e intercultural, que aproxima da realidade,
entendendo como uma conquista sobre o próprio egoísmo e os dos demais, pode ser
modificada pela autonomia e seu sentido de responsabilidade. Não faz parte do processo
histórico do Brasil, a sociedade participar de forma significativa das discussões e das tomadas
de decisões que pautem o meio ambiente. A história nos mostra que o Brasil foi construído
em modelos paternalista, onde a sociedade abdica de suas reivindicações transferindo suas
responsabilidades para as classes dominantes. Contudo, nos últimos vinte anos, houve um
crescimento na consciência, debates e discussões, que mudaram o rumo do país, e sem
duvida, com reação das classes mais poderosas. De fato, hoje se pode falar seguramente que
existem meios da população expor sua opinião, e conduzir o seu próprio futuro, tomando
conhecimento e praticando seus direitos e deveres, deixando bem claro que participar não
significa, o quanto se toma parte, mas como se toma parte de uma reivindicação, baseando-se
em reflexões que cada um faz mais sentido em situações que não necessariamente afetaria a si
próprio. Sabendo que cada um possui experiências anteriores e vivencias que formam suas
personalidades psicossocioculturais, cada individuo se torna agente transformador dos
resultados da participação, e sua capacidade criadora permite e constitui a necessidade
humana básica e universal de transformação. Porém, a potencialidade de participação deve
estar a serviço de um processo coletivo, em que a população irá conquistar autonomia por
meio de uma presença ativa e decisória. A população deve provar que grupos são capazes de
se mobilizar e organizar e alcançar seus objetivos sociais (PHILIPPI JUNIOR; PELICIONI,
2006).

74
Existe um campo vasto em que a sociedade pode exercer sua participação, um exemplo
seria os Conselhos de Meio Ambiente, que são fóruns que permite a participação da sociedade
civil organizada, é uma instância aberta à formulação de propostas que garantem diretrizes e
estabelecem meios e prioridades nas atuações voltadas a atender as necessidades dos
componentes da sociedade. Outra forma, mais simples, porém igualmente eficaz, para aqueles
que não são permitidos muita vezes se conduzir até os Conselhos Ambientais, seriam os
conselhos de bairro, que discutem de forma pontual os problemas da população, e que
exercem igual força quando organizado e decidido. Afinal, não é somente de responsabilidade
dos governos, que elabora leis e as aplica, a responsabilidade de controlar a qualidade, no
caso do meio ambiente para a população, o compartilhamento da responsabilidade com a
comunidade aciona instrumentos para a defesa de direitos e deveres. A participação do
homem como o agente transformador se deve à medida que é educado para se conscientizar e
assumir suas responsabilidades. A educação ambiental é um processo de educação política
que possibilita a aquisição de conhecimento e habilidades, e forma atitudes que vão
transformar os cidadãos para a sociedade sustentável. E em razão da complexa questão que é
o meio ambiente, é necessário que os processos de educação proporcionem igual condição
para as pessoas em adquirir conhecimento e as manifestar, possibilitando desenvolver atitudes
para tornar sua opinião expressiva nos processos decisórios, para que os indivíduos membros
de conselhos e fóruns tenham os instrumentos para compreender a complexidade, não
somente dos aspectos biológicos e físicos, mas adquira as mudanças de comportamento por
meio da participação responsável, e que pratique também a prevenção e não somente a
mitigação para os problemas ambientais. A participação da sociedade permite que sejam
capazes de perceber claramente os problemas e determinar soluções e prover meios de
resolvê-los. Seria possível responder ao desafio das mudanças climáticas, com tantas
evidencias de que o mundo está aquecendo? Para o UN (2014), sim. No caso seria preciso
adaptações e mitigações dos impactos ambientais, e que deveriam ser postas em práticas
imediatamente. Os especialistas não sabem mensurar os custos e a efetividade das medidas de
adaptação e mitigação, e lembram que essas dependem das condições socioeconômicas de
cada nação, bem como a oferta de tecnologia e informação. Mas é fato que a humanidade
convive com as situações que precisem de adaptação ao meio ambiente desde a antiguidade, e
lembrando os estudos históricos, a capacidade de adaptar está associada intimamente com o
desenvolvimento social e econômico das nações. Porém, valem ressaltar que mesmo as
nações mais desenvolvidas ainda sim são vulnerável às mudanças no clima; como a onda de
75
calor que provocou a mortalidade principalmente da população mais idosa no Hemisfério
Norte em 2003, e o furacão Katrina, que em 2005 arrasou Nova Orleans, nos EUA.
O UN (2014) aponta possíveis caminhos para a mitigação, e partindo para o objeto de
estudo desse artigo; uma vez que a maior contribuição para o efeito estufa no Brasil, que
causa as mudanças no clima e o setor que mais gera desmatamento, é a agricultura e o
desmatamento. O UN (2014) lembra que não existe uma lista de práticas que possam ser
aplicada universalmente, mas melhorar as práticas agrícolas pode aumentar os sumidouros de
carbono no solo, reduzir as emissões de gases do efeito estufa, além de contribuir com
matérias-primas de biomassa para uso energético. No entanto, sua contribuição para a
mitigação depende da demanda de bioenergia por parte do transporte e da oferta de energia,
disponibilidade de água, e condições da terra. Para o Brasil, um dos desafios para mitigação
dos efeitos das mudanças climática, também é a redução do desmatamento e a recuperação de
áreas já devastadas. Sabemos que mitigações relacionadas com as florestas podem reduzir de
forma considerável as emissões por fontes e aumentar a remoção de CO2 por sumidouros com
custos baixos.
Nos relatórios do UN (2014), 65% do potencial total de mitigação das florestas estão
localizados nos trópicos, e cerca de 50% desse potencial poderia ser alcançado reduzindo as
emissões decorrentes do desmatamento. Seria, portanto, interessante para países como o
Brasil, adotar opções de mitigação planejadas. Essas mitigações poderiam ter benefício em
termos de geração de empregos, geração de renda, preservação da biodiversidade e a
conservação das bacias hidrográficas, oferta de energia renovável e redução da pobreza.
O UN (2014) também recomenda que os governos voltem suas políticas de governo
para melhorar os incentivos para a aplicação das mitigações, visto que existe uma grande
variedade de políticas e instrumentos que podem ser adotados, sua aplicabilidade, claro
depende da nação em questão. É fundamental também, aplicar critérios de avaliação dos
instrumentos dos governos como: a eficácia ambiental, eficácia em relação aos custos, se
beneficia o maior número de pessoas, e a viabilidade institucional. Medidas de avaliação dos
instrumentos podem ser adotadas perante a constatação da eficácia ou não de seus
instrumentos. Principalmente se a política climática do país estiver integrada à política de
desenvolvimento, acordos voluntários entre indústria e governo ou até mesmo organizações
não governamentais e governo, podem contribuir para que medidas de mitigação possam ser
postas em prática. Lembrando que campanhas de conscientização também surtem efeito

76
positivo na mobilidade das pessoas em prol às políticas de inovação e também ao emprego de
novas tecnologias menos poluidoras (PHILIPPI JUNIOR; PELICIONI, 2006)
O presente artigo vem propor diminuir a lacuna existente sobre as informações
relacionadas à observação e a sensibilidade da população de forma regionalizada sobre meio
ambiente, mudanças climáticas e preservação. O artigo visa observar e debater a relação entre
a sociedade, com as áreas verdes de preservação na cidade de Franca (SP), mostrando o grau
de sensibilização e conhecimentos teóricos e práticos com relação à diversidade biológica,
preservação, consciência ambiental e mudanças climáticas. Busca entender qual é a percepção
de futuro das pessoas com relação aos recursos naturais próximo a elas, a quem é atribuído à
responsabilidade de preservar, e o grau de comprometimento das pessoas frente ao meio
ambiente.

RESULTADO

Foram entrevistadas dez pessoas, com idades entre 10 a 56 anos, houve o cuidado de
englobar a maior faixa etária possível, desde crianças já alfabetizada até pessoas adultas, com
níveis de escolaridade diferentes, do fundamental primeiro ciclo incompleto ao superior. Cada
morador residia em áreas diferentes do bairro, tanto vizinhas como em ruas mais afastadas da
mata.
Através de uma observação dos participantes foi constatado no primeiro momento, que
as pessoas mais novas (dez anos de idade), não souberam responder as questões a respeito do
que é mudança no clima, e não souberam dizer quais são essas mudanças nem como ela pode
interferir na vida delas. Quando questionado, eles disseram que não foi apresentado o tema a
eles, nem mesmo na escola, mostrando que educação ambiental não é um tema prioritário
abordado no Ensino Fundamental Ciclo I no Estado de São Paulo tanto em escolas públicas
quanto particular. Os jovens em questão, responderam mais a respeito da vontade de estar
mais próximo a natureza e como ela pode trazer bem estar para elas.
Entre os adolescentes, eles não mostraram afinidade em relação ao tema, mesmo já
tendo ouvido, principalmente na escola, o que é mudanças climáticas e como ela influência o
meio biótico no nosso planeta. Eles não souberam dizer como a mudança no clima pode
influenciar futuramente a vida deles, mas tem conhecimento que o efeito estufa está
aumentando a temperatura do planeta. Eles atribuem as causas da mudança no clima
principalmente aos carros e a emissão de CO2, dizendo que as soluções dos problemas
77
ambientais no Brasil se resolveriam diminuindo a emissão dos gases dos veículos, mas não
souberam mencionar como as matas podem influenciar positivamente, nem como o
desmatamento contribui negativamente para o clima. Quando perguntado para os jovens, qual
a sensação que eles teriam ao ver a mata próxima do bairro totalmente devastada, eles não
souberam explicar, e também não souberam dizer o que poderiam fazer para contribuir para a
preservação da área verde próximo a eles mesmo dizendo que estariam dispostos caso fosse
necessário a movimentação popular para a preservação. Porém, mesmo dizendo que não
sabiam responder a algumas perguntas, consideram importante ter conhecimento para que
haja preservação, dizendo que somente quando sabemos o que existe na natureza é que
podemos preservá-la.
Quanto aos adultos jovens, com nível de escolaridade entre o Ensino Médio Completo e
Superior Completo, o que foi observado é que pessoas com maior nível de instrução são mais
pessimistas em relação ao futuro, comparando aos que tem somente nível médio. Todos
souberam explicar, cada um com seu conhecimento, sobre mudanças no clima e como pode
afetar a vida no planeta. Todos mencionaram que está mais difícil prever o tempo, e para
aqueles que trabalham expostos diretamente ao clima, disseram que este ano em particular o
clima está pior por conta do tempo seco, o sol, e a pouca chuva. Pessoas com nível superior
atribuem o problema do clima não a uma pessoa ou uma nação, mas a toda forma de consumo
do mundo, disseram que a forma de consumir está acabando com as matérias-primas e os
recursos naturais, renováveis ou não. Já pessoas com nível médio atribuem o problema às
pessoas, sem mencionar o que fazem para piorar a situação, mas ambos dizem que a tendência
ainda é piorar, se não for mudado o comportamento e nossa relação com a natureza. Ambos
relatam que a falta de educação e interesse das pessoas em preservar é o maior vilão para
conquistarmos um ambiente saudável. Quando questionados se sabiam explicar como a mata
pode influenciar no clima, foram citados os serviços ambientais: água em quantidade e
qualidade, qualidade do ar, chuvas. Sendo que um dos entrevistados lembrou que uma das
desvantagens de morar próximo a mata é o fato das pessoas jogarem entulhos em lugares
indevidos, posteriormente colocarem fogo, o que acaba trazendo bichos para dentro das casas,
além de ficarem próximo a fumaça devido às queimadas, e acabam trazendo problemas
respiratórios principalmente às crianças e idosos. No grupo dos adultos jovens, eles relataram
que se sentiram tristes e teriam uma sensação de falta de proteção caso a mata fosse
derrubada, lembraram que o processo de regeneração de uma floresta é lento, e se sentiriam
impotentes se a mata fosse derrubada por não saber se um dia voltariam a ver reflorestada.
78
Todos disseram que precisa haver maior organização, tanto em leis, quanto em
conscientização para que haja maior planejamento na preservação do meio ambiente, e mais
uma vez foi mencionado que quando se tem maior conhecimento sobre natureza, mais se pode
preservar. E foi lembrado ainda que atualmente, com a mudança no padrão de vida das
pessoas, que saíram das fazendas para morar nas cidades, a população jovem não reconhecem
as espécies que fazem parte da natureza, mesmo próximo a elas, e que as pessoas no Bairro
Santa Mônica são privilegiadas por terem quase na porta de casa a oportunidade de estarem
em contato diretos com a natureza.
No grupo das pessoas adultas, que possuem escolaridade desde o Fundamental I
incompleto ao Ensino Médio, com idade até 56 anos, todos já ouviram falar e souberam
explicar as mudanças no clima, lembrando mais uma vez que não está sendo possível prever o
clima com tanta exatidão, há maior extremo na temperatura, invernos muito rigorosos, e
verões muito quentes, e mencionaram principalmente a falta de chuva nos dias atuais.
Disseram ainda que essa mudança no clima afeta diretamente a saúde das pessoas e que essa
inexatidão causa medo sobre o futuro, insegurança quanto aos recursos naturais e alimentos, e
prejuízos financeiros. Esse grupo atribui a culpa do problema climático à população em geral,
lembrando que não é somente culpa dos governantes, mas sim das pessoas que não cuidam,
não tem respeito ao patrimônio natural do país. Como solução, alguns sugeriram colocar nas
escolas o tema educação ambiental, para que seja mais discutido o assunto com as pessoas,
para que aja melhor compreensão da natureza. E explicando como as matas influenciam no
clima, sugeriram também como solução, o reflorestamento e lembraram que quando havia
mais vegetação o clima era mais agradável, que o ar era melhor, havia mais chuvas. E
disseram que se as pessoas preservassem mais a natureza, teríamos hoje mais qualidade de
vida, e que o bairro logo quando foi inaugurado havia mais árvores, o clima era mais
agradável. Disseram ainda que se a mata do bairro fosse derrubada ficariam muito tristes e
desapontados e que sentiriam falta da área verde que está próxima a eles. Acreditam que para
a mata estar melhor era preciso retirar a tubulação da elevatória de esgoto da SABESP que
desce pela mata, é preciso proteger as nascentes de água, deveria conscientizar a população a
não jogar lixo e posteriormente fogo, para melhorar a qualidade do ar no bairro, e criar leis
que projetam a natureza. Todos do grupo em questão lembraram que o maior contato com a
natureza é uma terapia para as pessoas e que melhora a saúde, diminuindo o estresse,
possibilitando o lazer, e disseram que o contato dos jovens com a mata é uma grande

79
oportunidade para as novas e futuras gerações conhecerem a natureza e principalmente terem
respaldo para preservação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitos estudiosos da área de Educação Ambiental frisão a necessidade de se ampliar a


divulgação do tema ambiental nas escolas. Assim como quando se fala em representação
social, se diz que as respostas que apresentamos diante dos estímulos do meio que nos cerca,
pode nortear nossos comportamentos e ações, então, a educação ambiental não deveria
somente ser colocado aos alunos como tema transversal, mas sim como uma disciplina que
faça parte da grade curricular para estar presente na vida das pessoas desde cedo. Para que
assim possa arraigar a consciência da preservação e o entendimento da complexidade que
cerca o tema. Principalmente porque a comunicação é ferramenta da representação, e todo
comportamento social é fruto das representações. O que ficou claro na pesquisa, que as
crianças e jovens desse grupo estudado não têm, ou têm pouca afinidade com o tema
ambiental, não sabendo dizer como a falta de um ambiente de qualidade pode afetar suas
vidas. Parte dessa falta de consciência ambiental também pode encontrar origem na
representação social, já que houve ao longo das décadas mudanças no comportamento das
pessoas que se adaptaram a vida na cidade, longe do meio rural, buscando a natureza somente
como forma de lazer, e deixando de compreender de forma ampla como a natureza provê os
recursos para sua subsistência. Precisa-se ampliar em primeiro lugar a oferta de conhecimento
sobre meio ambiente e suas interelações para as crianças e melhorar a sensibilização dos
adolescentes. No entanto educar os jovens e as crianças, para viverem em sociedade tendo a
compreensão de preservar o meio em que vivem é um projeto a médio e longo prazo.
Os dados apresentados nesse trabalho mostram que as pessoas adultas de forma geral
conhecem e tem acesso aos meios de comunicação que permitem a elas conhecer os processos
teóricos e científicos do meio ambiente. Todos, cada qual com seu modo de entender,
conhecem os efeitos do consumo exagerado e o padrão de vida insustentável da humanidade.
Indica, porém que as pessoas entrevistadas nesse trabalho exercem a educação crítica, mas
não desempenham a transformação e a emancipação, pois embora tenham a consciência quais
são os problemas ambientais do bairro, e saiba dizer qual seria a solução, nenhum, se
prontificou a ser o agente transformador, e sim pareceram esperar alguém que fosse o agente

80
transformador e implantasse as mudanças necessárias para a melhoria das condições
ambientais no bairro.
Acredita-se, com o resultado desse trabalho, que a educação ambiental já passou pela
sua fase inicial de inserção na sociedade, mas falta a apropriação do conhecimento, que faz o
indivíduo o agente de transformação; assim como falta a cultura de posse dos bens naturais
que os cercam. Esse padrão de cultura pode ter explicação pelo modelo paternalista que ainda
circula pela população, onde se espera das autoridades competentes a iniciativa para a solução
dos problemas e a subsistência da população.

REFERÊNCIAS

GADOTTI, M. Educar para sustentabilidade. Inclusão Social, Brasília, DF, v. 3, n. 1, p. 75-


78, out. 2007/mar. 2008.

Gil, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002

JACOBI ET. AL., Mudanças climáticas globais: a resposta educação. Revista Brasileira de
Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 46, p. 135-269, jan./abr. 2011.

LIMA, G. F. C. Educação ambiental crítica: do socioambientalismo às sociedades


sustentáveis. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 1, p. 145-163, jan./abr. 2009.

PHILIPPI JUNIOR, A., PELICIONI, M. C. F. Educação ambiental e sustentabilidade.


Barueri: Manole, 2005. (Ambiental; 3).

UN. Framework Convention on Climate Change. Compilation and Synthesis Report. New
York, 2014. Disponível em:
<http://unfccc.int/national_reports/annex_i_natcom/compilation_and_synthesis_reports/items/
2736.php>. Acesso em: 15 set. 2015.

81
O PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL: POSSIBILIDADES E DESAFIOS
PARA SUA EFETIVAÇÃO

Catia Aparecida Spagnol*


Gabrielle Stéphany Nascimento Sgarbi**
Maria Cristina Piana***

Resumo: O intuito de nosso estudo é compreender e analisar a temática participação social,


seu percurso histórico, os desafios e possibilidades para sua efetivação na contemporaneidade.
Compreende-se que o processo de participação social prediz a participação efetiva da
sociedade civil nos processos de organização, reivindicação e tomada de decisões. Almejando
atender a esse objetivo, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a criação de conselhos
gestores, que constituem-se como relevantes instâncias deliberativas. Contudo, apesar dos
aparatos legais que hoje buscam assegurar o processo de participação social como direito a
todos os cidadãos, buscando sua efetivação, a participação social enfrenta diversos desafios
que perpassam a gestão participativa, como processos lentos e burocráticos, que requerem o
empenho e paciência de profissionais que estejam a frente de tal processo, assim como a luta
por parte da sociedade civil com intuito de superar desafios e legitimar os direitos sociais
conquistados a duras penas ao longo da história. O estudo utilizará abordagem qualitativa,
bem como, na pesquisa bibliográfica, com intuito de contribuir na discussão acercado
processo de participação social.

Palavras-chave: participação social. gestão participativa. cidadania.

INTRODUÇÃO

A participação social almeja integrar o indivíduo à sociedade, fazendo com que esse
possa participar de questões no âmbito governamental que rebatem diretamente na sua
realidade social concreta.
Compreende-se a participação como um processo social, político e sobretudo
educativo, para que essa ocorra é necessário que os indivíduos estejam conscientes das

*
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP/Câmpus Franca. Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisa sobre Família “Padre Mario José Filho” no Centro Universitário da Fundação Educacional de
Barretos. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa do Serviço Social na área da Educação (GEPESSE), e do
Grupo de Estudos e Pesquisa: Práticas de Pesquisa: perspectivas contemporâneas (PRAPES) da UNESP
Franca. Docente da Fundação Educacional de Barretos.
**
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
da Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho”/UNESP/Câmpus Franca. Membro do Grupo de Estudo e
Pesquisa sobre Formação Profissional (GEFORMSS). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa: Práticas de
Pesquisa: perspectivas contemporâneas (PRAPES), UNESP Franca. Bolsista da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
***
Docente do curso de graduação em Serviço Social e do Programa de Pós-graduação em Serviço Social pela
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho” –
UNESP/Câmpus Franca. Tutora do Programa de Educação Tutorial em Serviço Social (PETSS).
Coordenadora do Núcleo de Estudo e Extensão sobre Crianças e Adolescentes (NECRIA).
83
possibilidades e dos desafios acerca realidade social que vivenciam, podendo refletir e
questionar a mesma com uma perspectiva crítica.
Ademais, a participação social pode ser exercida por meio de oficinas socioeducativas,
mobilizações, passeatas, conselhos, fóruns e associações assistenciais de bairro, com intuito
de organizarem-se e reivindicar ações em defesa dos direitos sociais, dos interesses da
população visando o bem comum de todos.
Para Souza (2000, p. 81) “[...] a participação é linguagem comum nas diversas
camadas da população em que pese existirem interesses e preocupações contraditórias e
antagônicas. ”
Na década de 1950, a participação social esteve mais presente nas discussões do país,
pois nesse momento o ideal desenvolvimentista tomava conta do Brasil. “ Os indivíduos
buscavam organizar-se, pois presenciava-se o agravamento da questão social, da qualidade de
vida, da pobreza, do desemprego, da educação, da saúde, do meio ambiente. ” (SILVA, 2004,
p. 10)
A partir da década de 1960, devido ao árduo período de ditadura militar que assolava o
Brasil, a participação social ficou caracterizada pelo seu posicionamento político e social, pois
nesse momento as mobilizações marcaram o país, fizeram-se presentes buscando o bem
comum para a população por meio da organização e reivindicação dos indivíduos pelos seus
direitos.
Já a década de 1980 foi marcada pelas conquistas, ressaltamos a Constituição Federal
de 1988 como um avanço. Para Nogueira, (2004, p. 141) “A Constituição de 1988, ressoava
vibrações da luta contra a ditadura e trouxe relevantes elementos de democracia
participativa.”
A década de 1990, foi considerada como um período de avanço, pois diversas questões
travadas em luta pela população foram regulamentadas em lei. Nesse período surge a proposta
dos conselhos “[...] os conselhos foram propostos numa conjuntura de mobilização da
sociedade.” (BRAVO; MENEZES, 2012, p. 274).
Diante do breve exposto histórico acerca da participação social, compreende-se que
essa deve ser considerada como um direito de todos os indivíduos, pois é oriunda da
organização, reivindicação e luta do povo brasileiro.
Para possuirmos conquistas relevantes referentes a participação social, é necessário
que os indivíduos se organizem e reivindique seus direitos, buscando o que é melhor para
todos, esse é um campo de luta política, social e educativa.
84
OS TIPOS DE PARTICIPAÇÃO E A DEMOCRACIA

Fazendo um retrospecto, Nogueira (2004) ressalta que os países que finalizaram o


período ditatorial na década de 1980 conseguiram um grande incentivo à participação, tendo
em vista o processo de redemocratização pelo qual passaram. Dessa forma, o referido autor
nos revela que:

[...] ainda que nem toda participação seja imediatamente política, não há
participação que não se oriente por algum tipo de relação com o poder –
tanto com o poder de outros atores quanto com o de determinados centros
organizacionais e decisórios. (NOGUEIRA, 2004, p. 129).

Nogueira (2004) classifica quatro tipos de participação, que podem variar de acordo
com aspectos históricos e sociais, além do grau de consciência coletiva, dentre elas podemos
citar:A participação assistencialista, que possui de cunho filantrópico e solidário, e pode estar
relacionada à igreja ou a ações comunitárias, geralmente visa atender a população em situação
de vulnerabilidade social. A participação corporativa que possui o intuito de atender aos
interesses de grupos sociais ou de categorias profissionais específicos, como as associações e
os sindicatos trabalhistas que lutam por melhores condições de trabalho. A participação
eleitoral que está diretamente vinculada a governabilidade, emanando seus efeitos sobre o
coletivo. Essa participação reflete diretamente na vida da população podendo beneficiar os
prejudicar a mesma. E a participação política que envolve a comunidade como um todo e
pressupõe a sua relação com o Estado.

Por intermédio da participação política, indivíduos e grupos interferem para


fazer com que a diferença e interesses se explicitem num terreno comum
organizado por leis e instituições, bem como para fazer com que o poder se
democratize e seja compartilhado. É essa participação, em suma, que
consolida, protege e dinamiza a cidadania e todos os variados direitos
humanos. (NOGUEIRA, 2004, p. 133).

Contudo, no que diz respeito ao campo da democracia representativa liberal, tais


modalidades de participação configuraram-se como um desafio.
Esse fato ocorre devido a interesses particulares adversos à democracia, exigência por
mais participação da sociedade, maior conhecimento especializado e aspectos relacionados à
tecnologia da informação acabaram por banalizar os efeitos da política, contribuindo para a
decadência da democracia representativa e a emergência da democracia participativa.
85
OS DESAFIOS À PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA

As formas de organização dos diversos grupos sociais são fundamentais para que estes
possam somar forças no processo de reinvindicação, visando conquistas e ampliação dos
direitos sociais.
No entanto, hodiernamente, observa-se um processo de descaracterização daquilo que
é público em comparação ao que é ofertado pelo setor privado, contribuindo, de certa forma,
para um processo de desmobilização.
De acordo com Nogueira (2004), a questão da crescente insatisfação da sociedade em
relação à gestão pública está ligada à qualidade inferior na oferta de serviços públicos.
Dessa forma, tal insatisfação também pode configurar-se como uma “campanha
contra o Estado”, uma vez que ao invés de haver uma melhoria de tais serviços existe o
movimento inverso, ressaltamos a privatização em diversas área como a educação e a saúde.
Porém, podemos observar que somente a previdência social ainda aparece como
exclusividade do Estado, enquanto a saúde está sujeita aos efeitos da privatização e a
assistência social vem sendo relegada às Organizações não-governamentais (ONG’s), e às
corporações que pretendem mostrar o seu lado da “responsabilidade social”, que na maioria
das vezes se configura como uma estratégia de mercado, restringindo direitos sociais e
trabalhistas.
Nesse ínterim chegamos a um paradoxo, pois ao mesmo tempo em que há a decepção
de uma parcela da sociedade em não poder usufruir dos bens públicos que lhes cabem por
direito, também existe a outra parcela que nutre o desejo de participar, ainda que tal
participação implique em um caminho burocrático.
A burocratização tende a tornar os processos lentos e por vezes ineficientes para
propiciar as respectivas respostas as demandas oriundas da luta da população, limitando e até
impossibilitando o efetivo processo de participação social.
A esse respeito, crescem as estratégias para “dinamizar a burocracia”, incorporando
tecnologias da informação ao processo, na tentativa de oferecer um feedback mais rápido à
sociedade.
No entanto, devemos nos questionar até que ponto os sistemas informatizados
atendem às necessidades da população de forma ágil, tendo em vista as constantes situações

86
em que a “falta e/ou queda” no sistema tornaram um atendimento mais demorado ou até
mesmo prejudicado.
Os problemas que perpassam a gestão pública podem ser potencializados com a
liberação do mercado e estratégia de globalização capitalista, pois podem contribuir
dinamizando a concepção que o Estado gasta muito com o social e que a intervenção do
Estado deveria ser mínima, ocasionando posteriormente a redução dos gastos sociais.
Na gestão participativa o Estado possui autonomia, porém não pode abusar desta
autonomia, como se estivesse desvinculado da sociedade.

A gestão participativa opera em termos descentralizados e fomenta parcerias,


dentro e fora do Estado, isto é, entre as organizações públicas e a sociedade
civil. Não promove a diminuição da intervenção estatal em benefício de uma
maior liberdade de iniciativa e de uma maior intervenção da sociedade civil.
(NOGUEIRA, 2004, p. 147).

A participação social, deve ser concebida como um direito de todos, mas ela também
possui desafios e esses também perpassam a gestão participativa, entre os desafios temos os
processos lentos e burocráticos que por vezes limitam o processo de participação, entretanto,
conforme afirma Nogueira (2004, p. 149),

A gestão deve operar para além do formato burocrático, para produzir


resultados efetivos que não se limitem ao administrativo e estejam abertos a
transformação social. Mas deve dar a devida importância as questões
administrativas e organizacionais, realizando também uma reforma
administrativa. Portanto, não devemos eliminar a burocracia, mas a inserção
de novos elementos, procedimentos e ideias para dinamizá-las.

Conforme afirma Nogueira (2004, p. 151), “[...] a gestão deve fazer com que suas
operações fiquem articuladas, ela depende de profissionais qualificadas que dominem o
campo técnico-científico. Os novos gestores são bons intelectuais, mais que bons
burocráticos.”
Outro desafio é que a comunidade possua uma cultura que depende da educação para a
cidadania. Os cidadãos possam possuir consciência sobre suas vivências. Pois, a construção
da consciência social faz-se fundamental no processo da participação.
É notório que vivenciamos um momento histórico permeado por desigualdades sociais
profundas, diversas transformações societárias que precarizam as condições de trabalho e
acarretam prejuízos principalmente para a classe trabalhadora.

87
Presencia-se também a realidade do mercado de trabalho competitivo e individualista,
no qual possui um alto teor de exigências para os profissionais, e no que se refere a área da
gestão participativa, não é diferente.
Ressaltamos que os profissionais dessa área devem possuir uma educação continuada,
ser qualificados, dotados de conhecimento técnicos e científicos.
Diante desse contexto neoliberal ao qual estamos inseridos, torna-se evidente a
existência da correlação de forças na sociedade capitalista, a luta de classes, a disputa e/ou
distribuição de poder.
Segundo Demo (2001, p. 19) “[...] o espaço de participação precisa ser conquistado,
centímetro por centímetro, o que ocorre muitas vezes é que não podemos andar a metro,
mesmo porque todos os processos participativos profundos tendem a ser lentos.”
Sabe-se que no decorrer da história do Brasil, a população foi e está sendo prejudicada
até os dias atuais, possuindo seus direitos negados em detrimento de um grupo restrito que
detém o capital, e por vezes preocupa-se com seus interesses particulares, chegando a desviar
verbas públicas (corrupção).
Infelizmente essa realidade acarreta diretamente diversos prejuízos para a população e
para participação social.
Para caminharmos no campo da participação social, faz-se necessário criar estratégias
de enfrentamento e lutar, conquistando este campo aos poucos em defesa dos direitos sociais.

OBJETIVOS

Geral
Compreender e analisar o processo de participação social, seus desafios e possibilidades
almejando sua efetivação.

Específicos:
 Investigar como efetiva-se o processo de participação social.
 Identificar os desafios e as possibilidades que perpassam a participação social.
 Analisar as estratégias de enfrentamento aos desafios.

88
METODOLOGIA

O estudo possui o intuito de compreender o processo de participação social, seus


desafios e possibilidades almejando sua efetivação. A pesquisa será de natureza qualitativa,
pois, conforme afirma Minayo:

A pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos,


aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 1992, p. 21).

O estudo será desenvolvido por meio da pesquisa bibliográfica que fundamentará o


conhecimento teórico acerca da temática.
Para Minayo (1992, p. 53) “A pesquisa bibliográfica coloca frente a frente os desejos
do pesquisador e os autores envolvidos em seu horizonte de interesse. Esse esforço em
discutir ideias e pressupostos tem como lugar privilegiado de levantamento em bibliotecas e
arquivos. ”
Espera-se que o presente estudo contribua para a construção de conhecimento e
possíveis debates no que se refere a participação social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por vezes, a participação social é considerada como um processo que não irá efetivar-
se, porém é um processo de conquista vinculada a cidadania, que supõe a organização,
reivindicação, processo de luto em prol dos direitos sociais e superação de desafios,
almejando o bem comum da população.
Compartilhando da visão de Chaves e Nogueira (2005) “A participação da sociedade
civil é importante na construção de um novo projeto societário, que tenha a sustentabilidade
como pressuposto.”
Contudo, torna-se necessários que nós, enquanto assistentes sociais, possamos criar
estratégias de enfrentamento aos desafios que perpassam o processo de participação social.
Por meio de questionamentos, debates e reflexões acerca do processo de gestão e
participação social, com intuito de realizar uma análise crítica acerca da realidade social e
política do país, e de nossa própria atuação profissional.

89
Ressaltamos que, o profissional deve buscar contribuir e/ou criar um espaço de
participação social no seu ambiente de trabalho, envolvendo os usuários, identificando suas
demandas diárias, suscitando uma visão crítica acerca da participação, desmistificando a ideia
dos direitos adquiridos como uma dádiva por meio de atividades socioeducativas e debates,
pois dessa forma o profissional está contribuindo no processo de luta pelos direitos daquele
cidadão.

REFERÊNCIAS

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conselhos: desafios atuais. São Paulo: Cortez, 2012.

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2001. Tese (Doutorado em Política Científica e Tecnológica) – Universidade Estadual de
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MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo:


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democrática. São Paulo: Cortez, 2004.

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reflexão sobre as diferenças ideo-políticas conceiturais. Somanlu, Manaus, ano 5, n. 1, p.
129-143, jan./jun. 2005.

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histórico, significação e influência: um quase depoimento. Debates Sociais, Rio de Janeiro, n.
63/64, p. 23-24, 2004.

SOUZA, Maria Luiza. Desenvolvimento de comunidade e participação. 7. ed. São Paulo:


Cortez, 2000.

90
OS SISTEMAS SOCIAIS E A BIOÉTICA: CRIMINOLOGIA E A JUSTIÇA SOCIAL

Helen B. Raiz Engler*


Leonardo H. Cardoso de Andrade**
Isabelle Narduchi da Silva***

Resumo: O presente artigo apresenta um debate entre os pressupostos Bioéticos, na


perspectiva dos Sistemas Sociais, com os pressupostos das teorias que guiaram o
desenvolvimento das sociedades capitalistas, buscando trazer a tona os valores e princípios
morais imputados pelo sistema social, como base para o comportamento do Agente Social,
frente as condições materiais perpetradas por este mesmo sistema. Como base da discussão
trazemos as características das sociedades contemporâneas apontadas pela sociologia e pela
economia. Como problema à ser discutido, as ocorrências do fenômenos social do Crime e
suas consequências maléficas para a sociedade, ceifando vidas e impulsionando a violência
cotidiana. De onde podemos observar a contradição entre os valores imputados pela ciência
econômica no sistema social, exercendo grande pressão na sociedade, fomentando valores
contrários aos pressupostos da Bioética e da construção de uma sociedade livre e evoluída.

Palavras-chave: bioética. sistemas sociais. justiça social.

INTRODUÇÃO

As sociedades contemporâneas desenvolveram-se a partir dos paradigmas de


pensamento desenvolvidos após as revoluções burguesas, industriais e cientificas, carregando
em suas instituições, os valores perpetrados por estas revoluções. Estes valores desenvolvidos
a partir destas revoluções desenvolveram toda base do pensamento moderno e, pós-moderno.
Muitas destas revoluções facilitaram nossa vida em sociedade, porém alguns
problemas ainda persistem em nossa vida social, como por exemplo as diversas ocorrências
de violência presentes nos dias de hoje. Esta violência, em nosso País, o Brasil, apresenta
algumas importantes facetas à serem exploradas, como por exemplo a violência da elite
brasileira nos processos de corrupção, ou como na outra ponta do extrato social, com os
marginalizados e a vida no crime.

*
Livre Docente, Doutora, Mestre e Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho. Docente Adjunto da UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho –
Unesp/Câmpus de Franca/SP. Pesquisadora/coordenadora de grupo registrado no Diretório de Grupos de
Pesquisa: Núcleo de Pesquisa ; Mentalidades e Trabalho: do local ao global. Coordenadora do Comitê de Ética
e Pesquisa-CEP.
**
Doutorando em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Humanas e Socais – UNESP/Câmpus de Franca;
Mestre em Desenvolvimento Regional pelo Centro Universitário Municipal de Franca – Uni-FACEF;
Graduado em Administração de Empresas com ênfase em Comércio Exterior.
***
Mestranda em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Humanas e Socais – UNESP/Câmpus de Franca;
graduada em Direito pelo Centro Universitário Educacional de Barretos.

91
Nas últimas décadas, após 1980, nosso país avançou muito em relação à mortalidade
infantil, porém a partir das décadas de 2000 e 2010, o fenômeno da mortes por violência com
armas de fogo, tem assolado este desenvolvimento, nos levando ao problema da mortalidade
dos jovens, que tem alcançado patamares epidêmicos, segundo a classificação da Organização
Pan-Americana de Saúde (OPAS) com índices acima de 8 mortes para cada 100 mil
habitantes.
Entendendo a sociedade de como um organismo vivo, ou seja, como um Sistema
Social, não podemos deixar de lado a exploração destas importantes evidências de ineficiência
de nossas instituições democráticas, buscando assim, avançar na compreensão de nós,
enquanto seres coletivos. O que nos coloca de frente com as questões da Ética e da Bioética.

BIOÉTICA E SOCIEDADE

Em pleno século XXI, com grandes avanços tecnológicos e descobertas a cerca


do universo e da vida, muitas questões sociais ainda se colocam presentes, dentre elas: o
crime e a violência cotidiana. Do ponto de vista da Bioética, estas questões relacionam-se
com a justiça social e a dignidade do ser humano em sociedade. Primeiramente, gostaríamos
de destacar o conceito de Bioética que nos faz refletir sobre nossa natureza.

Entender a natureza biológica dos humanos é ver-nos como uma espécie a mais no
planeta, resultado dos mesmos processos e padrões evolutivos que deram origem a
todas as demais espécies, com características únicas, exclusivas, ao lado de outras
compartilhadas com outras espécies, porque foram herdadas de ancestrais comuns
(TRAJANO, 2017, p. 50).

Quebrando desta maneira, com a noção hierárquica da superioridade de espécies, em


detrimento e outras, que foi transportado para o seio da sociedade, permitindo a distinção e a
diferenciação social e hierárquica (TRAJANO, 2017). Essa percepção errônea em torno da
natureza da vida e, do ser humano, trouxe consigo alguns vieses, que permearam a história do
desenvolvimento das sociedades contemporâneas, refletindo em diversas instituições sociais.
Estas instituições, como, a Família, a Religião, o Estado, entre outras, podem ser vistas
como a base estrutural da sociedade, por onde são organizados os mecanismos de reprodução
e desenvolvimento cultural (HARRIS apud SAMPAIO; ANDERY, 2010). Assim, como mola
propulsora deste processo de desenvolvimento, temos a questão dos valores sociais e morais

92
presentes no sistema social, ou seja, a ética como condição necessária para as sociedades se
desenvolverem (MATURANA, 1985)1.

Uma vez expresso e codificado o conjunto de valores e metas, ele constituirá


a estrutura das percepções, intuições e opções da sociedade para que haja
inovação e adaptação social. À medida que o sistema de valores culturais
muda – frequentemente em resposta a desafios ambientais –, surgem novos
padrões de evolução cultural. (CAPRA, 2006, p. 185).

O segundo ponto que gostaríamos de destacar, refere-se a como o indivíduo é visto


dentro deste sistema social. Do ponto de vista da Bioética, o ser humano, assim como na ética
de Kant, é um Fim, e não um Meio, portanto, necessita de Dignidade em sua vida social
(FERRARI, 2017). Em relação à dignidade temos a questão da autonomia da vontade, que
também fora observada na teoria econômica de Amartya Sen (2010), onde o Agente Social,
exerce papel fundamental no desenvolvimento econômico e social. Nesta perspectiva, o
desenvolvimento das sociedades tem como pano de fundo, as liberdades instrumentais2 do
Agente Social (SEN, 2010).
Esta liberdade instrumental, condiciona o comportamento do Agente Social, pois está
associada à Autonomia que este agente encontra em sua realidade cotidiana. Estas questões
por sua vez, estão relacionadas ao conceito de justiça social, onde a presença das
desigualdades perpetradas pelo sistema econômico, tem contribuído para a ocorrência destes
fenômenos.

SISTEMAS SOCIAIS E CRIME

Na perspectiva das sociedades como sistemas, o Agente Social, é por definição a


menor célula de ação dentro de uma sociedade (LUHMANN, 2012). Como menor célula de
decisão, seu comportamento e suas ações, impactam diretamente no desenvolvimento da
sociedade em que está inserido (SEN, 2010). Assim, as condições de ação que os agentes
sociais encontram, em sua realidade cotidiana, são fundamentais para entendermos, o
processo de desenvolvimento social.

1
Versão espanhola correspondente à publicação feita por Talleres de Investigación en Desarrollo Humano
(TIDEH), tradução do original publicado pela Revista Delfín.
2
Liberdades instrumentais são aquelas que conferem a liberdade de fato, ou seja, uma educação libertadora,
confere a liberdade instrumental de pensar e criticar; uma economia de emprego pleno com nível de renda
equilibrado, confere a liberdade instrumental de escolher a profissão que se queira, não tendo como ponto
central da escolha o valor do salário (SEN, 2010).
93
Segundo a teoria dos Sistemas Sociais, as diferenciações inerentes ao sistema social,
possibilitam a criação de subsistemas, que são formados pelo reconhecimento de semelhanças
nos outros, ou seja pelo reconhecimento de si, no outro (LUHMANN, 2012; MATURANA,
1985). Estes grupos por sua vez, fomentam seus próprios valores morais, através de suas
autoreferências, que são colocadas em contraste com as referências externas, de outros
grupos, em um processo denominado autopoiesis (LUHMANN, 2012; MATURANA;
VARELA, 2003).
As sociedades contemporâneas estão baseadas em sistemas funcionais de classes
socioeconômicas e, assim, estabeleceram suas estruturas sociais obedecendo a lógica
econômica imputada pelo sistema. As assimetrias entre as classes socioeconômicas, deste
ponto de vista, fomentam diferenciações entre grupos sociais, podendo criar barreiras
perceptivas entre os desiguais. Estas barreiras estruturais, por sua vez, podem causar desvios
nos comportamentos individuais, principalmente nos momentos em que se encontram grandes
diferenciações (LUHMANN, 2012; FURTADO, 1964).

En nosotros, los seres humanos, este acoplamiento estructural recíproco se da


espontáneamente en muchas circunstancias diferentes, como expresión de nuestro
modo de ser biológico actual, y aparece ante un observador como una pegajosidad
biológica que puede ser descrita como el placer de la compañía, o como amor, en
cualquiera de sus formas. Sin esta pegajosidad biológica, sin el placer de la
compañía, sin amor, no hay socialización humana, y toda sociedad en la que se
pierde el amor, se desintegra. (MATURANA, 1985, p. 7).

Segundo a afirmação acima, os Sistemas Sociais necessitam do amor, ou seja, o


reconhecimento do outro como alguém igual a si mesmo, com as mesmas necessidades e
desejos. E nos diz ainda que, sem a presença desse sentimento, não há possibilidades de
manutenção e evolução social.
Como principio organizador este reconhecimento reciproco, as camadas sociais,
inerentes à nossa realidade, organizam seus espaços, com base no princípio valorativo
imputado pelo paradigma social estabelecido. Nas sociedades contemporâneas, os
pressupostos considerados para a organização social, fomentaram uma ontologia do ser
competitivo, com base nas premissas darwinianas da seleção natural (CAPRA, 2006).

A promoção do comportamento competitivo em detrimento da cooperação é


uma das principais manifestações da tendência autoafirmativa em nossa
sociedade. Tem suas raízes na concepção errônea da natureza, definida pelos
darwinistas sociais do século XIX, que acreditavam que a vida em sociedade
deve ser a luta pela existência regida pela “sobrevivência dos mais aptos”.
94
Assim a competição passou a ser vista como a força impulsora da economia
[...]. (CAPRA, 2006, p. 43).

Assim, a competição passou à ser a base do comportamento das sociedades


contemporâneas. Neste paradigma social, os indivíduos devem sempre competir por melhores
condições, fomentando, assim, conflitos de interesses entre grupos sociais, como por
exemplo, entre empregados e empregadores. Deste ponto de vista, cada subsistema criado a
partir da divisão social do trabalho, tenderá à desenvolver sua próprias estratégias de ação,
assim como seus próprios valores morais (LUHMANN, 2012).
Em uma sociedade caracterizada pelos padrões de consumo, ou seja, onde as pessoas
se inserem na sociedade, pelos produtos que consome (BAUMAN, 2008), aqueles que ficam à
margem destes padrões de consumo, impostos pelos sistema, encarnam os demônios da
sociedade (BAUMAN, 1998). Estes agentes sociais, por se encontrarem em situações de
vulnerabilidade socioeconômica, tendem a aceitar o uso de estratégias de risco, como o uso da
violência, para conseguirem o que desejam (FOX; HOELSHER, 2012; MUGGAH, 2012).

Uma sociedade que valoriza mais o ter do que o ser, em que leis protegem o
patrimônio em detrimento da vida e em que os direitos humanos são negados
no trabalho, na rua, na escola, em casa, nas relações mais simples, é uma
sociedade que está desenvolvendo em seu interior o princípio da violência.
(BARCHIFONTAINE, 2017, p. 73).

Tendo as condições socioeconômicas como base do sucesso social, as populações que


se encontram em altos níveis de vulnerabilidade social, são expostas à violência estrutural da
sociedade e, tem como resposta à essa condição os atos fora da lei (MINAYO, 1994). Do
ponto de vista da Bioética, ou seja, a partir de um conceito filosófico de humanidade, que não
aceita hierarquias de importância (TRAJANO, 2017), estas ocorrências de violência social,
geralmente ligadas à vida no crime, podem ser consideradas como uma doença social que
atrasa o desenvolvimento da qualidade de vida, ou da felicidade.
A objetivação do ter individualista, em detrimento ao ser coletivo que somos,
individualiza nossa realidade conjunta e, nos coloca frente à contradição social exposta por
estruturas sociais iniquas, que provocam a mistanásia, ou seja, a “[...] morte de pessoas cuja a
vida não é valorizada.” (BARCHIFONTAINE, 2017, p. 72).
Assim, ao criar distinções socioeconômicas, o sistema social, cria condições para o
surgimento de subsistemas que irão encarnar os pesadelos sociais da violência, pois sendo
este tipo de ação, ligada à categoria meio-fim (ARENDT, 2006), esta será uma das únicas, se

95
não a única, oportunidade de alguns indivíduos realizarem suas vidas, buscando os objetivos
propostos pelo sistema social.

METODOLOGIA

O presente artigo, trata de um debate teórico em torno das ocorrências do fenômeno


social do Crime, na perspectiva da Bioética e dos Sistemas Sociais. Este debate visa trazer a
tona a discussão dos valores e princípios morais, presentes nas teorias sociais e econômicas e
seus reflexos na realidade cotidiana das sociedades.
Em questão a Justiça Social vivenciada pelos Agentes Sociais, trazemos a perspectiva
da Bioética, que compreende a noção de Dignidade inerente do ser humano (FERRARI,
2017), e a autossuficiência como condição da felicidade do ser (ARISTÓTELES, 1991).
Na perspectiva dos Sistemas Sociais, trazemos a noção de subsistemas funcionais que
operam por acoplamento estrutural, sendo operacionalmente fechados e energeticamente
abertos, trocando energia e informação com o meio-ambiente (LUHMANN, 2012;
MATURANA; VARELA, 2003). Esta perspectiva auxilia na compreensão da complexidade
do sistema social e sua operação através de valores e princípios, que são imputados através da
cultura das sociedades. Entende-se que os Agentes Sociais, pelas características do sistema,
podem atuar em um, ou mais, subsistemas simultaneamente, pois estes sistemas operam nos
níveis de consciência, através dos processos de comunicação linguística estabelecidos
(LUHMANN, 2012).

DISCUSSÃO

Conforme fora apresentado as sociedades contemporâneas, apresentam um forte viés


para a valorização do ter, em detrimento do ser, conforme fora observado por Bauman (2008),
na sociedade de consumo. Nesta Sociedade, as pessoas são transformadas em mercadoria
(POLANYI, 2000), e vistas como meio para atingir os fins determinados pela sociedade.
A partir das revoluções burguesas e industriais, tivemos na economia um paradigma
competitivo, conforme afirma Capra (2006), como mola propulsora da evolução das
sociedades, ou do desenvolvimento econômico e social. Desde então, as relações sociais
obedeceram a lógica imputada pela economia, que direcionou nosso comportamento para a
acumulação de riqueza. Conforme afirma Polanyi (2000) o homem e a terra foram colocados
96
à venda, assim as questões apresentadas pela Bioética e perspectiva da dignidade do Agente
Social, como um fim e, não um meio para atingir-se objetivos, não foram observadas.
A base da teoria Econômica, desde estas revoluções foi o liberalismo fundado por
Adam Smith (2011) “Riqueza das Nações” e, (1999) “Teoria dos Sentimentos Morais”, que
apresentam a natureza humana com base na propensão ao egoísmo e, a luta por melhores
condições. O que de fato justificou a exploração do homem, pelo homem. Estes paradigma
fundamentou a divisão social do trabalho e, serviu de base funcional para que as sociedades
contemporâneas pudessem se desenvolver, colocando todos em disputa pelas oportunidades
de trabalho presentes nas sociedades.
Conforme observado por Amartya Sen (1999; 2010) a teoria econômica deste período,
obedeceu muito mais questões de engenharia ligadas à produção de riqueza, do que questões
éticas, relacionadas ao bem viver. Desta maneira os conceitos de Qualidade de Vida,
obedeceram a mesma lógica, indicando apenas padrão material de vida, e não o bem estar
ligado ao que nos indica Aristóteles (1991) sobre a Felicidade, como Autossuficiência, ou
como diria Kant, como a Dignidade (apud FERRARI, 2017).
Assim Políticas Econômicas e Sociais obedeceram a lógica dos indicadores de padrão
de vida, pois via de regra, estes indicadores avaliam a eficiência da aplicação de tais políticas
na sociedade. Porém, estas Políticas foram incapazes de solucionar os problemas da
desigualdade, assim como afirmavam que ocorreria, após o crescimento do bolo total da
riqueza.
O que vemos hoje, conforme constatado por Thomas Piketty (2014), é uma sociedade
onde a distância entre o mais rico e o mais pobre, continua crescendo e, ainda pior, as
dificuldades de ascensão socioeconômica são enormes, em função das diferenças da renda do
trabalho e, da renda dos rentistas que, detém capital especulativo.
Os subsistemas criados por essa injustiça social, por sua vez, fomentam valores
diferenciados entre os grupos sociais, conforme observado por Luhmann (2012). Assim,
conforme observado por Fox e Hoelsher (2012) e Muggah (2012), os grupos sociais que
encontram dificuldades de ascensão social, tendem a aceitar estratégias de risco para
conseguirem o que desejam, gerando aquilo que Bauman (1998) classificou como “O mal-
estar da pós-modernidade”, ou seja, a cegueira moral e a violência.
Assim, a falta desta base Bioética nas Instituições Sociais que servem de base para a
estruturação, manutenção e reprodução, das sociedades, como proposto pela perspectiva dos
Sistemas Sociais, fundamentou oportunidades para a ocorrência de fenômenos sociais, como o
97
crime, pela falta de valorização do ser, em detrimento do ter, colocando em competição, em
bases hierárquicas de poder, os Agentes Sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando as questões da Bioética como fundamentais para o


desenvolvimento das sociedades, podemos perceber que, ao considerar pressupostos
egoísticos e competitivos na natureza humana, as teorias sociais e econômicas, imputaram
uma lógica contrária aos valores e princípios morais capazes de fomentar desenvolvimento
econômico e social verdadeiro. Ao dinamizar está lógica, que tem em suas características a
diferença socioeconômica, criou-se oportunidade para o aparecimento de fenômenos sociais,
que podem ser considerados, do ponto de vista da bioética, como mistanásia, ou seja,
condições para a morte de indivíduos na miséria. Porém estes mesmos indivíduos,
condicionados à tal situação de vulnerabilidade social, não irão aceitar estas condições
lutando à sua maneira para conseguiram se inserir nestas sociedades.

REFERÊNCIAS

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2006.

ARISTOTELES. Ética a Nicômaco; poética; seleção de textos de José Américo Motta


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100
POLÍTICAS AFIRMATIVAS E POLÍTICAS DE PERMANÊNCIA ESTUDANTIL

Orlinéya Maciel Guimarães*

Resumo: Esse artigo apresenta uma proposta de investigação cientifica que tem por objeto de
pesquisa as ações afirmativas e as políticas de permanência estudantil na UNESP e propõe um
debate sobre a questão contraditória das Ações Afirmativas adotadas no Brasil através de
levantamento de dados tanto dos ingressantes, como o acompanhamento do percurso
acadêmico dos estudantes que compõe este contingente.

Palavras-chave: ensino superior. permanência estudantil. política de ações afirmativas. perfil


da educação superior. universidade pública.

INTRODUÇÃO

Esse artigo apresenta uma proposta de investigação cientifica que tem por objeto de
pesquisa as ações afirmativas e as políticas de permanência estudantil na UNESP e propõe um
debate sobre a questão contraditória das Ações Afirmativas adotadas no Brasil.
O universo do ensino superior é composto por um contingente de pessoas oriundas de
diversos contextos sociais, com bagagens intelectuais e culturais bem como com expectativas
e perspectivas diferentes acerca do percurso acadêmico. Está constituído por docentes e
discentes, tanto calouros como veteranos e, portanto, as perspectivas vão sendo moldadas na
medida em que este percurso é trilhado, uma vez que, ao adentrar no Ensino Superior, muitos
trazem as questões de ascensão profissional como principal objetivo e, no decorrer deste,
deparam-se com outras realidades o que, certamente é um fator transformador do caminho.
Assim, estas primeiras impressões e expectativas podem ser totalmente modificadas ou não.
Olhar para esta realidade é perceber que, em razão das mais variadas formas para este
acesso à Universidade, existem histórias e modelos socioeconômicos e culturais que
influenciaram, não só na escolha do curso, mas também a vida acadêmica.
Neste contexto podemos entender que cada indivíduo, dentro das suas perspectivas
buscou, antes, formas de conseguir este feito, seja ele por meio de apoio familiar de forma

*
Mestre em Planejamento e Análise de Políticas Públicas da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais,
Universidade Estadual Paulista - campus de Franca. Membro do Grupo de Pesquisa GESTA – Gestão
Socioambiental e a Interface com a Questão Social.

101
financeira, por meio de políticas financeiras para custear o Ensino Médio ou cursinhos
populares, ou até mesmo pelo esforço pessoal em realizar os estudos em horários alternados
do trabalho para obter este acesso. Eliminando aqui, desde já, a questão da meritocracia, uma
vez que tal assunto não faz parte das análises deste trabalho, uma vez que, esta palavra
significa uma conquista por mérito, e aqui, trataremos do percurso e não do “como” este
indivíduo conseguiu chegar até a Universidade.
Assim, sendo, o olhar é para o histórico socioeconômico e cultural por detrás de cada
indivíduo para chegar à Universidade.
Neste movimento, partindo do perfil do ingressante no Ensino Superior, pretende-se,
portanto, entender como a Política de Ação Afirmativa (reserva de vagas para ingressantes do
Ensino Médio Público) estabeleceu este vinculo e quais as consequências deste para atingir
estas mesmas expectativas, tanto profissionais como no tocante ao envolvimento com a
Universidade.
Sabendo que, uma vez dentro do contexto universitário, muitos optam por
engajamentos políticos, outros pelo caminho da pesquisa cientifica, obtendo destaques
importantes para sua futura vida profissional e há outros que simplesmente passam pela
Universidade.
Pretende-se, portanto, caracterizar e encontrar um perfil específico dos ingressantes
pelo processo de reserva de vagas, procurando chegar à sua essência, reproduzindo-se a
realidade pesquisada no plano do pensamento, enquanto real pensado (KOSIK, 1995) deste
processo no que concerne ao envolvimento destes como um todo, mapear como se dá as
questões do Ensino, pesquisa, extensão, amadurecimento acadêmico, transformação sócio-
cultural e perspectivas pensadas do além da Universidade.

AÇÕES AFIRMATIVAS E POLÍTICAS DE PERMANÊNCIA ESTUDANTIL

Ações afirmativas são políticas públicas que pretende reservar recursos financeiros
para beneficiar grupos de pessoas socioeconomicamente carentes, que tem como pressuposto
igualar as diferenças destes grupos, dando-lhes a igualdade de oportunidades, facilitando ou
garantindo-lhes o acesso ao Ensino Superior.
Para se entender as ações afirmativas de forma ampla e consciente é necessário
questionar o passado e entender o mecanismo do processo de exclusão social, a historia de um
país que passou pela escravidão e a segregação racial e social desde o inicio.
102
Consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à
concretização do princípio constitucional da igualdade material e à
neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de
origem nacional, de compleição física e situação socioeconômica (adição
nossa). Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até
mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não
somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a
discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De
cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de
exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de
transformações culturais e sociais relevantes, inculcando nos atores sociais a
utilidade e a necessidade de observância dos princípios do pluralismo e da
diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano” (GOMES, 2001,
p. 6-7)

Estas políticas não é exclusiva do Estado, haja vista que as organizações privadas ou
Organizações não Governamentais (ONGs) participam ativamente destas, dando suporte ou
complementando este acesso já que estas políticas não conseguem abranger a necessidade
como um todo, então cursinhos populares e outras ações complementam este acesso.
O principal objetivo das ações afirmativas é garantir um tratamento universal por parte
do Estado a todos. Conforme o caput do Artigo 5o da Constituição Federal: “Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade.” (BRASIL, 1988).
Assim, criou-se a noção de que a justiça nada mais é do que tratar todas das pessoas de
maneira igualitária, contudo, tal ação não significa tratamento igual. Se todos somos
desiguais, certamente tratar todos da mesma forma gera a desigualdade.
Entendendo que, principalmente nas questões sócio-culturais e econômicas somos
diferentes, e estas Políticas vêem ao encontro deste tratamento desigual como uma estratégia
de correção destas desigualdades, criando a oportunidade a uma categoria de pessoas da
sociedade para que sejam inseridas no contexto da do Ensino Superior.
Existem vários tipos de ações afirmativas que já ocorrem nos países como Estados
Unidos, Índia e África do Sul, assim, estas políticas, segundo pesquisas demonstram que
houve um aumento significativo da população negra que ingressou na educação superior.

Nos Estados Unidos [...] A percentagem de negros e negras matriculada


passou de 13%, em 1967, para 30,3%, em 2000, naquele país. A população
negra matriculada no ensino superior representava 4,4% do total em 1966;

103
dez anos depois, a proporção para 9,6%. Universidades dos Estados Unidos.
(LOPES, 2006, p. 27).

Quanto as Políticas de Ações Afirmativas, estas foram criadas no Brasil pela Lei
Federal n. 12.711, de 29 de agosto de 2012 que dispõe sobre o ingresso nas universidades
federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências.
A partir daí as Universidades Federais iniciaram, de forma obrigatória, a inserção de
estudantes em cursos de gradação por este sistema.
No Estado de São Paulo, as Universidades Estaduais Paulistas – USP, Unesp e
Unicamp, o Governo determinou, por meio do Programa Paulista de Inclusão Social no
Ensino Superior (PPISES) que fossem implementadas as ações afirmativas a fim de promover
a inclusão da parcela de estudantes socialmente menos favorecidos nos seus cursos de
graduação mediante o acolhimento, em 50% de suas vagas, de alunos oriundos de escolas
públicas, guardando, dentre estes, a parcela de 35% dos grupos étnicos preto, pardo e índio
(PPI).
Após estudos e discussões no Conselho de Reitores das Universidades Estaduais
Paulista (CRUESP) – formularam o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior
Público Paulista (PIMESP).
Em especial, a Universidade Estadual Paulista – Unesp – foco e ambiente de nossa
pesquisa, resolve implementar o programa, a partir de 2014, iniciando com 15% dos
estudantes ingressantes, 2015 – 25%, 2016 – 35%, 2017 – 45% e 2018 com 50%, sendo que
35% deste percentual é destinado para alunos autodeclarados pardos, pretos e indígenas (PPI)
Considerando, portanto que para vários cursos de graduação da Unesp, certamente a
inserção de alunos oriundos de escolas públicas já se fazia, sem necessidade de políticas
próprias, em percentuais relevantes, já para cursos considerados elitistas, como Direito,
Medicina e Engenharias, estas ações afirmativas foram realmente necessárias.
Segundo informações levantadas nos relatórios da Vunesp, observa que somente no
vestibular de 2014, quando do inicio do ingresso pelo sistema de reserva de vagas houve
registro de alunos nos cursos de Medicina, Direito e Engenharias oriundos da escola publica.
Considerando que em 2013 não havia política de reserva de vagas para alunos do
Ensino Público, e em 2017, obrigatoriamente 45% das vagas foram reservadas. Observa-se
que, para estes cursos o fato de haver uma política de reserva de vagas foi imprescindível para
a inclusão destes estudantes.

104
Na pesquisa, analisaremos tão somente o Curso de Graduação em Direito, pela questão
logística para que as entrevistas e levantamento de dados sejam mais acessíveis.
Até este momento na pesquisa, teremos, portanto um perfil e características destes
estudantes que será capaz de nos trazer informações importantes não só do perfil, mas
também de como esta política os auxiliou neste processo e do processo propriamente dito.

Assim, a contradição se constitui enquanto motor permanente da relação


dinâmica entre processos, ou seja, a força motriz do próprio processo normal
e não apenas a forma de passagem de um estágio a outro. É princípio do ser
e só é possível apreendê-la na realidade enquanto base dos processos.
(LUKÁCS, 1972, p. 24).

Em contra partida, temos as questões de ordem econômica, que interferem e muito


neste percurso, e com a Política de Permanência Estudantil podemos entender que dentro
desta categoria de estudantes há os que necessitam e possuem o direito de usufruir desta
política, a fim de dar continuidade aos estudos.
É importante ressaltar que as categorias “[...] exprimem [...] formas de modos de ser,
determinações de existência, frequentemente aspectos isolados de [uma] sociedade
determinada [...].” (PAULO NETTO, 2009, p. 14), e podem ser consideradas como
ontológicas e reflexivas.
Tendo, portanto o perfil do ingressante pela Política de Ação Afirmativa, fica menos
complexo entender esta necessidade de incluí-lo na Política de Permanência Estudantil,
complementando, portanto, os dados obtidos pelo primeiro momento, olhando para o
movimento destas políticas compreender o universo destes estudantes e como estas políticas
de fato contribuem para o desenvolvimento socioeconômico e cultural.
Ademais, a política de ação afirmativa já contempla o auxilio financeiro, contudo, não
significa que o estudante oriundo da escola pública, necessariamente possui um perfil
socioeconômico desfavorável. Portanto a pesquisa quer entrar neste contexto e analisar
também este pressuposto.
Já o Programa Nacional de Assistência Estudantil, oficialmente, foi estabelecida pelo
Governo Federal via Decreto n. 7.234, de 19 de julho de 2010, com a finalidade de “[...]
democratizar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal.”
(BRASIL, 2010).

105
Na Unesp ainda não possui uma Política de Permanência Estudantil, mas desde 1986
já existiam algumas ações que integravam os objetivos da Permanência. A partir da década de
1980, aos poucos a UNESP foi criando várias ações características de permanência.
Inicialmente foi criado um programa que previa monitoria nos cursos de graduação
com um auxilio, além de outras atividades de ensino, pesquisa e principalmente a extensão
que são contempladas com auxílios financeiros.
Para outros estudantes ainda é concedido o auxilio aluguel, caso não seja possível uma
vaga na Moradia Estudantil da Unidade.
Assim sendo, através de levantamento de dados pretende-se analisar como este aluno
do PIMESP consegue sua permanência na Universidade, considerando, portanto, que teremos
grupos destes alunos que, mesmo tendo ingressado pelo sistema de reserva de vagas não
necessariamente estarão aptos ao processo de permanência, então a questão é como eles
conseguem esta permanência e também qual o seu envolvimento e expectativas em relação ao
curso escolhido.

METODOLOGIA DA PESQUISA

Pesquisa é o procedimento racional e sistemático que tem como meta proporcionar


respostas aos problemas propostos para a investigação. A pesquisa científica exige um
mergulho nos conhecimentos disponíveis e a utilização cuidadosa de métodos, técnicas e
outros procedimentos científicos que envolvem inúmeras fases, desde a adequada formulação
do problema até a satisfatória apresentação dos resultados (GIL, 1996).
Este trabalho constitui-se em um estudo de caso, dedicado a responder quem são os
estudantes que ingressam na Universidade, e de que forma as políticas de ingresso e
permanência estudantil colaboram para o percurso acadêmico e a transformação destes
indivíduos quando entra em contato com o universo acadêmico e, como é a trajetória desses
estudantes ao longo deste período.
Considerando que não seria possível em tão pouco tempo realizar o levantamento em
todos os 155 cursos de graduação oferecidos pela Unesp distribuídos nas 34 unidades
localizadas pelo interior do Estado de São Paulo. Opta-se, portanto, em selecionar uma
amostra através de um recorte no campus de Franca. Justifica-se por ser o único campus que
possui o curso de Graduação em Direito que é um dos cursos cuja política de reserva de vagas
é bem relevante. Mas, também, pelo fato da autora estar diretamente relacionada

106
profissionalmente à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. O estudo de caso é a estratégia
escolhida ao se examinar acontecimentos contemporâneos, mas quando não se podem
manipular comportamentos relevantes (YIN, 2001, p. 25).
A pesquisa consiste em um estudo de caso de alunos de graduação da Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais, campus de Franca da Unesp, do curso de Graduação em Direito
que ingressaram pelo processo seletivo do vestibular, e que o acesso se deu pela política de
reserva de vagas no período de 2014 a 2018.
O recorte de período proposto decorre pelo fato que esta política foi aplicada a partir
de 2014 e, ainda, pelo curso ter o prazo mínimo de cinco anos, ter contato com os formandos
em 2018. Justifica-se, então, o período de tempo considerado nesta pesquisa. Serão
consultados os documentos: registros acadêmicos, processos seletivos de auxílios
permanência.
Segundo Manning (1979 apud NEVES, 1996, p. 1) é necessário este recorte na
pesquisa qualitativa, de modo a permitir que os dados analisados pudessem apresentar uma
evolução:

O desenvolvimento de um estudo de pesquisa qualitativa supõe um corte


temporal-espacial de determinado fenômeno por parte do pesquisador. Este
corte define o campo e a dimensão em que o trabalho desenvolver-se-á, isto
é, o território a ser mapeado. O trabalho de descrição tem caráter
fundamental em um estudo qualitativo pois é por meio dele que os dados são
coletados.

A partir dos dados coletados, a pesquisa trará quem são estes estudantes e suas
condições socioeconômicas quando do seu ingresso na Universidade, após este levantamento,
será possível realizar entrevistas periódicas e sistemáticas para compor o universo do percurso
acadêmico, contemplando informações acerca das questões a serem investigadas: (1) durante
o percurso acadêmico (tempo que esteve vinculado à Unesp), de modo a avaliar como ocorreu
a adaptação no universo acadêmico, suas percepções, expectativas, dificuldades e
necessidades; e (2) ultimo ano acadêmico, de modo a avaliar o impacto pedagógico ao que se
refere à absorção e vivencia acadêmica, considerando suas expectativas futuras.
Deste modo a presente pesquisa traz importantes contribuições para uma reflexão
inicial sobre as políticas de reserva de vagas e permanência estudantil, base para discussões
mais amplas.

107
Pretende-se, então, compreender a integração destas políticas e o real impacto na vida
destes estudantes, analisando o seu objetivo geral e a sua implementação no âmbito do
campus de Franca da Unesp, considerando os atores envolvidos neste processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho procura promover uma reflexão sobre as políticas de acesso ao Ensino
Superior, considerando que estas ações fazem parte das Instituições de Ensino, juntamente
com os Governos Federais e Estaduais para amplicação deste acesso aos estudantes das
camadas mais socioeconomicamente não privilegiada.
O foco da pesquisa está justamente em procurar entender a relação da política de
ingresso (Política de Ação Afirmativa) com a política de permanência estudantil existente na
Universidade Estadual Paulista – Unesp, sua implementação e manutenção destas políticas,
além de olhar para os estudantes que foram contemplados com para que possamos entender
este universo.
Para compreender “como” e “de que forma” esta política se desenvolve no âmbito da
Universidade é necessário conhecer não só as políticas, mas também para o estudante e seu
percurso acadêmico para identificarmos como este processo se efetiva no universo acadêmico.
Em suma, o estudo pretende observar, analisar e avaliar estas políticas olhando o
processo como um todo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União,


Brasília, DF, 5 out. 1988. Anexo. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 7 jul.
2014.

______. Lei n. 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades
federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 ago. 2012. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm>. Acesso em:
2016.

______. Decreto n. 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de


Assistência Estudantil – PNAES. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 jul. 2010.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/decreto/d7234.htm>. Acesso em: 2016.
108
CALADO, S. S.; FERREIRA, S. C. Análise de documentos: métodos de recolha e análise de
dados. Lisboa, 2005. Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/ichagas/ mi1/
analisedocumentos.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2014.

FUNDAÇÃO VUNESP. Relatório [anual] vestibular Unesp. São Paulo: Fundação Vunesp,
2016. Disponível em: <https://www.vunesp.com.br/Institucional/EstatisticaVestibular>.
Acesso: 30 maio 2017.

GIL, A. C. Métidos e técnicas da pesquisa social. 6. ed. São Paulo. Altas. 1999

GOMES, J. B. B. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: o direito como


instrumento de transformação social: a experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
KOSIK, K. A dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

LOPES, C. (Org.). Cotas raciais: por que sim? 2. ed. Rio de Janeiro: Ibase : Observatório da
Cidadania, 2006. Disponível em:
<http://www.ibase.br/userimages/ibase_cotas_raciais_2.pdf>. Acesso em: 30 maio 2017.

LUKÁCS, G. Ontologia do ser social: os princípios ontológicos fundamentais de Marx. São


Paulo: Ciências humanas, 1979.

NEVES, J. L. Pesquisa qualitativa: características, usos e possibilidades. Caderno de


Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 1, n. 3, p. 1-5, 1996.

PAULO NETTO, J. Introdução ao método da teoria social. In: CFESS;ABEPSS. Serviço


Social: direitos e competências profissionais. Brasília, DF, 2009.

YIN, R. Estudo de caso: planejamento e método. Porto Alegre: Bookman, 2001.

109
REFLEXÕES SOBRE GESTÃO

Ana Luiza Cruz Abramovicius *


Aurélia Garcia Gomes **
Barbara de Freitas do Amaral ***
Maria José de Oliveira Lima ****

Resumo: O conceito de gestão se entende a respeito da condução dos destinos das


organizações, na qual leva em consideração o todo em relação com as suas partes,
promovendo maior efetividade do conjunto. A pesquisa de modo geral passa a refletir e
compreender que a gestão tem a lógica de ser orientada pelos princípios democráticos, sendo
caracterizada pela importância da participação consistente das pessoas nas decisões sobre
orientação, organização e planejamento. Permitindo superar a limitação da fragmentação e da
descontextualização e construindo a visão em conjuntos, a partir da qual se desenvolvem
ações mais articuladas e mais consistentes. A participação é imprescindível ao processo de
gestão.

Palavras-chaves: gestão. democracia. capitalismo.

INTRODUÇÃO

A pesquisa tem por finalidade refletir sobre a gestão e a importância da gestão


democrática. Para tanto houve o cuidado com o entendimento do histórico da gestão presente
na vida em sociedade e com a compreensão das caracterissticas técnicas e humanas, refletindo
e compreendendo a sua lógica democrática.
Gestão determina orientações estratégicas de futuro, na qual mobiliza pessoas em
equipes e estabelece a devida articulação para maximizar os resultados.
O conceito de gestão se entende e resulta em respeito à condução dos destinos das
organizações, que leva em consideração o todo em relação com as suas partes, de modo a
promover uma maior efetividade do conjunto. Aparecendo como superação das limitações do
conceito de administração, resultando mudanças de paradigmas, isto é, de visão de mundo e
óptica com que se percebe e reage em relação à realidade. Elaborando planos de ações,
definindo objetivos e metas a serem alcançadas, estabelecendo o trabalho que será realizado e
os responsáveis por ele, sendo o processo utilizado para atingir seus objetivos.

*
Graduanda em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP/câmpus de Franca.
**
Graduanda em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP/câmpus de Franca.
***
Graduanda em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP/câmpus de Franca.
****
Doutora em Serviço Social pela UNESP FRANCA, docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social e Curso de Graduação em Serviço Social da UNESP/câmpus de Franca.

111
O objetivo geral da pesquisa é refletir e compreender que a gestão tem a lógica de ser
orientada pelos princípios democráticos, sendo caracterizada pelo reconhecimento da
importância da participação consistente e esclarecimento das pessoas nas decisões sobre
orientação, organização e planejamento. Portanto ela permite superar a limitação da
fragmentação e da descontextualização, assim construindo a visão e orientação de conjuntos,
a partir da qual se desenvolvem ações mais articuladas e mais consistentes.
Para identificar o seu processo é preciso complementar a importância das estruturas
em que se impõem o trabalho profissional, revelando desta forma a necessidade de condução
capacitada da gestão. O processo de gestão deve argumentar em todos os níveis das
organizações, sejam privadas, públicas e até mesmo pertencente ao terceiro setor. Um aspecto
importante é se identificar para aquela finalidade proposta, independente da função exercida,
pois a questão da vocação é o mesmo que aptidão para desempenhar determinada atividade.
O gestor precisa ganhar visão completa das organizações para a sua administração de
serviços, assim efetuado com sucesso a sua função e desenvolvendo características gerenciais,
como liderança, firmeza no processo de decisões, uma boa comunicação, visões estratégicas
futuras e principalmente a ética profissional.
Focando sempre na integridade dessas habilidades obtidas, como algumas
características essenciais que seria a honestidade, a ética, a confiabilidade, a responsabilidade
e comprometimento para com um todo, frisando as pessoas envolvidas nestas organizações,
sendo participantes diretas ou indiretas.
Segundo André Luis Centofante Alves "Independente de todas as características
mencionadas, ainda cabe ao gestor desenvolver competências gerenciais classificadas em três
categorias: conhecimento, habilidades e atitudes." (ALVES, 2015, p. 79). A habilidade
técnica e humana em cada profissional "[...] envolve a capacidade de compreender e lidar com
a complexidade total de organização e de usar o intelecto para formular estratégias, analisar
problemas e tomar decisões." (MAXIMIANO, 2000, p. 42).
Definindo como imprevisível a competência da gestão, pois se completa com a ação
que é o seu ponto de referência para um todo, não adiantando planejar excelentes programas
ou projetos, não contendo um profissional com as características apresentadas, e vice e versa,
com um ótimo profissional e um programa ou projeto falho. A participação é imprescindível
ao processo de gestão.

112
VISÃO HISTÓRICA DA GESTÃO

Historicamente existem fatos de gestão em impérios, nações e cidades. Sendo


investigado até os dias atuais é constatado uma forte contribuição para o desenvolvimento
econômico e social com o passar dos tempos. Entretanto:

[...] esses predecessores empreendiam, sob condições escravistas ou outras formas


de trabalho cativo, tecnologia estacionária e ausência da necessidade capitalista de
expandir cada unidade de capital empregado, e deste modo era marcadamente
diferente da administração capitalista. (BRAVERMAN, 1980, p. 65).

Desta forma não significa que o esforço da coordenação humana no trabalho


cooperativo não existisse, pois bem antes do capitalismo encontramos este fato presente nas
administrações, exemplos disso são obras arquitetônicas, como canais de irrigação, as
pirâmides do Egito, entre vários outros, tanto na era medieval quanto antes era envolvido uma
quantidade gigantesca de trabalhadores em torno de uma mesma gestão.
O Egito antigo é um modelo clássico, pois há mais de 4.000 anos a.C. foi uma das
grandes civilizações existentes, onde mantinha um governo organizado na qual a disciplina, o
planejamento e a hierarquia sempre estavam em destaque. A criatividade marcou o império
egípcio, o empreendedorismo da gestão pode ser encontrado nas construções das cidades e
nos seus monumentos, além das áreas medicinais, culturais e artísticas.
Um exemplo primário de empreendedorismo e gestão no Egito Antigo é sobre Moisés,
que retirou Hebreus da escravidão por volta de 1.500 a.C. mesmo após conduzir milhares de
pessoas por volta de quarenta anos, ele venceu as adversidades e chegou em seu objetivo
final, liderando a multidão por meio de uma administração com questões de construção,
alimentação, legislação, saúde, comunicação, economia, entre vários outros. Podendo se
acreditar que ele tenha sido o primeiro a dar início a um processo de descentralização de
funções e divisões de trabalho, dividindo com a população a responsabilidade e a gerência de
tarefas e pessoas, se tornando o primeiro administrador da história da humanidade.
Na Idade Média a gestão era utilizada para definir quem gerenciava grandes projetos
de produção, na qual os sujeitos não assumiram os riscos dos projetos, apenas administravam
tecnicamente. Na maioria das vezes os recursos eram advindos do governo do país.
Um exemplo do final da Idade Média é Marco Polo (1254 - 1324), foi um dos
pioneiros a percorrer a Rota da Seda (espaço entre a Ásia e a Europa utilizado para comércio),
Polo assinava contratos com as capitais de ambas, sendo que por conta das suas viagens
113
aventureiras o Ocidente recebeu mais informações geográficas do Oriente, sendo que este fato
jamais havia ocorrido.
Em meados do século XVII Richard Cantillon, economista Irlandês, foi o primeiro a
diferenciar a gestão "daquele que faz acontecer no capital" para "aquele que fornece o capital",
assim investindo em projetos.
No século XIX o economista francês Jean-Baptiste Say colocou o empreendedorismo
dentro do desenvolvimento econômico, assim iniciando a gestão na economia. O austríaco
Joseph Alois Schumpeter (1883 – 1950), foi um dos maiores economistas do século,
reconhecia a gestão como uma forma de se criar novos produtos e serviços, assim organizando
novos recursos materiais.
O século XX foi o maior inovador, por conta da quantidade de gestores
empreendedores nas inovações revolucionárias do mundo, exemplos disso são: Sergey Brin e
Larry Page (Google), Bill Gates (Microsoft) e Steve Jobs (Apple, Pixar, NeXT).
Segundo Chiaventao em seu livro Gestão de Pessoas, o autor define através de gráfico
modelo gestão em diferentes séculos e eras.

MODELOS DE GESTÃO EM DIFERENTES SÉCULOS


Século XX Século XXI
Estabilidade Melhoria Contínua
Comando e controle de cima para baixo Liderança
Rigidez Organizacional Flexibilidade permanente
Informações em segredo Informações compartilhadas
Necessidade de certeza Tolerância á ambiguidade
Foco na organização inteira Foco no ambiente competitivo
Orientação para o mercado nacional Foco internacional
Competição por mercados atuais Hiper Concorrência por mercados futuros
Fonte: (CHIAVENATO, 2010, p. 39).
MODELOS DE GESTÃO EM DIFERENTES ERAS
ERAS Era Clássica Era Neoclássica Era da Informação
PERÍODOS 1900 – 1950 1950 – 1990 Após 1990
Estrutura organizacional Burocrática, funcional, Mista, matricial, Fluida, ágil e flexível.
predominante. centralizadora, estratégias de negócios.
inflexível.
Cultura organizacional Foco no passado e nas Foco no presente e no Foco no futuro e no
predominante. tradições. atual. destino.
Ambiente Organizado. Estatístico, poucas Aceleração das Com intensas mudanças.
mudanças. mudanças.
Modos de lidar com as Pessoas como fatores Pessoas como recursos Pessoas como seres
pessoas. de produtos inertes e organizacionais que humanos proativos.
estatísticos. devem ser
administrados.
Administração de Relações industriais. Administração de Gestão de Pessoas.
pessoas. recursos humanos.
Fonte: (CHIAVENATO, 2010, p. 40).

114
Em décadas anteriores, marcadas pelo conservadorismo, a gestão tinha um papel de
lentidão nos processos de mudanças e seu autoritarismo, funcionava em torno da conservação
e permanente de processos sociais estabelecidos, em detrimento da efetivação de seus
objetivos.

GESTÃO NO SÉCULO XXI

A gestão se torna cada vez mais necessária por conta do momento histórico em que
nos encontramos, considerando que a concorrência, a tecnologia e a globalização estão cada
vez mais avançados e geram impactos profundos nas questões sociais, econômicas e políticas.
Para Tenório (20016, p. 11):

Desde o fim da II Guerra Mundial, o mundo passou pelas mais profundas


transformações de sua história. Assistimos à emergência de novos centros de poder
econômico e político, a revolução nas comunicações, ao aumento da produtividade
industrial e agrícola, assim como da urbanização. Este mesmo desenvolvimento
produziu o aumento da pobreza, da violência, de doenças e da poluição ambiental,
além de conflitos religiosos, étnicos, sociais e políticos.

A gestão define e planeja as metas para os trabalhadores e quem seriam estes


responsáveis, após todo o planejamento, encontramos a organização que estabelece o trabalho
que será realizado. O controle tem o intuito de garantir que as metas definidas sejam
concluídas.
Segundo Alves (2015, p. 77):

O gestor tem que ganhar visão completa da organização enquanto referência para a
administração dos seus serviços. Para que efetue com sucesso a sua função é preciso
desenvolver algumas características gerenciais como: liderança, autoridade, senso de
organização administrativa, disciplina, firmeza no processo de tomada de decisões,
boa comunicação, visão estratégica.

Contudo Alves (2015, p. 78), pontua:

[...] faz parte dessas habilidades algumas características pessoais tais como:
honestidade, a ética, a confiabilidade, o bom procedimento, a responsabilidade e o
comprometimento para organização como um todo, incluindo o respeito às pessoas
que dela participam.

A neutralização de sua resistência para as condições de trabalho que foram impostas


pelo capital, é sempre buscada pela gestão que essencialmente controla o trabalho. Braverman
115
cita "[...] o controle é, de fato, o conceito fundamental de todos os sistemas gerenciais, como
foi reconhecido implícita ou explicitamente por todos os teóricos da gerência."
(BRAVERMAN, 1980, p. 68).
Paro (2012, p. 81), pontua sua visão sobre a gestão na qual é inevitável não passar pela
valorização do capital e até mesmo o processo de exploração da força de trabalho: “A
necessidade da gerência, enquanto controle do trabalho, se deve ao fato de ser o processo de
produção capitalista, inevitavelmente, processo de valorização do capital e, ao mesmo tempo,
processo de exploração da força de trabalho”
A transformação do trabalho se torna um fenômeno geral na sociedade capitalista, se
restringindo apenas às empresas produtoras de bens, sendo que a gestão é apenas um
complemento, com uma forma exclusiva e predominante. Seria mais correto apresentar no
capitalismo moderno, o capitalismo verdadeiro que passa a não ser o empresário individual,
mas a empresa em si.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A gestão realizada atualmente é um produto de longa evolução histórica e consigo tem


marcas das condições sociais e dos interesse políticos da sociedade como um todo. Para
melhor entendê-la é precisa estudá-la desde o início, independente de qualquer estrutura
social. Desta forma encontramos uma gestão voltada para o capital, pontuando que em seu
sentido geral e histórico ela foi determinada pelas relações econômicas, políticas e sociais que
vivenciam o modelo capitalista. Por isso a importância de abstrair determinações
historicamente situadas, para captá-la em sua essência e o que ela tem de específico.

Do ponto de vista da práxis humana, total, que se traduz na produção ou autocriação


do próprio homem, a práxis criadora é determinante, já que é exatamente ela que lhe
permite enfrentar novas necessidades, novas situações. O homem é o ser que tem de
estar inventando ou criando constantemente novas soluções. Uma vez encontrada
uma solução, não lhe basta repetir ou imitar o que ficou resolvido; em primeiro
lugar, porque ele mesmo cria novas necessidades que invalidam as soluções
encontradas e, em segundo lugar, porque a própria vida, com suas novas exigências,
se encarrega de invalidá-las. Mas as soluções alcançadas tem sempre, no tempo,
certa esfera de validade, daí a possibilidade e a necessidade de generalizá-las e
entendê-las, isto é, de repeti-las enquanto essa validade se mantenha. A Repetição se
justifica enquanto a própria vida não reclama uma nova criação. O homem não vive
um constante estado criador. Ele só cria por necessidade; cria para adaptar-se a
novas situações ou para satisfazer novas necessidades. Repete, portanto, enquanto
não se vê obrigado a criar. Contudo, criar é para ele a primeira e mais vital
necessidade humana, porque só criando, transformando o mundo, o homem – como

116
salientaram Hegel e Marx através de diferentes prismas filosóficos - faz um mundo
humano e se faz a si mesmo. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 1977, p. 247-248).

Nas sociedades de classes, o poder está confinado na minoria, que tem servido a classe
dominante para se prolongar o máximo de domínio. Contudo não significa que a gestão não
possa transformar este contexto a favor das classes subalternas, desde que suas
potencialidades sejam aproveitadas nos seus interesses. Sendo necessário uma gestão elevada
de caráter espontâneo progressista, sendo uma práxis reflexiva revolucionária, frisando a
importância no processo de conhecimento das condições concretas em que a gestão se
enquadra na sociedade.
O capitalismo não muda o processo de trabalho. O produtor agora empregado pelo
capital, continua seu oficio da mesma maneira, quando lhe tinha condições objetivas de
trabalho. Os instrumentos de trabalhos sao os mesmo, onde se cumpre a mediação do homem
e o objeto de trabalho. A diferença se encontra e a quem pertence o produto de seu trabalho, o
capitalista detém a propriedade dos meios de produção.
Os primeiros tempos de capitalismo tem por base a produção da mais valia absoluta
"[...] expressão material da subsunção formal do trabalho ao capital" (MARX, 1978, p. 56), na
qual se conjuga de forma extrema, além de prolongar a permanência do trabalhador e o
serviço do capital. Com a luta incansável dos trabalhadores por melhorias nas suas condições
de trabalho, o capitalismo passa a disponibilizar meios mais efetivos para a sua expansão
contínua, mediante o aumento da produtividade do trabalho.
Marx entendeu e explicou uma espécie particular de cooperação para que assim tenha
a divisão manufatureira do trabalho "[...] forma de trabalho em que muitos trabalham
planejadamente lado a lado e conjuntamente, no mesmo processo de produção ou em
processos de produção diferentes, mas conexos." (MARX, 1983, p. 259).
A concorrência conclui que desde os primeiros tempos capitalistas, vem aumentando o
número de produtores que trabalham cooperativamente, o esforço humano coletivo vem se
tornando uma tarefa mais complexa, na qual envolve quantidades crescentes de pessoas que
manipulam volumes cada vez maiores de produção.

REFERENCIAS

ALVES, A. L. C. Gestão de Organizações não governamentais. Curitiba: CRV, 2015.

BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.


117
CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas o novo papel dos recursos humanos nas
organizações. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

LUCK, H. Gestão educacional uma questão paradigmática. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2015.

MARX, K. O capital. Sao Paulo: Ciências Humanas, 1978. L. 1.

______. O capital: critica da economia politica. Sao Paulo: Abril Cultura, 1983.

MAXIMIANO, A. C. A. Introdução a administração. 5. ed. Sao Paulo: Atlas, 2000.

PARO, V. H. Gestão democrática da escola pública. 3. ed. Sao Paulo: Atica, 2008.

______. Administração escolar introdução critica. 17. ed. Sao Paulo: Cortez, 2012.
PAULO NETTO, J. Introdução ao estudo do método de Marx. Sao Paulo: Expressão
Popular, 2011.

SÁNCHEZ VÁZQUEZ, A. Filosofia da práxis. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

TENÓRIO, F. G. Gestão de ONGs principais funções gerenciais. 10. ed. Rio de Janeiro: Ed.
FGV, 2006.

118
COMO SE FABRICA UM CONVÊNIO DE FINANCIAMENTO?

Lecy Sartori*

Resumo: Este trabalho analisa a política de financiamento estabelecida no convênio de


cogestão entre a Secretaria Municipal de Saúde de Campinas e o Serviço de Saúde Dr.
Cândido Ferreira (SSCF) desde 1990. Meu intuito é descrever o modo como a fabricação do
convênio foi atravessado por normatizações ministeriais que visam fazer a gestão de contratos
públicos de financiamento de empresas privadas. De forma mais especifica, pretendo destacar
a ação estatal por meio de uma técnica de governo mediada por práticas de auditoria que
direcionam o investimento do recurso para a política de saúde mental. A etnografia foi
realizada (entre os meses de março de 2011 e maio de 2012) na Comissão de
Acompanhamento do Convênio, na Comissão de Moradias, nas reuniões da equipe do Serviço
Residencial Terapêutico (SRT), (em novembro e dezembro de 2016) no Centro de Atenção
Psicossocial Infantil (CAPSi) Carretel e no Centro de Convivência (CECO) Espaço das Vilas.
O recurso do convênio foi investido na reforma do modelo psiquiátrico que produziu a
reabilitação dos internos, o Projeto Terapêutico Individual e uma rede de serviços. Com esta
comunicação, pretendo destacar as atualizações normativas do repasse financeiro e descrever
seus efeitos na forma de organização institucional. A Lei Orgânica da Saúde por meio do
decreto n. 7.508/2011 regularizou os contratos de financiamentos de Organizações Não
Governamentais (ONGs), que em seus efeitos transformou o SSCF, considerado um ente de
cooperação, em uma instituição prestadora de serviços. Segundo os profissionais do SSCF,
interlocutores dessa pesquisa, as novas normas governamentais produzem a diminuição do
financiamento, da autonomia institucional, da qualidade da assistência e demissões de
profissionais capacitados. Além disso, o repasse de recurso mediante ao “chamamento
público” não prevê o financiamento de inovações das práticas e a produção de saberes sobre a
assistência.

Palavras-chave: etnografia. política de financiamento em saúde mental. gestão e auditoria.

INTRODUÇÃO

Este trabalho analisa a política de financiamento estabelecida por meio de um


convênio de cogestão entre a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Campinas e o Serviço

*
Doutora em antropologia pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar). Pós-doutoranda do Instituto de Saúde e Sociedade da Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP). Professora substituta do Departamento de Educação, Ciencia Politica e Políticas Públicas
da UNESP/Câmpus Franca.

119
de Saúde Dr. Cândido Ferreira (SSCF). O primeiro convênio que o SSCF firmou com a
Prefeitura é datado de 1990.
A Lei municipal no 6.215, de 9 de maio de 1990 (publicada no dia seguinte), autorizou
a Prefeitura Municipal de Campinas a celebrar convênio com o Sanatório Dr. Cândido
Ferreira — antigo Sanatório para Doentes do Arraial de Sousas e atual Serviço de Saúde Dr.
Cândido Ferreira, localizado no distrito de Sousas, município de Campinas. A Lei do
Convênio, como os meus interlocutores se referiam a ela, afirma, em seu artigo 2 o, que o
objetivo do convênio é a “administração conjunta” dessa instituição, “[...] que passa a se
integrar ao Sistema Municipal de Saúde e atender clientela universalizada”; e, em seu artigo
5o, que ele “[...] terá prazo de validade de 1 (um) ano, a partir da data de sua assinatura,
podendo ser prorrogado por prazo indeterminado” (PREFEITURA MUNICIPAL DE
CAMPINAS, 1990). Com o respaldo da lei, em 23 de julho daquele ano foi assinado o
Convênio de Cogestão da saúde mental, que, em sua cláusula primeira, reitera o mesmo
objetivo (PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS; CASA DE SAÚDE DR.
CÂNDIDO FERREIRA, 1990).
O investimento financeiro por meio do convênio possibilitou aos profissionais do
SSCF promoverem a reforma em seu modelo de assistência. As mudanças mais visíveis se
referem ao processo de humanização1, que implicava na reforma dos espaços de confinamento
manicomial para proporcionar um local de habitação, e mesmo de morte, que fosse higiênico
e confortável para os internos2; na extinção progressiva de práticas violentas, quando usadas
para punir os pacientes3 (cela forte, camisa de força, lobotomia e eletrochoque); em
modificações no ambiente hospitalar, que produziram, entre outras coisas, a extinção da
separação dos pacientes por gênero e a instauração de novas formas de intervenção
terapêutica. Essas práticas não investiam na reprodução da ala hospitalar, no encerramento
manicomial, na cura dos transtornos mentais ou em tratamentos coletivos e disciplinares. De

1
A humanização, segundo a Política Nacional de Humanização (PNH), é um jogo ético (ao produzir um
compromisso e uma responsabilidade), estético (ao produzir subjetividades autônomas) e político (ao
participar como sujeito autônomo, implicado e responsável pela gestão do SUS). A PNH orienta as práticas em
saúde, que devem ser formuladas a partir dos aspectos subjetivos dos seus cidadãos, considerando as suas
necessidades sociais e os seus desejos, e afirma o “Compromisso com a democratização das relações de
trabalho e valorização dos trabalhadores da saúde, estimulando processos de educação permanente em saúde.”
(BRASIL, 2008, p. 22).
2
Internos são as pessoas que residem no hospital psiquiátrico.
3
Nesta tese, os substantivos usuário, morador, paciente,em itálico, são termos acionados pelos meus
interlocutores para se referirem às pessoas cuidadas em serviços da rede de assistência do SSCF.
Paciente,aqui, não tem o sentido depreciativo de pessoa passiva e doente; ele é assistido e participa do seu
processo de tratamento. Redede assistência e profissionais, em itálico, referem-se, respectivamente, aos
serviços gerenciados pelo SSCF e às pessoas que neles trabalharam/trabalham.
120
forma geral, para que a reforma no modelo assistencial fosse possível, o SSCF investiu em
ações de reabilitação4dos internos e na produção da subjetividade dos profissionais, na
intenção de capacitá-los para atuar nesse novo contexto de práticas.
Em seu estatuto, o SSCF é descrito como uma associação de assistência de caráter
público regida pelo direito privado. Isso é o mesmo que afirmar que o SSCF oferece
atendimento gratuito orientado pelos princípios de controle social do SUS, mas não se
submete às normas jurídicas do direito público.
Durante a pesquisa de campo, acompanhei as negociações do convênio renovado em
maio de 2012, com vigência de doze meses e início previsto para junho daquele ano. O
convênio era composto pelos seguintes documentos: Termo do Convênio; Plano de Trabalho
do Programa de Parceria na Assistência em Saúde Mental; Balanço Econômico-Financeiro;
Relatório de Atividades 2011 e Plano de Ação e Metas das Atividades a Serem Desenvolvidas
Durante o Ano de 2012.O Termo do Convênio era um contrato, seu texto era formatado em
cláusulas numeradas e divididas em blocos (Do Objeto, Das Condições Gerais, Da Comissão
de Acompanhamento, Dos Distritos de Saúde, Das Atribuições, Dos Recursos, Da
Autorização de Pagamento, Do Controle, Avaliação e Fiscalização). O Plano de Trabalho do
Programa de Parceria na Assistência em Saúde Mental (ao qual meus interlocutores se
referiam como Plano de Trabalho) descrevia as metas por meio de indicadores (qualitativos e
quantitativos) de acompanhamento, que seriam examinados mensalmente pelos integrantes da
Comissão de Acompanhamento do Convênio. O Balanço Econômico-Financeiro, que
continha os dados contábeis do ano anterior, já fora aprovado por uma auditoria externa e
apresentava os indicadores de custo-efetividade dos projetos assistenciais (custos
operacionais, custo por setor, custo por tipo de despesa, custo por usuário, resumo da folha de
pagamento, relatório de custo por convênio). O Relatório de Atividades e o Plano de Ação e
Metas das Atividades a Serem Desenvolvidas Durante o Ano de 2012 detalhavam as
atividades desenvolvidas em cada serviço e os objetivos futuros.
Ao todo, foram estabelecidos seis convênios de financiamento na saúde mental: o de
1990 e, em seguida, foram ratificados os contratos em 1996, 2000, 2002, 2007 e 2012. Como
uma das obrigações dele decorrentes, o SSCF encaminha relatórios mensais e/ou semestrais
para o Ministério da Saúde e para a Secretaria de Saúde, e a prefeitura apresenta um relatório

4
A Declaração de Consenso em Reabilitação Psicossocial da Organização das Nações Unidas define o
procedimento de reabilitação como um processo que auxilia a criação de oportunidades e/ou de ações que
previnem ou reduzem as incapacidades associadas a desordem mental (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
1996, p. 2).
121
anual ao Conselho Municipal de Saúde, referente à prestação de contas. A periodicidade dos
relatórios (mensais e/ou semestrais) consta no Plano de Trabalho dos serviços de saúde —
tratam-se de documentos elaborados por cada um deles sobre a assistência realizada, que
serve como dado para a elaboração da prestação de contas. Além dos relatórios, outros
documentos podem ser solicitados pela Secretaria de Saúde.
O documento do convênio é elaborado anualmente pelos gestores do SSCF junto com a
Coordenação Municipal de Saúde Mental, depois é negociado com os administradores
daquela secretaria e apresentado ao Conselho Municipal de Saúde. Se aprovado por este, é
encaminhado ao prefeito para a assinatura.No convênio votado em maio de 2012 (no valor
mensal de quatro milhões, trezentos e oitenta mil, trezentos e setenta e seis reais e trinta e dois
centavos), o SSCF assinou um novo contrato de financiamento.
Durante a pesquisa de campo, arede de assistênciaem saúde mental de Campinas era
composta por diferentes serviços e dividia-se entre os gerenciados pelo SSCF e os
gerenciados pela prefeitura. Os de responsabilidade daquele eram os seguintes: os centros de
Atenção Psicossocial (CAPS III) Esperança, Estação e Antônio da Costa Santos, os centros de
Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPS Ad) Independência e Antônio Orlando,
os centros de convivência Casa dos Sonhos, Rosa dos Ventos e Espaço das Vilas, o Núcleo de
Oficinas e Trabalho, o Núcleo de Retaguarda5, o Núcleo de Comunicação (Rádio Online
Maluco Beleza, jornal impresso C@ndura e as atividades do Ponto de Cultura Maluco
Beleza), o Cândido Fumec6 e o SRT. Essa configuração da rede atendia mais de sete mil
usuários (SERVIÇO DE SAÚDE DR. CÂNDIDO FERREIRA, 2013b, p. 5).

OBJETIVOS

Objetivo Geral e Específico

O objetivo geral deste texto é apresentar como se configura o convênio de cogestão.


Além disso, procuro descrever o modo como essa relação de produção de convênios de

5
Em maio de 2009, o Núcleo de Retaguarda foi organizado como unidade de internação, agregando o Núcleo
Clínico, o Núcleo de Atenção à Crise (NAC) e o Núcleo de Atenção a Dependentes Químicos (Nadeq). Uma
única equipe circula entre esses três espaços de internação do SSCF em Sousas (SERVIÇO DE SAÚDE DR.
CÂNDIDO FERREIRA, 2012b).
6
Antigamente Cândido Escola e hoje Fundação Cândido Fumec, essa instituição foi criada com o objetivo de
formação dos profissionais, e funcionava em uma sala de aula no interior da ala Paraíso (uma das alas do
hospital psiquiátrico do SSCF). Em vista do crescente interesse pelo curso de alfabetização, principalmente
dos pacientes, foram criadas turmas para eles, e a escola acabou sendo deslocada para fora da instituição.

122
financiamento foi atravessada por normatizações ministeriais que visam fazer a gestão de
contratos públicos de financiamento de empresas privadas que atuam no campo da saúde.
De forma mais especifica, pretendo destacar a ação estatal por meio de uma técnica de
governo mediada por práticas de auditoria que direcionam o investimento do recurso. Com
isso, pretendo destacar as atualizações normativas do repasse financeiro e descrever seus
efeitos na forma de organização institucional.
Trata-se de explorar, principalmente, a atualizações normativas apresentada no
Decreto n. 7.508/2011, da Lei Orgânica da Saúde,que regularizou os contratos de
financiamentos de Organizações Não Governamentais (ONGs), que em seus efeitos
transformou o SSCF, considerado um ente de cooperação, em uma instituição prestadora de
serviços.

METODOLOGIA

A metodologia empregada foi a pesquisa de campo realizada na Comissão de


Acompanhamento do Convênio, na Comissão de Moradias, nas reuniões da equipe do Serviço
Residencial Terapêutico (SRT), num curso de capacitação para os profissionais desse serviço
e num evento comemorativo dos 20 anos de sua implementação.
Neste texto exploro os dados de pesquisas de campo realizadas, primeiramente, na
pesquisa de doutorado entre os meses de março de 2011 e maio de 2012. Além do material
etnográfico mais recentes coletado na pesquisa de pós-doutorado nos meses de novembro e
dezembro de 2016, no Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi) Carretel e no Centro
de Convivência (CECO) Espaço das Vilas. As duas instituições compõem a rede de
assistência do SSCF.

DISCUSSÃO TEÓRICA

Nesta parte, apresento como a ação estatal por meio de uma técnica de governo
mediada por práticas de auditoria direcionam o investimento do recurso destinado à saúde
mental. Aciono o termo governo no mesmo sentido analisado por Foucault (2011, p. 53) e
descrito como uma estratégia, um mecanismo, um procedimento para dirigir os homens; suas
táticas compõem o Estado e acionam dispositivos de segurança para avaliar os custos,

123
administrar os riscos, antever os acontecimentos e controlar a população, que se transforma
em alvo das políticas (FOUCAULT, 2006, p. 303).
Em junho de 2012 foi assinado um novo convênio de financiamento entre a Prefeitura
de Campinas e o SSCF, no qual este assumiu, também, a gestão compartilhada de outros
serviços de saúde mental. Em uma reunião realizada em março daquele ano, André Fonseca
(Diretor Financeiro do SSCF), ao falar sobre a privatização que havia sido proposta pela
prefeitura, disse que se a instituição não assumisse os novos serviços de referência da rede de
saúde mental poderia colocar-se em risco, pois isso poderia acarretar o rompimento da
parceria com a prefeitura — havia a possibilidade de esta encontrar outra instituição para
firmar um convênio. Por outro lado, existia o risco de aceitar a administração dos serviços e
perder a autonomia de decisão, já que, mesmo contratados pelo SSCF, os profissionais
estariam fixados à estrutura organizacional da Secretaria de Saúde. A instituição estava
pensando nesse rearranjo como uma estratégia,acreditando que, ao aceitar fazer a
administração, teria maior poder de negociação com a secretaria, uma vez que aumentaria o
número de trabalhadores da saúde mental sob a sua gestão.
Em uma reunião do Colegiado Gestor, em julho de 2011, os atores discutiram a
possibilidade de o SSCF estabelecer o convênio e a sustentabilidade deste. Em sua exposição,
Fonseca afirmou:

Reitero que o caminho mais efetivo para a manutenção dos projetos é o


aprofundamento na relação de cogestão com a Secretaria e que isso significa
diminuir a margem de autonomia. Por outro lado, instâncias como o DGDO
[Departamento de Gestão e Desenvolvimento Organizacional] não têm se
aproximado de espaços como o Conselho Diretor para ajudar a instituição a
encontrar caminhos e respostas para as necessidades que estão em discussão. Como
não se paralisar nessa conjuntura? Se perdermos a autonomia aumenta a nossa
solidão. (Ata da reunião do Colegiado Gestor do SSCF, 11/7/2011).

Nessa reunião, a gestora de um centro de convivência afirmou que era importante a


“instituição ter uma certa autonomia e que isso não invalida a relação de cogestão”, e que os
profissionais deveriam ser cautelosos com as resoluções discutidas nos distritos como eram
com o convênio: “[...] não devemos perder de vista que estar próximos dos distritos na
condução dos combinados é essencial.” (Ata da reunião do Colegiado Gestor do SSCF,
11/7/2011). Participar da reunião do distrito e acompanhar os acordos eram tão importantes
quanto assegurar a autonomia na relação de convênio.
Telma Palmieri, presidente do Conselho Diretor do SSCF, me contou, em uma
conversa informal, que no começo do convênio a instituição era mais autônoma: na década de
124
1990, apresentava a prestação de contas referente ao convênio e não era obrigada a esclarecer
todos os gastos antecipadamente, por meio de um projeto; os profissionais eram mais livres
para assumir certos riscos e direcionar o uso do recurso para outros projetos que o convênio
não previa; e o recurso podia ser investido em um problema mais urgente e reposto no projeto
de financiamento seguinte. Pude depreender, por nossa conversa, que naquela época eram
investidos mais recursos nos projetos de reforma e na inventividade dos profissionais, e,
consequentemente, ocorreram mudanças mais visíveis no modelo de assistência psiquiátrica e
a criação de novos serviços.
No Convênio de Cogestão renovado em 2012, além da prestação de contas, o SSCF
planejou a destinação do recurso em um plano de trabalhoanual, ou seja, previu os gastos, que
foram avaliados como um investimento da administração pública. O orçamento foi verificado
e a negociação girou em torno da aplicabilidade do recurso. De fato, nessa configuração, a
mudança na forma de acessar o financiamento permitia aos administradores municipais
requisitarem informações e questionarem determinados gastos, na intenção de reduzir os
custos. Havia insistência dos gestores da instituição em explicitar a necessidade do recurso
para manter uma rede de assistênciade qualidade e, principalmente, investir em novos
projetos, que emergiam das experiências locais e, por vezes, não estavam contemplados nas
portarias ministeriais.
Esse jogo nas negociações apresenta uma mudança na forma de o SSCF acionar o
financiamento e explicita uma maneira de fazer política por meio da burocracia formatada no
texto do Convênio de Cogestão. Além disso, a política de financiamento em saúde é
atravessada por práticas de visibilidade, de avaliação, de transparência e pela sistematização
de práticas de auditoria que aumentam o controle estatal sobre a distribuição do recurso
público. Ao acionar a estratégia da transparência, meus interlocutores apresentavam os dados
exigidos pelas normatizações ministeriais, e seu objetivo era expor o bom funcionamento
institucional para afirmar que o SSCF era confiável e estava apto a receber recurso público.
Vê-se como o Ministério da Saúde governa ao conduzir as ações da Reforma
Psiquiátrica: monitorando a gestão dos recursos através da avaliação do desempenho
institucional e acionando práticas de cálculo a partir dos indicadores de desempenho com o
objetivo de mensurar e, ao mesmo tempo, de reformar organizações de saúde pública. Assim,
ele intensifica a produtividade institucional e direciona a conduta dos trabalhadores em saúde
mental, que são legitimadas por ações de transparência e de responsabilização. Vemos, aqui, o

125
funcionamento do que alguns antropólogos chamam de “cultura de auditoria” (STRATHERN,
2000a; SHORE, 2009).
Em suas análises sobre a “cultura de auditoria”, Strathern (2000b) expõe o
funcionamento de técnicas e princípios de avaliação, de auditoria financeira e de transparência
que eram acionados no sistema acadêmico do Reino Unido, e descreve como o sistema de
avaliação intensificou as suas práticas e investiu não apenas no exame individual, mas
também na avaliação do desempenho da estrutura organizacional, considerada responsável
por viabilizar um bom desempenho dos alunos (STRATHERN, 1999, p. 19). A prática de
avaliação implicava na produção de um sentimento de confiança tanto nas pessoas nela
envolvidas como para mostrar que a instituição era confiável; em contrapartida, ao expor a
transparência para afirmar ser a instituição confiável, poderia despertar falta de confiança
(STRATHERN, 2000c, p. 310). No meu campo de pesquisa, o pedido de auditoria externa, se
acionado no discurso dos gestores do SSCF, afirmava que este era confiável, mas, se a sua
necessidade fosse atestada pela Secretaria de Saúde, isso era visto como desconfiança dela em
relação aos processos de gestão do recurso público (cf. Ata da reunião do Colegiado Gestor do
SSCF, 11/07/2011).
De fato, acionar o documento de auditoria era atestar a transparência das ações éticas
referentes às demonstrações contábeis — e os atores da Comissão de Acompanhamento do
Convênio o acionavam como estratégia política para certificar que o SSCF cumpria com
aquilo que estava combinado no convênio.As práticas de auditoria não são apenas o
aperfeiçoamento de técnicas gerenciais que procuram otimizar as relações de cuidado e a
organização institucional, mas ações de uma política de controle gerencial e de regulação das
novas experiências de Reforma Psiquiátrica.
No caso do SSCF, as práticas de auditoria aumentaram o controle e promoveram um
rearranjo institucional visando produzir documentos que tornem visíveis os processos que
atestam a sua eficiência para receber o financiamento. Em um primeiro momento, tem-se a
impressão que o aumento de tecnologias de cálculo e de avaliação diminui a autonomia do
SSCF com relação à destinação do financiamento para os projetos assistenciais. A constatação
de que o aumento das formas de avaliação e controle diminui a autonomia institucional já foi
analisada por teóricos da cultura de auditoria.

126
Os estudos antropológicos sobre a “cultura de auditoria”7 (STRATHERN, 2000b)
apontam para a conexão entre os exames das atividades, as formas de quantificação numérica
dos resultados e a sua escrita, que disponibiliza os dados para as inspeções (STRATHERN,
1999, p. 17). De acordo com Shore (2009), a auditoria não é só uma prática, mas uma “[...]
idéia, um processo e um conjunto de técnicas gerenciais.” (SHORE, 2009, p. 48; grifo do
autor) disseminados em diferentes contextos e utilizados para “[...] medir e monitorar
virtualmente todos os aspectos da vida social e profissional.” (SHORE, 2009, p. 29).
A partir da expansão das práticas de avaliação, os profissionais executam o exame das
intervenções de cuidado, de sua atuação,da organização e do funcionamento da equipedas
moradias com a finalidade de produzir práticas de governo mais eficazes para a reabilitação
dos internos. A reforma institucional produziu o encontro entre a disseminação de técnicas de
auditoria e as práticas clínicas, ou melhor, no desenvolvimento e na experimentação da
relação de cuidado aconteceu a expansão de práticas de auditoria no SSCF.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apresentei, neste texto, a configuração do convênio de cogestão do SSCF. Descrevi


como essa relação de parceria estabelecida com a prefeitura de Campinas incide sobre a
organização institucional. Destaquei o modo como as normatizações estatais direcionam as
ações da reforma institucional por meio de técnicas de governo e práticas de auditoria que
dirigem a forma de investimento do recurso público. Isso implica, segundo meus
interlocutores de pesquisa, em uma diminuição da autonomia da instituição, diminuição do
recurso de uma forma geral e também o recurso destinado para a elaboração de novas
práticas, saberes e ações criativas acionadas para resolver os problemas institucionais
cotidianos.
No mês de maio de 2017, a prefeitura municipal de Campinas publicou o
“chamamento público” para empresas privadas assumirem a assistência de serviços desaúde
mental. O SSCF recorreu e aguarda os desdobramentos de sua nova configuração como uma
instituição prestadora de serviços.

7
As primeiras publicações que analisaram e detalharam a cultura de auditoria datam do fim da década de 1990:
ver Strathern (1999), Shore e Wright (1999), e os trabalhos apresentados na coletânea Auditcultures:

127
REFERÊNCIA

BRASIL. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: documento base para gestores e trabalhadores


do SUS. 4. ed. Brasília, DF, 2008. (Série B. Textos básicos de saúde). Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizasus_gestores_trabalhadores_sus_4ed.pd
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FOUCAULT, M. Estratégia, poder-saber. Organização e seleção de textos, Manoel Barros


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129
GESTÃO ESTRATÉGICA NO TERCEIRO SETOR
COMPARAÇÃO ENTRE O PLANO DE TRABALHO E O RELATÓRIO DE
EXECUÇÃO DE ATIVIDADES

José Alfredo de Pádua Guerra *


Marcelino Rodrigues de Assis Matos**

Resumo: Entidades do terceiro setor são organizações sem fins lucrativos que prestam
serviços de essencialidade públicos. Tem por objetivo melhor a qualidade de vida da
sociedade em que esta inserida. Essas entidades não possuem por pretensão substituir ou
tomar o lugar do Estado, ao contrário, buscam atuar como parceiras do mesmo. Por prestar
serviços de essencialidade públicos, justo que o Estado ao reconhecer a entidade como
parceira ajude-a na consecução dos seus fins, concedendo a mesma ajuda financeira, ou seja,
repassando recursos públicos. Importante ressaltar que dentre as principais exigências para
que haja o repasse público as entidades do terceiro setor é a elaboração do Plano de Trabalho,
o qual é o instrumento que vincula toda a execução. A falta de observação do plano de
trabalho com a execução é uma das causas que mais acarreta advertências pela fiscalização do
controle externo e em muitos casos até a proibição de recebimento de novos repasses pela
entidade, além de outras punições, como por exemplo: a devolução do recurso recebido e
gasto em inconformidade com o plano de trabalho em questão. Neste trabalho propõem-se
analisar com base em documentos de prestação de contas da entidade do terceiro setor
enviadas ao órgão concessor dos repasses, ou seja, o órgão público, se o cronograma proposto
no plano de trabalho e a execução descrita no relatório de atividades enviadas possuem
compatibilidade ou se existe alguma divergência que possa implicar apontamentos pelo órgão
fiscalizador, ou seja, o controle externo.

Palavra Chave – Repasses Públicos ao Terceiro Setor, Plano de Trabalho, Gestão Estratégica

Diante da escassez cada vez maior de recursos e diante de várias crises econômicas
que afetam constantemente as organizações, torna-se inadmissível que entidades do terceiro
setor, as quais são entidades sem fins lucrativas, quando recebedoras de recursos públicos,
tenham suas contas desaprovadas por falta de observação ao plano de trabalho proposto ou
por erros advindos de má gestão. Os recursos recebidos do Estado na maioria das vezes são o
combustível que move essas entidades, portanto é preciso que haja ótimo planejamento e uma
ótima execução desses recursos. É preciso que a gestão do terceiro setor se torne cada dia
mais estratégico, a fim de, melhor planejar, executar e controlar suas ações. E nesse intuito,

*
Professor Doutor e Orientador do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas.
Centro Universitário Municipal de Franca (UNI-FACEF).
**
Mestrando do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas. Centro
Universitário Municipal de Franca (UNI-FACEF).

131
este trabalho irá comparar nos documentos de prestação de contas, entidade do terceiro setor
ao órgão concessor Estado, se o cronograma descrito no plano de trabalho esta compatível
com o relatório de atividades desenvolvidas, e em caso de incompatibilidade mencioná-las.
Justifica-se o estudo uma vez que incompatibilidades entre planos de trabalho e execução dos
gastos quando constatados pode ocasionar desagradáveis surpresas dentre várias, cita se:
devolução do valor dos recursos em incompatibilidade com o plano; proibição da entidade de
receber novos recursos públicos, enquanto não der providência às solicitações, multas aos
gestores, etc.

Objetivo Geral

Comparar o plano de trabalho de uma entidade do terceiro setor com o seu relatório de
execução de atividades e analisar se o proposto no cronograma do plano de trabalho é
compatível com a execução menciona no relatório de atividades.

Objetivos Específicos

1 – Analisar o Plano de Trabalho proposto pela entidade do terceiro setor ao órgão concessor
de repasses públicos;
2 – Analisar o Relatório de Execução de Atividades da entidade do terceiro setor enviada ao
órgão concessor de recursos públicos (prestação de contas);
3 – Analisar se o Plano de Trabalho proposto e o Relatório de Execução estão compatíveis
entre si;
4 – Demonstrar possíveis divergências se houver que possam implicar em apontamentos pelo
órgão fiscalizador, o controle externo.

Metodologia

O trabalho será realizado com base em pesquisa documental e referencial


bibliográfica. Através da pesquisa bibliográfica pretende-se comentar um pouco sobre os
seguintes assuntos: repasses públicos ao terceiro setor; gestão estratégica no terceiro setor e
plano de trabalho. Já a pesquisa documental tem como pretensão comparar o plano de
trabalho (proposta da entidade terceiro setor para formulação de parceria – subvenção com o
132
Estado) e o relatório de atividades apresentado pela mesma (documento de prestação de
contas – referente à relação dos gastos executados com os repasses advindos da parceria –
subvenção). Após o levantamento dos dados, os mesmos tendem a ser analisados e discutidos,
a fim de verificar se o que foi executado no relatório de atividades está em conformidade com
o que foi proposto no plano de trabalho.

Repasses Públicos ao Terceiro Setor

O Governo na qualidade de arrecadador de impostos é o principal responsável por


gerir as necessidades da sociedade, criando mecanismos que busquem satisfazer as
necessidades destas, aplicando o valor que arrecadou na busca de melhorar a qualidade de
vida da população. Porém, seja por falta de recursos suficientes, seja por falta de eficiência,
ou por qualquer outro motivo, nem sempre o que acontece é que o Governo consegue suprir
essas necessidades.
O mercado por se originar de recursos privados e estar direcionado na obtenção de
lucro aos donos do capital, apesar de hoje em dia muito se direcionar as questões sociais,
também por si só não consegue suprir essas necessidades.
Tendo por base a preocupação com as necessidades humanas e da sociedade, surge o
“Terceiro Setor”, o qual Almeida, Espejo (2012, pág. 9) menciona que “é composto pelas
entidades privadas que atuam em atividades complementares às atividades públicas, visando o
bem comum da população, assim como amenizar os problemas sociais existentes”.
Estas entidades nasceram com o objetivo de prestar serviços públicos com maior
eficiência, visando a satisfazer as necessidades da população. Porém, por serem entidades
privadas que prestam serviços públicos e por não visarem lucro, seus recursos financeiros são
escassos e os mesmos tendem a necessitar de ajuda financeira do Estado para ajudarem a
mesma a cumprir com a sua missão.
Segundo Maia (2014, pág. 19):
O terceiro setor para dar cumprimento aos seus objetivos estatutários e se expandir,
em regra, necessita da ajuda do Estado. Porém, para o repasse de recursos públicos,
várias etapas devem ser superadas, pois, em que pese o fato dessas instituições
atuarem de modo auxiliar a Administração Pública no desempenho de seu mister,
fato é que há de se ter responsabilidade em relação ao erário, devendo se acautelar
na remessa de auxílio, subvenção, contribuição a essas instituições, que devem estar
devidamente qualificada para o recebimento. O ajuste pode assumir várias formas
(convênio, contrato de gestão, termo de parceria, ou outro), o importante é que haja
um plano de trabalho bem definido e que algumas regras sejam observadas.

133
Alguns preceitos a serem observados, Segundo o Tribunal de Contas do Estado de São
Paulo (2016, pág. 40):

I – o valor do repasse só pode contemplar o custo efetivo para atendimento das


demandas e cumprimento das metas;
II – o poder público deve calcular o custo per capita do atendimento e repassar
verbas de acordo com o volume previsto para atendimento/realizações, cujos preços
sejam compatíveis com os do mercado e/ou os fixados setorialmente;
III – a entidade não pode ser “sustentada” pelo Poder Público;
IV – o valor dos repasses presta-se, tão somente, a custear os serviços públicos por
ela assumidos e realizados;
V – na fase de planejamento do repasse, que deve necessariamente anteceder a
celebração do ajuste (Convênio, Contrato de Gestão ou Termo de Parceria) e,
mesmo antes da elaboração da lei que aprova o repasse (Auxílio, Subvenção ou
Contribuição), o Poder Público deve avaliar e efetivamente demonstrar, por meio de
relatório circunstanciado no processo próprio, as vantagens econômicas da
delegação das atividades às entidades.
VI – a administração deve comparar os custos e demais recursos que estão sendo
previstos para desenvolver a atividade a ser delegada, com os que utilizaria se as
mesmas atividades fossem realizadas diretamente, por sua própria estrutura,
devendo, para tanto, ter como parâmetro as séries históricas das mesmas atividades
realizadas por suas unidades, conforme o caso.
VII – o que importa e valida a “parceria” é a comprovação de que, naquele momento
e sob aquelas circunstâncias, obter o serviço de forma indireta é o que representa a
maior vantagem para a Administração.

Ainda segundo o Tribunal, os ajustes legalmente autorizados, se firmados, necessitam


ser precisos quanto ao seu objeto, bem como fiéis ao estabelecimento claro das metas a serem
atingidas e ainda, à existência de fato e sustentabilidade do ente parceiro, fatores estes que
permitirão acompanhamento e avaliação dos órgãos públicos e da sociedade sobre:

1 – A efetiva confiabilidade na prestação dos serviços;


2 – O atingimento dos indicadores para a aferição do cumprimento dos programas
aprovados nas peças de planejamento do governo;
3 – A otimização dos recursos;
4 – A excelência dos serviços prestados;
5 – A segurança para elaboração de pareceres conclusivos sobre a aplicação dos
recursos repassados.

Cabe aos órgãos públicos a obrigação de acompanhar e de fiscalizar os repasses


realizados às entidades do terceiro setor, assim como a sociedade por se tratar de recursos
públicos possui também o direito e o dever de fiscalizar e acompanhar a realização dos gastos.
As entidades do terceiro setor precisam cada vez mais se especializar e estar aptas a
receber repasses públicos, pois estes em alguns casos são essenciais para a sobrevivência da
entidade. Cabe aos gestores das entidades esquecer a velha forma de administrar, onde a
preocupação era apenas as receitas suprirem as despesas, e especializarem-se no sentido de
tornarem-se gestores estratégicos, terem a mente sempre focada em planejar, executar,
134
direcionar e controlar cada vez melhor os recursos e proporcionar cada vez mais melhor
qualidade de vida a população e a sociedade.

Gestão Estratégica no Terceiro Setor

Organizações privadas, organizações sem fins lucrativas e porque não falar em


organizações governamentais, todas elas independente de seu objetivo final necessitam de
recursos financeiros para sobreviver.
E toda organização para se ter vida longa e saudável necessita de uma boa dose de
gestão. Normalmente são os gestores os responsáveis por tomar as principais decisões. E é a
gestão a responsável por formular e implementar a estratégia da organização.
Segundo Santos (2007, pág. 326) “o processo de gestão estratégica é composto por
vários elementos e desenvolve-se de forma essencialmente seqüencial, em dois sub-processos
distintos e sucessivos: a formulação da estratégia e a implementação da estratégia”.
Entidades do terceiro setor são organizações sem fins lucrativos, ou seja, não possuem
por objetivo a pretensão de lucro, mas sim, o de melhorar a qualidade de vida das pessoas e da
sociedade.
Essas entidades normalmente trabalham com recursos próprios, frutos do seu trabalho,
recursos de doações de terceiros, estas podem ser: vinculadas ou não, e com os repasses
públicos cedidos pelo Estado.
Os recursos próprios e as doações não vinculadas há liberdade de gasto pelo gestor, já
os repasses recebidos pelo Estado encontram-se vinculadas nas propostas de trabalho.
As instituições do terceiro setor, ao proporem parcerias com o Estado em receber
recursos públicos e em contrapartida executar um serviço essencialmente de origem público,
necessitam formular sua estratégia, ou seja, elaborar o seu plano de trabalho o qual descreverá
como a entidade irá utilizar o recurso recebido pelo Estado de forma eficiente e eficaz, ou em
outros casos quando o Estado é o que propõem a parceria é ele próprio que formula o plano de
trabalho e impõe suas condições, cabendo a entidade aceitar ou não a parceria.
Após a formulação da estratégia, torna-se necessário a implantação da estratégia, ou
seja, executar o que foi formulado e descrito no plano de trabalho.
Santos (2007, pág.328) “Dito de outra forma, a gestão estratégica pode entender-se
como processo contínuo e dinâmico de planejamento, organização, liderança e controle,

135
através do qual as organizações determinam “onde estão”, para “onde querem ir” e “como é
que lá irão chegar”, e agem em conformidade com o caminho traçado”.
Os gestores responsáveis pelas instituições do terceiro setor também devem ter ideia
desse conceito, o de planejar, organizar, liderar e controlar, ou seja, nas entidades do terceiro
setor deve haver o planejamento contínuo no intuito de sempre melhorar cada vez mais as
vidas das pessoas para as quais prestam serviços e de certa forma melhorar a vida da
comunidade e da sociedade.
Organizar as ações planejadas e colocá-las em práticas, tendo sempre em vista que os
recursos financeiros são escassos e que alguns são vinculados, como é o caso dos repasses
públicos recebidos e, portanto, reaprender a trabalhar todos os dias com os seus recursos
próprios e os recursos vinculados.
Liderar e controlar as ações também se faz necessário, uma vez que é preciso ter em
mente sempre os planos e programas que forma traçados e executá-los de forma a garantir a
exatidão do que foi proposto.
No caso dos repasses públicos recebidos é necessário que haja sempre o
comprometimento em executar apenas o que foi proposto no plano de trabalho, pois ao fim do
processo a entidade terá de prestar conta dos recursos recebidos e caso o gasto realizado esteja
em desacordo com o acordado no plano de trabalho, a prestação pode acarretar em não
aprovação, e isso pode gerar serias conseqüências para a entidade, dentre elas a solicitação de
devolução dos valores em desacordo e proibição de receber novos repasses até a tomada das
providências solicitadas.
O gestor das entidades do terceiro setor deve ter em mente que não basta apenas
gerenciar as entidades, é necessário gerenciar de forma estratégica. Estudar e planejar as ações
que serão executadas com recursos vinculados e estudar e planejar as ações que serão
realizadas com os recursos próprios, a fim de que a soma dos recursos seja suficiente para se
ter um resultado de excelência na prestação de seus serviços e melhorar cada vez mais a vida
das pessoas e da sociedade.

Plano de Trabalho

O plano de trabalho é instrumento onde são descritas o cronograma de atividades o


qual a entidade recebedora de repasses públicos irá executar os devidos recursos, e nele
deverá constar:

136
Art. 22 – Deverá constar do plano trabalho de parcerias celebradas mediante termo
de colaboração ou fomento:
I – descrição da realidade que será objeto da parceria, devendo ser demonstrado o
nexo entre essa realidade e as atividades ou projetos e metas a serem atingidas;
II – descrição de metas a serem atingidas e de atividades ou projetos a serem
executados;
III – forma de execução das atividades ou dos projetos e de cumprimento das metas
a eles atreladas;
IV – definição dos parâmetros a serem utilizados para aferição do cumprimento das
metas (LEI Nº 13.019, DE 31 DE JULHO DE 2014).

Importante ressaltar a importância da descrição das metas, pois, pressupõe-se que para
haver uma parceria é preciso que haja um objetivo comum por ambas as partes. Para
consecução dos objetivos é preciso que haja um planejamento e nesse planejamento devem
estar estipulados as metas que devem ser atingidas com o recurso público recebido. Além
disso:

O plano de trabalho pode ser proposto de 2 formas:


Art. 16 – O termo de colaboração deve ser adotado pela administração pública para
consecução de planos de trabalhos de sua iniciativa, para celebração de parcerias
com organizações da sociedade civil que envolvam a transferência de recursos
financeiros.
Art. 17 – O termo de fomento deve ser adotado pela administração pública para
consecução de planos de trabalho propostos por organizações da sociedade civil que
envolvam a transferência de recursos financeiros. (LEI Nº 13.019, DE 31 DE
JULHO DE 2014).

O art. 16 da referida lei cita que o órgão concessor de recursos públicos é que possui a
iniciativa de propor um plano de trabalho, cabendo a entidade recebedora do recurso, realizar
os gastos de acordo com o estipulado no plano de trabalho.
Nesse caso a entidade fica restrita aos desejos do órgão concessor, pois não há
liberdade desta em se manifestar quanto à elaboração do plano.
No art. 17 percebe-se que a entidade é que tem como função realizar e descrever o
plano de trabalho e propor ao órgão concessor a elaboração do contrato.
Nesse caso, a entidade recebedora realiza um plano de trabalho de acordo com as suas
reais necessidades, propondo ao poder concedente de recursos públicos que seja um parceiro
na consecução de suas finalidades, colaborando com repasses públicos.
Deverá haver divulgação do plano de trabalho como consta o Art. 10 da Lei
13.019/2014 onde menciona que: “A administração pública deverá manter, em seu sítio
oficial na internet, a relação das parcerias celebradas e dos respectivos planos de trabalhos, até

137
cento e oitenta dias após o respectivo encerramento” (LEI Nº 13.019 DE 14 DE JULHO DE
2014).
Através da divulgação do plano de trabalho, inicia-se um processo de transparência
desde o início, ou seja, o plano é o primeiro passo a ser analisado pelos contratados, e aceitos
por ambos, inicia-se a fase de preparação da documentação para elaboração do termo do
contrato.
Busca-se através desta divulgação dar maior transparência a fim de assegurar a quem
de interesse informações as quais ele poderá conferir através da averiguação das ações da
entidade recebedora se estas estão de acordo com o pactuado no plano de trabalho, podendo
questionar a execução da mesma a qualquer tempo caso perceba qualquer tipo de
irregularidade na aplicação dos recursos.
Ressalta-se que por esta lei entrar em vigor apenas a partir de janeiro de 2017, como
cita o Art. 88, 1º Para os Municípios, esta lei entra em vigo a partir de 1º de janeiro de 2017
(LEI Nº 13.019 DE 14 DE JULHO DE 2014).
A divulgação dos planos de trabalhos para os municípios começa a ser válida para os
contratos firmados a partir de 1º de janeiro do referido exercício, ou seja, 2017.

Levantamento dos Dados e Discussão

Após breve apresentação das ideias centrais do trabalho, faz-se necessário levantar
alguns dados e analisá-los, a fim de propor uma breve discussão quanto ao cronograma
proposto (plano de trabalho) e o relatório de atividades (execução das atividades com os
repasses adquiridos dos órgãos públicos).

Tabela 1: Cronograma de desembolso Proposto no plano de trabalho da entidade.


Total co-financiamento Federal 2016: R$ 36.960,00
Despesas Jan Fev Mar Abr Mai Jun
Material de Consumo:
Combustível;
Manutenção predial e de 3.080,00 3.080,00 3.080,00 3.080,00 3.080,00 3.080,00
equipamentos;
Prestadores de Serviços e
Gêneros Alimentícios
Total (R$) 3.080,00 3.080,00 3.080,00 3.080,00 3.080,00 3.080,00

Despesas Jul Ago Set Out Nov Dez


Material de Consumo: 3.080,00 3.080,00 3.080,00 3.080,00 3.080,00 3.080,00

138
Combustível;
Manutenção predial e de
equipamentos
Prestadores de Serviços e
Ggêneros alimentícios.
Total (R$) 3.080,00 3.080,00 3.080,00 3.080,00 3.080,00 3.080,00

Total co-financiamento Estadual 2016: R$ 59.205,36


Despesas Jan Fev Mar Abr Mai Jun
Material de Consumo:
Alimentação, 4.933,78 4.933,78 4.933,78 4.933,78 4.933,78 4.933,78
Higiene,
Limpeza e Expediente.
Total (R$) 4.933,78 4.933,78 4.933,78 4.933,78 4.933,78 4.933,78

Despesas Jul Ago Set Out Nov Dez


Material de Consumo:
Alimentação, 4.933,78 4.933,78 4.933,78 4.933,78 4.933,78 4.933,78
Higiene,
Limpeza e Expediente.
Total (R$) 4.933,78 4.933,78 4.933,78 4.933,78 4.933,78 4.933,78

Total Recursos Municipais 2016: R$ 200.000,00


Despesas 3º 4º
1º trimestre 2º trimestre trimestre trimestre
Material de Consumo:
Vestuário e calçados, cama, mesa
e banho ; 50.000,00 50.000,00 50.000,00 50.000,00
Material de expediente, e
Pagamento de prestadores de
serviços.
Total (R$) 50.000,00 50.000,00 50.000,00 50.000,00
FONTE: elaborado pelo autor

Tabela 2: Relatório de Atividades


PLANILHA PARA SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL 2016
RECURSO FEDERAL
1º TRIM 2º TRIM 3º TRIM 4º TRIM TOTAL
Receita 1.620,00 15.400,00 9.080,00 6.320,00 32.420,00
Juros Bancários - 28,02 24,53 8,78 61,33
Total da Receita 1.620,00 15.428,02 9.104,53 6.328,78 32.481,33
Mat. Limpeza (LAVANDERIA) 259,6 73,87 333,47
Gás de Cozinha 400 362,84 762,84
Manut. Veículos (Combust.e Out.) 311,74 434,57 746,31
Mat. Manutenção (Tintas e Outros) 1.360,40 5605,39 1.430,00 3.047,52 11.443,31
Mat. Consumo (Apar. Barba, Botas Limpeza) 386,72 562,34 646,2 1.595,26

139
Mat. Enfermagem e Medicamentos 3113,76 3.215,45 1.893,28 8.222,49
Despesa. Administrativa (auditoria) 2057,2 2.375,73 4.432,93
Mat. Escritório 71,6 1.184,95 34 1.290,55
Mão-de-Obra (Jardineiro) 250 250 500
Energia Elétrica 1241,45 2.221,13 3.462,58
TOTAL GERAL DESPESAS 1.620,00 13.126,12 11.551,34 6.492,28 32.789,74
RECURSO ESTADUAL
1º TRIM 2º TRIM 3º TRIM 4º TRIM TOTAL
Receita 43 24.668,70 14.801,11 9.867,40 49.380,21
Juros Bancários 3,14 48,16 7,82 19,62 78,74
Total da Receita 46,14 24.716,86 14.808,93 9.887,02 49.458,95
Alimentação (Supermercado) - 20.022,10 9.697,55 12.618,98 42.338,63
Limpeza - 4.260,04 785,1 1.633,20 6.678,34
Descartável - 442,5 - - 442,5
TOTAL GERAL DESPESAS - 24.724,64 10.482,65 14.252,18 49.459,47
RECURSO SUBVENÇÃO
1º TRIM 2º TRIM 3º TRIM 4º TRIM TOTAL
Receita 44.381,02 36.429,57 43.965,96 40.140,50 164.917,05
Juros Bancários 13,83 79,44 108,92 12,79 214,98
Total da Receita 44.394,85 36.509,01 44.074,88 40.153,29 165.132,03
Funcionários (Alessandro/Jorge) 13.763,95 13.937,63 13.694,74 18.412,73 59.809,05
FGTS 4.480,98 2.308,18 6.125,61 4.908,64 17.823,41
Darf/INSS 1.137,95 124,97 4.966,21 4.451,86 10.680,99
Mão-de-Obra (Jardineiro) 750 540 500 500 2.290,00
Plano Funerário 399 415 415 166 1.395,00
Telefone (Internet, voz fixa e Móvel) 868,56 610,05 687,08 335,01 2.500,70
Alimentação 3.029,38 2.110,77 5.140,15
Gás de Cozinha 800 960 1.760,00
Mat. Limpeza (LAVANDERIA) 518,5 768,5 1.287,00
13º salário 11.219,59 2.353,00 13.572,59
Manut. Veículos (Combust.e Out.) 349,98 339,16 190,24 879,38
Mat. Manutenção (Tintas e Outros) 702 90,3 1.500,00 1.653,34 3.945,64
Mat. Consumo (Apar. Barba, Botas Limpeza) 37,45 74,04 111,49
Mat. Procedimento Enfermagem 2.591,50 1.722,45 4.313,95
Energia Elétrica 2.690,22 1.406,06 1.115,68 116,99 5.328,95
Desp. Administrativa (Auditoria e outros). 5.115,60 2.672,82 6.039,80 4.539,60 18.367,82
Processo Trabalhista 11327/50 3.000,00 3.000,00 3.000,00 3.000,00 12.000,00
TOTAL GERAL DESPESAS 39.397,62 26.281,62 53.293,22 42.233,66 161.206,12
FONTE: elaborado pelo autor

Tabela 3: Comparação entre os itens propostos com os executados de acordo com os Recursos
Federais:
Plano de Trabalho Relatório de Atividades
I – Material de Consumo; Energia Elétrica
II – Manutenção Predial e de Equipamentos; Mat. Manutenção (Tintas e Outros)
140
Gás de Cozinha
Manutenção de veículos (Combust.e Out.)
Mão de Obra (Jardineiro)
III – Prestação de Serviços
Despesa. Administrativa (auditoria)
IV – Gêneros Alimentícios
FONTE: elaborado pelo autor

Quanto à prestação dos recursos de origem federal, pode-se perceber que a execução
descrita relatório de atividades está compatível com o proposto no plano de trabalho. Levando
em consideração que nesta análise se observa apenas os itens propostos, os quais são mais
relevantes para critério de fiscalização.

Tabela 4: Comparação entre os itens propostos com os executados de acordo com Recursos
Estaduais:
Plano de Trabalho Relatório de Atividades
I – Material de Consumo; Descartável
II – Alimentação; Alimentação (Supermercado)
III – Higiene e Limpeza Limpeza
IV – Expediente
FONTE: elaborado pelo autor

Quanto à prestação dos recursos de origem estadual, através da comparação entre o


proposto no plano de trabalho com a execução mencionada no relatório de atividades, que não
há divergência entre os mesmos. Portanto acredita-se que não haverá nenhum problema com a
fiscalização e com o parecer do analisador das contas.

Tabela 5: Comparação entre os itens propostos com os executados de acordo com Recursos -
Subvenção Municipal
Plano de Trabalho Relatório de Atividades
Mat. Consumo (Apar. Barba, Botas Limpeza)
Mat. Procedimento Enfermagem
Energia Elétrica
Telefone (Internet, voz fixa e Móvel)
I – Material de Consumo;
Mat. Limpeza (LAVANDERIA)
Manut. Veículos (Combust.e Out.)
Alimentação
Gás de Cozinha
II – Vestuário (Cama, mesa e banho)
Mão-de-Obra (Jardineiro)
III – Prestação de Serviços Desp. Administrativa (Auditoria e outros).

IV – Material de Expediente Mat. Manutenção (Tintas e Outros)

141
Funcionários (Alessandro/Jorge)
Darf/INSS
FGTS
13º salário
Plano Funerário
Processo Trabalhista 11327/50
FONTE: elaborado pelo autor

Ao comparar a prestação de contas dos recursos recebidos referente os repasses


públicos subvenção municipal, percebe-se que o relatório de atividades apresenta alguns itens
não previstos no cronograma previsto de despesa no plano de contas.
Pagamento de Funcionários, INSS, FGTS, 13º Salário, Plano Funerário, apesar de
terem sido gastos na entidade e de forma a dar continuidade nas atividades da entidade por
não constarem na programação de despesas do plano de contas da entidade, podem servir de
apontamento pelo órgão fiscalizador.
Além disso, destaca-se um item que chama atenção apenas em observar, o item
referente ao Processo Trabalhista nº 11327/50, pois, entende-se que os recursos públicos
repassados as entidades devem ser gastos no desenvolver das atividades e dos projetos
relacionados ao objeto fim.
Nesse caso os valores julgados referente a processos trabalhistas e outros, deveriam ter
sido pagos com recursos próprios da entidade e não os de parceria com o órgão público.
Cabe mencionar o valor poderá ser apontado pelos órgãos de fiscalização externa
quando analisar a prestação de contas referente ao repasse de subvenção municipal:
1 – Funcionários: (Alessandro / Jorge) – R$ 59.809,05;
2 – Pagamento de INSS: (DARF) – R$ 10.680,99;
3 – FGTS – R$ 17.823,41;
4 – 13º Salário – R$ 13.572,59;
5 – Plano Funerário – R$ 1.395,00;
6 – Processo Trabalhista nº 11327/50 – R$ 12.000,00.
Total de R$ 115.281,04, do total repassado de R$ 164.917,05. Cabe ressaltar que os
responsáveis pelo recebimento da prestação de contas e conferência por parte do órgão
público concessor poderá apontar essas incompatibilidades e solicitar a correção dos mesmos
em tempo hábil, evitando assim, que uma possível fiscalização externa solicite a devolução

142
desses recursos, caso conste que os mesmo foram gastos de forma incompatível com o plano
de contas.

Considerações Finais

Após analisar os itens relacionados ao cronograma de despesa apresentado no plano de


trabalho da entidade do terceiro setor recebedora de repasses públicos e comparados com o
relatório de atividades enviadas pela mesma, ao órgão público concessor, percebe-se que
alguns itens expostos no relatório não se encontram presentes no plano de trabalho, gerando
com isso uma possível incompatibilidade de execução. A soma os itens incompatíveis dá-se
no valor de R$ 115.281,04, sendo que o órgão público repassou R$ 164.917,05. Desses itens
incompatíveis destaca-se o valor Processo Trabalhista nº 11327/50, o qual além de gerar
apontamento pode ocasionar pedido de devolução por se tratar de um item que deveria ser
pago com recursos próprios da entidade e não com recursos de repasses públicos, pois estes
devem ser executados com o propósito de contribuir com a finalidade do objeto proposto, ou
seja, manutenção e desenvolvimento das atividades da entidade.
Percebe-se a importância de uma gestão estratégica, gestão que seja capaz de planejar
os gastos e executar de acordo com o programado, a fim de evitar futuros aborrecimentos. A
gestão estratégica deve planejar com cuidado e cautela o plano de trabalho, pois após
aprovado o recurso público repassado permanece vinculado no mesmo. E a não obediência ao
mesmo pode gerar serias conseqüências, inclusive a proibição de recebimento de novos
repasses públicos enquanto a entidade não regularizar a situação.

REFERÊNCIA

ALMEIDA, Veronica Ebele de, ESPEJO, Armando. Contabilidade no terceiro setor.


Curitiba, PR: IESDE Brasil, 2012. Edição online. Disponível em:
https://books.google.com/books?isbn=8538728687. Acesso em: 5 de janeiro de 2017.

BRASIL, LEI Nº 13.019, DE 31 DE JULHO DE 2014. Estabelece o regime jurídico das


parcerias entre a administração públicas e as organizações da sociedade civil. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13019.htm, Acesso em: 21
de jan de 2017

MAIA, Cleusa Aparecida da Costa, O Repasse de Recursos Públicos ao Terceiro Setor,


Disponível em:
http://semanaacademica.org.br/system/files/artigos/artigoo_repasse_de_recursos_publicos_ao
_terceiro_setor.pdf, Acesso em 16 de set de 2016.

143
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Manual Básico de Repasses
Públicos ao Terceiro Setor. São Paulo, 2016. Disponível em:
https://www4.tce.sp.gov.br/sites/tcesp/files/repasses_publicos_terceiro_setor.pdf. Acesso em
22 de janeiro de 2017.

SANTOS, António J. Robalo. Gestão Estratégica: Conceitos, modelo e instrumentos.


Escolar Editoria, 2007. Edição on line. Disponível em:
https://books.google.com/books?isbn=9725922298. Acesso em: 10 de maio de 2017.

144
O EMPODERAMENTO DOS SUJEITOS: COOPERATIVA ACÁCIA -
ARARAQUARA, UMA HISTÓRIA DE LUTAS

Regina Célia de Souza Beretta*


Carlos André Rodrigues**

Resumo: O presente trabalho objetivou mostrar a relevância de se cuidar do meio ambiente,


mas acima de tudo de estimular ações voltadas à economia solidária, como cooperativas para
o enfrentamento a desigualdade e exclusão social. Para tanto foi realizada uma pesquisa
documental e online sobre os aspectos sócios históricos que definiram o surgimento da
Cooperativa Acácia em Araraquara, discutindo os elementos que terminaram a sua história de
lutas, a luz do referencial teórico, abordando a preservação do meio ambiente, a participação
social e o empoderamento dos sujeitos. A sociedade capitalista está pautada em uma cultura
consumista e destrutiva que resulta em uma degradação continua do meio ambiente e de
relações trabalhistas. A lógica do capital é a lógica do mercado, sem valorização de outras
possíveis formas de vida. No capitalismo globalizado e neoliberal, verifica-se um crescimento
da produção dos bens de consumo descartáveis, que traz ao debate uma nova problemática
econômica, política e social: a devastação do ambiente associada à precarização das relações
trabalhistas, que recriam outros problemas sociais, que tornam a vida das populações mais
vulneráveis insustentáveis, resultando no fenômeno social do aumento da pobreza e do
desemprego. O texto demonstra a trajetória da Cooperativa Acácia, sua organização e formas
de empoderamento dos sujeitos em situação exclusão social, evidenciando como catadores
saíram da informalidade e da situação de desemprego e pobreza extrema.

Palavras chaves: Cooperativa, empoderamento, meio ambiente.

Introdução

A discussão das condições de sustentabilidade do planeta é relativamente recente, bem


como o reconhecimento de que os determinantes sociais e econômicos influenciam as
condições de saúde e de vida no planeta.
A primeira Conferencia Internacional de Promoção da Saúde, realizada em 1986 no
Canadá, denominada Carta de Otawa, já revelava uma preocupação em garantir nos países
industrializados, em crescimento e urbanização desordenados, condições mais saudáveis de

*
Assistente Social- doutora pela UNESP/Câmpus de Franca. Docente/pesquisadora Programa em Promoção da
Saúde – Strictu Sensu da Universidade de Franca/UNIFRAN
**
Ciências Contábeis- UNIPAM- Mestrando do Programa em Promoção da Saúde – Strictu Sensu da
Universidade de Franca/UNIFRAN

145
vida, com a implantação de políticas públicas de acesso equitativo e um novo padrão de
desenvolvimento.
“O termo desenvolvimento sustentável surgiu a partir de estudos da Organização das
Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, como uma resposta para a humanidade perante
a crise social e ambiental pela qual o mundo passava a partir da segunda metade do século.
XX.” (BARBOSA, 2008. p. 01).
Outro documento importante que analisa as condições de sustentabilidade do planeta é
a Agenda 21. Esse documento detalhou as estratégias e ações para o século 21, e foi elaborado
pela Conferencia das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no
Rio de Janeiro em 1992, conhecida como “Rio 92”. O encontro realizado, contou com a
presença de 179 países e representou um pacto entre os lideres mundiais, no sentido de
promover um desenvolvimento sustentável para o planeta, buscando conciliar
desenvolvimento econômico, progresso e justiça social.
A Agenda 21 foi sistematizada a partir de três anos de pesquisa e análise, e enfatizou
os problemas sociais, uso da terra, ocupação, água, serviços de educação saúde e sociais, além
do crescimento urbano. O relatório considera que a pobreza pode ser evitável e o
desenvolvimento sustentável deve oportunizar o atendimento das necessidades básicas a todos
e melhores condições de vida, com equidade e participação social.
O relatório chamou a atenção do mundo sobre o significado dos impactos do
desenvolvimento econômico, para o planeta, na devastação do meio ambiente, no descontrole
populacional e no aumento da violência, das desigualdades e miserabilidade.

Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no
respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e
numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da
Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande
comunidade da vida, e com as futuras gerações. (CARTA DA TERRA, 2002, p. 1).

Apesar da consciência de que o meio ambiente possui limites, o desenvolvimento


tecnológico e econômico avança com um padrão de consumo, que destrói e compromete a
natureza e o planeta.
A lógica do capital é a lógica do mercado, sem valorização de outras possíveis todas as
formas de vida. A sociedade capitalista está pautada em uma cultura consumista e destrutiva
que resulta em uma degradação continua do meio ambiente e de relações trabalhistas.

146
Infelizmente as metas preconizadas pela Agenda 21, não avançaram em decorrência
dos desafios resultantes das crises econômicas mundiais do capitalismo, nos países
industrializados.

Existem transformações radicais na forma de ser do proletariado mundial que


expressam alterações na dinâmica da produção do valor por conta do aumento da
composição orgânica do capital e a manifestação efetiva da desmedida do valor. Esta
mudança crucial na relação capital constante/capital variável é a chave heurística
capaz de explicar o surgimento da nova precariedade salarial, expressão social do
modo de organizar a exploração e dominação do capital no plano do consumo da
força de trabalho como mercadoria no século XXI. (ALVES, 2016.p. 01).

O crescimento da produção dos bens de consumo descartáveis traz ao debate uma nova
problemática econômica, política e social: a devastação do ambiente associada à precarização
das relações trabalhistas, que recriam outros problemas sociais, que tornam a vida das
populações mais vulneráveis insustentáveis, resultando no fenômeno social do aumento da
pobreza e do desemprego.
Muitos trabalhadores sem opção de vida percebem que sua auto-estima torna-se
também um produto descartável, restando-lhe como única opção para sua sobrevivência,
despojar-se de sua própria dignidade para “catar o que a sociedade descartou”.
Essa questão representa hoje a necessidade de um indispensável esforço conjunto
de várias áreas do conhecimento para obtenção de melhores condições de vida e de trabalho
para a população.

É claro que mudanças radicais no modo de ser precisamente assim do capital


produzem importantes reverberações nas esferas socioculturais e político
institucional do mundo do trabalho, exigindo dos analistas sociais a capacidade de
articular, numa perspectiva dialética, a objetividade e subjetividade do mundo do
trabalho, ou seja, dinâmicas estruturais do sistema do capital. (ALVES, 2016, p. 17).

A garantia do desenvolvimento sustentável do planeta é papel de todos nós da


sociedade civil e do Estado devendo ser viabilizada urgentemente, por meio de programas
sócios educativos voltados ao respeito e a recuperação da natureza, na garantia de direitos e
na busca da cidadania.
A melhoria das condições de vida do planeta é papel do Estado e sociedade civil.
Pensar estratégias de respeito à natureza e de inclusão social é parte dessa tarefa. Assim, os
trabalhadores descartáveis, encontram eventualmente estratégias de sobrevivência em uma
sociedade, hostil, competitiva, firmada no lucro e na exploração do trabalho e da natureza.

147
Este presente texto retoma uma experiência exitosa de trabalhadores que viviam
como catadores no lixão de Araraquara, os aspectos sócios históricos do surgimento da
Cooperativa Acácia de material reciclado em Araraquara, discutindo sua legitimação e seu
reconhecimento público, como instituição não governamental. O significado social da
Cooperativa Acácia evidencia-se não apenas pelo reconhecimento, seleção e venda de
material, mas também na preservação das condições ambientais da cidade, mas especialmente
no empoderamento e emancipação dos sujeitos.

Objetivo Do Trabalho

O presente trabalho objetivou mostrar por meio da historia da Cooperativa Acácia a


relevância de se cuidar do meio ambiente, mas acima de tudo de estimular ações voltadas à
economia solidária, como cooperativas para o enfrentamento a desigualdade e exclusão social.

Metodologia

Pesquisa documental e online sobre os aspectos sócio histórico que definiram o


surgimento da Cooperativa Acácia, discutindo os elementos que terminaram a sua historia de
lutas, a luz do referencial teórico que aborda a preservação do meio ambiente, a participação
social e o empoderamento dos sujeitos.

Cooperativa Acacia de Araraquara

Em decorrência das transformações socioeconômicas mundiais no mundo do trabalho,


aumento do desemprego, o trabalho de informal dos catadores de materiais recicláveis, vem
aumentando dia a dia. A reciclagem de material surge como estratégia de sobrevivência de
famílias em situação de vulnerabilidade e risco social, pelo não acesso aos serviços públicos
fundamentais, baixa ou nenhuma renda, preconceito, insuficiência de escolaridade, entre
outros.
Em Araraquara, por mais de 10 anos, muitos sujeitos se deslocavam para a área de
aterro em Araraquara (lixão), sob a responsabilidade do Departamento de Água e Esgoto de
Araraquara, para retirar do lixo, material para o seu sustento e de sua família. Freqüentemente

148
estavam expostos a variados perigos para sua saúde, com risco de contaminação de doenças e
acidentes, ou outros.
Diante dessa situação a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – CETESB1
notificou o município para tomar providencias, para não somente retirar os catadores, mas
também reativar a antiga Usina de Reciclagem e Compostagem de Lixo. Esse foi o pontapé
inicial para que o poder público iniciasse um trabalho de organização dos catadores.
Em 2001 foram mobilizadas a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e
de Assistência Social, que em parceria com o Departamento de Água e Esgoto de Araraquara-
DAAE deram início ao cadastro e a sensibilização desses sujeitos. Nas imediações do lixão
viviam 35 catadores e suas famílias há cerca de 10 anos.
Foram realizados inicialmente levantamentos socioeconômicos para melhor
entendimento do cotidiano das famílias, que foram atendidas nas principais demandas de
alimentação e vestuário, encaminhadas posteriormente para diversos serviços da saúde e da
educação. Foram cadastradas todas as famílias e incluídas em programas sociais do governo
federal, estadual e municipal. Houve a seguir uma ampla capacitação dos catadores abordando
temas fundamentais como direitos sociais, noções de segurança do trabalho, prevenção de
doenças e acidentes, vacinação, entre outros.
A Associação Acácia dos Trabalhadores de Materiais Reaproveitáveis de Araraquara
se constituiu juridicamente no ano de 2002. Gradativamente foram modificadas as condições
de trabalho, por meio do convênio com o DAAE. Esses trabalhadores passaram a trabalhar
nas dependências da Usina de Reciclagem de Lixo, com capacitações continuadas, em
melhores condições de trabalho, para a separação dos materiais recicláveis.
Em 2006, a Associação Acácia conquistou nova configuração social e tornando-se a
Cooperativa Acácia de Catadores, coleta, triagem e beneficiamento de materiais Recicláveis.
No mesmo ano ocorreu a aprovação da Lei Municipal 6.496, autorizando a celebrar convênio
com a Cooperativa Acácia de Catadores, Triagem e Beneficiamento de Materiais Recicláveis
de Araraquara, objetivando o desenvolvimento de projetos e ações relacionadas à coleta,
triagem e o beneficiamento dos materiais recicláveis. (ACÁCIA, online, 2017).
Assim a cooperativa foi legalmente constituída e pode prestar serviços de coleta
seletiva e receber pagamento por esses serviços, o que viabilizou muitas melhorias garantindo
condições mais dignas de trabalho e de vida aos trabalhadores.

149
Atualmente os 170 cooperados estão divididos em dois grupos, um circula pelas ruas
de porta em porta recolhendo o lixo reciclável e outro que realiza a separação de alguns
materiais, na Usina de Compostagem e Reciclagem do Lixo, que serão prensados e vendidos.
A Coleta Seletiva em Araraquara hoje atinge 100% da população e processa cerca de
380 toneladas por mês. Há ainda no município a coleta em pontos fixos (PEV) e bolsões de
entulhos.
A arrecadação da cooperativa é 76% proveniente do material reciclado e prestação de
serviços no município, além de subsídios financeiros oriundo do governo e de outras
instituições. A cooperativa mantém parcerias com a Prefeitura Municipal, a Secretaria do
Municipal do Meio Ambiente, o DAAE que paga pelos serviços de coleta, e conta ainda com
o apoio e realiza projetos com o BNDS, FUNASA, Banco do Brasil, UNESP Araraquara,
UNIARA, SESI, SENAI, Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, entre
outras.
É fundamental entender a importância desse trabalhador no final da cadeia produtiva
de materiais recicláveis, minimizando os efeitos da devastação dos resíduos ao meio
ambiente. Porém é preciso buscar a intersetorialidade, as pactuações, por meio de implantação
e/ou implementação de políticas públicas favoráveis à saúde e ao meio ambiente
(CARDOZO, 2009).
Ao pensar no meio ambiente, nas condições de vida é preciso que o Estado desenvolva
ações integrativas e da intersecção de todos os setores sociais, que possam ser profícuos no
empoderamento dos sujeitos, para a mudança da realidade. Assim entender o conceito de
empoderamento ajuda a pensar concretamente, como esse processo pode ocorrer:

Há dois sentidos de empoderamento mais empregados no Brasil: um se refere ao


processo de mobilizações e práticas que objetivam promover e impulsionar grupos e
comunidades na melhoria de suas condições de vida, aumentando sua autonomia; e o
outro se refere a ações destinadas a promover a integração dos excluídos, carentes e
demandatários de bens elementares à sobrevivência, serviços públicos etc. em
sistemas geralmente precários, que não contribuem para organizá-los, pois os
atendem individualmente através de projetos e ações de cunho assistencial (GOHN,
2004, p. 24).

Em um sentido ou no outro se verifica que os catadores por meio da Cooperativa


Acácia foram empoderados, inicialmente motivados pelo Estado e por profissionais de
diferentes áreas a buscarem outras condições de vida. Houve ainda a integração dos excluídos,

1
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – CETESB é a agência do Governo do Estado responsável
pelo controle, fiscalização, monitoramento e licenciamento de atividades geradoras de poluição, com a
150
que viviam há mais de 10 anos em condições subumanas, no sentido de organização enquanto
classe social subalternizada e excluída.
Segundo Herriger (2006) por meio do empoderamento, as pessoas renunciam ao
estado de tutela, de dependência, de impotência, e transformam-se em sujeitos ativos, que
lutam para si, com e para os outros por mais autonomia e autodeterminação, tomando a
direção da vida nas próprias mãos (HERRIGER, 2006, p.16).
A luta da Cooperativa Acácia relatada aqui sucintamente representa parte do processo
de engajamento social desses sujeitos, que ainda continuam sendo explorados pelo sistema,
que é excludente.
Apesar dos avanços alcançados pela cooperativa de um modo geral, há um longo
caminho a se percorrer. Todo o processo desde a coleta, separação de reciclados até a venda,
passa por atravessadores e pela desvalorização da força de trabalho, pela característica da
mercadoria comercializada, entre outros.
Embora tenha ocorrido um grande avanço no empoderamento dos sujeitos, ainda estão
presentes outros fatores a serem superados a dependência em relação ao poder público, a
eliminação dos intermediários com a comercialização direta com a indústria para obter
melhores preços.
A experiência exitosa de Araraquara infelizmente é uma das poucas no país. É preciso
construir uma rede de sustentabilidade nas cidades, que possam contribuir para a preservação
do meio ambiente e possam ampliar a inclusão social e econômica dos catadores.

Considerações Finais

O presente trabalho mostrou a relevância de se cuidar do meio ambiente, mas acima de


tudo de estimular ações voltadas à economia solidária, como estratégia de enfrentamento a
desigualdade e exclusão social.
A economia solidária é uma perspectiva de desenvolvimento econômico e social com
base em novos valores culturais e novas práticas de trabalho e relação social, que visa à
sustentabilidade, justiça econômica, social, cultural e ambiental e democracia participativa
(SINGER, 1999).

preocupação fundamental de preservar e recuperar a qualidade das águas, do ar e do solo.

151
Para o autor a economia solidaria se constitui por meio dos empreendimentos
econômicos solidários, que abrangem grupos informais, associações, cooperativas formadas
por sujeitos em situação de desemprego e vulnerabilidades.
A cooperativa é uma das formas de organização dessas classes excluídas do mercado
de trabalho e surge como forma de produção e distribuição alternativa ao capitalismo.
A cooperativa tem estimulado a geração de renda e trabalho e as parcerias com o poder
público, possibilitando a melhoria da renda dos cooperados. Contribui para a inclusão de
trabalhadores excluídos do mercado formal pelo sistema capitalista, estimula a colaboração, a
participação, valorizando o ser humano e enfrenta as desigualdades sociais.
Com a Cooperativa Acácia os catadores saíram da informalidade e da situação de
desemprego e pobreza extrema.
Na realidade atual a economia solidaria surge como estratégia de inclusão social e
desenvolvimento, mas deve superar o caráter assistencial, promovendo a emancipação dos
sujeitos.
Essa iniciativa contribui para superar as deficiências do Estado e do mercado,
incapazes de responder aos problemas estruturais como má distribuição de renda, a
desigualdade, o desemprego e a pobreza resultantes do capitalismo neoliberal globalizado.

REFERÊNCIAS

ALVES, G. Crise do capitalismo global, desmedida do valor e as mutações orgânicas da


totalidade viva do trabalho. Notas críticas sobre o capitalismo do século XXI. Cadernos do
CEAS, Salvador, n. 239, p. 681-697, 2016.

ANNIBELLI, M.B. A ordem econômica brasileira e o cooperativismo. Revista Eletrônica


do CEJUR, v.1, n.3, p.222- 234 2008.

ARARAQUARA. Acácia. Nossa historia. Disponível em:


http://www.acaciacoleta.com.br/news/historico-de-coleta-seletiva-na-cidade-de-araraquara-
de-2008-a-2013/Acesso em: 09 de jun. 2017.

BARBOSA, G. S. O desafio do desenvolvimento sustentável. Revista Visões. 4ª Edição, n.


4, V. 1 - Jan/Jun 2008. Disponível em:
http://www.fsma.edu.br/visoes/ed04/4ed_O_Desafio_Do_Desenvolvimento_Sustentavel_Gise
le.pdf Acesso 30 jan 2018.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Carta da Terra. Disponível em:


http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/carta-da-terra. Acesso
em: 09 jun, 2017.

152
CARDOZO, M. Percepção de riscos ambientais de trabalhadores catadores de materiais
recicláveis em um aterro controlado do município de Duque de Caxias. 2009. 108f.
Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca,
Rio de Janeiro, 2009

GOHN, M. Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais. Saúde e


sociedade, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 20-31, mai./ago. 2004.

HERRIGER, N. Empowerment in der sozialen Arbeit: eine Einführung. 3. ed. Stuttgart:


Kohlhammer, 2006.

SINGER, P. Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas. São Paulo, Contexto,


1999.

PIRESA, L. L.; SANTOS, L. M. L. Avanços e Desafios das Cooperativas de Catadores de


Materiais Recicláveis e Resíduos Sólidos de Londrina. UNOPAR Cient., Ciênc. Humanas.
Educ., Londrina, v. 15, n. 2, p. 177-185, Jun. 2014

153
O TRABALHO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NA INTERVENÇÃO
FRENTE A DROGADIÇÃO:
EXPERIÊNCIA JUNTO A UMA COMUNIDADE TERAPÊUTICA NO MUNICÍPIO
DE CATANDUVA/ SP

Marilene Frade Alves*

Resumo: O presente artigo relata breves reflexões relacionadas à experiência profissional do


Assistente Social vivenciada em uma Comunidade Terapêutica no município de
Catanduva/SP no âmbito de acolhimento para mulheres com transtornos decorrentes do uso,
abuso ou dependência de substâncias psicoativas. O trabalho e a intervenção do Serviço
Social contribui para efetivação dos direitos sociais e o desenvolvimento dessa Organização
Não Governamental que permite a implantação de políticas e projetos sociais na busca de
melhoria no acolhimento ao tratamento terapêutico.

Palavras-chave: Trabalho; Comunidade Terapêutica; Serviço Social

INTRODUÇÃO

O trabalho é definido como a atividade sobre a qual o ser humano emprega sua força
de trabalho para produzir os meios para o seu sustento. (Marx,1985).

Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza,


processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla
seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de
suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo – braços e pernas,
cabeça e mãos –, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes
forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a,
ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. (Marx, 2004b, p. 211).

Profundas transformações no mundo do trabalho foram presenciadas nos países de


capitalismo avançado, podendo afirmar diante disso, que a classe trabalhadora sofreu a maior
crise do século na década de 1980, que além de atingir sua materialidade, teve intensas
repercussões na sua subjetividade. (ANTUNES, 2009, p. 17).
Antunes (2009) expressa que o trabalho é também um primeiro momento preliminar
de liberdade e aponta que:

[...] há em Marx o reconhecimento de que o trabalho é expressão viva da


contradição entre positividade e negatividade, uma vez que, dependendo dos modos

*
Aluna de Pós Graduação do Curso de Docência no Ensino Superior da Faculdade de Educação São Luís.
Graduada em Serviço Social pelo Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos. Membro de
Pesquisa do Grupo Gesta – Gestão Socioambiental e a Interface da Gestão Social.
155
de vista, da produção e da reprodução social, o ato laborativo pode tanto criar como
subordinar, tanto humanizar como aviltrar. É tanto instrumento de liberação como
fonte de escravidão. Pode tanto emancipar quanto alienar. Isso depende,
essencialmente, da forma como são plasmadas as relações sociais de produção.
Assim tem sido ao longo da história humana. Muito antes do capitalismo.
(ANTUNES, 2009, p. 265).

No entanto, a reflexão irá se direcionar ao que referimos Organizações Não


Governamentais (ONGs), entendendo-se que são Instituições que desenvolvem a
responsabilidade que era do Estado, o qual em forma de estratégia do Sistema, terceiriza o
trabalho para a sociedade civil.
Segundo Montaño:

A perspectiva hegemônica, em clara inspiração pluralista, estruturalista ou


neopositivista, isola os supostos “setores” um dos outros e concentra-se em estudar
(de forma desarticulada da totalidade social) o que entende que constitui o chamado
“terceiro setor”: estudam-se as ONGs, as fundações, as associações comunitárias, os
movimento sociais etc., porém desconsideram-se processos tais como a
reestruturação produtiva, a reforma do Estado, enfim, descatam-se as
transformações do capital promovidas segundo os postulados neoliberais.
(Montaño, 2005, p. 51).

Assim, entendemos que:

Nossa abordagem sobre o “terceiro setor” não parte do conceito de um fenômeno


isolado, mas, por ter como ponto de partida o movimento e as tendências das
transformações do capital como um todo, chega ao “terceiro setor” como um
fenômeno partícipe dessas transformações gerais, como produto delas. (Montaño,
2005, p. 52).

Além disso:

Ser financeiramente sustentável exige muitas coisas de uma ONG. É preciso ter
missão e visão relevantes e expressivas, além de uma organização e uma equipe
competentes para buscá-las. Também requer eficiência e confiabilidade, bem como
produtos e serviços que as pessoas procurem e valorizem. (PEZZULLO, 2004, p.
23).

Também como proposta de Organizações Não Governamentais, temos as Cts –


Comunidades Terapêuticas, que segundo a Federação Brasileira de
Comunidades Terapêuticas FEBRACT (2009), são Instituições privadas, sem fins lucrativos e
financiadas, em parte, pelo poder público. Oferecem gratuitamente acolhimento para pessoas
com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de drogas.

156
O livro "As origens da Comunidade Terapêutica sem drogas: uma história
retrospectiva", defende a ideia de que elas existem há mais de dois mil anos. (GLASER,
Frederich B. apud FEBRACT, 2011).
O indivíduo busca nas drogas o que a sociedade não oferece.
Na concepção de Leon:

A expressão “comunidade terapêutica” conota uma comunidade capaz de remediar,


restaurar ou curar. Mas a distinção profunda entre a CT e outros tratamentos reside
no uso da comunidade como método para mudar a pessoa inteira. (LEON, 2003, p.
100).

Compreende-se que a Comunidade Terapêutica não se destina a todo tipo de


dependente químico, pois o tratamento deve ser aceito voluntariamente e o residente é o
principal ator de sua cura, ficando a equipe com um posicionamento de proporcionar apoio,
ajuda e orientação. (GOTI, 1990).
Ao contrário de quando surgiram essas comunidades, antes conhecidas como “Casas
de Recuperação”, o acolhimento ao tratamento terapêutico era de regime totalmente fechado
e, com o passar do tempo, a concepção foi se modificando e abrolhou a ideia de trabalhar o
residente (assim chamado dentro do período de tratamento) na inserção a sociedade, sendo
possível realizar passeios como forma de lazer, participação em eventos externos, cursos para
prepará-lo no egresso ao trabalho e mais períodos de ressocialização – quando o mesmo passa
o final de semana em casa junto à família.

Objetivo Geral

Refletir sobre a Comunidade Terapêutica e relatar a experiência do Serviço Social


vivenciado no município de Catanduva/SP.

Objetivos Específicos

 Refletir o trabalho frente ao acolhimento de mulheres decorrentes do uso, abuso ou


dependência de substâncias psicoativas em uma Comunidade Terapêutica na cidade de
Catanduva/SP;
 Relatar os desafios e as dificuldades do profissional do Serviço Social neste espaço;
 A atuação profissional do Assistente Social.
157
Metodologia

A Metodologia Científica indica a direção a seguir, somada a meta e o estudo. Traz


consigo métodos que possibilitam compreender a realidade. (BARROS; LEHFELD, 2007, p.
1).
Entendemos por metodologia o caminho do pensamento e a prática exercida na
abordagem da realidade. [...] Da forma como tratamos neste trabalho, a metodologia inclui as
concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a construção da
realidade e o sopro divino do potencial criativo do investigador. (MINAYO, 1994, p. 16).
O propósito desta pesquisa é realizar um estudo exploratório, salientando caminhos
percorridos, de aprendizagem e uma visão crítica.
Esta pesquisa tem como objetivo a atuação profissional do Assistente Social em uma
Comunidade Terapêutica na cidade de Catanduva/ SP, aprimorando conhecimento e sendo
flexível na realização do trabalho desenvolvido.
A realização do estudo foi através da experiência profissional vivenciada nesta
Comunidade Terapêutica no município de Catanduva/ SP, sendo possível colher informações
referente a este espaço.
O universo desta pesquisa está constituído pela Assistente Social que trabalhou
diretamente no acolhimento de mulheres decorrentes do uso, abuso ou dependência de
substâncias psicoativas.
A partir desse universo, serão elaborados critérios para a seleção da amostra.

Universo da Pesquisa

Segmento Tipo de Atendimento Pública ou Privada Cidade


Comunidade Mulheres Privada Catanduva/ SP
Terapêutica

Amostra

Instituição Tipo de Atendimento Quantidade de Assistentes


Sociais
Comunidade Terapêutica Acolhimento de mulheres para 01
tratamento terapêutico

158
A Intervenção do Serviço Social

As atribuições e competências do profissional de Serviço Social são orientadas e


norteadas por direitos e deveres constantes no Código de Ética Profissional e na Lei de
Regulamentação da Profissão, que devem ser observados e respeitados tanto pelo profissional
quanto pela instituição empregadora. (CFESS, 2001).
Iamamoto (2008) alega o Serviço Social ser considerado trabalho diante da reflexão a
qual a profissão está inserida na divisão sociotécnica do trabalho social, tornando-se domínio
público.
Considera uma especialização do trabalho coletivo em um processo de produção e
reprodução das relações sociais. (IAMAMOTO, 2004).
Assim, sintetiza:

Entretanto, o assistente social afirma-se socialmente como um trabalhador


assalariado, cuja inserção no mercado de trabalho passa por uma relação de compra
e venda de sua força de trabalho especializada com organismos empregadores,
estatais ou privados. Sendo os assistentes sociais proprietários de sua força de
trabalho qualificada, não dispõem, todavia, de todos os meios e condições
necessários para a efetivação de seu trabalho, parte dos quais lhes são fornecidos
pelas entidades empregadoras. (IAMAMOTO, 2004, p. 96, grifo do autor).

Entende-se que o Assistente Social é um trabalhador assalariado, sendo explorado pelo


Sistema Capitalista e que exerce um trabalho alienado. Na verdade, a profissão surge para
responder as demandas das relações do Capitalismo e o profissional passa a conviver com as
mais diversas expressões da questão social.
Na Comunidade Terapêutica, o Assistente Social também está à submissão de uma
situação de precarização, com uma grande demanda de usuários acolhidos, o qual muitas
vezes, se encontravam em situação de rua, ou que a família já não aceita residir em casa
devido ao constante uso de substâncias psicoativas.

O assistente social, ao atuar na intermediação entre as demandas da população


usuária e o acesso aos serviços sociais, coloca-se na linha de intersecção das esferas
públicas e privadas, como um dos agentes pelo qual o Estado intervém no espaço
doméstico dos conflitos, presentes no cotidiano das relações sociais. Tem-se aí um
dupla possibilidade. De um lado, a atuação do assistente social, pode representar
uma “invasão da privacidade” através de condutas autoritárias e burocráticas, como
extensão do braço coercitivo do Estado ou da empresa. De outro lado, ao desvelar a
vida dos indivíduos, pode, em contrapartida, abrir possibilidades para o acesso das
famílias a recursos e serviços, além de acumular um conjunto de estudos sociais. O
Serviço Social atua numa zona de fronteira entre o público e o privado.
(IAMAMOTO, 2008, p. 357).
159
Está atribuído ao Assistente Social a tarefa de enfrentamento com funções que não
cabe ao profissional, todavia, sua crítica e avaliação favorecem a análise do planejamento,
elaboração e implementação de projetos e a busca de novas proposições para a melhoria de
atuação.
Contraditório à contextualização do Serviço Social, nos deparamos com uma
perspectiva de assistencialismo e uma visão ideologicamente religiosa, junto à realização de
um trabalho administrativo que devido à precarização das condições financeiras, fica inviável
a contratação de maior número de funcionários para a atuação neste espaço organizacional.
Segundo Iamamoto (2004), os Assistentes Sociais não detêm todos os meios para
efetivar seu trabalho, dependem de recursos previstos nos programas e projetos da instituição
que o requisita e o contrata.

Ainda que disponha de relativa autonomia na efetivação de seu trabalho, o


assistente social depende, na organização da atividade, do Estado, da empresa,
entidades não governamentais que viabilizam aos usuários o acesso a seus serviços,
fornecem meios e recursos para sua realização, estabelecem prioridades a serem
cumpridas, interferem na definição de papéis, e funções que compõem o cotidiano
do trabalho institucional. Ora, se assim é, a instituição não é um condicionante a
mais do trabalho do assistente social. Ela organiza o trabalho do qual ele participa.
(IAMAMOTO; CARVALHO, 2005 p. 63).

Conforme o pensamento de Costa (1998), o trabalho do Assistente Social não se


desenvolve independentemente das circunstancias históricas e sociais que o determinam.

A não consideração desse processo de subordinação, aliada a uma frágil discussão


sobre as particularidades da prática profissional nos diferentes espaços sócio
ocupacionais, constituem uma das variáveis que interferem na tensão existente entre
as exigências do mercado e a idealização dos profissionais sobre as suas ações
profissionais. (COSTA, 2000, p. 63).

Baseada nesta compreensão, Marilda Iamamoto no livro “Serviço Social em tempo de


capital fetiche”, argumenta o trabalho desse profissional ser perpassado por tensas relações
entre projeto ético político profissional e estatuto assalariado. Essa tensão decorre da
dimensão de trabalho útil e ao mesmo tempo abstrato que marca essa atividade.
As atividades desenvolvidas deste Assistente Social na Comunidade Terapêutica se
caracterizam no acolhimento para tratamento de mulheres com uso, abuso ou dependência de
substâncias psicoativas, considerando a demanda estar apresentando um alto índice de
indivíduos usuários de drogas; O acompanhamento psicossocial dos usuários e suas
respectivas famílias, com vistas ao processo de aproximação, fortalecimento ou construção de
160
vínculo familiar; atendimento individual e em grupo; Atuação nas relações sociais;
Administrativo; Relatório e Monitoramento de Vagas, encaminhados semanalmente para os
Programas Sociais e Financiados, assim como Admissão e Altas Terapêutica, à Pedido,
Administrativa e por Evasão, relatados diariamente quando ocorre; Planilha matriz, relatório
dos usuários e listas de presença entregues mensalmente aos mesmos; Articulação com a rede
socioassistencial, saúde e saúde mental, INSS, Fórum, acesso ao mercado de trabalho através
de cursos profissionalizantes, entre outros; Elaboração de relatórios técnicos e ofícios;
Atualização de Prontuários com informações e procedimentos realizados; Apoio na seleção
dos colaboradores da equipe de trabalho; Prover reuniões junto à equipe técnica e demais
colaboradores para discussão de trabalhos desenvolvidos, planejamentos e/ou aplicação de
novas medidas organizacionais.

Experiência junto a uma Comunidade Terapêutica

Nos dias atuais é comum nos depararmos com usuários das mais diferentes drogas,
sendo elas: maconha, cocaína, crack, êxtase, anfetaminas, LSD, benzodiazeínico, metadona,
cogumelos alucinógenos, solventes ou inalantes, em todas as idades, presentes nas mais
diferentes classes sociais, causando assim, transtornos tanto ao usuário quanto a sua família e
até mesmo a sociedade. Além desses, temos o álcool, que é uma substância depressiva, sendo
que,+ toda região que tem vascularização, favorece o efeito e ação da droga. (FEBRACT,
2001).
Contudo, Krupnick L. e Krupnick E., destacam:

Os problemas dos dependentes de álcool e outras drogas não são sofridos em


isolamento, pois virtualmente todo dependente químico afeta outros –
especialmente o que vivem próximo a eles. Aliás, a dependência química é
comumente chamada de doença familiar. Costuma existir um envolvimento tão
grande e tão visível entre os familiares e os problemas e sintomas do doente, que o
termo Codependência foi inventado para descrever tal situação. Embora não
existam duas famílias iguais, ou que respondam à dependência química da mesma
forma, há temas, sentimentos e comportamentos comuns que prevalecem em quase
toda a familiar que abriga um paciente (Krupnick; Krupnick, 1995, p.31).

O primeiro passo para um acolhimento em Comunidade Terapêutica é a


conscientização de que “sozinho não consigo me libertar do vício das drogas”. Em seguida,
solicitar vaga social e agendar data para acolhimento, salvo quando está em estado
emergencial.
161
No ato deste acolhimento, o qual acontece juntamente à triagem (ou quando possível, a
triagem é realizada com antecedência), é desvendado o período para a conclusão do
tratamento terapêutico onde geralmente, a permanência são de 180 dias. É orientado quanto às
regras e normas de convivência, o cronograma de atividades diárias, horários de contato
telefônico com familiares e datas previstas para visitas, entre outros, que houver necessidade.
Colocar em prática a atividade física, como hábito diário. Não existe recuperação sem
renúncia.
No espaço, acontece 6 refeições diárias, sendo elas, café da manhã, lanche da manhã,
almoço, café da tarde, jantar e lanche da noite junto ao devocional antes de cada refeição.
No momento do acolhimento, também é orientado aos familiares a importância na
participação dos encontros no “Amor-Exigente”, para dar continuidade no acompanhamento
pós-tratamento, considerando que é uma recuperação constante. Todo processo de recaída
começa com o pensamento e não o comportamento.
O Amor-Exigente – programa de prevenção e orientação contra drogas – tem a
perspectiva de ajuda mútua direcionada às famílias de dependentes químicos, em resposta a
uma necessidade social.

O Amor-Exigente mostra como corrigir o que não está bem no lar e na família. É,
principalmente, um programa de prevenção, mas também age sobre a recuperação.
O Amor Exigente não só ajuda jovens quimicamente dependentes como serve para
qualquer jovem ou casal de pais com problemas. Se você anda nervoso, exausto,
atrapalhado, desgostoso ou simplesmente aborrecido com a família, o Amor
Exigente é para você. (MENEZES, 1996).

A característica de manipulação é muito acentuada no dependente químico e a família


começa a ceder incontrolavelmente. O primeiro fator para ser tratado é o comportamento,
num processo em longo prazo para mudança do estilo de vida e a decisão de ir para a CT é do
indivíduo.
A prevenção é o primeiro eixo, pois poderia ser evitado, considerando que nos dias
atuais, nos deparamos o tempo todo com propagandas de bebidas alcoólicas na TV e as
crianças e adolescentes acompanhando.
Prevenir não é extinguir a possibilidade, sendo assim, devem-se considerar algumas
ocasiões que se tornam complicadas para quem já passou por dependência quando surge
momentos de happy hour ao final do expediente de trabalho, comemorações, festas no final de
ano, entre outros. Por vezes, a família também precisa ser tratada para conseguir lidar com o
dependente em tratamento. É na crise que se cresce. Quem usa não enxerga o perigo.
162
Considerando que a droga tem a função de automedicação, vale ressaltar que a CT não
utiliza medicamento para o tratamento terapêutico.
Para criar uma CT, existe várias culturas e diferentes métodos, porém, a ampla
diversidade dificulta e não defende o que é de fato o trabalho, como a questão da religião que
é bem presente e nos deparamos com diversos dogmas contestados pela Igreja Católica,
Evangélica, Espírita, entre outras.
Acredita-se que a espiritualidade é a base dos valores compreendida como uma
filosofia da vida baseada numa convivência pacífica, no respeito e no amor próprio, no amor a
natureza e do ser humano.
Segundo pesquisas, associado ao uso das substâncias psicoativas, as mulheres tem
mais comorbidades psiquiátricas do que os homens, isso se dá através de transtorno de
personalidade, depressão, transtorno bipolar, transtornos de ansiedade, entre outros.
É primordial o trabalho em rede, contando com o apoio da saúde pública através UBS
(Unidade Básica de Saúde), CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial) e Farmácia de
Autocusto, UPA (Unidade de Pronto Atendimento); rede da Assistência Social, contando com
a colaboração do CRASS (Centro de Referência da Assistência Social) e CREAS (Centro de
Referência Especializado da Assistência Social); cursos profissionalizantes com o apoio do
SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), Poupatempo para aquisição de
documentos pessoais; Centro de Reabilitação através de Palestras Antitabagismo.
É de grande importância participar da reunião dos Conselhos, como COMAD –
Conselho Municipal de Política sobre Drogas; CMDCA – Conselho Municipal dos Direitos
da Criança e do Adolescente e COMAS – Conselho Municipal da Assistência Social, para
fazer política pública e batalhar pelos direitos dos dependentes.
Utiliza-se rifas e eventos como jantar e bazar beneficente para arrecadação de verbas
para complemento de renda e efetuar pagamento de despesas mensais.
A equipe técnica realiza contato familiar na mediação de laços rompimentos, haja
vista, que devido a conflitos familiares houve o envolvimento com as drogas, ou devido o
envolvimento com as drogas, acontece os conflitos familiares.
É de fundamental importância, a equipe acreditar no tratamento para a recuperação de
todos os residentes e estimular a participação em todas as atividades propostas e, contudo,
estar preparada para a mediação de conflitos, para que quando houver, se houver, propor às
partes envolvidas abandonar essa postura em momento de fúria. Em forma de correção,
pontuar o comportamento e não a pessoa em si.
163
A CT é um lugar onde se acredita que as pessoas podem mudar inclusive que o grupo
pode promover mudança e os indivíduos podem assumir responsabilidades.
Ter consciência de que não se modifica ninguém, apenas colabora e faz seu melhor.
Não pronunciar que todos são iguais e sim, que a Comunidade é comum a todos.

Considerações Finais

Destes fatos históricos relacionados, o que chama a atenção é a minimização do


Estado, que passa a transferir suas responsabilidades para as Organizações Não
Governamentais.
É necessário que o Assistente Social rompa com a atividade burocrática e rotineira,
onde um dos maiores desafios é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir
propostas de trabalho criativas. “Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo”.
(Iamamoto, 2004, p. 20).
É preciso resistir e lutar bravamente contra o uso de substâncias psicoativas dentro do
núcleo familiar, isso se torna um desafio.
A espiritualidade dentro de nós se chama “capacidade de amar”, por isso, o dia mais
importante é hoje!

REFERÊNCIAS

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negação do trabalho. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2009.

BARROS, Aidil Jesus da Silveira; LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. Fundamentos de


Metodologia Cientifica. 3. ed. São Paulo: Pearson, 2007.

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Brasília: DF, 2001.

COSTA, Maria Dalva Horácio da. O trabalho nos serviços de saúde e a inserção dos (as)
assistentes sociais. Serviço Social e Sociedade nº 62. São Paulo, Cortez, mar. 2000, pp. 35-
72.

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164
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Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 10. ed. São Paulo: Cortez; Lima
(Peru): CELATS, 2005.

______, Marilda Villela. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação


profissional. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2004.

______. Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche: capital financeiro, trabalho e questão
social 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2008.

KRUPNICK, L. KRUPNICK, E. Do desespero à decisão: Como ajudar um dependente


químico que não quer ajuda. São Paulo: Bezerra, 1995.

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MARX, Karl. O Capital. Vol. 1/1. 22. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004b.

______. O Capital: crítica da economia política. Tradução por Regis Barbosa e Flávio R.
Kothe. São Paulo: Abril Cultural, 1985a. Livro 1, v.1, t.1. (Os economistas).

MENEZES, Mara Sílvia Carvalho de. O que é Amor Exigente. 22. ed., São Paulo: Loyola,
1996.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa Social. 23. ed. Petrópolis/ RJ: Vozes, 1994.

MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e a Questão Social: crítica ao padrão emergente de


intervenção social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

PEZZULLO, Susan. Desenvolvendo sua Organização: um guia de sustentabilidade para


ONGs. 2. ed. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004.

165
PROJETO COLETIVO RECICLAGEM COMO TECNOLOGIA SOCIAL:
SISTEMATIZAÇÃO DE EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL À LUZ DA TEORIA
CRÍTICA

Pâmela Mara de Oliveira *

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo sistematizar experiências e saberes vividos
durante um trabalho realizado no Projeto Coletivo Reciclagem do Instituto Coca-Cola Brasil,
onde a presente autora atuou como analista ambiental. Em documentos veiculados a respeito
do projeto, consta que, por meio das ferramentas da Teoria do Valor Compartilhado, procurou
desenvolver uma tecnologia social voltada para apoiar cooperativas e associações de
catadores e catadoras de materiais recicláveis. Da experiência direta puderam ser constatadas
diversas contradições dentro deste projeto, a partir das quais foi realizada uma análise crítica e
aprofundada dos fatos sucedidos. A metodologia utilizada foi a abordagem qualitativa por
meio da sistematização de experiências e usado como marco teórico o materialismo dialético,
trazendo uma reflexão crítica da realidade vivida, indicando as incoerências dentro do
empreendedorismo social na forma como ele é implementado. Este trabalho permitiu
compreender as relações paradoxais embasadas no sistema capitalista, a partir da extração da
mais valia - aquilo que permite explorar ainda mais as forças de trabalho e a produção
coletiva de trabalhadores e trabalhadoras. O projeto se mostra muito mais atrelado a um
marketing social e ambiental, que a uma proposta de transformação da realidade das pessoas
envolvidas.

Palavras-Chave: Coletivo Reciclagem. Tecnologia Social. Valor Compartilhado.

Introdução

A geração de resíduos produzidos e descartados pela sociedade configura-se um dos


maiores problemas da atualidade. As deficiências do gerenciamento dos resíduos têm
ocasionado a escassez dos recursos naturais, a degradação ambiental e o esgotamento de
espaço físico para seu armazenamento. Em vista disso a reciclagem tornou-se uma alternativa
para reduzir os impactos ambientais gerados.
Essa atividade e as condições socioeconômicas do país contribuíram para que algumas
pessoas se tornassem catadores e catadoras de materiais recicláveis, estando à margem da
economia e sobrevivendo por meio da catação e a venda do material reciclável, evidenciando
a desigualdade social no Brasil. Conforme afirma Carolina Benicio Santana (apud SANTOS e

*
Mestranda do Prograda de Programa de Pós-graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas –
UNESP/Câmpus de Franca.

167
MANFRIN, 2011) é nesse quadro do trabalho informal que se encontram os catadores e
catadoras de materiais recicláveis, caracterizados como a população sobrante, ou seja,
vulnerável e marginalizada, pois não conseguem se inserir nos processos formais de trabalho.
Segundo Santos e Manfrin (2011), esses trabalhadores e trabalhadoras estão
desprovidos de uma proteção social e de uma intervenção eficaz do poder público, além de
atuar em um tipo de trabalho insalubre e de alta periculosidade, encontrando-se nos índices de
extrema pobreza.
Os catadores e catadoras de materiais recicláveis podem atuar de forma autônoma e
dispersa nas ruas, lixões e aterros, como também de forma coletiva por meio da organização
em cooperativas e associações. Muitos ainda trabalham sob condições precárias e conforme
afirma Magera (2003) é um trabalho exaustivo, visto que as condições a que estes indivíduos
estão submetidos em troca do recebimento de um valor irrisório da venda dos materiais, é
insuficiente para sua própria reprodução como catador e catadora.
No ano de 2007 foi instituída a Lei 11.445, que estabelece diretrizes nacionais para o
saneamento básico e em 2010 foi sancionada a Lei nº 12.305 que institui a Política Nacional
de Resíduos Sólidos, que reforça a idéia de que os resíduos devem ser tratados de forma
integrada, articulando as dimensões econômicas, técnicas, ambientais e sociais, e que a
participação dos catadores e catadoras deve ser garantida. (BRASIL, 2010).
No entanto, os desafios para a inserção desses trabalhadores são muitos, um deles diz
respeito à disputa entre o poder público e as empresas para determinar quem é responsável
pelos custos da reciclagem no Brasil (MAIA, 2013). A externalização dos custos de produção
do sistema econômico capitalista não é contabilizada ou considerada pelas empresas – a
natureza é vista como contingência.
A cadeia da reciclagem é definida como o descarte pós-consumo, a coleta, triagem,
enfardamento, comercialização, logística de transporte e beneficiamento dos produtos para o
mercado (SANTOS et. al., 2010). O trabalho de catação, separação e triagem dos materiais
advindos dos resíduos recicláveis correspondem a 89% do processo acima citado e é realizado
pelos milhares de catadores e catadoras como forma de sobrevivência, sendo que às indústrias
fica apenas 11% do trabalho (MNCR apud SEVERI, 2014).
Todavia, os catadores e catadoras estão inseridos na cadeia da reciclagem de forma
precária e em situação de subordinação aos outros elos da cadeia, ficando os grandes lucros
deste processo com as indústrias. Os benefícios econômicos não são compartilhados de forma

168
equitativa e somado a isso ainda sofrem com as oscilações de preços dos materiais recicláveis
no mercado.
Mas afinal, quem paga a reciclagem? Uma considerável parcela do setor privado
não quer assumir o gasto com as externalidades do processo produtivo, no entanto, a União
deseja que as companhias assumam a parte dos custos da limpeza urbana relacionada à coleta
de embalagens (MAIA, 2013). Conforma afirma Maia (2013), “as maiores empresas da
cadeia, entre elas Coca-Cola, Nestlé, Unilever e Wal-Mart, são contra”, empresas essas,
reunidas na Coalizão Embalagens1 e apoiadas pelo Compromisso Empresarial para
Reciclagem (CEMPRE), tentam evitar o custo adicional.
Pretende-se, nesse artigo, refletir sobre como estas empresas buscam aliar interesses
concorrentes, ou seja, investir na logística reversa e aumentar seus rendimentos utilizando
estratégias baseadas na Teoria do Valor Compartilhado (Creating Shared Value), defendida
por Michael E. Porter e Mark R. Kramer. Os autores desta teoria defendem que o Valor
Compartilhado não é responsabilidade social, filantropia ou mesmo sustentabilidade, mas uma
nova forma de obter sucesso econômico, através de um conjunto de práticas operacionais que
expandem a competitividade da empresa ao mesmo tempo em que favorecem melhorias nas
condições econômicas e sociais das comunidades na quais atuam (ARABE apud SPITZECK).
Um número crescente de empresas adotou iniciativas com a teoria do Valor
Compartilhado e é mediante esse contexto que esse artigo irá trabalhar. Desta forma este
trabalho busca apontar algumas das contradições dentro do empreendedorismo social, baseado
em experiência e saberes vivenciados dentro do Projeto Coletivo Reciclagem, criado pelo
Instituto Coca Cola Brasil.

Objetivo Geral

 Sistematizar experiências e saberes vividos durante um trabalho realizado no Projeto


Coletivo Reciclagem do Instituto Coca-Cola Brasil.

Objetivos Específicos

1
Assinado no dia 25 de novembro de 2015, o Acordo Setorial criado pela Coalizão Embalagens é um marco na
busca de alternativas para ampliar a reciclagem pós-consumo no país. A Coalizão é formada por 22 entidades
do setor - produtores, importadores, usuários e comerciantes, com apoio do Cempre, da Confederação
Nacional das Indústrias (CNI) e da Confederação Nacional do Comércio (CNC) - que se responsabilizaram
pelos estudos e a formulação da proposta que foi submetida à análise do governo e consulta pública
(CEMPRE).
169
 Levantar incoerências dentro do Projeto Coletivo Reciclagem como forma de
empreendedorismo social e a maneira como foi implementado;
 Identificar elementos que apontem a contradição entre o marketing social e os
objetivos ocultos no sistema capitalista.

Metodologia

A metodologia utilizada nesta pesquisa foi a abordagem qualitativa, através da


sistematização de experiências (HOLLIDAY, 2006), além de pesquisa bibliográfica e de
documental.
Buscou-se a sistematização de experiências, pois o objetivo é falar de práticas
concretas (HOLLIDAY, 2006) e foi escolhido o materialismo dialético como marco teórico
para análise por ser um instrumento que busca observar através de uma concepção da
realidade social, indo até as origens dos processos históricos e os seus rebatimentos na
sociedade atual (CASTANHO 1996). Afirmava Corbisier (1968) apud Castanho (1996), que a
dialética é precisamente a lógica da contradição, tornando-nos capazes de compreender e
explicar os movimentos da história.
É indispensável no atual sistema das relações capitalistas de produção, a interpretação
dialética dos fenômenos sociais presentes, onde se observa as contradições (DINIZ e SILVA,
2008), questões essas necessárias para compreensão e explicação que será construída aqui por
meio das experiências vividas pelos analistas ambientais2, (também chamados de analistas de
campo) dentro do Projeto Coletivo Reciclagem.
De acordo com Holliday (2006), a sistematização é uma forma de interpretação crítica
de uma ou mais experiências que, a partir de seu ordenamento e reconstrução, descobre ou
explicita a lógica do processo vivido. Portanto, aqui serão narradas as experiências e descritos
os processos, atentando-se no rigor crítico que é indispensável para realmente “sistematizar”.
Portanto aqui neste trabalho buscar-se-á conduzir à reflexão teórica e crítica dos
conhecimentos e experiências vividas dentro das práticas sociais concretas a fim de
compreender a lógica das relações e contradições dentro do Projeto Coletivo Reciclagem,
localizando as incoerências existentes.

2
Os analistas ambientais eram os responsáveis por aplicar a metodologia do Projeto Coletivo Reciclagem junto
às cooperativas e associações de materiais recicláveis que estavam inseridas no projeto.
170
Projeto Coletivo Reciclagem: Reflexões Sobre Práticas

O método de explanar a própria experiência oportuniza ao sujeito reconstruir sua


trajetória, possibilitando novos sentidos, estabelecendo uma relação dialética entre
experiência e narrativa, mediada pelos processos reflexivos (RODGERS, 2002; CUNHA,
1997). Aqui serão elucidadas experiências vividas dentro de um projeto desenvolvido pelo
Instituto Coca-Cola Brasil que visa apoiar catadores e catadoras de materiais recicláveis.
O Instituto Coca-Cola Brasil (ICCB) é uma organização fundada em 1999 com o
objetivo de promover a transformação social do país, desenvolvendo e operando programas
sociais que visam o empoderamento dos indivíduos e a geração de renda e tem como sócio-
fundadores a Coca-Cola Brasil e seus fabricantes de bebidas (COCA-COLA BRASIL, 2016).
No ramo da reciclagem, a Coca-Cola Brasil desenvolveu, através do ICCB, o
programa Coletivo Reciclagem, anteriormente conhecido como “Reciclou, Ganhou”, e tem
como objetivo “empoderar e profissionalizar cooperativas de reciclagem e fortalecer sua
inserção na cadeia formal, gerando mais eficiência, trabalho em rede, renda justa e ambiente
digno aos catadores”.
O projeto foi desenvolvido pelo ICCB com objetivo de apoiar cooperativas e
associações de catadores e catadoras de materiais recicláveis em todo Brasil, e para a
operacionalização do projeto o ICCB contratou o Instituto Doe seu Lixo (DSL), que por sua
vez em parceria com a Socitex – Cooperativa de Trabalho Misto Ltda, selecionava os
analistas para implementação deste, e foi no ano de 2012 que a autora deste trabalho iniciou
suas atividades dentro do projeto como analista ambiental.
Durante o programa “Reciclou, Ganhou” não havia contato direto do ICCB com os
analistas de campo, todavia mediante a transição e reestruturação do projeto que aconteceu
em 2013, ocorreu uma aproximação. Alguns analistas de campo foram selecionados e
convidados a participar do treinamento piloto no Rio de Janeiro e dentre os selecionados a
autora deste trabalho.
O projeto piloto trouxe uma nova metodologia de trabalho e foi aplicado nas
cooperativas e associações de catadores e catadoras pelos analistas de campo presentes
durante o treinamento. Foram obtidos os resultados esperados pelo ICCB permitindo a
extensão da metodologia no ano 2014 para as demais organizações participantes do projeto, o
que oportunizou um segundo encontro, momento este em que todos e todas analistas de
campo que atuavam no projeto puderem se conhecer.
171
As cooperativas e associações de catadores e catadoras de materiais recicláveis para
que pudessem participar do programa tinham que cumprir um dos requisitos determinados
pelo mesmo, a disponibilização mensal dos dados de produção. Durante o decorrer do projeto
foram observadas contradições e incoerências a partir da dinâmica real de trabalho realizado
pelos analistas de campo, permitindo tornar possível a identificação de pontos críticos a serem
discutidos. Esses elementos foram importantes para compreender a construção do
conhecimento prático-profissional (MARCOLINO e MIZUKAMI, 2008).
O contrato de trabalho entre os analistas de campo e o projeto não foi diretamente pelo
ICCB, sendo intermediado pelo Instituto DSL que por meio da Cooperativa Socitex,
localizada no município do Rio de Janeiro, elaborou um termo de adesão voluntária, tornando
os analistas sócio-cooperados para trabalharem no projeto. O projeto abrangia organizações
em nível nacional e eram aproximadamente quarenta analistas de campo distribuídos em
diversos municípios do Brasil, localizados em diferentes estados.
Os analistas quando selecionados foram informados que trabalhariam apenas para o
Projeto Coletivo Reciclagem, em vista disso as demais atividades executadas pela
Cooperativa Socitex não eram conhecidas por esses profissionais. A remuneração mensal dos
analistas era fixa e recebiam um valor semanal conforme o roteiro de visitas que elaboravam
para execução de suas atividades. Não tiveram acesso aos documentos legais da cooperativa,
como o estatuto social, regimento interno, dados de produção, receitas e nunca foram
chamados para assembléias sejam elas ordinárias e/ou extraordinárias, contradizendo a Lei n°
12.690/ 2012, que dispõe sobre a organização e funcionamento de cooperativas de trabalho.
Dentre as maiores vantagens de ser uma cooperativa no Brasil estão a não incidência
de determinados impostos, a flexibilização dos vínculos empregatícios e o acesso a fomentos
e créditos específicos. O art. 90, da lei de 1971 nos dá um exemplo disso quando anuncia que
“qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus
associados”.
Diante do exposto os analistas começaram a perceber a situação na qual se
encontravam e a reivindicar seus direitos, como resultado das reivindicações foi recebido por
email uma carta circular dizendo que a Cooperativa Socitex com o apoio do Instituto DSL
iriam estruturar o orçamento do projeto a fim de colocar em vigor um plano de “retiradas”
diferenciadas (remuneração mensal), em razão do tempo que os cooperados e cooperadas
(analistas de campo), tinham na associação e em exercício de suas atribuições no Projeto
Coletivo Reciclagem do Instituto Coca-Cola Brasil. Os critérios adotados foram a partir de
172
categorias: Pleno (até completarem dois anos), Sênior (até completarem 4 anos) e Máster
(mais de 4 anos).
Os analistas de campo atuavam diretamente com as organizações que faziam parte do
projeto através de visitas técnicas semanais, quinzenais, ou conforme o número de
cooperativas e associações que eram responsáveis. As atividades desenvolvidas eram seguidas
de um cronograma de execução e registradas por meio da elaboração de relatórios semanais
de visitas e relatórios mensais referente aos dados de produção dos empreendimentos. Eram
aplicados questionários, elaborados planos de ação, oficinas que abordavam o tema gênero, e
realizadas reuniões semanalmente com a coordenação do projeto por meio de uma plataforma
online chamada Rede Coletivo, que foi criada para facilitar a comunicação entre analistas e a
equipe do ICCB.
A metodologia do Projeto Coletivo Reciclagem foi a partir de um questionário
aplicado nas organizações a cada ciclo de seis meses, e tinha como objetivo levantar
informações sobre as cooperativas e associações de catadores e catadoras de materiais
recicláveis. O questionário gerava um diagnóstico detalhado que levava em conta aspectos da
formalização, gestão, coleta, triagem e produção. Essas informações eram utilizadas para
identificar o nível em que as organizações se encontravam por meio de gráficos e indicadores.
Após a análise dos resultados obtidos através do diagnóstico era elaborado um plano de ação
com metas mensuráveis em conjunto com os catadores e catadoras e posteriormente a
definição do plano, era decidido em conjunto a “recompensa” que a organização receberia ao
atingir a meta.
As organizações quando conseguiam alcançar a meta estabelecida recebiam uma
recompensa no valor de R$5.000,00 e estas metas eram medidas, analisadas e comunicadas
pelo (as) analistas, que por sua vez se esforçavam para que fossem alcançadas, e no mínimo
garantir as recompensas para as organizações.
Este valor de R$5000,00 não era repassado diretamente para os empreendimentos,
ficando como exigência do ICCB a compra de equipamentos e/ou itens no valor estabelecido.
Dessa forma, as cooperativas e associações não tinham autonomia plena de utilização do
dinheiro, muitas vezes precisando da verba, porém só podendo receber em forma de produtos.
Este projeto recebeu em 2015 o prêmio de Tecnologia Social pela Fundação Banco do Brasil.
No entanto aqui é possível observar uma das contradições do projeto, cabendo
ressaltar que os catadores e catadoras devolvem para a cadeia produtiva os resíduos
produzidos pelas empresas e, no entanto, não são remunerados pelos serviços prestados. Por
173
outro lado se observa no contexto as relações de solidariedade entre analistas e catadores (as),
buscando compreender o trabalho um do outro. Ambos trabalhadores (as) explorados dentro
de uma cadeia de Valor Compartilhado, que por um lado usava a mão de obra análoga à
escravidão dos catadores e catadoras de seus resíduos de embalagens, e por outro realizava o
financiamento de um projeto social que também explorava seus trabalhadores e trabalhadoras,
como fica evidente na forma de “contratação” dos analistas de campo.
O Projeto Coletivo Reciclagem com objetivo de trocar experiências entre analistas de
campo e alinhar a metodologia, realizava anualmente treinamentos desenvolvidos e
executados pela equipe do ICCB. No ano de 2016 o encontro anual foi cancelado, mesmo
após os analistas receberam as passagens aéreas via email e a data que aconteceria o
treinamento. Após o cancelamento, os analistas receberam recomendações via email dos
coordenadores da Cooperativa Socitex, solicitando que não mais enviassem emails
diretamente para a equipe do ICCB, equipe essa que foi mantido contato direto desde o
projeto piloto em 2013.
Em novembro de 2016 os analistas receberam orientação através de um email dizendo
para não efetuarem as compras referentes às recompensas que iriam para as organizações que
atingiram suas metas no ciclo do segundo semestre, que por sua vez ficaram sem receber,
mesmo passando seus dados de produção. No dia primeiro de dezembro todos e todas
analistas de campo receberam outro email enunciando que a Cooperativa Socitex não estaria
mais à frente da operacionalização do Projeto Coletivo Reciclagem para o ICCB, e que
tampouco saberiam informar de que forma ou por quem o projeto seria operacionalizado.
Todavia, a equipe do ICCB não entrou em contato com os analistas de campo nem através de
emails, nem por qualquer outro meio de comunicação, não houve nenhum pronunciamento,
ficaram em silêncio.
Diante do contexto apresentado estaria o Projeto Coletivo Reciclagem contribuindo
com o empoderamento dos indivíduos e a geração de renda?
O empoderamento envolve um processo de conscientização, a trajetória de um
pensamento acrítico para uma consciência crítica. Não obstante, isso não se dá no vazio, numa
posição idealista (BAQUERO, 2012), “a conscientização é um processo de conhecimento que
se dá na relação dialética homem-mundo, num ato de ação-reflexão, isto é, se dá na práxis”
(FREIRE, 1979 apud BAQUERO, 2012). Conscientizar não significa manipular, conduzir o
outro a pensar como nós, conscientizar é o ato de compreender a realidade através de um
olhar mais crítico.
174
Embora historicamente o empoderamento esteja associado a formas alternativas de se
trabalhar as realidades sociais, os movimentos sociais independentes, formas cooperativistas,
formas de democracia participativa e autogestão, esse termo foi incorporado no discurso
neoliberalista3 (BAQUERO, 2012).
Não seria esse projeto uma forma de marketing social e ambiental? Social, pois seu
objetivo é criar uma imagem positiva da empresa através de ações “construtivas” à sociedade,
e ambiental por que é uma estratégia de marketing voltada para vinculação da marca a uma
imagem ecologicamente consciente.
Por fim, é substancial citar aqui que toda essa conjuntura culminou em um inquérito
civil promovido pelo Ministério Público do Trabalho, que resultou em um Termo de Ajuste de
Conduta (TAC), com objetivo de cumprir as leis trabalhistas no tocante aos direitos dos
analistas de campo que trabalharam para este projeto.

Considerações Finais

É fundamental observar as contradições que o capitalismo produz, portanto para que


esse trabalho não se limitasse à teoria se propôs através do materialismo dialético sistematizar
experiências vividas no campo de atuação profissional, procurando demonstrar as
incoerências existentes no empreendedorismo social por meio de reflexão crítica e análise dos
elementos apresentados.
Através da experiência profissional constatou-se a precarização do trabalho dos
analistas e a exploração dos catadores e catadoras de materiais recicláveis no que diz respeito
às atividades prestadas por este setor às empresas, permitindo a disseminação e socialização
das experiências vividas, podendo proporcionar instrumentos relevantes e viáveis para a
compreensão da realidade, onde as questões operacionais foram cruciais para determinar o
tipo de política social que vem sucedendo.
Neste contexto a análise dessa tecnologia social é extremamente relevante, tanto pela
sua dimensão como por sua forma de implementação, pois para o avanço destes projetos é
necessário um forte combate à ideologia neoliberal que orienta e determina as diretrizes dos
programas sociais.

3
Neoliberalismo é um conjunto de ideias políticas e econômicas capitalistas que defende a não participação do
estado na economia, onde deve haver total liberdade de comércio, para garantir o crescimento econômico e o
desenvolvimento social de um país.

175
Este trabalho permitiu compreender as relações que estão embasadas pela contradição
capitalista a partir da extração da mais valia - aquilo que permite explorar ainda mais as forças
de trabalho e a produção coletiva, condição social vivida dentro do capitalismo.
Trata-se de um uso inadequado de determinada forma de organização e de seu
respectivo arcabouço jurídico e burocrático, e essas tais práticas fraudulentas é que, em geral,
organizações não governamentais e cooperativas no Brasil são comumente associadas à
corrupção ou mal-vistas pela grande população, portanto é preciso em nome do verdadeiro
cooperativismo, evidenciar essas fraudes acometidas pelas falsas cooperativas, para que
deixem de lesar trabalhadores e trabalhadoras precarizando direitos, além de prejudicar a
imagem das autênticas cooperativas.
Conclui-se que a experiência profissional atravessada pela autora no Projeto Coletivo
Reciclagem gerou uma análise crítica que culminou em um projeto de pesquisa de mestrado,
que visa aprofundar a exploração deste contexto, principalmente no que diz respeito às
políticas públicas voltadas para catadores e catadoras de materiais recicláveis.

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178
SERVIÇO SOCIAL E TERCEIRO SETOR: CONTRADIÇÕES E DESAFIOS
INERENTES A CATEGORIA PROFISSIONAL

Ana Carolina Bernardes Borges Silva*


Helen Caroline dos Santos Barbosa**

Resumo: Este artigo discute sobre o Terceiro Setor perpassando contradições e desafios
inerentes ao Serviço Social. Com análise bibliográfica de autores que estudam tal temática,
questionamos as contradições que englobam o terceiro setor e os desafios que são colocados
aos assistentes sociais. Estas reflexões propõem também experiências que englobaram o
campo de estágio das autoras do trabalho. Com a atual política neoliberal e a
desresponsabilização do Estado frente ao que foi concedido na Constituição Federal de 1988
no campo da Seguridade Social com a privatização de serviços públicos, vivenciamos a cada
dia o crescimento do Terceiro Setor, e a inserção dos profissionais nestes espaços socio-
ocupacionais. A prática profissional dos assistentes sociais no Terceiro Setor são rodeadas
por contradições e desafios constantes impostos no dia a dia, tendo em vista que são em sua
maioria espaços no âmbito privado. Se faz necessário frente as demandas e a atual política
neoliberal que rege a nossa sociedade, o Serviço Social deve se apropriar dos conhecimentos
teórico metodológico, ético político e técnico operativo, para desenvolver a práxis profissional
de acordo com o projeto ético político da profissão e alcançar a efetivação do seu trabalho.
Com base em pesquisas bibliográficas correlacionando com experiência de estágio de uma
das pesquisadoras, iremos fazer uma breve discussão sobre a temática. Não à o propósito de
esgotar o assunto, mas sim fazer reflexões sobre as contradições e desafios da relação entre
Terceiro Setor e Serviço Social, afim de conhecer e compreender sobre o tema proposto para
discussão.

Palavras Chaves: Terceiro setor, ONG’s, Serviço Social.

Introdução

Este estudo advém de reflexões e discussões que perpassaram estágio realizado na


área do terceiro setor por uma das autoras do trabalho. Para além, é também fruto de estudo de
vários autores que discutem tal temática. Tem como objetivo refletir sobre as contradições e
desafios da relação entre terceiro setor e Serviço Social. Se caracteriza como ensaio teórico,
com pesquisa bibliográfica de autores que trazem a sua contribui ção sobre o assunto
problematizado.

*
Assistente Social, mestranda do Programa de Pós Graduação em Serviço Social pela UNESP/Câmpus de
Franca, bolsista da CAPES e membro do GESTA UNESP/Câmpus de Franca SP.
**
Assistente social pela Prefeitura Municipal de Taquarintinga S.P. no Centro de Referência de Assistência
Social (CRAS), mestranda do Programa de Pós Graduação em Serviço Social pela UNESP/Câmpus de Franca,
e membro do GESTA da UNESP/Câmpus de Franca SP.

179
O surgimento do terceiro setor deve-se ao fato da desresponsabilização do Estado e a
sua omissão frente as políticas sociais. Um dos discursos para a reforma do Estado são as
crises que a políticas sociais trouxeram para os fundos públicos, transferindo as
responsabilidades do meio social para a sociedade civil e as organizações não
governamentais.
A partir da década de 90, há aumento no surgimento das instituições de Terceiro
Setor, e consequentemente inserção dos profissionais nestes espaços socio-ocupacionais.
Muitas vezes, tal inserção se da de maneira alienada, sem críticas, realizando um trabalho
contraditório. Por isso, se faz essencial o profissional trabalhar de acordo com o projeto ético
político da profissão.
É neste cenário que as pesquisadoras apresentam uma breve revisão bibliográfica
sobre o assunto e a importância da necessidade de se conhecer sobre tal, para poder realizar
um trabalho efetivo nestes espaços, sem seguir bases assistencialistas e olhar conservador que
o próprio sistema capitalista nos remete a "acreditar".
Trabalhar com a efetivação da práxis profissional dos assistentes sociais, é possível
superar os desafios profissionais impostos pela sociedade, pressupondo também que "[...]
romper obstáculos, planejar estratégias, articulando forças com outros profissionais
envolvidos no cenário das instituições (políticas públicas e privadas) para enfrentar a
radicalidade das questões sociais e assim defender a vida humana acima de tudo".
(MARTINS, 2011, p. 54 apud MATTOS, 2015, p. 78).
Discorrer sobre o terceiro setor é um grande desafio, visto que, existem inúmeras
contradições circundando o mesmo. Autores que tratam sobre o tema trazem vários
questionamentos passíveis de grandes reflexões.

Objetivo Geral,

Refletir sobre as contradições e desafios da relação entre terceiro setor e Serviço


Social.

Objetivos Específicos
Apresentar o que é o Terceiro Setor;
Discutir sobre as contradições apresentadas pelo Terceiro Setor;
Compreender os desafios inerentes ao Terceiro Setor e o Serviço Social.
180
Metodologia
Este trabalho se caracteriza como ensaio teórico, com pesquisa bibliográfica de
autores que discutem a temática problematizada.

Discussão Teórica
Estado e a “força”para o terceiro setor

A sociedade contemporânea vivencia um cenário social, político e econômico, onde


se concentra um plano de disputas e interesses individuais, regidos por um grupo de pessoas
que possuem um poder determinado pela concentração de capital. Nesta concepção de
interesses, o Estado é organizado e pensado, sendo colocado a disposição do capital, não
fazendo oposição a exploração do trabalho pelo mesmo, mas apenas regulando e mantendo o
status quo.
Segundo Bobbio (1987), para Engels a formação do Estado se deu exclusivamente
por via econômica, onde a sociedade civil surge através da divisão de terras (propriedade
privada). Nesta divisão de terras, e de trabalho, surgem a divisão das classes, aqueles que
detém terras e os que não. A função do Estado é justamente manter o poder de uma classe
sobre a outra, sendo o mediador das relações sociais.
A formação do Estado pela lógica liberal apresenta características de um Estado
policial e repressor, cabendo a ele proteger o direito à vida, à liberdade individual e os direitos
de segurança e propriedade privada.
No final da década de 1980, o Brasil passava por uma crise de dívida externa e
interna, e esgotamento do modelo desenvolvimentista. A burguesia brasileira desejava um
novo modelo de desenvolvimento econômico, com a inserção do país no mercado
internacional e um novo padrão de acumulação. Diante disso, foi implantado no Brasil, o
neoliberalismo.
Com a implementação do ideário neoliberal, que é “[...] uma reação teórica e política
ao modelo de desenvolvimento centrado na intervenção do Estado.”, a burguesia brasileira
passa a ser subordinada aos países imperialistas no desenvolvimento econômico, político e
cultural. (TEIXEIRA, 1998, p.195) Tal subordinação, não foi uma imposição desses países,
mais sim um interesse interno da burguesia brasileira em reproduzir as relações ideológicas e
de exploração do capital.
Neste quadro, a burguesia brasileira associou-se conscientemente à burguesia
internacional para a manutenção de seus interesses econômicos e políticos, bem
181
como limitou a participação dos trabalhadores com vistas a impedir qualquer
possibilidade de construção de uma “revolução contra a ordem” ou mesmo uma
“revolução dentro da ordem” que não fosse controlada e conduzida por seus
quadros dirigentes. (LIMA, 2007, p. 80)

O neoliberalismo no Brasil é mercado pela abertura do mercado internacional com a


redução das barreiras alfandegárias; redução do Estado Intervencionista marcado pelo
desmonte de direitos conquistados pelos trabalhadores; privatização de setores siderúrgicos,
Companhia Vale do Rio, a Petrobrás e suas subsidiárias, como também outros setores da
saúde e educação. (LIMA, 2007, p. 91)
Com a lógica de um Estado mínimo, e no seio dos movimentos sociais fruto de
reivindicações da classe trabalhadora por melhores condições de vida, é que surgem as
políticas sociais como forma de amenizar os conflitos e ter o controle da população,
preservando a ordem social existente.
Segundo Simões (2013) as políticas sociais são pensadas no gerenciamento da
pobreza, de distribuição de renda, onde o Estado investe de acordo com o que arrecada,
visando os mínimos sociais.
Diante disso cabe salientar que as conquistas/ concessões relacionadas a Política
Social, evidencia- se consequências e condições contemporâneas com o ideário neoliberal e
com a contrarreforma do Estado, onde o mesmo vai se distanciar de suas responsabilizações
sociais e se tornar omisso aos interesses da classe trabalhadora. Há nas políticas sociais
algumas características embasadas: como a desresponsabilização do Estado e do Setor
Público, passando para a sociedade e para o terceiro setor; a privatização e a mercantilização
dos serviços para aqueles que possam adquirir; e uma política voltada para o pobre dos
pobres. (BEHRING, 2009)
Neste cenário de contrarreformas atual político brasileiro, e a omissão do Estado
perante as suas responsabilidades, o Terceiro Setor ganha força no Brasil.

Constituição Federal 1988 e terceiro setor

O Brasil especificamente na década de 1990, com o avanço neoliberal, depositou


uma maior atenção ao aspecto econômico em detrimento do social; haja vista, que tal ofensiva
se estabeleceu próxima ao estabelecimento da Constituição Federal de 1988, a qual se
caracterizou enquanto um avanço no âmbito dos direitos sociais e da democracia.

182
Ao considerar o avanço democrático que a Constituição Federal de 1988 representou,
e o ataque neoliberal que se fez presente logo em seguida sobre os direitos sociais oriundos da
Constituição cidadã, observa-se que o Brasil pouco experimentou a efetivação de seus
direitos, do estabelecimento de uma democracia, e de ter o estado enquanto provedor dos
direitos sociais no trato da questão social. Isso pelo fato de que a onda neoliberal
responsabilizou o estado pela crise econômica brasileira e como estratégia para ascensão do
aspecto econômico centrou-se na privatização do estado, economia globalizada, redução de
gastos sociais e contrarreforma do estado, que representou o estado mínimo para o aspecto
social e máximo para o econômico; logo comprometendo as políticas sociais, ao alterar a
relação entre estado e sociedade.
Duarte faz uma ressalva a ascensão do capitalismo mundializado que ocorreu no
início da década de 1990, sob comando do capital financeiro e forte influência do projeto
neoliberal. O Estado brasileiro inicia então um processo de ajuste econômico e redução de
políticas sociais com apelo a participação da sociedade civil, desconsiderando as conquistas
históricas da classe trabalhadora.
Este distanciamento da dimensão de direitos sociais, representa um retrocesso em
relação aos direitos que os cidadãos conquistaram através de sua luta, ao desconsiderar todo o
processo histórico em que movimentos sociais se fizeram presentes, resultando na
Constituição Federal de 1988.

Definindo o Terceiro Setor

De acordo com os estudos de Montaño (2005, p. 53 apud Landim 1999), o conceito


terceiro setor tem origem norte americana, “contexto onde associativismo e voluntariado
fazem parte de uma cultura política e cívica baseada no individualismo liberal”. Montaño
explica que a terminologia foi construída mediante um recorte social em esferas: O Estado
representa o primeiro setor, o segundo setor é aqui representado pelo mercado ocupado pelas
empresas privados com fins lucrativos, e a sociedade civil compõem o terceiro setor, o qual
desempenham ações de caráter público.
Assim, conforme aponta o autor se o Estado está em crise e o mercado tem uma lógica
lucrativa e nenhum destes podem dar respostas as demandas advindas da sociedade, o terceiro
setor seria a materialização entre eles, “o público porém privado”.

183
Deste modo, o terceiro setor, surgiu na década de 80 sendo que não existe um
consenso entre teóricos e pesquisadores sobre sua origem, características e composição no que
tange as entidades e também sobre as organizações não governamentais, as organizações sem
fins lucrativos, as organizações da sociedade cível, instituições filantrópicas entre outras, que
de fato compõem esse campo.

Entraves do terceiro setor

De acordo com Alencar (2009), o chamado terceiro setor se apresenta aparentemente


“uma cortina de fumaça” como sendo um espaço de participação da sociedade, todavia o
mesmo representa a fragmentação das políticas sociais e das lutas dos movimentos sociais.
Logo, sociedade civil (terceiro setor) é chamada de “co-responsabilização” das questões
públicas junto ao Estado, acarretando assim na desresponsabilização do Estado.
Nesta mesma direção Alencar (2009) aponta que as ações a serem executadas pelo
estado acabam sendo colocadas em “xeque”, considerando que é o mercado que determina o
espaço do Estado, colocando em jogo a regulação pública do mercado e dos direitos.
Com isso o Estado tem diminuído cada vez mais suas funções seguindo uma lógica
liberal em que o indivíduo deve buscar para si e suas famílias condições de sobrevivência no
mercado.
Questões como a setorialização da realidade social entre estado, mercado e sociedade
civil, privatização das políticas sociais e focalização do atendimento (serviços pontuais, com
segmentos específicos) refletem a contradição do 3º setor quando assume o que é de dever do
Estado.

Relação do Serviço Social com o Terceiro Setor

O Serviço Social nasce na década de 1930 no seio do sistema capitalista, quando à o


aumento da concentração populacional em zonas urbanas devido ao surgimento das industrias, e
consequentemente acarretando diversos problemas sociais como o desemprego. O profissional
desenvolvia um trabalho assistencialista, como forma de ajustamento do indivíduo na
sociedade, culpabilizando-o pela sua situação.
A profissão vai ganhando maturidade, se aperfeiçoando e buscando novos horizontes
para conseguir dar resposta aos problemas sociais. Atualmente o Serviço Social é sustentado

184
por um projeto ético político constante no Código de Ética e na Lei de Regulamentação da
Profissão (Lei nº 8662 de 13 março de 1993), reconhecendo a questão social como o seu
objeto de intervenção profissional.
Trabalhar com a efetivação da práxis profissional, é possível superar os desafios
profissionais impostos pela sociedade, pressupondo também que "[...] romper obstáculos,
planejar estratégias, articulando forças com outros profissionais envolvidos no cenário das
instituições (políticas públicas e privadas) para enfrentar a radicalidade das questões sociais e
assim defender a vida humana acima de tudo". (MARTINS, 2011, p. 54 apud MATTOS,
2015, p. 78).
Entendendo o Serviço Social como uma profissão que intervém no processo de
produção e reprodução social, no enfrentamento entre o trabalho e o capital, intervindo
diretamente na vida do sujeito, o Serviço Social sente os rebatimentos das modificações das
funções do Estado no seu cotidiano profissional, em que são colocados para os profissionais
condições de trabalho cada vez mais complexas, e os espaços sócios-ocupacionais ditando
seus interesses. (DUARTE, 2010).
Nas últimas décadas, as ONG’s vêm se tornando um forte campo de atuação
profissionais para o Serviço Social e materializando muitos limites, desafios e possibilidades
de trabalho, não deixando de ser um cenário de disputa de forças entre os interesses
institucionais dos objetivos profissionais. (DUARTE, 2010).
Nesta perspectiva, o processo de desresponsabilização do Estado com a transferência
de serviços sociais para o terceiro setor repercute diretamente no trabalho do profissional do
serviço social, tanto no seu espaço profissional, como nas condições e relações de trabalho
(poder institucional), surgindo também novas funções e competências para o Assistente
Social.

Contradições e desafios entre o Serviço Social e o terceiro setor

Em meio ao cenário contraditório da sociedade capitalista com o neoliberalismo, o


profissional de Serviço Social vem se adequando as novas demandas postas na sociedade,
para poder assim efetivar o que é proposto no projeto ético político, buscando uma sociedade
mais justa e igualitária.

185
A luta do Serviço Social por direitos, trabalho e socialização da riqueza no Brasil é
uma luta contra a “economia política da iniqüidade” e constitui uma mediação
importante na luta histórica pela emancipação humana, pois os direitos, na
sociabilidade capitalista, se inserem em um processo complexo e contraditório [...].
Lutar por Direitos, Romper com a Desigualdade, queremos provocar reflexão e
indignação com a barbárie que se reproduz cotidianamente em nosso pais, e
mobilizar a sociedade para defender. (CFESS, 2009, p. 2).

Pensar que o Estado cadê vez mais vem se distanciando de suas responsabilidades
previstas na Constituição Federal de 1988, assegurando assim a Seguridade Social (Saúde,
Previdência e Assistência); e saber que mediante ao que é assegurado em lei, o profissional
estar sendo cadê vez mais inserido no terceiro setor.
Embora sabemos que a sua inserção nestes espaços sejam contraditórios ao que a
profissão vem buscando e lutando para que sejam efetivados todos os direitos e que o Estado
cumpra seu real papel e não seja omisso, como o profissional pode buscar que seu trabalho
seja efetivado sem se distanciar do seu projeto ético político?
Nestes espaços do Terceiro Setor, se faz essencial buscar cadê vez mais parcerias e
aproximações com o Estado para responder as demandas que são postas no dia a dia de
trabalho. Foi sancionada a Lei nº13.019 de 31 de Julho de 2014, que diz respeito sobre
parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, conforme esta
mencionado no:

Art. 1o Esta Lei institui normas gerais para as parcerias entre a administração
pública e organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a
consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de
atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos
em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de
cooperação. (BRASIL, 2014)

A Lei é um marco na questão da relação do Estado com o Terceiro Setor, porém não
se deve mascarar e acreditar que tal estabelecimento de relações seja a salvação. É apenas um
passo para que as relações sejam concretizadas, não se tornando apenas um único meio.
Não é nossa intenção aqui contextualizar e discutir a tal lei referida, mas sim elencar
que existe uma lei que regulamenta, e que através dela tanto sociedade quanto aos
profissionais que atuam nestes espaços, manifestem-se e lutem para que os direitos e deveres
do Estado enquanto mediador das relações sociais cumpra seu papel em nossa sociedade.

186
Considerações Finais

Quando o terceiro setor foi escolhido como tema para tal síntese, já se imaginou o
quão desafiador seria discorrer sobre o tema, visto que há diversas opiniões, contradições,
enfim passível de uma grande discussão.
Para tanto, pode-se concluir que o terceiro setor existe, ele está presente fortemente
na nossa sociedade, como uma forte desresponsabilização do Estado de suas atividades e a
sociedade civil assumindo tais responsabilidades.
É uma realidade e fica claro que o Serviço Social é afetado com tal situação, mas há
inúmeras possibilidades de enfrentamento, mesmo atuando em um espaço tido como terceiro
setor, o profissional lute e reforce o projeto ético político da profissão, o código de ética,
enfim.
Mediante a todo o contexto elencado no cenário atual político brasileiro, percebe-se
as contradições e desafios postos aos profissionais de Serviço Social no dia a dia do trabalho
profissional no Terceiro Setor. Espaço contraditório ao que se preconiza na Constituição
Federal de 1988, como dever do Estado de garantir e se responsabilizar pelos serviços
públicos.
Mesmo diante da omissão do Estado, passando para a sociedade civil e para o setor
privado a organização de tais serviços que deveriam ser públicos, não se deve cegar e abraçar
a causa como naturalidade. É nestes espaços que o profissional deve adentrar e lutar para que
o Estado se aproxime cada vez mais, para que assim o serviços possam haver maior
abrangência na sociedade e qualidade no que esta sendo ofertado. E mesmo que se consiga a
efetivação compromissada destes serviços para a sociedade civil, os assistentes sociais não
devem se alienar e assim buscar sempre a práxis profissional.

REFERENCIAS

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lucrativas. In: CFESS; ABEPSS. (Org.) Serviço Social: direitos sociais e competências
profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS/CEAD-UNB, 2009.

BRASIL. Lei nº13.019, de 31 de Julho de 2014. Estabelece o regime jurídico das parcerias
entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua
cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a
execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho
inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação;
187
define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com
organizações da sociedade civil; e altera as Leis nos 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de
23 de março de 1999. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 01 de agosto de
2014. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2014/lei/l13019.htm>. Acesso em: 08 de jun. 2017.

BEHRING, E. R.. Política Social no contexto da crise capitalista. In Serviço Social: Direitos
Sociais e Competências Profissionais. Brasília, CFESS, ABEPSS, 2009.

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Paz e Terra, 14 ed. 1987.

CFESS, Conselho Federal de Serviço Social; ABEPSS, Associação de Ensino e Pesquisa em


Serviço Social. Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais; MIOTO, Regina
Célia. Orientação e acompanhamento social a indivíduos, grupos e famílias. Brasília:
CFESS/ABEPSS, 2009.

DUARTE, J. L. N. Cotidiano profissional do assistente social: exigências profissionais,


identidade e autonomia relativa nas ONGs. Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 66
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LIMA, K. Contra-reforma na educação superior: de FHC a Lula. São Paulo: Xamã, 2.007.

MATTOS, B. N. O Serviço Social contracenando com a arte para desvelar a realidade.


2015. 184 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Estadual Paulista.
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - UNESP, Franca, 2015.

MONTAÑO, C. Terceiro Setor e Questão Social: crítica ao padrão emergente de


intervenção social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

SIMÕES, C. Teoria & Critica dos direitos sociais: o Estado social e o Estado democrático
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TEIXEIRA, F. J.S. et al. Neoliberalismo e reestruturação produtiva: as novas


determinações do mundo do trabalho. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1.998.

188
A ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NO ENFRENTAMENTO
DA QUESTÃO AMBIENTAL: REFLEXÕES SOBRE OS DESAFIOS E AS
POSSIBILIDADES À LUZ DA PROMOÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
CRÍTICA

Tatiana Ferreira dos Santos *


Isabelle Narduchi da Silva **
Helen Barbosa Raiz Engler***

Resumo: Diante dos reflexos da apropriação privada do homem, dos recursos naturais e do
esgotamento destes, juntamente com as contradições inerente ao capital, são demandadas
saídas para reparação e diminuição dos impactos causados pela exploração desordenada, que
repercutem diretamente no meio ambiente. Profissionais de diversas áreas dedicam-se
cotidianamente no enfrentamento da questão ambiental, dentre eles, o assistente social. Desta
forma, o presente escrito objetiva evidenciar as possibilidades de atuação profissional do
assistente social no enfrentamento da questão ambiental, no que se refere à promoção de
educação ambiental crítica, e os desafios inerentes ao cotidiano profissional que dificultam a
prática essencialmente crítica e transformadora interligada as bases do projeto ético político
profissional, bem como promover reflexões que possibilitem a superação dos desafios
inerentes a práticas de educação ambiental no cotidiano profissional do assistente social. Para
tanto, utilizou-se enquanto procedimentos metodológicos a pesquisa do tipo bibliográfica e
documental, em que foram analisados autores que dialogam sobre a perspectiva da atuação do
assistente social no enfrentamento da questão ambiental, e leituras que embasam reflexões
sobre o processo histórico e as relações sociais de produção. Assim, diante das considerações,
para que os(as) assistentes sociais atuem na perspectiva de reafirmar o projeto profissional, é
necessário intencionalidade na atuação no movimento da luta da classe trabalhadora,
formação permanente e principalmente, atuação crítica transformadora.

Palavras Chave: Meio Ambiente, Atuação Profissional, Capitalismo.

INTRODUÇÃO

O alastramento dos reflexos da apropriação privada do homem, dos recursos naturais e


do esgotamento destes, refletem em escala planetária, em paralelo à onda da cultura do
consumo exagerado e a obsolescência das mercadorias. Diante disso, ao tempo em que se
acompanha as contradições inerente ao capital, são demandadas saídas para reparação e
diminuição dos impactos causados pela exploração desordenada. Assim, profissionais de

*
Doutoranda em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Humanas e Socais – UNESP/Câmpus de Franca.
**
Mestranda em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Humanas e Socais – UNESP/Câmpus de Franca;
graduada em Direito pelo Centro Universitário Educacional de Barretos.
***
Livre Docente, Doutora, Mestre e Graduada em Serviço Social pela UNESP/câmpus de Franca Docente
Adjunto da UNESP/ Câmpus de Franca/SP. Pesquisadora/coordenadora de grupo registrado no Diretório de
Grupos de Pesquisa: Núcleo de Pesquisa ; Mentalidades e Trabalho: do local ao global. Coordenadora do
Comitê de Ética e Pesquisa-CEP.

189
diversas áreas dedicam-se cotidianamente no enfrentamento da questão ambiental, dentre eles,
o assistente social.
O arcabouço com base na teoria social marxista em conjunto com o projeto
profissional, subsidia criticamente a prática profissional do assistente social, possibilitando
uma leitura profunda da realidade e consequentemente uma atuação transformadora,
principalmente quando este profissional está inserido em uma equipe multidisciplinar e
atuando de maneira interdisciplinar.
Sendo assim, propagar valores, ideias sustentáveis, a luta coletiva contra as injustiças
ambientais e sociais, as práticas educativas ligadas à autorreflexão e emancipação humana não
é exclusividade de nenhum profissional, mas sim, responsabilidade de todos os sujeitos em
busca da construção de uma sociedade justa.
Nessa perspectiva, o presente escrito objetiva evidenciar as possibilidades de atuação
profissional do assistente social no enfrentamento da questão ambiental, no que se refere à
promoção de educação ambiental crítica, e os desafios inerentes ao cotidiano profissional que
dificultam a prática essencialmente crítica e transformadora interligada as bases do projeto
ético político profissional. O escrito objetiva também promover reflexões que possibilitem a
superação dos desafios inerentes a práticas de educação ambiental no cotidiano profissional
do assistente social.
Para tanto, utilizou-se enquanto procedimentos metodológicos a pesquisa do tipo
bibliográfica e documental, em que foram analisados autores que dialogam sobre a
perspectiva da atuação do assistente social no enfrentamento da questão ambiental, bem
como, leituras que embasam reflexões sobre o processo histórico e as relações sociais de
produção. O escrito justifica na necessidade de compartilhar reflexões sobre a atuação
profissional do assistente social em meio às contradições do capital sob a égide da questão
ambiental. Para tanto, é apresentado, de maneira breve, a contextualização da eclosão da
questão ambiental, as possibilidades de atuação profissional no enfrentamento da questão
ambiental, os desafios inseridos nesse enfretamento e por fim, perspectivas para a superação
dos desafios inseridos no cotidiano profissional com base no projeto ético político da
profissão.

190
Entre Incongruências e Meandros: Reflexões Sobre a Questão Ambiental

A capitalização e mercantilização da natureza, em meio a exploração e apropriação do


trabalho vivo, evidenciaram o sentido claro e lógico dos caminhos do sistema de produção
capitalista insustentável. Com o passar dos anos, com a disseminação do capitalismo mundial,
o consumo desenfreado, a desvalorização do trabalho vivo, lucros acentuados e as altas taxas
de juros tornar-se-iam parte das relações sociais que reproduziriam a lógica do capital,
impregnando-a na cultura, na moral e na educação de distintos povos e nações.
Neste sentido, Iamamoto (2014) afirma que,

[..] a natureza dá lugar ao espaço produzido. Verifica-se a regressão, degradação e


transgressão no nível das relações de família, de amizade, da vida social de grupos
parciais, do meio ambiente, assim como a produção de novas relações no âmbito de
segmentos sociais como a juventude, os idosos, as mulheres e os trabalhadores
(IAMAMOTO, 2014, p.50).

Portanto, para Iamamoto (2014), em meio ao sistema de produção capitalista, a


natureza cede espaço à produção, conjecturando na clara alteração das relações sociais e
socioambientais, interferindo nos antigos e novos arranjos familiares, intervindo nos diversos
seguimentos da sociedade e da natureza.
De acordo com Mészáros (2011),

[...] devemos ter em mente [...] as realizações problemáticas do sistema do capital de


uma estratégia autocontraditória que ingênua ou assustadoramente ignora as
exigências de um adequado “domínio do homem sobre suas condições de existência
orgânica e inorgânica” como a precondição necessária de um domínio humano
socialmente viável sobre as forças da natureza (MÉSZÁROS, 2011, p.609).

Para o autor, é necessário compreender que o modo de produção capitalista e as


implicações desta tem causado consequências eminentes que não devem ser ignoradas ou
isoladas ao âmbito ambiental ou social, mas em sua totalidade.
Na reprodução da vida social, o homem por meio do trabalho, constrói cultura, meios
de satisfazer suas necessidades e criar novas necessidades de forma individual, partindo do
ser, bem como de forma coletiva. Essa reprodução da vida social só é possível através da
natureza, onde o homem a transforma (por meio do trabalho) suprindo as necessidades.
Assim, por entremear em sua base a economia (e dentro dela o trabalho) como forma de
reproduzir e se desenvolver socialmente, que o homem constrói novos complexos de
categorias.
191
Conforme o homem constrói processos de sociabilidade no movimento de criação de
novas categorias, em um complexo que permeia o ser social, ele encontra nas forças
produtivas a forma de impulsionar o seu desenvolvimento e crescimento econômico. Vale
destacar que todo esse processo perpassa momentos e construções históricas. Então, é no
capitalismo que se perpetua as categorias do ser social dominante que estruturam a sociedade.
A naturalização da propriedade privada, da divisão social do trabalho, antagonismos de
classes, advieram de construções históricas que permeiam a totalidade social (ANDRADE,
2011).
Nessa dinâmica, permeada por crises e pela instauração do modo de produção
capitalistas, o homem produz e reproduz, transformando a natureza por meio de sua força de
trabalho, as relações inerentes ao modo capitalista de reproduzir.
Assim, em meio às contradições próprias do sistema capitalista de produzir, ao mesmo
tempo em que se demanda por saídas para os conflitos e desigualdades sociais e ambientais,
potencializa-se as produções e a devastação da natureza. Desta forma, o segmento voltado ao
desenvolvimento sustentável compõe a política de industrias e empresas que propõem
desenvolver medidas “verdes” para conquistar selos e aumentar a produção alimentando o
capital e potencializando as desigualdades e a apropriação privada dos recursos naturais.

O desenvolvimento das forças produtivas porta uma contradição fulcral: ao mesmo


tempo em que demonstra o imenso potencial de expansão dos horizontes do gênero
humano, o faz mediante a degradação das condições de vida de segmentos
majoritários da sociedade e da depilação dos bens naturais, colocando em risco a
reprodução da vida no planeta. (SILVA, 2013, p.23)

A partir do trabalho, utilizando-se da natureza, o homem desenvolve-se construindo


novas categorias, satisfazendo suas necessidades e compondo complexos sociais mais
heterogêneos. Para Andrade (2011), nessa dinâmica, a economia constitui um elo que permeia
todas as partes que compõe o ser social, sendo que o trabalho se insere nela. Por perpassar
todas as categorias que compõem o ser social, a economia se constitui em forma unitária e
dialética que compõe a necessidade de reprodução social, ou seja, a própria vida
(ANDRADE, 2011).
Para Layrargues (2006), essa concepção de questão ambiental subsidia a visão de
justiça distributiva, ou seja, não se prende às bases ecológicas apenas no sentido de questionar
isoladamente o problema do lixo, por exemplo. Essa concepção da questão ambiental se
detém na realidade, “tornando a gestão de conflitos socioambientais democrática e

192
participativa a maior bandeira de luta ecologista libertária e progressista” (p.82). Para o autor
supracitado, a categoria trabalho juntamente com a cultura, “compõem o diálogo material
entre o plano simbólico quanto aos determinantes da crise ambiental, rompendo assim a
perspectiva reducionista [...]” (LAYRARGUES, 2006, p.79).
Nesta dinâmica entre a apropriação privada da natureza e do homem, o trabalho
constitui mediação essencial, segundo as palavras de Silva (2010):

Afigura o trabalho uma mediação essencial desta relação, uma vez que, através
deste, o homem se apropria da natureza, submetendo-a, modificandoa, ao passo que
cria os meios para reprodução da vida e da sociedade. O trabalho constitui, assim,
dimensão fundamental da sociabilidade humana visto que possibilita uma “dupla
transformação”: à medida que intervém na natureza, transformando-a, o homem
transforma a si próprio (SILVA, 2010, p.54).

Assim, na dinâmica das relações sociais de produção, o homem se torna estranho a ele
mesmo e a natureza. Nesta relação, o ser humano se configura enquanto mercadoria (através
da sua força de trabalho) e visualiza os outros homens como tal, reproduzindo, em suas
relações sociais, a dinâmica do capital. Trabalhar para produzir mais, consumir mais,
descartar mais e ser descartado enquanto mercadoria. Nessa dinâmica, o homem se afasta da
sua própria natureza e se torna estranho a si próprio e aos outros homens.
As discussões sobre a questão ambiental e sua dimensão tiveram início das décadas de
1960 e 1970, apresentadas pelos movimentos ambientalistas. No Brasil, esses movimentos
tiveram expressão a partir da década de 1970 (ARAÚJO, 2004). A temática passou a ser
debatida através de conferências e encontros que já apresentavam grandes impactos
socioambientais em escala planetária. As conferências e reuniões entre países, organizações
não governamentais, entidades ambientais e sociais, pesquisadores e representações
comunitárias passaram a apresentar os impactos do desenvolvimento e crescimento
desordenado e as consequências que poderiam acarretar no futuro.
Em meio às discussões dos efeitos degradantes da natureza perante às transições do
modo capitalista de produzir, o fordismo e o keynesianismo, em 1973, já não conseguiam
mais conter a crise capitalista por apresentar, segundo Harvey (2014), rigidez diante da
concorrência e competitividade no mercado industrial. A grande resseção no ano supracitado
é um exemplo disso.
Com a expansão do mercado cultural, as linhas de consumo se expandem a outro
patamar. Neste período, de forma acrescida, o mercado da moda, da beleza, da estética, da
música e da arte ganham escopo de mercadoria passando a integrar os bens de consumo em
193
massa. Além do mercado cultural, com a expansão tecnológica e automotiva, aos moldes do
modo da acumulação flexível, esta tendência marcada por volta da década de 70 e 80 do
século passado, nos remete à teoria do fetiche da mercadoria pensada por Marx (2014).
Desta forma, em escala mundial, o consumo desenfreado e a produção em massa nos
permitem visualizar em que patamar de exploração e degradação ambiental iremos alçar com
a forma como nos relacionamos socialmente e ambientalmente.

As Possibilidades de Atuação Profissional no Enfrentamento da Questão Ambiental:


Reflexões Sobre a Promoção de Educação Ambiental Crítica

O arcabouço teórico e metodológico que ampara a atuação profissional do assistente


social permite compreender a questão ambiental interligada à dinâmica da vida social. Nesse
sentido, é pertinente destacar que o enfrentamento da questão ambiental não ocorre de
maneira isolada. Ao realizar a leitura da realidade, o profissional enxergara as contradições
inerentes ao modo de produzir socialmente em uma dimensão de totalidade, interligando as
expressões da questão social de forma articulada e a considerar a problemática da saúde, do
território, da educação, do saneamento básico, das relações familiares, por exemplo.
Desta forma, mesmo destacando a atuação do assistente social em duas perspectivas: a
gestão socioambiental e a educação ambiental, o enfrentamento da questão ambiental pode
ocorrer de forma articulada a outras expressões da questão social, por outros caminhos que
não necessariamente estejam diretamente destacados enquanto educação ambiental ou gestão
socioambiental.
No que se refere à gestão socioambiental, o profissional atua na elaboração,
planejamento e avaliação de políticas e projetos socioambientais. Segundo Nunes (2013) no
gerenciamento de projetos ambientais “destaca-se, ainda, a participação do assistente social
no âmbito de estudos de impacto ambiental (EIA), elaborados, principalmente, para efetuar
ações de remanejamento de população atingida por determinada obra” (NUNES, 2013,
p.205). Segundo a autora, o profissional pode atuar nos conflitos gerados pela construção de
obras que ocasionam em grandes impactos ambientais, cabendo aos profissionais de Serviço
Social a garantia dos direitos sociais.
O espaço para atuação na gestão socioambiental é bastante extenso. Organizações não
governamentais vêm executando programas e projetos para grandes empresas receberem
certificações para extração de recursos naturais. Nesse espaço, o assistente social também é
chamado para desenvolver projetos de mitigação em comunidades próximas a unidades
194
operacionais de industrias. Junto à uma equipe multidisciplinar, o profissional desenvolve
ações que visam garantir os direitos da população residente da indústria, bem como garantir a
certificação para continuidade da extração dos recursos naturais.
No que se refere à educação ambiental, conforme Araújo (2003), na educação
ambiental crítica as relações sociais, ambientais e a questão social são consideradas em sua
totalidade, cuja uma das vias para o enfrentamento da questão ambiental advém da prática
educativa sob um viés emancipatório. Nesta vertente, ao visualizar a questão ambiental, os
sujeitos são convidados a mergulhar na essência da questão através de reflexões críticas
baseadas na história e em uma conjuntura política, social, econômica e cultural, evitando,
assim subjugações ingênuas e, consequentemente, aguçando o olhar crítico sobre a realidade.
Corroborando com Loureiro (2006), sob uma perspectiva da educação ambiental
crítica/emancipatória, está se configura não como única ou exclusiva forma para superação da
questão ambiental eminente na sociedade moderna, mas a junção de caminhos para sua
superação. Através da imersão ao orbe acobertado por um sistema produtivo alienador, o
pensamento crítico configura-se uma das formas para superar e adentrar na essência da
questão, permitindo-nos enxergar a sua história em sua totalidade, compreendendo novas
formas para se pensar uma sociedade com equidade social e justiça ambiental.
Segundo Loureiro (2012), a educação ambiental crítica-transformadora segue as
seguintes premissas básicas:

 o pressuposto de que a natureza é uma unidade complexa e a vida o seu processo


de auto-organização. Nada há fora desta e suas estruturas são definias em seu
próprio movimento espaço-temporal;
 a certeza de que somos seres naturais, com especificidades que nos distinguem,
mas não nos separam da natureza e de que redefinimos nosso modelo de existir na
natureza pela própria dinâmica das relações sociais na história;
 o entendimento de que somos seres sociais que se fundam pela atividade humana
no mundo, tendo o trabalho como momento determinante;
 a definição de educação como práxis e processo dialógico, crítico, problematizador
e transformador das condições objetivas e subjetivas que constituem a realidade;
 a finalidade de buscar a transformação social, o que engloba indivíduos, grupos e
classes em novas estruturas institucionais, como base para a construção de distintos
modos de se viver na natureza. (LOUREIRO 2012, p.38 e 39).

Para Guimarães (2007), a educação ambiental é um “[...] processo educativo voltado


para a participação de seus atores [...] na construção de um novo paradigma que contemple as
aspirações populares de melhor qualidade de vida socioeconômica e um mundo
ambientalmente sadio. ” (GUIMARÃES, 2007, p.14).

195
O pensamento crítico vem dando suporte nos últimos anos para promoção da
Educação crítica, principalmente no que se refere à emancipação e liberdade dos sujeitos.
Essa perspectiva de pensamento propõe-se a adentrar nas contradições e conflitos existentes
nas relações sociais de produção, refletir sobre elas e contestá-las através da emancipação e
libertação dos sujeitos autocríticos e autoconscientes. Não é diferente na educação ambiental,
que antes de ser educação ambiental é, sobretudo, Educação.
A consciência histórica é de fundamental importância para o pensamento crítico, ao
ponto em que se torna “objeto de análise do presente que tinha o objetivo de iluminar as
possibilidades revolucionárias que existiam em uma dada sociedade. ” (GIROUX, 1986,
p.56).

A teoria crítica dirige a educação para um modo de análise que enfatiza as rupturas,
descontinuidades e tensões na história, todas as quais se tornam valiosas na medida
em que enfatizam o papel central da ação humana, ao mesmo tempo que revelariam
o hiato existente entre a sociedade atual e a sociedade como poderia ser. (GIROUX,
1986, p.57).

Nesse sentido, para o autor a teoria crítica fornece à educação bases que se focalizam
nas tensões históricas, valorizando-as ao ponto em que se propõem, com centralidade na ação
humana para a transformação da sociedade.
Nessa seara, a educação ambiental, posta ao profissional de serviço social, perpassa
por uma educação ambiental interligada com o compromisso social na medida em que a
relaciona e a entremeia com as relações sociais (LAYRARGUES, 2009). Essa relação
indissociável permite ao profissional visualizar a educação ambiental como forma de
enfrentamento de conflitos socioambientais capaz de promover uma transformação social que
visa a justiça socioambiental e acesso a direitos socialmente justos aos sujeitos.
Partindo do código de Ética da profissão, o(a) assistente social atua também no
atendimento emergencial em casos de catástrofes ambientais, na sensibilização com os
usuários em diversos contextos, seja na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis,
seja no manejo adequado de caramujos africanos, dentre práticas pedagógicas
sensibilizadoras, às práticas pedagógicas que permeiam uma dimensão política.
Alguns desses exemplos de abordagens envolvem a área ambiental e necessitam um
entendimento crítico reflexivo ao abarcar um contexto histórico, econômico e político
inerente aos usuários e ao ambiente em que ele vive; mesmo quando se trata da área da
assistência social, saúde, habitação ou jurídica, para atuar no enfrentamento da questão

196
ambiental, independe de espaço sócio ocupacional, a questão ambiental perpassa todas as
estruturas sociais.

Os Desafios Inseridos na Prática Profissinal do Assistente Social no Enfrentamento da


Questão Ambiental

A visão compartimentalizada do conhecimento ainda é comum em diversas profissões,


assim como a formação apoiada na fragmentação do saber. Este paradigma do conhecimento
muito se difere da formação crítica que considera a totalidade inerente às relações sociais de
produção. O pensar compartimentalizado, ou pensar em partes, exime a dimensão global que
constrói as relações sociais e toda a “teia” que compõe essas relações.
No entanto, a fragmentação do saber vem de um contexto histórico que se enraizou na
sociedade principalmente no surto industrial, quando várias profissões foram criadas e a
necessidade de novas especializações subdividiram as áreas do conhecimento sob influência
da corrente positivista. Desta forma, o quebra-cabeça do conhecimento em que cada peça
significa uma especialização do saber não permite enxergar a realidade em sua totalidade.
Esta linha de fragmentação do saber fundiu-se à cultura da compartimentalização presente nos
currículos escolares com as estruturas curriculares organizadas em disciplinas que, muitas
vezes, não dialogam com a realidade, formando o aluno reprodutor do saber fragmentado
(OSWALDO, 2011).
Apesar da eminente expansão da questão ambiental de forma planetária oriunda das
contradições do modo de produzir capital, ainda é comum práticas conservacionistas,
preservacionistas que tendem a atribuir a culpa aos sujeitos pelos grandes impactos
ambientais na sociedade. Esse é um dos desafios postos à nossa profissão. Driblar práticas
conservadoras que desconsideram a realidade.
Sobre as tendências elencadas acima, Araújo (2003) explica sobre a visão
preservacionista que norteia a preservação do ambiente, desconsiderando aspectos sociais que
permeiam a vida humana, nesta visão é comum condicionar a culpa pela degradação
ambiental única e exclusivamente ao homem. Na tendência conservacionista já é possível
considerar timidamente as relações sociais e a questão ambiental em sua essência, porém,
apesar de ser em uma pequena dosagem, essa vertente advém do pensamento antropocêntrico,
cuja tendência apresenta indícios ecológico-naturalistas. Ou seja, defende que o problema da
sociedade são os próprios homens (ARAÚJO, 2003).
197
Segundo Freire (1979) nenhuma educação é neutra e todo ato de educar é político. Se
o (a) assistente social, fundamentado na tradição marxista, conduz o usuário a preservar,
como também conduz à reflexão crítica das contradições e conflitos ambientais, orientando o
cidadão no sentido de mobilização e reflexão, coletivamente, na resolução de problemas e
situações em que a própria comunidade pode contribuir em ações concretas, há grandes
chances da atuação do profissional ser crítica. Porém, caso a condução seja preservar no
intuito de promover lugares de “natureza intocada”, exaurindo a participação humana na
complexa teia de relações sociais e ambientais, tratando a natureza como parte distante do
homem, então, esta ação será preservacionista e conservacionista.
Nesse sentido, Segundo Silva (2010, p.151), um dos maiores desafios para o serviço
social contemporâneo é “desvelar a natureza teórica e política das propostas de educação
ambiental nas quais a profissão é convocada a intervir.”. Segundo a autora, ainda faltam
aproximações necessárias que estreitem o entendimento de que a questão ambiental e a
questão social estão interligadas e para o enfrentamento destes é necessária uma abordagem
profissional crítica que compreenda a totalidade complexa das relações socioambientais.

Algumas Considerações

A compreensão da questão ambiental enquanto desafio para a superação de injustiças


sociais, garantia e defesa de direitos e conquistas, somados durante anos de luta dos
trabalhadores, precisa estar claramente difundida na profissão. Longe de armadilhas que
levam à departamentalização do saber, conduzindo a atribuição de atuar na questão ambiental
à profissionais especializados em ciências naturais. Esta responsabilidade também é nossa, a
garantia de direitos consubstanciadas nas políticas sociais também percorrem à área ambiental
e nos compete intervir onde os direitos forem violados ou ameaçados.
A prática pedagógica incumbida na atuação profissional do(a) assistente social na
defesa da equidade, justiça social e emancipação dos sujeitos contempla os princípios
fundamentais do código de ética profissional, envolvendo o projeto ético-político da
profissão, na luta pela mudança societária.
Assim, para que os(as) assistentes sociais atuem na perspectiva de reafirmar o projeto
profissional, é necessário intencionalidade na atuação no movimento da luta da classe
trabalhadora, formação permanente e principalmente, atuação crítica transformadora,
respeitando o saber dos sujeitos envolvidos, colaborando para a construção de processos
198
emancipatórios em que os sujeitos sejam autores de suas próprias histórias e compreendam de
forma crítica a realidade, a fim de motivá-los a também transformá-las, no sentido da
construção de uma nova sociabilidade.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, M.I.O.; BIZZO, N. O discurso da sustentabilidade, educação ambiental e a


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200
A DIMENSÃO EDUCATIVA NO TRABALHO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE
SOCIAL NA VERTENTE DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL: EXPERIÊNCIA JUNTO A
UMA ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL DA CIDADE DE BARRETOS-SP.

Antonio Inácio da Silva*


Camila Barbosa Vieira**
Maria José de Oliveira Lima***

Resumo: A dimensão educativa do trabalho profissional do assistente social tem importante


papel no contexto social, haja vista que a individualização tem tornado o cidadão uma pessoa
distante dos seus semelhantes, ora vivendo para o trabalho, ora vivendo seus próprios
interesses. Os idosos representam uma fração expressiva da sociedade no século XXI, um
público que tem sofrido pela dificuldade ao acesso a direitos e até mesmo em se reconhecer
como cidadão. Assim, vale destacar a importância de ações socioeducativas junto aos idosos
de uma Organização não Governamental (ONG) na cidade de Barretos. Por ser uma educação
informal a EA mostra-se pertinente a ser trabalhada com os mais diversos públicos podendo
ser utilizada em todas as etapas da vida do cidadão.

Palavras-chave: Trabalho Profissional; Serviço Social; Dimensão Educativa.

Introdução

A sociedade do século XXI regida pelo contexto capitalista tem demonstrado que
isolamento e dilapidação de direitos socialmente e historicamente conquistados estarão
presentes por muito tempo nesta nação. Desta forma, as expressões da questão social tem
atingido toda a sociedade das mais diversas maneiras, violência, desemprego, dificuldade de
acesso aos direitos, isolamento, relações sociais e ambientais mais flageladas e impactadas
pelo sistema.
A presente pesquisa teve a intenção de compreender o trabalho socioeducativo do
profissional assistente social junto a uma Organização não Governamental (ONG) na cidade
de Barretos, o público escolhido foram idosos por se tratar de uma parcela que sofre os
rebatimentos dessa sociedade capitalista em seu cotidiano de vida de forma mais aguçada e

*
Assistente Social, Graduado em Serviço Social pelo Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos
– UNIFEB (2012), Pós-Graduado em Gestão de Saúde Pública pelo Instituto Educacional ALFA e Mestrando
em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista – UNESP/Câmpus de Franca e Membro do GESTA.
**
Assistente Social, Graduada em Serviço Social pelo Centro Universitário da Fundação Educacional de
Barretos – UNIFEB (2012), Pós-Graduada em Educação em e para Direitos Humanos pela Universidade de
Brasília – UNB e Mestranda em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista – UNESP/Câmpus de
Franca. e Membro integrante do GESTA.
***
Graduada, Mestre e Doutora em Serviço Social, Docente do Departamento de Serviço Social da
UNESP/Câmpus de Franca-SP, Líder do GESTA.
201
perversa. Assim espera-se contribuir com este importante público que mesmo tendo barreiras
que os afastam de seus direitos, haja vista o atual contexto político e econômico, se mantém
ativos buscando seu direito de participação e cidadania em espaços de efetivação de direitos,
como é o caso da ONG.

Objetivo Geral

Compreender a dimensão educativa do trabalho profissional do assistente social com


o viés de educação ambiental junto aos idosos atendidos por uma organização da sociedade
civil da cidade de Barretos-SP.

Metodologia

A metodologia científica, segundo Barros e Lehfeld (2007), nada mais é do que o


caminho do estudo, ou seja, um conjunto de métodos que possibilitam maneiras de encontrar
soluções nesse caminhar para o conhecimento da realidade.
Foi desenvolvido um levantamento teórico necessário à fundamentação e
desenvolvimento deste trabalho. Foi assim, realizada uma pesquisa interventiva, em que
foram registradas todas as ações desenvolvidas em diário de campo e analisadas com base na
análise de conteúdo e leitura a partir do proposto nos objetivos inicias.
A proposta de estudo adotou uma abordagem qualitativa que, segundo Minayo
(2004), lida com questões particulares da pesquisa, trabalha com a realidade, aspecto que não
pode ser palpável ou contado, e sim significados, crenças e valores.
A pesquisa adotou o método pesquisa-ação, e buscou além de analisar a realidade
posta de forma qualitativa, mas também intervir e contribuir com a realidade, como Barbier
(2002, p. 54) contribui ao relatar que “O pesquisador não provoca, mas constata-o, e seu papel
consiste em ajudar a coletividade a determinar todos os detalhes mais cruciais ligados ao
problema, por uma tomada de consciência dos atores do problema numa ação coletiva”.
Considera-se que pesquisar a dimensão educativa do trabalho profissional do
assistente social nesta perspectiva interventiva possibilitou ao pesquisador dados efetivos que
contribuíram para melhor compreensão do objetivo proposto inicialmente. Compreendendo a
importância da pesquisa interventiva para as pesquisas sociais com abordagem qualitativa,
recorremos às contribuições de Thiollent (1947, p. 39) que aponta que, “A relação entre

202
conhecimento e ação está no centro da problemática metodológica da pesquisa social voltada
para a ação coletiva”.

O Serviço Social e a Dimensão Educativa com Viés da Educação Ambiental

A origem da profissão de Serviço Social está intimamente vinculada à caridade, seu


surgimento se deu no seio da igreja com práticas caritativas e educativas Em se tratando de
Brasil, o Serviço Social começa a surgir nos primeiros anos da década de 1930, iniciado por
“setores da burguesia, fortemente respaldados pela Igreja Católica tendo como referencial o
Serviço Social europeu”. (MARTINELLI, 2011, p. 122).
Após 80 anos de lutas e profundas transformações a profissão assume o
compromisso com a classe trabalhadora, e se empenha na erradicação de todas as formas de
preconceito, prova deste importante momento histórico na profissão foi o Código de Ética do
profissional que o orienta no seu cotidiano profissional dando norte às suas ações, e ainda
assim passa por constante revisões, visando estar em sintonia com uma sociedade que é alvo
das expressões da questão social. Outro importante instrumento é o projeto ético-político:

A dimensão política do projeto é claramente enunciada: ele se posiciona a favor da


equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e a
serviços relativos às políticas e programas sociais; a ampliação e a consolidação da
cidadania são explicitamente postas como garantia dos direitos civis, políticos e
sociais das classes trabalhadoras. Correspondentemente, o projeto se declara
radicalmente democrático – considerada a democratização como socialização [...].
(NETTO, 1999, p. 16).

A certeza de que o modo de vida capitalista exige pauperização e exércitos reservas


numa sociedade gigante, traz o importante desafio de se re-pensar a profissão. Como elaborar
estratégias para o enfrentamento de um sistema tão presente mundialmente, que apesar de
fazer o consumo se tornar explosivo, consegue manter milhões à margem da sociedade, e
quem consegue se manter no mundo do consumo, acaba se tornando um ser isolado,
consciente apenas de seu pequeno mundo. Os direitos existem para toda a sociedade, e não
apenas a um pequeno grupo, assim:

A luta do Serviço Social por direitos, trabalho e socialização da riqueza no Brasil é


uma luta contra a “economia política da iniqüidade” e constitui uma mediação
importante na luta histórica pela emancipação humana, pois os direitos, na
sociabilidade capitalista, se inserem em um processo complexo e contraditório [...].
Lutar por Direitos, Romper com a Desigualdade, queremos provocar reflexão e

203
indignação com a barbárie que se reproduz cotidianamente em nosso país, e
mobilizar a sociedade para defender. (CFESS, 2009, p. 2).

A necessidade da aproximação com a parcela menos favorecida da sociedade é uma


ação que deve ser realizado com o máximo de dedicação, pois muitos serviços oferecidos
atualmente, seja na área da Assistência, Saúde ou até mesmo na Educação trazem condições
para usufruí-los, em muitos casos miserabilidade absoluta. Ou ainda, a invasão da vida
pessoal do usuário dos serviços em que muitos casos podem causar constrangimentos ao
indivíduo, assim sendo, a capacidade de trabalhar a dimensão educativa em suas ações o
qualificam em sua tarefa de dialogar com usuário dos serviços, pois a:

[...] função pedagógica do assistente social em suas diversidades é determinada


pelos vínculos que a profissão estabelece com as classes sociais e se materializa,
fundamentalmente, por meio dos efeitos da ação profissional na maneira de pensar
e de agir dos sujeitos envolvidos nos processos da prática. (ABREU, 2011, p. 17).

Vale ressaltar que essa importante estratégia profissional permite não somente
ensinar, mas também aprender. O contato com pessoas em diversas situações de vida muitas
vezes permite aprender deixando o ato educativo em segundo plano. Esse importante
momento de aprendizado soma para ambos, pois permite ao usuário a liberdade de contar e
explanar suas experiências de vida, esse fato acaba por contribuir na ação educativa
demonstrado que uma pedagogia de ensino eficiente deve ser que:

[...] proponha uma pedagogia crítico-dialógica, uma pedagogia da pergunta [...]


qual se destaca apreensão crítica do conhecimento significativo por meio da relação
dialógica. [...] que estimula [...] perguntar, a criticar, a criar, onde se propõe a
construção do conhecimento coletivo, articulando o saber popular e o saber crítico,
científico, mediados pelas experiências do mundo. (FREIRE, 2005, p. 83).

Afinal, esse importante momento de ensinar e aprender, acaba por tornar todos
educando e educadores, essa rica experiência só é bem sucedida quando torna possível a
comunicação, ou melhor dizendo, a participação de todos. E, por se tratar de uma organização
que busca atender aos interesses da sociedade substituindo de certa forma o Estado, realizar a
atividade permitindo ao usuário o máximo de liberdade em suas falas é certeza de trabalho
concreto, pois o esforço para tornar o sujeito protagonista de suas muitas histórias tem
encontrado caminho.
Entre tantas atribuições e desafios, o profissional de Serviço Social encontra na
educação ambiental (EA) ferramenta de suma importância para fortalecer sua intervenção
204
profissional. A EA é regulamentada pela lei 9795/99, entre tantas legislações ambientais à
disposição da sociedade brasileira, todas com sua devida importância, representa a que mais
alternativas oferecem para ser desenvolvida através do trabalho educativo, seja por ser um
componente essencial “[...] devendo estar presente [...] em todos os níveis e modalidades do
processo educativo [...]” (BRASIL, 1999). Assim sendo, é preciso despertar a ética ambiental,
torná-la presente no cotidiano de todo cidadão, pois:

A ética ambiental analisa nossos deveres morais diante dessas questões: quais os
direitos e obrigações que temos quanto ao meio ambiente, e os temos por quê?
Parece que temos obrigações de cuidado ambiental derivadas do respeito aos que,
como nós, vivem hoje, aos que viverão no futuro e, também, as entidades do próprio
ambiente. (AZEVEDO, 2010, p. 2).

Diante esta importante definição sobre ética é possível verificar que uma ferramenta
que permite trabalhar a ética e com um público que pode colaborar imensamente nesta
caminhada torna a escolha da educação ambiental componente assertivo do processo de
trabalho do assistente social, pois a aquisição de saberes pelos assistentes sociais com o
campo da educação ambiental não é somente bem-vinda como também é necessária
permanente.
Por ser uma profissão que luta por melhor qualidade de vida, principalmente ao que
se refere ao cotidiano do cidadão, saúde, educação, lazer, habitação e etc. É necessário pensar
um ambiente sadio, e o acesso a essa forma de qualidade de vida deve ser acessada por toda a
sociedade. Dessa forma, é importante compreender que quando um profissional crítico como
o assistente social assume o trabalho com a EA esta pode ser entendida com dupla função.

Neste caso, trata-se de localizar a ação pedagógica no interior das múltiplas


dimensões que compõem a temática do meio ambiente – dimensão econômica,
social, geopolítica, cultural e ecológica – questionando os pilares da organização da
sociedade capitalista e sua natureza predatória do meio ambiente. Nestes termos, a
educação ambiental tem como objetivo a formação de uma consciência crítica, do
ponto de vista ambiental, posto que seja capaz de, criticamente, compreender a
desigualdade social, a padronização cultural e o fetichismo da política como
dimensões de uma mesma totalidade complexa. (SILVA, 2011, p. 138-139).

A capacidade transformadora da EA representa peça fundamental para o


enfrentamento das mazelas impostas pelo capitalismo, seja por ser uma educação que une que
desenvolve vários aspectos da cidadania, a ética e a preocupação com meio ambiente, local o
qual fazemos parte dele não podemos ser separados, devendo portanto, preservá-lo e torná-lo
possível para as gerações futuras.
205
A Dimensão Educativa do Trabalho Profissional do Assistente Social na Vertente de
Educação Ambiental: Experiências Em uma Organização Não Governamental Da
Cidade De Barretos-SP

Compreende-se, apoiados em uma perspectiva crítica, que o sistema societário, já


inserido em seu estágio de desenvolvimento de sociedade para o consumo, tem flagelado
ainda mais as condições da vida humana em todas suas dimensões, seja ela social, econômica,
saúde e também o meio ambiente.
Estabeleceu-se com esta pesquisa o objetivo de desenvolver ações de caráter
educativo, crítico, fundamentados pela Educação Ambiental, visando o fortalecimento e
fomento do exercício da cidadania, bem como estímulo da reflexão crítica sobre a importância
da preservação do meio ambiente.
O universo da pesquisa-ação foi uma Instituição não Governamental da cidade de
Barretos-SP que tem suas ações interventivas no âmbito da Política de Assistência Social,
através da Proteção Social Básica, por meio do Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos.
A amostra para a execução da pesquisa-ação foi o os idosos da Oficina de Artesanato
Socioambiental. A escolha foi estratégica e com fins de garantir a extensão deste trabalho a
demais indivíduos, com intento deste público de pessoas idosas serem multiplicadores desta
ideia crítica, uma vez que a pessoa idosa, dentro deste cenário conjuntural, cada vez mais vem
representando papeis educativos em seu círculo de convivência.
Este cidadão tem assumido na contemporaneidade a responsabilidade e a função de
educar membros familiares, netos, filhos mais jovens, sendo assim o sujeito indicado para
construir novos caminhos e propagar uma nova trajetória de vida consciente ao meio ambiente
e a vida humana.
As reflexões que se seguem identificam os sujeitos envolvidos como “beneficiário”
para facilitar a apresentação e analise da pesquisa-ação desenvolvida. A pesquisa foi realizada
com 15 beneficiários, dentre elas 13 pessoas do sexo feminino e 2 pessoas do sexo masculino,
dentre elas, pessoas de 60 a 83 anos. Em relação à alfabetização e ensino, 1 beneficiária não
possui leitura e escrita, os demais 90% tem o ensino fundamental apenas. O grupo apresenta
diversidade de etnia, sendo 40% negros, 30% pardos e 30% brancos.

206
A questão do gênero é algo a ser pontuado, uma vez que a demanda majoritária pela
atividade de artesanato na Instituição tem sido de pessoas do gênero feminino. A amostragem
foi contemplada por todos os idosos participantes nesta atividade.
Foram realizados, quatro encontros de Educação Ambiental com enfoque dos
Direitos Humanos, Cidadania e Participação Ativa no decorrer do mês, vinculados à oficina
de Artesanato Socioambiental. Foi exposto ao grupo selecionado para amostra que seria
seguida uma programação que daria subsidio a uma pesquisa (pesquisa-ação) e todos se
posicionaram favoravelmente ao planejamento apresentado para o decorrer da pesquisa
Nesta perspectiva foram elencados quatro (4) textos para trabalhar de forma
dinâmica com o grupo, desenvolvendo educação não-formal em direitos humanos na temática
da Educação Ambiental. O material sócio-pedagógico oportunizou fomentar e estimular o
desenvolvimento participativo do grupo.
No primeiro momento foi realizada a acolhida dos participantes sobre a concepção
individual sobre a relevância do Artesanato Social?

 Por que aprendemos à fazer coisas novas sem gastar muito, utilizamos
produtos que seriam jogados fora, e não teriam mais utilidade. (Beneficiária 1).

 É importante, pois além de aprender algo, contribuir com a minha vida, no


aspecto de conhecimento e até de renda, eu em pequena escala contribuo com a
comunidade na questão de diminuir o lixo jogado ao meio ambiente. (Beneficiário
2).

A partir do que foi exposto pelos participantes foi realizado a pergunta, por que seria
importante a oficina trabalhar na perspectiva de reutilizar e reaproveitar produtos em vez de
fazer coisas novas?

 Depois que comecei a participar desta atividade, comecei a desenvolver um


novo olhar para os produtos que antes olhava somente como lixo. Hoje olho e já os
visualizo restaurados. (Beneficiária 5).

 Percebi que cada um pode colaborar com o meio ambiente de forma criativa,
depois que conheci a professora de artesanato, e conheci todo esse contexto,
comecei a mudar até meu posicionamento em casa. (Beneficiária 11).

Na sequência reflexiva, foi perguntado aos participantes: além dos aspectos já


elencados, entendendo a atual situação que se vivencia, quando se fala de meio ambiente, o
que se entende?.

207
Alguns participantes elencaram que meio ambiente é natureza, outros disseram que
meio ambiente é todo ambiente existente na natureza, na cidade etc. outros citaram o exemplo
da problemática da água com a relação do homem frente à degradação deste “meio”
ambiental.
Foi realizado um debate crítico reflexivo e relacionado às atividades desempenhadas
na oficina como uma das possíveis ações para alcançar uma cidadania ecológica consciente.
Falou-se sobre o consumo, o grupo chegou à conclusão de que consumir é inevitável, mas que
cada um pode se reeducar perante a este consumo e o descarte dos produtos consumidos.
Para complementar o socioeducativo foi utilizado como material sócio-pedagógico o
texto “Construindo a Paz Ecológica” (Mauri Luiz Heerdt). Foi feita a leitura do material em
grupo e discutido os aspectos apontados no texto, depois do debate todos chegaram a uma
mesma conclusão, do grupo caminhar neste período com metas para mudança de
comportamento. Ficando pactuado neste primeiro encontro que eles iriam começar por eles
(em casa), sendo estipulada como meta grupal a consciência no consumo e em passar para os
netos a importância dos aspectos discutidos neste encontro, levarão o texto para fortalecer a
reflexão em casa, assim partilharão no próximo encontro.
O segundo encontro foi iniciado com a partilha da meta coletiva estipulada na
semana anterior.

 Li o texto em casa com meus netinhos de 7 e 8 anos, foi muito importante até
para a cooperação semanal, pois eles compreenderam a partir do nosso momento de
conversa a importância de economizar água por exemplo, pois é um bem que temos
e que ele já está sendo ameaçado. (Beneficiária 5).

 Eu já pedi a colaboração dos meus netos e filhos, na reunião do almoço de


domingo, cortei os pedaços do texto, numerei a sequência e pedi para todos lerem
para mim. Depois disso foi muito rico, pois meus netos que são adolescentes
contribuíram muito sobre a temática e os netos que são crianças (6 e 7 anos) ficaram
empolgados e todos sensibilizados com a temática, estou cumprindo minha meta, eu
e minha família. (Beneficiária 9).

Na sequência foi feita a proposta de leitura grupal de um novo material para discutir
sobre a temática, onde utilizou-se do texto “Educação Ambiental” (Mauri L Jeerdt; Paulo De
Coppi). Após a leitura grupal do material, foi colocado para os participantes expor os aspectos
que mais acharam importante na leitura.

 Acredito que é importante essas ações de educação ambiental em todos os


espaços, pois igual aqui, está fazendo com que nós refletimos com aspectos que as
vezes não estaríamos atentados mais. (Beneficiária 3).

208
 Pra mim foi importante aprender que meio ambiente não é só áreas verdes, ar,
água. Meio Ambiente, como coloca o texto “ecologia implica numa sociedade mais
justa, onde haja: habitação sadia e digna, melhores condições de trabalho, água de
qualidade, alimentos saudáveis...” isso faz imaginar ainda mais a importância de
todos fazer sua parte. (Beneficiária 8).

Conforme parte do texto “Começar em Casa [...] Educação Ambiental começa em


casa, na rua, na praça, no bairro... Só a partir disso, é possível integrar uma luta para a solução
dos grandes problemas ecológicos do planeta.
Sendo assim o grupo utilizou dos tópicos ABC do Meio Ambiente e as perguntas
finais do Para Refletir. Ficando para o grupo as metas semanais, o repasse do material em
casa e a segunda entendendo que a Educação Ambiental - EA começa em casa e as perguntas
para refletir, pensar em casa quais são os problemas ecológicos onde cada um reside?
No terceiro encontro também se iniciou com a partilha das metas estipuladas no
encontro anterior. Este momento inicial foi muito rico, pois todos partilharam sobre
problemáticas ambientais que identificam no bairro, onde apontaram que existe um grande
agravante de aspecto ambiental no território, sendo a existência do maior distrito industrial da
cidade localizado anexo ao bairro.

 Além de alto descarte de lixo nesta região da cidade potencializado pelo


Distrito Industrial temo agravante da poluição do ar pelas indústrias. Nossa cidade já
está inserida em uma região de muito corte de cana e a polução das empresas
internas, faz com que as crianças cresçam com fortes complicações respiratórias.
(Beneficiária 3).

 Nosso bairro é um bairro muito grande, com muita gente morando, isso gera
muito lixo, vejo em praças muitos entulhos, caçambas, moveis etc. e esses lixos ali
permanecem, pois a coleta não leva. Gera poluição, doenças, como é o caso da
dengue, além de atrair bichos que transmitem doenças. (Beneficiária 8).

O grupo conversou muito sobre a temática do lixo e da poluição, pensou-se o que


poderia ser feito para trabalhar juntamente com as duas temáticas junto a empresas e foi
separada assim três grupos de cinco (5) pessoas para buscar, dentre as empresas do Distrito
Industrial ou do território parcerias, ficando de trazer no próximo encontro o que foi
conseguido.
Em consonância até com o que foi exposto pelos Beneficiários, foi preparado um
material sócio-pedagógico para dar sequência no assunto levantado, o “Lixo”.

209
Foi feita uma leitura grupal para continuar a programação de educação ambiental
para pensar mais amplo no assunto “Lixo”, utilizando do texto “O que estamos fazendo com o
lixo doméstico?” (BRANCO, 2010).
Dentro da perspectiva debatida com o texto, acordaram levantar os parceiros, e
deram a ideia de cada um trazer no próximo encontro um neto ou pessoa próxima (criança e
adolescente) para fecharmos a programação da intervenção em Educação Ambiental.
No quarto e último encontro para subsidiar a pesquisa, foi iniciado com a abordagem
das metas do último encontro:

A). Levar para este encontro um neto ou outra criança e/ou adolescente, todos os 15 presentes
levaram netos, dentre eles crianças e adolescentes.

B). Levantar parceiros no território para desenvolver ações junto aos projetos da Instituição,
um grupo levantou um parceiro:
1. Loja de Produtos Herbalaife (Doação dos Potes Plásticos mensalmente para
desenvolver produtos na Oficina de Artesanato Socioambiental);
2. Empresa de Embalagens plástica: Doação de Brinquedos e Livros para a
Comemoração do Dia das Crianças na Instituição;
3. Empresa de Insumos Agrícolas, colaborar com a orientação para a construção da
Horta Orgânica que será realizada por intermédio dos beneficiários de Penas e Medidas
Alternativas.

C). Sobre as perguntas do material sócio-pedagógico da semana passada, as respostas


apresentadas:

1. O que mais as pessoas jogam fora?


Alimentos, Latas, Garrafas, Plásticos, Papéis, Fezes de Animais, Folhas de Alvores.

2. Poderiam ser reciclados ou reaproveitados?


Garrafas, Plásticos, Papéis, Folhas de Arvores e Plantas, Latas.

3. O lixo está sendo bem acondicionado nos sacos?


Nem sempre, a maioria das pessoas mistura todo o lixo.
210
Em função das respostas apresentadas foi iniciado um debate reflexivo entre o grupo
e foi gerada uma inquietação no grupo, que colocaram querem futuramente fazer uma
campanha educativa sobre o lixo no bairro.
Em sequência, foi realizado um meio círculo intercalando as pessoas entre Criança
X Adolescente e idosos, na sequência realizada a leitura grupal do material sócio-pedagógico,
o texto “De onde vem o lixo?” (BRANCO, 2010).
Em seguida para complementar o proposto para reflexão e Dinâmica foi transmitido
um vídeo sobre educação ambiental em relação ao lixo, material disponível no sitio eletrônico
Youtube.
Foi realizado a dinâmica e fechado o proposto pelo planejamento interventivo em
EA, na perspectiva de ir além, de interagir idosos com crianças e adolescentes. Foi muito rica
essa troca de saberes entre as gerações.
Estes encontros foram de reflexões intensas e se pode perceber que os participantes
se envolveram muito com a proposta, modificaram aspectos de seus comportamentos que
contribuíam para o não desenvolvimento sustentável do meio ambiente e ainda atingir o
objetivo inicial, quando se procurava contagiar membros familiares, fazer destes Beneficiários
(idosos) multiplicadores dos princípios de uma cidadania mais ecológica, isso fica evidente no
relato deles sobre o quanto modificaram sua visão sobre o meio ambiente e a importância em
preservá-lo.

Considerações Finais

O trabalho socioeducativo, presente na profissão desde a sua origem, sofreu


importantes mudanças que deixaram a marca de um profissional qualificado, pois renega a
caridade para enxergar um “direito” que pertence ao cidadão e deve ser usufruído em sua
plenitude.
Neste contexto, o trabalho realizado com os idosos nesta ONG demonstrou que sua
direção tem contribuído com os seus usuários, fato que pode ser confirmado ao refletir acerca
dos dizeres “trabalhar com os outros e não para os outros”. A participação dos usuários
demonstrou que eles não querem somente aprender, mas também participar de todo o
processo educativo que lhes foi apresentado confirmando a importância desta pesquisa que
teve como foco principal desenvolver ações socioeducativas na perspectiva da educação

211
ambiental, onde suas ações são tão significativas que perpassam por toda a sociedade em
todos os momentos de sua vida.
O desafio de se trabalhar em Organizações Não Governamentais sem fins lucrativos,
tem propiciado há muitos profissionais, grandes revelações acerca do público com qual se
trabalha. Em muitos momentos durante o estudo e a execução interventiva deste trabalho foi
se verificado que a população deste bairro se mostrou disposta a interagir com algo novo, a
cidadania, a preservação ambiental, o cuidado com a saúde e outras tantas ações muitas vezes
só precisam de uma fagulha para despertar o interesse e a realização de se promover junto ao
cidadão. Desta forma, conhecer o público com o qual se trabalha foi de fundamental
importância para que a pesquisa atendesse seus objetivos.
Os idosos se mostraram participativos e extremamente interessados no conteúdo
oferecido, provando que a dimensão educativa no trabalho social tem grande potencial e
impacto na vida das famílias e da comunidade em que se intervém. Ações como estas devem
estar constantemente presentes na agenda de construção de cidadania e participação popular,
certeza permanente de que um país democrático tem inserido em sua rotina esses valores,
sempre abertos para que todos possam participar e propagar a cidadania.
Refletir acerca do trabalho desenvolvido a partir da arte possibilitou aos envolvidos
maior proximidade com a questão, como também o fortalecimento do exercício da cidadania,
conscientização e participação ativa. A participação das ações propostas pela atividade por
meio da Educação Ambiental tem outro fator de extrema relevância que é o aprendizado e a
conscientização trazida por essa modalidade.

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2013.

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212
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THIOLLENT, M.. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2. ed. 1986. (coleção
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214
A QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL NA CONTEMPORANEIDADE

Analúcia Bueno dos Reis Giometti *


Tatiane Pereira da Silva **

Resumo: Com a crise ecológica contemporânea, a sociedade mundial se deparou com o maior
desafio no que tange à necessidade de mudar as suas ações frente a esta questão. Diante disso,
esse artigo enseja apresentar a trajetória do estudo sobre a questão socioambiental e as suas
múltiplas expressões a partir do contexto sócio-histórico estabelecido pela relação do gênero
humano com o meio ambiente. Foi utilizado para as reflexões acerca dessa temática, o método
Dialético, mediante a pesquisa bibliográfica e documental para analisar as manifestações
advindas da questão socioambiental na contemporaneidade, bem como das suas
consequências para a humanidade. Neste preâmbulo consideramos imprescindível que na
atual conjuntura societária venha ser estabelecida por conotações que emane a
sustentabilidade das ações antrópicas e o meio ambiente para que o ciclo de vida no Planeta
Terra se perpetue.

Palavras-chave: Questão socioambiental; gênero humano; sustentabilidade.

Introdução

A crise ecológica atual é a confirmação de que as mudanças ambientais se


intensificaram nas últimas décadas. Esse fenômeno hoje, sobretudo, se trata de um dos
problemas mais preocupantes na atualidade, pois um dos principais panoramas dessa crise
permeia o aquecimento do sistema planetário, onde poderá se modificar as condições naturais
dos ecossistemas da Terra, as quais são essenciais para a continuidade da sua biodiversidade e
da vida humana.
Desse modo, o presente ensaio abrange parte do conteúdo da pesquisa bibliográfica
realizada para a construção da dissertação de Mestrado do curso de Pós-graduação em Serviço
Social da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP/FCHS,
concluída no ano 2016 e intitulada Questão socioambiental e suas inter-relações com o
Serviço Social.

*
Doutora em Geografia pela UNESP/Campus Rio Claro. Professora do Departamento de Pós-gradação em
Serviço Social da UNESP/Câmpus de Franca.
**
Doutoranda em Serviço Social pela UNESP/FCHS. Professora MS em Serviço Social do Instituto Municipal
de Ensino Superior de Bebedouro “Victório Cardassi”.

215
Com isso, pretendemos apresentar reflexões teóricas acerca da relação que o homem
foi constituído ao longo da história até a contemporaneidade pela questão socioambiental e
suas múltiplas expressões, pois foram surgindo concomitantemente sob as ações antrópicas
estabelecidas com o meio ambiente.

As Pegadas do Homem na Terra: Uma Reflexão Sócio-Histórica

O estudo acerca da relação do gênero humano com o meio ambiente viabiliza


apreensão sobre as inter-relações dos organismos vivos existentes no planeta Terra, pois:

A natureza é o corpo inorgânico do homem, ou seja, natureza na medida em que não


é o próprio corpo humano. O homem vive da natureza, ou também a natureza é o seu
corpo, com o qual tem de manter-se em permanente intercâmbio para não morrer.
Afirmar que a vida física e espiritual do homem e a natureza são interdependentes
significa apenas que a natureza se inter-relaciona consigo mesma, já que o homem é
uma parte da natureza. (MARX, 2006, p. 116, grifo nosso).

As pegadas do homem na Terra são uma parte da sua biodiversidade, “[...] nas quais o
homem é, antes de tudo, parte do grande organismo da natureza, concebido como totalidade
viva e divina [...].” (MULLER, 1996 apud MONTIBELLER-FILHO, 2001, p. 30). E, a partir
disso, somos representados por laços de interdependência com a natureza.
A evolução da humanidade desde os primórdios incide sobre a relação do homem com
a natureza como parte sublime nesse processo. Desse modo, para desprendermos essa relação
na atualidade, faz-se necessário realizar uma reflexão a partir de uma perspectiva sócio-
histórica, para termos a possibilidade de compreender a trajetória do percurso que determinou
a interação do homem com a natureza, assim como afirma Meszáros (2011, p. 96) que:

Para entender a natureza e a força das restrições estruturais prevalecentes, é


necessário comprar a ordem estabelecida do controle sociometabólico com os seus
antecedentes históricos. [...] no que diz respeito ao intercâmbio produtivo dos seres
humanos com a natureza e entre si.

Nessa trajetória, salientamos que, dentre as espécies de animais viventes nos


ecossistema terrestre, o ser humano é o que possui maior capacidade de criar condições
adaptáveis para a sua sobrevivência.
Diante disso, para desenvolver condições favoráveis a sua espécie, o ser humano
necessita dos recursos da natureza para conseguir manter a subsistência, sobremodo, o homem

216
precisa dos elementos naturais que disponham de energia, abrigo e alimentação, assim como
“[...] a água, ar limpo, alimentos, solos férteis, regulação dos climas e outros [...].” (BOFF,
2015, p. 13) para suprir as suas necessidades básicas.
No passado remoto, o homem primitivo, considerado pré-histórico, mantinha a cultura
da caça e captava energia somente para o seu aquecimento e provimento dos alimentos através
da queima de madeira, porém isso acontecia de modo pacífico com a natureza. À medida que os
homens deixaram de viver como nômades para desenvolverem outro manejo da vida, passam a
se agrupar e criar novas técnicas e ferramentas para superar as dificuldades na aquisição de
comida e abrigo, oportunizando o desenvolvimento das técnicas de agricultura.
Neste estágio, ocorreu o crescimento populacional, gerando a economia para produção
de excedente agrícola e pastoril. Com acréscimo dessa população também surge o comércio,
e, mediante esse processo de civilização se manteve a “[...] construção pelos seres humanos
de um espaço próprio de vivência, diferente do natural, se deu sempre à revelia e com a
modificação do ambiente natural.” (DIAS, 2011, p. 1).
Ademais, Dias (2011, p. 3) afirma que essas atividades foram realizadas pelo ser
humano no entorno do ciclo natural, que pela sua interferência ocasionada na natureza acabou
por modificá-la para satisfazer suas necessidades. E esse processo é chamado de trabalho, que
ao desenvolvê-lo materialmente, o homem passa a ser capaz de sofrer a transformação do seu
modo de pensar, podendo melhorar sua condição de existência e qualidade de vida, pois
“Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua
própria natureza.” (MARX, 1996a, p. 297).
Com o ambiente modificado a partir do cultivo de vegetais e a domesticação de
animais, foram sendo desenvolvidos mecanismos e ambientes de ordem cultural para uma
produção que fosse excedente às suas necessidades. Diante das alterações da condição natural,
outras necessidades também determinaram que os territórios habitados fossem cercados, para
a proteção contra as ameaças e perigos advindos do ambiente exterior, constituindo-se nesse
momento a propriedade privada.
O aumento da população humana pela aglomeração dos povos antigos viabilizou a
construção das cidades, que, em maior intensidade, seu crescimento também culminou na
destruição dos ambientes naturais (paisagens naturais: matas, florestas e campos). Com a
propriedade privada e a população crescendo, o homem foi à busca de novas terras habitáveis,
acometendo a expansão pela dominação da posse da terra já conquistada por outros homens,
como também a dominação desses homens.
217
A dominação da Terra em si, para Marx, assumiu um significado complexo,
dialético, derivado do seu conceito de alienação. Ela significava tanto a dominação
da terra por aqueles que monopolizavam a terra, e, portanto os poderes elementares
da natureza [...] sobre a vasta maioria dos seres humanos. Assim a alienação da
Terra, e daí a sua dominação [...]. (FOSTER, 2014, p. 109).

Assim foram, com o tempo, alterados os ambientes naturais, a partir da Antiguidade, por
meio de construções urbanas e com a apropriação da Terra. Porém, a infraestrutura das cidades
era precária ao ponto de suscitar grandes epidemias e doenças que ocasionaram a morte de
milhares de pessoas. A partir do século IV, com as invasões bárbaras e a decadência do Império
Romano fundamenta as mudanças econômicas e sociais, as quais foram introduzindo o sistema
da propriedade privada e de produção no início da Idade Média. Foi-se então, caracterizando
um novo sistema econômico, político e social, denominado sistema feudal1. Este período, na
Europa, também ficou conhecido como a época Medieval, em que a população era praticamente
campesina e mantida sob a influência da ideologia da Igreja Católica.
Posteriormente, do século XIV ao XVI, o movimento conhecido como Renascimento2
marca a transição do feudalismo (por sua decadência e destruição) para o regente modo de
produção capitalista3.
Todavia, a partir do século XVI, sucedeu a Revolução Científico-Tecnológica,
demarcando as diversas transformações da vida humana na sociedade, cultura, economia,
política e religião. Com isso, aos poucos foi se constituindo a época moderna, regida pela
sociedade burguesa, através do modelo urbano e mercantil.

1
“Feudalismo é um sistema sociopolítico baseado numa economia rural e caracterizado pela dispersão do poder
através de uma variedade de domínios semi-independentes chamados feudos, mantidos sob a condição de
prestação de serviço pela massa campesina. A organização política é dominada pelos – senhores – das grandes
propriedades, sendo a economia determinada pela subordinação uns dos outros por uma hierarquia de vínculos
de dependência.” (FEUDALISMO..., 1986, p. 474).
2
“Renascimento é a retomada ao estilo clássico de inspiração Greco-romana pelo pintor Giotto no séc. XIV, que
rompe com a arte predominante do período medieval. O traço característico é o humanismo e considera-se que
o movimento inicia de meados do séc. XV, sobre tudo nas cidades Estados italianas como Florença, a meados
do da modernidade.” (JAPIASSÚ, 2008, p. 239).
3
“Capitalismo designa um sistema de desenvolvimento econômico a serviço da produção do capital – tendo na sua
gênese e expansão uma ocupação das condições de produção e reprodução do capital em si, que numa dada fase
de reestruturações demarca os conceitos para a “produção capitalista” e “produção do capital”. Ocupa-se do
modo de funcionamento da sociedade capitalista, das condições de origem (caráter privado e mercado livre) e
desenvolvimento da produção de capital, marcado pela particular fase: a produção para a troca (mediação e
dominação do valor de uso pelo valor de troca) é dominante; a força de trabalho em si é tratada como
mercadoria; a motivação para o lucro é uma força reguladora fundamental para a produção; o mecanismo de
extração da mais-valia é apropriado privadamente pelos membros da classe capitalista; possui interativos
econômicos de crescimento e expansão, tende a produção do capital à integração global, por intermédio da lei do
mercado internacional, como um sistema de dominação e subordinação econômica. Um sistema fadado a ordem
reestrururativa de acordo a livre iniciativa dos indivíduos.” (MESZÁROS, 2011, p. 1029, grifo do autor).

218
Para tanto, no século XVIII, a Terra sofreu as mudanças mais decorrentes desse
pensamento concomitantemente com outra grande Revolução, que, sob a influência da
construção ideológica do Iluminismo4, consolidava a era moderna5 através da “[...] grande
transformação da capacidade produtiva humana.”, conhecida como Revolução Industrial.
(DIAS, 2011, p. 5).
Mediante isso, o empirismo, o mecanicismo, o racionalismo e o tecnicismo
designaram e intensificaram profundamente o pensamento de ciência moderna. Desse modo, o
paradigma moderno no processo capitalista de (re)produção enxerga e toma os recursos
naturais apenas como mercadorias para o fornecimento de matéria-prima para produção de
bens e fontes de energia, em que o homem experimenta um sentimento de exterioridade,
separando-se da natureza pela sua subjugação.
Com a globalização do paradigma moderno ocasionada pela mundialização do modo
de produção capitalista, vieram consigo grandes problemas sociais e ambientais, pois o
processo produtivo, da acumulação capitalista, traz em seu bojo o processo industrial e a
urbanização forçada e desordenada da população camponesa que, ao serem transformados em
grandes polos urbanos e industriais sem infraestruturas adequadas acabam prejudicando o
meio ambiente e a saúde humana.
Com vistas disso, as várias questões advindas da exploração no processo industrial
denotam “[...] a possibilidade de esgotamento dos recursos naturais e seus reflexos no
crescimento econômico.” (DIAS, 2011, p. 7). Estas questões acabam refletindo imensamente
na condição natural do meio ambiente.

A exploração industrial do meio ambiente manteve-se sem contestação durante todo


o século XIX e a maior parte do século XX. A visão equivocada de que os recursos
naturais eram ilimitados e estavam à disposição do homem somente começou a ser
questionada e exigiu maior reflexão da humanidade na década dos anos 70 [...]
quando os processos de deterioração ambiental e a possibilidade de esgotamento de
determinados recursos naturais se tornaram evidentes. [...] Um dos problemas mais
visíveis causados pela industrialização é a destinação dos resíduos de qualquer tipo

4
“Iluminismo é um movimento filosófico, também conhecido como Esclarecimento, Ilustração ou Século das
Luzes, que se desenvolve particularmente na França, Alemanha e Inglaterra no séc. XVIII, caracterizando-se
pela defesa da ciência e da racionalidade crítica, contra a fé, a superstição e Omã religioso. Possui uma
dimensão literária, artística e política. No plano político, defende as liberdades individuais e o abuso do
poder.” (JAPIASSÚ, 2008, p. 142).
5
“A modernidade institui, assim, como o modelo explicativo do real, fundando no primado da razão, ou seja, na
capacidade do homem em formular teorias científicas a partir de leis objetivas. Essa forma de pensar do
projeto epistemológico da tradição racionalista inaugurada por Descartes e da perspectiva empirista iniciada
por Francis Bacon. Será, no entanto, o filósofo alemão Immanuel Kant quem ampliará as reflexões acerca das
possibilidades da razão na organização e sistematização dos dados empíricos de forma mais científica.”
(SIMIONATTO, 2009, p. 88).

219
(sólido, líquido ou gasoso) que sobram do processo produtivo, e que afetam o meio
ambiente natural e a saúde humana. (DIAS, 2011, p. 7).

Dentre essas e outras questões, isso tem sido o principal fator para as manifestações
dos impactos ambientais6 decorrentes dos impactos advindos do sistema capitalista de
produção, pois, entre as suas causas e consequências, repercute o aumento em níveis cada vez
maiores do desequilíbrio ecológico.

Durante os últimos 200 anos é que se agravou o problema ambiental na Terra, com a
intensificação da industrialização e o conseqüente aumento da capacidade de
intervenção do homem na natureza. Essa situação é facilmente verificável pela
evolução do quadro de contaminação do ar, da água e do solo em todo o mundo e
pelo número crescente de desastres ambientais. (DIAS, 2011, p. 13).

Ao delinear este breve ensaio sobre as pegadas do homem na Terra, podemos


apreender que as manifestações da questão ambiental são os reflexos produzidos pela relação
que o homem tem estabelecido com a natureza. “[...] Os perigos agora se estendem por todo o
planeta; mas também no fato de o sistema do capital global ter atingido seu zênite
contraditório de manutenção e saturação [...].” (MESZÁROS, 2011, p. 95, grifo nosso).
Desse modo, desde as suas causas às suas consequências, a hegemonia da ciência moderna
pelo seu modelo de desenvolvimento econômico tem sido determinante para a questão
socioambiental que presenciamos na contemporaneidade.

Desvelando a Questão Socioambiental na Contemporaneidade

É impossível refletir a dimensão social sem pensar o ambiental. Pois o social e o


ambiental não estão em campos diferentes na sociedade capitalista. Desse modo, a expressão
“socioambiental” refere-se aos processos sociais resultantes da relação da sociedade com o
meio ambiente. Sobremodo, a atual conjuntura mundial revela que a crise ecológica advinda
“questão ambiental” contemporânea está vinculada ao modo de (re) produção capitalista, onde
tal crise, por estarem atrelada as atividades/ações antrópicas, oprime e devasta vorazmente os

6
“Qualquer alteração significativa no meio ambiente em um ou mais de seus componentes provocada por uma
ação humana. Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada
por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente,
afetem: a saúde, a segurança e o bem estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as
condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos ambientais.” Resolução nº 001
(CONAMA, 1986).

220
recursos naturais pela exploração inesgotável dos seus ecossistemas e, com isso, colocando
em risco a vida do ambiente planetário.

[...] gritam as florestas, abatidas em todas as partes do mundo sob a voracidade


produtivista, pois no lugar de árvores frondosas e centenárias pasta gado para carne
de exportação. Gritam os rios contaminados pelos agrotóxicos da monocultura de
soja, do fumo, dos cítricos e outras. Gritam os solos contaminados por milhões de
toneladas de pesticidas. Gritam os ares envenenados por gases de efeito estufa.
Gritam as espécies, dizimadas aos milhares a cada ano. Gritam inteiros ecossistemas
devastados pela supreexploração de seus bens e serviços. Grita a humanidade inteira
ao dar-se conta de que pode ser eximada da face da Terra por dois tipos de bombas:
pela bomba ecológica representada pelo aquecimento global, que não acaba e
aumentar ano após ano. Enfim, grita a Mãe Terra contra a qual está levando uma
guerra total: no solo, no subsolo, no ar, nos oceanos, em todas as frentes; guerra da
qual não temos qualquer chance de ganhar, pois nós precisamos da Terra, mas ela
não precisa de nós. (BOFF, 2015, p. 5).

Destarte, atualmente, a questão socioambiental vem se tornando o principal painel de


discussões dos mais diversos organismos sociais de todo mundo, em decorrência da
preocupação com o futuro do planeta. Assim, temos visto que “Nas ultimas décadas, todo um
conjunto de práticas sociais voltadas para o meio ambiente tem instituído tanto das legislações
e dos programas de governo quanto às diversas iniciativas de grupos, de associações e de
movimentos ecológicos.” (CARVALHO, 2012, p. 24).
Em referência a isso, é importante citarmos a publicação de Francisco 7 (2015), na
inédita Encíclica Sobre o Cuidado da Casa Comum, por se tratar de um documento atual,
autêntico, de representação social, de cunho filosófico e sócio-histórico sobre as reflexões e
discussões a respeito desta temática num âmbito mundial, em que foram traçados elementos
de ordem científica da realidade global no que tange à relação humana com o meio ambiente,
a qual denominou de – Casa Comum – para os presentes e futuros herdeiros da Terra.

Estas contribuições dos Papas recolhem a reflexão de inúmeros cientistas, filósofos,


teólogos e organizações sociais que enriqueceram o pensamento da Igreja sobre
estas questões. Mas não podemos ignorar que, também fora da Igreja Católica,
noutras Igrejas e Comunidades cristãs – bem como noutras religiões – se tem
desenvolvido uma profunda preocupação e uma reflexão valiosa sobre estes temas
que a todos nos estão a peito.
[...]
As reflexões teológicas ou filosóficas sobre a situação da humanidade e do mundo
podem soar como uma mensagem repetida e vazia, se não forem apresentadas
novamente a partir dum confronto com o contexto atual no que este tem de inédito
para a história da humanidade. Por isso, antes de reconhecer como a fé traz novas
motivações e exigências face ao mundo de que fazemos parte, proponho que nos

7
Em latim FRANCICUS (Papa), nascido como Jorge Mario Bergoglio na cidade de Buenos Aires - Argentina,
em 17 de dezembro de 1936. É 266º Papa da Igreja Católica e atual Chefe de Estado do Vaticano, abdicando
ao papado em 28 de fevereiro de 2013.
221
detenhamos brevemente a considerar o que está a acontecer à nossa casa comum.
(FRANCISCO, 2015, p. 7, 17).

Em escala mundial, temos assistido a confirmação sobre as mudanças ambientais,


principalmente a partir do aumento significativo dos desastres ecológicos. Isso se refere à
degradação ambiental entre as mais variadas formas de manejo inadequado dos recursos
naturais; da produção em larga escala de mercadorias descartáveis; da urbanização
descontrolada; das ações humanas de uma sociedade deseducada e uma sociedade advinda
dos diferentes fatores econômicos, políticos, tecnológicos, sociais e culturais. À vista disso,
segundo Loureiro (2002, p. 46), “A dinâmica capitalista é base estrutural dessa degradação,
qualificada pela urbanização, pelo industrialismo e pelo modelo antropocêntrico, inerente ao
iluminismo [...].”
Dessa forma, o sistema de produção capitalista hegemônico é o que espolia o social e
interfere no ciclo natural dos sistemas ambientais, que, sob influência do pensamento
mecanicista e reducionista cartesiano (fundamentos da ciência moderna), não incluem a
biosfera como elemento primordial para continuação genuína do Planeta Terra. Dentre as
diversas elucidações acerca das questões que permeiam a degradação ambiental, enfatizamos
que o: “[...] ambiente humano e ambiente natural degradam-se em conjunto [...].”
(FRANCISCO, 2015, p. 37).
Outros fatores também revelam a apreensão desta degradação através das inconstantes
manifestações das problemáticas defrontadas com: “[...] a mundialização financeira, a
‘acumulação por espoliação’, a ideologia do progresso técnico e a obsolescência programada
[...].” (SILVA, M. G., 2010, p. 32, grifo do autor).
Para tanto, Adorno e Horkheimer (1985, p. 24) evidenciam que o paradigma da ciência
moderna descende a racionalidade como meio de dominação da natureza frente à organização
da vida socioambiental. Pois o poder da razão submete o pensamento para apreender a
natureza, a fim de empregá-la para a sua própria dominação.
Desse modo, esse modelo tem subjugado a natureza para gerar uma dinâmica cíclica
da produção para o consumo e o consumo para a produção, porém, em decorrência disso tem
resultado catastróficas crises cíclicas.

[...] as nossas atitudes serão as do dominador, do consumidor ou de um mero


explorador dos recursos naturais, incapaz de pôr um limite aos seus interesses
imediatos.

222
[...] o que interessa é extrair o máximo possível das coisas por imposição da mão
humana, que tende a ignorar ou esquecer a realidade própria do que tem à sua frente.
(FRANCISCO, 2015, p. 11, 83).

Consequentemente, ao sermos dominados e alienados pelo paradigma moderno, “[...]


por causa da revolução tecnológica, da informatização e da robotização, são dispensados,
precarizados, e os trabalhadores excluídos [...].” (BOFF, 2015, p. 28) para atender o modo
de (re)produção capitalista. Pois, de acordo com Marx (1996b, p. 133) “A produção
capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo social ao minar,
simultaneamente, as fontes de toda a riqueza: a terra e o trabalhador.” Destarte, “Este
comportamento evasivo serve-nos para mantermos os nossos estilos de vida, de produção e
consumo.” (FRANCISCO, 2015, p. 47).
Desse modo, estamos condicionados a um estilo de vida imposto e subordinado por
uma geração que não conhece e não se relaciona com a natureza, a não ser para a sua própria
satisfação (conforto e consumo).
Ao apreendermos essa crise anunciada pelo aumento dos desastres ecológicos nas
últimas décadas, também devemos compreender que isso está atribuído acrescente
destruição e depredação da natureza. “Hoje a Terra se encontra em fase avançada de
exaustão [...].” (BOFF, 2015, p. 28), que em níveis cada vez maiores, evidenciam a escassez
e o esgotamento dos recursos não renováveis; o aumento nos níveis de aquecimento do
sistema climático; os efeitos advindos dos dejetos industriais e diversos poluentes
acrescidos à Terra.
Com essa (re)produção da questão ambiental, desvela-se que estamos destruindo a
natureza e exterminando a sua biodiversidade ao poluirmos os seus rios, os seus oceanos, os
seus solos e os seus ares, contaminando a terra com as sobras do processo produtivo e
produzindo resíduos sólidos demasiadamente, pois, “A terra, nossa casa, parece transforma-se
cada vez mais num imenso depósito de lixo.” (FRANCISCO, 2015, p. 19). Com isso, temos
presenciado nessa voraz degradação mundial a atravessada trajetória do problema gerado pela
cultura do descarte dos resíduos sólidos e industriais.
Outro fator sobre os problemas no campo ambiental está ligado ao estilo e à ordenação
da vida urbana e rural, onde o homem urbano é aquele que convive com o processo industrial,
alta escala de poluição, construções de cimento desfigurado do ambiente natural, conflitos
socioeconômicos, e as contradições do estilo de vida nas cidades ascendem à questão urbana.
Já o homem do campo convive com a precária condição de vida, domínio e posse de terras,

223
produção a serviço do capital, produção de alimentos em larga escala, usos de agrotóxicos,
desmatamentos, extração ilegal da madeira, e, etc..., das quais se tornam prerrogativas
determinantes para a questão agrária.
Essa violência estrutural, da qual determina a separação homem-natureza, separa o
urbano do rural e separa o social do ambiental, e também é a mesma que gera a questão
urbana, a questão agrária e a questão ambiental, “[...] cada qual assinalado por características
bem definidas, mas também marcado por uma forte articulação mútua.” (LOUREIRO, 1995
apud NASCIMENTO, 2012, p. 175).
Diante desse processo, estendem-se a questão urbana, a questão agrária e a questão
ambiental através da sua gênese nas sequelas das mais variadas manifestações da questão
socioambiental no âmbito local, regional e global. Para tanto, esta questão é originada pela
questão social8, advinda das contradições elementares da dinâmica do modo de produção
capitalista, onde a sociedade subdividida em classes sociais9 tem sido alienada por uma parte
da classe dominante para que a subjugação movimentada no mundo das aparências venha
perdurar a dominação da natureza.
Sobre a contínua (re)produção da questão social no processo de acumulação de capitais,
“[...] também o é em relação à ‘questão ambiental’, cuja expressão mais emblemática é a
incessante produção de descartáveis.” (SILVA, M. G., 2010, p. 76, grifo do autor).

[...] os níveis de degradação ambiental nas sociedades anteriores ao capitalismo não


chegaram a configurar um quadro de ameaças à sustentabilidade planetária, tendo
em vista que o objetivo precípuo da produção não residia na formação do excedente
com vistas ao mercado, e, consequentemente, à obtenção do lucro. O baixo nível de
eficácia da técnica, observado nas sociedades que antecederam o mundo burguês –
para as quais a natureza aparece como uma fonte de magia e mistérios – não
possibilitou o efetivo domínio da natureza. (SILVA, M. G., 2010, p. 48).

Ao mencionar o aspecto “mudanças” para a evolução da humanidade, podemos


remeter a isso como algo bom e desejável para a sociedade, mas quando estas mudanças se
transformam na deterioração e destruição da natureza, e, consequentemente, da vida humana,

8
“Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura,
que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente
social, enquanto a apropriação de seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade.”
(IAMAMOTO, 2005, p. 27, grifo do autor).
9
“Chamam-se classes a grandes grupos de homens que se diferenciam pelo seu lugar no sistema historicamente
determinado de produção social, pela sua relação (na maioria dos casos confirmada e precisada nas leis) com
os meios de produção, pelo seu papel na organização social do trabalho e, por conseguinte, pelos meios de
obtenção e pelo volume da parte da riqueza social de que dispõem. As classes são grupos de homens em que
uns podem apropriar-se do trabalho dos outros graças à diferença do lugar que ocupam num sistema da
economia social.” (LENIN, 1977, p. 13).
224
também se tornam questionáveis. É questionável no sentido que esse mesmo sistema que
aliena, domina e explora os homens é o mesmo sistema que também polui, depreda e destrói
a natureza.

A lógica que explora as pessoas, as classes e submete os povos aos interesses de uns
poucos países e poderosos é a mesma que depreda a Terra e espolia suas riquezas
naturais, sem solidariedade para com o restante da humanidade e para as futuras
gerações. (BOFF, 2015, p. 9).

Por isso que das promessas do tão sonhado crescimento econômico só tem restado o
chamado mito do progresso, pois a sociedade vivencia o crescimento da degradação da vida
através da lei das desigualdades, tendo nas suas maiores expressões o aumento da violência,
da pobreza e da miséria entre os povos. Para tanto, não maldizemos a busca pelo progresso,
mas os ditames que resultam o poder que explora e domina os homens e ao mesmo tempo
destrói o ambiental. “A natureza tem seus limites, nós seres humanos inclusive. Estamos
ultrapassando os limites suportáveis [...].” (AGOSTINI, 1996, p. 2), e com isso, pauperizando
cada vez mais a vida socioambiental.

[...] a utopia dos mercados livres e da globalização tornam-se a referência. Mas o


vazio e a crise pairam no ar. Sente-se um mundo fragmentado, seu sentido se
perdendo nessas fraturas, com múltiplos significados, orientações e paradoxos.
Juntas, ciência e técnica não param de surpreender e revolucionar. A capacidade de
produzir mais e melhor não cessa de crescer. Mas esta ciência vencedora começa a
admitir que seus efeitos são perversos. [...] Nesse mundo de poder, produção e
mercadoria, o progresso traz consigo desemprego, exclusão, concentração de renda e
subdesenvolvimento. (DUPAS, 2001, p. 102).

Além do mito do progresso, na pós-modernidade10 a humanidade também estará


sujeita e fadada à ambiguidade, dicotomia e mito do desenvolvimento sustentável como
método alternativo para sustentar os interesses econômicos através da atual denominação
estabelecida pela economia verde. Pois, “O Deus que falhou, na imagem da onipotência
tecnológica, é agora recomposto e novamente apresentado sob o disfarce do interesse
ecológico universal [...].” (MESZÁROS, 2011, p. 987, grifo do autor).

10
“[...] a pós-modernidade, enquanto idéia, não seja recente, sua expressão no âmbito do conhecimento pode ser
verificada com maior intensidade a partir da metade dos anos de 1970. No campo filosófico, as primeiras
reflexões aparecem na obra A condição pós-moderna, de Jean-François Lyotard. Nela, o autor concebe a
sociedade não como um todo orgânico ou um espaço de conflitos, mas como uma “rede de comunicações
linguísticas”, uma “multiplicidade de jogos”, não mais apreendidas através das formas de conhecimento
próprias do pensamento moderno.” (SIMIONATTO, 2009, p. 92, grifo do autor).

225
Quanto mais fragmentados estamos pelas incorporações alternativas das quais
sustentam o sistema capitalista11 diante do “[...] binômio produção de mercadorias-destruição
do meio ambiente [...].” (SILVA, M. G., 2010, p. 25), mais distante estará a nossa consciência
ambiental. Desta maneira, temos visto a desqualificação do bem-estar humano e do equilíbrio
do sistema ambiental, dado que o homem, ao interferir na vida da natureza, também dispensa
riscos para a vida da própria espécie humana.

Considerações Finais

Com a questão socioambiental posta na contemporaneidade, é importante dizermos que


avanços adjacentes a esta questão vêm acontecendo no âmbito da legislação ambiental, porém
numa dimensão lenta em relação ao processo de (re)produção capitalista, por isso, pouco tem
avançado sua aplicabilidade na comunidade mundial. Pois persiste a resistência e a falta de
adesão à sustentabilidade ambiental versus ao desenvolvimento produtivo por alguns dos países
ricos e pela parte da classe dominante que ainda visam a manter os interesses de ordem
econômica.
Por essas e outras razões, vivemos as incertezas de um futuro ambientalmente
sustentável, e, com as possíveis chances de a Terra aos poucos sucumbir diante de tão
acelerada destruição ambiental. Sobremodo, hoje, somos desafiados a enfrentar essa questão e
munirmos as forças para movimentar a conscientização humanitária sobre isto. O destino do
planeta vai depender do que fizermos agora para mitigar e frear os legados da produção
econômica para outra que mantenha a sustentabilidade socioambiental.

REFERÊNCIAS

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Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

BOFF, L. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres: dignidade e direitos da Mãe Terra. ed.
rev. e ampl. Petrópolis: Vozes, 2015.

11
“As transformações societárias desencadeadas nas ultimas décadas do século XX e seus desdobramentos no
início do século XXI, sob o domínio do capitalismo financeiro e da sua afirmação enquanto sistema
hegemônico, exacerbaram os problemas e contradições em todas as esferas da vida social.” (SIMIONATTO,
2009, p. 92).

226
CARVALHO, I. C. M. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. 6. ed. São
Paulo: Cortez, 2012.

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Legislativo, Brasília, DF, 17 fev. 1986. Seção 1.p. 2548-2549. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/port/conama/legislacao /CONAMA _RES_CONS _1986
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tecnologias obriga a rever o mito do progresso. 2. ed. São Paulo: Ed. UNESP, 2001.

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LENIN, V. I. A Luta de Classes. Obras escolhidas em três tomos. Lisboa: Ed. Avante;
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MESZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria de transição. Tradução de Paulo
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227
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notas para o debate. Temporalis, Brasília, DF, ano 12, n. 24, p. 171-189, 2012. Disponível
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SILVA, M. G. Questão ambiental e desenvolvimento sustentável: um desafio ético-político


ao Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2010.

SIMIONATTO, I. Expressões ideoculturais da crise capitalista na atualidade e sua influência


teórica-prática. In: CFESS; ABEPSS (Org.). Serviço Social: direitos sociais e competências
profissionais. Brasília, DF, 2009.

228
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO PROGRAMA NÚCLEO DE ENSINO DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”-
UNESP, NOS PROJETOS COM VIÉS EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Analúcia Bueno dos Reis Giometti*

Resumo: Na década de 1980, o Brasil consolidou sua Política Nacional de Meio Ambiente,
criando a Lei n. 6.938, que afirma ser a Educação Ambiental um instrumento didático
fundamental na defesa do meio ambiente. Foi neste cenário que, há vinte e nove anos, foi
lançada, na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho (UNESP), uma proposta
de criação do Programa Núcleo de Ensino, com a finalidade de incentivar ações que
estimulassem parcerias da escola pública e sociedade com o universo universitário. A UNESP
lançou o Programa do Núcleo de Ensino (PNE), criado em 1987, a fim de estabelecer laços
entre a universidade e a comunidade, através da atuação de alunos e professores nas escolas
da rede pública de ensino. Através desse Programa, a Reitoria da UNESP buscou incentivar e
aprimorar o ensino público e gratuito de excelência, com vistas a qualificar seus alunos e
prepará-los para o exercício da profissão. Para alcançar esta meta, buscou-se o
comprometimento deste programa com ações em Educação Ambiental que demonstrassem
preocupação com o (re)equilíbrio do planeta, visando minimizar a degradação ambiental e ao
mesmo tempo buscar a sustentabilidade dos ecossistemas através da conscientização do
cidadão em seu papel crítico.

Palavras-chave: Educação Ambiental, Programa Núcleo de Ensino.

Introdução

Na década de 1980, o Brasil consolidou sua Política Nacional de Meio Ambiente,


criando a Lei n. 6.938, que afirma ser a Educação Ambiental um instrumento didático
fundamental na defesa do meio ambiente, indicando-a para estar presente em todas as séries do
ensino, assim como determina em seu artigo 2º:

Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,


melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar,
no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança
nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes
princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio
ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e
protegido, tendo em vista o uso coletivo;
[...]

*
Docente do quadro permanente da Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais- FCHS da UNESP/Câmpus de Franca. Lider do Grupo GESTA.

229
X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da
comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio
ambiente. (BRASIL, 1981).

Este cenário possibilita que se criem condições para que a Educação Ambiental surja

[...] não como uma simples ‘ferramenta’ para resolver os problemas do meio
ambiente, mas sim, como uma dimensão essencial da educação fundamental, em que
diz respeito a uma esfera de interações que está na base do desenvolvimento pessoal
e social. (SAUVÉ, 2005, p. 317).

No Brasil, a Educação Ambiental está no bojo da Constituição Federal de 1988, no


inciso VI do Artigo 225, disposto da seguinte forma:

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
[...]
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente. (BRASIL, 1988).

Onze anos mais tarde desta deliberação legislativa, em 1999, a Educação Ambiental
foi normatizada através da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), Lei n. 9.795, e
posteriormente, regulamentada pelo Decreto n. 4.281, em julho de 2002.

Logo, a política estabeleceu que a Educação Ambiental deve ser promovida em


todos os setores da sociedade, no âmbito formal da educação, nas escolas,
universidades, instituições de ensino, entre outros, como também informal, ou seja,
no nosso cotidiano, como em casa, no ambiente de trabalho e em espaços de
encontros coletivos, como lugares de lazer e/ou reunião. (GIOMETTI, 2013, p. 3).

Foi neste cenário que, há vinte e nove anos, foi lançada, na Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho (UNESP), uma proposta de criação do Programa Núcleo de
Ensino, com a finalidade de incentivar ações que estimulassem parcerias da escola pública e
sociedade com o universo universitário.

A proposta, simples em seus princípios, inovadora em sua prática, além de


expressar, desde a sua origem, o princípio da indissociabilidade na universidade,
entre ensino, pesquisa e extensão, envolvia a participação de agentes sociais
relacionados ao ensino/aprendizagem, tanto da universidade, como da escola
pública, docentes e graduandos da Unesp, docentes e estudantes da educação básica.
(MENDONÇA; LEITE; VIEIRA, 2010, p. 7).

230
Com este paradigma sendo consolidado, a UNESP lançou o Programa do Núcleo de
Ensino (PNE), criado em 1987, a fim de estabelecer laços entre a universidade e a
comunidade, através da atuação de alunos e professores nas escolas da rede pública de ensino,
tendo como principais objetivos:

Incentivar o ensino e a pesquisa de caráter disciplinar ou interdisciplinar nas unidades


de Educação Infantil, Fundamental e Médio do Sistema Público de Ensino;
Promover ações educativas e inclusivas junto aos movimentos sociais;
Produzir material didático-pedagógico;
Promover intervenções de melhoria na realidade das escolas. (CENTRO DE
ESTUDOS E CULTURAS DO MUNDO RURAL, 2015).

Como um Programa de Ensino da UNESP, associado e vinculado à Pró-Reitoria de


Graduação,

[...] este programa institucional, criado em 1987, tem por objetivo estabelecer uma
relação da Universidade com a sociedade, visando uma integração para socializar os
conhecimentos ali desenvolvidos, como também a população trazer a demanda
social existente na comunidade. Deste modo, a UNESP busca estar presente na
comunidade local que a mantém, desenvolvendo uma relação horizontal e de mão-
dupla. (GIOMETTI, 2013, p. 4).

Este Programa visa:

[...] a produção de conhecimento na área educacional e a formação inicial e


continuada do educador, pautadas pela articulação entre ensino, pesquisa e extensão,
e nos princípios da cidadania e da justiça social. O Núcleo de Ensino é um programa
de responsabilidade da Pró-reitoria de Graduação (PROGRAD), com o objetivo de
trabalhar com os cursos de graduação no desenvolvimento de práticas educacionais
nas escolas de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, visando à
melhoria compreendida em termos de:
Competência do profissional a ser formado pela Unesp;
 Competência das equipes técnico-administrativas;
 Competência dos docentes, no que diz respeito às suas tarefas de educadores,
vista também pela ótica do ensino das disciplinas que lecionam e da aprendizagem
dos seus alunos;
 Desenvolvimento de programas, cursos, oficinas pedagógicas e de outras
atividades relevantes à educação e ao desempenho do profissional;
 Desenvolvimento de temas significativos para a Educação e para a política
educacional do Brasil.
 Estabelecer parcerias com prefeituras, diretoria de ensino, escolas estaduais e
municipais, sindicatos e movimentos sociais dispostos a transformar a dinâmica da
educação.
 Estimular, desenvolver e manter o trabalho em equipe e multi-equipe, no
sentido de possibilitar estudos teóricos e práticos, em diferentes especialidades
significativas para a Educação.
 Congregar equipes do campus universitário que desenvolvam trabalhos
relativos à educação; sejam esses trabalhos subvencionados por agências de fomento
ou não. (UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA, 2005, p. 3).

231
Com este perfil, os projetos apresentados anualmente, podendo ser (re)apresentados
uma única vez, possibilitam o desenvolvimento de atividades e trabalhos de pesquisa e/ou de
ação didático-pedagógica que contribuem para a melhoria da realidade escolar. Uma maneira
de estimular a abrangência de temas relevantes no cenário educacional do Brasil se faz “[...]
sistematizando-os, de modo a constituir tanto um referencial para ações didático-pedagógicas
para o sistema educacional, quanto um referencial teórico, passível de subsidiar propostas
pedagógicas significativas para políticas educacionais” (UNIVERSIDADE ESTADUAL
PAULISTA, 2005, p. 4).
No contexto dos objetivos dos Núcleos de Ensino, “[...] trabalhar com os cursos de
graduação no desenvolvimento de práticas educacionais nas escolas de educação infantil,
ensino fundamental e ensino médio, visando à melhoria, em termos de competência do
profissional a ser formado pela Unesp” (UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA, 2005,
p. 3), é o grande diferencial a ser destacado.
Através desse Programa, a Reitoria da UNESP buscou incentivar e aprimorar o ensino
público e gratuito de excelência, com vistas a qualificar seus alunos e prepará-los para o
exercício da profissão. Para alcançar esta meta, buscou-se o comprometimento deste
programa com ações em Educação Ambiental que demonstrassem preocupação com o
(re)equilíbrio do planeta, visando minimizar a degradação ambiental e ao mesmo tempo
buscar a sustentabilidade dos ecossistemas através da conscientização do cidadão em seu
papel crítico.
Com este caminho a ser trilhado, o primeiro passo foi a seleção e análise dos Projetos
apresentados ao Programa do Núcleo de Ensino da Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD)
da UNESP, e para isto foi necessário fazer uma pesquisa documental no acervo da
Coordenação do Programa Núcleo de Ensino. Assim teve início a leitura, interpretação e
análise dos projetos, visando um olhar qualitativo e não só quantitativo dos assuntos
abordados.
Do ponto de vista da abordagem do problema, a pesquisa classifica-se como
qualitativa. Silva e Menezes (2001, p. 20) citam que a pesquisa qualitativa “[...] considera que
tudo pode ser quantificável, o que significa traduzir em números opiniões e informações para
classificá-los e analisá-los.”

232
Conforme Oliveira (1999, p. 116), a abordagem qualitativa “[...] difere do quantitativo
pelo fato de não empregar dados estatísticos como centro do processo de análise de um
problema.”

Discussão e Resultado da Análise Documental

Com a criação dos Polos Regionais do Núcleo de Ensino da UNESP, em 1987, os


primeiros câmpus a aderirem foram: Araraquara, Botucatu, Franca, Jaboticabal, Rio Claro e
São Paulo. Com o intuito de conhecer o histórico de atuação do Núcleo de Ensino na área da
Educação Ambiental foi realizada uma busca nos registros arquivados na PROGRAD, junto
ao Programa do Núcleo de Ensino.
Hoje, a UNESP conta com dezessete polos espalhados pelos câmpus de Araraquara,
Assis, Bauru, Botucatu, Franca, Guaratinguetá, Ilha Solteira, Jaboticabal, Marília, Ourinhos,
Presidente Prudente, Registro, Rio Claro, Rosana, São José do Rio Preto, São Vicente e São
Paulo.
Nestes câmpus da UNESP atuam os Núcleos de Ensino, em parceria com as Diretorias
Regionais de Ensino da Secretaria de Estado da Educação e as Secretarias Municipais de
Educação, que, trabalhando conjuntamente, possibilitam o desenvolvimento de projetos que
têm sobre sua coordenação geral um professor universitário responsável pela gestão local dos
trabalhos apresentados no câmpus. Sob sua coordenação estão engajados professores
universitários responsáveis pela coordenação dos projetos, alunos universitários bolsistas que,
conjuntamente com as escolas (professores da escola pública) e instituições parceiras, são
responsáveis pela implantação dos projetos.

Os projetos, em geral, propiciam a produção de artigos científicos, de material


didático e de outros aplicativos com diversas formas de abordagem, tendo como
objetivo prioritário a melhoria do ambiente de ensino. (PINHO; OLIVEIRA;
SAGLIETTI, 2010, p. 65).

As pesquisas mostraram que no ambiente do Núcleo de Ensino foram desenvolvidos


projetos que demonstraram preocupação em elaborar materiais didáticos como subsídios aos
temas de Educação Ambiental. Salete Souza (2007, p. 111), reafirma esta importância quando diz
que:

233
[...] utilizar recursos didáticos no processo de ensino- aprendizagem é importante
para que o aluno assimile o conteúdo trabalhado, desenvolvendo sua criatividade,
coordenação motora e habilidade de manusear objetos diversos que poderão ser
utilizados pelo professor na aplicação de suas aulas. [...] Recurso didático é todo
material utilizado como auxílio no ensino-aprendizagem do conteúdo proposto para
ser aplicado, pelo professor, a seus alunos.

Maurício Santos (2014) define material didático como um processo que inclui toda a
organização do plano de aula que irá culminar em ações de construção pedagógica, visando
facilitar o aprendizado. Na sua opinião:

[...] na sala de aula o professor necessita de muita criatividade para criar um canal de
comunicação com os alunos, todo recurso à sua disposição pode e vai ser utilizado,
mas o material didático a nosso ver necessita ser mais elaborado. Assim
consideramos material didático não só o recurso disponível, mas também a proposta
didática do professor, pois muitas vezes desvinculamos o recurso do uso. Ao
trabalharmos a ideia de produção de material didático levamos em conta um
processo de pesquisa onde o professor elabora ou organiza recursos didáticos de
forma a atender um objetivo especifico e ao mesmo tempo define os percursos a
serem seguidos na aula, o que costumamos chamar de sequência didática ou plano
de aula. (SANTOS, M. C., 2014, p. 5).

Com este enfoque mostrando a importância de se construir e utilizar material didático,


foi realizado um levantamento junto aos projetos que apresentaram viés em Educação
Ambiental, com a intenção de verificar a produção e contribuição dos mesmos na construção
de materiais didáticos visando um diferencial no ensino das escolas parceiras. O resultado foi
a catalogação de projetos que descreveram a produção de materiais didáticos ao longo do
período analisado.
Os dezessete câmpus parceiros do Núcleo de Ensino, durante 14 anos, foram
(re)apresentando, através de seus departamentos, projetos com viés em Educação Ambiental,
totalizando 83 participações, quando a análise recai em quantas vezes os câmpus participaram
em sua totalidade. Destes, em 47 câmpus houve a descrição da confecção e aplicação de
materiais didáticos, o que corresponde a 57% do total geral. Este índice indica que mais da
metade dos câmpus elencaram ações com práticas pedagógicas voltadas à confecção de
materiais didáticos quando descreveram as intervenções nas escolas parceiras.
O ano que acusou maior produção foi o de 2013, desenvolvendo grande variedade de
materiais didáticos, tais como: vídeos, maquetes, cartilhas, cartazes, exposições, jogos
didáticos, técnicas de pinturas, etc. Este ano foi seguido por 2014 e 2009. Nestes dois anos
citados a variedade de material proposto é descrita pelos seguintes itens: questionários,

234
maquetes, cartazes, exposições, jogos didáticos interativos, livros de apoio didático, material
audiovisual, estojos ambientais e construção de aparelhos científicos meteorológicos, etc.
É interessante assinalar que 2002, 2005 e 2015 foram os anos com menor produção de
material didático em todo o período estudado, com ausência no primeiro e 1 câmpus cada, nos
dois últimos. Mas, mesmo assim produziram vídeos didáticos, maquetes e jogos didáticos.
Outro dado a ser levantado é que em todos os anos houve a construção de maquetes, o que
transformou este material didático no mais produzido neste intervalo de 14 anos de estudo.
Segundo Lombardo e Castro (1997), a construção de maquetes proporciona um
aprendizado que estimula o olhar bidimensional (categorias: latitude e longitude) representado nos
mapas pelo relevo, para o tridimensional (categorias: latitude, longitude e altitude) proporcionado
pela representação das curvas de nível, o que possibilita construir a visada da paisagem como
vista do alto. Conforme o autor salienta, o aprendizado vai do concreto para o abstrato,
possibilitando a construção da base cartográfica que poderá ser complementada com os mais
variados usos e temas.
Este levantamento mostrou que a maioria dos projetos desenvolvidos nos Núcleos de
Ensino esteve ligada à concepção de que “[...] não basta conhecer o mundo (teórico), é preciso
transformá-lo (práxis)”. (PIMENTA, 2012 apud MELLO, M. C. O., 2012, p. 119). Podemos
destacar que há o reconhecimento de que a prática:

[...] é tida como verdade independente da teoria. Como sabemos, não há oposição
absoluta entre teoria e prática. Há uma relativa dependência entre teoria e prática, se
entendermos que a atividade prática exige ações que ainda não foram projetadas,
pensadas. Portanto, a teoria (projeto de uma prática inexistente) determina a prática
real e efetiva. E se por outro lado, a teoria ainda não está em relação com a prática
porque adianta-se a esta, essa relação poderá surgir posteriormente sob nova teoria e a
partir de nova prática. Assim, teoria e prática são indissociáveis. (MELLO, M. C. O.,
2012, p. 119).

Tendo em mente o roteiro proposto para análise, passou-se à etapa de classificação e


agrupamento dos projetos. Para isto, houve a preocupação de verificar em cada um dos 127
projetos com a temática em Educação Ambiental quantos eram identificados pelos seus
coordenadores como tendo o perfil nesta área. Isto trouxe a informação de que 95
coordenadores indicaram que seus projetos atendiam aos princípios da Educação Ambiental,
sendo enfáticos na categorização de enquadrá-los como projetos de Educação Ambiental.
Trinta e dois coordenadores classificaram seus projetos apenas utilizando termos que
expressavam o conjunto de ideias trabalhadas na Educação Ambiental, sendo elas: degradação
e conservação ambiental; biodiversidade, recuperação e preservação ambiental; problemas
235
ambientais; responsabilidade ambiental; degradação e desequilíbrio ambiental; impacto,
desequilíbrio e intervenção ambiental; intervenção na questão social e questão ambiental;
conservação e preservação do meio ambiente; preservação local e global. Todos eles
indicaram que trabalharam sob a ótica da retomada do equilíbrio dinâmico dos espaços
ambientais. Este enquadramento mostrou que 75% dos coordenadores foram incisivos em
afirmar que seus projetos são de Educação Ambiental e os outros 25% contextualizaram seus
projetos nos moldes da Educação Ambiental (Tabela 1).

Tabela 1 - Enquadramento do Perfil dos Projetos de Educação Ambiental pelos


Coordenadores (2002–2016)
ANO Definidos pelo Coordenador como Projetos que Expressam o Conjunto TOTAL DOS
Projetos de Educação Ambiental de Ideias Trabalhadas em Educação PROJETOS
Ambiental
2002 01 01
2003 04 04
2004 05 05
2005 03 02 05
2006 03 03 06
2007 10 10
2008 07 05 12
2009 09 03 12
2010 06 03 09
2011 10 02 12
2012 09 03 12
2013 08 02 10
2014 09 03 12
2015 04 02 06
2016 07 04 11
TOTAL 95 32 127
Fonte: A partir de documentos da Pró-Reitoria de Graduação (2002-2016). Elaborada por Analúcia Bueno dos
Reis Giometti.

Buscando uma melhor compreensão dos assuntos trabalhados no ambiente escolar


pelos coordenadores e alunos bolsistas, foi elaborado um quadro com os assuntos tratados e
desenvolvidos por ano de aplicação no Programa do Núcleo de Ensino da UNESP. Para a
confecção deste quadro foram elencados os principais temas abordados no ano de análise,
podendo um mesmo projeto desenvolver mais de uma temática ou a mesma temática ter sido
desenvolvida por mais de um projeto.
A finalidade principal desta informação é mostrar quais os assuntos de Educação
Ambiental foram mais tratados no ambiente do Núcleo de Ensino da UNESP. Interessante
observar que a relação de temas abrange uma quantidade restrita de assuntos socioambientais,
podendo afirmar que a grande maioria gira em torno de bacias hidrográficas, solos, biomas,
236
biodiversidade, noções de preservação e conservação do entorno da escola ou do município,
preocupação com o lixo e contaminação e tratamento da água.
Ao analisar os conteúdos propostos e trabalhados nos projetos, foi possível classificá-
los e agrupá-los segundo a temática abordada.
Neste viés, no primeiro grupo, intitulado “Revertendo a Poluição”, podem-se separar
os trabalhos que deram ênfase ao segmento lixo, mostrando a preocupação com a coleta e
destino dos resíduos sólidos urbanos e os impactos gerados no meio ambiente, provocando a
poluição da água e do solo com o descarte irregular. Houve preocupação em discutir a
poluição hídrica com o descarte dos resíduos in natura nas bacias hidrográficas, revelando a
necessidade de mudança de comportamento em relação a estes despejos. Houve grande
preocupação em evidenciar que há necessidade de tratamento da poluição por efluentes
sólidos e líquidos antes de serem lançados nos recursos hídricos e nos solos.
Num segundo agrupamento, caracterizado pelo título “Sustentabilidade Ambiental”,
estariam os projetos que trabalharam os conceitos de sustentabilidade ambiental e de como é a
relação do homem com seu meio ambiente. Muitos visaram à releitura do entorno da escola,
buscando despertar o interesse dos alunos para a compreensão da realidade local e global.
Procuraram dar destaque às práticas sustentáveis despertando o olhar dos alunos para os
problemas ambientais e, principalmente, os desastres e degradação ambiental.
O terceiro, reconhecido com o nome de “Equilíbrio Ambiental”, formado por
projetos que desenvolveram as temáticas: ecossistemas, biomas, paisagem natural, mostrando
preocupação com a diversidade biológica do planeta ou do local onde estava inserida a escola,
sempre dando ênfase à minimização dos impactos através da conscientização do cidadão,
levando-o a práticas educativas através da Educação Ambiental e estimulando mudanças de
comportamento.
Os assuntos tratados neste estudo mostraram uma grande preocupação com a
biodiversidade aquática e terrestre, principalmente brasileira, com destaque para a
biodiversidade do entorno das escolas localizadas nas proximidades de áreas de preservação
dos ecossistemas brasileiros presentes no estado de São Paulo. Os câmpus com localização
privilegiada em bacias hidrográficas importantes para o sistema hídrico do estado procuraram
destacar esta localização geográfica e seus habitats, realçando a presença de seres vivos que
precisam ser preservados para o equilíbrio ambiental. Neste grupo estariam os projetos com
viés ético e que buscam a construção da cidadania.

237
Uma quantidade bastante expressiva de projetos deu destaque à temática solo,
buscando conscientizar o cidadão sobre as práticas de preservação e conservação do meio
ambiente, com a finalidade de manter equilibrados os ecossistemas. A associação desta
temática com o elemento água e possíveis usos e utilizações do solo, buscando práticas
sustentáveis, caracteriza projetos que seriam enquadrados neste quarto agrupamento,
reconhecido como “Equilíbrio Dinâmico”.
Por fim, o quinto e último agrupamento, denominado “Construindo pontes
pedagógicas”, incluiria os projetos que buscaram contribuir com a formação e
conscientização dos professores em Educação Ambiental. Não foram esquecidas as temáticas
que envolveram trabalhos em empresas buscando despertar a responsabilidade socioambiental
e também aqueles cujos temas envolveram a legislação ambiental brasileira.
Com a inclusão da temática ambiental nos currículos escolares, através da Educação
Ambiental, abriu-se o precedente de que fica a critério do professor a aplicação e
desenvolvimento dos assuntos que envolvem a sustentabilidade ambiental.

Não há possibilidade de sucesso de um projeto de mudança se o professor se sentir


como agente passivo desse processo, sem qualquer controle sobre ele; é necessário
que a mudança se constitua por princípios coincidentes com os que o professor
esteja buscando. (TRIVELATO, 1994, p. 152).

Neste sentido, Trivelato (1994) levanta a discussão sobre a necessidade da tomada de


consciência e do conhecimento do professor sobre os problemas ambientais no momento de
encontrar soluções para reverter o desequilíbrio ambiental local e global e para desenvolver,
em sua disciplina, ações de cunho ambiental. Desse modo, a implantação da Educação
Ambiental depende do grau de conhecimento do professor sobre a temática ambiental; de seu
engajamento nos processos de reversão do desequilíbrio ambiental; da sua postura ética e da
abertura dos conteúdos a serem desenvolvidos em sala de aula.
O próximo passo foi o de analisar os conteúdos trabalhados pelos coordenadores dos
projetos com viés ambiental, por ano analisado.
Ao tomar conhecimento das ideias dos projetos, através dos seus objetivos e da
descrição detalhada das propostas de cada um dos 127 projetos em estudo, estabeleceu-se a
área de interesse a ser investigada, permitindo descrever com precisão o recorte dos assuntos
abordados e o viés metodológico que norteou os trabalhos, pois foram consideradas as
premissas gerais, e, como tal, o ponto de partida dos trabalhos a serem realizados nas escolas

238
parceiras. Com este estudo foi possível observar se os trabalhos abordavam o viés ambiental
na perspectiva crítica, contribuindo para a formação de um cidadão mais crítico e ativo.
A Educação Ambiental crítica se fundamenta em uma visão diferenciada, que traz
aspectos inovadores na (re)leitura da ação humana sobre a base natural. Com esta visão
epistemológica uma nova concepção entre natureza e sociedade é tecida através de uma
perspectiva educativa que leva em conta a visão holística da crise ambiental. Para reverter os
desequilíbrios ambientais decorrentes da ação humana vem se desenvolvendo esta proposta
transformadora, que visa à gestão equilibrada do meio ambiente, buscando atingir a
sustentabilidade ambiental.
Se os objetivos trabalhados não resultarem em ações ambientais que reflitam na
natureza uma harmonia com o homem em sua atuação individual e coletiva, visando sanar os
problemas atuais e futuros, não se pode considerar que houve Educação Ambiental nos
moldes críticos. Para atingir esta concepção a Carta de Belgrado enfatiza os objetivos a serem
alcançados: tomada de consciência na busca de soluções; difusão de conhecimento sobre o
meio ambiente despertando uma responsabilidade crítica; atitudes visando difusão de valores
sociais; aptidões para resolverem os problemas; capacidade de avaliação para saber qual o
melhor caminho a ser tomado; participação na busca da melhor solução para resolução dos
problemas (Carta de Belgrado) (SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO
AMBIENTAL, 1975).
Tendo em mente este viés, buscou-se nos projetos do Núcleo de Ensino os que
mostrassem este perfil. Dos 127 projetos analisados, 80 descreveram ações que os definiam
como projetos na perspectiva crítica, correspondendo a 63% do total geral de projetos. Desde
o ano de 2003 já apareciam projetos nesta perspectiva (2 projetos): 1°) A relação homem-
natureza: estimular o consumo consciente; 2°) Formar cidadãos que atuam conscientemente
na sociedade identificando problemas ambientais urbanos decorrentes das atividades
humanas, resgatando a memória ambiental do bairro, trabalhando os conceitos de reeducar,
reutilizar e reciclar.
No período de 14 anos de estudos verificou-se que os 47 projetos que não se
adequaram à visão crítica apresentaram características que os qualificaram com viés da
Educação Ambiental mais voltada para a análise do espaço geográfico local ou global,
preocupados em desenvolverem materiais didáticos ou mesmo fazerem leituras de um ou mais
elementos da paisagem natural ou cultural, sem, entretanto, se preocuparem em explicar ou

239
propor mudanças de atitudes, conscientização da reversão da degradação visando à
preservação da vida no planeta.
Estes projetos demonstraram, em suas ações, a preocupação em trabalhar o meio
ambiente num processo de descobertas, apontando a importância de conhecer o espaço natural
e humano. Os anos de 2007 e 2008 foram os que se destacaram como os de maior número de
projetos com viés de descrição dos elementos humanos e naturais num levantamento de suas
características, portanto, fora do debate crítico. Os assuntos tratados neste viés giraram em
torno da formação de monitores; da pesquisa-ação no ambiente do entorno da escola;
produção de materiais didáticos; mapeamento ambiental local; visita a parques; a utilização
do lúdico para a construção de conhecimento.
Numa análise comparativa entre a produção de projetos com viés crítico e de projetos
que não apresentaram este perfil, podemos elencar:
1. Maior número de projetos não críticos: 2002, 2004 e 2008;
2. Maior número de projetos críticos: 2005, 2006, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013,
2014 e 2016;
3. Igual número entre as duas correntes metodológicas: 2003, 2007 e 2015.

Considerações Finais

Percebeu-se, no decorrer do trabalho, que os discursos e discussões acerca das


dificuldades de encontrar soluções globais para as questões relacionadas à sustentabilidade e
ao meio ambiente têm acontecido de forma sistemática, buscando sempre aliar o
desenvolvimento das sociedades à prevenção de possíveis danos ambientais.
A maioria das soluções apontadas para que este desenvolvimento sustentável seja
viável recai sempre, em última instância, na Educação Ambiental. Esta vem adquirindo
importância no cenário nacional, através do aprimoramento de suas técnicas, da
implementação de políticas públicas e legislações mais efetivas, apontando sempre o educar
ambientalmente como solução, na medida em que nos traz novos pontos de vista para
questões e relações jurídicas.
Sem ignorar as vitórias já obtidas, ainda há muito por fazer pela Educação Ambiental. É
um processo lento e contínuo, que visa mudar atitudes há muito enraizadas, abrindo-se para um
novo paradigma, não só no discurso, mas também no processo de reflexão-ação sobre a trajetória

240
socioambiental. Acredita-se que é este o caminho que poderá levar a uma modificação no quadro
atual de degradação ambiental.
Conforme já dito, para ter efetividade o processo de educar ambientalmente tem que
partir da realidade encontrada, mas não prescindir da ética, do esforço, da solidariedade, da
liberdade. Ele afeta a totalidade da pessoa, objetiva desenvolver atitudes e competências
definidas como consciência, conhecimentos, atitudes, aptidões, capacidade de avaliação e de
ação crítica no mundo.
A Educação Ambiental é vista também como uma educação política, que tem o
objetivo de criar novos comportamentos nos seios das organizações e dos grupos sociais,
conquistando espaços, visando assim à formação da cidadania.
A característica educacional marcante da Educação Ambiental assenta-se na premissa de
que não se constitui uma única disciplina, mas se interconecta a todas as disciplinas, pois deve
abordar e interagir com a dinamicidade do meio ambiente socioeconômico, com suas
interligações éticas, culturais, espirituais, físicas e biológicas.
As diretrizes oriundas da Constituição Federal, da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação e ainda do decreto regulamentador da Política Nacional de Educação Ambiental nos
fornecem as bases para que a Educação Ambiental seja formalizada e efetivada.
A grande dificuldade, porém, ocorre na hora de se aplicarem os projetos de Educação
Ambiental nas escolas de Ensino Fundamental Ciclo I e II, e no Ensino Médio, onde os
professores têm dificuldade de trabalhar em equipes multiplurais. A grade de disciplinas é
estanque, seccionada, não permitindo que várias áreas do conhecimento desenvolvam, ao
mesmo tempo, trabalhos que permitam a compreensão da totalidade da paisagem geográfica,
o que dificulta a implementação dos projetos em Educação Ambiental. Diante desta realidade,
os projetos do Núcleo de Ensino que são desenvolvidos no viés da Educação Ambiental
procuram se adequar à realidade tanto das escolas parceiras como da própria Universidade,
que também não costuma desenvolver ações inter e multidisciplinares.
Tratar as questões socioambientais através da perspectiva transversal e por meio de
projetos individualizados e extracurriculares propicia a (re)leitura e a desconstrução da
estrutura educacional vigente, pois a temática ambiental é adaptada, descontínua e periférica
às exigências dos PCNs. Como consequência, sofre a resistência dos professores, que relutam
em debatê-la e transformá-la em uma prática permanente.
Enquadrando-se a temática ambiental Meio Ambiente como tema transversal abre-se a
possibilidade de trabalhar os conceitos em várias disciplinas e séries. Porém, encaixar este viés
241
dentro do sistema educacional tradicional, sequencial e conteudista dependerá exclusivamente do
professor em sua prática educacional, o que é um desafio para quem precisa ministrar os
conteúdos disciplinares incluídos no plano diretor da escola. Assim se formam várias frentes de
trabalho a serem administradas pelos docentes que têm dificuldades de lidar com este modelo
transversal e de assumir estas práticas pedagógicas num modelo efetivo e prioritário.
Desenvolver pesquisas nos moldes da pedagogia por projetos seria o ideal quando se
pensa nas questões ambientais. Por sua complexidade, porém, exige-se que não só uma área
de conhecimento aplique ações que visem trabalhar a sustentabilidade do planeta, mas sim um
conjunto de áreas, cada uma delas desenvolvendo projetos dentro de suas especificidades e
em parceria.
Caminhando nessa direção, a pesquisa analisou os conteúdos dos projetos
apresentados ao Programa Núcleo de Ensino da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (UNESP), projetos estes que buscam intervir na realidade da escola parceira,
criando possibilidades de expansão do conhecimento para fora dos espaços escolares. Várias
foram as preocupações desta análise, em especial a de avaliar as temáticas apresentadas, com
a finalidade de separar e destacar apenas as referentes à Educação Ambiental.
Ao analisar estes conteúdos, constatou-se que a grande maioria visou temáticas
voltadas as práticas de conscientização, ações de preservação e reequilíbrio dos ecossistemas.
Com esta postura os projetos desenvolvidos alcançaram os objetivos da Educação Ambiental
elaborados na conferência de Tbilisi: consciência do meio ambiente; conhecimento sobre os
problemas; comportamento visando valores, interesse e preocupação com o meio ambiente;
habilidades para resolver problemas; participação das ações necessárias para atingirem os
objetivos de resolução de problemas.
Desta forma, buscou-se nos projetos do Núcleo de Ensino os que mostrassem este
perfil. Dos 127 projetos analisados, 80 descreveram ações que os definiam como projetos na
perspectiva crítica, correspondendo a 63% do total geral de projetos.
Os projetos trabalharam temas de relevância nas questões ambientais, sob a
responsabilidade do coordenador do projeto, pois é ele que define as ações que serão
trabalhadas pelos alunos bolsistas, colaboradores externos, comunidade escolar e professores
parceiros da universidade.
Em raras exceções os projetos desenvolvidos não foram estruturados a partir da
realidade e potencialidade da região onde a escola está inserida. Com este perfil, não se
perdeu a possibilidade de contextualizar o projeto e articulá-lo ao Projeto Educativo da
242
Escola, o que possibilitou a mobilização da comunidade escolar a trabalhar, segundo suas
áreas do conhecimento.
O papel do Núcleo de Ensino, de possibilitar a construção de uma educação cidadã,
conscientizadora, crítica, atuante e responsável pela construção de um presente com vistas a
um futuro socialmente justo e sustentável, que leve a uma transformação social e política,
com vistas a enfrentar e reverter as mudanças socioambientais contemporâneas apresentadas
no nosso dia a dia, é a meta esperada de uma atitude de reflexão crítica.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Pró-Reitoria de Graduação. Normas


orientadoras dos núcleos de ensino. São Paulo: Ed. UNESP, 2005.

244
DETERMINANTES HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Andréa Aparecida da Silva Anitelli*


Analúcia Bueno dos Reis Giometti**

Resumo: O trabalho a seguir se trata de parte integrante da pesquisa teórica (correspondente


ao primeiro capítulo) realizada para a concretude da Dissertação de Mestrado de
responsabilidade da autora principal, sob orientação da professora em tela. Com vistas à
crescente degradação ambiental que permeia a realidade que vivenciamos, torna-se
indispensável a realização de pesquisas acadêmicas e de produções científicas que abordem
tais questões e as suas consequências, bem como possíveis maneiras de freá-las. Assim sendo,
compreende-se a necessidade e a importância da Educação Ambiental como ferramenta de
enfrentamento desta questão. Diante disto, o presente trabalho apresenta uma abordagem
histórica a respeito das mudanças ocorridas com o avançar dos anos no ambiente natural,
chamando a atenção para a influência negativa do homem (ser social) inserido neste contexto,
que por meio de suas ações, vem degenerando o planeta Terra, somado ao modo de produção
capitalista, principal responsável pela dominação e espoliação da natureza (e do próprio
homem); discorre brevemente a respeito dos movimentos ambientalistas, os quais foram
imprescindíveis para o início da Educação Ambiental, a qual tem se mostrado ampla e
complexa, dispondo de variados aspectos, mas que em seu aspecto crítico, tem sido a forma
mais pertinente de se trabalhar. À luz destes referenciais, finaliza-se com evidências acerca da
Educação Ambiental não formal, o espaço de atuação das ONG’S.

Palavras- chave: degradação ambiental. movimentos ambientalistas. educação ambiental.

*
Mestranda na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Câmpus de Franca Membro do Grupo
GESTA.
**
Livre-Docente em Educação Ambiental pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
(2017). Profa. Dra. Livre Docente do quadro permanente da Pós-graduação em Serviço Social da Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Câmpus de Franca - São Paulo/ Brasil.Membro do grupo GESTA.

245
Introdução

Smith (2011) faz uma projeção do mundo para 2050, nos levando a pensar que se a
deterioração ambiental continuar como está agora (e como vem ocorrendo ao longo dos anos),
não será apenas o clima que apresentará grande alteração, mas que a população humana e
todos os seres vivos também continuarão sofrendo as consequências desta exploração
desenfreada e impensada, algo que desembocará diretamente na escassez de recursos naturais.

Mas, afinal, para que nos damos ao trabalho de projetar 40 anos no futuro? Para
imaginar como seria o mundo em 2050, precisamos estudar de perto o que está
acontecendo hoje, e por quê. Forçando nossas mentes a adotar uma perspectiva
abrangente, podemos identificar fatores que poderiam parecer benéficos no curto
prazo, mas que geram consequências indesejáveis no longo prazo, e vice-versa.
Afinal, fazer coisas boas (ou pelo menos, coisas menos ruins) no longo prazo é um
objetivo válido. Eu certamente não acredito que o futuro seja predeterminado:
grande parte do que acontecerá ou não daqui a 40 anos depende das ações ou
inações que serão tomadas entre hoje e 2050. (SMITH, 2011, p. 7, grifo nosso).

Como é possível notar, o referido autor também nos apresenta a ideia da intervenção
humana (seja positiva ou negativa) no ambiente natural, dando indícios de que as ações
tomadas pelo homem podem modificar o meio ambiente. Diante disto, vivemos uma relação
de interdependência com a natureza, onde preservá-la, é sinônimo de preservar a vida
humana.
Stengers (2015)1, afirma que:

A mudança climática global deixou de ser uma previsão alarmista. A exploração


descontrolada dos recursos da Terra começa a mostrar sua dimensão trágica: secas,
inundações, envenenamento por pesticidas, poluição, desigualdades sociais
crescentes são problemas que já não podem ser tratados de forma isolada.

Neste sentido, a autora propõe uma reflexão “[...] diante da situação em que se
encontra a relação entre o homem e o mundo.” (STENGERS, 2015). Nos chama a atenção o
fato de que a relação homem-natureza tem se mostrado deficitária, influenciando diretamente
(e negativamente) na relação do homem consigo mesmo. Marx (1996a, p. 297), aponta que
“[a]o atuar, por meio desse movimento, sobre a [n]atureza externa a ele e ao modificá-la, ele
modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza”.

1
Informação retirada da orelha da obra.

246
Para a compreensão da atual crise ecológica, bem como do pensamento
contemporâneo a respeito da questão socioambiental, é imprescindível que se realize uma
breve análise de seus determinantes históricos, ensejada através do conhecimento
epistemológico acerca do estudo de fontes consagradas, no que tange aos registros sobre a
relação do homem com a natureza, fazendo um estudo sobre as modificações ocorridas e
construídas socialmente.

[...] simultaneamente ordem das coisas e hábito social, e toda mudança grave na
ordem humana é também uma alteração da natureza, pois em cada período da
história da humanidade forma-se um Weltanschauung2 da qual vão emergir as
diferentes representações, científica, estética e moral da Natureza. (Lenoble, 2002,
p.23 apud RAMOS, 2010, p.68).

É preciso estudar o passado para entender o presente e refletir sobre este período atual
(ações ou inações, como proposto por Smith) para possibilitar a imaginação do futuro. Para
tanto, será apresentada uma sucinta retrospectiva acerca das constantes mudanças na
concepção de natureza, ocorridas com o avançar dos anos. Será abordado como se deu o
processo de desvalorização da natureza, o qual culminou na atual crise ecológica,
comprometendo a sustentação das gerações futuras na Terra.

Para entender a natureza e a força das restrições estruturais prevalescentes, é


necessário comparar a ordem estabelecida do controle sociometabólico com os seus
antecedentes históricos [...] no que diz respeito ao intercâmbio produtivo dos seres
humanos com a natureza e entre si. (MÉSZÁROS, 2011, p. 96, grifo nosso).

Conceber a forma como a concepção de natureza foi se modificando com o avançar da


raça humana, nos permitirá entender porque hoje a mesma (a natureza) é vista como algo
dissociado dos seres humanos.
No primeiro período da filosofia grega (período pré-socrático), é possível notar que a
natureza era vista como objeto de contemplação e parte integrante do ser, sendo assim,
entendida como a própria existência humana, logo, preservada pela população da época.

Sem examinar em detalhes cada uma das teorias desenvolvidas [...], pode-se dizer,
esquematicamente, que elas se aproximam na tentativa de reconhecer e reunir a
pluralidade do Universo através de elementos ou substâncias arquetípicas: o ar, a

2
Weltanschauung é um substantivo feminino composto de duas palavras alemãs: Welt – mundo, e Anschauung –
concepção, percepção, intuição. Weltanschauungen é sua forma plural. As diversas traduções do conceito são
cosmovisão, biocosmovisão, concepção de mundo, mundividência, visão de mundo e percepção de mundo,
dentre outras possíveis em português, e as já bem conhecidas worldview e life-worldview, em inglês.
(OLIVEIRA, 2008, p. 33).
247
água, a terra, o fogo. Tais elementos davam origem aos fenômenos naturais,
formavam os diferentes seres e toda a multiplicidade da natureza.
Uma característica do período em questão é que o conhecimento produzido não
visava à transformação da natureza, mas sim, ao alcance de uma espécie de
saber contemplativo, no sentido de criar harmonia dos homens com a physis, ou de
descobrir as regras que ela ditava aos homens. (RAMOS, 2010, p. 73 grifo nosso).

De acordo com Bornheim (1985, p. 17 -18):

Sabe-se que a primeira tentativa de pensar racionalmente a natureza, considerada de


início como a totalidade de tudo o que existe, deveu-se aos filósofos pré-socráticos
[...] A questão toda se concentra, portanto, no modo como a natureza se faz presente
para o homem; ou melhor; no modo como o homem torna a natureza presente.
À physis pertencem o céu e a terra, a pedra e a planta, o animal e o homem, o
acontecer humano como obra do homem e dos deuses e, sobretudo, pertencem à
physis os próprios deuses. [...] Estas parecem ser as notas fundamentais da physis,
possibilitadoras da “física” pré-socrática. Pensando a physis, o filósofo pré-socrático
pensa o ser, e a partir da physis pode então aceder a uma compreensão da totalidade
do real: do cosmos, dos deuses e das coisas particulares, do homem e da verdade, do
movimento e da mudança, do animado e do inanimado, do comportamento humano
e da sabedoria, da política e da justiça.

Porém, com o avançar dos séculos, a dicotomia entre homem e natureza foi se
acentuando e no início do século XVII, o meio ambiente passou a ser visto apenas como
matéria. Ao se consolidar o surgimento da razão e da ciência neste século, adota-se uma nova
visão do espaço natural: ele passa a ser mecanicista e funcional.
A paisagem natural e a paisagem antrópica passam a compor dois aspectos
diferenciados e dicotômicos na análise proposta pelo homem, que se distancia cada vez mais
da natureza, colocando em evidência a ciência, que avança rapidamente e passa a explicar
todos os fenômenos que ocorrem na paisagem geográfica.

Tendo cedido em sua autonomia, a razão tornou-se um instrumento. No aspecto


formalista da razão subjetiva, sublinhada pelo positivismo, enfatiza-se a sua não-
referência a um conteúdo objetivo; em seu aspecto instrumental, sublinhado pelo
pragmatismo, enfatiza-se a sua submissão a conteúdos heterônomos. A razão tornou-
se algo inteiramente aproveitado no processo social. Seu calor operacional, seu papel
de domínio dos homens e da natureza tornou-se o único critério para avaliá-la.
(HORKHEIMER, 2002, p. 29 apud ROSA, 2015, p. 20).

Já no século XVIII, incide a Revolução Industrial, reputada, por diversos autores,


como o acontecimento de maior influência para a degradação ambiental, devido à sua
associação ao início do modo de produção capitalista.

248
Com o grande avanço da ciência e sendo cada vez maior a valorização da razão neste
século, o Iluminismo surge com a ideia de tornar a natureza útil ao homem, por meio da “[...]
grande transformação [d]a capacidade produtiva humana.” (DIAS, 2011, p. 5),
compreendendo que este último seria capaz de “construir”, ele mesmo, a civilização.
No início do século XX, a teoria crítica de Adorno e Horkheimer afirma que o desejo
despertado no homem de dominar o espaço natural, vem de sua necessidade de soberania
sobre os elementos naturais, os quais são vistos como simples objetos de espoliação. Para tais
pensadores, a divisão entre sujeito e objeto é fator determinante para que se distancie o ser
humano da natureza, pois esta é subjugada aos desígnios humanos, que por meio da técnica
atinge os objetivos propostos na sua apropriação dos fatores naturais.
Sobremodo, podemos depreender o século XX como o século da “coisificação” da
natureza e também das pessoas, pois em seu bojo, incide até mesmo o homem, que com o
processo de expansão capitalista a todo vapor, passa a ser apenas mais um objeto.

Essa lógica de produção capitalista, onde tempo é dinheiro - “Time is Money” termo
advindo da produção fabril em massa, com a invenção da produção em série, das
esteiras, do tempo cronometrado e do controle na chegada e saída dos funcionários
(o afamado bater cartão), implantados respectivamente através do Taylorismo,
Fordismo e do Toyotismo – (além do desrespeito aos Direitos Humanos, com
maior índice de acidentes de trabalho, devido tamanha exploração dos
trabalhadores), traz consigo o desrespeito total aos recursos naturais, agredindo-os e
destruindo-os, de forma completamente insustentável. (SILVA; TROMBETA, 2011,
p. 23, itálico, grifo do autor; negrito, grifo nosso).

Há então a total desvalorização do sujeito, onde, além de dominar a natureza, o


homem passa a dominar o próprio homem. Para Francisco (2015, p. 37, grifo nosso):

O ambiente humado e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos


enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às
causas que têm a ver com a degradação humana e social. De facto, a deterioração
do meio ambiente e a da sociedade afectam de modo especial os mais frágeis do
planeta.

Diante do texto apresentado até o momento, percebe-se que até este período, os bens
naturais eram vistos como fonte inesgotável e a degradação ambiental era analisada dentro de
uma escala local, porém, a multiplicação dos fenômenos ambientais destrutivos causados
pelas atividades antrópicas, tais como: o aquecimento e a acidez das águas oceânicas; a
degradação e desertificação dos solos; a escassez da água potável; a poluição do ar; e talvez o

249
mais preocupante deles, o aquecimento global, fenômeno este responsável pelo aumento da
temperatura do planeta que habitamos, ocasionando, impreterivelmente, o derretimento das
geleiras e o aumento do nível do mar, acarretaram cada vez mais alterações em cadeia que,
como consequência, passaram a afetar a qualidade de vida de todos os habitantes do planeta
Terra e ganharam repercussão mundial.
Nota-se desta forma a necessidade de mudança do paradigma vigente da época, pois
“[e]m escala mundial, [havia] a confirmação sobre as mudanças ambientais, principalmente a
partir do aumento significativo dos desastres ambientais” (SILVA, 2016, p. 27). Para
Giometti et al. (2010, p. 97):

[...] este acréscimo ocorre com vistas a manter o atual estágio de desenvolvimento
técnico-científico da sociedade contemporânea, ávida do consumismo e inebriada
pela melhoria de suas condições materiais de existência. Destarte, o meio natural
tem-se ressentido de tal demanda e corriqueiramente vem demonstrando as suas
contrariedades frente às intervenções antrópicas.

É dentro deste contexto que surgem os movimentos ambientalistas3.

Quadro 1- Síntese dos Movimentos Ambientalistas


Ano Acontecimento Descrição
Grupo formado a partir da união entre pessoas influentes, foi o primeiro
a preocupar-se com a degradação ambiental e a discutir o uso dos
1968 Clube de Roma recursos naturais para o crescimento econômico.
Com repercussão mais ampla e a participação de 113 países, é
1972 Conferência de considerada um marco político e acontecimento histórico de âmbito
Estocolmo mundial; propôs o conceito de Ecodesenvolvimento.
Propôs nova ética planetária e o Encontro Internacional em Educação
1975 Congresso de Ambiental. Primeiro a apontar a necessidade de uma educação
Belgrado ambiental.
Evento revolucionário para a Educação Ambiental, estabeleceu seus
1977 Conferência de princípios orientadores e seu caráter interdisciplinar, crítico, ético e
Tbilisi transformador.

Ano Acontecimento Descrição


1987 Relatório Definiu e difundiu o conceito de desenvolvimento sustentável.
Brundtland
Consolidou as deliberações defendidas até o momento e elaborou a
Carta da Terra (aprovada e publicada no ano 2000), a qual aponta
desafios futuros para a raça humana, com princípios fundamentais para
1992 ECO 92 uma sociedade mais justa, sustentável e pacífica; e a Agenda 21,
documento que trata das mudanças para com o meio natural e da
atuação das ONG’s (dentre outros) na educação ambiental.
Documento que objetivou a diminuição (5,2% entre os anos de 2008 e
1997 Protocolo de 2012), de gases poluentes causadores do efeito estufa e consequente

3
Acerca dos movimentos ambientalistas, vale salientar que “Ambientalismo é o conjunto de ações teóricas e
práticas visando à preservação do meio ambiente.” (MONTIBELLER-FILHO, 1999, p. 13).

250
Kyoto aumento do aquecimento global.
Avaliou os progressos e as falhas existentes na implementação e nos
2012 Rio + 20 resultados dos principais encontros já realizados sobre o
desenvolvimento sustentável.
Fonte: Elaborado por Andréa Aparecida da Silva Anitelli (2017).

OBJETIVOS

Objetivo geral
Propor discussões acerca da Educação Ambiental enquanto política pública de
enfrentamento da degradação do meio ambiente.

Objetivos específicos
 Apresentar, por meio de uma abordagem histórica, as transformações ocorridas no
ambiente natural;
 Discorrer sobre os movimentos ambientalistas que levaram ao surgimento da
Educação Ambiental;
 Evidenciar a Educação Ambiental não formal – a atuação das ONG’s.

Metodologia

O presente trabalho possui caráter teórico e para a sua concretude utilizou-se da leitura
e análise de um referencial a respeito da temática ambiental, o qual foi composto por
substancial pesquisa bibliográfica, eletrônica e documental, sendo estas de natureza
qualitativa e exploratória.
A pesquisa pautou-se no método materialismo histórico dialético, uma vez que
buscou-se por uma compreensão diferente e crítica da realidade vivenciada, problematizando
as contradições às quais somos submetidos cotidianamente.

Discussão Teórica

Contexto histórico e vertentes da Educação Ambiental


Através do quadro apresentado nas páginas seis e sete, é possível notar que todos os
movimentos ambientalistas ocorridos desde meados da década de 1960, desembocaram na

251
Educação Ambiental (EA), tendo esta a sua história intrinsecamente ligada à história de tais
movimentos.
Para Duailibi e Araújo, (2004, p. 3), levou um tempo para que uma das possibilidades
de enfrentamento aos problemas ocasionados pela utilização dos recursos naturais fosse
associada às mudanças comportamentais, logo, vistas como um caso educacional. Sendo
assim, “[s]ó em 1965, foi utilizada pela primeira vez, a expressão ‘Educação Ambiental’
(Environmental Education), durante a ‘Conferência de Educação’, da Universidade de Keele,
na Grã – Bretanha.” No entanto, esta expressão foi definida apenas no ano de 1977, durante a
Conferência de Tbilisi:

“Uma dimensão dada ao conteúdo e à prática da educação, orientada para a


resolução dos problemas concretos do meio ambiente, através de enfoques
multidisciplinares e de uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da
coletividade.” (DUAILIBI e ARAÚJO, 2004, p. 8).

Porém, atualmente não há apenas um conceito quando se fala em EA, pois alguns autores
vêm se debruçando em estudos relacionados ao tema e classificando-o de formas
diferenciadas de acordo com a maneira como é trabalhado. Sendo assim:

Guimarães (2004) classifica em duas, as vertentes dentro da educação ambiental, a


educação ambiental tradicional (por vezes chamada também de conservadora), que
segundo o mesmo autor defini-se por ser hegemônica, e possuidora de uma visão
mecanicista da ciência, simplificadora dos fenômenos complexos da realidade, além
de não poder ou não querer revelar as relações de poder que estruturam a sociedade
atual (luta de classes, relações de gênero, identidade, minorias étnicas e cultuais,
relação norte-sul). Na concepção de Guimarães, esta educação ambiental tradicional,
não tem potencial de alavancar as mudanças necessárias para a superação da atual
crise socioambiental. Ele define então a educação ambiental crítica como contra-
hegemônica, com a característica de ser interdisciplinar relacionada com a teoria da
complexidade e com o objetivo de desvelar as relações de dominação que
constituem a atual sociedade, sendo esta, uma proposta que pode e deve fazer um
contraponto em relação ao que vem sendo realizado como o que identificamos como
sendo a educação ambiental conservadora. (GUIMARÃES, 2004 apud DIAS, 2012,
grifo nosso).

De acordo com Lima, foi entre os anos de 1980 e 1992, que se constituiu a ideia de que
degradação ambiental e crescimento econômico estavam indissociados.

[...] foi nesse período, de meados da década de 1980 até a Rio 92, que se gestou e
ganhou importância o discurso de DS4, fruto do aprofundamento e cruzamento da
crise ambiental. Significa dizer [...] que amadurecia a consciência de que os
problemas do crescimento econômico e da degradação ambiental não eram

4
Desenvolvimento Sustentável.
252
diferentes nem concorrentes, mas simplesmente causa e efeito de uma mesma e
inseparável equação. (LIMA, 2009, p. 157).

Destarte, e visto que somos parte de uma sociedade capitalista, a tendência é de que
tal degradação aumente cada vez mais, portanto, para Tonet ( 2015, p. 489, grifo nosso):

O agravamento dos problemas ambientais trouxe à tona muitas preocupações. Em


pouco tempo organizaram-se campanhas publicitárias, estudos, congressos, eventos
promovidos por governos e propostas de enfrentamento desses problemas. Entre
estas ações também está a proposta de educação ambiental. Tanto fora como
dentro da escola.

Consequentemente, para melhor se aplicar ações de proteção ao meio ambiente, é


necessário conhecer e compreender alguns conceitos da EA, antes de praticá-los.
Para Machado (2013), a EA se trata da relação entre ser humano e meio ambiente e
partindo deste pressuposto, há a possibilidade da existência de três vertentes:

 Perspectiva ambiental: problematiza a degradação ambiental e a sua implicação para


a manutenção da vida no planeta. Foca na prevenção dos problemas ambientais.
 Perspectiva educativa: problematiza as ações antrópicas. Foca na mudança de valores
e de postura do homem para com a natureza.
 Perspectiva pedagógica: problematiza a educação em si. Foca em diferentes modos
de educar e ensinar, objetivando a resolução dos problemas ambientais.

Pautando-se em Lima (2009), pode-se afirmar que a EA foi estabelecida no Brasil a


datar das décadas de 1970 e 1980, compreendida como setor político e pedagógico
diversificado, a qual contou com numerosas contribuições, fossem elas de caráter filosófico,
científico, ou de movimentos sociais.

No caso brasileiro, foram, sobretudo, decisivas no primeiro momento de sua


constituição, as pressões dos organismos internacionais sobre o governo para
instituir órgãos e políticas públicas ambientais, a ação da sociedade civil por meio
dos movimentos sociais e das ONGs e as iniciativas pontuais e pioneiras de escolas
e educadores inspirados por essa motivação renovadora. (LIMA, 2009, p. 149).

O autor ainda apresenta uma abordagem sócio-histórica sobre os momentos que


antecederam a EA e os momentos em que ela se constituiu:

253
Do ponto de vista político e institucional, o país vivia um período autoritário que se
iniciara com o Golpe Militar de 1964 e só retornaria ao estado democrático de
direito com a eleição indireta de um presidente civil em 1985, por meio da coalizão
formada em torno da candidatura Tancredo Neves. Nesse clima de liberdades
restritas, tanto a crítica e o debate político não prosperavam como a própria
abordagem da questão ambiental sofria influências conservadoras. Isso porque a
questão ambiental se desenvolvia e subordinava a uma orientação maior de governo
de perfil desenvolvimentista, tecnocrático e autoritário, que demarcava claramente o
sentido e os limites do que era possível avançar nessa área [...] a EA brasileira, em
seus primórdios, foi orientada por uma visão hegemônica de perfil conservacionista,
tecnicista, conservadora e apolítica. (LIMA, 2009, p. 149).

Ficando claro que a EA é um ato político, é necessário primeiramente compreender o


poder do Estado e da Política, para a partir de então, propor uma mudança, uma vez que “O
foco de uma educação dentro do novo paradigma ambiental tenderia a compreender, para
além de um ecossistema natural, um espaço de relações socioambientais historicamente
configurado” (CARVALHO, 2001, p. 45).
Tendo em mente que a EA se trata, basicamente, de um instrumento de transformação
da realidade social, iremos agora nos aprofundar e diferenciar a EA comportamental e a EA
crítica, como também será possível visualizar que estas possuem diversas outras
nomenclaturas.
A EA apresentada como comportamental por Layrargues, e como corrente
conservacionista ou recursista por Sauvé, também é conhecida como EA convencional ou
tradicional, e é duramente criticada por estes autores, uma vez que apenas reproduz uma ideia
de meio ambiente saudável, mas não transforma o indivíduo para a prática. Assim, a EA
conservadora foca no efeito da degradação ambiental, não em sua causa, além de culpabilizar
o indivíduo pelas transformações ocorridas no meio natural, sem pensar o sistema político no
qual está inserida.
A tendência é de que grandes empresas e o poder público adotem o discurso da EA
conservadora, pois, desta forma, se mostram “politicamente corretos” e “preocupados” com
os impactos que suas atividades causam ao meio ambiente, o que é, na verdade, uma grande
falácia, uma vez que tais corporações apenas visam o lucro, sem pensarem no fator humano e
no impacto negativo causado na vida das pessoas.
Entrando na concepção de educação ambiental crítica, Layrargues e Lima, 2011,
definem que:

A educação ambiental crítica, tipicamente brasileira, surge da educação popular de


Paulo Freire e da pedagogia crítica, que tem seu ponto de partida na teoria crítica
marxista e neomarxista de interpretação da realidade social. Associa também

254
discussões trazidas pela ecologia política que insere a dimensão social nas questões
ambientais, passando essas a serem trabalhadas como questões socioambientais.
(LAYRARGUES; LIMA, 2011 apud DIAS, 2012).

Para Carvalho (2001), uma EA transformadora, de fato, vai além de enxergar o meio
natural como simples fator biológico. Na EA de caráter transformador, busca-se pela
compreensão da totalidade do ambiente socialmente construído, enxergando e interagindo as
bases naturais e sociais, com as suas manifestações sociais, políticas e culturais, como parte
de um todo complexo, daí, o socioambiental.
Na EA popular, a qual possui caráter crítico, o ser humano não é visto apenas como
indivíduo dissociado da vida em sociedade, mas sim como um ser completo, que está em
constante relação com outros seres, ou seja, um ser social.

Educação Ambiental não formal - a atuação das ONG’s

Antes de nos debruçarmos a respeito da EA não formal, faz-se necessário um breve


esclarecimento a respeito da EA formal. EA formal é aquela desenvolvida nas escolas, sejam
públicas ou particulares, como um dos eixos transversais dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN’s).

O conjunto de documentos dos Temas Transversais comporta uma primeira parte em


que se discute a sua necessidade para que a escola possa cumprir sua função social,
os valores mais gerais e unificadores que definem todo o posicionamento relativo às
questões que são tratadas nos temas, a justificativa e a conceitualização do
tratamento transversal para os temas sociais e um documento específico para cada
tema: Ética, Saúde, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural e Orientação Sexual,
eleitos por envolverem problemáticas sociais atuais e urgentes, consideradas de
abrangência nacional e até mesmo de caráter universal. (BRASIL, 1997, p. 45, grifo
nosso).

Já a EA não formal, é definida pela Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA),


Lei 9.795/1999, artigo 13, como “as ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da
coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da
qualidade do meio ambiente”. Ressalta-se que esta lei possibilitou a implementação da EA em
seu aspecto não – formal, ou seja, fora do âmbito escolar, o qual é comumente ocupado pelas
ONG’s, devido a sua maior proximidade com a comunidade, com vistas ao trabalho
socioambiental. Lima, 2009, p. 156, aponta que:
Destacada no quadro da página sete, a atuação das Organizações Não Governamentais
(ONG’s), teve seu fortalecimento marcado pela ECO 92.
255
Um importante momento para o fortalecimento das ONGs foi o ano de 1992, quando,
paralelamente à RIO 92, realizou-se o FÓRUM GLOBAL, um significativo evento onde a
participação da sociedade civil foi altamente expressiva, reunindo milhares de ativistas de
todo o Planeta, em uma grande tenda armada na cidade do Rio de Janeiro.

Este evento assinalou o avanço da sociedade civil organizada e sua preocupação


com as questões ambientais, sobretudo pela ampla participação de entidades de
diferentes naturezas, como universidades, organizações sindicais, associações
comunitárias, ongs, de todo o mundo, que ali defenderam conjuntamente seu direito
de ter voz nas decisões governamentais cujas implicações interferem no cotidiano de
cada um dos humanos e na construção do futuro da humanidade. (DUAILIBI e
ARAÚJO, 2004, p. 12).

Mesmo com o destaque obtido após a RIO 92, a atuação das ONG’s possui, ainda nos
dias atuais, pouca visibilidade.

Considerações Finais

Pode-se concluir que o maior desafio da prática da EA (seja ela em seu campo formal
ou não-formal), é torná-la, além de uma atividade educacional, uma discussão política,
momento este em que não mais precisará ser denominada de EA. Conforme apontado por
Smith, no início deste trabalho, para que a EA possa “surtir efeito”, não bastam simples
palestras, é preciso ação por parte de todos.
Layrargues (2002) e Tonet (2015) vão além de sugestões de práticas educacionais e
compartilham do pensamento de que é necessário transformar a sociedade, como um todo (no
que tange ao sistema político vigente), para proteger a natureza, uma vez que acreditam que
apenas reformar o pensamento dos cidadãos, não será o suficiente. Partindo deste princípio,
Tonet (2015, p. 487,488), aponta que:

Ora, a transformação da natureza é a principal fonte de produção de mercadorias e,


portanto, de acumulação de capital. Nada pode impedir que o capital transforme a
natureza em mercadorias uma vez que a busca do lucro é a sua lei suprema. Além
disso, é da essência do capitalismo a concorrência dos capitalistas entre si na busca
do lucro.
Esta lógica perversa resulta, necessariamente, no esgotamento dos recursos naturais,
na devastação indiscriminada da natureza e nas mil formas de agressão e destruição
da própria vida humana. Independente de boas intenções de indivíduos, de grupos
sociais, de empresas e/ou de governos, as leis do capitalismo continuam a reger a
256
vida humana enquanto existir esta forma de sociabilidade. É uma enorme ilusão
pensar que se pode humanizar o capital, pois humanizá-lo significaria obrigar os
capitalistas a produzir tendo em vista a satisfação das necessidades humanas e não o
lucro.

Ou seja, a EA é apenas o pontapé inicial para uma transformação societária, que


permite uma mudança paulatina nos pensamentos e valores da sociedade civil, visando o
cumprimento de um objetivo maior: diminuir o poder do capital.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL FRENTE AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Henrique Freitas Alves*

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo discutir os moldes da implementação da


educação ambiental no Brasil, a qual por vezes perde seu caráter crítico e revolucionário,
sendo relegada ao papel de aplicar a sustentabilidade no modo de produção capitalista
vigente. A crítica feita se baseia na análise da Política Nacional de Educação Ambiental, a
qual deixa em seus artigos os objetivos que se tem na introdução da educação ambiental no
país, bem como na revisão de outras obras acerca do assunto, dando-se preferência a autores
brasileiros. A discussão se dá em torno da problemática da associação desta área com o modo
de produção capitalista, sob a forma do “desenvolvimento sustentável”. Atrelar o
ambientalismo e suas reivindicações com o status quo pode acarretar diversas problemáticas
que devem ser ressaltadas. Assim, este é o objetivo principal do presente trabalho.

Palavras-chave: Educação Ambiental; Sustentabilidade; Desenvolvimento Sustentável.

Introdução
O atual cenário ecológico demanda profundas reflexões acerca do futuro do mundo,
dessa forma, iniciaremos o trabalho apresentando um breve histórico dos problemas
ambientais.
O imperialismo capitalista é tratado como a principal causa da árdua degradação
ambiental, pois possui lógica de explorar o máximo possível elementos naturais a fim de gerar
o maior lucro econômico possível, sem levar em conta os danos tanto imediatos quanto
futuros que tais ações provocarão no mundo. E não foi somente no aspecto econômico que o
sistema capitalista transformou a relação com a natureza. As relações de poder e dominação
social alteram a forma como nos relacionamos com os meios naturais, a relação de dominação
do ser humano sobre a natureza advém das relações de dominação presente dentro da
sociedade hierárquica capitalista. A ação humana cria nova natureza, portanto cria também
uma nova relação humana com a natureza.
A ofensiva capitalista já provocou, e continua à, mudanças drásticas na relação
sociedade-natureza, esta última foi incessantemente modificada aos moldes da sociedade de
mercado, por isso à importância de uma análise crítica da história, a necessidade de ressaltar
os discursos silenciados pelas narrativas da modernidade, ou seja, ressaltar as vozes daqueles

*
Graduando em Relações Internacionais, UNESP/Câmpus de Franca.

261
que sofrem os impactos, e não mais adotarmos a história através da narrativas dos povos
dominantes.
Além disso, a humanidade possui uma dívida ecológica histórica e que continua a
crescer rapidamente desde a imposição da estrutra moderno-colonial pelo sistema capitalista.
Após a Revolução Industrial, os impactos ambientais que já eram causados pelas políticas
imperialistas ocidentais a partir da exploração extrema de recursos naturais de,
principalmente, áreas africanas, asiáticas e latinoamericanas, e do completo extermínio da
população nativa, cresceram de maneira insustentável para o meio ambiente. O avanço
tecnológico voltado para o domínio do ser humano sobre a natureza, guiado pelo pensamento
antropocêntrico moderno, possibilitou a criação de mecanismos capazes de alterar, quando
não destruir completamente, o equilíbrio ambiental que culminam em um caminho sem volta.
Existem vários exemplos do uso de tecnologia para modificar a natureza e/ou destruí-la.A
bomba atômica é o melhor exemplo de destruição instântanea e massiva da natureza, contudo,
as estruturas políticas de certo modo impedem (ou retardam) seu uso. Entretanto, uma
tecnologia amplamente disseminada pelo mundo devido à pressões mercadológicas, que
auxilia na busca incessante pelo máximo de lucro possível com o menor custo e segurança
necessários, que provoca também inúmeros impactos sociais, é a utilização de transgênicos.
Originado pela engenharia genética da biologia, os transgênicos são responsáveis
diretos pelo aprofundamento do desaparecimento da diversidade ambiental e cultural. As
consequências desse produto são incontáveis, desde o genocídio à populações indígenas e
camponesas provocado, além da matança comanda pelos produtores industriais, pelo fim da
diversidade, devido a mutação genética dos trangênicos e também do uso de agrotóxicos, de
frutas, legumes, grãos e plantas medicinais (várias espécies destas foram extintas antes
mesmo de encontradas pelas sociedades modernas) que eram a base da vida desses povos.
Portanto, o capitalismo possui a lógica da exploração dos recursos naturais e a
utilização de tecnologias que otimizem este processo. Dessa forma, quando falamos em
desenvolvimento sustentável ou sustentabilidade, entramos em uma profunda contradição
conceitual. Para que haja desenvolvimento dentro do sistema capitalista é necessário uma
grande escala de produção e alto consumo, o que por sua vez acarretará em grande quantidade
de recursos naturais destinados à produção e resultará em uma quantidade de resíduos nocivos
ao meio ambiente através do consumismo. Não é possível alinharmos um sistema que
necessita de um consumo desenfreado e incessante para que possa alcançar os níveis de
sucesso desejado com uma noção de respeito ao meio ambiente, com responsabilidade no uso
262
dos recursos naturais. Assim, por definição própria, desenvolvimento capitalista e
responsabilidade socioambiental são incongruentes. Por isso, o conceito de sustentabilidade se
mostra contraditório quanto ao caráter do movimento ambiental na medida em que
transparece a função de alinhar os meios de produção capitalista à preservação ambiental.
A educação por si só é um campo extremamente complexo de estudo e prática, e surge
enquanto um processo transformador da realidade. Portanto, dentra da atual conjuntura, a
educação ambiental ganha uma importância enorme, e se torna mais um campo de conflito
ideológico. Analisando a Política Nacional de Educação Ambiental brasileiro, vemos que
mais uma vez a lógica de mercado está implícita na formulação das diretrizes curriculares do
país. O viés emancipador da educação se perde quando a vinculamos aos interesses
profissionalizantes capitalista. A educação ambiental tem em sua essência o caráter
revolucionário do movimento ambientalista, alinhá-la ao conceito de sustentabilidade como
faz as diretrizes curriculares nacionais possui grande problemáticas, as quais serão discutidas
neste trabalho.

Objetivo Geral e Específico

O presente trabalho tem como objetivo destacar a relevância do enfoque crítico dentro
da questão ambiental, discutindo o tratamento e a busca pela solução dentre os problemas
deste âmbito. Para tanto, busca-se fomentar o debate acerca do significado da termo
“sustentabilidade”, quais os objetivos implícitos na propagação deste conceito, vinculado a
sua natureza capitalista de desenvolvimento, porém com a tentativa de camuflar as
problemáticas deste sistema.
Além disso, busca-se enfocar o rumo da educação ambiental que vem sendo
implementada no país, seja dentro do espaço formal da pratica de ensino, seja em espaços
alternativos. Dentro dessa discussão, ressalta-se que as diretrizes definidas pela Política
Nacional de Educação Ambiental vem sendo propagada dentro e fora das salas de aula,
sobretudo através do discurso midiático e a formação de um senso comum acrítico, sem que
seja devidamente aprofundada a complexidade das questões ambientais atuais. O objetivo do
presente trabalho está em problematizar a propagação do discurso individualista sobre as
possíveis soluções para a crise ambiental vivida a fim de afastar a sociedade da discussão
sobre responsabilidade governamental, como por exemplo a constante exaltação do uso
racional da água no âmbito doméstico, que, ainda que seja importante ressaltar, em uma visão
263
macro não representa a maior parcela responsável pela escassez de recursos naturais, uma vez
que o grande culpado é a má gestão socioambiental.

Metodologia

Para atingir os objetivos traçados anteriomente são necessários conhecimentos da


problemática do desenvolvimento sustentável e do papel do Estado na sua implementação,
bem como estudo do malefícios causados por este sistema. Assim, pretende-se analisar a
literatura especializada sobre o tema por meio de levantamentos bibliográficos, consultando
livros, periódicos e artigos pertinentes ao tema proposto. Além disso, é de suma importância
para o andamento da pesquisa avaliar dados oficiais do governo brasileiro sobre tal temática,
como a Política Nacional de Educação Ambiental, além de outras informações disponíveis
também em sites oficiais de organizações internacionais, organizações não-governamentais,
entre outros, relacionadas a presente pesquisa.
Uma questão importante a discussão proposta pelo tema deste projeto é quais os
critérios utilizados nas pautas ambientais das políticas públicas, o que é definido como
causador da degradação ambiental a nível global, discutindo se o enfoque individualistas se
justifica pelo projeto político e ideologico por trás da implementação de tais ações. Assim,
será analisado o papel da sociedade, especialmente as camadas mais desfavorecidas, e de que
maneira a ecologia pode possibilitar a emancipação e fortalecimento dos movimentos
reivindicatórios destas populações, a quem historicamente são destinado a maior parcela do
ônus ambiental ocasionado pelo sistema capitalista com a participação do Estado.

Discussão Teórica

James O’Connor afirma em Es posible el capitalismo sostenible que estamos diante de


uma grande questão mundial: em que termos serão definidos os conceitos de desenvolvimento
sustentável ou de capitalismo sustentável?
O’Connor nos atenta para o viés chamativa do próprio termos sustentabilidade, e como
este abarca diferentes classes sociais, mantendo-se dificilmente contestável.

El significado más elemental de “sostener” es “apoyar”, “mantener el curso”, o


“preservar un estado de cosas”. ¿Qué gerente corporativo, ministro de finanzas o
funcionario internacional a cargo de la preservación del capital y de su acumula-

264
ción ampliada rechazaría asumir como propio este significado? Otro significado es
el de “proveer de alimento y bebida, o de medios de vida”. ¿Qué trabajador urbano
mal pagado, o qué campesino sin tierra rechazaría este significado? Y outra
definición es la de “persistir sin ceder”. ¿Qué pequeño agricultor o empresario no se
resiste a “ceder” ante los impulsos expansionistas del gran capital o del estado,
enorgulleciéndose por su “persistencia”? (O’CONNOR, 2002, p. 10)

Para iniciar a discussão traçada, O’Connor define que a questão que permeia a
sustentabilidade e seu significado, é primeiramente ideológica, antes mesmo de se referir ao
âmbito ecológico. O problema da sustentabilidade do capitalismo sustentável circunda três
sentidos: ser sustentável do ponto de vista de manter a acumulação capitalista na atual escala
global; proporcionar os meios de sobrevivência aos povos do mundo; e, por fim, “y
“sostenerse sin ceder” por parte de aquellos cuyas formas de vida están siendo subvertidas por
las relaciones salariales y mercantiles”. (O’CONNOR, 2002, p. 10)
Desta forma, percebe-se que nenhum dos três sentidos listados refere-se
específicamente a sustentabilidade ecológica da natureza em si, a preservação de seus
recursos naturais e a manutenção destes, a partir de uma nova relação do ser humano com
esta, substituindo a vigente relação de poder e hierarquia capitalista, onde a terra é mais um
produto a ser explorado a fim de gerar ganhos econômicos. O desafia da sustentabilidade para
o capitalismo se baseia predominantemente em manter sua estrutura de acumulação e
exploração, apenas adicionando elementos que possivelmente demonstrem um impacto
ambiental menor do que o atual, ou ao menos um impacto menos perceptível.
Voltando a obra analisada, O’Connor descreve uma situação que comprova
exatamente o que foi dito acima. Na região da Baía de Monterrey, na California, ocorreu a
diminuição dos níveis dos aquíferos, bem como a salinização das águas, algo que representa
diversos impactos socioambientais. Isto foi causado pela excessiva extração de águas
subterrâneas. Assim, o autor faz a seguinte questão: Isso constitui uma crise? E a resposta
dada: em termos econômicos, não, se a região importa água. É por casos como este que a
definição de capitalismo sustentável ou de desenvolvimento sustentável se mostra
completamente vazia e contraditória.

El capitalismo tiende a la autodestrucción y a la crisis; la economía mundial crea una


mayor cantidad de hambrientos, de pobres y de miserables; no se puede esperar que
las masas de campesinos y trabajadores soporten la crisis indefinidamente y, como
quiera que se defina la “sostenibilidad”, la naturaleza está siendo atacada en todas
partes. (O’CONNOR, 2002, p. 11)

265
Ainda assim, o que vemos constantemente é a abdicação da preservação ambiental em
prol do crescimento econômico, e não somente por parte dos Estados e empresas, mesmo
grandes organizações ambientalistas estão dispostas a isto, sendo um dos motivos de não
vermos ataques diretos as grandes indústrias e as questões estruturais. Predominantemente os
interesses e direitos da população pobre se mantém deslocada das discussões
instituicionalizadas. A sustentabilidade do sistema econômico vigente poderia passar por
questões como o aumento de impostos sobre matéria-prima poluentes (carbono, petróleo) ou
então em investimentos maciços na produção de energías limpas como a solar. Contudo, estas
medidas não estão sendo colocadas em nenhuma parte do mundo, e por um motivo: não são
economicamente lucrativas. E o próprio movimento ambientalista não pressiona neste sentido,
por serem, na maioria das vezes, apoiados pelas próprias empresas, que possuem o intuito de
mostrarem-se ao mundo seu selo verde.

En un nivel superficial, el problema simplemente consiste en cómo presentar una


imagen verde verosímil a los consumidores y al público -por ejemplo, la industria
química norteamericana planeó gastar diez millones de dólares en 1992 para
presentarse a sí misma como ambientalmente razonable y amistosa (New York
Times, 12/8/1992). Se trata también de cómo reformar la producción de modo que se
ahorren energía y materias primas, lo que constituye un problema esencialmente
económico. Lejos de ser un problema para el capital en su conjunto, la eficiencia en
el uso de la energía y de los materiales durante un período de lento crecimiento es
económicamente deseable, y quizás lo sea también en lo ecológico. Para citar un
caso, el 75% del aluminio producido por empresas norteamericanas proviene de
envases y otros productos reciclados. Otro caso es el de nuevas prácticas en la
industria de la madera, que produce postes y vigas a partir de árboles demasiado
pequeños para ser convertidos en tablas, utilizando así lo que de otra manera sería un
desecho. Del mismo modo, la retórica del “reciclaje” y los precios (selectivos)
pueden ser utilizados para facilitar nuevas olas de obsolescencia planificada bajo el
estandarte de la amistad hacia el ambiente -legitimando así el consumismo y
preservando la rentabilidad. (O’CONNOR, 2002, p. 15)

As corporações buscam a solução do problema ambiental de maneira totalmente


oposta ao que os ambientalistas possuem. A discussão é puramente econômica, e de qual
maneira será possível encontrar novos modos de exploração da natureza, a fim de permitir a
acumulação “sustentável” de capital. Além disso, a própria premissa básica de
sustentabilidade capitalista é totalmente contraditória, na medida em que o capital necessita de
taxas de consumo elevadas constamente, o que por sua vez demanda recursos naturais e mão-
de-obra. As taxas de demanda de recursos naturais não são acompanhadas pela reposição
natural destes, gerando uma superexploração do mesmo, impactando o meio ambiente. E
ainda, consumo resulta em produção de resíduos sólidos (lixo), e as quantidades em escala
mundial são insustentáveis do ponto de vista ambiental, visto que o seu descarte, mesmo
266
quando feito de maneira dita apropriada, produz poluentes e inutiliza o solo da região. Em
suma, o capitalismo sustentável só é possível se o mesmo abandonar sua premissas básicas e
toda a sua estrutura, ou seja, a sustentabilidade do capitalismo é uma falácia produzida para
que o mesmo possa se manter enquanto sistema econômico e político vigente.
É dentro desta perspectiva que se torna urgente analisarmos a inserção da educação
ambiental nas diretrizes do Estado. Ainda que seja representativo quanto a um avanço na
importância dada a essas questões, a forma pela qual o poder público, o status quo, abarcam a
educação ambiental, que possui um viés revolucionário e emancipador, pode tornar-se mais
uma ferramenta de manipulação e coerção, vide o caráter impositivo do Estado burguês.
Contudo, é importante salientar que a introdução desta na pauta das políticas públicas possui
diversos benefícios para a diminuição da degradação ambiental, entretanto o que se discute é
até que ponto a ações implementadas discutem o tema com a profundidade e crítica
necessárias, visto que estabelecer uma normatividade e “regras de convívio”, que são
historicamente as soluções adotadas pelos detentores do poder, é o oposto do que o
movimento ambientalista procurou/a promover dentro da sociedade. A discussão e a
construção coletiva quanto ao meio ambiente e nossa relação para com este se perdem e são
abafadas pela imposição das normas estatais, tidas como corretas e detentoras da verdade.
Enquanto as raízes da educação ambiental anseiam pela emancipação social a partir da
ecologia, a institucionalização desta trás consigo um caráter policial, colocando a própria
sociedade como vigilante dela própria.
Além disso, a história da ecologia política é destacada pela participação dos pobres,
como destaca os autores Héctor Alimonda, com o ecologismo popular ou dos pobres, e
Martínez-Alier, que se refere ao ecologismo que nasce por razões sociais dos pobres na luta
pelo fim da desigualdade socio-economica-ambiental. Ecologismo dos pobres é, para
Martínez Alier, quando os pobres lutam contra o Estado ou propriedade capitalista para
manter o controle dos recursos ambientais e outros serviços que precisam para sua
subsistência. É um conceito que procura abarcar fatores sociais e suas ações que demonstram
a importância da meio natural da a vida humana, algo esquecido pela lógica de mercado que
instaurou-se na modernidade. A desigualdade na incidência de danos ambientais é um dos
principais focos da ecologia política.
Foi exatamente nesse cenário de crise ambiental ocasionada pelo crescimento do
modelo capitalista de desenvolvimento adotado no contexto internacional que surge, no
século XX, as proposições de Educação Ambiental. A situação calamitante proporcionou a
267
intensificação das discussões acerca da relação que este sistema econômico mantinha com a
natureza. Apoiado pela ciência moderna utilitarista, semeou-se mundialmente a dominação do
ser humano sobre a natureza, afirmando o caráter antropocêntrico que se pretendeu disseminar
onde o papel do meio ambiente se torna servir as necessidades humanas, ou seja, propagou-se
a noção do uso “racional” utilitário dos bens naturais com a finalidade de serem úteis ao
desenvolvimento da sociedade.
Dessa forma, a necessidade latente de discutir tal temática propiciou o debate dentro
da sociedade acerca da degradação ambiental causada pelo poder público e privado, a fim de
aumentar e agariar a participação social na discussão de consciência ambiental. Assim, a
Educação Ambiental surge para suprir essa lacuna deixada.
É importante ressaltar que, como já foi dito anteriormente, a crise ambiental instaurada
não foi sentida em sua totalidade igualmente por todas as camadas sociais. Especificamente
no caso brasileiro vemos cotidianamente que a injustiça ambiental é predominante. A
vulnerabilidade socioambiental presente no país pode ser observada constamente quando está
em discussão algum problema ambiental específico. Quando houve recetemente o
racionamento de água no Estado de São Paulo, vimos que o corte no fornecimento foi feito
sumariamente em regiões periféricas, locais que historicamente abarcam as populações pobres
e houve ampla divulgação na mídia sobre a diminuição do uso doméstico da água. A escassez
de água na região ocorreu devido a má gestão ambiental ao longo dos anos, e, ainda assim, o
consumo doméstico não representa a totalidade do destino deste recurso, visto que o
agronegócio é o principal destinatário da água, e, inclusive, representa uma enorme
quantidade de desperdício desta pela não utilização dos métodos adequados, em prol do ganho
financeiro. Mesmo assim foram as populações periféricas que sofreram com o racionamento.
Outro caso recorrente no país é em relação aos deslizamentos de terra em épocas de
fortes chuvas. O desenvolvimento brasileiro e dos seus municípios nos moldes feitos provoca
o aumento da desigualdade social, que por sua vez resulta no surgimento de favelas e
povoamento de regiões sem infraestrutura básica para a instalação residencial. Dessa forma,
essas áreas renegadas pelo poder público e a população que vive ali estão sujeitas aos
desastres ambientais recorrentes anualmente. Por fim, mais uma caso que necessita ser citado
foi o desastre ambiental na cidade de Mariana, em Minas Gerais. Passado mais de um ano do
ocorrido, a empresa responsável pelo caso não foi devidamente punida, e uma das
justificativas encontradas é a parceria da mesma com o Estado brasileiro, ou seja, vemos mais
uma vez o suporte estatal para o setor privado e não para a população afetada.
268
Neste cenário, vemos a importância da Educação Ambiental. Estes povos renegados
pelo poder público e que se encontram em situação de vulnerabilidade socioambiental
precisam encontrar alternativas para lidar com suas respectivas situações. Dessa forma, a
Educação Ambiental pode ser uma grande aliada desse processo, pois além de auxiliar no
entendimento da localidade e do contexto vivído pela população, tem o caráter reivindicatório
e revolucionário fruto das lutas ambientalistas, com a massiva participação popular. Assim, a
educação ambiental tem o propósito de emancipar sociedade, alinhando-se aos princípios de
Paulo Freire, do educando entender-se enquanto parte transformadora da realidade presente e
apoiar-se nisso em sua luta contra os causadores deste processo, seja público ou privado.
Assim, a Educação Ambiental é fundamental para essas camadas sociais, na medida
em que a conjuntura vivida demanda o contato com o local de vivência, saber se colocar e
modificar este. A aproximação do(a) educando(a) com a realidade próxima é uma questão-
chave no processo de educação popular dentro da filosofia freireana, A partir desse contato se
torna possível o aprofundamento nas questões cruciais para entender o problema e buscar a
solução necessária, partindo, sobretudo, de um viés crítico de análise.
Essa discussão se faz necessária devido a recorrência de tentativa de individualização
no tratamento deste tema, atribuindo ao consumo pessoal e seu policiamento como o melhor
caminho a se seguir para enfrentar a crise ambiental. Esse discurso divulgado amplamente por
setores governamentais e privados através da grande mídia tem como objetivo exatamente
isentar as grandes indústrias e empresas da responsabilidade ambiental que possuem, pois
grande parte de recursos naturais como a água é destinada prioritariamente para estes setores,
mesmo que isto implique em racionamento para a população. Dessa forma, a Educação
Ambiental, com seu caráter crítico, procura estabelecer a discussão acerca da complexidade
das questões ambientais e, assim, construir uma nova visão sobre suas soluções, sobressaindo
da individualismo e análisando o coletivo, a gestão ambiental.
Além disso, o processo educacional partindo da perspectiva de Paulo Freire é de suma
importância na construção de uma Educação Ambiental abragente e efetiva, isto pelo fato de
que para se entender a realidade socioambiental é essencial a vivência daqueles que residem
nos respectivos locais destacados, uma vez que esta se posiciona enquanto fator fundamental
no entendimento de como aquele território se transforma conforme as mudanças de caráter
socioambiental ocorrem. Assim, a troca de conhecimento entre educando e educador, ou
melhor dizendo, o processo de construção coletiva de conhecimento se mostra enquanto parte

269
indissociável da Educação Ambiental crítica na busca para reverter o cientificismo
antropocêntrico e com o objetivo de redefinir a relação sociedade-natureza.

Considerações Finais

A filosofia de Paulo Freire e sua pedagogia possuem em sua essência os requisitos


necessários na formulação de uma Educação Ambiental crítica com viés emancipatória para
as camadas populares que historicamente são renegadas pelo Estado dentro do modelo
capitalista. Para que este objetivo possa ser cumprido a rigor, é fundamental que tenhamos
uma criticidade na análise das questões ambientais, principalmente quando nos referimos as
ações no status quo para ludibriar a opinião pública, tendo como maior exemplo a propagação
do conceito de desenvolvimento sustentável.
Para trazermos essa discussão para o cenário brasileiro, necessita-se analisar a Política
Nacional de Educação Ambiental, implementada em 1999 no segundo governo de Fernando
Henrique Cardoso. No artigo 4º da referida lei, temos o seguindo trecho: “a concepção do
meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o
sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade.”(BRASIL, 1999) Assim,
temos nas raízes da institucionalização da Educação Ambiental brasileira suas diretrizes
ligadas ao aspecto econômico, sobretudo ao desenvolvimento sustentável. Por isso o tema em
discussão neste trabalho se mostra totalmente necessário para que possamos redefinir os eixos
da ecologia no país. Como já foi discutido, a articulação dos setores público e privado a fim
de atribuir um selo verde da sustentabilidade para fomentar o discurso capitalista se coloca
enquanto o oposto do que a construção do movimento ambientalista objetiva. Para tanto, a
introdução desta discussão no cerne da Educação Ambiental, com a criticidade necessária, é
imprescindível para a construção coletiva de uma nova ecologia popular.
Neste sentido houve um certo avanço no cenário brasileiro com a concepção do
Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) de 2014, durante o governo de Dilma
Rousseff. Neste documento ocorre uma mudança no enfoque proposto para as diretrizes da
Educação Ambiental brasileira. O ProNEA inicia estabelecendo a história da ecologia e de
que maneira esta foi incorporada na pauta política do país, além de salientar sua importância
propõe, ainda, a reformulação da educação partindo de uma perspectiva próxima a de Paulo
Freire, fomentando a introdução de uma abordagem abrangente na discussão ambiental, como
podemos observar:
270
A educação ambiental deve se pautar por uma abordagem sistêmica, capaz de
integrar os múltiplos aspectos da problemática ambiental contemporânea. Essa
abordagem deve reconhecer o conjunto das inter-relações e as múltiplas
determinações dinâmicas entre os âmbitos naturais, culturais, históricos, sociais,
econômicos e políticos. Mais até que uma abordagem sistêmica, a educação
ambiental exige a perspectiva da complexidade, que implica em que no mundo
interagem diferentes níveis da realidade (objetiva, física, abstrata, cultural, afetiva...)
e se constroem diferentes olhares decorrentes das diferentes culturas e trajetórias
individuais e coletivas.(BRASIL, 2014)

Contudo, apesar deste avanço na abordagem da Educação Ambiental brasileira, o


ProNEA inteiro é pautado pelo objetivo de um “Brasil Sustentável”. As diretrizes do
programa estão vinculadas a propagar a ideia de desenvolvimento sustentável, isto em um
país onde a desigualdade social é uma das principais características. Assim, ainda que busque
avançar na complexidade da discussão ambiental, o programa brasileiro peca ao vincular a
ecologia com o desenvolvimento aos moldes do sistema capitalista. Portanto, para que
possamos avançar no processo educacional acerca da ecologia no país, é imprescindível que
se discuta a problemática deste vínculo e, inclusive, da institucionalização e centralização da
Educação Ambiental ao Estado e suas parcerias privadas, que historicamente procuram
manter o status quo vigente em detrimento das necessidades básicas da população. O caráter
revolucionário do movimento ambientalistas e, consequentemente, da Educação Ambiental se
perde quando se torna associado ao poder.

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274
LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA COM ENFOQUE NA COOPERATIVA
DE CATADORES

Bárbara Oliveira Rosa*

Resumo: O artigo trata sobre a legislação ambiental brasileira, tendo como enfoque os
catadores de materiais recicláveis. Assim, o artigo trata não só sobre as legislações, mas
também sobre como funciona a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Franca
e Região – COOPERFRAN. A pesquisa se destinge como bibliográfica, pesquisando livros e
legislações; documental, pesquisando documentos e jornais da época da formação da
cooperativa, como também uma pesquisa de campo, visto que acompanhamos a realidade e o
funcionamento da COOPERFRAN.

Palavras-chave: Legislação ambiental, catadores de materiais recicláveis, cooperativa.

Introdução

A necessidade de uma legislação ambiental surgiu com a degradação da natureza,


sendo que sem a natureza não há vida na terra, assim a sua preservação surgiu também como
uma necessidade de manutenção do capital. Dependemos da natureza para existir, o homem
só tem vida se tiver meios naturais que o possibilite viver.

Mesmo que o homem do século XXI não precise mais caçar, coletar e até produzir
como o homem primitivo, ele precisa, como ser social, investir e envolver-se numa
atividade de intercâmbio orgânico com a Natureza, em sua forma natural e
socialmente construída, para satisfazer suas múltiplas necessidades de vida.
(ALVES, 2007, p. 75).

No Brasil, foi, a partir da década de 80, que as leis começaram a ganhar uma
preocupação mais incisiva com o meio ambiente. A Política Nacional do Meio Ambiente, Lei
nº 6.938/81 (BRASIL, 1981), é um exemplo disso, esta surge no Brasil no ano de 1981,
regularizando a preservação da natureza de maneira geral, aumentando a fiscalização, sobre
diversas atividades, como por exemplo, a exploração de madeira, a construção de

*
Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Serviço Social da UNESP/Câmpus de Franca. Membro do
Grupo GESTA.

275
hidrelétricas, entre outros, tornando obrigatório o licenciamento ambiental, que fiscalizava
atividades que colocassem em risco o meio ambiente.
Outra lei desse período foi a Lei da Ação Civil Pública ou Lei nº 7.347/85 (BRASIL,
1985), na qual os danos ao meio ambiente eram devidamente encaminhados ao Poder
Judiciário. Mas, o grande marco para a legislação ambiental foi a Constituição Federal de
1988, contemplando um capítulo dedicado inteiramente ao meio ambiente. No capítulo VI -
Do meio ambiente (Art. 225), o poder público e a coletividade se tornam os responsáveis por
defender e preservar o meio ambiente: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.” (BRASIL, 1988).
Em 1999, surge outra lei, que vem contribuir com a fiscalização da degradação
ambiental, é a Lei de Crimes Ambientais, nº 3.179/99, (BRASIL, 1999) que criminalizava
pessoas ou empresas que contribuíam com a poluição da água, ou com corte ilegal de árvores,
entre outros. Já em 2000, surge o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
(SUNC), Lei nº 9.985/2000 (BRASIL, 2000), que foi de suma relevância, visto que definia os
critérios e os princípios para a criação e funcionamento das Unidades de Conservação
Ambiental, que são

[...] espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais,


com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com
objetivos de conservação e limites definidos, sob-regime especial de administração, ao
qual se aplicam garantias adequadas de proteção da lei. (Art. 1°, I).

A primeira definição legal de meio ambiente aparece na Política Nacional do Meio


Ambiente, Lei nº 6938/81, que o define como “[...] o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as
suas formas.” (Art. 3º, I). Em 2002, com a resolução do Conselho Nacional de Meio
Ambiente (CONAMA), nº 306/2002, surge uma definição mais ampla: “Meio ambiente é o
conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, biológica,
social, cultural e urbanística, que permite e abriga e rege a vida em todas as suas formas.”
Assim, entende-se por meio ambiente essa diversidade de seres vivos e não vivos, que
constituem a vida na Terra, é o conjunto de fatores físicos, químicos, biológicos, econômicos,
culturais e sociais que constituem a vida, deixando a visão restrita que deveria pensar em
preservação apenas visando à natureza, enquanto fauna e flora, mas percebendo que
276
econômico, político, cultural e social se relacionam, interferem e também fazem parte da
natureza.

A ciência moderna mudou a concepção que o homem tinha da natureza. Esta, por
sua vez, também descobriu-se através do desenvolvimento da ciência.A concepção
de natureza como algo morto, sem vida, era predominante até o século XVIII. Ela
foi revolucionada pela ciência moderna, que buscou formular leis universais,
simples e imutáveis que dessem conta de explicar os fenômenos naturais.
(CAVALCANTE, 1995, p. 203).

Assim, a legislação ambiental brasileira, como as demais políticas públicas, constitui-


se por meio de um paradoxo, pois,ao mesmo tempo em que contribui com a preservação do
meio ambiente, compactua ou regulariza o modo de produção vigente, não interferindo na
estruturação da produção, mas apenas reformando-a.

Desenvolvimento

Uma questão, que vamos priorizar em nossa discussão, são as legislações que
contemplem os resíduos sólidos, principalmente as que contemplem a reciclagem, já que os
catadores de materiais recicláveis, nossos sujeitos de pesquisa, utilizam-se dela.
Para Magera (2003) e Miura (2004), o crescimento do número de catadores é
resultado, principalmente, do aumento do desemprego e das exigências do mercado formal,
que acaba excluindo os sujeitos por sua idade, condição social e baixa escolaridade.
A atividade de catação ganhou visibilidade política a partir da criação do Movimento
Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR),que surgiu em1999,tendo
suafundaçãoem2001, culminando com o “1º Congresso Nacional de catadores de Materiais
Recicláveis.”Segundo Mendes (2009), o encontro reuniu mais de 1600 catadores, catadoras,
agentes sociais e técnicos. O movimento buscava fortalecer a consciência de classe, o
reconhecimento dos catadores, buscando direitos para os mesmos, como nos mostra o site
oficial do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis:

O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) é um


movimento social que, há cerca de 10 anos, vem organizando os catadores e
catadoras de materiais recicláveis pelo Brasil afora. Buscamos a valorização de
nossa categoria de catador que é um trabalhador e tem sua importância. Nosso
objetivo é garantir o protagonismo popular de nossa classe, que é oprimida pelas
estruturas do sistema social. Temos por princípio garantir a independência de classe,
que dispensa a fala de partidos políticos, governos e empresários em nosso nome.
(MNCR, 2013).

277
Com a luta do movimento, os catadores vêm dispondo de novos direitos e de
reconhecimento público do seu trabalho. Após a Constituição Federal de 1988, o Estado
assumiu a responsabilidade da gestão dos resíduos sólidos e, com isso, passaram a surgir
legislações que contemplavam os catadores de materiais recicláveis. As leis federais que
surgiram para contribuir com os catadores são: a Política Nacional de Resíduos Sólidos, o
Decreto Pró-catador e as Diretrizes Nacionais para Saneamento Básico.
A Lei nº 11.445 (BRASIL, 2007), Diretrizes Nacionais para Saneamento Básico, foi a
primeira lei a ser aprovada que contribuía com as cooperativas de catadores, regulamentando
a contratação de associações ou cooperativas de catadores. Outra lei, que veio contribuir com
os catadores de materiais recicláveis, foi o Programa Pró-catador, Decreto de nº 7.405
(BRASIL, 2010b), este denomina o Comitê Interministerial para Inclusão Social e Econômica
dos Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis e dispõe sobre sua organização e
funcionamento. Este decreto substituiu o Comitê Interministerial de Inclusão Social dos
Catadores de Lixo, de 2003.

Art. 1º Fica instituído o Programa Pró-Catador, com a finalidade de integrar e


articular as ações do Governo Federal voltadas ao apoio e ao fomento à organização
produtiva dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, à melhoria das
condições de trabalho, à ampliação das oportunidades de inclusão social e
econômica e à expansão da coleta seletiva de resíduos sólidos, da reutilização e da
reciclagem por meio da atuação desse segmento. (BRASIL, 2010b).

Também em 2010, criou-se a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei nº


12.305(BRASIL, 2010a), esta altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (BRASIL,
1998). O principal princípio dela é a minimização dos resíduos por meio de incentivos às
práticas ambientalmente adequadas de reutilização, reciclagem, redução e recuperação dos
resíduos sólidos. Seus principais objetivos são: promover a inclusão social de catadores nos
serviços de coleta seletiva e fomentar a implantação do sistema de coleta seletiva nos
municípios brasileiros.
Assim, a política nacional tem contribuído com a reciclagem e com os catadores,
como se observa na própria Lei: “[...] incentivar a criação e o desenvolvimento de
cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis que realizam a coleta e a
separação, o beneficiamento e o reaproveitamento de resíduos sólidos reutilizáveis ou
recicláveis.” (BRASIL, 2010a). E complementa dizendo que o Estado deve: “Fomentar
parcerias das indústrias recicladoras com o Poder Público e a iniciativa privada nos programas
278
de coleta seletiva e no apoio à implantação e desenvolvimento de associações ou cooperativas
de catadores.” (BRASIL, 2010a).
Porém, antes dessas atuais legislações, “[...] o que predominou na gestão de resíduos
sólidos no Brasil foi um esforço dos governos e empresas para esconder o lixo, resolvendo a
questão estética sem uma preocupação com a dimensão ambiental do problema.” (SILVA, M.
G., 2010, p. 113). Atualmente os empreendimentos de reciclagem são uma alternativa que o
poder público se utiliza para resolver o problema do lixo e ao mesmo tempo para gerar
emprego, assim os catadores atendem as demandas municipais, resolvendo um problema
público que são os resíduos sólidos.

A ação do catador e o trabalho por este desenvolvido são aceitos pelo Estado, pelas
empresas e pela sociedade como uma alternativa ao crescente desemprego,
tornando-se objeto de uma política voltada para geração de renda. Mais, ainda, a
realização da catação é absorvida como parte da política ambiental para
minimização dos efeitos causados pela incomensurável produção de resíduos sólidos
em ambientes urbanos, alçando esta atividade à condição de entre público. No
entanto, não é reconhecida a centralidade do papel do catador na “cadeia de lixo”,
fato que o destitui do estatuto de trabalhador, e portanto, gerador da riqueza
socialmente produzida, reforçando um dos traços centrais do capitalismo
reestruturado. (SILVA, M. G., 2010, p. 132).

Segundo Barbosa (2007), a política pública, se constitui contraditoriamente neste


contexto, contribui para o fortalecimento político, na garantia de direitos para os catadores,
porém propagam e regularizam o trabalho informal, conformando com uma política de
“Estado Mínimo” sem a promoção de empregos assalariados e sem garantir os direitos
sociais.
Nesse cenário, os catadores não têm o devido reconhecimento, ficando a mercê de
políticas públicas que não atendem suas reais demandas, ou, até mesmo, sofrendo com
medidas punitivas,como as instituídas em Campinas e São Paulo“[...] a proibição da circulação
de carroças de tração animal, em Campinas, ou de tração humana, em São Paulo.” (WIRTH,
2013, p. 87).

Considerações Finais

A história da Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Franca e Região


(COOPERFRAN) se mistura com a Prefeitura Municipal de Franca. A cooperativa surgiu no
ano 2000, sendo que três a quarto anos foram dedicados à formação e preparação da mesma,

279
efetivando-se de fato em 2005. Esta se consolida como uma parceria entre Prefeitura
Municipal de Franca e a Pastoral do Menor e da Família.
A Pastoral do Menor já desenvolvia um trabalho de reciclagem na cidade, segundo o
jornal da cidade, Comércio da Franca, do ano de 2001, em anexo. A Pastoral e os responsáveis
pela reciclagem tiveram desentendimentos quanto à prestação de contas do dinheiro da
reciclagem, o que gerou problemas e até a abertura de uma fiscalização por parte da Prefeitura.
Segue títulos da reportagem:
ILUSTRAÇÃO 1 – Reportagem, do Jornal “Comércio da Franca”

Fonte: Comércio da Franca, 2001

Em 2000, a Prefeitura Municipal de Franca realizou uma pesquisa, constatando 237


catadores atuantes na cidade. Esta pesquisa foi incentivada pela campanha “Criança no lixo
nunca mais” do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e realizada pelo
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) (JUNTA,
2005). Assim, após a pesquisa, a Prefeitura iniciou com um processo de cooptação de
catadores e capacitação, oferecendo suporte para que estes formassem a cooperativa. A
Prefeitura Municipal de Franca organizou um grupo 70 catadores e contribuiu com o espaço
físico, os equipamentos e maquinários necessários, além de uniformes e equipamentos de
segurança individual. Junta (2005) afirma que o processo de reuniões e discussões para
formar a cooperativa durou cerca de quatro anos até a constituição da cooperativa, este
processo foi acompanhado pela Secretaria de Assistência, tendo uma assistente social
responsável.
Faz quinze anos que a cooperativa está em funcionamento e depois de sua formação
ainda manteve uma parceria com a Pastoral do Menor e da Família, mesmo com todo o
problema anterior de corrupção e sumiço de dinheiro, sendo que 25% do que a cooperativa
recebia era encaminhado para Pastoral. Atualmente, a presidente da cooperativa parou de
repassar o dinheiro a Pastoral e o rompimento com a parceria se encontra em trâmites
judiciais.
280
Essa parceria é regulamentada pela Lei Municipal 6.323, de 27 de dezembro de 2004,
alterada pela Lei 6.525, de 13 de março de 2006. A princípio, a parceria estabelecia a divisão
de 50% para a Pastoral, depois passaram para 25%, além disso, a Pastoral se responsabilizava
pela venda do material reciclável e tinha uma prensa maior da qual a cooperativa dependia.
Os catadores não concordavam com essa parceria, como se vê pela pesquisa de 2013: em um
dos relatos o entrevistado vê a Pastoral do Menor não como um parceiro, mas sim como um
concorrente.

Para melhorar eu acho que nós tínhamos que ter uma prensa, um prensa de fardo de
500 kg, de material né. Cada fardo de 500 Kg, ter uma prensa boa né. Para nós
competirmos com a Pastoral lá em baixo. Porque, do contrário, a gente não dá conta,
aquelas “prensinhas” lá, não dá conta de fazer tudo o serviço.

E outro entrevistado completa:

E que tirasse esses vinte cinco por cento, porque nós vem trabalhar aqui porque nós
precisa, e tira vinte cinco por cento para dá. Eu acho que quem trabalha aqui é, todo
mundo, gente humilde, né. Vamos dizer pobre, não vou falar pra você que a gente
tem alguma coisa, tem gente ali que depende disso aqui para comer.

Assim, por meio dessas falas, percebemos que os cooperados não gostavam de
depender da Pastoral, pois dela dependiam da prensa grande e da venda do material. Também
não concordavam que fossem subtraídos25% do lucro para a Pastoral, retirados do montante
que cada um recebe, o que representa uma quantia expressiva de dinheiro que, na
contabilidade final, faziam-lhes falta. A parceria com a Prefeitura Municipal de Franca e com
a Pastoral do Menor deveria ajudar a emancipá-los economicamente, a cooperativa deveria ser
responsável pela venda do material e deveria enxergar essas entidades como parceiras e não
como concorrentes.
O terreno e a manutenção dos equipamentos são de responsabilidade da Prefeitura
Municipal de Franca. Esta, por meio de uma parceria com a empresa que recolhe o lixo no
município, a Leão-leão, recolhe o material reciclável na cidade e também retira o rejeito, o
que não é reciclável no final da esteira. A prefeitura também contribui com passes de ônibus
dentro da cidade, com uniformes e equipamentos de segurança. A Prefeitura Municipal de
Franca, no caso, ora tem uma postura de omissão, sobrecarregando, culpabilizando os
trabalhadores da cooperativa, ora tem uma postura paternalista, clientelista, que reforça, ainda
mais, a dependência da cooperativa.

281
Na cooperativa, o trabalhador deixa de ser empregado e passa a ser cooperado, este
não tem salário, tem retirada, o lucro da cooperativa é dividido igualmente entre os
cooperados. As decisões são tomadas coletivamente em assembléias: as ordinárias são para
decisões do cotidiano da cooperativa, as extraordinárias são para outro tipo de decisões, como
exemplo, para eleição de um novo presidente. Há uma diretoria que é constituída
democraticamente, composta por seis pessoas que ocupam cargos de secretários, tesoureiros,
presidente e vice-presidente. Para serem válidas, as assembléias têm que conter, no mínimo,
metade dos cooperados mais um, também deve ser registrada no livro de Ata.
Outras peculiaridades da cooperativa são as sobras, constituídas pelo dinheiro que
sobra das retiradas e da manutenção do empreendimento, ou este dinheiro é dividido entre
eles ou vai para o Fundo Único da Cooperativa. As Cotas Partes seriam como um
investimento em que cada trabalhador faz antes de entrar na cooperativa. O que regulamenta
essas questões é o Estatuto Social, uma lei que organiza a cooperativa, explica sobre as
eleições, os cargos da diretoria, como vai ser as retiradas. Outro documento importante é o
Regimento Interno que regulamenta o funcionamento da cooperativa, o horário de entrada e
de saída dos cooperados e outras questões internas.
Segundo dados obtidos por meio do Grupo de Extensão Democracia Econômica
(GEDE), as retiradas da COOPERFRAN ocorrem quinzenalmente, esse valor se altera de
acordo com o que a cooperativa produziu naquela quinzena, sendo em média R$300,00 a
R$400,00reais. Os cooperados trabalham oito horas diárias, com parada de uma hora para
almoço, normalmente; pela localização afastada, os cooperados almoçam na própria
cooperativa, sendo a única refeição dos mesmos. O refeitório, por ser pequeno, na hora de
almoço, não contempla a todos, sendo que alguns almoçam espalhados pela cooperativa. Os
cooperados chegam às 5 horas da manhã, alguns vêm de outras cidades da região. Já outros
vêm dos bairros com o ônibus circular. O ônibus da cidade só vai até a cooperativa em dois
horários: às cinco horas para levar os cooperados e às dezessete horas para buscá-los.
A triagem de materiais ocorre posterior à coleta seletiva. A atividade dos cooperados é
determinada pela chegada dos caminhões que trazem o material reciclável e despejam o
material de 15 a 20 vezes por dia, com o auxílio de um guincho que passa pela esteira (mesa
mecanizada), onde ocorre a separação do material. O material atrai ratos, urubus e cachorros;
o cheiro é característico e forte, devido aos gases que o material reciclável produz. O teto do
barracão não consegue cobrir todo material, sendo que, quando chove, este tem seu preço
desvalorizado no mercado.
282
Foto 1 - Chegada do material reciclável na Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis
de Franca e Região (COOPERFRAN).

Fonte: Foto tirada por Bárbara Oliveira Rosa, em 2012.

Os cooperados ficam em frente à esteira, uma esteira fordista, esta dita o tempo e o
movimento dos mesmos. Cada trabalhador separa um tipo de material: o papel branco, papel
colorido, o papelão, a caixa de leite, o plástico (sacos e sacolas), o jornal, a garrafa pet, a
latinha, o vidro, o metal, o cobre, embalagens de óleo, plástico duro, plástico mole e o ferro.
Na esteira, só trabalham mulheres, uma, em cada lado da esteira, é responsável por um
material, são responsáveis pela triagem, enquanto os homens ficam nos trabalhos
considerados pesados como na prensa, manobrando o guincho e na alocação de fardos.

A divisão sexual do trabalho é considerada como um aspecto da divisão social do


trabalho, e nela a dimensão opressão/dominação está fortemente contida. Essa
divisão social e técnica do trabalho é acompanhada de uma hierarquia clara do ponto
de vista das relações sexuadas de poder. (HIRATA, 2002, p.280).

Assim, por meio da observação do cotidiano e do processo de trabalho dos


cooperados, podemos perceber que a mulher fica responsável pelas atividades consideradas
mais leves, que é a esteira, que não precisa de esforço físico. Porém, esta acaba cumprindo
uma atividade monótona, repetitiva e estressante que é separar os tipos de materiais na esteira,

283
exigindo da cooperada habilidade manuais e agilidade para acompanhar o ritmo da máquina.
Wirth (2013, p. 169), em seu estudo, mostra a divisão sexual do trabalho em duas
cooperativas, mostrando a naturalização da divisão sexual de tarefas nas cooperativas de
reciclagem:

Os trabalhos considerados pesados, que demandam grande força física concentrada e


nos quais se utilizam maquinário, como a alimentação das mesas de triagem, a
prensagem, o manejo dos fardos no estoque e o carregamento de caminhão, são
considerados masculinos nos dois empreendimentos. O trabalho da triagem, descrito
como uma função que demanda atenção, capricho, habilidades manuais finas como
tato e agilidade é, e sempre foi, majoritariamente feminino nas duas cooperativas.

O fato de os homens serem responsáveis pelo maquinário se justifica por demandar


maior força física, assim, Wirth (2013) nos traz reflexões sobre os homens serem estimulados
a se desenvolver fisicamente, além do fato de a tecnologia não ser projetada para as mulheres,
“O equipamento mecânico geralmente é produzido e montado de um modo que o torna muito
grande e pesado para ser utilizado por uma mulher comum.” (WAJCMAN, 1998, p. 255 apud
WIRTH, 2013, p.170).

Foto 2 - Esteira, onde ocorre a separação dos materiais recicláveis na Cooperativa de


Catadores de Materiais Recicláveis de Franca e Região (COOPERFRAN)

Fonte: Foto tirada por Bárbara Oliveira Rosa, em 2015.

284
Depois de separados, esses materiais são prensados. A cooperativa possuí pequenas
prensas e conta com a prensa grande que pertence a Pastoral. Depois de prensados, os
materiais são vendidos para intermediários.

O trabalho realizado pela associação de catadores e cooperativas, como a coleta e a


triagem é, em geral, absorvido pelos elos da cadeia produtiva posicionados acima
dessas organizações. Após a separação por tipo (plástico, papelão, vidro, alumínio,
etc), os materiais são vendidos para atravessadores e sucateiros, que são
intermediários entre as organizações populares (ou catadores individuais) e as
indústrias recicladoras. Os preços praticados obedecem a padrões internacionais e
são “ditados pela Bolsa de Valores de Londres”. (MNCR, 2009, p. 55 apud WIRTH,
2013, p. 98).

Foto 3 - “Bags”, material prensado para a venda, na Cooperativa de Catadores de Materiais


Recicláveis de Franca e Região (COOPERFRAN)

Fonte: Foto tirada por Bárbara Oliveira Rosa,em 2012.

Como vimos as principais legislações promovem a reciclagem, incentivam o


Município a fomentar cooperativas de catadores, além de propor a participação social dos
catadores por meio de trabalho em associações e cooperativas. Porém, as políticas públicas se
constituem de maneira contraditória, como observamos na cooperativa COOPERFRAN. Ao
mesmo tempo em que gera empregos e utiliza a reciclagem como uma alternativa para a
problemática do lixo, acaba sendo um espaço em que os catadores fazem um trabalho de
responsabilidade pública, sem direitos trabalhistas, expostos a doenças, no qual se atende mais
o interesse público que o interesse do coletivo.
285
Há duas legislações que regulamentam a cooperativa COOPERFRAN: o Estatuto
Social, uma lei que organiza a cooperativa, explica sobre as eleições, os cargos da diretoria,
como vai ser as retiradas; outro documento importante é o Regimento Interno que regula o
funcionamento da cooperativa, o horário de entrada e de saída dos cooperados e outras
questões internas.
Na legislação e por meio da observação, percebemos a invisibilidade da cooperativa
para o poder público, além de outras questões, como uma distorção entre o “Estatuto Social” e
a “Cooperativa Real”. No “Estatuto Social”, o Fundo Único tem valores altíssimos, que
seriam uma reserva da cooperativa, o que se torna um agravante, pois a cooperativa nunca
consegue ter este fundo, porque os cooperados conseguem tirar apenas seus salários.
Outro ponto é a cota parte, um trabalhador que começa a trabalhar na cooperativa, não
tem o dinheiro da cota parte para poder entrar no empreendimento, por isso, este é
regularizado posteriormente ou parcelado, como vemos, no anexo, o Estatuto Social da
Cooperativa de Trabalho de Catadores de Materiais Recicláveis de Franca e Região.
Os catadores ficam expostos a doenças, sem direitos trabalhistas (porque é uma
cooperativa), além de terem que contribuir, por conta própria, ao Instituto Nacional do Seguro
Social - INSS, fato que está acontecendo recentemente na cooperativa.

REFERÊNCIAS

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289
MÍDIA, SANEAMENTO BÁSICO E POLÍTICAS PÚBLICAS

Silvia Aline Silva Ferreira*


Gabriela Araújo Correia**

Resumo: o presente trabalho tem por objetivo compreender como a mídia tem retratado o
descaso das políticas públicas de saneamento básico no país, apresentando um breve contexto
da realidade brasileira frente às diretrizes da Política Nacional de Saneamento, aprovada em
janeiro de 2007. Tal estudo justifica-se pelo fato de a ausência de políticas públicas de
saneamento básico serem responsáveis pela potencialização da situação de pobreza e de
contaminação de crianças e adultos em todo território nacional, especialmente nas regiões
mais pobres. Desta forma, podemos afirmar ser de suma importância a garantia de políticas
públicas de saneamento básico para garantia da qualidade de vida da população e também
para preservação ambiental.

Palavras Chaves: Saneamento Básico, Mídia, Políticas Públicas.

Introdução
Segundo dados do IBGE (2016), o Brasil conta com cerca de 206 milhões de pessoas
em todo território nacional, com as maiores taxas concentradas nas regiões Norte e Centro-
Oeste. Nas últimas décadas, a população rural perdeu 2 milhões de pessoas e reduziu para
15,6% do total da população brasileira. Já a população urbana ganhou 23 milhões de
habitantes e representa 84,4% do total dos brasileiros (IBGE, 2011). No entanto, a
urbanização ocorreu de forma desigual, com grande desigualdade entre as classes sociais e
entre as regiões. Assim, devido a imensa territorialidade do país e as desigualdades
socioterritoriais, os estados brasileiros não ofertam serviços de saneamento básico de forma
linear. Infelizmente, mesmo o Brasil sendo a sexta economia do mundo, o país apresenta
índices de cobertura de saneamento básico de países subdesenvolvidos.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), saneamento é o controle de
todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeitos nocivos
sobre o bem-estar físico, mental e social. É possível compreender o saneamento básico como
fundamental para a manutenção da vida na terra e ainda como a capacidade de inibir, prevenir
ou impedir a ocorrência de doenças associadas ao meio ambiente em que estão expostos.

*
Mestranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional, UNOESTE – Presidente Prudente.
**
Mestranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional, UNOESTE – Presidente Prudente

291
A oferta de saneamento abrange serviços de abastecimento de água às populações;
coleta, tratamento e disposição adequada de esgotos sanitários, resíduos líquidos industriais e
agrícolas; acondicionamento, coleta, transporte e destino final dos resíduos sólidos; drenagem
urbana; controle de vetores de doenças transmissíveis e controle da poluição ambiental –
água, ar, solo, acústica e visual.
A ausência de saneamento nas áreas mais pobres agrava as condições epidemiológicas
da população. Sobre isso, destaca-se também a ausência de habitação segura à mais de 1
bilhão de habitantes no mundo. A população pobre é a que mais sofre com ausência de
serviços de saneamento básico, devido ao fato de estarem concentradas em áreas de risco, sem
condições adequadas de urbanização, sem serviços de coleta de esgoto, sem coleta de
resíduos, entre outros. Esse cenário potencializa o criadouro de insetos e mosquitos
transmissores de doenças.
A diarreia, por exemplo, que com mais de quatro bilhões de casos por ano é uma das
doenças que mais aflige a humanidade, causa 30% das mortes de crianças com menos de um
ano de idade. Entre as causas destacam-se as condições inadequadas de saneamento
(GUIMARÃES, CARVALHO e SILVA, 2007).
Frente a este problema, o presente trabalho objetivou compreender, através de revisão
bibliográfica e análise sistemática de sites e portais, como a mídia tem retratado o descaso das
políticas públicas de saneamento básico no país, apresentando um breve contexto da realidade
brasileira frente às diretrizes da Política Nacional de Saneamento, aprovada em janeiro de
2007.

Contextualizando Saneamento Básico

O saneamento básico é um direito assegurado pela Constituição Federal de 1988 e


definido pela Lei nº 11.445/2007 como um conjunto de serviços, infraestrutura e instalações
operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem
urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais. Suas atividades estão baseadas em:

abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infra-estruturas e


instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação
até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição; b) esgotamento
sanitário: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações operacionais de
coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários,
desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente; c) limpeza
urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infra-estruturas e
292
instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final
do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias
públicas; d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: conjunto de atividades,
infra-estruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de
transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias,
tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas
(BRASIL, 2007).

A mesma lei estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a


Política Federal de Saneamento Básico e aponta como princípios fundamentais:

“I - universalização do acesso; II - integralidade, compreendida como o conjunto de


todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento
básico, propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e
maximizando a eficácia das ações e resultados; III - abastecimento de água,
esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de
formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente; IV -
disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e de manejo das
águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio
público e privado; V - adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as
peculiaridades locais e regionais; VI - articulação com as políticas de
desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua
erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante
interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as quais o
saneamento básico seja fator determinante; VII - eficiência e sustentabilidade
econômica; VIII - utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade
de pagamento dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas; IX -
transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos decisórios
institucionalizados; X - controle social; XI - segurança, qualidade e regularidade;
XII - integração das infra-estruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos
hídricos.”

De acordo com dados publicados por pesquisas nacionais, a evolução de implantação da


política de saneamento tem caminhado a passos lentos e a saúde das pessoas tem sido afetada.
Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS 2014, atualmente
cerca de 35 milhões de brasileiros não tem acesso a água tratada. Sendo que o Sudeste atinge
o percentual de 91,7% de cobertura de água tratada e no Norte o índice é de 54,51% de água
tratada. O Brasil ocupa 11° Ranking latino-americano, atrás do Peru, Bolívia e Venezuela em
distribuição de água tratada para população. Somente 48,6% da população brasileira têm
acesso à coleta de esgoto. Portanto 52,4% da população, ou seja, mais de 100 milhões de
brasileiros não tem acesso a coleta de esgoto.
Outro dado alarmante é que aproximadamente 3,5 milhões de brasileiros, nas 100
maiores cidades do país, despejam esgoto irregularmente, mesmo tendo redes coletoras
disponíveis, seja por questões culturais ou até mesmo pela falta de ligamento do esgoto
residencial com a tubulação da rua. O SNIS 2014 identifica ainda que cerca de 20%, ou seja,

293
4 milhões de habitantes ainda não têm acesso a banheiro, fazendo suas necessidades
fisiológicas a céu aberto. A ausência de banheiros adequados para a população potencializa a
contaminação fecal-oral de doenças entre a população em geral.

Contaminação da água

O Brasil apresenta hoje um quadro de urbanização avançado, com aproximadamente


75% de sua população, ou 111 milhões de pessoas, vivendo em núcleos urbanos. A
urbanização não foi acompanhada por investimentos em infraestrutura, especialmente as
relacionadas ao saneamento. As periferias das regiões metropolitanas apresentam grande
carência, tanto em abastecimento de água quanto em coleta e tratamento do esgoto. Vale
ressaltar que, nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, a urbanização ocupou boa parte das bacias
hidrográficas, criando condições de conflito entre grandes usuários de água, como é o caso
dos setores de energia hidrelétrica e de saneamento (BORSOI, TORRES, 1997).
A concentração urbana, os avanços tecnológicos e a globalização contribuíram
exponencialmente para o agravo das condições ambientais. Segundo Borsoi e Torres, 1997, p.
2:
A água é considerada um recurso ou bem econômico, porque é finita, vulnerável e
essencial para a conservação da vida e do meio ambiente. Além disso, sua escassez
impede o desenvolvimento de diversas regiões. Por outro lado, é também tida como
um recurso ambiental, pois a alteração adversa desse recurso pode contribuir para a
degradação da qualidade ambiental. Já a degradação ambiental afeta, direta ou
indiretamente, a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais
e econômicas; a fauna e a flora; as condições estéticas e sanitárias do meio; e a
qualidade dos recursos ambientais.

O “Ranking do Saneamento Básico nas 100 Maiores Cidades”, divulgado em 2016 pelo
Instituto Trata Brasil, apresenta que 79 municípios contam com alto índice de perda na
distribuição de água, igual ou superior à 30%, tendo sete cidades com perdas acima de 60%.
Outro problema que também preocupa é a coleta de esgoto, que é quando ocorre uma
interligação entre residências e demais estabelecimentos e indústrias a uma rede de coleta de
esgoto. Para que o mesmo não seja despejado em locais inapropriados, ele passa por um
tratamento em uma estação antes de retornar ao meio ambiente. Porém, o retrato atual no
Brasil mostra que pouco menos da metade da população têm acesso a este serviço. Em duas
cidades do Pará, sendo elas Ananindeua e Santarém, por exemplo, não existe coleta de esgoto.

294
No que corresponde ao ranking de água tratada, entre os dez piores está o município de
Ananindeua, no Pará, que conta com o preocupante número de apenas 26,89% da população
com água tratada.
Segundo Instituto Trata Brasil, o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
(SNIS 2014) aponta que apenas 40% do esgoto do país são tratados e que a média de
tratamento de esgotos das 100 maiores cidades do país é de 50,02% e que apenas 10 dessas
cidades tratam acima de 80% dos seus esgotos. Ainda de acordo com o mesmo instituto, a
região Norte do Brasil tem apenas 14, 36% do seu esgoto tratado; Nordeste apenas 28,8%;
Sudeste e Sul tem 43,9% e Centro-oeste 46,37% do esgoto tratado. Observando a imensidão
territorial e também populacional do país, percebe-se o quanto é necessário avançar na oferta
de saneamento básico para população.
Observando a imensidão territorial e também populacional do país, percebe-se o quanto
é necessário avançar na oferta de saneamento básico para população. Frente a estes dados,
cada vez mais os rios, lagos, mananciais e lençóis freáticos estão sendo contaminados pela
falta de tratamento do esgoto e a população está exposta as diversas doenças oriundas da água
contaminada. Atualmente 50,08% do lixo coletado ainda é depositado em vazadouros a céu
aberto, o que pode significar contaminação do solo e de lençóis de água.
A Portaria 36/90 define os padrões de potabilidade da água, como sendo “conjunto
de valores máximos permissíveis das características das águas destinadas ao consumo
humano”. As principais impurezas presentes na água são:

Características físicas: está associada, em sua maior parte, à presença de sólidos na


água. Esses sólidos podem ser maiores, estar suspensos ou dissolvidos (sólidos de
pequenas dimensões); características químicas: podem ser interpretadas como
matéria orgânica e inorgânica (mineral); características biológicas: seres presentes
na água (BOVOLATO, 2012, p. 11).

A partir de 1970, com a aprovação do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA) e


com o Banco Nacional de Habitação, o país passou a se preocupar com o tratamento das
águas, de forma que a partir deste momento ocorreu a estruturação de instituições e
financiamentos de saneamento básico em todo território brasileiro. No decorrer dos anos,
novas legislações foram sendo criadas, como a Lei de Saneamento Básico (Lei 11445, de
2007) e a Lei de Resíduos Sólidos (Lei 20305, de 2010), que estabelecem compromissos de
toda a sociedade, obrigando os municípios a desenvolverem os planos municipais de
saneamento e de resíduos.

295
Reflexo do descaso na saúde da população

A grande maioria da população que não recebe o serviço de saneamento básico, estão
suscetíveis a diversas doenças causadas pelas más condições oriundas da falta de tratamento
de água e esgoto. A exposição a vírus, bactérias e condições insalubres aumenta a incidência
de doenças que podem levar a morte. Pesquisas do Instituo Trata Brasil, revelam que 7
crianças morrem todos os dias no país por falta de saneamento. São 2.500 crianças mortas
todos os anos por ausência de saneamento básico. Segundo informações do mesmo instituto, a
diferença de aproveitamento escolar entre crianças que têm e não têm acesso a saneamento
básico é de 18%.
Outra pesquisa do Instituto revela que as principais vítimas da falta de saneamento são
as crianças na faixa etária entre 1 e 6 anos, com probabilidade 32% maior de morrerem por
doenças relacionadas a falta de acesso a esgoto coletado e tratado de forma adequada.
O Instituto Trata Brasil, comprova que a implantação de rede de esgoto reflete
positivamente na saúde e na qualidade de vida do trabalhador, gerando o aumento da sua
produtividade e renda. A pesquisa revelou que, por ano, 217 mil trabalhadores precisam se
afastar de suas atividades devido a problemas gastrintestinais ligados a falta de saneamento. A
cada afastamento, perde-se 17 horas de trabalho em média. A probabilidade de uma pessoa
com acesso à rede de esgoto faltar às suas atividades por diarreia é 19,2% menor que uma
pessoa que não tem acesso à rede.
Por outro lado, ao ter acesso à rede de esgoto, um trabalhador aumenta a sua
produtividade em 13,3%, permitindo assim o crescimento de sua renda na mesma proporção.
O estudo também apurou que em 2009, de acordo com o DATASUS, dos 462 mil pacientes
internados por infecções gastrintestinais, 2.101 faleceram no hospital. Cada internação custa,
em média, R$ 350,00.
As principais doenças citadas pelo Portal do Saneamento Básico, 2016, são: febre
tifoide; cólera, leptospirose, disenteria bacteriana, parasitoides. Essas doenças normalmente
acometem infecções intestinais, disenterias, esteatorreia e diversos outros sintomas
extremamente incômodos ao doente. Além disso, sua incidência pode prejudicar
consideravelmente o desenvolvimento do indivíduo, tanto físico quanto intelectual, por
comprometer seu estado nutricional.

296
Embora seja mais recente, o agravamento de epidemias de Zika e Dengue são causadas
pela falta de saneamento básico, e apresenta consequências e efeitos graves para a sociedade,
principalmente a camada popular. O descaso por parte do poder público, e as ineficientes ou
focalizadas campanhas de prevenção nas regiões periféricas ou até mesmo cidades inteiras
favorece a cultura do acúmulo de lixo além de outras condições favoráveis a incidência de
criadouros do mosquito. Os dados de casos comprovados de microcefalia no último ano,
fizeram com que a Organização Mundial de Saúde (OMS) se preocupasse com quais ações de
prevenção o governo brasileiro implantaria para frear a epidemia de microcefalia relacionada
ao Zika. No Brasil, os números demonstram que a população segue sofrendo devido à falta de
políticas básicas de atenção à saúde.
A ONU chama a atenção para o melhoramento dos serviços de saneamento e de água
como forma de combate ao Zika vírus. Segundo especialistas relatores sobre moradia
adequada, destaca-se que:
Quando as pessoas têm condições de vida e de moradias inadequadas e não têm
acesso a serviços bem geridos de abastecimento de água, elas tendem a armazenar
água de maneira insegura, favorecendo a propagação de mosquitos. Além disso, os
sistemas precários de esgotamento sanitário, nos quais o esgoto escorre em canais
abertas e é disposto em fossas inadequadas, resultam em água estagnada – a
condição perfeita para a proliferação de mosquitos (ONU, 2016).

E acrescenta ainda que:

Essas “novas” doenças representam um peso a mais sobre as mulheres, que


encarregam o medo desses agravos durante sua gravidez, e muitas vezes cuidam de
suas crianças, que potencialmente adoecem. As mulheres e crianças são afetadas de
forma desproporcional pelo surto atual do Zika vírus. Os sistemas de saúde precisam
estar prontos para atender às necessidades e aos direitos relativos à saúde desses
sujeitos, no sentido de garantir sua autonomia e envolvê-los nas medidas que os
afetam (ONU, 2016).

O efeito das doenças causadas pela exposição ao esgoto e a água contaminados


prejudica a população de modo geral, destacando o sobrepeso da doença e do cuidado sobre a
mulher. Essa afirmação se fundamenta no alto índice de abandono de crianças com
microcefalia, causada pelo Zika vírus, pelos seus pais, deixando essa criança sob
responsabilidade exclusiva da mãe. Destaca-se que políticas públicas de atendimento à mulher
e à criança são fundamentais para avanços de melhores condições de vida.

297
Políticas Públicas e metas não cumpridas

No ano de 2003 foi criado o Ministério das Cidades, com o objetivo de integrar Políticas
Públicas inclusivas. Na primeira Conferência Nacional das Cidades, que aconteceu em
outubro do mesmo ano, em Brasília, foram criadas diretrizes para a formulação da Política
Nacional de Saneamento, aprovada em janeiro de 2007. O foco da lei é a universalização dos
serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem urbana e resíduos
sólidos, o que até hoje ainda não é uma realidade em diversas regiões brasileiras.
Em dezembro de 2015, o Ministério das Cidades publicou o primeiro relatório de
avaliação anual do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), referente ao exercício de
2014. Na época, o documento definiu metas para o saneamento básico em todo o país,
estimando em R$ 508 bilhões os investimentos na área em 20 anos. O Plano, que foi
amplamente debatido e defendido pela Assemae, membro titular do Conselho das Cidades e
que colabora na formação de políticas públicas a favor dos municípios brasileiros, possuía
grandes metas, como o alcance de 99% de cobertura no abastecimento de água potável, a
universalização da coleta de resíduos sólidos na área urbana de todo o país, e a redução de
municípios em que ocorrem inundações ou alagamentos. Porém, em 2016, o governo admitiu
que a meta não poderia ser cumprida.
Segundo o texto do Relatório de Avaliação Anual de Saneamento Básico – Ano 2014,
os serviços prometidos na universalização incluíam:

“...o abastecimento de água potável, o esgotamento sanitário, a limpeza urbana e


manejo de resíduos sólidos, e a drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.
Como principal instrumento de implementação da Política Federal de Saneamento
Básico, o Plansab propõe ampliar os serviços relacionados ao saneamento básico, na
expectativa de levá-los a toda a população, por meio de iniciativas participativas e
submetidas ao controle social.

O plano, coordenado pelo Ministério das Cidades, compreendia as melhorias em um


período de 2014 a 2033, com previsão de avaliação anual e de revisão a cada quatro anos.
Porém, ainda em 2016, o Governo admitiu que não seria possível cumprir as metas
estipuladas no documento, que ainda definiam a curto, médio e longo prazo a execução dos
processos, sendo nos anos de 2018, 2023 e 2033.
Para a elaboração no plano, 80 especialistas foram consultados, visando maior
viabilidade das propostas, porém, antes de chegar ao primeiro prazo estipulado, o Governo já

298
adiantou que a universalização não ocorreria até o fim do prazo estipulado em decorrência de
atraso nas obras de saneamento e dificuldade na gestão dos projetos nos estados.

Percepções da mídia frente ao descaso

Sobre o não cumprimento das metas no que tange o Plano Nacional de Saneamento
Básico (Plansab), a mídia retratou tal descaso em alguns canais de comunicação no primeiro
semestre de 2016.
O Bom Dia Brasil apresentou o tema, onde mostrou em uma reportagem que o Governo
admitiu que a meta de saneamento básico não seria cumprida, reforçando a promessa de rede
de esgoto em mais de 90% do país dentro dos próximos 17 anos. A matéria teve duração de
três minutos e 37 segundos e alertou sobre o grave problema enfrentado pela sociedade e que
se entenderia ainda por muitos anos.
O Jornal da Globo também falou sobre o tema e trouxe como temática no título uma
crítica: “Saneamento é a última prioridade de investimento do governo desde 2007”. A
matéria falou dos riscos à saúde, gerados pela falta de tratamento de esgoto, como com
doenças causadas pelo mosquito Aedes Aegypti, sendo elas a dengue, Zika e Chikungunya.
Dentre os dados apresentados na reportagem, que tem duração de cinco minutos e sete
segundos, é mostrado ainda que, de R$ 62 bilhões previstos em 2007 para investimento em
saneamento, até 2014, as obras realizadas somaram apenas R$ 4.220 bilhões, ou seja, 6,8% do
total previsto. Ainda no jornal, na sequência da reportagem apresentada, o comentarista em
economia Carlos Alberto Sardenberg trouxe os dados do investimento em saneamento básico
no Brasil e a queda na taxa de investimento nos últimos anos.
O Jornal Nacional também falou sobre o não cumprimento das metas de universalizar o
abastecimento de água até 2023 e atender a população – exatos 93% estimados - com rede de
esgoto até 2033. A informação teve duração de 43 segundos e foi apresentada pelo âncora
William Bonner.
O jornal O Estadão também apontou o descaso em um editorial publicado em seu site,
com o título “A prioridade do saneamento”, onde trouxe dados do Planseb e da ONU e
contextualizou com a realidade enfrentada pela sociedade brasileira.
A Folha retratou também a situação com gráficos e uma galeria de imagens onde
mostrou a realidade enfrentada por famílias pobres, que dividem o espaço de seus lares com

299
esgoto a céu aberto. No título da matéria, o não cumprimento do plano já era retratado, sendo
“Plano de saneamento do Brasil vai sofrer atraso de pelo menos 20 anos”.
Sobre tal descaso apontado pelas percepções da mídia, a Lei de número 11.445, a
qual estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento básico, cita em seu texto o
chamado “controle social”. Ou seja, a sociedade é tida como um importante autor dentro deste
cenário e dentro das políticas de saneamento básico, já que é ela a maior afetada neste
contexto, seja positivo ou negativo.
Neste sentido, a sociedade pode atuar como participante fiscalizador e até mesmo
norteador frente a problemática vivenciada em diferentes regiões do país. A lei deixa claro
que tal controle social pode ser feito por meio de mecanismos e procedimentos que, juntos,
levem à sociedade “informações, representações técnicas e participações nos processos de
formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de
saneamento básico”.
Porém, ainda que os atores sociais sejam valorizados na Lei como importantes
influenciadores para a gestão pública no que tange a crise hídrica e de saneamento, a
problemática ainda foge do controle da população, que não tem poder diante da esfera da
política pública, uma área que por si só, segundo Heller e Castro (2007), ainda “demanda
formulação, avaliação, organização institucional e participação da população como
cidadãos(ãs) e usuários(as).”
Em um contexto sócio-político-econômico, Heller e Castro (2007) ainda falam
sobre a importância em se ter uma organização de políticas públicas com um olhar para estas
causas, assegurando assim a saúde da população como um todo.
A parcela de culpa e responsabilidade deve ser alta para os governantes, que têm o
poder de transformar e buscar ações que garantam o bem-estar populacional. O direito ao
saneamento deve ser para todos.

“Em vista disto, a agenda da política deve considerar a necessidade de expansão e


contínua melhoria dos serviços, associados a mecanismos que garantam a sua
sustentabilidade ao longo do tempo” (HELLER E CASTRO, 2007, p. 289).

Por este motivo é que o tema deve ser pautado não somente pelos órgãos públicos,
mas também por seus atores presentes na mídia, a qual precisa tratar a problemática
enfrentada no saneamento e na poluição hídrica de forma crítica e democrática, sem olhar
interesses capitalistas.

300
A preocupação deve ser intensa frente a um dos recursos mais preciosos do planeta, que
é a água, e com um dos mais graves problemas que afetam diretamente a saúde da população,
que é a falta de tratamento adequado para este recurso.
Considerações Finais

Diante do exposto, faz-se necessário investimentos e incentivos para que os governos


acelerem o desenvolvimento de políticas públicas e serviços para melhoria das condições
relativas à água e ao saneamento, particularmente para as populações mais vulneráveis. A
utilização do saneamento como instrumento de promoção da saúde pressupõe a superação dos
entraves tecnológicos, políticos e gerenciais que têm dificultado a extensão dos benefícios aos
residentes em áreas rurais, municípios e localidades de pequeno porte.
A educação ambiental é outro ponto importante para ser debatido, haja vista a
importância de provocar mudanças comportamentais e a conscientização ambiental dos
indivíduos, pois a contaminação da água acarreta inúmeros prejuízos aos seres vivos, dentre
eles o homem, podendo inclusive potencializar situações de agravos de saúde. A geração de
resíduos cresce cada dia devido ao aumento do consumo, e desta forma cresce também a
demanda por uma resposta e providências para gestão dos resíduos produzidos. O
cumprimento das normativas ocorre de forma bastante lenta e ineficaz. Pode-se afirmar que as
leis não são suficientes para resolver o problema. Há necessidade de disponibilização e
alocação de recursos econômicos suficientes para atender a demanda.
Saneamento é questão social, é problema que merece rápida solução e que deve ser
prioridade, já que envolve a saúde de milhares de brasileiros e também do meio ambiente.
Medidas devem ser tomadas por governantes e políticas públicas devem ser criadas e
fortalecidas para combater esta crise. A mídia também deve redobrar a sua fiscalização, já que
ela é um importante canal para retratar a realidade vivida pela sociedade.
Notícias nas mais diversas regiões do país devem ser publicadas, enfatizando seus
problemas. Autoridades precisam ser procuradas para falarem a respeito do assunto. Prazos
precisam ser melhor definidos para que a população possa sim ter esperança de melhorias e
cobrar por elas. Porém, uma parcela também importante e que agiria de forma fiscalizadora e
como uma importante voz para a sociedade é, certamente a mídia, a qual precisa ser cada vez
mais capaz de reproduzir, para a grande massa, uma fiel realidade do que o país vive quando o
assunto é saneamento.

301
Os veículos de comunicação devem redobrar sua percepção sobre tal problema e
contribuir para que a sociedade veja o mundo de forma crítica, a ponto de querer lutar por
uma transformação, que transcenda os mais diversos campos do saber. A população deve ser
motivada a cobrar por melhorias que garantam a sua vida e a vida de muitas gerações.

REFERÊNCIAS

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Resíduos Sólidos no Brasil 2014. São Paulo,2014.

BRASIL. Política Nacional de Resíduos Sólidos. Lei Nº 12.305, de 2 de agosto de 2010.


Brasília, 2010. Disponível em <
http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=636> Acesso 18 mar 2017.

______. Ministério das Cidades. Lei Federal nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007 - Diretrizes e
Plano de Saneamento Básico. Disponível em:<www.mcidades.gov.br>. Acesso em 18 mar
2017.

______. Ministério das Cidades. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento


Disponível em: <http://www.snis.gov.br/>. Acesso em 18 mar 2017.

______. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental – SNSA.


Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento: Diagnóstico dos Serviços de Água e
Esgotos – 2013. Brasilia, 2014.

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no Brasil. Rio de Janeiro: Revista do BNDES 4(8):143- 166

BOVOLATO, L. E.. Saneamento Básico e Saúde. Revista História UFT, 2012. Disponível
em: www.uft.edu.br/revistaescritas/sistema/.../saneamento-bacc81sico-e-saucc81de.pdf>
Acesso em 16 de março de 2017.

Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016. Casa Comum, Nossa Responsabilidade.


CNBB/CONIC, Brasilia, 2016.

ESTADÃO. A prioridade do saneamento. Disponível em:


http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-prioridade-do-saneamento,10000082268.
Acesso em 16 mai 2017.

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Disponível em: <http://www.ufrrj.br/institutos/it/deng/leonardo/
downloads/APOSTILA/Apostila%20IT%20179/Cap%201.pdf>. Acesso em: 29 abr 2017.

G1. Portal de Notícias. Disponível em: <http://g1.globo.com/> Acesso em: 10 mar 2017.

302
FOLHA DE SÃO PAULO. Plano de Saneamento do Brasil vai sofrer atraso de pelo menos 20
anos. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/01/1727996-plano-de-
saneamento-do-brasil-vai-sofrer-atraso-de-pelo-menos-20-anos.shtml. Acesso em: 10 mar
2017.

INSTITUTO TRATA BRASIL. Ranking do Saneamento. Disponível em:


<http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/estudos/ranking/2016/relatorio-completo.pdf>.
Acesso em 20 jan 2017.

303
O CADASTRO AMBIENTAL RURAL COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA
PÚBLICA: O CASO DAS PEQUENAS PROPRIEDADES RURAIS NO ESTADO DE
SÃO PAULO

Luiz César Ribas*


Maíra Araújo Machado Borges Prata**
Jorge Brunetti Suzuki***

Resumo: A partir do advento da Lei Federal nº 12.651/12, com as alterações trazidas pela Lei
Federal nº 12.727/2012, instituiu-se no país um novo código para fins da proteção e utilização
dos recursos florestais denominado “Nova Lei Florestal” (também conhecido como “Novo
Código Florestal”). Dentre diversas alterações e, porque não, inovações, é possível destacar o
instrumento “Cadastro Ambiental Rural” (CAR). Este trabalho analisou se o CAR pode, além
de um instrumento de gestão pública-ambiental, também ser um instrumento de fiscalização e
facilitação da tributação (direito à isenção do Imposto Territorial Rural – ITR, em especial)
das propriedades rurais e dos proprietários e possuidores de terras no Brasil, particularmente
os pequenos produtores rurais localizados no estado de São Paulo. A metodologia do trabalho
apoiou-se nas pesquisas exploratória e teórico-bibliográfica do tema, com coleta e análise da
legislação correlata, busca em sítios governamentais e autores especializados. Concluiu-se
que o CAR pode ser utilizado como ferramenta não somente de gestão pública-ambiental,
como também, de fiscalização e de tributação, notadamente no que concerne às pequenas
propriedades rurais paulistas e, com isto, potencializar os resultados sociais, econômicos e
ambientais vinculados tanto à proteção quanto ao uso dos recursos florestais e naturais.
Ademais, o CAR pode ser especialmente benéfico ao pequeno produtor rural, que pode não
ser isento de ITR por não se encaixar no artigo 2º da Lei nº 9.393/96, em razão de a
propriedade possuir área superior ao disposto em lei, mas que pode se beneficiar das isenções
legais das Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal, que devem ser deduzidas da
área tributável, desde que ele possa ser apoiado por uma melhor precisão dos dados
georreferenciados e se encontre devidamente inscrito no CAR.

Palavras-chave: Cadastro Ambiental Rural, Pequena Propriedade Rural Paulista, Políticas


Públicas.

Introdução

O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um registro dos imóveis rurais junto aos Órgãos
Estaduais de Meio Ambiente para fins de controle, monitoramento ambiental, facilitação dos
processos de licenciamento das atividades rurais, gestão integrada dos territórios e

*
Doutor em Engenharia. Professor Assistente na Universidade Estadual Paulista/Unesp câmpus de Botucatu.
Departamento de Economia, Sociologia e Tecnologia. Faculdade de Ciências Agronômicas
**
Mestranda em Planejamento e Análise de Políticas Públicas pela UNESP/câmpus de Franca.
***
Mestrando em Planejamento e Análise de Políticas Públicas pela UNESP/Câmpus de Franca.
305
acompanhamento dos ativos ambientais das propriedades. A importância do cadastramento
consiste em integrar as informações e regularizar os procedimentos de planejamento
ambiental das propriedades, a fim de se ter qualidade e equilíbrio ambiental (MORETTI e
ZUMBACH, 2015).
A finalidade desse registro público eletrônico é interessante, pois busca a integração de
todas as informações relativas ao meio ambiente, inclusive dispondo de recursos digitais, para
monitoramento, planejamento ambiental e econômico dos imóveis rurais, além de mencionar
uma questão atual de grande relevância no país: o combate ao desmatamento.
O presente trabalho, considerando o advento da nova lei florestal, por meio da Lei
Federal nº 12.651/12, denominada de “Novo Código Florestal”, com as alterações trazidas
pela Lei Federal nº 12.727/2012, pretende discutir a possibilidade de se usar o CAR como
uma ferramenta para facilitar o direito à isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) em favor
dos proprietários e possuidores de terras no Brasil, especialmente os pequenos produtores
rurais.
O público-alvo, para o qual se almeja oferecer uma contribuição sobre as práticas
relacionadas ao Cadastro Ambiental Rural, concentra-se nas autoridades, comunidade
acadêmica, mormente relacionada às ciências sociais aplicadas, a exemplo do Direito, e às
ciências ambientais, além dos produtores (proprietários e possuidores) rurais e da comunidade
em geral.

Objetivos Geral e Específicos

O objetivo geral é analisar em que medida o Cadastro Ambiental Rural funciona como
um instrumento de fiscalização das propriedades rurais.
Os objetivos específicos são: levantar o escopo do CAR a partir, preponderantemente,
da nova Lei Florestal; levantar o escopo da pequena propriedade rural (Nova Lei Florestal e
legislação do ITR); e levantar o escopo, dentro de um enfoque de fiscalização ambiental, do
CAR diante do universo da pequena propriedade rural, particularmente no caso do Estado de
São Paulo.

306
Metodologia

De forma breve, a metodologia do trabalho constituiu-se em pesquisa exploratória,


bem como teórico-bibliográfica sobre o tema, com coleta e análise da legislação correlata,
busca em sítios governamentais e autores especializados.
A abordagem metodológica será a dedutiva, visto que, partindo-se da leitura e
sistematização das principais fontes de consulta e pesquisa, pretendeu-se identificar e analisar
os principais aspectos que procurassem dar conta do atendimento dos objetivos gerais e
específicos do presente trabalho.

Discussão Teórica

O quadro normativo ambiental brasileiro possui, como instrumento primordial, a


Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei Federal n° 6.938, de 31 de agosto de
1981 (BRASIL, 1981), cujos princípios especialmente no que se refere ao controle e
fiscalização ambiental, grifamos a seguir:

Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,


melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar,
no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança
nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes
princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o
meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado
e protegido, tendo em vista o uso coletivo;
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;
V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;
VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso
racional e a proteção dos recursos ambientais;
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII - recuperação de áreas degradadas; (Regulamento)
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da
comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio
ambiente. (Grifou-se)

Observa-se que a Política Nacional de Meio Ambiente do século XX já possuía uma


preocupação em proteger os recursos ambientais disponíveis e levar conhecimento a todos os
níveis da educação, com o intuito de disseminar entre a comunidade a importância da
preservação do ambiente em que vive.

307
Em sequência, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi elevado a
direito fundamental, insculpido no artigo 225, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), a
seguir in verbis: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Neste esteio de preservação e proteção ambiental, como uma das principais legislações
que influenciam o meio ambiente, a Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012, alterada
pela Lei Federal nº 12.727/2012, revogou o Código Florestal de 1965 (Lei nº 4.771/1965),
motivo pelo qual ficou mais conhecida como o “Novo Código Florestal”.
Tal legislação é relevante para se alcançar, legal e nacionalmente, a sustentabilidade.
Tal afirmativa justifica-se pelo próprio texto da citada lei, que em seu primeiro artigo
estabelece que o objetivo é o desenvolvimento sustentável, atendendo a princípios que se
coadunam a este (BRASIL, 2012):

Art. 1º-A. Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de
Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o
suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e
o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e
financeiros para o alcance de seus objetivos. (Incluído pela Lei nº 12.727, de
2012).
Parágrafo único. Tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável, esta Lei
atenderá aos seguintes princípios: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
I - afirmação do compromisso soberano do Brasil com a preservação das suas
florestas e demais formas de vegetação nativa, bem como da biodiversidade, do solo,
dos recursos hídricos e da integridade do sistema climático, para o bem estar das
gerações presentes e futuras;(Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
II - reafirmação da importância da função estratégica da atividade agropecuária e do
papel das florestas e demais formas de vegetação nativa na sustentabilidade, no
crescimento econômico, na melhoria da qualidade de vida da população brasileira e
na presença do País nos mercados nacional e internacional de alimentos e
bioenergia; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
III - ação governamental de proteção e uso sustentável de florestas,
consagrando o compromisso do País com a compatibilização e harmonização
entre o uso produtivo da terra e a preservação da água, do solo e da
vegetação; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
IV - responsabilidade comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios,
em colaboração com a sociedade civil, na criação de políticas para a
preservação e restauração da vegetação nativa e de suas funções ecológicas e
sociais nas áreas urbanas e rurais; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
V - fomento à pesquisa científica e tecnológica na busca da inovação para o uso
sustentável do solo e da água, a recuperação e a preservação das florestas e
demais formas de vegetação nativa; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
VI - criação e mobilização de incentivos econômicos para fomentar a preservação e
a recuperação da vegetação nativa e para promover o desenvolvimento de atividades
produtivas sustentáveis. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
(Grifou-se)

308
Como se vê, o “Novo Código Florestal previu instrumentos econômicos e financeiros
para o alcance de seus objetivos e colocou como responsabilidade comum dos entes
federativos com a sociedade civil a criação de políticas voltadas ao meio ambiente. A norma
traz preocupações “mais profundas com a preservação do meio ambiente e a utilização da
propriedade”. (DUARTE, 2012)
Para a consecução dos objetivos acima mencionados, o Novo Código Florestal dispõe
sobre uma série de mecanismos e ferramentas, dentre os quais o Cadastro Ambiental Rural –
CAR, objeto deste estudo, criado no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre o Meio
Ambiente – SINIMA e por meio do Sistema de Cadastro Ambiental Rural – SICAR,
instituído pelo artigo 29 da norma, que afirma o seguinte:

Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural - CAR, no âmbito do Sistema


Nacional de Informação sobre Meio Ambiente - SINIMA, registro público
eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a
finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses
rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento
ambiental e econômico e combate ao desmatamento.
§ 1º - A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no
órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá
do proprietário ou possuidor rural: (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).
I - identificação do proprietário ou possuidor rural;
II - comprovação da propriedade ou posse;
III - identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, contendo a
indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do
perímetro do imóvel, informando a localização dos remanescentes de vegetação
nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas
consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal.(...)
(Grifou-se)

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, (MMA, 2017) “o Cadastro Ambiental Rural é


uma importante ferramenta de gestão ambiental. O Serviço Florestal Brasileiro disponibiliza
regularmente documentos com informações sobre o andamento desta política, com um
panorama da situação nacional”. 1
No caso do estado de São Paulo, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente também
disponibiliza as informações com respeito ao cadastramento das propriedades rurais paulistas,
com ênfase, em particular, para as pequenas propriedades rurais, conforme disposto em SMA
(2017,a) e SMA (2017,b).

1
Segundo o MMA, “até 30 de abril de 2017, já foram cadastrados, mais de 4.1 milhões de imóveis rurais,
totalizando uma área de 407.999.690 hectares inseridos na base de dados do sistema”. Vide
<http://www.florestal.gov.br/numeros-do-car>. Acesso em 20 mai. 2017.

309
De toda sorte, verifica-se que o CAR busca traçar um mapa digital da zona rural
brasileira, voltado para auxiliar no planejamento agrário e na recuperação de áreas
degradadas, a partir do levantamento de dados georreferenciados das propriedades, com suas
respectivas Áreas de Preservação Permanentes (APPs), Reservas Legais (RLs), remanescentes
de vegetação nativa, áreas rurais consolidadas e áreas de interesse social e de utilidade
pública.
Além desta legislação, para adentrar ao âmbito específico do Cadastro Ambiental Rural
– CAR com seus pormenores da inscrição e do funcionamento de seu respectivo sistema,
deve-se estudar o Decreto nº 7.830, de 17 de outubro de 2012 (BRASIL, 2012), que o
regulamentou por meio de suas disposições gerais. Em razão desse caráter de registro público
de informações, adveio a Instrução Normativa do MMA n. 02/2014 (MMA, 2014), que em 65
(sessenta e cinco) artigos estabeleceu os procedimentos gerais do Cadastro Ambiental Rural e
ratificou, em seu artigo 13, o colacionado artigo 29, da Lei 12.651/2012.
No caso do Estado de São Paulo, também não é diferente. Neste caso em específico, o
CAR, ao ser utilizada como uma ferramenta de integração, auxilia inclusive na formulação de
políticas públicas ambientais relacionadas à biodiversidade. É o caso, por exemplo, do
programa BIOTA-FAPESP (Toledo, 2017).
Note-se que, em razão da utilização de forma integrada do CAR com outras
ferramentas, já foi possível, no caso do Estado de São Paulo, particularmente no que diz
respeito a uma política pública voltada para a biodiversidade, a edição de cerca de 17
dispositivos normativos, entre leis, decretos e resoluções (Toledo, 2017).
O regramento ambiental do cadastro ambiental rural ao qual especificamente se refere a
Nova Lei Florestal estipula que o proprietário ou possuidor rural fará voluntariamente sua
inscrição no CAR, por meio de plataforma eletrônica ou outro meio instituído
preferencialmente pelos Poderes Públicos Estadual ou Municipal, mediante identificação
individual, comprovação da posse ou propriedade e identificação do imóvel por meio de
planta ou memorial descritivo, com as coordenadas geográficas e informações dos
remanescentes de vegetação, APPs, RLs e áreas de uso restrito e consolidadas. (BRASIL,
2012)
Visando atender também aos interesses dos particulares, o CAR, conforme as normas
supracitadas, oferece uma série de prerrogativas e benefícios decorrentes da inscrição, como
desoneração da obrigatoriedade de averbação de Reserva Legal, acesso a programas de
incentivo à regularização ambiental, obtenção de crédito e contratação de seguro agrícola,
310
geração de créditos tributários por dedução de APPs e RLs de uso restrito do Imposto
Territorial Rural – ITR e suspensão de sanções e intervenções anteriores por uso de áreas
restritas. (BRASIL, 2012)
Além disso, o registro no CAR constitui condição para autorização de prática de
aquicultura, supressão florestal, aprovação de localização e de uso de APP no cômputo da RL,
exploração econômica de manejo sustentável, constituição de servidão e compensação
ambiental, autorização de supressão e intervenção em APP para atividades de baixo impacto
ambiental e atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo em áreas rurais
consolidadas até 22 de julho de 2008 em APP e RL. (BRASIL, 2012)
Acresça-se que o prazo original para a integralização do CAR tem sido periodicamente
revisto, tendo em vista que a adesão de proprietários e posseiros rurais, ainda que
significativa, não atingiu, até o momento, a meta de controle total dos dados das propriedades.
Por tal razão o prazo para inscrição no Cadastro Ambiental Rural foi (novamente) prorrogado,
ora para a data de 31 de dezembro de 2017, conforme alteração do §3º do artigo 29 do “Novo
Código Florestal” pela Lei nº 13.295, de 2016 (BRASIL, 2016)
Portanto, o prazo para inscrição no CAR está em aberto e as suas possibilidades de
aplicação ainda estão sendo estudadas e discutidas, a exemplo do uso do CAR para fins de
cálculo do Imposto sobre a propriedade Territorial Rural (ITR), que é um tributo pago por
todos os proprietários ou possuidores rurais todos os anos.
Sobre a geração de créditos tributários de ITR por meio do CAR, segundo Bonorino
(2017), “os dois são ferramentas de controle ambiental impostas por lei e visam a delimitação
das áreas rurais brasileiras”. Há que se lembrar que a alíquota do ITR é maior para
propriedades de maior área e baixo grau de utilização, de modo a desestimular os grandes
latifúndios improdutivos (RFB, 2015).
Como o próprio nome diz, o ITR é um imposto aplicado sobre o território rural, assim
como o IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) é aplicado ao território urbano, previsto na
Constituição Federal, no inciso VI do artigo 153 (BRASIL, 1988) e regido pela Lei nº
9.393/96 (BRASIL, 1996):

Art. 2º Nos termos do art. 153, § 4º, in fine, da Constituição, o imposto não incide
sobre pequenas glebas rurais, quando as explore, só ou com sua família, o
proprietário que não possua outro imóvel.
Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, pequenas glebas rurais são os imóveis
com área igual ou inferior a :

311
I - 100 ha, se localizado em município compreendido na Amazônia Ocidental ou no
Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense;

II - 50 ha, se localizado em município compreendido no Polígono das Secas ou na


Amazônia Oriental;
III - 30 ha, se localizado em qualquer outro município.

Art. 3º São isentos do imposto:


(...)
II - o conjunto de imóveis rurais de um mesmo proprietário, cuja área total observe
os limites fixados no parágrafo único do artigo anterior, desde que,
cumulativamente, o proprietário:
a) o explore só ou com sua família, admitida ajuda eventual de terceiros;
b) não possua imóvel urbano.

Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte,


independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e
condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se a
homologação posterior.
§ 1º Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á:
(...)
II - área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas:
a) de preservação permanente e de reserva legal, previstas na Lei no 12.651, de
25 de maio de 2012; (Redação dada pela Lei nº 12.844, de 2013) (Vide art. 25
da Lei nº 12.844, de 2013)

Para fins da isenção mencionada, a Receita Federal determina que o contribuinte


apresente o Ato Declaratório Ambiental (ADA) ao IBAMA anualmente, que terá informações
sobre a área tributável, excluídas as áreas de preservação permanente e de reserva legal,
considerando excetuadas, ainda, as áreas que se encontrem averbadas na matrícula do imóvel,
quando a averbação identifique o perímetro e a localização da reserva (RFB, 2016).
Quanto à averbação das áreas mencionadas na matrícula do imóvel, com a vigência do
“Novo Código Florestal” e a atualização da jurisprudência, passou-se a substituir a exigência
de averbação pela inscrição no CAR. É o que, inclusive, determina o § 4º, do artigo 18: “O
registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis,
sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário
ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato”, com a
redação dada pela Lei n. 12.727/2012 (BRASIL, 2012).
A exigência do ADA, no entanto, parece estar em vias de superação pela própria
vigência do Código Florestal de 2012. Por meio do CAR, o produtor rural terá as informações
precisas sobre as áreas não tributadas de ITR a partir do georreferenciamento e, assim, não
correrá mais risco de sofrer alguma penalidade por declarar áreas que não entram na base para

312
o cálculo e ainda pagar uma multa pelo erro. Portanto, o CAR, que já é uma obrigação, pode
ter reflexos em outros âmbitos, a exemplo de ser utilizado na seara tributária.
Há inclusive, interessante Projeto de lei do Senado nº 640, de 2015 em tramitação que
visa inserir o § 4º no artigo 29, do “Novo Código Florestal” e autorizar expressamente a
apresentação, pelo produtor rural, do Cadastro Ambiental Rural (CAR) em substituição ao
Ato Declaratório Ambiental (ADA), para fins de apuração da área tributável pelo Imposto
Territorial Rural (ITR). (SENADO FEDERAL, 2015)
A caracterização do CAR enquanto um instrumento de gestão pública-ambiental tem
sido até aqui em fundamentada, tanto quanto a descrição de sua funcionalidade enquanto
instrumento de fiscalização e de facilitação das propriedades rurais de uma forma em geral.
Para aprofundar o escopo de se analisar o CAR diante do universo da pequena
propriedade rural, particularmente no caso do Estado de São Paulo, resta então tão somente,
desenvolver o CAR enquanto instrumento de gestão pública-ambiental2, de fiscalização3 e de
tributação4.
Para tanto, haveria que se fazer referência, em especial 5, ao Capítulo XII – Da
Agricultura Familiar, consoante preconizado nos artigos 52 a 58, da Lei n. 12.651/2102
(BRASIL, 2012,b).
Assim, com respeito à relação, dentro do escopo da gestão público-ambiental, entre
CAR e pequenas propriedades rurais, ter-se-iam os seguintes dispositivos básicos: parágrafo
2º, do art. 17, e; parágrafo 60, do art. 41, por exemplo. (BRASIL, 2012,b).
Já no que diz respeito ao escopo da fiscalização: parágrafos 5º e 6º, do art. 4º, em
especial. E, finalmente, com respeito à tributação: alínea “c”, do Inciso II, do art. 41, e; Inciso
II, do parágrafo 1º, do art. 41 (BRASIL, 2012,b).
Em derradeiro, no que se refere à situação ambiental contemporânea das pequenas
propriedades rurais paulistas frente ao instrumento do CAR, ter-se-iam, de acordo com SMA

2
Integração das informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para
controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento, por exemplo (art.
29, da Lei n. 12651/2012).
3
Identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas
geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel, informando a localização dos
remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das
áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal, por exemplo (Inciso III,
parágrafo 1º, art. 29, da Lei n. 12.651/2012).
4
Vide referência a BONORINO (2017), por exemplo.
5
Sem se adentrar no mérito de das áreas consolidadas de APP´s propriamente ditas a que se refere os artigos 61-
Aa 65, da Lei n. 12.651/2012.

313
(2017,a) e SMA (2017,b), os seguintes elementos de gestão público-ambiental, de fiscalização
e tributários:
(1) Até 14 de maio de 2017, havia 309,822 imóveis rurais inscritos no Sistema de
Cadastro Ambiental do Estado de São Paulo (SICAR-SP), totalizando 17.774.386,71
hectares de área cadastrável6;
(2) As pequenas propriedades rurais paulistas, em especial aquelas de até 04 módulos
fiscais, totalizam 266,129 imóveis cadastrados no SICAR-SP, ou seja, 86% do total
dos imóveis rurais até então cadastrados no SICAR-SP, contemplando um total de
5.063.595,64 hectares;
(3) Os 05 municípios, de um total de 643 municípios paulistas, que detêm o maior número
de imóveis rurais de até 04 módulos fiscais cadastrados até o presente instante no
SICAR-SP são: Piedade (3323); Socorro (3068); Cunha (2798); Itápolis (2163), e;
Itapetininga (2029), e;
(4) Contrariamente, os 05 municípios paulistas que detêm o maior número de imóveis
rurais com mais de 04 módulos fiscais cadastrado até agora no SICAR-SP são:
Piracicaba (495); Morro Agudo (324 ); Itapeva (301 ); Itápolis (288), e; Barretos
(288).
O potencial do CAR, tomando-se como referência o SICAR-SP, por exemplo, em
termos de gestão público ambiental, de fiscalização e, por fim, de tributação, é enorme.
Com isto, o instrumento do CAR abre uma infinidade de possibilidades de se pensar
não somente políticas públicas ambientais, como também, o rol de instrumentos de comando e
controle, econômico, voluntários e de mercado, dentre outras modalidades, passíveis de serem
construídos para o fim de se buscar a sustentabilidade dos recursos naturais e, em última
instância, do desenvolvimento econômico sustentável.

Considerações Finais

Considera-se que ainda há muito a evoluir (e conquistar) no que tange à proteção


contra danos ao meio ambiente. No que tange ao tema do artigo em específico, é preciso que o
Cadastro Ambiental Rural e todo o sistema que o abrange não desviem das finalidades
precípuas para as quais foram criados, de forma que se continue a balancear a proteção do

314
meio ambiente ecologicamente equilibrado com a proteção da ordem econômica e do
desenvolvimento social.
Em vista disso, conclui-se que o CAR pode ser especialmente benéfico, em termos
gerais, ao pequeno produtor rural.
Pode ser benéfico, adicionalmente, aquele pequeno produtor rural que, não podendo ser
isento de ITR por não se encaixar no artigo 2º da Lei nº 9.393/96, em razão de a propriedade
possuir área superior ao disposto em lei, ainda assim pode se beneficiar das isenções legais
das áreas de preservação permanente e reserva legal que devem ser deduzidas da área
tributável, com uma melhor precisão dos dados georreferenciados e inscritos no CAR.
De qualquer forma, o CAR pode ser utilizado como ferramenta não somente de gestão
público-ambiental, como também, de fiscalização e de tributação, notadamente no que
concerne às pequenas propriedades rurais e, com isto, potencializar os resultados sociais,
econômicos e ambientais vinculados tanto à proteção quanto ao uso dos recursos florestais e
naturais.
No presente estudo, foram abordados, particularmente no que diz respeito ao estado de
São Paulo, vários exemplos neste sentido.
Por consequência, o potencial do CAR, tomando-se como referência o SICAR-SP,
para efeitos da gestão público ambiental, da fiscalização e, por fim, de tributação, é promissor,
abrindo-se uma ampla gama de alternativas para se pensar tanto políticas públicas ambientais
quanto seus respectivos instrumentos de comando e controle, econômicos, de mercado e
mesmo voluntários, dentre outros tipos.
A discussão apontada ratifica que o tema é de suma importância para a efetivação do
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, posto que a (boa) gestão das áreas
rurais é uma das condições para que, no futuro, a humanidade tenha, no mínimo, as mesmas
condições ambientais que no presente.

REFERÊNCIAS

BONORINO, Paulo. O Cadastro Ambiental Rural como ferramenta para isenção do ITR.
2017. Disponível em: <http://direitoagrario.com/o-cadastro-ambiental-rural-como-ferramenta-
para-isencao-itr/>. Acesso em: 10 mai 2017.

6
O total de área cadastrável no Estado de São Paulo, segundo o Levantamento Censitário das Unidades de
Produção Agropecuária do Estado de São Paulo (LUPA/SAA, 2008, citado por SMA, 2017,a), é da ordem de
20.504.107 ha.
315
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 10 abr.
2017.
______. Decreto nº 7.830, de 17 de Outubro de 2012. Dispõe sobre o Sistema de Cadastro
Ambiental Rural, o Cadastro Ambiental Rural, estabelece normas de caráter geral aos
Programas de Regularização Ambiental, de que trata a Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012,
e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2012/Decreto/D7830.htm>. Acesso em: 18 abr. 2017.
______. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm>. Acesso em: 18 abr.
2017.

______. Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Imposto sobre a


Propriedade Territorial Rural - ITR, sobre pagamento da dívida representada por Títulos da
Dívida Agrária e dá outras providências. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9393.htm>. Acesso em: 28 abr. 2017.

______. Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação
nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e
11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e
7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e
dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/lei/l12651.htm>. Acesso em: 10 abr. 2017.

______. Lei Federal nº 12.727, de 17 de outubro de 2012. Altera a Lei no 12.651, de 25 de


maio de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de
31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de
2006; e revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989,
a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, o item 22 do inciso II do art. 167
da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e o § 2o do art. 4o da Lei no 12.651, de 25 de
maio de 2012.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
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______. Lei Federal nº 13.295, de 14 de junho de 2016. Altera a Lei no 12.096, de 24 de


novembro de 2009, a Lei no 12.844, de 19 de julho de 2013, a Lei no 12.651, de 25 de maio
de 2012, e a Lei no 10.177, de 12 de janeiro de 2001. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13295.htm>. Acesso em:
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316
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declaracao-do-imposto-sobre-a-propriedade-territorial-rural/perguntas-e-respostas-
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______. Total de Inscritos por Município até 14 de maio de 2017. Secretaria do Meio
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22 maio 2017.

SENADO FEDERAL. Projeto de lei do Senado nº 640, de 2015. 2015. Disponível em:
<http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/123290>. Acesso em: 15 maio
2017.

TOLEDO, Karina. Dados do BIOTA embasam norma para restauração ambiental em São
Paulo. 15.02.2017. Disponível em:<
http://agencia.fapesp.br/dados_do_biota_embasam_norma_para_restauracao_ambiental_em_s
ao_paulo/24773/>. Acesso em: 22 maio 2017.

317
O OLHAR DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS SOBRE O PODER
PÚBLICOS

Bárbara Oliveira Rosa*

Resumo: o artigo trata sobre o papel do estado e a correlação com o trabalho dos catadores de
materiais recicláveis. desde modo, vamos discorrer sobre a visão do catador a respeito ação do
poder público municipal, relacionando as políticas públicas e as principais legislações
vigentes para os catadores de materiais recicláveis e a visão destes sobre as mesmas. Para
responder essa questão, estudamos livros e legislações sobre catadores e estado. a pesquisa de
campo foi contemplada com entrevistas semiestruturada com os catadores vinculados a
cooperativa de catadores de materiais recicláveis de franca e região – cooperfran. A pesquisa
nos mostra a questão do estado e como esse reflete no trabalho dos catadores de materiais
recicláveis. com a pesquisa conseguimos constatar que o poder público ora tem uma postura
omissa ora uma postura paternalista, não contribuindo com a emancipação e a efetivação do
individuo enquanto um sujeito de direitos.

Palavras-Chave: Políticas Públicas. Catadores de materiais recicláveis. Estado.

Introdução

O propósito principal dessa pesquisa é estudar o papel do Estado e as legislações


voltadas para os catadores de materiais recicláveis baseando-se numa perspectiva teórica
crítica, tendo como lócus de pesquisa a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de
Franca e Região (COOPERFRAN), situada na região oeste de Franca.
O método utilizado foi dialético a fim de chegar ao objetivo proposto. “Para a dialética
não há nada de definitivo, de absoluto, de sagrado; apresenta a caducidade de todas as coisas e
em todas as coisas e, para ela, nada existe além do processo ininterrupto do devir e do
transitório” (Engels apud POLITZER, 1979, p. 202).
Recorreremos a dois tipos de pesquisa: a bibliográfica e a de campo. A bibliográfica
abordou legislações voltadas aos catadores de materiais recicláveis. Já a pesquisa de campo se
constitui em observações do cotidiano de trabalho dos catadores e uma entrevista
semiestruturada com sete trabalhadores da Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis
de Franca e Região, situada na cidade Franca no interior do estado de São Paulo.

*
Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Unesp/câmpus de Franca. Membro do Grupo
GESTA.

319
A pesquisa foi subdividida em duas partes. Na primeira, visou um levantamento sobre
políticas públicas e legislações que dizem respeito aos catadores materiais recicláveis e o
histórico do papel do Estado. Já a segunda parte, os dados obtidos com estas questões são
frutos de uma pesquisa realizada, no ano de 2013, na Cooperativa de Catadores de Materiais
Recicláveis de Franca e Região (COOPERFRAN).
Deste modo, a relevância da temática é chamar a atenção do Estado para criação de
políticas públicas mais abrangentes, que atendam o sujeito em sua totalidade, consolidando
um sujeito de direito, portador de direitos sociais, políticos e econômica.

Papel do Estado e legislações para Catadores de Materiais Recicláveis

A teoria sobre o Estado começa com Maquiavel (1973), este dissociou a política das
questões religiosas, da moral, para ele a política deveria se basear na conveniência da ação e
as circunstâncias. Assim, a função do príncipe é lutar para atingir e manter o poder, por isso o
Estado não pode se limitar a moralidade.
Depois de Maquiavel tivemos os contratualista, conhecidos também como
jusnaturalistas, esses baseavam na concepção que houve um momento sem sociedade, no qual
chamavam de Estado Natural.
Um dos pensadores desta época foi Hobbes. Segundo Hobbes (2009) o ser humano é
um ser físico, animal, por isto, deveria haver um Estado forte, centrado, com legislações. Sem
isto, sem este Estado, homem estaria em guerra de todos contra todos, seria como animais
selvagens.
Já Locke (2005) acreditava que os homens em Estado Natural já possuíam direitos
inalienáveis, tais como: direito à vida, direito à liberdade e a propriedade, e estes seriam a
base de todos os outros direitos. Assim, o papel do Estado é garantir esses direitos naturais.
Rousseau (2011) contraria Hobbes e Locke, dizendo que o homem nasce bom, mas a
sociedade o corrompe, por isso, para ele a desigualdade social deve ser eliminada, a vontade
geral deve ser respeitada e aplicada, só assim o homem atingiria sua liberdade.
Logo após Rousseau, tivemos Adam Smith e a teoria da “mão-invisível”. Segundo
Buckinghan (et al, 2011) Smith pregava o livre mercado e a concorrência, este dizia que a
disputa é natural entre os indivíduos, “O homem é um animal que faz barganhas”
(BUCKINGHAN, et al, 2011, p. 161). Estes deveriam buscar seus interesses individualmente,
somente assim, a sociedade poderia ser justa, apenas se o Estado se omitir.
320
Para os liberais, o estado deve assumir o papel “neutro” de legislador e árbitro, e
desenvolver apenas ações complementares ao mercado. Sua intervenção deve
restringir-se regular as relações sociais com vistas a garantir a liberdade individual, a
propriedade privada e assegurar o livre mercado (SANTOS, 2012, p. 62).

Segundo Paulo Netto (2008, p. 19), Hegel critica a teoria do Estado de Adam Smith,
dizendo que é impossível que cada sujeito busque individualmente o seu interesse e atinja o
“bem comum”, ao mesmo tempo. Este crítica à mão invisível do Adam Smith, afirmando que
está era um mito e constrói uma concepção de Estado é neutro que representa a vontade geral.
Este afirma que o Estado só pode conduzir ao “bem comum” se introduzir o princípio da
racionalidade universal.
Segundo Coutinho (2011), Marx e Engels vão ser os primeiros a dizer que o Estado
tem sua gênese nas relações sociais concretas, nas relações de produção. Para eles o Estado é
classista, o que Marx chamava de “Comitê da burguesia”, visto que o papel do Estado é a
manutenção dos interesses da burguesa e a garantia da propriedade privada.
Estes rompem com idealismo hegeliano criticando a falsa ideia, o mito, que se passa
como se o Estado fosse neutro, de que este está acima dos interesses sociais. O Estado visa o
interesse de uma classe e é expressão de alienação, “o estado pode ser livre sem que o homem
seja um homem livre” (MARX, 2010, p. 39).

O Estado tem funções universalizantes, mas o núcleo de sua natureza é classista. O


estado tem uma natureza de classe. Durante sua vida e na sua longa trajetória de
reflexão, Marx formulará de diferentes formas essa sua compreensão do Estado,
porém, num primeiro momento, fará uma afirmação que deixa algumas pessoas hoje
arrepiadas: O executivo do Estado moderno é o comitê que gere os interesses
comuns da burguesia (PAULO NETTO, 2008, p. 22).

Assim, o Estado é uma instituição opressiva, repressora e coerciva, não só por meio da
força policial, das leis, mas também na medida em que despolitiza a sociedade se apropriando
das decisões.
Para Marx, o Estado também seria uma instância que perpassava a ideologia
dominante, assim, o sujeito tem que lutar “(...) contra os efeitos devastadores e degradantes do
sistema capitalista na sua consciência de classe” (LUKÁCS, 1969, p. 55).

Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os


pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante
numa sociedade é também a potência dominante espiritual. A classe que dispõe dos
meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual; de

321
tal modo que o pensamento daqueles a quem é recusado os meios de produção
intelectual está submetido igualmente à classe dominante. Os pensamentos
dominantes são apenas a expressão ideal das relações materiais dominantes
concebidas sob a forma de ideias e, portanto, a expressão das relações que fazem de
uma classe a classe dominante; dizendo de outro modo, são as ideias e, portanto, a
expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante; dizendo de
outro modo, são as ideias do seu domínio (MARX, 2007, p. 55 e 56).

Para Marx e Engels (2008), só conseguiria uma mudança como uma explosão da
guerra oculta que acontecia entre a classe operária e burguesa. Essa explosão seria uma
ruptura violenta e súbita contra a classe opressora, portanto, a classe teria que estar armada e
organizada, através da educação de base, de uma consciência de classe.
Segundo Coutinho (2011), Lenin vai seguir uma visão restrita de Estado, pensa como
coercivo, em que a dualidade de poderes só pode ser resolvida pela redução ao nada, o
aparelho estatal deve ser quebrado ou destruído através de uma revolução violenta e armada.
O mesmo autor ainda afirma que Engles anos mais tarde, vai começar a visar o Estado
como fruto de um contrato, entre o príncipe e o povo, vendo que atores importantes da classe
trabalhadora poderiam estar no Estado também, como parlamento, partidos políticos, entre
outros.
Já Gramsci (1999) possibilita uma visão de Estado mais ampliado, se constituindo por
um espaço contraditório, ao mesmo tempo em que garante direito, é uma instituição coerciva
e opressora. O Estado é correlação de forças entre as classes e pode ser um espaço de
autodefesa dos interesses da classe dominante.
Assim, o Estado se constitui como um espaço contraditório que pode ser
transformador como conservador.

Os catadores de materiais recicláveis constituem um segmento de trabalhadores em


expansão. No Brasil, entre os anos de 1999 e 2004, seu número aumentou de 150 mil
para 500 mil e, atualmente, estima-se que mais de um milhão de pessoas vive da
catação, ou seja, do trabalho de catar, separar e comercializar materiais recicláveis.
Esses trabalhadores realizam suas atividades nas ruas, no interior de galpões ou,
ainda, em suas próprias casas (BORTOLI, 2013, p. 249).

A luta dos catadores em busca de direitos se fortalece com a criação de


cooperativas/associações, com o reconhecimento da profissão na Classificação Brasileira de
Ocupações – CBO, mas principalmente com a criação do Movimento Nacional de Catadores de
Materiais Recicláveis (MNCR).
“O MNCR atua a partir de princípios de autogestão, democracia e ação direta,
independência e solidariedade de classe e com uma estrutura que comporta desde a
322
participação e decisão das bases orgânicas até a representação nacional” (BORTOLI, 2013, p.
251).
Após a Constituição Federal de 1988, na década de 1990, o Estado assume a
responsabilidade da gestão dos resíduos sólidos e com isso passa a surgir legislações que
contemplavam os catadores de materiais recicláveis.
As leis federais que surgem para contribuir com os catadores são: a Política Nacional
de Resíduos Sólidos, o decreto Pró-catador, a Redução do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) sobre Recicláveis e as Diretrizes Nacionais para Saneamento Básico.
A Lei nº 11.445, Diretrizes Nacionais para Saneamento Básico, foi à primeira lei a ser
aprovada que contribuía com as cooperativas de catadores, regulamentando a contratação de
associações ou cooperativas de catadores.
Outra lei, que veio contribuir com os catadores de materiais recicláveis, foi a Lei de nº
12.375, que visa a Redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre
Recicláveis, no qual incentiva a indústria comprar matéria prima diretamente das cooperativas
de catadores, por meio da redução dos impostos.
Em, 2010, institui o Programa Pró-catador, Decreto de nº 7.405, este denomina
Comitê Interministerial para Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais
Reutilizáveis e Recicláveis e dispõe sobre sua organização e funcionamento. Este decreto
substituiu o Comitê Interministerial de Inclusão Social dos Catadores de Lixo, de 2003.
Também em 2010, cria-se a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei nº
12.305, esta altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. O principal princípio desta lei é
a minimização dos resíduos por meio de incentivos às práticas ambientalmente adequadas de
reutilização, reciclagem, redução e recuperação dos resíduos sólidos.
Seus principais objetivos são: promover a inclusão social de catadores nos serviços de
coleta seletiva e fomentar a implantação do sistema de coleta seletiva nos municípios
brasileiros.
Assim, a política nacional tem contribuído com a reciclagem e com os catadores,
como vemos na própria Lei: “incentivar a criação e o desenvolvimento de cooperativas e
associações de catadores de materiais recicláveis que realizam a coleta e a separação, o
beneficiamento e o reaproveitamento de resíduos sólidos reutilizáveis ou recicláveis” (Brasil,
online, 2010).
E complementa dizendo que o Estado deve: “fomentar parcerias das indústrias
recicladoras com o Poder Público e a iniciativa privada nos programas de coleta seletiva e no
323
apoio à implantação e desenvolvimento de associações ou cooperativas de catadores” (Brasil,
online, 2010).
Vemos que as legislações tem garantido o reconhecimento do catador de material
reciclável como profissão. Além disto, esta tem incentivado a reciclagem, a inclusão dos
catadores e contribuído com a criação de cooperativas/associações.
Porém, as políticas públicas se constituem de maneira contraditória como vemos com
nosso lócus de pesquisa, a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis –
COOPERFRAN. Ao mesmo tempo em que a cooperativa de catadores é uma forma de gerar
empregos, é também uma forma de exploração, visto que os catadores fazem um trabalho de
responsabilidade pública, sem direitos trabalhistas, expostos a doenças, com baixos salários.
Atendendo mais o interesse público que o interesse do coletivo.
Por isso, segundo Barbosa (2007) ao mesmo tempo em que a política pública contribui
para o fortalecimento político, na garantia de direitos para os catadores, esta regulariza o
trabalho informal, conformando com uma política neoliberal.
A democracia atualmente tem contribuído para esconder as contradições do sistema
capitalista, na medida em que o capital se apropria desta, mas por outro lado essa também
garante direitos políticos, de cidadania, permitindo que as pessoas escolham por quem será
governado por um determinado período, garantindo direitos e deveres.
Deste modo, a democracia por um lado proporciona uma igualdade política, mas por
outro lado proporciona/mantém uma desigualdade econômica e social. Portanto, para
entendermos essas questões precisamos diferenciar emancipação política e emancipação
humana.
Marx (2005) afirma que emancipação política é a emancipação da burguesia, é uma
emancipação parcial, no qual se conserva as diferenças de classe e a exploração humana. Já a
emancipação humana, é a do proletário, que é superação da exploração do homem pelo
homem. “Significa que, se queremos homens e mulheres emancipados, teremos que nos livrar
das classes sociais e do Estado, ou seja, uma sociedade emancipada é uma sociedade sem
Estado” (PAULO NETTO, 2008, p. 27).

324
Catadores de materiais recicláveis e a visão do poder público

A pesquisa de campo foi realizada na Cooperativa de Catadores de Materiais


Recicláveis de Franca e Região – COOPERFRAN, situada na cidade de Franca, interior do
estado de São Paulo.
A cooperativa surge em 2000, fruto de uma pesquisa realizada pela Pastoral do Menor
junto à Prefeitura Municipal de Franca (especificamente a Secretaria de Ação Social). Essa
pesquisa averiguou mais de cem catadores de rua na cidade de Franca.
Após esta constatação, a Prefeitura começou com um processo de capacitação dos
catadores de materiais recicláveis oferecendo suporte para que estes formassem uma
cooperativa. Organizaram o grupo de catadores e contribuíram com espaço físico, os
equipamentos, maquinários, uniformes e equipamentos de segurança individual.
Faz quatorze anos que a cooperativa existe e depois de sua formação ainda se manteve
uma parceria com a Pastoral do Menor e da Família, sendo que atualmente 25% dos que a
cooperativa recebe de lucro é destinado a Pastoral.
O terreno é concedido pela prefeitura, e nele a cooperativa conta com um guincho,
uma esteira, um caminhão (emprestado da prefeitura), com prensas pequenas e uma prensa
grande (emprestada da Pastoral do Menor).
Com relação aos questionamentos sobre a Prefeitura Municipal de Franca, podemos
perceber a visão dos catadores sobre o poder público, por meio de suas respostas é possível
chegar à conclusão que ora a prefeitura tem uma postura paternalista, ora de omissão.
Quando questionamos: “O que você acha da parceria com a Prefeitura Municipal de
Franca?” Dos sete entrevistados, um não quis responder a questão, respondendo “Ai agora
não sei nada, isso ai não sei dá prefeitura não acho nada”, parecia receoso de responder a
questão.
Outro entrevistado que participa da cooperativa faz seis anos disse que seria boa a
parceria, respondeu no futuro, como se não existisse tal parceria, “Uai seria muito bom com a
prefeitura”.
Os outros cinco integrantes responderam que era boa a parceria, apesar de
responderem que a parceria era boa, percebemos como a construção e efetivação do público
se contradiz “Eu acho que ela tem só ajudado, não tem atrapalhado (...)”.

325
Quando a cooperada fala que a Prefeitura “tem ajudado, não tem atrapalhado”, nos
mostra que muitas vezes o descaso do poder público em relação às pessoas, as questões
sociais é tanto, que se ele não atrapalha, já está ajudando.
Com a pergunta: “Você acha que a Prefeitura Municipal de Franca dá o suporte
necessário?”, dos sete entrevistados, dois respondem que sim, três que não, um diz que mais
ou menos e outro diz não saber.

Entrevistado: Não. Porque aqui falta muita coisa ainda, falta o caminhão, falta o
maquinário, falta muita coisa.

Entrevistado: Mais ou menos. Porque assim têm muitas pessoas que precisa do
transporte, nessa base, nessa coisa, eles não tão ajudando muito. Então, a maioria
que mais precisa ta tirando do bolso pra vir aqui, pra poder vir pra cá trabalha.

Entrevistado: Não vou dizer para você que ela dá o super necessário, mas também eu
não vo sabe te responder o porquê. Porque o tempo que eu to aqui ainda não deu pra
mim ver. Não posso te falar isso.

Entrevistado: Uai. Eu acho que dá, por que... mesmo né, mesmo que eles pode ajuda
nós eles tão “bancano” ai ajudando nós. Porque se nós fosse banca tudo nós não
aguentava, porque como nós ia tocar isso aqui, nós não ia dá conta.

Com as resposta percebemos que os entrevistados deixam claro que a cooperativa não
recebe o suporte necessário, sendo que outros dois entrevistados concordam com essa
perspectiva de ausência da responsabilidade pública.
Com a última resposta percebemos que a cooperativa não consegue se manter sozinha,
precisa do suporte da prefeitura. Quando questionamos “O que a prefeitura faz
especificamente?”, o cooperado responde:

Ajuda no passe de ônibus né, do coletivo né. E ajuda assim no óleo das máquinas,
muitas coisas aqui que eles ajuda, importante né. Se nós fosse paga nós não
aguentava.

A prefeitura adota uma política paternalista oferecendo passe de ônibus e auxiliando


em coisas pontuais. A relação com a prefeitura é uma relação de dependência. Os cooperados
vêm o que a prefeitura faz como um favor, uma ajuda, não como um direito, não pressionam a
prefeitura por melhorias nas condições de trabalho. Não percebe que eles fazem um trabalho
de responsabilidade pública, simplesmente, agradecem por ter empregos.

Você acha que a Prefeitura Municipal de Franca dá o suporte necessário?

326
Eu acho que dá. Pela diferença da cidade da onde a gente mora sabe. Porque lá não é
que nem aqui.

Como que é lá?


Lá é péssimo, a prefeitura de lá não ajuda a gente. Aqui ela ajuda pelo menos dando
trabalho pra gente. Pelo menos já é uma ajuda bastante né graças a deus.

Além disso, outro cooperado complementa dizendo o modo como vê a Pastoral do


Menor não como um parceiro, mas sim como um concorrente.

Para melhorar eu acho que nos tínhamos que ter uma prensa, um prensa de fardo de
500kg, de material né. Cada fardo 500 Kg, ter uma prensa boa né. Para nos competir
com a Pastoral lá me baixo. Porque do contrário a gente não dá conta aquelas
“prensinhas” lá, não dá conta de fazer tudo o serviço.

E outro entrevistado completa:

E que tirasse esses vinte cinco por cento, porque nós vêm trabalhar aqui porque nós
precisa, e tira vinte cinco por cento para dá. Eu acho que quem trabalha aqui é todo
mundo, gente humilde né. Vamos se dizer pobre, não vou falar pra você, que a gente
tem alguma coisa, tem gente ali que depende disso aqui pra comer (...)

Assim, por meio dessas falas percebemos que os cooperados não gostam de depender
da Pastoral, eles dependem da prensa grande e da venda do material. Também não concordam
que seja tirado 25% do lucro para a Pastoral, demonstrando pela retiradas deles, pelo quanto
cada um recebe, que esse dinheiro faz falta.
A parceria com a Prefeitura Municipal de Franca e com a Pastoral do Menor deveria
ajudar a emancipá-los economicamente, a cooperativa deveria ser responsável pela venda do
material e deveria enxergar essas entidades como parceiras não como concorrentes.
Como um desabafo, a entrevistada relata o que poderia ser feito, “mais ajuda da
prefeitura. Eles estando aqui, dando mais apoio pra gente”. Mostrando que a prefeitura tem
uma postura de omissão quanto à responsabilidade deles perante o lixo e perante os cidadãos
que vivem do lixo, mas não só, mostrando a questão da omissão do Estado no neoliberalismo.

Considerações Finais

Os catadores tiveram que se reciclar. Em um século marcado pela informalidade, pelo


fechamento de postos de trabalho, pelo desemprego, no qual o toytismo descarecteriza,

327
reorganiza o processo de trabalho, esses encontraram no lixo uma maneira de reinventar a
vida.
O período que estamos vivendo não marca apenas uma crise econômica, uma crise
ambiental, mas também uma crise humana. O homem precisa restabelecer novos meios de se
reproduzir, sem degradar o meio ambiente e com relações mais humanas e menos alienadas e
exploradas.
Assim, o ser humano tem que conectar-se com a natureza, com os outros, com a sua
própria natureza humana, em um sentido de reprocidade, contribuindo para a construção de
novos paradgmas e novas formas de se produzir, em um sistema produtivo que valorize o
homem, que seja capaz de trabalhar todas as dimensões humanas e não centrado no mercado e
no lucro, no qual a porpriedade privada vale mais que as pessoas.
Em nossa sociedade da mesma forma que ocorre um fetiche da mercadoria, no qual
não se vê o processo de exploração e o caminho percorrido pela mesma apenas o produto,
ocorre com o lixo. Este também se constitui como um fetiche, tendo em vista que a população
não vê que ele está atrelado ao um modo de produção e de consumo.
O lixo é um paradoxo do sistema capitalista, visto que a produção e o consumo em alta
escala produz altas quantidades deste e este se torna o meio de sobrevivência de sujeitos que
tem pouco. O lixo é exploração, é desigualdade, mas acaba sendo também um trabalho, a
aprovação social para aquele que estava desempregado.
A cooperativa de reciclagem se torna uma “indústria de subsistência”, apesar de a
reciclagem ser um trabalho do século XX, um trabalho moderno, esta se torna arcaico nas
condições precárias em que se desenvolve, tendo risco à saúde, exposição a doenças.
Sem direitos trabalhistas, o trabalho na cooperativa se torna análogo à escravidão, sem
direito a férias, décimo terceiro e demais direitos. Os catadores fazem um serviço de utilidade
pública, ficam expostos a doenças e não conseguem com as suas retiradas nem prover uma
vida digna para si e suas famílias.
As leis trabalhistas garantidas na Constituição de 1988, não são mais preceitos
essenciais com a reforma da Constituição em 1994, havendo assim uma flexibilização das
leis, o que ocasionou margem para o aumento da exploração de algumas categorias, como o
caso dos catadores.
Outra limitante da cooperativa é o apoio da prefeitura que não contribui para tornar a
cooperativa independente não dando um apoio real, ora se omitindo, ora tendo um apoio de
fechada. Assim, apesar da falsa ideia de neutralidade, o Estado reflete os interesses da classe
328
detentora do poder econômico, garantindo a propriedade privada. “O executivo do Estado
moderno é o comitê que gere os interesses comuns da burguesia” (PAULO NETTO, 2011, p.
22).
Assim, os empreendimentos solidários, as cooperativas, têm que ser um meio do
trabalhador ter acesso aos meios de produção e não ser mais um meio de exploração da classe
trabalhadora. Os catadores apresentam histórias de vidas individuais, mas os mesmos tem em
comum o processo de exclusão social, por tanto não basta lutar por melhores condições de
trabalho, tem que se lutar por melhores condições de vida.
Neste cenário as políticas públicas dentro do capitalismo não conseguem acabar com a
desigualdade social, visto que ela é intrínseca ao sistema. Estas são contraditórias, ao mesmo
tempo em que contribuem com a efetivação de direitos, com o reconhecimento dos catadores
de materiais recicláveis garantindo a estes melhores condições de trabalho. Por outro lado,
conserva a estrutura de desigualdade social do capitalismo, regulariza a questão da
informalidade do trabalho e conforma com a política neoliberal vigente, no qual o Estado se
omite.
A relevância da pesquisa esta em chamar a atenção para a necessidade de criação de
novas políticas públicas, além de evidenciar a classe do catador de materiais recicláveis.
Chamando a atenção do Estado para a responsabilidade da causa, tendo em vista que o
catador atende mais os interesses públicos do que seu próprio interesse.
Podemos constatar que a alta concentração de renda, a desigualdade social no Brasil,
acaba sendo um limitante a liberdade. O catador não tem escolha, não tem liberdade nesse
sistema, fica preso a um trabalho desumano para garantir a sua sobrevivência.
“Livre é o estado daquele que tem liberdade. Liberdade é uma palavra que o sonho
humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.” (Jorge Furtado,
documentário Ilha das Flores).
Portanto, precisamos buscar uma utopia, não uma utopia doutrinada, mas sim uma
utopia que emancipe, que leve o ser humano caminhar, no qual buscamos uma nova
sociabilidade mais justa, mais igualitária e mais humana. No qual os homens sejam realmente
livres.
“O que é a utopia? Se me aproximo dois passos ela se distância outros dois, se
caminho dez passos, ela se distância dez, por mais que caminhe, nunca poderei alcançá-la.
Então para que serve a utopia? Serve para caminhar.” (Eduardo Galeno).

329
REFERÊNCIAS

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separação dos resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades de administração
direta e indireta, na fonte geradora, e a sua destinação às associações e cooperativas dos
catadores de materiais recicláveis. Brasil, 2006.

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Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico. Brasil, 2007.

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Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras
providências. Brasil, 2010.

. Presidência da República. Decreto n. 7.405, de 23 de dezembro de 2010. Institui o


Programa Pró-Catador e denomina o Comitê Interministerial para a Inclusão Social e
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331
O PROGRAMA BATEA - BATATAIS EDUCAÇÃO AMBIENTAL E VIVEIRO
FLORESTAL, DA FUNDAÇÃO JOSÉ LAZZARINI, NO CONTEXTO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS INSERIDAS NA LEI DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Adolfo Domingos da Silva Junior*

Resumo: A preocupação com a conservação do meio ambiente, a sua sustentabilidade e a


melhoria da qualidade de vida tem sido a tônica mundial, desde meados da década de 1960,
ganhando maior expressão a partir de 1977, quando a Conferência Intergovernamental sobre
Educação Ambiental, em Tbilisi, delineou os objetivos, princípios e estratégias para a
promoção da Educação Ambiental (EA). No Brasil a EA foi institucionalizada em 1973 com a
criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema). A Constituição Federal de 1988
deu especial destaque ao meio ambiente, incumbindo ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo através da promoção da EA em todos os níveis de ensino e
da conscientização pública, enquanto a Lei n° 9.795/99, que instituiu a Política Nacional de
Educação Ambiental (PNEA), definiu que ela deve ser desenvolvida como uma prática
educativa integrada, contínua e permanente. Este estudo, de abordagem qualitativa, objetivou
oferecer um breve relato do Programa BATEA - Batatais Educação Ambiental e Viveiro
Florestal, da Fundação José Lazzarini, no contexto das políticas públicas prescritas na PNEA.
Os dados foram coletados por intermédio de pesquisa documental nos arquivos da Fundação
José Lazzarini e das Secretarias Municipal de Educação e Meio Ambiente. Observou-se que o
programa é subdividido em projetos que trabalham a EA de forma ampla e interdisciplinar nas
escolas e comunidade, realizando cursos de formação continuada de professores, produção de
material didático-pedagógico, e no último ano produziu oitenta mil mudas de florestais
nativas para reflorestamento. Verificou-se a importante contribuição do Programa BATEA na
introdução e fomento das políticas públicas de educação ambiental no ensino formal e não-
formal, na sensibilização da sociedade e na formação de cidadãos críticos e capacitados para a
preservação do meio ambiente, mesmo ausente o principal instrumento para a consecução dos
objetivos de uma política pública, o econômico.

Palavras-chaves: BATEA – Batatais Educação Ambiental e Viveiro Florestal. Educação


Ambiental. Políticas Públicas.

Introdução

O meio ambiente tornou-se uma preocupação mundial não só por parte dos governos,
mas também das organizações e da sociedade civil na busca da preservação do planeta e da
vida humana.

*
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas – UNESP/câmpus
de Franca.

333
O termo Educação Ambiental (EA) foi cunhado pela primeira vez no ano 1948 em
Paris, durante encontro da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN),
passando o tema a constar da agenda internacional em 1972, a partir da Conferência de
Estocolmo (BRASIL, 2007, p. 12).
Em nosso país a EA foi institucionalizada em 1973, com a criação da Secretaria
Especial do Meio Ambiente (SEMA), vinculada à época ao Ministério do Interior1, através do
Decreto nº 73.030, de 30 de Outubro de 1973. À SEMA competia, entre outros assuntos
relacionados ao meio ambiente, “promover, intensamente, através de programas em escala
nacional, o esclarecimento e a educação do povo brasileiro para o uso adequado dos recursos
naturais, tendo em vista a conservação do meio ambiente” (art. 4º, letra “i”).
A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, dispôs sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente (PNMA), seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, prevendo no artigo 2º
que seu objetivo é a “preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à
vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos
interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana” (BRASIL, 1981),
ou seja, visa compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da
qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. Ela ainda definiu no artigo 3º, incisos I
e V, respectivamente, que meio ambiente é o “conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as
suas formas”, e que recursos ambientais são “a atmosfera, as águas interiores, superficiais e
subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a
fauna e a flora” (BRASIL, 1981).
A EA também mereceu especial destaque na Constituição Federal de 1988, a
Constituição Cidadã2, que trouxe um capítulo dedicado especialmente ao Meio Ambiente,
prescrevendo, no seu artigo 225:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso


comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[...]

1
Extinto pelo artigo 27, inciso V, da Lei n° 8.028/90.
2
Denominação dada à Constituição Federal de 1988 pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses
Guimarães.

334
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente (BRASIL, 1988).

A Constituição do Estado de São Paulo também dedicou um capítulo especialmente


ao meio ambiente e incumbiu ao Estado e aos Municípios, juntamente com a coletividade, a
sua preservação, conservação e defesa, conforme se verifica

Artigo 191 - O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da


coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio
ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e
locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico (SÃO PAULO,
1989).

Assim, a EA tornou-se obrigatória no ensino formal, bem como a promoção da


conscientização pública acerca do tema. Nesse sentido Costa, Santos e Souza (2014, p. 10423-
10432) afirmam que “a transformação do modo de pensar e agir no mundo depende das
estratégias educativas utilizadas, que procurem ser coerentes com e para a formação de um
cidadão consciente do seu papel no meio em que vive, e responsável por suas ações”.
Em junho de 1992 foi realizada no Rio de Janeiro a ECO-923, que contou com
inúmeros Chefes de Estado, demonstrando a preocupação mundial com o meio ambiente, da
qual resultaram duas declarações: a Declaração do Rio, conhecida como Carta Terra e das
Florestas, e a Agenda 21” (LANFREDI, 2002, p. 71). Concomitantemente, ocorreu o Fórum
Global das ONGs4, no qual, reconhecendo o papel central da educação na formação de
valores e na ação social, elaborou-se o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades
Sustentáveis e Responsabilidade Global, firmando o caráter crítico e emancipatório da
educação ambiental e afirmando que a responsabilidade pela preservação dos recursos é de
todos.
No ano de 1994, na esteira do que foi discutido na ECO-92, o Governo Federal criou
o Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA5), voltado a capacitação de gestores e
educadores, desenvolvimento de ações educativas, de instrumentos e metodologias. Frise-se,
que as ações do ProNEA

3
Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro
no ano de 1992.
4
Organizações Não Governamentais são organizações formadas pela sociedade civil sem fins lucrativos e que
tem como missão a resolução de algum problema da sociedade, seja ele econômico, racial, ambiental, e etc, ou
ainda a reivindicação de direitos e melhorias e fiscalização do poder público.
5
A sigla PRONEA é referente ao programa instituído em 1994, ao passo que a sigla ProNEA refere-se a 2ª
edição do Programa instituído em 2005.

335
[...] destinam-se a assegurar, no âmbito educativo, a integração equilibrada das
múltiplas dimensões da sustentabilidade - ambiental, social, ética, cultural,
econômica, espacial e política - ao desenvolvimento do País, resultando em melhor
qualidade de vida para toda a população brasileira, por intermédio do envolvimento
e participação social na proteção e conservação ambiental e da manutenção dessas
condições ao longo prazo (BRASIL, 2005).

Já no ano de 1997, o Conselho Nacional de Educação aprovou os Parâmetros


Curriculares Nacionais (PCN), que

[...] se constituem em um subsídio para apoiar a escola na elaboração do seu projeto


educativo, inserindo procedimentos, atitudes e valores no convívio escolar, bem
como a necessidade de tratar de alguns temas sociais urgentes, de abrangência
nacional, denominados como temas transversais: meio ambiente, ética, pluralidade
cultural, orientação sexual, trabalho e consumo, com possibilidade de as escolas e/ou
comunidades elegerem outros de importância relevante para sua realidade (BRASIL,
1997, p. 14).

Novamente ficou demonstrada a importância das questões relacionadas ao meio


ambiente, entretanto Mendes e Vaz (2009, p. 396) criticam esses parâmetros pelo fato de que
a EA tem sido inserida no ensino formal “sem uma maneira sistematizada de registro”.
Em 1999 editou-se a Lei n.o 9.795, que institui a Política Nacional de Educação
Ambiental (PNEA), definindo que “são entendidos como educação ambiental os processos
por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente”
(BRASIL, 1999).
Referida lei determina que a EA seja incrementada de forma articulada, em todos os
níveis e modalidades do processo educativo, formal e não-formal, fixa os princípios básicos e
os seus objetivos fundamentais (art. 2º a 5º), além de informar que a EA no ensino formal será
desenvolvida com uma prática integrada, contínua e permanente, inclusive com a ressalva de
que não deve ser implantada como disciplina específica no currículo, exceto nos cursos de
pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto metodológico da EA (art. 10).
Definiu também que a EA não-formal são “as ações e práticas educativas voltadas à
sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação
na defesa da qualidade do meio ambiente” (BRASIL, 1999, artigo 13).
Esta lei foi regulamentada pelo Decreto nº 4.281, de 25 de junho de 2002, que
preconiza que a Política Nacional de Educação Ambiental será executada pelo Sistema
Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, pelas instituições educacionais públicas e privadas
dos sistemas de ensino, pelos órgãos públicos da União, Estados, Distrito Federal e
336
Municípios, envolvendo entidades não governamentais, entidades de classe, meios de
comunicação e demais segmentos da sociedade. O decreto ainda instituiu um órgão gestor
responsável pela coordenação, dirigido pelos Ministros de Estado da Educação e do Meio
Ambiente, cujas atribuições são: apoiar o processo de implementação e avaliação da PNEA
em todos os níveis; sistematizar e divulgar as diretrizes nacionais definidas, garantindo o
processo participativo; estimular e promover parcerias entre instituições públicas e privadas,
com ou sem fins lucrativos, objetivando o desenvolvimento de práticas educativas voltadas à
sensibilização da coletividade sobre questões ambientais; promover o levantamento de
programas e projetos desenvolvidos na área de Educação Ambiental e o intercâmbio de
informações; indicar critérios e metodologias qualitativas e quantitativas para a avaliação de
programas e projetos de Educação Ambiental; estimular o desenvolvimento de instrumentos e
metodologias visando o acompanhamento e avaliação de projetos de Educação
Ambiental; definir critérios considerando, inclusive, indicadores de sustentabilidade, para o
apoio institucional e alocação de recursos a projetos da área não formal; assegurar que sejam
contemplados como objetivos do acompanhamento e avaliação das iniciativas em Educação
Ambiental, ressaltando que será assessorado por um comite formado por representantes dos
mais variados segmentos da sociedade (BRASIL, 2002).
A Lei nº 12.305/2010 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a qual
integra a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e articula-se com a Política Nacional
de Educação Ambiental (PNEA), e tem entre seus princípios e objetivos a visão sistêmica, na
gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica,
tecnológica e de saúde pública e o desenvolvimento sustentável, e ainda a proteção da saúde
pública e da qualidade ambiental, apresentando como um dos seus instrumentos a educação
ambiental (BRASIL, 2010).
Pelas normas legais citadas observa-se que “a tendência da EA seja, a partir de agora,
também a de focar não somente mais especificamente alguns temas ambientais de acentuado
destaque para a sociedade como, também, fazendo-o de uma forma integrada e articulada”
(RIBAS; LEMOS; ANASTÁCIO, 2016, p. 131) .
Esses mesmos autores (2016, p. 120-135) preconizam que “os principais aspectos da
questão do Meio Ambiente e da Educação Ambiental, ambas em seu sentido amplo, exige a
contextualização do entendimento da ‘educação’ propriamente dita”, apontando como
referência a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – BRASIL, 1996).
Efetivamente essa lei disiciplina no artigo 22 que “a educação básica tem por finalidades
337
desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da
cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”,
cidadania esta concebida como algo que se constrói permanentemente e envolvendo uma
complexidade de conjuntos de direitos e responsabilidades sociais (LOUREIRO, 2008, p. 75-
76).
Sobre a inserção da EA na educação básica Tozoni-Reis et al (2013, p. 360-361)
relatam que no Censo Escolar de 2001, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), 61,2% das escolas manifestaram trabalhar
com a temática, enquanto que no Censo de 2004 subiu para 94%, dados estes que indicam,
sob a ótica quantitativa, que no Brasil a EA está presente na escola básica. Constataram
também que no estudo do INEP intitulado “O que fazem as escolas que dizem que fazem
educação ambiental? (TRAJBER; MENDONÇA, 2006)”, cujo objetivo era compreender de
maneira qualitativa essa inserção em escolas de ensino fundamental e médio do País, que

[...] uma das grandes dificuldades para a inserção da EA nas escolas esta relacionada
com a precariedade de recursos materiais, em que estão inseridos os materiais de
pesquisa e estudo para o aprofundamento de temas ambientais e educacionais,
inclusive para a formação permanente dos professores. Sem material adequado e em
quantidade suficiente para realizar seus trabalhos, eles procuram fontes diversas,
nem sempre com adequada qualidade acadêmica e científica, o que vem
prejudicando o trabalho desenvolvido. Sendo assim, pareceu-nos relevante
identificar que materiais os professores utilizam para a apropriação de conhecimento
em EA, considerando que estes materiais são ‘síntese de múltiplas determinações’,
isto é, são elementos reveladores de diversas dimensões do quadro da inserção da
EA nas escolas de Educação Básica, apontando: concepções de EA, conteúdos
trabalhados, estratégias escolhidas, e até a forma como a EA está inserida no
processo de formação dos sujeitos (Tozoni-Reis, et al 2013, p. 360-361).

Verifica-se que apesar do incremento da inserção da EA no ensino básico o material


utilizado nem sempre apresenta a necessária e adequada qualidade acadêmica e científica,
refletindo de forma negativa no trabalho educacional.
Essa percepção também foi observada por Silva (2011, p. 19), professor de Geografia
nas modalidades de ensino Fundamental e Médio, que aduz

[...] embora a legislação brasileira contemple a universalização da EA no espaço


escolar, podemos considerá-la bastante ínfima no que diz respeito às determinações
de ações e práticas para a sua real concretização na escola. Atuando como professor
de Geografia nas modalidades de Ensino Fundamental e Médio, observo que a EA
realizada no âmbito escolar muitas vezes fica relegada essencialmente à disciplina
de Ciências Naturais e, quando muito, Geografia.
Nesta perspectiva, é muito comum que os educadores sejam colocados em uma
árdua tarefa de incorporação individual e desarticulada da EA nas práticas
educativas, resultando em ações ingênuas e quase sempre efêmeras.
338
Não bastasse essa constatação, no Estado de São Paulo foi editada a Lei n°
12.780/07, que instituiu a Política Estadual de Educação Ambiental, cujo plano curricular é
desenvolvido por meio de materiais didáticos fornecidos aos professores e alunos da rede pela
Secretaria Estadual da Educação.
Como parte da pesquisa no Curso de Mestrado Profissional Interdisciplinar do
Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas da
Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Franca, intitulado “Educação ambiental:
metodologias e recursos teóricos visando a efetiva implantação das políticas públicas
inseridas na lei de educação ambiental”, que busca analisar se as políticas públicas inseridas
na Lei de Educação Ambiental têm sido introduzidas nas cinco escolas públicas estaduais e
uma da rede municipal do ensino fundamental II do município de Batatais/SP, identificamos a
existência de convênio durante o ano de 2016 entre o município e a Fundação José Lazzarini,
que por intermédio do Programa BATEA – Batatais Educação Ambiental e Viveiro Florestal,
executou naquele ano a formação continuada dos professores da rede, alunos e comunidade na
questão de EA.
No município em voga, a Lei n° 3019/2009 instituiu a Política Municipal de
Educação Ambiental objetivando a promoção da EA na educação formal, na conscientização
e engajamento da coletividade quanto à importância da valorização, conservação,
recuperação, uso e melhoria do meio ambiente, da paisagem e recursos naturais e
arquitetônicos da cidade, a incorporação do conceito de sustentabilidade no planejamento e
execução das políticas municipais (BATATAIS, 2009). Neste contexto, a municipalidade
firmou convênio6 com Fundação José Lazzarini com o objetivo de promover a capacitação
dos professores da rede e da coletividade.
A rede municipal de ensino formal utiliza material didático próprio e a EA é
trabalhada, no ensino formal e não-formal, em convênio com a Fundação José Lazzarini,
através do Programa BATEA - Batatais Educação Ambiental e Viveiro Florestal. Este
programa foi idealizado pela Fundação e pelo Centro de Estudos e Extensão da Floresta da
USP7 (CEEFLORUSP), com o incentivo do Ministério Público da Comarca a fim de “apoiar a
conservação, o desenvolvimento, a formação de educadores, a comunicação e a produção de

6
Termo de convênio 003/SMEC/PMB/2016, com vigência de 12 meses a partir de 10 de janeiro de 2016, ainda
não prorrogado.
7
USP – Universidade de São Paulo

339
materiais educativos, a partir de uma visão abrangente, democrática e participativa das
questões sócio-ambientais” (KATO; CARVALHO; KAWASAKI, 2011, p. 7).
Essa é questão abordada neste breve estudo.

Objetivo Geral
Analisar a contribuição do Programa BATEA - Batatais Educação Ambiental e
Viveiro Florestal, da Fundação José Lazzarini, com a formação integral e cidadã das crianças
e adolescentes do município de Batatais/SP no contexto da Lei de Educação Ambiental.

Objetivo Específico
Investigar como têm sido desenvolvidas as atividades do Programa BATEA –
Batatais Educação Ambiental e Viveiro Florestal no âmbito do ensino formal e não-formal no
município de Batatais/SP.

Metodologia
Neste estudo, quanto à abordagem, utilizou-se a pesquisa qualitativa uma vez que se
objetivou analisar a contribuição do Programa BATEA - Batatais Educação Ambiental e
Viveiro Florestal, da Fundação José Lazzarini, com a formação integral e cidadã das crianças
e adolescentes do município de Batatais/SP no contexto da Lei de Educação Ambiental, não
havendo preocupação com representação numérica, somente em conhecer a realidade
atualmente vivenciada, pois como acentuam Silveira e Córdova (2009, p. 32) a metodologia
qualitativa “preocupa-se, portanto, com aspectos da realidade que não podem ser
quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais”.
Quanto aos objetivos foi utilizada a pesquisa descritiva que tem como objetivo
“descrever com exatidão os fatos e fenômenos de determinada realidade” (TRIVIÑOS, 1987,
p. 100).
Quanto aos procedimentos realizamos a pesquisa documental nos arquivos da
Fundação José Lazzarini e nas Secretarias Municipais de Educação e Meio Ambiente de
Batatais/SP. Apesar da semelhança com a pesquisa bibliográfica, cujas fontes são aquelas
constituídas por estudos anteriormente elaborados, tais como livros e artigos científicos, a
pesquisa documental “vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou
que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa” (GIL, 2008, p. 51),
dentre os quais podemos citar os relatórios, revistas, filmes e outros documentos oficiais.
340
A técnica escolhida para o tratamento dos dados foi a análise do conteúdo, que
segundo Zanella (1977, p. 129-130)

“trabalha com materiais textuais escritos, tanto textos que são resultados do processo
de pesquisa como as transcrições de entrevista e os registros das observações, como
textos que foram produzidos fora do ambiente de pesquisa como jornais, livros e
documentos internos e externos das organizações”.

Discussão Teórica

A preocupação mundial com a crise socioambiental é um assunto recorrente ante a


constatação da degradação do meio ambiente, que tem impactado a qualidade de vida e a
sobrevivência da pessoa humana, por isso a EA deve ser dinânima e contribuir para a
mobilização coletiva objetivando mudanças de atitudes e valores sociais e também com a
formação de um cidadão crítico e participativo, consciente de sua responsabilidade na relação
com o meio ambiente, de modo a promover a sua defesa e sustentabilidade.
Segundo a literatura, a década de 1960 é considerada um marco referencial quanto a
origem da preocupação com as agressões ao meio ambiente, atribuindo-se a obra “Primavera
Silenciosa”, da bióloga americana Rachel Carson, publicada em 1962, que aborda a questão
dos agrotóxicos e também ao livro de Jean Dorst, lançado em 1965, sob o título “Antes que a
natureza morra”, o chamamento da atenção para o assunto.
Freiria (2011, p. 13-14) observa que a falta de discussão durante um período
considerável da história sobre os efeitos da atividade humana no meio ambiente tem apontado
para riscos de esgotamento dos recursos naturais e mudanças climáticas, citando que no Brasil
as políticas públicas nessa área estiveram afastadas dos conhecimentos de outras ciências,
longe de observar a interdisciplinariedade. Assevera que as políticas públicas ambientais no
momento presente de crise ambiental têm fundamental importância, pois mesmo com grande
número de leis relacionadas aos aspectos do meio ambiente, há falta de vinculação entre elas,
resultante do
predomínio da utilização da legislação ambiental como instrumento de comando e
controle, muitas vezes dissociada de uma real e efetiva política pública ambiental
mais ampla e interdisciplinar, que busque a preservação ambiental, não somente
como forma de evitar a aplicação de uma sanção prevista em lei, mas como uma
necessidade de preservação da própria vida, das gerações presentes e futuras, o que
remete ao diálogo com vários saberes com potencial de melhorar a relação homem
com o meio ambiente (FREIRIA, 2011, p. 14-15).

341
Souza (2006, p.23) aponta como ‘pais’ fundadores da área de políticas públicas os
autores Harold Laswell, Herbert Simon, Charles Lindblom e David Easton e que “não existe
uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política pública”, entretanto aponta como a
mais conhecida o conceito dado por Laswell8, que preconiza que as decisões e análises sobre
política pública devem, necessariamente, responder quem ganha o quê, por quê e que
diferença faz. “Política pública como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo,
‘colocar o governo em ação’ e ou/ analisar essa ação (variável independente) e, quando
necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente)” (SOUZA,
2006, p. 26).
Segundo Loureiro (2008, p. 69) a EA tem um caráter transformador e emancipatório
e é “práxis educativa e social que tem por finalidade a construção de valores, conceitos,
habilidades e atitudes que possibilitem o entendimento da realidade de vida e a atuação lúcida
e responsável de atores sociais individuais e coletivos no ambiente”.
Reigota (2009, p. 23) possui o mesmo entendimento,

É consenso na comunidade internacional que a educação ambiental deve estar


presente em todos os espaços que educam o cidadão e a cidadã. Assim, ela pode ser
realizada nas escolas, nos parques e reservas ecológicas, nas associações, meios de
comunicação de massa, etc.

Esses posicionamentos evidenciam que a EA não pode se restringir ao ambiente


escolar, uma vez que a questão ambiental deve ser uma preocupação e responsabilidade de
todos os cidadãos.
No entendimento de Sorrentino et al (2005, p. 288-289) a educação ambiental surge
como processo educativo “que conduz a um saber ambiental materializado em valores éticos e
regras políticas de convívio social e de mercado, que implica a questão distributiva entre
benefícios e prejuízos da apropriação e do uso da natureza”.
Loureiro (2008, p. 92-93) complementa que para o exercício da cidadania no
contexto da EA não basta fazermos a nossa parte, devemos também atuar em ONGs,
fundações, associação de moradores, entidades assistenciais e filantrópicas.
É nesse contexto que está a Fundação José Lazzarini, pessoa jurídica de direito
privado, com finalidade cultural, educacional e de assistência sem fins lucrativos, instituída9
pelo casal Ângelo Marinheiro Lazzarini e Iara Costa Freitas Lazzarini e a empresa Móveis

8
Harold Laswell em 1936 introduziu a expressão policy analysis (análise de política pública).

342
Lazzarini Ltda. Dentre suas várias atividades criou no ano de 2008 o Programa BATEA –
Batatais Educação Ambiental e Viveiro Florestal, núcleo de educação ambiental em parceria
com o CEEFLORUSP e incentivo do Ministério Público da Comarca, objetivando implantar
um projeto de educação ambiental, que através de suas ações promovesse a melhoria da
qualidade de vida da população do município de Batatais/SP10, apoiar a conservação, o
desenvolvimento, a formação de educadores, a comunicação e a produção de materiais
educativos, a partir de uma visão abrangente, democrática e participativa das questões
socioambientais.
Dentro dessa proposta surgiu também a de criação do Projeto Meio Ambiente e Você
Professor: Uma Rede de Saberes do Programa BATEA, visando “o debate e a reflexão por
parte dos professores participantes sobre alguns temas da EA e dessa forma modificar a
prática docente a partir de um novo pressuposto metodológico de abordagem de tais temas”
(KATO; CARVALHO; KAWASAKI, 2011, p. 7). Destacam ainda estes autores que o
“enfoque interdisciplinar e contextualizado aparece no projeto e planos de ensino como foco
da proposta que emprega o Meio Ambiente como tema unificador dos conteúdos escolares”.
Atualmente o Programa BATEA é dividido em dois projetos: Muda de Vida, que
produz mudas florestais nativas para reflorestamento, e Uma Rede de Saberes, que se
subdivide em quatro subprojetos: Meio Ambiente e Você Professor, direcionado aos
professores oferecendo cursos de formação continuada e palestras; Cine BATEA, criado em
2011, que busca a discussão sobre temas ambientais por meio de vídeos e documentários
direcionados à comunidade; Inovar, criado em 2010, que visa proporcionar a EA de forma
abrangente para os alunos das escolas da rede municipal, estadual, particular e não-formal de
ensino, do município e da região, por meio de atividades que utiliza o meio ambiente como
tema central, e é direcionado para alunos da educação infantil, ensino fundamental e ensino
médio, e Meliponário: Um olhar para o futuro, que acrescenta a educação ambiental a
conscientização de preservação e conservação das espécies polinizadoras de abelhas nativas e
indígenas sem ferrão.
As atividades do Programa BATEA foram agraciadas com o “Prêmio Itaú FIES”
(2009/2011) e Semifinalista do “Prêmio Itaú FIES” (2013), além do “Prêmio Município

9
Escritura pública de instituição de Fundação, lavrada em 2 de julho de 2003 e registrada no Livro 298, páginas
355/367 do Tabelião de Notas e Protestos de Letras e Títulos da Comarca de Batatais
10
Estimada no ano de 2016 em 61.040 habitantes. Fonte: IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Disponível em:http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=350590&search=sao-paulo|batatais.
Acesso em: 3 mai. 2017.

343
Verde Azul - Uma das 10 melhores parcerias ambientais do Estado” nos anos de 2010, 2011 e
2012.
No ano de 2016, durante a vigência do convênio com a Municipalidade, o Programa
BATEA, através do projeto Meio Ambiente e Você Professor, após a análise do material
didático adotado pela rede, promoveu com a Secretaria Municipal de Educação a formação
continuada de professores intitulada Educação Ambiental e a Transversalidade do Material
Didático durante os meses de outubro e novembro.
O subprojeto Inovar atendeu, tanto na sede do programa quanto em escolas e
instituições, alunos da educação infantil, do 2º e 4º anos do ensino fundamental da rede de
ensino, além de crianças, adolescentes e adultos de vários outros projetos.
O subprojeto Cine Batea foi oferecido em duas oportunidades, uma em cada
semestre.
O subprojeto Muda de Vida produziu e comercializou 75.270 mudas de florestais
nativas para reflorestamento.
O convênio assinado entre a Fundação José Lazzarini e a Prefeitura do Município de
Batatais, com vigência de 12 meses a partir de janeiro de 2016, apesar de contemplar a
possibilidade de prorrogoração por iguais períodos até o limite máximo total de 60 meses, não
teve qualquer aditivo, o que importou na cessão das atividades contempladas por ele em
conjunto com a municipalidade.

Considerações Finais

A breve pesquisa documental realizada permitiu constatar a dimensão do trabalho


desenvolvido pela Fundação José Lazzarini, notadamente pelo Programa BATEA - Batatais
Educação Ambiental e Viveiro Florestal, no âmbito do ensino formal e não-formal no
município de Batatais/SP. Voltado para a formação integral e cidadã das crianças e
adolescentes, para a formação continuada dos professores da rede e para práticas educativas
destinadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e
participação na defesa da qualidade do meio ambiente, o Programa BATEA, dividido nos
projetos Muda de Vida e Uma Rede de Saberes, que se subdivide em quatro subprojetos: Meio
Ambiente e Você Professor, Cine BATEA, Inovar e Meliponário: Um olhar para o futuro, tem
prestado relevante serviço a sociedade e agido como agente incentivador de mudanças
comportamentais no que diz respeito as políticas públicas inseridas na Lei de Educação
344
Ambiental, a medida que aqueles que participam de suas atividades agregam valores
socioambientais e se tornam agentes multiplicadores no seio de seu convívio diuturno. O
programa tem complementado as ações do poder público, mesmo enfrentando dificuldades
financeiras. Não obstante tais constatações, presente a solução de continuidade no convênio
por parte do município de Batatais que interrompeu o trabalho de suma importância para as
questões ambientais locais, justamente num momento em que foi interditado o aterro sanitário
e o Governo do Estado de São Paulo abre consulta pública para privatização da Floresta de
Batatais. Demonstra que a política pública desenvolvida pela Fundação no que tange a sua
finalidade institucional vinha atingindo seu objetivo de propiciar a melhoria da qualidade de
vida da população do município e com a formação integral e cidadã das crianças e
adolescentes do município, além da conscientização da coletividade, indo ao encontro do
quanto prescrito na PNEA, que enfatizou o direito de todos à educação ambiental e incumbiu
“à sociedade como um todo, manter atenção permanente à formação de valores, atitudes e
habilidades que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a prevenção, a
identificação e a solução de problemas ambientais” (BRASIL, 1999, artigo 3º, inciso VI). O
Projeto BATEA se viu compelido a paralisar as atividades objetos do convênio com a
Prefeitura de Batatais/SP, posto que ausente o principal instrumento para a consecução dos
objetivos de uma política pública, a questão econômica.

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OS INCENTIVOS ECONÔMICOS COMO FOMENTO PARA PROCESSOS DE
PRODUÇÃO MAIS LIMPOS PARA UM MEIO AMBIENTE SADIO.

Rodrigo Marinho Vieira Tavares*

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o programa de políticas públicas por
meio de incentivos econômicos como estímulo para processos de produção mais limpo e
menos degradante ao meio ambiente. Desde algum tempo tem-se a preocupação em preservar
o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como meio de vida mais saudável para a
população e um ambiente mais sadio. Pensar em processos de produção em grande escala que
não poluísse o meio ambiente em que vivemos seria inacreditável até algumas décadas atrás.
Realidade essa, que fez com que repensássemos este fato. No mundo globalizado em que
vivemos o compartilhamento de espaços nos deu a fiel exatidão que precisamos cuidar do
meio ambiente para que as futuras gerações aproveitem e conheçam o ecossistema existente.
Este trabalho investiga, aponta quais são estes incentivos econômicos que beneficiam a quem
ajuda conservar e manter um meio ambiente mais saudável. Projetos que vão desde isenção
tributária ao pagamento por serviços ambientais prestados. Mostraremos exemplos práticos
destes projetos e como estes recursos estão sendo empregados. Compararemos a relação entre
economia e meio ambiente, a interferência do Estado nestas áreas e a sua interdependência
com que faz que uma política econômica se preocupe com uma política de preservação do
meio ambiente equilibrado ecologicamente. O cuidado especial na Constituição Federal de
1988 no artigo 170, inciso VI, sobre a defesa do meio ambiente e seu impacto ambiental sobre
os meios de processos de produtos e serviços. A reunião de programas voltados à gestão
ambiental empresarial que faz com que as empresas atentem seus olhares para uma gestão
mais limpa e menos agressiva ao meio ambiente e que não deixe de aumentar seus lucros. A
responsabilidade na esfera criminal da pessoa jurídica nos crimes ambientais. Estas
iniciativas ajudam a conscientizar que o meio ambiente é um bem de uso comum e essencial á
sadia qualidade de vida da população, bem como descreve o artigo 225 da Constituição
Federal do Brasil de 1988.

Palavra-chave: Incentivos Econômicos. Processos de produção. Meio Ambiente.

Introdução

Não podemos falar em meio ambiente equilibrado ecologicamente sem antes falar em
processo de industrialização. Aliás, muito se deve a preocupação em preservação do meio

*
Graduado em Direito pela Universidade de Uberaba (UNIUBE). Pós-graduando em Direito Econômico e
Desenvolvimento pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto. FDRP-USP.

349
ambiente como meio de evitar a degradação causada pelos meios de processo de produção
que agridem o sistema ambiental.
O processo da Revolução Industrial se deu na Inglaterra nos séculos XVIII e XIX e
basicamente aconteceu na transformação nos produtos até então manufaturados e artesanais
em produtos finais mais bem acabados. Houve a substituição na maneira de fabricação,
deixou-se de lado o ofício produzido à mão para o uso das máquinas. A este processo se deu o
nome de maquinofatura. As primeiras máquinas a serem utilizadas eram a vapor movidas a
carvão. E aí então com o desenvolvimento das máquinas a vapor se desenvolveu também os
meios de transporte como navios e trens à vapor que auxiliavam o escoamento das produções.
Daí em diante o processo de industrialização foi aprimorando-se com a descoberta de novas
técnicas de produção1. Com a inserção do petróleo e da eletricidade que puderam estender
ainda mais os produtos industrializados como a fundição do ferro em aço. Já na metade do
século XX com a inovação da informática os meios de produção se tornaram cada vez mais
sistematizado, ou seja, adotaram um sistema capaz de aumentar os produtos fabricados em um
menor tempo e cada vez mais com um preço menor. Se no momento anterior a indústria
metalúrgica e automobilística eram o carro chefe da industrialização no século XX os setores
de informática , telecomunicações e a robótica associada as novas tendência no avanço da
medicina e da agropecuária roubaram a cena industrial. (ALMEIDA; RIGOLIN, 2103, p. 130-
134)
Com o avanço da industrialização que começou na Inglaterra e expandiu por outros
países da Europa, Ásia e America se tornou evidente que o mundo passaria por várias
transformações. Os avanços tecnológicos na transmissão de dados e dos transportes
facilitaram a vida de todos ao redor do mundo. A este método foi dado o nome de
globalização. Ou seja , o fácil acesso de pessoas , de mercadorias e a troca de moeda se deu o
nome de globalização. Para o autor Milton Santos2 “ A globalização é, de certa forma , o
ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista.” Com esta facilidade das
pessoas se locomoverem de um lugar a outro transpondo barreiras e a rapidez na troca de

1
Estes novos processos de industrialização ou chamados de taylorismo , nome dado em homenagem ao
engenheiro Frederick W. Taylor (1856-1915) em que a organização cientifica do trabalho consistia em utilizar
como meio de produção a seleção e treinamento de empregados para obter deles a maior produtividade
possível. Depois veio a teoria fordismo – nome dado em respeito a Henry Ford (1863-1947) , caracterizado
pela especialização do trabalhador, pela linha de montagem e pela produção em série. ALMEIDA,Lúcia
Marina Alves de; RIGOLIN, Tércio Barbosa.Fronteiras da Globalização. 2. ed. São Paulo: Ática, 2013, p. 131-
132.
2
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização:do pensamento único à consciência universal. 15. ed. Rio de
Janeiro:Record, 2008, p. 23.

350
informações por meio das novas tecnologias em telecomunicações e informática fez com que
a houvesse uma fuga das empresas multinacionais.
Estas empresas multinacionais empregavam suas filiais ao redor do mundo em busca
de melhores incentivos fiscais , matérias primas e mão de obra mais barata. Estas empresas
multinacionais agora chamadas de transnacionais procuravam otimizar ao máximo sua
produção e é claro produzindo mais com um custo cada vez menor. A preocupação com o
meio ambiente se dá justamente neste período de implemento dos meios de produção mais
eficazes. Com o atenção voltada em aumentar a escala de produção a qualquer custo a cautela
em preservar o meio ambiente foi deixada de lado. Somente com as catástrofes ambientais e
os problemas de saúde da população que residiam próximas as estas fábricas que surgiam
decorrentes da falta de cuidado com os resíduos sólidos produzidos por estas indústrias é que
se começou a analisar o meio ambiente por outro ângulo.
O primeiro ato por um meio ambiente protegido e equilibrado esta escrito na
Declaração das Nações Unidas, no ano de 1972, na cidade Estocolmo na Suécia. No Brasil foi
promulgado a Lei n° 6.938 de 31 de agosto de 1981 que dispõe sobre a Política Nacional de
Meio Ambiente3 que traz em seu artigo 4° inciso I o seguinte “ à compatibilização do
desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do
equilíbrio ecológico:”
No Brasil além da Lei n° 6.938 de agosto de 1981 que dispõe sobre a Política Nacional
de Meio Ambiente, a Constituição da República4 de 1988 trouxe no corpo de seu texto uma
preocupação com um meio ambiente ecologicamente equilibrado. O legislador cuidou-se em
observar sobre o uso do meio ambiente moderado, para o bem do uso comum das pessoas e
essencial à sadia qualidade de vida da população. O artigo 225 da Constituição da República
de 1988 ainda traz em seu texto o cuidado com as técnicas que possam comprometer a vida , a
qualidade de vida e o meio ambiente, a promoção da educação ambiental todos em
preocupação em manter um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Há também no artigo
170 da CF/88 no Título da Ordem Econômica e Financeira uma atenção especial em

3
BRASIL. Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
afins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providencias. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm> Acesso em: 09 jun. 2017.
4
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 09 jun. 2017.

351
detrimento ao impacto ambiental sobre os meios de produção que afetariam o meio ambiente
saudável5.
Vemos a preocupação do legislador em legislar para uma preservação do meio
ambiente ecologicamente equilibrado para as futuras gerações. Nota-se uma semelhança entre
a tutela do Estado nas questões ambientais e a sua interferência na economia de mercado. A
esta interferência do Estado em matéria de economia utiliza-se o mecanismo do Direito
Econômico6, ramo do direito que se atenta a disciplinar a atividade econômica em esfera
macro e microeconômico.
A inquietação do Estado em amparar e monitorar as atividades que afetem ao meio
ambiente saudável e as estruturas de mercado é o propósito de estudo deste trabalho. A
relação de um direito ambiental econômico equilibrado e a interface dos meios de produção
mais limpos que não agrida ao meio ambiente e por outro lado os benefícios que estes
processos podem trazer aos que a utilizem. Os mecanismos que a lei oferece aos usuários dos
sistemas de processos limpos e menos degradante como isenção de tributos o ICMS ecológico
e pagamentos por serviços ambientais prestados. Estes benefícios serão analisados nas
páginas a seguir e demonstrados como funcionam.

Objetivo Geral e Específico

O objetivo geral do presente estudo deseja evidenciar que é possível conciliar uma
produção mais limpa ao processo de produção e que estas mudanças podem trazer ao gestor
empresarial benefícios para a sua empresa. Além do mais, a empresa pode ganhar com estes
processos mais limpos gerando menos resíduos sólidos7 e tratando-os de forma mais

5
Vicente Bagnoli ensina que o “ O meio ambiente inicio da atividade econômica com a exploração dos recursos
naturais, está estreitamente relacionado com a ordem econômica , sobretudo a partir da análise da economia e
o desprezo à ética e à moral que coloca o lucro máximo acima de qualquer valor ou principio. BAGNOLI,
Vicente. Direito Econômico. 6. ed. São Paulo:Atlas, 2013, p. 81.
6
Direito Econômico para de João Bosco Leopoldino da Fonseca é assim definido “ Para um melhor
entendimento da questão, convém assinalar que, para compor e intermediar o confronto entre o poder
econômico privado e o poder econômico público, o Estado intervém sob várias formas mas,
fundamentalmente, adotando políticas para direcionar a relação entre jurídico e o econômico. Para atingir esse
objetivo, o Estado valer-se de normas jurídicas , para organizar a economia, conduzindo-a de forma a obter
situações de equilíbrio , através da disciplina macroeconômica das relações estabelecidas entre os diversos
poderes que se confrontam. O Direito Econômico será assim, constituído por um corpo orgânico de normas
condutoras da interação do Poder Econômico Público e do Poder Econômico Privado e destinado a reger a
Política Econômica . FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito Econômico.7. ed.rev.e atual. Rio de
Janeiro:Forense, 2014, p. 14.
7
Segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n° 12.305/2010) , os resíduos sólidos são definidos como
materiais ou substâncias em estado sólido ou semissólido resultantes de atividades humanas que são
352
adequada. Estes incentivos econômicos ensejam que as empresas adotem mecanismos que os
auxiliem no reaproveitamento e no tratamento correto dos resíduos sólidos descartados em
suas empresas.
Através deste estudo se propõe que se mude a concepção de que é possível fazer
alguma coisa pelo meio ambiente mais saudável e que tais mudanças seriam impossíveis.
Sendo assim também analisaremos a relação entre economia, meio ambiente e
desenvolvimento. A Lei n° 6.938 de 1981 de Política Nacional de Meio Ambiente já
considerava como seus objetivos “ à compatibilização do desenvolvimento econômico-social
com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.” (artigo 4° , I,)
Igualmente ao artigo 170 e 225 da Constituição da República de 1988 que trata
respectivamente do meio ambiente inserido na ordem econômica e a preocupação do
legislador em preservar o meio ambiente equilibrado.
O grande propósito da discussão é que é possível mudar sim os meios de processo de
produção para meios mais limpos e que degrade menos o meio ambiente.
O objetivo específico do presente estudo se dá justamente em dois propósitos
diferentes; (i) primeiro levar a informação de que é possível através de políticas públicas fazer
uma política nacional de meio ambiente mais limpo, ou seja, levar ao gestor empresarial o que
ele conseguirá em benefícios em troca de processos mais limpos na sua produção; (ii)
demonstrar o que pode acarretar em termos de sanção administrativa , civil e criminal por
danos causados por estas infrações e mais os estragos ocasionados ao meio ambiente por falta
de conhecimento.

Metodologia
O presente estudo fundamenta em pesquisa cientifica de método científico dedutivo,
classificado em natureza aplicada, de abordagem ao problema quantitativo, de objetivo
exploratório e procedimento técnico bibliográfico8.

descartados e necessitam destinação final adequada, escolhida em face da natureza e da tecnologia disponível.
NETO, Paulo Nascimento. Resíduos sólidos urbanos: perspectiva de gestão intermunicipal em regiões
metropolitanas. São Paulo: Atlas, 2013.

353
Discussão Teórica

O trabalho de estudo segue o conhecimento racional da professora Dra. Cristiane


Derani9, que tem como teoria que o economia e meio ambiente devem andar juntos para um
desenvolvimento sustentável. A autora desenvolve estudos em que relaciona a relação da
economia junto a processos de produção sustentável em um meio ambiente resguardado.
Assim, a pesquisadora define este processo;

A compreensão dos princípios da ordem econômica e ambiental e a correta


orientação para o desenvolvimento de políticas públicas apontadas pela norma
jurídica encontram nessas teorias rico manancial, possibilitando viabilizar a
utilização eficiente dos meios para se atingir os fins colimados. É do movimento das
práticas econômicas lá identificadas que retiram inspiração os políticos e juristas na
realização do direito ambiental , seja do ponto de vista da prática legislativa, seja
daquele de elaboração de políticas públicas.(DERANI, 2008, p. 36)

Para melhor compreensão do tema é preciso entender que o direito ao meio ambiente é
um direito difuso, sendo assim, não é possível determinar quem são os seus detentores de
direito. Ou seja, todos que habitam o ecossistema têm por direito a usufruí-lo de maneira
consciente. É por isso que o legislador tem por interesse protegê-lo, cuidando para que o
homem não o degrade. Não é possível entender o meio ambiente sem o homem e assim vice
versa. Um complementa o outro. Clarissa Ferreira Macedo D’Isep (2004, p. 39) assim
descreve a relação entre economia e meio ambiente para ela “ [...] Economia (...) é (...) a visão
antropocêntrica da Ecologia, ou seja, a sua manifestação humana. Daí, teríamos que a
Economia seria a Ecologia do homem.” A economia tem o homem no centro de tudo, sem ele
(homem), ela (economia) não existiria. E conclui o seu raciocínio;

Economia e meio ambiente são partes integrantes e dispersas no mesmo todo, seja
porque este é fonte de recurso para aquela ( E=K+ trabalho+ natureza), ou ainda
porque o meio ambiente é a integração e interação dos seres vivos com o seu meio, e
a Economia é a maneira, a forma, o instrumento com o qual o homem interage como
o seu meio.

Entendemos que um necessita do outro para a sua própria sobrevivência. Por isso a
atenção em preservar o meio ambiente para as futuras gerações e para uma vida mais
saudável.

8
ALMEIDA, Mauricio B.. Noções Básicas sobre metodologia de pesquisa científica. Disponível em:<
http://mba.eci.ufmg.br/downloads/metodologia.pdf mba.eci.ufmg.br> Acesso em: 09 jun. 2017.
9
Cristiane Derani é autora da obra Direito ambiental econômico. São Paulo: Saraiva, 2008..
354
No Brasil a preocupação com o meio ambiente se tornou perceptível com a criação do
Código Florestal de 1965, naquela época já se refletia com cuidado com a devastação
ambiental por conta do desenvolvimento econômico. Essa preocupação se tornou mais notória
após a Lei n° 6.938/81 que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente. Em 1988 a
Constituição Federal trouxe nos artigo 170, IV10 e 225 uma preocupação permanente com o
tema. Já em 1992 o Brasil criou o Ministério do Meio Ambiente e sediou no mesmo ano a II
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento a ECO-92 no Rio
de Janeiro. Estes acontecimentos principalmente a conferência internacional ECO-92, chamou
a atenção das autoridades para os problemas ambientais que aconteciam. E fomentaram
medidas para que não acarretassem em maiores prejuízos em questões ambientais.
(ALMEIDA;RIGOLIN, p. 75-76)
Em 1998 o Brasil dá um passo maior e cria a Lei de Crimes Ambientais que prevê a
punição em esfera criminal de pessoa física e pessoa jurídica que cometam infrações conta o
meio ambiente.
Vimos então que em termos de legislação o Brasil se planejou criando normas
jurídicas. Não podendo se abster de não existir legislação para amparar o meio ambiente.
Agora então é fazer com que estas leis sejam cumpridas e incentiva-las para que sejam. No
ordenamento jurídico nacional existe a previsão legal de punição a quem comete o crime
ambiental que tem como bem jurídico o meio ambiente. Este também é o entendimento de
Luis Regis Prado como observa magistralmente em sua obra (2009, p. 111)

Em remate, quadra aqui a reafirmação do ambiente, como bem jurídico de natureza


transindividual difusa, - digno, capacitado e merecedor de tutela penal - , adequando
ao livre desenvolvimento da pessoa humana, com vistas à proteção e melhora de sua
qualidade de vida (exercício, gozo de todas as suas potencialidades), de
conformidade com diretriz (formal e material) perfilhada no texto maior. É de ser
reter ainda que, no Estado democrático e social de Direito, a lei penal não deve se
contentar em punir as agressões ao meio ambiente, mas também alcançar os
comportamentos que dificultem ou impeçam o seu desfrute de forma livre e
solidária.

Assim o Estado se antecipou de futuras ações tanto nas esferas administrativas, cíveis
e criminais e criou leis que amparassem de futuros problemas. Mas isso não foi o suficiente, e
por isso foram implantados projetos que auxiliem o Estado em projetos que incentivem o
gestor ambiental em processo mais limpos. Foram criados incentivos econômicos para que as

10
Para Bagnoli “ A economia está diretamente ligada ao meio ambiente, de modo que o desenvolvimento
econômico,traduzido em justiça social, deve estar pautado no meio ambiente sustentável e saudável para a
sociedade. BAGNOLI, Vicente. Direito Econômico. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 81.
355
pessoas jurídicas cumpram o seu dever de proteção ambiental de forma positiva. Assim entre
as medidas previstas como incentivos estão; a) incentivos fiscais, financeiros e creditícios; b)
cessão de terrenos públicos; c) subvenções econômicas; e d) pagamento por serviços
ambientais. Os incentivos fiscais devem ser observados em conformidade com a Lei
n°101/2000- Lei de Responsabilidade Fiscal. Em referência aos incentivos fiscais, financeiros
ou creditícios estes se destinam as indústrias e entidades dedicadas à reutilização, ao
tratamento e à reciclagem de resíduos, projetos relacionados à responsabilidade pelo ciclo de
vida dos produtos , prioritariamente em parceria com cooperativas ou associações de
catadores e as empresas de limpeza urbana e as atividades relacionadas (SILVA; SOLER,
2013, p. 97-98).
Vimos que, “ Tais instrumentos podem envolver pagamento, compensação ou
concessão de benefícios fiscais e são considerados uma alternativa eficiente em termos
econômicos e ambientais, indo além dos mecanismos já existentes [...]”(MINISTÉRIO DO
MEIO AMBIENTE)11 que existem incentivos econômicos para que gestores empresariais
adotem estes sistemas de produções mais limpas e tratamento de resíduos sólidos.
Há outros incentivos econômicos como a isenção tributária do Imposto Territorial
Rural , ITR, para o caso do produtor rural que tenha em sua propriedade uma reserva legal e a
mantenha em preservação.12 O ICMS ecológico , que destina 25% do produto da arrecadação
do ICMS (artigo 158, IV) do Estado aos municípios , e esta fatia pode aumentar de até um
quarto da cota que lhes cabe do produto de arrecadação do ICMS, caso atendam aos critérios
de preservação ambiental em seus municípios.13
Outro projeto que vem ganhado espaço ente as medidas de incentivos econômicos está
o pagamento por serviços ambientais. Que basicamente consiste em pagar aquele que presta
um serviço ambiental, como por exemplo, conservação e manutenção de uma nascente de um
rio. Estes incentivos econômicos simples ajudam as populações locais a conscientizarem da

11
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Instrumentos Econômicos. Disponível
em:<http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/planejamento-ambiental-urbano/instrumentos-
econ%C3%B4micos> Acesso em: 07 jun. 2017.
12
TORRES, Marcos Abreu. Mecanismos Econômicos de Proteção do Meio Ambiente. Revista Prática Jurídica.
Brasília. Ano XII, n° 138, p. 7, 2013.
13
O ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) que está disposto no artigo 155, II, CF, que
compreende as operações relativas à circulação de mercadorias, prestação de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e serviço de comunicação. Aos municípios cabem 25% do valor arrecadado pelo
Estado, caso os municípios integrantes atenderem aos programas de preservação ambiental estes valores
podem aumentar. NIEVES, Fábio. Tributação Ambiental – A Proteção do Meio Ambiente Natural. São Paulo:
Quartier Latin, 2012, p. 121-122.

356
importância em preservar os recursos naturais. Além, claro de ajudar financeiramente os seus
colaboradores.
Projetos como estes, de incentivos econômicos ajudam a preservar o meio ambiente
local e estimula a população a se interessar por tais projetos e podem ser “ [...] implementados
sem a necessidade de uma lei, embora seja importante que o Poder Público reconheça e
fomente tais iniciativas, isentando-as, por exemplo, das obrigações perante o Fisco e
permitindo as deduções tributarias correspondentes” (TORRES; DEZOLT, 2013, p.8)
Notamos que projetos e leis existem, o que realmente falta é propagar tais informações
para que projetos como estes de isenção tributária, incentivos fiscais, pagamento por serviços
ambientais se tornem cada vez mais comuns. O importante nestes casos é que o meio
ambiente sadio saia ganhando.

Considerações Finais

Ao analisar o estudo apresentado observamos que as mudanças nos meios de


fabricação dos produtos artesanais para os produtos maquinofaturados produzidos em larga
escala, trouxe consigo problemas na mesma rapidez com que estes produtos eram produzidos.
Houve uma maior preocupação como o meio ambiente. O cuidado com a saúde da população,
o avanço na área da medicina e a longevidade da população fizeram com que a atenção ao
meio ambiente mais saudável se tornasse evidente.
Convenções internacionais como a de Estocolmo em 1972, fizeram com que o mundo
observasse as mudanças ambientais com mais cautela e tomassem providencias em curto
prazo para que as consequências não fossem ainda mais desastrosas. A globalização, o avanço
das empresas transnacionais o mundo cada vez mais conectado e uma produção industrial
cada vez mais imponente ligaram o alerta para o cuidado com o meio ambiente.
Vimos no presente artigo que, com o passar dos anos o legislador procurou ponderar-
se dos problemas ambientais e legislar sobre o tema. E que no Brasil temos leis que
assegurem sobre um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Também vimos projetos de
incentivos que fomentam a prática por processos mais limpos na produção empresarial.
Gestão ambiental empresarial mais atuante nas empresas.

357
Finalmente concluímos que é preciso mais projetos de incentivos econômicos a
processos de produção mais limpos e que estes sejam amplamente divulgados para que mais e
mais pessoas utilizem estes procedimentos.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Lúcia Marina Alves de; RIGOLIN, Tércio Barbosa. Fronteiras da


Globalização. 2. ed. São Paulo: Ática, 2013.

ALMEIDA, Mauricio B..Noções básicas sobre metodologia de pesquisa científica.


Disponível em:< http://mba.eci.ufmg.br/downloads/metodologia.pdf.mba.eci.ufmg.br>
Acesso em: 09 jun. 2107.

BAGNOLI, Vicente. Direito Econômico. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

BRASIL.Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981.Dispõe sobre a Política Nacional de Meio


Ambiente , seus afins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providencias.
Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm>. Acesso em: 09 jun.
2017.

_____. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:
09 jun. 2017.

DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito ambiental econômico e a ISSO 14000: análise
jurídica do modelo de gestão ambiental e certificação ISSO 14001. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Instrumentos Econômicos. Disponível em:


<http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/planejamento-ambiental-urbano/instrumentos-
econ%C3%B4micos>Acesso em: 07 jun. 2017.

FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito Econômico. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Forense, 2014.

NETO, Paulo Nascimento. Resíduos sólidos urbanos: perspectiva de gestão


intermunicipal em regiões metropolitanas. São Paulo: Atlas, 2013.

PRADO, Luis Regis. Direito Penal do ambiente. 2 ed. rev. , atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009.

NIEVES, Fábio. Tributação Ambiental –A Proteção do Meio Ambiente Natural. São


Paulo: Quartier Latin, 2012.
358
OECO. O que é ICMS Ecológico. Disponível em:< http://www.oeco.org.br/dicionario-
ambiental/28048-o-que-e-o-icms-ecologico/>Acesso em: 09 jun. 2017.

SILVA, Carlos Roberto Vieira da; SOLER, Fabricio Dorado.Gestão de resíduos sólidos: o
que diz a lei. 2. ed. São Paulo: Trevisan, 2013.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência


universal. 15. ed. Rio de Janeiro:Record, 2008.

TORRES, Marcos Abreu. Mecanismos Econômicos de Proteção do Meio Ambiente.


Revista Prática Jurídica, Brasília, Ano XII, n° 138, p.7, 2013.

TORRES, Marcos Abreu; DEZOLT, Eliza Romano. Pagamento por serviços ambientais.
Revista Prática Jurídica, Brasília, Ano XII, n° 139, p.8, 2013.

359
UNIDADE DE CONSERVAÇÃO PARQUE ESTADUAL FURNAS DO BOM JEUSUS:
A HISTÓRIA DO LUGAR E SEU LUGAR NA HISTÓRIA

Lucia regina tanaka bovo*


Analúcia Bueno dos Reis Giometti**

Resumo: No cenário mundial, as Unidades de Conservação tem se mostrado uma das


melhores opções para a proteção e a preservação do meio ambiente. O objeto deste projeto de
pesquisa tem como objeto de estudo o Parque Estadual Furnas do Bom Jesus, localizado na
cidade de Pedregulho/ SP. Seu principal objetivo é registrar a história do lugar com fatos
relevante antecessores a sua fundação e seu lugar na história com fatos relevantes pós
fundação. Antes de sua criação, a área era ocupada por pequenas propriedades rurais,
destinadas principalmente a cultura do café e a criação de gado, o que provocou uma série de
degradação do ambiente. Pós criação, hoje com uma área de 2.069 hectare, este parque é uma
das mais importantes ilhas de biodiversidade do Estado de São Paulo em relação ao número
de espécies por hectare, fato este justificado por está localizado em uma área de transição
entre a Mata Atlântica e Cerrado. Do total da área preservada, apenas 15% ainda estão em
processo de recuperação. A metodologia a ser aplicada será baseada em depoimentos dos
sujeitos envolvidas nos processos. Os dados serão construídos a partir de entrevistas,
observações livres, fotografias, mapas e a análise de materiais utilizados e/ou produzidos
pelos seus colaboradores. Ao término do desenvolvimento do projeto, espera-se fazer o
registro histórico do parque que poderão ser utilizados para futuros estudos e pesquisas e
contribuir para a formulação de seu próprio Plano de Manejo.

Palavras-chave: Unidade de conservação, meio ambiente, cerrado.

Introdução

A contemporaneidade vem enfrentando sérios agravamentos ambientais por todo o


globo terrestre. Este início de terceiro milênio está sendo marcado por diversos problemas
socioambientais enfrentados pela sociedade em geral, bem como a globalização do mesmo.
A exaustão de diversos recursos naturais nos levam a refletir sobre o que está sendo
feito para evitar prejuízos ainda maior a natureza. Prejuízos estes que refletem direta e/ou
indiretamente na própria sociedade dependente destes recursos para sua sobrevivência.

*
Bacharel em Administração de Empresa pelo Centro Universitário de Franca - UniFacef. Mestre em Serviço
Social UNESP/Câmpus de Franca. Membro GESTA
**
Docente da UNESP/Câmpus de Franca, Líder do GESTA.

361
Infelizmente não é impossível pensar nestes impactos ambientais desassociada do
modo de vida imprudente dos seres humanos. A revolução industrial e o sistema capitalista
moderno levaram a sociedade a seguir caminhos que não favorecem e muito menos priorizam
a preservação ou alternativas sustentáveis. È a partir da revolução industrial que a degradação
ambiental passa a ser problema para a humanidade. Com ela, veio a desordenada retirada dos
recursos naturais para suprir o funcionamento fabril, causando escassez de determinados
recursos naturais, poluições, desmatamentos,etc. Também não se pode esquecer dos sérios
problemas sociais destacados aqui o desordenado êxodo rural, acarretando grande
concentração humana em algumas cidades e por consequência a desigualdade social.
A segregação social produzida pelas cidades capitalista é uma demonstração do
sistema econômico que sustenta essa situação. Segundo Mueller,(1997, p. 82),

“ ... criou um tipo especial de degradação ambiental de difícil erradicação - aquela


que resulta da provisão inadequada de assistência e de serviços públicos básicos às
populações pobres em expansão nas aglomerações urbanas.”

É sabido que tanto no Brasil, quanto no restante do mundo, as áreas das cidades onde
é predominante a ocupação da população de baixa renda, caracterizam-se pela deficiência dos
serviços urbanos básicos, precária situação sanitária e habitações inadequadas que na maioria
das vezes estão em situações irregulares.
Outro fator negativo é o crescimento populacional e sua gradativa concentração
principalmente na grandes cidades, aumentando a necessidade de mais recursos retirados da
natureza. Ou seja, vivemos em uma cultura de risco, com efeitos negativos escapando à nossa
capacidade de percepção direta, mas consideravelmente convictos que eles podem atingir não
só a vida de quem os produz, mas também as próximas gerações.
Diante deste cenário, a industrialização, o capitalismo e a urbanização se tornaram
grandes vilões de um meio ambiente equilibrado. Seus efeitos negativos resultam em
problemas socioambientais como a insuficiência dos serviços básicos de saneamento, coleta e
destinação adequada do lixo e condições precárias de moradia, tradicionalmente relacionados
com a pobreza e o subdesenvolvimento.
A nível global, a preocupação com a qualidade do meio ambiente não é recente. Desde
a Conferência de Estocolmo em 1972, considerada a primeira Conferência global voltada para
o meio ambiente, que se atenta à necessidade de um critério e de princípios comuns que

362
ofereçam aos povos do mundo inspiração e guia para preservar e melhorar o meio ambiente
humano.
Para Passos,
Essa nova visão culminou com proposições que demandaram o engajamento
comprometido dos Estados, com a cooperação internacional em matéria de meio
ambiente, resultando em uma nova ordem incorporada no seio do sistema jurídico
nacional dos Estados, gerando verdadeiro Direito Ambiental 1. (Passos, 2009 P.1).

A partir da Rio 92 é que modificou-se consideravelmente a percepção do mundo em


relação aos problemas ambientais. Surge a nível mundial a necessidade de criação de espaços
especiais para a manutenção do meio natural, conservação da biodiversidade, manutenção do
patrimônio genético e proteção do ecossistema natural.
Segundo Hassler, (2005, P. 81), " Estes espaços passam a ser chamados de Unidades
de Conservação e passa a ter uma importância cada vez maior, sobretudo a partir de 1990,
época de maior globalização dos problemas ambientais e maior preocupação com os
mesmos".

Breve História das Unidades de Conservação

É fato que a proteção das espécies de fauna e flora nativas de um determinado país ou
região só poderá ser feita, de forma efetiva, com a preservação de parcelas significativas de
seus ambientes naturais. Em razão disso, no Brasil, a exemplo de muitos outros países, são
criadas diversas unidades de conservação, visando além da proteção dos recursos bióticos, a
conservação dos recursos físicos e culturais destes mesmos espaços naturais .
A definição de Unidades de Conservação, segundo o IBAMA (Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), são "porções do território
nacional,incluindo as águas territoriais, com características naturais de relevante valor, de
domínio público ou propriedade privada, legalmente instituídas pelo poder público, com
objetivos e limites definidos, e sob regimes especiais de administração, às quais se aplicam
garantias adequadas de proteção".

1
Direito ambiental é um ramo do direito, constituindo um conjunto de princípios jurídicos e de normas
jurídicas voltado à proteção jurídica da qualidade do meio ambiente. Para maiores informações acesse:
http://www.mma.gov.br/governanca-ambiental/sistema-nacional-do-meio-ambiente/comiss%C3%A3o-
tripartite-nacional/direito-ambiental

363
Ainda de acordo com o IBAMA, "atualmente existem no mundo 9.766 unidades de
conservação, abrangendo aproximadamente 870 milhões de hectares, distribuídas em 149
países".
No Brasil, as Unidades de Conservação estão divididas em categorias. Até 1981
existiam no país apenas três categorias: Parque Nacional , Reserva Biológica e Floresta
Nacional. A partir dessa data, passaram a ser criadas novas categorias que são: Estação
Ecológica, Área de Proteção Ambiental e as Área de Relevante Interesse Ecológico entre
outras, que estão descritas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei nº.
9.985/00).
Algumas categorias de Unidades de Conservação protegem também o patrimônio
histórico-cultural, e as práticas e o modo de vida das populações tradicionais, permitindo o
uso sustentável dos recursos naturais.
Um outro aspecto positivo das Unidades de Conservação é o fato de que elas
promovem a geração de renda e estimulam o desenvolvimento regional e local, apoiando
programas de turismo sustentável, criação de cooperativas de e coprodutos,
entre outros, além de incentivarem atividades de pesquisa científica e processos educativos
Em resumo, as UCs oferecem benefícios para além das suas fronteiras. Assim sendo, é
preciso que o poder público e a sociedade tenham clareza de que ecossistemas saudáveis são
vitais para a existência de pessoas sadias, empresas sustentáveis, economias sólidas e,
consequentemente, para o desenvolvimento sustentável.
Diante deste fato, é de suma importância que a sociedade conheça a origem, o
objetivo e o trabalho das UCs afim de compreender a importância deste espaço para a
humanidade, sendo um ótimo início para a mudança, permitindo um senso crítico mais
apurado e também proporcionando atitudes transformadoras.
Quando se conhece os fatores históricos que contribuíram e/ou contribui para a
construção de uma UC, também promove o entendimento da importância da recuperação,
recomposição e preservação ambiental para a comunidade em geral, bem como o registro
histórico para futuros estudos.
Diante deste cenário a proposta deste trabalho é registrar a história do lugar com fatos
relevante antecessores a sua fundação e seu lugar na história com fatos relevantes pós
fundação, tendo como objeto de estudo o Parque Estadual Furnas do Bom Jesus, localizado na
cidade de Pedregulho/SP.

364
A escolha do local se deu principalmente porque em recentes pesquisa científicas
realizadas para a elaboração do Plano de Manejo do parque, descobriram uma das mais
importantes ilhas de biodiversidade do Estado de São Paulo em relação ao número de espécies
por hectare. Este fato é justificado por está localizado em uma área de transição entre a Mata
Atlântica e Cerrado.

A Unidade de Conservação Furnas do Bom Jesus - Resquício do Bioma Cerrado


Paulista

O Parque Estadual Furnas do Bom Jesus, foi criado pelo decreto Estadual nº 30.591 de
12 de Outubro de 1989 e desapropriado pelo Decreto nº 31.644 de 30 de Maio de 1990, porem
o início de suas atividades aconteceu somente em 14 de Março de 1991.
Está localizado no município de Pedregulho a noroeste do Estado de São Paulo,
fazendo divisa com os municípios de Igarapava e Rifaina ao norte, com Cristais Paulista ao
Sul, com o Rio Grande, Canoas e Estado de Minas Gerais a leste e com Buritizal e Jeriquara a
oeste. Está inserido na bacia hidrográfica do Sapucaí Mirim/Grande. O acesso à sede é
realizado pela Avenida Orestes Quércia, Km 07, s/n.
O Parque Estadual Furnas do Bom Jesus (PEFBJ) é classificada como sendo uma
Unidade de Conservação de Proteção Integral, tendo como principais objetivos a preservação
dos seus ecossistemas, dos sítios geomorfológicos e das paisagens naturais, visitação pública
e a realização de pesquisas científicas. Universidades públicas como a Universidade de São
Paulo - USP, especialmente a ESALQ, através da participação de professores ligados ao IPEF
( Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais), a Faculdade de Biologia da USP, Campus
Ribeirão Preto, Instituto Butantã, UFSCAR, UNICAMP, UNIFRAN, entre outras,
desenvolvem projetos científicos na Unidade.
De grande relevância ecológica e beleza cênica, este parque possibilita o
desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em
contato com a natureza e de turismo ecológico. Também desenvolve projetos de natureza
socioambientais, vinculados a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
Outra relevante importância do Parque Estadual Furnas do bom Jesus é a preservação
do resquício bioma cerrado do Estado de São Paulo que, depois da Mata Atlântica, é o bioma
que mais sofreu alterações com a ocupação humana e exploração predatória de seu material

365
lenhoso para a produção de carvão. É o hotspots2 que possui a menor porcentagem de área
sobre proteção integral.
Atualmente as principais causas desta extinção deste bioma são a degradação e
fragmentação dos ambientes naturais para dar lugar a implantação de pastagens ou
agriculturas convencionais, o extrativismo desordenado, a expansão urbana, a ampliação da
malha viária, incêndios florestais, entre outros.
Segundo Veiga (2013), o cerrado poderá ser totalmente destruído até 2030 se sua
perda anual se mantiver nos níveis atuais. O autor revela ainda que originalmente 14% da área
total do Estado de São Paulo era ocupado pelo bioma cerrado e hoje, esta área representa
apenas 1,17% distribuídos em vários fragmentos isolados sendo a maior parte destes com
menos de 400 Hectares . Diante deste cenário, a conservação de todo e qualquer fragmento de
cerrado no Estado de São Paulo é urgente.
No caso do Parque Estadual Furnas do Bom Jesus, apresenta área contigua de 2.069
Hectares, com sede técnico administrativo no núcleo Santa Luzia.
Vale ressaltar aqui que apesar de todas atividades disponíveis para a sociedade, este
parque tem apenas 25 anos de fundação, sendo considerado relativamente novo se comparado
a outros parques espalhados pelo Estado. Cerca de 80% do seu espaço está totalmente
recuperado, restando apenas 20% em processo de recuperação.
Sabe-se que antes da área se tornar uma UC, a mesma era composta por pequenas
propriedades rurais particulares, destinadas principalmente a cultura do café e a criação de
gado, o que provocou uma série de degradação do ambiente.

Objetivos

A fim de conduzir esta pesquisa de forma a poder registrar os dados históricos do


Parque Estadual Furnas do Bom Jesus, será trabalhado com os seguintes objetivos.

Objetivo Geral

2
O termo hotspots é utilizado para designar lugares que apresentam uma grande riqueza natural e uma elevada
biodiversidade, mas que, no entanto, encontram-se ameaçados de extinção ou que passam por um corrente
processo de degradação. Trata-se dos lugares do planeta onde a conservação de suas feições naturais faz-se
mais urgente.

366
Conhecer e registrar os fatores históricos que compôs a criação e o desenvolvimento
do Parque Estadual Furnas do Bom Jesus, no intuito de eternizar fatos relevantes da sua
criação.

Objetivos Específicos

A) Pesquisar e identificar os principais antigos proprietários das áreas que foram


desapropriadas para a criação do parque.
B) Relatar a história de vida dos principais proprietários.
C) Identificar os pontos de conflitos da desapropriação.
D) Descrever e conceituar os caminhos percorridos para a regeneração dos biomas existentes
no local.
E) Pesquisar e relatar os projetos e pesquisas cientificas que foram desenvolvidas no parque.
F) Demonstrar a valorização do parque junto à população local.
G) Apontar futuras ações.
 Como se deu a regeneração das áreas degradadas do parque?
 Quais os projetos e pesquisa que foram realizadas utilizando a área do parque?
 Quais benefícios socioambientas que o parque oferece para a sociedade?

Ao termino do desenvolvimento desta pesquisa pretende-se alcançar os objetivos


propostos.

Procedimentos Metodológicos

A priori, a pesquisa será dividida em duas partes: A História do Lugar, onde


pretende-se resgatar as memórias de um passado anterior a criação do parque, e a segunda
parte: E Seu Lugar na História, onde pretende-se resgatar as memórias posterior a criação
do parque.
Uma das vantagens de se trabalhar com a historia local são as inúmeras metodologias
que ela pode oferecer. Tendo como base os depoimentos dos sujeitos envolvidas nos
processos, os dados serão construídos a partir de entrevistas, observações livres, fotografias,
mapas e a análise de materiais utilizados e/ou produzidos pelos colaboradores. Faz-se

367
necessário também as pesquisas bibliográficas e documentais para uma fundamentação
teórica.
Para esta pesquisa, foi escolhida a abordagem qualitativa, que com seu caráter
multimetodológico devido ao uso de varias fontes e técnicas empregadas na coleta de dados,
permite uma leitura da realidade que inclui a subjetividade necessária a compreensão.
A opção por esta abordagem investigativa, que inicialmente apresenta-se flexível,
comporta a definição do referencial interpretativo concomitante à coleta de dados e a leitura.
A necessidade de busca constante de novos dados e de novas leituras serão feitos na maior
parte do tempo da pesquisa que conforme a explicação de Alves-Mazzotti e Gewandsznajder:
Em decorrência da feição indutiva que caracteriza o estudo qualitativo, as etapas de
coleta, análise e interpretação ou formulação de hipóteses, não obedecem a uma
sequencia, cada uma correspondendo a um único momento de investigação, como
ocorrem nas pesquisas tradicionais. A análise e a interpretação dos dados vão sendo
feitos de forma interativa com a coleta, acompanhando todo o processo de
investigação (1998, P. 162).

Sendo assim, a base de dados serão basicamente entrevistas semi estruturadas com o
objetivo de resgatar da memória dos sujeitos da pesquisa, ou seja, antigos proprietários da
área desapropriada, pessoas envolvidas direta e/ou indiretamente no processo de
transformação da área em parque, funcionários, entre outros.
Também faz-se necessário a busca por documentos, fotos e outros materiais capazes
de contribuir para o enriquecimento da pesquisa.

Considerações Finais

A necessidade do conhecimento é essencial ao homem desde que ele se deu conta da


importância de compreender o mundo para melhor se relacionar com o meio em que vive.
As Unidades de Conservação no território nacional foram estabelecidas visando à
proteção e conservação desses espaços territoriais e seus recursos ambientais que tenham
características naturais relevantes..
Os objetivos principais dos Parques Estaduais são a conservação e pesquisa dos
elementos naturais (flora, fauna, etc) aliados às práticas de atividades de lazer e educação
ambiental, geralmente tendo como elemento central áreas de significativa beleza cênica. A
manutenção de áreas naturais protegidas oportuniza não só a
o meio ambiente e a preservação ecológica, mas também a produção de benefícios
368
econômicos e sociais de maneira ampla e efetiva para a coletividade da população.
O entendimento e o conhecimento da história local tem o poder de proporcionar a
comunidade reconhecer-se como agente participativo e transformador da sua história local e
nacional e consequentemente gera o interesse e a valorização da mesma.
Preservar a história da UC é manter a instituição viva e uma forma de fortalecer suas
bases. Para que essa memória seja preservada, é preciso conservar fotos, documentos, objetos
e organizar os registros dos fatos. Os erros e acertos do passado ajudam a entender o presente
e a planejar ações futuras.
A relevância desta pesquisa está em conhecer e registrar os principais fatores e
personagens que fizeram parte da composição histórica do Parque Estadual Furnas do Bom
Jesus de Pedregulho/SP.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, algumas perguntas fez-se necessário para o
seu desenvolvimento:
 Quem são as pessoas que tiveram suas terras desapropriadas para a criação do Parque
Estadual Furnas do Bom Jesus?
 Qual era sua opinião sobre a criação do parque?

REFERÊNCIAS

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Municipal. 1ª Ed. 2010. Disponível em: http://www.mma.gov.br/publicacoes/areas-
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sistema nacional de Unidades de Conservação. 2ª Ed . 2009. Disponível em:
http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf2008_dap/_publicacao/149_publicacao1612201011344
3.pdf. Acesso 20/09/2016.

________, Ministério do meio ambiente. ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação


da Biodiversidade: Plano de Manejo. Disponível em:
http://www.icmbio.gov.br/portal/unidadesdeconservacao/planos-de-manejo. Acesso
20/08/2016.
________, Ministério do meio ambiente. Cadastro Nacional de Unidades de Conservação:
disponível em:. http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/cadastro-nacional-de-ucs. Acesso
21/08/2016.

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(SUPES/SC), Núcleo de Educação Ambiental

IBDF. Plano do Sistema de Unidades de Conservação do Brasil, I Etapa. Brasília, 1979.


107 p.
369
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MILANO, M. S. – 2000. Mitos no manejo de Unidades de Conservação no Brasil ou a


verdadeira ameaça. In: II Cong. Bras. de UCs. Campo Grande. Anais. Vol. 1: 11-25.

MILANO, M. S. – 1997. Planejamento de Unidades de Conservação: um meio e não um


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MUELLER, C. C. Problemas ambientais de um estilo de desenvolvimento: a degradação


da pobreza no Brasil. Revista Ambiente & Sociedade, Campinas, ano 1, n. 1,.p. 82. 1997.

RODRIGUES, Arlete M. Desenvolvimento Sustentável: A Nova “Roupagem” para a


Velha Questão do Desenvolvimento. In: Direito à Cidade e ao Meio Ambiente. Barcelona
(Espanha): FASE, 1992, p. 12-20.

OLMOS, F. – 2007. Representatividade ambiental de Unidades de Conservação: propondo


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PASSOS P. N. C. A Conferência de Estocolmo como ponto de partida para a proteção


internacional do meio ambiente. Revista Direitos Fundamentais & Democracia. v. 6. 2009.

VEIGA, R. F. A. Importância dos Recursos Genéticos Vegetais do Bioma Cerrado. Mesa


redonda: Ação para proteção e recuperação do bioma cerrado. Encontro sobre preservação do
bioma cerrado regional 2013, Jundiaí SP. Disponível em:
http://pt.slideshare.net/RENATOFERRAZDEARRUDAVEIGA/rec-gen-cerrado-jundia-2013.
Acesso em 20 out 2017.

370
URBANIZAÇÃO INSALUBRE: A MIGRAÇÃO GLOBAL PARA AS CIDADES E O
PAPEL DO PLANEJAMENTO URBANO NA SAÚDE E NA QUALIDADE DE VIDA
DA POPULAÇÃO

Jacques Felipe Iatchuk Vieira*

Resumo: A cada ano, a quantidade de pessoas morando em cidades ao redor do mundo


aumenta. De acordo com a ONU, em 2050 66,4% da população mundial residirá em espaços
urbanos. Nas regiões mais desenvolvidas (Europa, América do Norte, Austrália, Nova
Zelândia e Japão) esse número sobe para 85,4%. Tendo isso em vista, é necessário entender o
papel do urbano nas mais diversas áreas da vida cotidiana e na organização da sociedade.
Nesse sentido, o presente trabalho pretende demonstrar como o planejamento urbano é central
para as discussões a respeito da saúde e da qualidade de vida da população. Além disso,
mostrar como esse planejamento pode seguir por caminhos muito opostos, quais sejam: sendo
vetor de promoção de saúde; ou se somando aos fatores responsáveis por piorar a qualidade
de vida da população e causar mortes prematuras. Para isso, o trabalho apresentará os dados
de pesquisas feitas por institutos internacionais e grupos de pesquisadores, a fim de
demonstrar os efeitos causados pela falta de um planejamento urbano preocupado com a
saúde da população. Com isso, buscar-se-á ressaltar a importância de uma discussão a respeito
do espaço urbano que traga consigo a preocupação com as mais diversas questões ligadas à
qualidade de vida e à organização social das cidades no contexto de urbanização desenfreada.
Este será o desafio a se enfrentar nas próximas décadas.

Palavras-chave: Planejamento Urbano; Saúde; Qualidade de Vida.

Introdução
O processo de urbanização cada vez mais crescente no mundo tem sido algo
central nos debates a respeito das influências das ações humanas sobre o ambiente em que
vivemos, a sustentabilidade de nosso planeta e até mesmo a qualidade de vida das pessoas. E,
para que esses debates sejam feitos de forma qualificada, é preciso entender o porquê dessa
migração em escala global para as cidades e qual a influência que o planejamento urbano tem
nesses demais temas que, em diversos momentos, são tratados como laterais.
O planejamento urbano, para além de tratar de questões como a qualidade da
mobilidade pela cidade e a distribuição de moradias, lojas e serviços pelo espaço, tem de se
preocupar com como as suas determinações – aparentemente apenas técnicas ou estéticas –
afetam diretamente o cotidiano da população e até mesmo influenciam nas probabilidades de
desenvolvimento de problemas de saúde em médio prazo.

*
Graduando em Direito UNESP/Câmpus de Franca-SP

371
Nesse sentido, o presente artigo pretende, em primeiro momento, demonstrar, a
partir de dados de organismos internacionais, que realmente estamos passando por um
processo contínuo de transição de massas de áreas rurais para o espaço urbano. No entanto,
mostrar que isso ocorre não é o bastante se for feito sem explicar a ligação direta que existe
entre esse processo e a própria forma do modo de produção hegemônico, qual seja, o
capitalismo.
O espaço urbano tem sido historicamente fulcral para a instauração e o avanço
do capitalismo. Daí decorre a necessidade de apresentar os dados tendo sempre por pano de
fundo o contexto histórico em que nos encontramos e a lógica vigente. Isso porque o fato de
as cidades estarem sendo vistas cada vez mais como um espaço essencial para a lógica de
negócios do capitalismo neoliberal vigente altera a forma como essa cidade é construída e
planejada. Mais do que isso, com o espaço urbano sendo tratado em si como um ativo
financeiro, cada vez mais prevalece o planejamento urbano voltado para o lucro maximizado
rapidamente, deixando de lado os efeitos sociais e ambientais que isso gera.
A partir disso, em um segundo momento, o presente trabalho pretende mostrar
alguns efeitos negativos que esse processo de urbanização tem trazido para as populações
quando feito de forma a desconsiderar o fato de que o planejamento urbano influencia
diretamente em fatores como a qualidade de vida e a saúde. Para isso, serão levantados os
fatores que têm sido majoritariamente desconsiderados na maioria das estruturas das cidades e
que influenciam diretamente na vida das populações, principalmente no que se refere às
camadas mais pobres. Se os problemas estruturais de uma cidade já afetam o conjunto da
população como um todo, a classe trabalhadora é aquela que sofre mais diretamente todos os
efeitos negativos desse processo, não tendo alternativas concretas a esse modo de viver e
experienciar a cidade.
Além disso, serão apresentados dados de pesquisas feitas por grupos nacionais
e internacionais que relacionam diretamente esses problemas no planejamento urbano com a
quantidade de mortes prematuras e o desenvolvimento de demência.
Por fim, a partir da análise do processo de urbanização global e dos efeitos da
forma como o planejamento urbano tem sido feito hegemonicamente pelo mundo, apresentar
brevemente algumas experiências de planejamento urbano que têm se posto em sentido
contrário a esse que se mostra historicamente predominante. Esses casos se posicionam tendo
como preocupação central a qualidade de vida das pessoas, e não mais a simples obtenção de
capital por meio do espaço urbano.
372
A URBANIZAÇÃO DO MUNDO

O ressurgimento das cidades a partir do século XV foi absolutamente central


para que o capitalismo se tornasse uma realidade. O espaço urbano foi, com sua lógica de
interação incessante entre os diferentes, a troca de experiências e de mercadorias, um dos
fatores que contribuíram radicalmente para o início do fim da hegemonia do modo de
produção e da estrutura feudal.
Como demonstra José Luis Romero (2004), esse ressurgimento das cidades –
que eram tão dominantes em civilizações de períodos prévios, como na Grécia Antiga, na
Mesopotâmia ou mesmo durante o Império Romano, que tinha uma estrutura urbana bastante
avançada, com estradas e sistemas de mobilidade –, que foi produto das rotas comerciais da
burguesia nascente, trouxe consigo a dinamicidade social que a estrutura feudal manteve
mitigada por séculos. Nesse processo, estabeleceu-se o espaço da cidade enquanto habitat
natural da burguesia, que ali desenvolveu profundamente o seu comércio e suas práticas
capitalistas incipientes.
Com isso, o espaço urbano foi cada vez tendo maior protagonismo e
apresentou um crescimento desenfreado, principalmente a partir dos processos de
industrialização.
A partir desse processo, chegamos a um panorama onde, em 2017, a população
global já se posiciona com percentual consideravelmente maior em território urbano do que
em território rural, como pode ser visto no gráfico a seguir:

Gráfico 1: Espaço Urbano

Fonte: ONU
373
No entanto, é equivocado pensar que o processo de urbanização se deu por
meras questões físicas ou mesmo urbanísticas, como tradicionalmente tem sido encarado. A
“urbanização global” é um processo essencialmente ligado ao desenvolvimento histórico do
modo de produção capitalista.
Principalmente a partir da industrialização, a cidade tem se posicionado
enquanto representante de um novo sistema e nova organização econômica, em contraponto
ao anterior.
Antes da industrialização, mesmo dentro do modo de produção capitalista,
ainda eram muito fortes as comunidades autônomas, baseadas em e dependentes de um
sistema econômico de subsistência, com caráter basicamente agrário. Ou seja, eram
comunidades que cultivavam aquilo que precisavam para sobreviver e vendiam o excedente, a
fim de comprar outras espécies de mercadorias.
Mas o desenvolvimento histórico do capitalismo levou a uma passagem desse
modelo de organização econômica de subsistência para sociedades baseadas em e
dependentes de um sistema de mercado, que, por sua vez, é organizado em torno de trabalhos
assalariados. Dessa forma, o processo de urbanização dessas sociedades vem intrinsecamente
ligado à transformação desses trabalhadores de subsistência rural em trabalhadores
assalariados urbanos.
Tendo em vista isso, o gráfico a seguir mostra o desenvolvimento histórico dos
percentuais da população global vivendo em áreas urbanas e em áreas rurais do ano de 1950
até as previsões da ONU em relação à urbanização do mundo no ano de 2050:

Gráfico 2: Desenvolvimento histórico

Fonte: ONU
374
Como mostra o gráfico, nas últimas décadas há um processo contínuo e
relativamente constante de urbanização do mundo, que tem se dado em sintonia com o próprio
desenvolvimento da cidade como espaço de empregos e novas oportunidades. Se no ano de
1950 a porcentagem da população mundial vivendo em cidades era de apenas 29,6%, a
previsão para 2050 é que tenhamos 66,4%. Se considerarmos apenas as regiões que a ONU
classifica como mais desenvolvidas (Europa, América do Norte, Austrália, Nova Zelândia e
Japão), a previsão para 2050 chega a impressionantes 85,4%.
Com a realidade de um mundo cada vez mais global, a discussão a respeito de
qual o modelo de urbanização a ser adotado está na ordem do dia. No entanto, o que tem
prevalecido é uma urbanização focada nos interesses do mercado, tratando a cidade como
núcleo de investimentos e lucros financeiros, em detrimento de uma perspectiva humanística
de valorização do público e da integração social (ROLNIK, 2015). Faz-se necessário,
portanto, entender os efeitos que isso traz à população.

PLANEJAMENTO URBANO, QUALIDADE DE VIDA E SAÚDE

A questão do planejamento urbano como forma de reorganizar e definir


prioridades à sociedade tem se dado de forma muito clara na história, principalmente a partir
das reformas urbanas conduzidas por Georges-Eugène Haussmann em Paris na segunda
metade do século XIX a mando de Napoleão III.
No entanto, em um mundo de claro avanço da lógica neoliberal, a prioridade
do planejamento urbano tem sido a capacidade de atender as demandas do mercado, fazendo
com que o espaço das cidades seja considerado como uma mercadoria em si. E, em
consequência disso, pouca atenção tem sido dada a questões que influenciam diretamente nos
índices de mortalidade e de precarização da vida da população.
Nesse sentido, alguns fatores absolutamente centrais para se pensar uma cidade
adequada para a vida das pessoas têm sido desconsiderados na hora de planejar o espaço
urbano, por exemplo a poluição do ar, a poluição sonora, o sedentarismo, o calor e a ausência
de áreas verdes. Esses aspectos têm comprovadamente influência sobre a saúde da população
e sobre a quantidade de mortes prematuras. Essas questões acabam sendo profundamente
relacionadas entre si, de modo que soluções para elas também têm de ser pensadas de forma
articulada.

375
A pesquisa “Urban and Transport Planning Related Exposures and Mortality:
A Health Impact Assessment for Cities” (MUELLER et al., 2016) analisou como esses fatores
afetam a população da cidade de Barcelona. Ao fim do trabalho, chegou-se à conclusão de
que um planejamento urbano que levasse esses fatores em consideração poderia prevenir 20%
das mortes prematuras anuais na cidade, o que equivale a salvar aproximadamente 3000 vidas
por ano.
O caso de Barcelona não pode de ser encarado como algo isolado. De acordo
com a Organização Mundial da Saúde (2016), por ano morrem aproximadamente 12,6
milhões de pessoas devido à insalubridade dos ambientes em que habitam.
Além disso, em 2011, somente a poluição atmosférica foi responsável pela
morte de 2 milhões de pessoas em todo o mundo, número que representa 250% dos números
totais de uma década antes (World Health Organization, 2011).
Em ambas as questões entram as cidades, que têm papel fundamental nos
rumos que esses números tomarão nas próximas décadas. Por isso, atualmente, a busca por
ambientes adequados à vida, que estimulem a qualidade de vida e a saúde da população é um
desafio em escala mundial.
Outro fator que mostra como o planejamento urbano descolado da preocupação
com a vida das pessoas pode trazer profundos malefícios à população é o fato de que pessoas
que vivem nas proximidades de vias de tráfego intenso possuem 7% a mais de risco de sofrer
demência do que aquelas que vivem a mais de 300 metros dessas vias (CHEN, 2017). Desse
modo, entre 7% e 11% dos casos de demência em pacientes residentes nas proximidades de
vias principais podem ser atribuídos à exposição ao tráfego. Isso possivelmente devido, em
grande parte, ao intenso contato de longo período com o ar poluído por agentes tóxicos
produzidos pelas emissões de gases advindos dos automóveis.
Por fim, outra questão que tem de ser levada em conta quando da discussão a
respeito da qualidade de vida e da saúde da população nas cidades é a presença de ampla
desigualdade social e pobreza. A pobreza, apesar de muitas vezes não ser levada em conta na
hora de debates estruturais a respeito de saúde e qualidade de vida, influi profundamente nos
índices de expectativa de vida, saúde e mortalidade, chegando até mesmo a influenciar mais
que fatores como obesidade, alto consumo de álcool e hipertensão (STRINGHINI et al.,
2017). Portanto, sendo o planejamento urbano e a consequente valorização ou não de serviços
e espaços públicos elementos que colaboram diretamente para essa questão dos efeitos da

376
carência socioeconômica, a cidade que se preocupa com seus cidadãos tem de ter entre seus
focos também medidas que sirvam para a redução das desigualdades sociais.

Por uma outra Urbanização


Apesar desse sombrio quadro decorrente do modelo de planejamento urbano
vigente, que tem tratado o espaço da cidade mais como uma mercadoria do que aquilo que
essencialmente é, ou seja, local de vivência e experiência cotidiana de bilhões de pessoas ao
redor do mundo, algumas iniciativas têm surgido para questionar esse pensamento
hegemônico e apresentar alternativas a essa urbanização insalubre e desumana.
Aqui apresentaremos brevemente duas experiências recentes que se
apresentaram em sentido contrário a esse modelo de urbanização, tirando o foco única e
exclusivamente da financeirização da cidade para também dar importância para a função
social do espaço urbano.
Nesse sentido, primeiro caso se trata do novo Plano Diretor do Município de
São Paulo (Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014). Lei responsável por organizar o
desenvolvimento urbano da capital paulista até 2030, o novo PDE tem já entre seus princípios
a função social da cidade1 e da propriedade urbana2, e o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado3. Além disso, estimula a ampliação e qualificação do conjunto
articulado de sistemas de mobilidade urbana (transporte coletivo, circulação de pedestres e
ciclistas, sistema viário, hidroviário, aeroviário e de logística e cargas). Também, prevê a
criação de 167 novos parques e áreas verdes4 na cidade, e aplica diversas medidas de
desestímulo ao transporte individual motorizado5.
Em mesma direção vai o novo plano de mobilidade urbana de Barcelona, que
pretende resolver os problemas apontados pela pesquisa supracitada, entre outras coisas, pela
criação das chamadas superilles (ou “superquadras”), que seriam pequenos bairros ao entorno
dos quais o tráfego pode fluir normalmente, mas onde os espaços internos serão destinados
prioritariamente aos ciclistas e às pessoas que se locomovam a pé. Com isso, objetiva-se
eliminar aproximadamente 60% da área total destinada ao tráfego de carros em toda a cidade.

1
Art. 5º, I.
2
Art. 5º, II.
3
Art. 5º, VI.
4
Art. 9, 24, 25, 26, 63, 72, 74, 123, 126, 127, 145, 214, 218, 222, 223, 265, 266, 268, 270, 272, 273, 274, 284,
288, 289, 290, 305, 339, 346, 351, 375, 376.
5
Art. 27, 29, 30, 78, 80, 82, 94, 181, 228, 229, 232, 240, 241, 368, 369.

377
Associado a isso, o plano também pretende estimular a estrutura de transportes coletivos
públicos.
Em ambos os casos, é possível ver um início de projetos de urbanização que se
focam mais na qualidade de vida da população, na valorização dos espaços públicos como
territórios de integração social e experiência coletiva, e na sustentabilidade. O que demonstra
ser possível, mesmo em uma conjuntura de domínio quase global da lógica neoliberal, pensar
a cidade para as pessoas e não para o mercado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos últimos séculos, o processo de migração das populações do espaço rural


para as cidades foi algo essencialmente ligado ao desenvolvimento histórico do modo de
produção capitalista. No entanto, a própria lógica do capitalismo de tratar também o espaço
como mercadoria – que se faz ainda mais radicalizada no estágio em que estamos, de um
capitalismo cada vez mais financeirizado – acabou fazendo com que a cidade se tornasse cada
vez mais insalubre, com um planejamento urbano pouco preocupado com as pessoas, mas
voltado à especulação imobiliária e à priorização da mobilidade por meio de carros. A partir
disso, constituíram-se por todo o mundo cidades com estruturas que acabavam por contribuir
para a piora na qualidade de vida e na saúde da população.
Dessa forma, fatores como a poluição do ar, a poluição sonora, o sedentarismo,
o calor e a dificuldade de acesso a espaços verdes acabaram se tornando questões secundárias
para o planejamento urbano, levando a um aumento no número das mortes prematuras. Da
mesma maneira, a qualidade de vida da população não fora levada em conta em relação a
questões como das moradias perto de áreas de profundo tráfego de carros, contribuindo,
assim, para um aumento nos casos de demência.
Tendo em vista todo o exposto, é importante que passemos a dar lugar para um
novo modelo de urbanização, que tenha em seu cerne a preocupação com a vida das pessoas;
a valorização do espaço público e das redes de transporte coletivo público; a questão da
sustentabilidade ambiental; e o estímulo estrutural à melhora na saúde da população.
Somente com apoio popular a iniciativas como o novo Plano Diretor do
Município de São Paulo e a reforma urbana de Barcelona será possível enfrentar o processo
de urbanização voltado à financeirização do espaço e ao ganho do capital em detrimento do
meio ambiente e da vida da população. Com uma previsão de que em 2050 teremos 66,4% da

378
população mundial vivendo em cidades, é necessário que desde já lutemos para mudar o foco
desse processo.
REFERÊNCIAS

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http://mobilitat.ajuntament.barcelona.cat/en/documentation?field_tipologia_documentacion_ti
d=11 Acesso em 20 mai 2017.

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and multiple sclerosis: a population-based cohort study. The Lancet, Volume 389, Issue 10070,
718 – 726. 2017. Disponível em: http://www.thelancet.com/pdfs/journals/lancet/PIIS0140-
6736(16)32399-6.pdf Acesso em 20 mai 2017.

MUELLER, Natalie et al. Urban and Transport Planning Related Exposures and
Mortality: A Health Impact Assessment for Cities. Environ Health Perspect. 125, p. 89 –
96. 2016. Disponível em: https://ehp.niehs.nih.gov/wp-
content/uploads/advpub/2016/6/EHP220.acco.pdf Acesso em 20 mai 2017.

ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das
finanças. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2015.

ROMERO, José Luis. América Latina: as cidades e as ideias. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,
2004.

SÃO PAULO (Cidade), Lei nº 16.050 de 31 de julho de 2014 (Plano Diretor Estratégico
do Município de São Paulo). Disponível em:
http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/arquivos/PDE-Suplemento-
DOC/PDE_SUPLEMENTO-DOC.pdf Acesso em 20 mai 2017.

STRINGHINI, Silvia et al. Socioeconomic status and the 25 x 25 risk factors as


determinants of premature mortality: a multicohort study and meta-analysis of 1.7
million men and women. The Lancet, Volume 389, Issue 10075, p. 1229 – 1237, 2017.
Disponível em: http://www.thelancet.com/pdfs/journals/lancet/PIIS0140-6736(16)32380-
7.pdf Acesso em 20 mai 2017.

UNITED NATIONS, Department of Economic and Social Affairs, Population Division


(2014). World Urbanization Prospects: The 2014 Revision, custom data acquired via
website. Disponível em: https://esa.un.org/unpd/wup/DataQuery/ Acesso em 20 mai 2017.

WORLD HEALTH ORGANIZATION, Preventing disease through healthy environments:


a global assessment of the burden of disease from environmental risks. 2016. Disponível
em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/204585/1/9789241565196_eng.pdf?ua=1 Acesso
em 20 mai 2017.

WORLD HEALTH ORGANIZATION, Tackling the global clean air challenge. 2011.
Disponível em:
http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2011/air_pollution_20110926/en/ Acesso em
20 mai 2017.

379
380
A ATUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DE MICRO E PEQUENAS EMPRESAS NA
CIDADE DE FRANCA SOB O OLHAR DO PROGRAMA ALI

Cristiane Kempe*

Resumo: É inegável que a temática socioambiental tem estado em evidência nas últimas
décadas, fruto de uma preocupação pertinente acerca do bem-estar da população e do planeta.
Contudo, na área empresarial, a maior parte das pesquisas sobre a questão socioambiental
advém de empresas de grande porte, sendo que nas empresas de micro e pequeno porte
(MPEs) o tema ainda é incipiente. Este artigo pretende contribuir com o levantamento de
informações sobre a atuação socioambiental das MPEs, tendo como pano de fundo a atuação
do Programa Agente Local de Inovação na cidade de Franca/SP. A pesquisa discute a
necessidade de MPEs adotarem o compromisso socioambiental e apresenta dados das práticas
implementadas pelas empresas. As informações foram obtidas entre junho de 2015 a maio de
2017 e contemplam 40 empresas atendidas pelo Programa ALI na cidade de Franca. Foram
utilizados os instrumentos de pesquisa aplicados no Programa ALI, priorizando as dimensões
“Sociedade” e “Pessoas” do Diagnóstico Empresarial. São considerados dois Ciclos do
Programa (Ciclo 0 e Ciclo 1), sendo que os Diagnósticos apontam a evolução das empresas
após a implementação de ações socioambientais propostas no Plano de Ação do Ciclo 0 do
Programa. Apesar dos resultados iniciais demonstrarem que a grande maioria das empresas
não realizavam ações socioambientais, o Programa ALI impactou positivamente este quadro.
Após a conclusão do Plano de Ação, as empresas relataram ganhos em diversas áreas, como
aperfeiçoamento da gestão de pessoas, redução de custos e agregação de valor em produtos e
serviços. Contudo, as MPEs ainda enfrentam dificuldades e limitações para adotar uma
postura socialmente responsável e carecem de incentivos governamentais que sejam
direcionados para a prática socioambiental.

Palavras-Chave: Responsabilidade Socioambiental. Micro e Pequenas Empresas. Programa


Agente Local de Inovação.

INTRODUÇÃO

É certo que um dos maiores desafios do presente século é buscar o equilíbrio na


relação homem-natureza. Desde o advento do mercantilismo, no século XV, a lógica da
exploração da natureza em larga escala tem se estabelecido como meio de obtenção de
matéria-prima. Com a Revolução Industrial, em meados do século XVIII, este processo se
intensificou, gerando fortes impactos sociais e ambientais.

*
Bacharela em Relações Internacionais pela UNESP/câmpus de Franca. Bolsista CNPq através do Programa
Agente Local de Inovação.

381
O progresso tecnológico e científico que o mundo moderno trouxe é inegável. A título de
exemplo, podemos citar as descobertas no campo da medicina, a transposição de barreiras no
tempo e no espaço e a facilidade de acesso à informação e comunicação. Contudo, ao
contrapor os avanços tecnocientíficos com os resultados sociais, vemos que ainda há muito
que alcançar: redução do índice de pobreza, preservação dos recursos naturais e da vida
animal, evolução dos direitos trabalhistas, combate às desigualdades de classe, gênero e etnia,
entre tantos outros.
Partindo da realidade brasileira, ao pensarmos na dinâmica do trabalho no mundo
atual, vemos que existem cerca de 6,4 milhões de estabelecimentos. Desse total, 99% são
classificadas como micro e pequenas empresas (MPEs). Correlacionando estes dados com o
número de trabalhadores com carteira assinada no setor privado, observamos que MPEs
empregam 52% dos assalariados, o que corresponde a 16,1 milhões de trabalhadores
(SEBRAE, 2016). Estes números são bastante expressivos, entretanto ainda são poucos os
incentivos do governo para auxiliar a micro e pequena empresa na implementação de
estratégias de responsabilidade socioambiental.
Este trabalho irá tratar as ações socioambientais sugeridas e implementadas em MPEs
da cidade de Franca através do Programa Agente Local de Inovação (ALI), uma parceria entre
o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O Programa ALI tem como
intuito desenvolver a cultura da inovação em empresas de micro e pequeno porte. De acordo
com o Manual de Oslo (ORGANIZAÇÃO, 1997, p. 52), um dos impactos provenientes da
inovação é justamente o desenvolvimento social. No âmbito socioambiental, o Manual de
Oslo (ORGANIZAÇÃO, 1997, p. 54) ressalta a necessidade das empresas de se manterem
atentas às leis e regulações próprias do seu segmento, uma vez que estas estabelecem os
padrões de responsabilidade social e ambiental que deverão ser seguidos e podem auxiliar na
implementação e manutenção de ações inovadoras. Além disso, outras inovações
socioambientais envolvem a produção de bens ou serviços que reduzem impactos ambientais,
não são agressivos ao meio-ambiente ou à saúde, e podem, inclusive, cooperar para a
melhoria da segurança e do bem-estar da comunidade envolvida (ORGANIZAÇÃO, 1997, p.
124).
Nesse sentido, esta pesquisa pretende contribuir com o levantamento de informações
sobre a atuação socioambiental das micro e pequenas empresas a partir da participação destas
no Programa ALI, apontando ainda oportunidades e impactos de inovação nesta área. Para
382
tanto, o presente trabalho envolve 40 empresas da cidade de Franca, as quais foram
acompanhadas entre junho de 2015 a maio de 2017.

Objetivos
Objetivo Geral
Analisar a atuação socioambiental de MPES da cidade de Franca a partir da intervenção do
Programa ALI.

Objetivos Específicos
 Verificar as práticas socioambientais presentes nas micro e pequenas empresas da
cidade de Franca;
 Examinar a relevância dada às ações socioambientais pelos micro e pequenos
empresários;
 Verificar as ações que foram implementadas após a intervenção do Programa ALI;
 Medir o impacto das ações nas MPEs atendidas pelo Programa ALI.

REFERENCIAL TEÓRICO

O preâmbulo da Carta da Terra diz que “estamos diante de um momento crítico na


história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro [...]. Devemos
somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza,
nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz” (BRASIL,
2016b, p. 1). Este documento teve sua origem a partir dos debates da Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD). A ECO-92 ou Rio-92,
como também é chamada a CNUMAD, foi um marco na discussão internacional sobre meio
ambiente, conferindo notoriedade ao termo de “desenvolvimento sustentável” e fazendo dele
um preceito orientador para os países-membros das Nações Unidas (BRASIL, 2013, p. 73-
74).
A Carta da Terra foi finalizada em 2000, fruto de um amplo debate que envolveu 46
países e mais de 100.000 pessoas, passando por escolas primárias a ministérios (BRASIL,
2016a). Na Carta, está evidenciada a importância da participação de diversos atores, como
entidades da sociedade civil, órgãos do governo, organizações não-governamentais,
instituições transnacionais e empresas.
383
O item 7 dos Princípios da Carta destaca a necessidade de “adotar padrões de
produção, consumo e reprodução que protejam as capacidades regenerativas da Terra, os
direitos humanos e o bem-estar comunitário” (BRASIL, 2016b, p. 4), sendo que um dos
meios para alcançar estes padrões é “incluir totalmente os custos ambientais e sociais de bens
e serviços no preço de venda e habilitar os consumidores a identificar produtos que satisfaçam
as mais altas normas sociais e ambientais” (BRASIL, 2016b, p. 4).
Desta forma, a atuação das empresas é reconhecida como fundamental para garantir o
desenvolvimento sustentável. Segundo Daher (2012, p. 6), o conceito de desenvolvimento
sustentável está atrelado à responsabilidade socioambiental empresarial, ou seja, um dos
papeis da empresa é manter atitudes responsáveis em relação ao meio ambiente e à sociedade.
Silva (2013, p. 2) e Daher (2012, p. 6) estão de acordo que a prática da responsabilidade
socioambiental empresarial deve ser encarada como um modelo de gestão estratégica, o qual
compreenda a empresa como “parceira e corresponsável pelo desenvolvimento social,
ouvindo os interesses das diferentes partes: acionistas, funcionários, prestadores de serviços,
fornecedores, consumidores, comunidade, governo e meio-ambiente [...], buscando atender às
demandas de todos os envolvidos e não apenas as dos acionistas ou proprietários” (SILVA,
2013, p. 2).
Do mesmo modo, Schenini, Rensi e Cardoso (2005, p. 37) também afirmam que ao
adotar um papel proativo no processo de desenvolvimento social, econômico e ambiental, as
empresas assumem sua responsabilidade pelo bem-estar de seus colaboradores, do meio
ambiente, do homem e da valorização de sua cultura. Pode-se perceber, portanto, que a
responsabilidade socioambiental está ligada tanto à maneira como a empresa responde ao
meio-ambiente como à forma com a qual ela conduz sua gestão de pessoas. É importante
destacar que o simples cumprimento de obrigações legais não é considerado como atitude
socialmente responsável, senão como obrigação contratual óbvia (OLIVEIRA, 1984, p. 205).
O conceito de responsabilidade social, segundo Oliveira (1984, p. 205), “é a capacidade de a
empresa colaborar com a sociedade, considerando seus valores, normas e expectativas para o
alcance de seus objetivos”.
Ainda de acordo com Oliveira (1984, p. 205), um dos beneficiários da
responsabilidade social é justamente o grupo de colaboradores da empresa. Além de ser um
dos fatores da produção, os colaboradores devem ser respeitados e recompensados
adequadamente pelas suas atividades. Oliveira reitera que “esta recompensa não se refere

384
apenas ao aspecto monetário. Eles esperam da empresa maior atenção para com as condições
de trabalho e a ampla utilização de suas potencialidades”.
Janete Knapik, ao falar dos novos modelos de gestão de pessoas, cita que cada vez
mais é necessário buscar uma relação ganha-ganha entre empregadores e empregados. Ao
proporcionar um sistema de recompensas que valorize o trabalho diferenciado dos
colaboradores e promova o desenvolvimento de competências, a empresa também se
beneficia, pois propicia um ambiente onde as pessoas são mais envolvidas com o desempenho
da empresa e comprometidas com seus resultados (KNAPIK, 2012, p. 61). Gomes e Brito
(2013, p. 2) seguem a mesma linha de raciocínio, e apontam que, ao atrelar a gestão de
pessoas à responsabilidade social, a empresa cria condições favoráveis ao ambiente
organizacional, o que gera aumento na produtividade, motivação e qualidade de vida para os
colaboradores.
Apesar da importância de se trabalhar a responsabilidade socioambiental em micro e
pequenas empresas, os programas públicos de auxílio ou mesmo de acesso à informação sobre
práticas socioambientais ainda são escassos. As políticas de apoio à MPEs são, em sua
grande maioria, voltadas a questões legais, tributárias, processuais e produtivas. A
responsabilidade socioambiental fica em segundo plano, e carece do interesse dos micro e
pequenos empresários para ser executada.
Não obstante a falta de programas específicos voltados à prática socioambiental, é
possível perceber que algumas políticas de incentivo à melhoria da gestão em MPEs são
capazes de perpassar a esfera ambiental e social, como é o caso do Programa ALI. Desde
2012, o Programa Agente Local de Inovação (ALI) funciona a partir de um acordo de
cooperação técnica entre o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(SEBRAE) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O
objetivo do Programa ALI é incentivar a cultura da inovação em MPEs, oferecendo
orientação proativa, gratuita e personalizada (SEBRAE, 2017).
O Programa ALI consiste no acompanhamento de micro e pequenas empresas através
dos Agentes Locais de Inovação (ALIs), que visitam as empresas para apresentar o Programa,
oficializar a adesão ao sistema de atendimento do ALI, realizar diagnósticos e elaborar Planos
de Ação. Os ALIs são responsáveis por avaliar diversos aspectos gerenciais das empresas, e
entre estes estão questões relacionadas à implementação de ações sociais, redução e descarte
adequado de resíduos, cumprimento de normas ambientais e trabalhistas e criação de novos
produtos que atendam a demandas ambientais.
385
A partir da utilização dos instrumentos aplicados no Programa ALI, esta pesquisa
busca avaliar o que tem sido feito com relação a práticas socioambientais em micro e
pequenas empresas. A seguir, estão descritos os procedimentos metodológicos e a análise e
discussão dos resultados que foram encontrados.

Metodologia

Para a finalidade desta pesquisa, foi considerada a atuação do Programa Agente Local
de Inovação (ALI) entre junho de 2015 a maio de 2017 na cidade de Franca. A amostra da
pesquisa contempla 40 empresas atendidas pelo Programa, abrangendo os segmentos de Casa
e Decoração, Alimentação fora do Lar, Pet Shop, Ensino e Educação, Vestuário, Oficina
Automotiva, Transportes e Aluguel de Equipamentos Médicos. A metodologia de análise
destas empresas é caracterizada como quantitativa, descritiva e transversal (FONTELLES et
al., 2009).
O próprio Programa ALI utiliza-se de instrumentos para análise dos dados colhidos
das empresas, como o Diagnóstico Empresarial, o Radar de Inovação e a Matriz SWOT,
através dos quais espera-se obter um panorama completo da gestão da empresa, suas práticas
de inovação nos últimos anos e o ambiente interno e externo em que está inserida. A partir das
ferramentas de análise, o Agente Local de Inovação é responsável por apresentar uma
Devolutiva para a empresa, contendo a avaliação realizada e indicando possibilidades de
melhoria nos aspectos indicados. São várias as áreas contempladas pelo Programa ALI, que
vão desde planejamento estrutural, passando por todos os processos da empresa, clientes,
organização, informações e conhecimentos, resultados, entre outras. Para o objetivo desta
pesquisa, serão consideradas exclusivamente as dimensões “Sociedade” e “Pessoas”, as quais
são aferidas a partir do Diagnóstico Empresarial.
Após a análise das características apresentadas pelas empresas, o ALI tem a função de
pesquisar soluções para as demandas apontadas, e elaborar, juntamente aos micro e pequenos
empresários, um “Plano de Ação” que seja capaz de atender adequadamente o que foi
indicado na Devolutiva. A partir daí, o trabalho do ALI consiste em acompanhar a empresa
para auxiliar na implementação do Plano de Ação, entrando em contato com instituições
provedoras de solução e indicando fontes de suporte. Finalizadas ao menos três ações
dispostas no Plano de Ação, a empresa migra para um segundo Ciclo no Programa, em que

386
são aplicadas novamente todas as etapas do Programa – Diagnóstico Empresarial, Radar de
Inovação, Matriz SWOT, Devolutiva e Plano de Ação.
Neste trabalho, foram consideradas empresas acompanhadas durante dois Ciclos do
Programa, chamados de Ciclo 0 e Ciclo 1. Com o objetivo de analisar a atuação
socioambiental das empresas, verificar as ações que foram executadas e medir seus impactos,
os dados avaliados serão o Diagnóstico Empresarial correspondente ao Ciclo 0, o Plano de
Ação Ciclo 0 e o Diagnóstico Empresarial do Ciclo 1.
O Diagnóstico Empresarial utilizado no Programa ALI foi formulado com base no
Modelo de Excelência da Gestão (MEG) da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ). De
acordo com a FNQ, o Diagnóstico está estruturado em oito dimensões, que englobam três
aspectos: a Gestão da Empresa, as práticas de Responsabilidade Social e as práticas de
Inovação. Esta pesquisa irá considerar as práticas de Responsabilidade Social, que incluem as
dimensões “Sociedade” e “Pessoas”. Cada um dos itens presentes nas dimensões apresentam
4 níveis de resposta, sendo que as alternativas são apresentadas em ordem crescente conforme
o grau de maturidade da gestão, ou seja, as respostas que equivalem à pontuação 1 indicam
que a empresa desconhece e não executa as práticas correspondentes à questão avaliada,
enquanto que a pontuação 4 indica que a empresa compreende e executa o item questionado.
Na dimensão “Sociedade” são avaliadas as práticas de gestão da empresa voltadas à
sociedade. Esta dimensão compreende três itens:
a) Item 16: observa se as exigências legais da empresa são conhecidas e atualizadas;
b) Item 17: observa se os impactos negativos ao meio ambiente são conhecidos e
tratados;
c) Item 18: observa se a empresa pratica ações ou projetos sociais.
Já na dimensão “Pessoas”, são verificadas as práticas de gestão em relação aos
colaboradores. Esta dimensão abrange quatro itens:
a) Item 23: observa se há funções e responsabilidades definidas;
b) Item 24: observa se existe adequação entre a seleção e os requisitos das funções;
c) Item 25: observa se houve capacitação de colaboradores;
d) Item 26: observa se é promovida a saúde e segurança no trabalho;
e) Item 27: observa se o bem-estar e a satisfação dos colaboradores são promovidos
(FUNDAÇÃO NACIONAL DA QUALIDADE, 2017b).

387
Os resultados da aplicação do Diagnóstico Empresarial nos Ciclos 0 e 1 e os Planos de
Ação voltados à práticas socioambientais serão relatadas a seguir, juntamente com a análise
da evolução das 40 empresas citadas.

APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O Diagnóstico Empresarial do Ciclo 0 foi aplicado nas empresas entre junho de 2015 a
agosto de 2016. Os gráficos a seguir demonstram as médias obtidas pelas empresas nas
Dimensões “Sociedade” e “Pessoas”.

Gráfico 3 – Médias obtidas pelas 40 empresas nas dimensões “Sociedade” e “Pessoas” no


Diagnóstico Ciclo 1

Fonte: elaborado pela autora

388
Gráfico 4 – Pontuação média das dimensões “Sociedade” e “Pessoas” após a aplicação
do Diagnóstico Ciclo 1

Fonte: elaborado pela autora

O Gráfico 1 demonstra que a maior parte das empresas apresenta resultados entre 1 e
2,5, o que significa que o nível de maturidade de gestão das empresas com relação às
dimensões “Sociedade” e “Pessoas” é baixo. No Ciclo 1, a maior parte das empresas não
compreendia e nem praticava ações socioambientais, ou tinha conhecimento, porém realizava
apenas algum tipo de ação pontual, sem envolvimento dos colaboradores ou planejamento
adequado.
O Gráfico 2 apresenta os itens que são mais negligenciados pelos empresários, como
por exemplo os itens 25, 24 e 18, que receberam as menores pontuações. Os itens 25 e 24
correspondem à capacitação de colaboradores e a adequação de processos seletivos de acordo
com os requisitos das funções. Como as MPEs no Brasil, em sua grande maioria, são
empresas familiares, muitas vezes não existe definição de requisitos de funções e todos os
colaboradores acabam realizando qualquer tarefa que seja necessária para a manutenção das
atividades da empresa. Acrescentando a este aspecto a falta de capacitação adequada,
observa-se que diversos problemas de ordem técnica na empresa podem advir desses fatores,
pois as habilidades específicas do pessoal envolvido não são consideradas. Além disso, o
ambiente de trabalho também se mostra mais suscetível a acidentes ou ao agravamento de
condições frágeis de saúde.
O item 18 corresponde à prática de ações e projetos sociais. A principal razão alegada
pelos empresários para a baixa pontuação nesse item decorre da falta de estrutura adequada e
recursos financeiros escassos, que impedem a empresa de promover ou participar de projetos

389
sociais. Outros fatores apontados foram a falta de colaboradores disponíveis, o acúmulo de
tarefas cotidianas, e o desconhecimento de ações de baixo custo.
Após a conclusão da etapa de aplicação dos diagnósticos, foram detectadas as
oportunidades de inovação e avanço em gestão em aspectos socioambientais. A tabela abaixo
demonstra as propostas de ação, indicando as ações que foram realizadas, as ações que ainda
estão previstas no Plano de Ação e as ações que foram recusadas pelos empresários.

Tabela 1- Ações propostas às empresas

Ação Concluída Em andamento Recusada


1) Realizar o descarte adequado de 4 4
resíduos
2) Melhorar o controle das exigências 6 1
legais
3) Melhorar o controle sobre a utilização 2 2
de equipamentos de segurança pelos
funcionários
4) Criar na empresa um ponto de coleta 1 1
de lâmpadas
5) Beneficiar entidades sociais 4 2
6) Promover ações para melhorar a 2 4
satisfação dos colaboradores
7) Capacitar colaboradores 8 1
8) Incluir produtos socialmente 2 1
responsáveis
9) Realizar mudanças estruturais para 3 1
diminuir desperdícios e economizar
energia
10) Melhorar a gestão de pessoas 11 3
Fonte: elaborado pela autora

É importante salientar que as empresas não são homogêneas, e, portanto, a escolha das
ações propostas levou em consideração as características específicas de cada organização. O
Plano de Ação é elaborado em conjunto com os empresários, ou seja, o Agente Local de
Inovação propõe as ações e estas devem ser aprovadas pela empresa para só então constarem
como proposta de ação válida. Apesar de a tabela apresentar ações que foram recusadas, estas
foram aceitas no momento da elaboração do Plano de Ação.
Em termos gerais, pode-se observar que ao todo foram 62 ações propostas; entre estas,
42 ações foram concluídas, 13 ainda estão em andamento e 7 foram recusadas pelos
empresários durante a execução do Plano de Ação. As ações que mais constaram nos Planos
de Ação foram “Melhorar a gestão de pessoas” e “Capacitar colaboradores”. A maior
aceitação destas duas ações pelas empresas é justificada pelo fato de que os empresários

390
percebem um retorno direto e imediato na empresa ao executar estas propostas. Apesar das
empresas reconhecerem a importância de ações de cunho socioambiental, estas muitas vezes
só são efetivamente colocadas em prática quando os empresários enxergam um benefício
direto à própria empresa.
Em contrapartida, a ação que sofreu mais recusa pelos empresários foi “Realizar o
descarte adequado de resíduos”. Muitas MPES enfrentam dificuldades para descartar
corretamente seus resíduos, uma vez que o custo para o envio do material é muito alto. A
prefeitura não se responsabiliza pelo descarte de resíduos em grande quantidade, e o retorno
do material para a fábrica de origem também não é uma alternativa, visto que muitas MPES
não compram matéria-prima diretamente do fabricante. Resíduos como vidro, madeira, tintas
e borracha acabam tendo como destino final o aterro sanitário, sem passar por processos de
tratamento ou reciclagem.
Apesar de rejeitar algumas ações, a maior parte das empresas concluiu ou ainda
planeja concluir algum tipo de ação socioambiental. Os gráficos abaixo apresentam os
resultados do Diagnóstico Empresarial do Ciclo 1, aplicado posteriormente à conclusão do
Plano de Ação do Ciclo 0.

Gráfico 3 – Resultado comparativo entre o Diagnóstico Empresarial do Ciclo 0 e o


Diagnóstico Empresarial do Ciclo 1 (Análise por empresa)

Fonte: elaborado pela autora

391
Gráfico 4 – Resultado comparativo entre o Diagnóstico Empresarial do Ciclo 0 e o
Diagnóstico Empresarial do Ciclo 1 (Análise por dimensão)

Fonte: elaborado pela autora


A análise de ambos os gráficos demonstra um crescimento da pontuação obtida pelas
empresas nas dimensões “Sociedade” e “Pessoas”. O Gráfico 3 indica que, de 40 empresas
atendidas pelo Programa ALI, 29 aumentaram suas pontuações, 9 permaneceram com as
mesmas pontuações do Ciclo anterior e apenas 2 obtiveram pontuações mais baixas. O
Gráfico 4 indica que, dos 8 itens avaliados, 7 tiveram médias maiores que o Ciclo anterior,
enquanto apenas um item permaneceu com a mesma média.
A partir da análise do Gráfico 4, pode-se perceber ainda que os itens 24 e 25 foram os
que obtiveram o maior crescimento com relação ao Ciclo anterior. Estes itens são os mesmos
que tiveram as pontuações mais baixas no Ciclo 0, e ambos foram trabalhados através dos
Planos de Ação que foram mais executados, ou seja, “Melhorar a gestão de pessoas” e
“Capacitar colaboradores”. As empresas que implementaram estas ações relataram benefícios
imediatos em suas atividades, como, por exemplo, melhoria do clima organizacional e
aumento de produtividade.
Tanto as ações ligadas à melhoria de gestão de pessoas como as outras ações descritas
na Tabela 1 tiveram impactos no cotidiano das empresas. Foram relatados redução de custos,
melhoria do índice de satisfação no trabalho, aumento da produtividade, aumento do fluxo de
clientes e melhoria da imagem da empresa no relacionamento externo. É importante lembrar
que o Programa ALI acompanhará as empresas em Franca até dezembro de 2017, e, como
algumas ações propostas ainda não foram concluídas, a tendência é que as empresas
obtenham maiores resultados durante os próximos Ciclos do Programa.

392
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos após a análise dos dados levantados durante a pesquisa indicam
que as empresas evoluíram de forma considerável entre o Ciclo 0 e o Ciclo 1 do Programa
ALI. Durante as primeiras visitas de acompanhamento nas empresas, percebeu-se que boa
parte dos empresários possuía conhecimento restrito sobre inovação sustentável. Apesar de a
grande maioria apontar o aspecto socioambiental como relevante para a sociedade, poucos
empresários acreditavam que a prática sustentável pudesse refletir diretamente em suas
empresas. Através do Programa ALI, os empresários puderam adquirir conhecimento sobre os
benefícios gerados a partir da adoção de práticas de responsabilidade socioambiental, e,
posteriormente, aplicar as soluções propostas pelo Agente Local de Inovação. Vários foram os
impactos percebidos, entre eles: agregação de valor em produtos e serviços, através da
transmissão da imagem de uma empresa que se preocupa com a sociedade e o meio ambiente;
redução de custos ao diminuir a geração de resíduos e cortar gastos com água e energia
elétrica; aumento da produtividade através da criação de um ambiente favorável à promoção
de ideias e estímulo aos funcionários.
Contudo, deve-se ressaltar que as micro e pequenas empresas ainda enfrentam
dificuldades na instauração de práticas sustentáveis. As ações que foram recusadas pelos
empresários, por exemplo, exigiam maior investimento financeiro, aliado com contratação de
novos funcionários. A falta de estrutura e de recursos financeiros das MPEs faz com que a
promoção de práticas socioambientais não seja uma prioridade. Assim, a implementação de
ações socioambientais, muitas vezes, só atrai a atenção dos empresários quando existe uma
perspectiva de benefício direto e rápido à própria empresa. Ações que necessitem de reformas
e adequações nas estruturas físicas das empresas, por exemplo, são mais difíceis de serem
consolidadas, pois o custo é elevado e o período para retorno é longo. Da mesma forma,
projetos sociais que envolvam os colaboradores e a comunidade não são vistos como fonte de
retorno para a micro e pequena empresa, sendo encarado como uma despesa desnecessária.
Diante desses dados, observa-se que é necessário retomar os princípios expostos pela
Carta da Terra: a manutenção do bem-estar da sociedade e do meio-ambiente envolve muitos
atores, desde organizações governamentais, passando por entidades da sociedade civil e
empresas. As MPEs, apesar de muitas vezes não possuírem estrutura adequada e recursos
próprios, estão em constante contato com seus colaboradores e com a comunidade em que
estão inseridas e, portanto, devem buscar atuar como agentes para a transformação social e
393
ambiental. Para isso, o auxílio de políticas governamentais é imprescindível, seja através de
subsídios econômicos ou respaldo de instituições especializadas. O Programa ALI tem
auxiliado neste sentido, porém as MPEs ainda carecem de projetos específicos com objetivos
socioambientais. Programas que visem informar e auxiliar a execução de estratégias
ambientais e sociais são meios para assegurar que as MPEs cumpram adequadamente seu
papel como corresponsáveis pelo futuro da população e do planeta.

REFERÊNCIAS

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das inovações nas MPE: cultura do empreendedorismo e inovação. Disponível em <
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http://www.sebraepr.com.br/PortalSebrae/sebraeapp/ALI-%E2%80%93-Agentes-Locais-de-
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395
ABORDAGEM QUANTITATIVA DO DESEMPREGO E DO EMPREGO
INFORMAL EM DECORRÊNCIA DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

Isabelle Narduchi da Silva*


Leonardo Henrique Cardoso de Andrade**
Helen Barbosa Raiz Engler***

Resumo: No intuito de compreender a importância e o dinamismo do direito do trabalho, bem


como a sua relevância na modificação das relações de trabalho que interferem de forma direta
nas relações sociais, é preciso analisar a função tutelar e social exercida pelo direito do
trabalho junto aos trabalhadores, a fim de compreender a precarização do trabalho,
desvalorização do trabalhador e o consequente desmonte de direitos advindo do mundo
capitalista. desta forma, pretende o presente escrito, analisar as transformações das relações de
trabalho, a partir de uma abordagem quantitativa dos índices de desemprego e emprego
informal a partir da pesquisa mensal de emprego, no intuito de compreender o quão as
variações no mundo do trabalho são prejudiciais ao homem trabalhador. Para tanto, foram
utilizados os métodos de pesquisa quantitativo e qualitativo. assim, diante das considerações,
é de extrema relevância que busquemos valorizar o trabalho, o trabalhador, sugerindo para o
futuro uma análise incessante do tema, a fim de combater o desemprego, sub emprego, a
flexibilização, desregulamentação, entre tantos outros problemas que cercam e desmerecem
os direitos dos trabalhadores.

Palavras-chave: Trabalhador, Desemprego, Capitalismo.

INTRODUÇÃO

O atual momento econômico e social do nosso país nos remete ao estudo e análise do
Direito do Trabalho, bem como das relações sociais, a fim de verificar a função tutelar e
social que aquele exerce junto aos trabalhadores. São grandes as transformações que o mundo
do trabalho têm passado, sendo amplamente visível que as relações de trabalho existentes se
devem à ordem econômica capitalista, e à consequente precarização do trabalho e
desvalorização do trabalhador.
Neste sentido, no intuito de compreender a importância e o dinamismo do Direito do
Trabalho, bem como a sua relevância na modificação das relações de trabalho que interferem
de forma direta nas relações sociais, e nos remete ao aumento significativo de índices de
desemprego e emprego informal, é necessário que nos dediquemos a um breve estudo acerca

*
Mestranda em Serviço Social pela UNESP/câmpus de Franca e Bacharela em Direito pelo Centro Universitário
Educacional de Barretos
**
Doutorando em Serviço Social pela UNESP/Câmpus de Franca; Mestre em Desenvolvimento Regional pelo
Centro Universitário Municipal de Franca – Uni-FACEF; Bacharel em Administração de Empresas com
ênfase em Comércio Exterior.

397
da sua evolução histórica, tendo em vista a função tutelar e social que exerce junto aos
trabalhadores. Estes considerados desde os primórdios como a parte hipossuficiente da
relação laboral, haja vista o caráter de superioridade exercido pelo empregador em seus
inúmeros fatores.
Historicamente as normas protetoras dos direitos dos trabalhadores apenas nasceram em
decorrência das muitas reinvindicações ao longo dos anos, sendo de suma importância a
intervenção do Estado na busca de assegurar ao menos dignidade ao trabalhador, pois, como
se sabe ao longo dos séculos sempre houve a dominação do mais forte sobre o mais fraco, a
dominação do detentor do capital, o que obrigava o trabalhador a se submeter à condições por
vezes desumanas. Um marco interessante da história geral se deu após a Revolução Industrial,
que em meio às agitações dos trabalhadores e das lutas sociais em todo o continente europeu,
fez com que o Brasil intervisse na regulamentação do trabalho, criando normas de proteção,
instituídas com base no princípio da proteção do trabalhador, que significa garantia mínima de
condições de trabalho, sustentada pelo princípio da irrenunciabilidade, de essencial
importância
Enquanto, no mesmo lapso temporal, na história geral do Direito do Trabalho no Brasil,
os movimentos operários se manifestavam por meio de greves, sendo que a efeito da Primeira
Guerra Mundial o número de fábricas e operários elevou consideravelmente, e a política
trabalhista realizada por Getúlio Vargas cresceu, ensejando, em 1943 na criação da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Observa-se diante do breve retrospecto acima, que e as normas trabalhistas e
protecionistas, surgiram para proteger os trabalhadores das abusividades do proletariado, que
utilizava e utiliza cada dia mais a exploração do trabalho humano, o que nos encaminha logo
mais, ao estudo das contradições entre capital e trabalho.
O sistema de valores e as funções do Direito do Trabalho, provocam constantemente
indagações, pois são polêmicos e não possuem uniformidade de pensamentos e
entendimentos. Para que haja a compreensão do quanto suas adversidades influem no dia-a-
dia do trabalhador, basta que saibamos que dentre as suas funções, estão a função tutelar e
social, que destinam-se a proteção do trabalhador contra o poder econômico, mediante as
legislações existentes, bem como a preservação dos valores sociais, em especial a dignidade
do ser humano que trabalha.

***
Livre Docente, em Serviço Social pela UNESP/Câmpus de Franca. Lider do grupo de Pesquisa: Núcleo de
Pesquisa ; Mentalidades e Trabalho: do local ao global. Coordenadora do Comitê de Ética e Pesquisa-

398
Assim, quando nos referimos às transformações no mundo do trabalho, concluímos que
o capitalismo não pode avançar desenfreadamente, a custo da desumanização, e precarização
do trabalho, ou a custo do desemprego e emprego informal que assola as classes mais baixas
da sociedade e enaltece a desigualdade.

OBJETIVO GERAL E ESPECÍFICO

Analisar os aspectos relevantes do Direito do Trabalho, bem como as relações sociais,


com o objetivo geral de compreender as modificações advindas das relações de trabalho, e
seus reflexos na sociedade contemporânea, definida pela classe trabalhadora e assalariada, que
suporta as consequências da precarização e desvalorização do trabalhador. Nessa perspectiva,
o presente escrito objetiva de forma específica a realização de uma abordagem quantitativa
dos índices de desemprego e emprego informal a partir dos anos 2000, a fim de compreender
o quão as variações no mundo do trabalho são prejudiciais ao homem trabalhador.

METODOLOGIA

A metodologia científica, segundo Barros e Lehfeld (2007), nada mais é do que o


caminho do estudo, ou seja, um conjunto de métodos que possibilitam maneiras de encontrar
soluções nesse caminhar para o conhecimento da realidade.
A metodologia utilizada na elaboração do presente escrito, do ponto de vista da forma
de abordagem foi a pesquisa qualitativo e quantitativo. Segundo Minayo (2015), entre elas há
uma oposição complementar que, quando bem trabalhada teórica e praticamente, produz
riqueza de informações, aprofundamento e maio fidedignidade interpretativa.
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas
Ciencias Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado
(MINAYO, 2015). Neste sentido, para este artigo foi realizada ampla pesquisa bibliográfica,
com análise de obras disponíveis sobre o tema proposto, bem como ampla pesquisa
documenta. Demonstraremos e justificaremos tendo por base a coerência e a consistência o
quanto as alterações das relações de trabalho influenciam no dia-a-dia da sociedade, que
suporta as consequências da precarização e desvalorização do trabalho.

CEP./UNESP Câmpus de Franca

399
A proposta de estudo também adotou uma abordagem quantitativa, ao realizar a análise
dos índices de desemprego e emprego informal a partir da Pesquisa Mensal de Emprego,
realizada pelo IBGE. Referida pesquisa teve início em 1980, tendo sido alterada
metodologicamente em 2001, e abrangeu informações referentes a à condição de atividade,
condição de ocupação, rendimento médio nominal e real, posição na ocupação, posse de
carteira de trabalho assinada, entre outras, tendo como unidade de coleta os domicílios. Sua
periodicidade foi mensal, e a abrangência geográfica foi até as regiões metropolitanas de
Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

REFLEXÕES ENTRE AS CONTRADIÇÕES CAPITAL E TRABALHO

Os termos capital e trabalho nos remete a inúmeras reflexões, eis que descreve as
relações de trabalho no interior da sociedade capitalista. Antes de tudo, o trabalho é um
processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por usa própria ação,
media, regula e controla seu metabolismo com a natureza (MARX, 1996).
A partir do pensamento acima, temos que inicialmente a palavra trabalho enseja a várias
significações: a de realizar uma obra que te expresse, que de reconhecimento social e
permaneça além da tua vida; e a de esforço rotineiro e repetitivo, sem liberdade, de resultado
consumível e incomodo inevitável (ALBORNOZ 1986). De um modo geral, o significado de
esforço rotineiro e repetitivo, sem liberdade, de resultado consumível e incomodo inevitável é
o modelo que encontra-se presente na rotina do homem que trabalha.
Com a disseminação do capitalismo mundial e o consumo desenfreado, ampliou-se a
divisão de classes, o processo de desvalorização do homem enquanto ser social, a
banalização, exploração e alienação do trabalho. A ausência da estabilidade e segurança
dentro e fora do trabalho, a violação sistemática dos direitos no trabalho e a ausência de uma
retribuição minimamente justa constituiem-se como causas directas e fundamentais das
desigualdades (VIZZCARO-AMARAL, 2011).

O modelo de sociedade em que vivemos está carregado de individualismo e de


apelos ao consumo, tendo associado um estilo de vida instabilizador dos valores e
das formas de organização e prestação do trabalho, que não é viável no plano
universal. O individualismo institucionalizado isola os cidadãos para os
responsabilizar pelas formas mais pervertidas. A convergência deste individualismo
com o consumismo alienante em que nos movemos, aprisiona os cidadãos e as
condições das famílias, desde logo os trabalhadores, para quem a sustentação desta
convergência é assegurada por uma sujeição de trabalho mais instáveis, inseguras e
mal pagas. (VIZZCARO-AMARAL, 2011, p. 26)

400
Aqui estamos diante de uma das características mais decisivas do mundo do trabalho em
que vivemos, e que é a sua submissão ao capital, aos interesses dos capitalistas e dos
proprietários (ALBORNOZ 1986)
Neste sentido, Iamamoto (2014) afirma que:

Na sociedade burguesa, quanto mais se desenvolve a produção capitalista, mais as


relações sociais de produção se alienam dos próprios homens, confrontando-os como
potencias externas que os dominam. Essa inversão de sujeito e objeto, inerente ao
capital como relação social, é expressão de uma história de auto-alienação humana.
(IAMAMOTO, 2014, p. 48)

Portanto, para Iamamoto (2014), o pensamento fetichista transforma as relações sociais,


baseadas nos elementos materiais da riqueza, em atributos de coisas sociais (mercadorias) e
converte a própria relação de produção em uma coisa (dinheiro). Não há trabalho que se
sustente diante das abusividades do mundo capitalista, que refletem diretamente na
insegurança e flexibilização de direitos.
Diante das considerações empreendidas, resta claro que podemos identificar alguns
traços cruciais da nova morfologia social do trabalho que surge sob o capitalismo global e que
implica o que denominamos de “precarização do homem-que-trabalha” (VIZZCARO-
AMARAL, 2011).
De acordo com Amaral (2011), devemos:

Combater a precariedade no trabalho e criar novos factores de estabilidade e


segurança. A precariedade no trabalho, sendo um problema laboral, social e
sociopolítico, é também modelo de sociedade e de estilo de vida. O combate tem de
ser feito nos diversos campos: no da legislação, travando a atribuição da mesma
dignidade jurídica a todo tipo de vínculo de trabalho, salvaguardando direitos
efectivos para todos os trabalhadores, nas práticas e nas formas de organização do
trabalho. (VIZZCARO-AMARAL, 2011, p. 29)

Desta forma, pode-se concluir que o direito do trabalho foi criado com a função de
exercer proteção jurídica ao trabalhador e diminuir as desigualdades sociais, impostas pela
sociedade burguesa em que vivemos, porém o cenário atual demonstra que estamos a
caminhar em sentido contrário.

401
O CENÁRIO ATUAL E O DESMONSTE DE DIREITOS

No intuito de assegurar aos trabalhadores melhores condições de labor, e melhores


condições sociais, a própria Constituição Federal (CF), assevera no capítulo dedicado aos
direitos sociais, que são considerados direitos sociais elencados no artigo 6º:

Artigo 6º: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o


lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a
assistência aos desamparados.
Em seguida, garante o artigo 7º da CF, os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
bem como os demais direitos que visem à melhoria de sua condição social:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social [...]

Quando nos referimos às transformações no mundo do trabalho, devemos enfatizar e


ponderar algumas questões, tais como: os altos índices de desemprego, o crescimento de
novas formas de trabalho sem vínculo empregatício, a produção com pouca mão-de-obra, a
flexibilização e desregulamentação das normas trabalhistas (NASCIMENTO, 2016).
Referidas questões nos reportam a uma séria desigualdade social, e é justamente essa a
relação entre o Direito do Trabalho e o Serviço Social. É preciso minimizar os reflexos
desenfreados dessa precarização no dia-a-dia da sociedade, que em decorrência da
globalização desenfreada gera desemprego, e empregos informais nos quais o trabalhador não
tem sequer seus direitos básicos garantidos.
Neste sentido, para Amaral (2011):

O desemprego, em evidencia em tempos de crise econômica como a que


vivenciamos hoje, num plano global, mais do que um fenômeno socioeconômico, é
um conceito polissêmico cujas expressões e análises relacionam-se a elementos que
influenciam e são influenciados por dimensões sociais, históricas, éticas, ideológicas
e políticas nos mais diversos níveis de relações. (VIZZCARO-AMARAL, 2011, p.
56)

Desde Karl Marx, que analisou, criticamente, e identificou o desemprego como um


mecanismo regulatório do capitalismo, o alto índice de desemprego vem sendo objeto de
estudos e discussões em diversas disciplinas (VIZZCARO-AMARAL L, 2011). Nessa
perspectiva, o desemprego é multidimensional, sendo influenciado e influenciando o mercado
de trabalho (VIZZCARO-AMARAL, 2011).
Diante dessa conjuntura houve o desencadeamento de uma discussão acentuada acerca
da flexibilização das normas trabalhistas. A flexibilização no campo do trabalho,

402
historicamente, tem sido uma reinvindicação empresarial identificável com uma explícita
solicitação de menores custos sociais e maior governabilidade do fator trabalho (BARROS,
2016). Essa é uma medida nociva aos trabalhadores, que irá agravar as condições de trabalho
do obreiro. Aqui, estamos diante de uma exploração da classe empresarial, e de uma séria
cadeia de desigualdade em que o homem trabalhador é tido como um produto que serve
apenas para gerar lucro ao empregador.

ABORDAGEM QUANTITATIVA DO DESEMPREGO NO BRASIL A PARTIR DA


PESQUISA MENSAL DE EMPREGO

Faz-se necessária a análise dos índices de desemprego e emprego informal a partir dos
anos 2000, para elucidar e demonstrar o quão sérias são as consequências das alterações das
relações de trabalho advindas do mundo capitalista. Vejamos algumas categorias de
desemprego, segundo suas causas elencadas por Amaral (2011): desemprego cíclico,
traduzido pelo declínio drástico da produção frente a grandes recessões econômicas (ligado a
uma fase de queda do ciclo econômico); e desemprego disfarçado ou subemprego, traduzido
por remuneração muito abaixo dos padrões aceitáveis, que afeta trabalhadores não registrados.
A taxa de desemprego no Brasil, é determinada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), que realizou uma pesquisa mensal de emprego iniciada em 1980 e
alterada metodologicamente em 2001, que abrangeu informações referentes à condição de
atividade, condição de ocupação, rendimento médio nominal e real, posição na ocupação,
posse de carteira de trabalho assinada, entre outras, tendo como unidade de coleta os
domicílios. Sua periodicidade foi mensal, e a abrangência geográfica foi até as regiões
metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto
Alegre.
Os indicadores da pesquisa foram entregues em fevereiro/2016, e concluíram
especificamente que o número de trabalhadores com carteira de trabalho assinada no setor
privado, em fevereiro de 2016, foi estimado em 11,4 milhões no conjunto das seis regiões
metropolitanas analisadas. Frente a fevereiro do ano passado houve redução de 488 mil
empregados com carteira de trabalho assinada no setor privado (-4,1%) (IBGE, 2016).
O contingente de desempregados, foi estimado em 2,0 milhões de pessoas nas seis
regiões investigadas em fevereiro de 2016, registrando acréscimo de 7,2% (136 mil pessoas)

403
frente ao mês anterior. Na comparação com fevereiro de 2015, ocorreu acréscimo de 565 mil
pessoas em busca de trabalho (39,0%) (IBGE, 2016).
Regionalmente, a análise mensal mostrou que a taxa de desemprego frente a
janeiro/2016, subiu na região metropolitana de São Paulo (de 8,1% para 9,3%) e ficou estável
nas demais regiões. Contudo, na comparação com fevereiro de 2015, houve crescimento da
taxa em todas as regiões: em Recife, foi de 7,0% para 10,4% (3,4 pp); em São Paulo, de 6,1%
para 9,3% (3,2 pp); em Belo Horizonte, de 4,9% para 7,2% (2,3 pp); em Salvador, a taxa
passou de 10,8% para 12,6% (1,8 pp); em Porto Alegre, de 4,7% para 6,4% (1,7 pp) e no Rio
de Janeiro, de 4,2% para 5,2% (1,0 pp) (IBGE, 2016), ou seja, em todos os casos apresentados
na pesquisa, houve aumento do índice de desemprego e emprego informal.
Observa-se ainda, que nos anos de 2002, 2003 e 2004 o índice de desemprego era
significativo, o que diminui entre os anos de 2005 a 2015, e após em 2016 supera as, quando a
taxa de desemprego aumenta consideravelmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante todo o exposto, acredita-se que a pesquisa contribuirá de forma significativa para
o avanço do Direito do Trabalho, e implicará significativamente nas relações sociais, a fim
demonstrar a desvalorização e banalização do trabalho, frente ao crescimento dos índices de
desemprego e emprego informal. Sabe-se que é de suma importância o estudo do tema
proposto, eis que o Serviço Social, e o Direito do Trabalho, visam o bem estar do trabalhador,
em condições salubres. Assim, mesmo diante das limitações que a própria ordem econômica
nos impõe, é de extrema relevância que busquemos valorizar o trabalho, o trabalhador,
sugerindo para o futuro uma análise incessante do tema, a fim de combater o desemprego, sub
emprego, a flexibilização, desregulamentação, entre tantos outros problemas que cercam e
desmerecem os direitos dos trabalhadores.

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e saúde: a precarização do trabalho e a saúde do trabalhador no Século XXI. São Paulo: LTr,
2011.

405
ATENÇÃO ACOLHEDORA: UMA PRÁTICA QUE OTIMIZA A FREQUÊNCIA
DOS ALUNOS NA UNIVERSIDADE ABERTA PARA MATURIDADE- UNABEM –
UEMG

Carlos Henrique de Sousa Santos*


Gilvan Costa Farias Júnior**
Leila Maria Suhadolnik Oliveira Pádua Andrade***

Resumo:O artigo desenvolve o estudo de conceitos de acolhimento, sua prática e seus


efeitos no convívio com idosos e aplica estes conceitos na Universidade Aberta para a
Maturidade um projeto desenvolvido pela UEMG – unidade Passos com o objetivo de avaliar
o processo da efetivação da acolhida nos dias em que as atividades são implementadas e se a
acolhida gera uma efetivação da frequência dos alunos. Percebeu-se que , sendo o
acolhimento um conjunto de práticas humanizadas de estabelecimento de contato através do
respeito, do carinho e da alegria de estar junto, a Unabem cumpre esta função muito bem e
por isto consegue manter a frequência dos alunos.As práticas devem ser mantidas e
estimuladas.Descobriu-se também que há deficiências dos idosos para preenchimento de
questionários simples o que impõe um trabalho de letramento em todas as salas.

Palavras–chave: Acolhimento, Cuidado, Unabem, bem-estar.

Introdução

Uma das maiores conquistas culturais de um povo, em seu processo de humanização, é


o envelhecimento de sua população, pois é o reflexo de uma melhoria das condições de vida.
De acordo com projeções das Nações Unidas citadas pela Secretária de Direitos Humanos da
Presidência da República do Brasil (2015) “uma em cada 9 pessoas no mundo tem 60 anos ou
mais, e estima-se um crescimento para 1 em cada 5, por volta de 2050”. (...)em 2050 pela
primeira vez haverá mais idosos que crianças menores de 15 anos. Em 2012, 810 milhões de
pessoas têm 60 anos ou mais, constituindo 11,5% da população global. Projeta-se que esse
número alcance 1 bilhão em menos de dez anos e mais que duplique em 2050, alcançando 2
bilhões de pessoas ou 22% da população global.

*
Licenciado em História pela UEMG/Passos e Mestre pelo Instituto Federal Sul de Minas em Ensino de
Humanidades. Docente de História pela rede pública Estadual de Ensino
**
Bacharel em Nutrição na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)- Passos
***
Docente especialista Bacharela em História e Ciências Sociais pela Universidade do Estado de Minas Gerais -
Unidade Passos -, pós graduada em História do Brasil contemporâneo e de História do Brasil Colonial e Artes
Visuais. Coordenadora da Unabem- Universidade Aberta para Maturidade.

407
A tendência de envelhecimento da população brasileira cristalizou-se mais uma vez na
nova pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Os idosos - pessoas
com mais de 60 anos -somam 23,5 milhões dos brasileiros, mais que o dobro do registrado em
1991, quando a faixa etária contabilizava 10,7 milhões de pessoas. Na comparação entre 2009
(última pesquisa divulgada) e 2011, o grupo aumentou 7,6%, ou seja, mais 1,8 milhão de
pessoas. Há dois anos, eram 21,7 milhões de pessoas (SECRETARIA DOS DIREITOS
HUMANOS, 2015).
A sociedade atual tem diferentes olhares para o idoso: uns consideram os idosos
depositários de saberes, memória de vida de um povo, enquanto outros desvalorizam sua
presença, atribuem-lhes “o estereótipo do desvalor, o preconceito de inutilidade e o estigma
de feiúra” (BEAUVOIR, 1990).
Esses diferentes olhares são absorvidos por instituições que trabalham com idosos e aí
se desenvolvem ações para destituir as práticas negativas e consolidar as positivas,
principalmente através da humanização das relações.
Os governos, em todos os níveis, seja municipal, estadual ou federal tem tentado
estabelecer políticas públicas que integrem o idoso à sociedade, através de programas de
atividades físicas, sociológicas e psicológicas na busca de uma qualidade de vida melhor para
esta camada da população.
Há uma proliferação de projetos de atendimento ao idoso também em instituições
privadas e não só de atendimento, mas em múltiplas áreas como na produção de bens e
benefícios voltados para o idoso. Empresas em qualquerramo de atividade entendem que,
atualmente,não podem excluir o idoso de seus programas.
As Universidades privadas e públicaspassaram a se preocupar em atender esta fatia da
população criando universidades abertas para idosos para que eles possam frequentar as
dependências das escolas e usufruir de sua estrutura física e humana.
O autor Neri (2001) aponta como um dos objetivos das universidades abertas a
educação do idoso“visando seu bem estar, sua autonomia, sua independência e inserção
familiar e social para que ele consiga viver ativo, participativo e produtivo”. Esta fase do
desenvolvimento humano tão importante quanto as demais, merece atenção por parte dos
pesquisadores, da família, da sociedade e do Estado. A educação tem propiciado um real
aprendizado para a terceira idade trabalhando a naturalidade de viver e de envelhecer do
ponto de vista biológico, psicológico ou sociocultural, e percebendo o significado da própria
existência.
408
De acordo com os envolvidos na Unabem, quer sejam coordenadores, professores e
ou funcionários o idoso encontra aqui na Universidade Aberta para a Maturidade momentos
de alegria e afeto, encontra os amigos, compartillham experiencias e preenchem o tempo com
atividades que o levam a ter um melhor desempenho e disposição para a vida. A UNABEM
tem essa missão de levar esperança para essas pessoas, deixarem elas serem o protagonista de
suas próprias Histórias e de sonhar um futuro com mais vitalidade.
Os objetivos principais deste artigo são: Aprofundar o estudo e conceituações do ato de
cuidar e acolher de maneira humanizada; perceber se a acolhida humanizada é importante
para os alunos da UNABEM e se colabora para o aumento da frequência às atividades e
estabelecer parâmetros entre o cuidado humanizado e as práticas de acolhida na UNABEM.
Pretendeu-se também:avaliar através do questionário, como o processo de acolhida dos
alunos da Unabem efetuado por professores, direção e funcionários é percebido pelos alunos e
analisar o seu nível de satisfação

Metodologia

A Universidade Aberta para Maturidade - UNABEM é um programa social gratuito


voltado para a terceira idade. Foi iniciado em 2006 pela Fundação de Ensino Superior de
Passos, hoje UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais. Atualmente, o projeto da
Universidade Aberta para a Maturidade está vinculado ao Curso de História e funciona com
cinco turmas, com alunos entre as idades de 60 a 89 anos. O objetivo principal do projeto é
oferecer oportunidades para que a pessoa desenvolva todas as suas possibilidades de
convivência, de aprendizagem, de lazer e de envolvimento com as questões sociais e
ambientais. Oportunizar que façam lembranças contínuas de memória, de saberes e sabores,
aumente sua auto-estima e das pessoas com as quais convive, reelaborando continuamente o
seu jeito de viver.
A pedagogia do curso é a da busca do prazer, desenvolvida por equipe de professores
multiprofissionais e interdisciplinares envolvendo os cursos de Enfermagem, Serviço Social,
Nutrição, Sistema de Informação, Direito, Educação Física, Moda e Design, Matemática,
Letras, Jornalismo e Publicidade, Ciências Biológicas, Comunicação e História da Unidade
Acadêmica de Passos da UEMG.
As atividades intelectuais e físicas são ministradas em dois dias, terça-feira e quinta-
feira, no período vespertino, no horário das 13:30 horas às 17:30 horas, seguindo uma
409
programação pré-elaborada e flexível como: um curso básico desenvolvido no primeiro ano,
abordando os conteúdos de expressão corporal, aspectos biopsicossociais do envelhecimento,
lembranças pessoais e dinâmica de grupo e tecendo a cidadania e o autodesenvolvimento.
Após o término do Curso Básico é oferecido um certificado a quem cumpriu 75 % de
freqüência. O aluno tem o direito de continuar no curso quandosão oferecidas aulas variadas
e ações e práticas como Computação,Teatro, Flauta, Coral, Dança entre outras. São, também
desenvolvidas ações comunitárias e sociais, viagens de lazer e culturais, comemorações .
Podemos aferir, após estes anos de funcionamento, muitos ganhos na frequência das
atividades, como: o aumento progressivo da auto-estima dos alunos idosos no projeto,
inclusive dos professores e alunos de graduação envolvidos;aumento comprovado da
socialização e sentimento de pertença a um grupo, sendo por ele aceito e integrado, o que gera
uma melhora na disposição e alegria de viver; diminuição de casos de depressão e
isolamento social; participação de alunos no Conselho Municipal do Idoso; aumento da
convivência social principalmente nos momentos festivos como:festa Junina e
Comemorações do dia internacional da mulher, das Mães; momentos da formatura e Semana
do Idoso.
O Projeto Unabem foi reconhecido nacionalmente através do programa Acolher da
Natura Cosméticos categoria Crescente no ano de 2010.
O trabalho desenvolvido seguiu, na sua primeira parte, os preceitos do estudo
exploratório, por meio de uma pesquisa bibliográfica fazendo uma revisão de literatura
aprofundando os conceitos de acolhimento e cuidado que, segundo Gil (2008), “é
desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído de livros e artigos científicos”
O segundo momento foi a elaboração e aplicação de um questionáriopara 50 alunos. O
pesquisador procurou, em cada uma das cinco salas de alunos, aqueles que se dispusessem a
responder o questionário por livre e espontânea vontade. Foi dado um tempo para que eles
marcassem as suas respostas. O questionário, contendo 10 questões estruturadas: 1-Sua sala
é, 2-Sua idade é, 3- Na Unabem você se sente: (Sempre me sinto bem e sou muito frequente,
Às vezes me sinto mal, e por isto falto de aula, Nunca me sinto bem e por isto falto muito),
4- Quando você chega na Unabem: (Sempre alguém o cumprimenta sorrindo, Às vezes
alguém o cumprimenta, Ninguém o cumprimenta), 5- Na Unabem: (Todas os alunos são
tratados da mesma maneira, Algumas pessoas tem tratamento melhor e diferenciado ), 6- Na
Unabem:(Você se sente que lhe dão carinho e calor humano e sempre te ouvem, Você se sente
que não se importam com você , mas às vezes te ouvem, Você é indiferente, pois as pessoas
410
nunca te ouvem.), 7- Os Professores e Estagiários:(Sempre o cumprimentam, na sala, com
alegria e os tratam com respeito, Às vezes o cumprimentam, na sala ,com alegria e os tratam
com respeito, Nunca o cumprimentam, na sala, com alegria e os tratam com respeito), 8- A
coordenação da Unabem:(Sempre o(a) trata com respeito e carinho, Às vezes o(a) trata com
respeito e carinho, Nunca o (a) trata com carinho e respeito), 9- O atendimento da Secretaria
da Unabem é: (Sempre alegre,eficiente e respeitoso, Às vezes alegre, eficiente e respeitoso,
Nunca é alegre, eficiente e respeitoso), 10- A respeito das pessoas que trabalham nos
serviços gerais na Unabem: ( São sempre educados, respeitosos e carinhosos, Às vezes são
educados, respeitosos e carinhosos, Nunca são educados, respeitosos e carinhosos), foi
redigido em em linguagem bem simplificada, pois a maioria dos alunos da Unabem tem
apenas o ensino fundamental e ou estão, há muito tempo, afastados da escola. As questões
eram objetivas bastando completar com um X, a resposta escolhida. Os questionários foram
aplicados pelos professores e por um dos pesquisadores, no horário de aula, no dia 20 de
outubro de 2015.
A proposta foi um questionário em que o aluno não se identificasse, para assim
aumentar o nível de confiabilidade. Duas informações foram solicitadas no cabeçalho como
atividade de memorização e treino para os alunos que deviam indicar a cor da sua sala e sua
idade.Os resultadosdestas duas informações não foram contabilizados por não trazer fatores
importantes para a pesquisa.
Segundo Gil (2008) o questionário pode buscar resposta a diversos aspectos como
conteúdosobre fatos, atitudes, comportamentos, sentimentos,padrões de ação,
comportamentopresente ou passado, entre outros.
Os 50 questionários foram devolvidos aos pesquisadores e iniciou-se a análise dos
mesmos, através da separação das questões e da contagem dos seus resultados .
Seis questionários não foram aproveitados porque não foram respondidos marcando o
x na questão e sim escrevendo observações que fugiam da proposta. Portanto, tivemos um
universo de 44 questionários válidos para discussão. A Unabem tem 223 alunos matriculados
e um total de 150 frequentes. A amostra equivale, portanto a 29,3% dos alunos frequentes.

Resultados e Discussão

Segundo Ferreira (2009) acolher significa receber, atender, aceitar, proteger e nutrir. O
acolhimento, é também chamado de cuidado, representa mais que um instante de atenção ou
411
de dedicação. Denota uma postura de trabalho, de preocupação, de serviço e de envolvimento
afetivo com o outro. A capacidade de acolher/cuidar é natural, faz parte da essência do
humano (BOFF, 1999).
Em latim, cuidado significa Cura. Cura expressa a atitude de cuidado, de desvelo, de
preocupação e de inquietação pelo objeto ou pela pessoa. A frase do Pequeno Príncipe,de
Antoine de Saint Exupéry “é com o coração (sentimento) que se vê corretamente; o essencial
é invisível aos olhos”nos leva a refletir que é o sentimento que torna pessoas, coisas e
situações importantes para nós e por isto desenvolvemos para com elas o cuidado.
Cuidar é um ato singelo, onde o outro é o centro das atenções. Na velhice, essa atenção
é redobrada, pois exige-se um cuidado maior. Nesta fase da vida humana as pessoas já estão
fragilizadas, deslocadas e, o cuidado é muito importante para decifrar a essência humana
(BOFF,1999).
O Guia Prático do Cuidador, uma publicação do Ministério da Saúde, em 2008
esclarece que o “cuidado significa atenção, precaução, cautela, dedicação, carinho, encargo e
responsabilidade. Cuidar é servir, é oferecer ao outro, em forma de serviço, o resultado de
seus talentos, preparo e escolhas; é praticar o cuidado.”
Direção, professores e funcionários da Unabem buscam a cada dia estimular um
processo de auto formação os idosos de maneira clara e simples fazendo com que eles se
sintam à vontade durante as atividades de conviver e aprender. Trabalhar auto estima do
idoso, valorizar sua vida e estimular a auto confiança é tarefa de todos através do respeito,
daalegria e de colocar o idoso sempre em primeiro lugar.Desde a criação da Unabem
buscamos estabelecer com os idosos um clima de respeito, alegria e cuidado. Esta
característica se tornou a marca registrada do projeto, pois “tudo que existe e vive precisa ser
cuidado para continuar existindo, uma planta, uma criança, um idoso, o planeta Terra. O
cuidado vive do amor, da ternura, da carícia e da convivência” (BOFF, 1999).
Para Matumoto (1998) uma das ferramentas essenciais para o acolhimento é a
comunicação. A comunicação que se estabelece neste processo pode favorecer a estruturação
de uma relação entre trabalhadores e idosos que tem como consequência principal a
emancipação da pessoa idosa. Todos os envolvidos no projeto usam a ferramenta da
comunicação em todas as atividades e , isto favorece a otimização do acolhimento.
Para Pacheco (2004) após um estudo feito com um grupo de nove cuidadores de
idosos, criouparâmetros para definir o cuidado e a acolhida. As principais características,
entre as 12 citadas, foram usadas para a elaborar a entrevista com os alunos da Unabem
412
São elas:estimular a comunicação com o idoso: “conversar, ouvir, valorizar sua linguagem,
fortalecer sua autonomia, atualizá-lo com informações;procurar compreender o idoso;aceitá-
lo, dar-lhe carinho e calor humano;estimular a autoconfiança, a autovalorização e a auto-
aceitação do idoso e estimular o idoso a dedicar-se a atividades criativas.
Os Cadernos de atenção Básica (2006) do Ministério da Saude diz que com a Política
Nacional de Humanização(PNH), o Ministério da Saúde propõe estimular esse movimento,
incentivando a valorização de todos os atores e sujeitos que participam na produção da saúde.
No Acolhimento à pessoa idosa os profissionais de saúde devem estar atentos, entre outros
aspectos, para o estabelecimento de uma relação respeitosa; chamar a pessoa idosa por seu
nome e manter contato visual, preferencialmente, de frente e em local iluminado e a utilização
de uma linguagem clara e objetiva. Estes objetivos propostos para os profissionais da saúde
podem e devem estar presentes nas universidades de idosos.
Após a aplicação e contabilização dos questionários passamos às analises dos
resultados.
De modo geral, o nível desatisfação das pessoas entrevistadas pesquisado na terceira
questão, chegou-se a um resultado onde 100%, ou seja 44 pessoas afirmam que sempre se
sentem bem na Unabem e, por isto, são frequentes. Nenhuma pessoa ou seja 0% respondeu
que sempre ou às vezes se sente mal e por isto falta às aulas. Isto demostra o nivel muito
alto de satisfação com o ambiente da Unabem como um todo já que a questão não propunha
avaliar os conceitos de cuidado, mas o bem estar que leva ao aumento dafrequência. Para
Neri (1993) na velhice, a pessoa está exposta a riscos e crises principalmente do ponto de
vista biológico e a satisfação encontra-se em manter ou restaurar o bem estar ou qualidade
de vida.
A quarta questão visava o avaliar o acolhimento e também se chegou a um consenso.
100% das pessoas, ou seja 44 pessoas disseram que alguém sempre o cumprimenta sorrindo e
com respeito.Nenhuma pessoa alegou a falta de cumprimento ou de respeito. Para Feldman e
Miranda (2002) o acolhimento envolveconvites verbais e não-verbais à participação dos
idosos; é o momento de recebê-los com afeto, demonstrando interesse por sua pessoa e por
sua presença no grupo.Diz que é importantíssimo que os idosos sejam olhados,
cumprimentados e, caso possam ser identificados, sejam chamados pelos nomes. O
cumprimento com interesse e alegria é praticado na Unabem e faz com que as pessoas se
sintam bem.

413
A questão 6 complementa a de número 4 porque pesquisa o acolhimento quanto ao
carinho, o calor humano e o ser ouvido como características importantes do trato com
idosos. 93.2% ou seja 41 dos entrevistados responderam afirmativamente a este
questionamento, no entanto 6,8 % ou seja 3 pessoas que responderam aos questionamentos
disseram que sentem que, na Unabem, não se importam com ela e que, somente, às vezes a
ouvem. Comparando-se este resultado com o resultados anteriores(questão 3 e 4) em que
100% das pessoas disseram estar satisfeitas com o nível de acolhimento praticado na
Unabem, agora 6,8% negam isto. Percebemos que esta questão envolvia avaliar carinho, calor
humano e “dar ouvido”.É um aprofundamento do cuidado e da sua percepção e estes 6.8% de
pessoas relatam seus sentimentos negativos frente ao cuidado e acolhida que percebem. A
percepção é um sentimento muito individualizado e pode ser uma das causas desta pequena
discrepância.
Na questão cinco onde se investigou se todas as pessoas são tratadas da mesma forma,
aponta que há uma desigualdade no trato dos idosos da Unabem em 11,3%. Enquanto que
88,7% afirmam que há um tratamento igual para todos. Assis (2004) diz que é tarefa de
todos nós garantir aos idosos as condições necessárias para uma velhice mais plena e
satisfatória com apoio e respeito enraizados nas relações sociais. Acrescenta que o
envelhecimento será mais digno e saudável quanto mais favorável e rico em possibilidades
for o próprio viver. A tarefa dos envolvidos na Unabem é a de proporcionar que todos
tenham seu direito ao trato igual e humanitário.
As questões 7; 8 ; 9 e 10 averiguaram como são percebidos, pelos alunos, a acolhida
específica de professores, coordenação, Secretaria e profissionais de serviços gerais. Quanto
aos professores e estagiários apenas 4,5% disseram que não são cumprimentados nem
respeitados. Praticamente o mesmo resultado para a Coordenação quando 6,8 dos
entrevistados declararam que, às vezes, a coordenação o trata com respeito e carinho. A
maioria 95,5% quanto à professores e estagiários e 93,2% para a coordenação asseguram
que sempre são tratados com respeito carinho e atenção. Teixeira (2004) afirma que as
pessoas que convivem com o idoso devem tratá-lo como ser humano que pode passar
experiência de vida e seu conhecimento, e não como alguém que parou de crescer.
O atendimento da secretária é alegre eficiente e respeitoso para 81,8% dos
entrevistados enquanto que, para 15,9% o atendimento é, as vezes, alegre eficiente e
respeitoso, e para 2,3% isto nunca acontece.O relacionamento com os profissionais de
serviços gerais envolvidos na Unabem tiveram para 88,64 % dos entrevistados uma ação
414
educada, respeitosa e carinhosa. E para 9.09% as vezes o tratam bem e 2,27% nunca acontece
Teixeira (2004) afirma que quem cuida deve em primeiro lugar ter o bom-senso e respeito por
aquele que já viveu mais da metade da vida. Deve sempre valorizar suas experiências, ouvi-lo
na hora em que for falar, “ter a voz mansa ao comunicar, olhar em seus olhos e fazer com que
ele se sinta incluso na sociedade em que vive”.Estes parâmetros colocados pelo autor acima
são importantes para estabelecer e manter uma aproximação com o idoso, melhorando os
níveis de atenção e solicitude.
Chama a atenção os 13,6%, portanto 6 questionarios foram preenchidos de forma
errada. Soares (2004) diz que é imprescindível a promoção de práticas discursivas de
letramento junto a sujeitos que estão em processo de envelhecimento, para que cada um
exerça plenamente sua cidadania, seu papel social, fazendo valer seu direito a uma vida
saudável e autônoma. O Letramento é o exercício efetivo e competente da tecnologia da
escrita, ou seja, é o estado que assume aquele que sabe ler e escrever para cumprir objetivos
diversos: informar e informar-se, interagir com o outro, fazer uma declaração, entender uma
receita médica, contar uma história, ampliar conhecimentos, divertir, fazer valer os seus
direitos, reconhecer os seus deveres, entre outros. Portanto, quando 13,6% dos entrevistados
não souberam seguir regras simples de letramento como marcar um x na resposta, podemos
aferir que há necessidade de implementar mais atividades de ler e escrever para que os idosos
se apoderem destas habilidades e , assim, estarem mais preparados para a convivência social.

Considerações Finais

Duarte (2004) afirma que para envelhecer mantendo a qualidade de vida “é preciso que
todos os que se constituem agentes transformadores da sociedade” busquem juntos o direito
de serem tratados com dignidade e respeito.
Ações que envolvam dignidade,respeito, carinho, sorriso,calor humano são
importantíssimas no trato com o idoso.Estas ações foram a parte importante desta pesquisa
para que, a partir do seu resultado os envolvidos nas atividades da Unabem tivessem
segurança de que, na continuidade da prática desses valores, pode-se aumentar a frequência
dos idosos nas atividades e será possível avançar para outros desafios.A investigação serve
para se avaliar o tratamento dispensado aos idosos em momentos individualizados, pois
11.3% alegaram um tratamento diferenciado e não igualitário. Igualmente, no atendimento da
Secretaria constatou-se uma porcentagem mínima de pessoas que discordaram do tratamento
415
respeitoso, eficente e alegre.Buscar a otimização no cuidado e na acolhida aos alunos deve ser
constante para todos os envolvidos no dia a dia das atividades.
A pesquisa serviu também para aprofundar o conceito de acolhimento e cuidado que
subsidiará as ações a serem desenvolvidas na Unabem a partir de agora, conservando e
incentivando as práticas já estabelecidas.
Acredita-se que esta pesquisa possa subsidiar outros estudos,favorecer a compreensão
das atividades desenvolvidas na Unabem e contribuir para que se avance em outros pontos
do universo da pessoa idosa nos níveis social, físico, psicológico, político e cultural.
A análise da constatação de deficiência no letramento torna-se importante, pois
possibilitará ações incentivadoras de prática de leitura, escrita e interpretação de textos,
questionários,formulários e fichas, durante as aulas, afim de que os idosos estejam melhor
preparados para estas tarefas.
Importante trabalhar estes resultados com o grupo de profissionais envolvidos na
Unabem para delinearmos e efetivarmos os objetivos para o ano de 2016 e principalmente
como afirma Caldas (2004) é muito importante se manter o acolhimento, pois “é o cuidado
que faz surgir um ser humano complexo, sensível, solidário, cordial e conectado com tudo e
com todos. E é aí que se pode resgatar o ser idoso como valor para a sociedade.”

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417
INDICADORES SOCIAIS: INSTRUMENTO PARA ACOMPANHAMENTO ÀS
FAMÍLIAS ASSISTIDAS NOS CRAS DE POÇOS DE CALDAS – MG

Cintia Bernardes Penha*

Resumo: O presente trabalho objetiva mostrar a importância de um instrumental que


contemple indicadores sociais básicos que uma família precisa para ter seus mínimos sociais
garantidos, bem como ser um instrumento norteador para acompanhamento familiar que é
realizado pelos trabalhadores dos Centros de Referência de Assistência Social CRAS de
Poços de Caldas-MG. Objetiva também contar um pouco da experiência que um grupo de
trabalhadores da Secretaria Municipal de Promoção Social (SMPS), teve ao criar este
instrumental. A metodologia de pesquisa utilizada foi estudo de caso. Foi aplicado um
questionário elaborado com perguntas estruturadas e teve relato da experiência do pesquisador
enquanto participante do grupo. Percebemos então que esta pesquisa atingiu seu objetivo
proposto e foi citado um pouco do processo de construção da Matriz de Vulnerabilidades.
Esta está sendo utilizada pelos profissionais técnicos dos Centros de Referência de
Assistência Social - CRAS que desenvolvem Serviço de Proteção e Atendimento Integral à
Família - PAIF.

Palavras-chave: Assistência Social. Indicadores Sociais. Famílias.

Introdução

A partir da Constituição Federal e da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), a


política de assistência social passou a ser vista como uma política de proteção social,
passando a fazer parte do tripé da seguridade social (Saúde, Assistência Social e Previdência
Social), bem como se configura mecanismo de garantia de um padrão básico de inclusão
social às pessoas que dela necessitam. Nesse sentido, ela passou a ser compreendida como
direito do cidadão e dever do Estado. Sua definição pode ser encontrada no primeiro artigo da
LOAS, LEI Nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.

A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade


Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um
conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o
atendimento às necessidades básicas. (LOAS, BRASIL, 1993).

*
Assistente Social e Mestradando do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UNESP/câmpus de
Franca. Membro do GEDUCAS (Grupo de Pesquisas sobre a Dimensão Educativa no Trabalho Social)

419
No entanto, no segundo artigo da LOAS, a política traz seus objetivos e, percebe-se,
que aqueles mais significativos estão voltados para a proteção à família, à maternidade, à
infância, à adolescência e à velhice. Assim, entendemos que é a política de assistência social
irá assegurar à família em seus diferentes ciclos etários, provisão de uma vida digna, com
segurança de sobrevivência, autonomia e empoderamento político e social. A família, então,
passou a ser a centralidade da política de assistência social. Uma das ações dessa política está
voltada para o acompanhamento das famílias que vivem em situação de vulnerabilidade
social. Este é realizado pelo Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família, PAIF. O
mesmo está preconizado na Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais de 2009:

O Serviço de Proteção e Atendimento Integral á Família – PAIF - consiste no


trabalho com famílias, de caráter continuado, com a finalidade de fortalecer a função
protetiva das famílias, prevenir a ruptura dos seus vínculos, promover seu acesso e
usufruto de direitos e contribuir na melhoria de sua qualidade de vida.
(TIPIFICACAÇÃO NACIONAL DE SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS, 2009).

O PAIF é executado, obrigatoriamente, dentro dos Centros de Referência de


Assistência Social - CRAS. Este, por sua vez, é uma unidade pública socioassistencial que
possui uma equipe de trabalhadores responsáveis pela execução do PAIF, de serviços e
projetos de proteção social básica e pela gestão articulada no território de abrangência, sempre
sob orientação do gestor municipal.
Uma das grandes dificuldades de planejar um método de acompanhamento familiar é o
de dispor de um instrumental que contemple as vulnerabilidades da família que se pretende
acompanhar. Através deste instrumento ter-se-ia informações precisas que auxiliariam no
planejamento de ações voltadas para proporcionar o combate às vulnerabilidades levantadas,
bem como propiciar o provimento dos mínimos sociais à família.
Atualmente, o município de Poços de Caldas, possui 05 (quatro) Centros de
Referência de Assistência Social - CRAS, um em cada região da cidade (Central, Oeste, Leste
I, Leste II e Sul), possui um CRAS Apoio na região Sul e um CRAS volante que atende as
famílias da zona rural.
As ações do PAIF - acompanhamento familiar são desenvolvidas por técnicos de
nível superior que, baseado na Norma Operacional Básica de Recursos Humanos NOB-RH,
2006, orienta que devem ser assistentes sociais e psicólogos.
Portanto, o presente trabalho é divido em três partes fundamentais: a primeira,
introdução, que apresenta um breve relato do estudo, seu objetivo, justificativa e método da
420
pesquisa. A segunda, que contempla o desenvolvimento do trabalho, seu referencial teórico,
método, resultados e discussão da pesquisa. A terceira parte traz as considerações finais, com
base no desenvolvimento do trabalho.

Objetivo Geral

Mostrar a importância de um instrumental que contemple indicadores sociais básicos que


uma família precisa para ter seus mínimos sociais garantidos, bem como ser um instrumento
norteador para acompanhamento familiar.

Objetivos Específicos

- Apontar as vulnerabilidades sociais que uma família apresenta no início do


acompanhamento familiar.
- Construir junto com a família Plano de Ação focado especificamente nas demandas
apresentadas na matriz.
- Contribuir para uma ação mais especifica e efetiva, em busca de garantia dos direitos
sociais.

Metodologia

A metodologia de pesquisa utilizada foi estudo de caso. Este método foi escolhido
com base no objetivo da pesquisa, pois pretende compreender e ampliar a experiência
vivenciada pelos técnicos da Secretaria Municipal de Promoção Social de Poços de Caldas, ao
elaborar o instrumental de Indicadores Sociais de vulnerabilidade e verificar sua importância
no processo de acompanhamento familiar. Foi aplicado um questionário elaborado com
perguntas estruturadas. Este foi encaminhado ao e-mail dos profissionais para preenchimento
e devolvido ao pesquisador também por e-mail. O questionário foi aplicado aos trabalhadores
que compuseram o grupo denominado de Trabalho Indicadores Sociais.
O método utilizado para apresentar a construção do sistema que acoplou vários
indicadores e sua importância, foi o método qualitativo de estudo de caso, e experiência
profissional.

421
Segundo Cesar (2006, p.3) o método do estudo de caso enquadra-se como uma
abordagem qualitativa e é frequentemente utilizado para coleta de dados na área de estudos
organizacionais, apesar das críticas que ao mesmo se faz, considerando-se que não tenha
objetividade e rigor suficientes para se configurar enquanto um método de investigação
científica (críticas inerentes aos métodos qualitativos, conforme já exposto).
Ainda Segundo Cesar (2006, p.3) no estudo de caso a ênfase está na compreensão,
fundamentada basicamente no conhecimento tácito que, segundo o autor, tem uma forte
ligação com intencionalidade, o que não ocorre quando o objetivo é meramente explanação,
baseada no conhecimento proposicional.
Considerando as definições citadas, o estudo de caso será apresentado em duas etapas:
a primeira será com base na experiência do pesquisador enquanto membro de um grupo de
trabalhadores da Secretaria Municipal de Promoção Social. A segunda parte será a o relato da
experiência dos demais integrantes do grupo de trabalho Indicadores Sociais. Nesse sentido,
vale complementar que a pesquisa de campo acontece no modelo qualitativo-descritivo.
O instrumento escolhido para a coleta de dados foi um questionário elaborado com
perguntas estruturadas, cuja aplicação foi por meio de formulário enviado por e-mail e sua
devolução também por e-mail. Com isso os profissionais tiveram tempo para relembrar com
mais clareza como foi o processo de construção coletiva.
O universo desta pesquisa teve amostragem de 100% dos entrevistados (técnicos) que
compuseram o grupo de trabalho Indicadores Sociais. Cinco profissionais compunham o
grupo de trabalho, sendo um deles o pesquisador.

Discussão Teórica
Indicadores Sociais

De acordo com Jannuzzi (2002, p5), o Indicador Social é uma medida em geral
quantitativa, dotada de significado social substantivo, utilizado para substituir, quantificar ou
operacionalizar um conceito social abstrato. O autor relata que o indicador social é um recurso
metodológico, empiricamente referido, que informa algo sobre o aspecto da realidade social
ou sobre mudanças que estão ocorrendo. Indicadores tem a finalidade de subsidiar as
atividades de planejamento público e formulação de políticas sociais nas diferentes esferas de
governo, bem como possibilita aprofundamento sobre as mudanças sociais e os determinantes
dos diferentes fenômenos sociais.
422
Jannuzzi (2002, p7) afirma ainda que a seleção de indicadores é uma tarefa delicada,
pois não existe uma teoria formal que permita orientá-la com estrita objetividade. Assim, é
preciso garantir que existe, de fato, uma relação recíproca entre indicando (conceito) e os
indicadores propostos.
No entanto, percebe-se que os indicadores são elementos utilizados para medir
informações quantitativas e qualitativas coletadas durante e/ou após a implementação de uma
ação, projeto ou programa, visando medir resultados e efeitos de sua implantação. Assim, a
construção de uma planilha que contemple vulnerabilidades de uma pessoa e/ou família, tem a
possibilidade de contribuir para a elaboração de um plano.
Para falarmos sobre vulnerabilidades, é preciso conceituá-la:

(...) o conceito de vulnerabilidade social requer olhares para múltiplos planos, e, em


especial, para estruturas sociais vulnerabilizantes. De tal modo, quando se fala em
vulnerabilidade social, é relevante que se compreenda que essa é o estado no quais
grupos ou indivíduos se encontram, destituídos de capacidade para ter acesso aos
equipamentos e oportunidades sociais, econômicas e culturais oferecidos pelo
Estado, mercado e sociedade. (PADOIN, VIRGOLIN, 2010, p.01).

Todavia, a vulnerabilidade social, apresenta várias expressões da questão social que


um indivíduo ou família encontra-se naquele momento. E para diminuir essas
vulnerabilidades sociais, a política pública de assistência social desenvolve serviços,
programa e projetos que auxiliam as famílias na sua emancipação enquanto cidadãs de
direitos.

Assistência Social e o trabalho com família

A assistência social é uma política pública de direito a quem dela necessitar. E


segundo Mioto: (2013, p7e8):

Quando se assume a assistência social como direito de cidadania, considera-se, por


um lado, que o acesso dos indivíduos à assistência social não está prioritariamente
vinculado às condições de sua família, mas à sua própria condição. Por outro, se
desvincula da idéia de falência da família na provisão de bem-estar. Então é quando
a política é pensada no sentido de “socializar antecipadamente os custos enfrentados
pela família, sem esperar que a sua capacidade se esgote (MIOTO, 3013, p.07 e 08).

Com isso, a assistência social como política de proteção social configura-se como
mecanismo de garantia de um padrão básico de inclusão social. E para isso uma das funções é
423
o acompanhamento de pessoas e ou famílias que vivem em situação de vulnerabilidade e ou
risco social. Nesse sentido, Di Giovani traz:

... entende-se por Proteção Social as formas “institucionalizadas que as sociedades


constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros. Tais sistemas
decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a
doença, o infortúnio, as privações (…) neste conceito tanto as formas seletivas de
distribuição de bens materiais (como a comida e o dinheiro), quanto os bens
culturais (como os saberes), que permitirão a sobrevivência e a integração, sob
várias formas na vida social. Ainda, os princípios reguladores e as normas que, com
intuito de proteção, fazem parte da vida das coletividades”. Desse modo, a
assistência social configura-se como possibilidade de reconhecimento público da
legitimidade das demandas de seus usuários e espaço de ampliação de seu
protagonismo. (DI GIOVANI1998 apud BRASIL, 2004, p. 31).

E este trabalho com a família (plano de ação - acompanhamento) é realizado no


equipamento Centro de Referência de Assistência Social - CRAS, por meio do Serviço de
Proteção e Atendimento Integral à Família - PAIF, que consiste no trabalho social com
famílias, de caráter continuado, com a finalidade de fortalecer a função protetiva das famílias,
prevenir a ruptura de vínculos, promover seu acesso e usufruto de direitos e contribuir na
melhoria da qualidade de vida:

Vivemos uma época como nenhuma outra, em que a mais naturalizada de todas as
esferas sociais, a família, além de sofrer importantes abalos internos tem sido alvo
de marcantes interferências externas. Estas dificultam sustentar a ideologia que
associa a família à ideia de natureza, ao evidenciarem que os acontecimentos a ela
ligados vão além de respostas biológicas universais às necessidades humanas, mas
configuram diferentes respostas sociais e culturais, disponíveis a homens e mulheres
em contextos históricos específicos (SARTI, 2005. p.21).

Logo, o trabalho com família requer considerar algumas dimensões que ultrapassam as
teorias, como por exemplo o sofrimento da família, suas potencialidades, suas
impossibilidades que não os permitem serem livres para exercerem seus direitos enquanto
cidadãos, bem como ter acesso aos mínimos sociais. Para que o profissional construa junto
com a família um plano de ação que irá sanar ou diminuir as vulnerabilidades apresentadas, é
preciso que o técnico conheça com propriedade a organização da família. Para Mioto (2008,
p. 134), independente das formas que assume, "a família ainda é o espaço privilegiado na
história da humanidade onde aprendemos a ser e a conviver". A autora ainda acrescenta:

É preciso reconhecer a família como um espaço complexo, que se constrói e


reconstrói histórica e cotidianamente por meio das relações e negociações que se

424
estabelecem entre seus membros, entre seus membros e outras esferas da sociedade e
entre ela e outras esferas da sociedade, tais como Estado, trabalho e mercado.
Reconhece-se que, além de sua capacidade de produção de subjetividades, ela
também é uma unidade de cuidado e de redistribuição interna de recursos. Tem um
papel importante na estruturação da sociedade em seus aspectos sociais, políticos e
econômicos e, portanto, não á apenas uma construção privada, mas também pública.
(MIOTO, 2008, p. 3)

Percebemos também que o trabalho com família na área social vem sendo
reestruturado:

A família vem sendo, nos últimos anos, tomada como referência central no âmbito
dos programas sociais, o que vem reforçando o seu papel como importante
referência no campo da política social. [...] As expectativas sobre
a família, como espaço propício para reinventar a vida, seja na dimensão
material ou moral, se reatualizam nas relações sociais. Pensar família é, sobretudo,
remetê-la a processos sociais contemporâneos, pois, antes de
tudo, família é uma realidade histórica (ALENCAR, 2010, p. 134).

No entanto, faz-se necessário ressaltar que a disponibilidade de um instrumental de


indicadores de vulnerabilidade social, relevante, válido e confiável, proporciona subsídios que
irá nortear o técnico na formulação de um plano de ação para um acompanhamento mais
eficiente e eficaz ao combate das vulnerabilidades da família.
Levantada essa necessidade, é importante ressaltar aqui, que a atual gestão da
Secretaria Municipal de Promoção Social de Poços de Caldas, tem grande preocupação
quanto ao trabalho que é executado com as famílias nos CRAS. A mesma tem anseios de que
haja efetividade e eficácia no acompanhamento familiar. Para isso, tem proporcionado aos
trabalhadores espaços de reflexão para troca de experiência e aprimoramento do
conhecimento prático, teórico e metodológico do fazer profissional.
Através desses espaços, um grupo de trabalhadores criou um sistema que conseguiu
acoplar vários indicadores sociais e que passou a ser instrumento de elaboração do plano de
ação, para acompanhamento familiar.

Experiência do Grupo de Trabalho quanto à construção do Instrumental de Indicador


Social: Relado da experiência do pesquisador

Em junho de 2013, a Secretaria Municipal de Promoção Social de Poços de Caldas


iniciou um Seminário com o objetivo de discutir conceitos, métodos e práticas voltados à
política pública de assistência social. Os profissionais que participaram desse seminário eram
425
trabalhadores dos CRAS, CREAS, gestão e instituições socioassistenciais. A quantidade de
pessoas participantes do seminário era de aproximadamente 40 pessoas.
A forma utilizada para estudo dos conceitos, métodos e prática, foi à criação de
Grupos de Trabalho, com as seguintes temáticas: Indicadores de Vulnerabilidade Social;
Conceito de Família; Conceito de Pobreza, Vulnerabilidade e Empoderamento; O trabalho
com Famílias; Construção de Metodologia Acompanhamento Familiar e Construção de
Metodologia para Grupos Operativos (para público específico - medidas protetivas às famílias
e ou responsáveis de criança, adolescente e idoso).
Com base nos temas levantados, os trabalhadores se dividiram nos grupos de trabalho,
a partir de suas escolhas. Cada trabalhador teve oportunidade e liberdade de escolher em qual
grupo de trabalho iria se inserir. Os grupos de trabalho se reuniram de fevereiro a novembro
de 2013. No final de novembro de 2013, foi apresentado o resultado final de cada grupo de
trabalho. Meu interesse foi pelo tema Indicadores Sociais. Éramos cinco colegas, 02
assistentes sociais, 02 psicólogos e um pedagogo. O processo foi gerido de forma participativa
e operativa, em que a tarefa principal se constituiu na criação de uma Matriz de
Vulnerabilidade, que objetivou a caracterização das famílias que iriam ser priorizadas pelo
acompanhamento familiar nos serviços de ponta.
Nossos encontros foram uma vez por semana, nos meses de março e abril. Nos meses
de maio e junho, passamos a nos reunir a cada quinze dias. Em julho, demos uma pausa.
Agosto, setembro e outubro, voltamos a nos reunir a cada quinze dias. Com isso no final de
outubro já estávamos com nosso "produto" pronto.
Nos primeiros encontros, o grupo discutiu o conceito de indicadores sociais, sua
relevância, seus objetivos e também fontes de onde encontrar indicadores sociais. O grupo
teve como fonte bibliográfica norteadora o artigo: "EL EMPODERAMIENTO DE LAS
FAMILIAS DE EXTREMA POBREZA A TRAVES DEL PROGRAMA PUENTE", do professor
Luciano Tomassini e a aluna María Isabel Alvarez, da Universidade de Consepción, no Chile.
Este artigo apresenta relatos do "Programa Puentes". O Programa Ponte é um programa de
política social destinada à extrema pobreza, que começou no Chile, em 2002, pela vontade do
governo. Ele foi elaborado em primeiro lugar para melhorar a qualidade de vida de seus
beneficiários e de outra forma promover a sua autonomia ou auto valencia. Outra fonte
utilizada foi o artigo de Jannuzzi, "Considerações sobre o uso, mau uso e abuso dos
indicadores sociais na formulação e avaliação de políticas públicas municipais".

426
Por meio desses levantamentos de dados, nos demais encontros, o grupo iniciou um
estudo sobre os mínimos sociais: o que são esses mínimos sociais e no que eles são
referenciados. O grupo chegou à conclusão que os mínimos sociais são garantias que
asseguram as necessidades básicas de uma pessoa e/ou família que se apresenta em
vulnerabilidade social. Essas necessidades estão baseadas na alimentação, moradia, higiene,
educação, saúde, trabalho, renda e também no processo do perfil familiar, como por exemplo,
relações afetivas, relações com a comunidade, entre outros.
Após esse conceito de mínimos sociais, o grupo de trabalho levantou 05 (cinco)
dimensões importantes para apresentar, para que a partir delas fossem desenvolvidos, de
forma organizada, os indicadores. As dimensões foram: Perfil Familiar, Educação, Saúde,
Habitação, Trabalho e Renda. Esse foi o momento mais tenso do grupo, pois levantar
indicadores gerou grande discussão e desgastes. Afinal, como eleger o indicador social mais
relevante para cada item? A concepção de vulnerabilidade foi estabelecida pelo grupo dentro
de seu manifesto no campo relacional familiar, sendo composta pela privação, isolamento,
pobreza e violências egressas do ciclo intergeracional de exclusão social, o qual as famílias
que necessitam do apoio da assistência social vivenciam no cotidiano.
Percebendo o desgaste na discussão, o grupo resolveu dividir as dimensões entre os
técnicos. Cada técnico ficou responsável por levantar indicadores sociais para cada dimensão
criada. Alguns indicadores foram correlacionados e extraídos órgãos responsáveis como, por
exemplo: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome - MDS, Instituto de
pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
Ministério da Saúde e Ministério da Educação. Mas muitos indicadores foram criados pelos
próprios técnicos a partir de estudos teóricos e experiências práticas. Os técnicos tiveram
vinte dias para fazer esse levantamento e após esse tempo, o grupo se reuniu e apresentou um
levantamento de 143 indicadores socais. Chegou a hora de o grupo selecionar e/ou acoplar
dois ou mais indicadores.
Nesse momento o grupo percebeu que os indicadores repetiam entre as dimensões, o
que demonstrou a capacidade integrativa do instrumental, o que foi percebido de forma
positiva pelo grupo. Isso foi motivo de alegria entre os técnicos, demonstrando que ambos
tinham conseguido coletivamente entender o conceito de indicadores sociais e sua
importância na construção de um instrumental. O grupo discutiu cada indicador, sua função e
operação em cada dimensão. Com relação aos que eram parecidos ou contabilizavam a

427
mesma vulnerabilidade em mais de um item, foi discutido qual seria o indicador mais amplo e
adequado para permanecer.
No final da discussão, o grupo chegou ao total de 47 (quarenta e sete) indicadores
sociais. Alguns dos indicadores levantados foram:
-Famílias em situação de violência intrafamiliar e/ou de âmbito doméstico (criança,
adolescente, mulher, idoso, deficiente); famílias com membros que se encontram em situação
de morte; famílias em descumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família;
-Famílias com um ou mais de seus membros não alfabetizados; famílias não inseridas em
programas de transferência de renda, que se encontram dentro dos critérios de elegibilidade;
-Famílias vivendo com renda per capta inferior a R$ 70,00; famílias vivendo em moradias
ocupadas, cedidas ou alugadas; famílias com um ou mais membros que fazem uso de álcool
e/ou outras drogas ilícitas.
Após o levantamento dos 47 indicadores sociais, o grupo lançou-os na planilha do
Excel. A próxima etapa foi criar uma descrição do que seria cada indicador, visando construir
uma concepção única para interpretar o dado a ser mensurado. Cada técnico se
responsabilizou em elaborar a descrição dos indicadores criados.
Após esta tarefa foi criado para cada indicador uma legenda de gradação (se aplica,
baixo, médio ou alto), tendo como função ampliar as possibilidades e garantir a capacidade de
priorização da Matriz e sua funcionalidade, de acordo com os riscos e as orientações para a
inclusão da família nos diferentes níveis de proteção social. Para isso, o grupo recorreu a
Tipificação dos Serviços Socioassistencias e outras bibliografias, chegando à conclusão que
os indicadores que apresentavam violação de direitos, instaladas com baixa capacidade da
família de garantir sua função protetiva, estariam alocados no índice alto (peso 1,0). O índice
médio (peso 0,5) apresentava situações constantes e graves, mas havia potencialidades na
família que contribuiriam para sanar a determinada vulnerabilidade. Já o índice baixo (peso
0,1) apresentava situações ocasionais, em que a família apresentava vínculo e potencialidades
de enfrentamento.
Assim, a planilha foi estruturada, sendo desenvolvida com fórmulas no Excel que
proporcionaram uma tabulação dos indicadores sociais, evitando que o técnico realizasse
somas manuais. A Matriz planificada no Excel ficou autoexplicativa e automatizada. Ao
preencher os indicadores sociais, observados na família (família inserida no acompanhamento
familiar - PAIF), a planilha classificava por nível de vulnerabilidade, se a família estava no
nível, baixo, médio ou alto, nas respectivas dimensões observadas.
428
A partir desta classificação, a Matriz proporciona subsídios para nortear os técnicos da
assistência social na formulação de um plano de ação, para um acompanhamento mais
eficiente e eficaz ao combate das vulnerabilidades da família. A partir de publicações do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome - MDS, o acompanhamento
familiar “consiste no desenvolvimento de intervenções realizadas em serviços continuados,
com objetivos estabelecidos, que possibilitem à família o acesso a um espaço onde possa
refletir sobre sua realidade, construir novos projetos de vida e transformar suas relações,
sejam elas familiares ou comunitárias.” (Prontuário do SUAS - MDS 2013).
Após a construção desta planilha, o grupo denominou este instrumental de Matriz de
Vulnerabilidade. Em seguida, iniciou um processo de capacitação junto aos técnicos dos
CRAS, CREAS e instituições socioassistencias, para mostrar como utilizar a Matriz e suas
funcionalidades. A partir de Janeiro de 2014, o instrumental, Matriz de Vulnerabilidade,
passou a fazer parte do trabalho dos técnicos do CRAS e CREAS. Assim, uma pessoa e/ou
família, quando inserida no PAIF, imediatamente é aplicado este instrumental.
Contudo, é importante relatar que, desde a sua implementação, a matriz já foi revisada
por duas vezes. Isso demonstra o comprometimento que os técnicos estão tendo em sua
utilização e monitoramento de um instrumental que encontra-se em avaliação.

Considerações Finais

As reflexões teóricas e os relatos de experiência demonstraram que os indicadores


sociais são medidas quantitativas, porém agrega significados sociais. Logo, é um recurso
metodológico capaz de quantificar aspectos de vulnerabilidades sociais que uma família
expressa num dado momento.
Com isso acoplar indicadores sociais que perpassam dentro dos mínimos sociais que
uma família precisa para sobreviver foi uma ideia que surgiu de um grupo de trabalhadores da
Secretaria Municipal de Promoção Social de Poços de Caldas-MG (SMPS) tiveram. É
importante ressaltar que este grupo de trabalhadores se formou enquanto grupo de trabalho
Indicadores Sociais, oriundo de seminários promovidos pela atual gestão.
A gestão daquele ano teve anseios de que há efetividade e eficácia no
acompanhamento que é ofertado as famílias. Para isso tem proporcionado aos trabalhadores
espaços de reflexão para troca de experiência e aprimoramento do conhecimento prático,
teórico e metodológico do cotidiano profissional.
429
Através do grupo de trabalho Indicadores Sociais dos trabalhadores, nasceu uma
Matriz de Vulnerabilidades Sociais, a qual tem servido de instrumento para que o técnico do
SUAS, mais especificamente os técnicos dos CRAS tenham uma visão geral das
vulnerabilidades da família. Por meio dessa matriz, o técnico tem subsídios para priorização
de casos mais graves sobre níveis de complexidade e sobre encaminhamentos para os
serviços, programas e projetos de retaguarda para o acompanhamento familiar sistemático e
contínuo. Proporcionado assim uma maior efetividade quanto à minimização das questões
sociais levantadas na família, fazendo com que a mesma acesse seus mínimos sociais e
obtenha uma melhor qualidade de vida.
A matriz está sendo utilizada pelos profissionais técnicos dos Centros de Referência de
Assistência Social - CRAS que desenvolvem Serviço de Proteção e Atendimento Integral à
Família - PAIF. Após a implementação da matriz como instrumental, a mesma já passou por
duas revisões. Isso demonstra o comprometimento que os técnicos estão tendo na utilização
deste instrumental e monitoramento de um instrumental que encontra-se em avaliação.
É importante informar que, a gestão da Secretaria Municipal de Promoção Social não
autorizou a descrição de todos os indicadores sociais criados e nem a visualização da Matriz
de Vulnerabilidades. E atualmente, a matriz passou a ser chamada de Matriz de Proteção
Social.
Para tanto, percebe-se, então, que esta pesquisa atingiu seu objetivo proposto que foi
mostrar a importância de um instrumental que contemple indicadores sociais básicos que uma
família precisa para ter seus mínimos sociais garantidos, bem como, ser um instrumento
norteador para acompanhamento familiar, instrumental este denominado como Matriz de
Vulnerabilidades. Como sugestão para pesquisa futura, sugere-se pesquisar/avaliar a real
aplicabilidade e efetividade deste instrumental.

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_____, Resolução Nº 109 de 11 de novembro de 2009, Ministério do Desenvolvimento Social


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_____, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome. Norma Operacional


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Contemporâneas. Orgs: DUARTE, Marco José de Oliveira; ALENCAR, Mônica Maria
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Política e Governo da Universidad de Concepcón, Chile, 2006.

432
JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: A RELEVÂNCIA DA INTERVENÇÃO JUDICIAL
PARA ASSEGURAR O DIREITO À SAÚDE DOS PRESIDIÁRIOS (ANÁLISE DA
ADPF 347-DF).

Carlos Eduardo Artiaga Paula*


Kamilla Virgínia Marques Pioli**
Cléria Maria Lôbo Bittar***

Resumo: O presente artigo possui como objetivo realizar uma análise de conteúdo de uma
decisão judicial, intitulada medida cautelar na arguição de descumprimento fundamental
número 347 do Distrito Federal (ADPF 347-DF), proferida pelo Supremo Tribunal Federal
(STF). O documento foi analisado tendo como perspectiva estudar a interferência do
Judiciário para a efetivação do direito à saúde dos presidiários. Na ADPF-347/DF, o STF
analisou uma ação judicial, solicitando a adoção de providências no sistema penitenciário face
à constatação de graves lesões a direitos dos presos, como celas imundas e proliferação de
doenças. Requereu-se, então, a efetivação dos direitos dos presos, previstos em lei,
notadamente o direito à saúde. Constatou-se que a judicialização da saúde traz severos
prejuízos para a gestão pública, pois desorganiza e desestrutura o Sistema Único de Saúde
(SUS), além do Judiciário ser dotado de falhas técnicas que podem privilegiar a indústria
farmacêutica. Em contrapartida a essas críticas, observou-se a relevância da atuação judicial
para consagrar a saúde dos presidiários que, em grande parte, vivem em situações desumanas.
Observou-se a insuficiência de políticas públicas para a melhoria das condições dos detentos,
diante de uma omissão do Poder Público e também porque a população carcerária é um grupo
minoritário que possui, contra si, a antipatia popular. Além disso, as opções políticas nem
sempre são pautadas pela razão ou pela moral, mas encontra-se em consonância com a
simpatia popular e, por fim, apesar da interferência judicial não ter sido bem recebida pela
gestão pública, esta via é um relevante canal de acesso ao cidadão. Concluiu-se que a atuação
judicial é essencial para a consagração e efetivação de direitos, sobretudo no caso dos
presidiários, pois foi o único meio institucional legítimo e hábil para que pudessem exigir a
efetividade dos preceitos constitucionais.

Palvras-chave: judicialização da saúde; presidiários; gestão.

Introdução

A Constituição Federal (CF), promulgada em 1988 (BRASIL, 1988), inaugurou uma

*
Bacharel e Mestre em direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Especialista em direito processual civil.
Docente da Universidade Federal de Viçosa. Doutorando em promoção da saúde pela Universidade de Franca.
**
Bacharela Direito pelo Centro Universitário do Triângulo – Unitri. Advogada.
***
Bacharela em Psicologia e Direito pela Universidade de Franca. Mestre e Doutora em Serviço Social pela
UNESP/Câmpus de Franca. Docente permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Promoção da
Saúde e do curso de Psicologia da Universidade de Franca.

433
nova fase para a saúde pública, consagrando-a como um direito universal e também dever do
Estado (art. 6º e art. 196 da CF). Concomitante ao enforcement do direito à saúde, erigiu-se o
Judiciário como órgão a quem cabia a interpretação final sobre os preceitos constitucionais.
Além disso, este Poder não pode se quedar inerte diante de uma lesão ou ameaça de lesão a
direitos (art. 5º, inc. XXXV da CF) (BRASIL, 1988).
Elevar a saúde como direito e, ainda, conferir ao Judiciário a função de protetor dos
preceitos legais, criou um terreno jurídico propício para a interposição de inúmeras ações
judiciais requerendo a efetivação da saúde, fenômeno este denominado de judicialização da
saúde. Esta teve como marco a Constituição de 1988, mas intensificou-se na década de 90,
sobretudo com os inúmeros processos judiciais requerendo a concessão de medicamentos para
o combate e controle dos sintomas da AIDS (FERREIRA, 2005).
Contudo, a judicialização da saúde não se limitou ao fornecimento de medicamentos
para a AIDS, pelo contrário, esse precedente foi usado pelos cidadãos para requerer,
judicialmente, inúmeros outros bens de saúde, como órteses, próteses, tratamentos médicos e,
sobretudo, medicamentos que corresponde o principal bem requerido judicialmente (FERRAZ
e VIEIRA, 2009). Ocorre que, a cada ano, o número de ações judiciais, interferindo no
Sistema Único de Saúde (SUS), aumenta, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça
(2015). Em 2016, a quantidade de ações judiciais versando sobre o direito à saúde em trâmite
no Brasil alcançou a cifra de 300 mil (LAGUNA e CAMPOS, 2016).
Apesar de ter um forte respaldo legal, que é a previsão constitucional que assegura o
direito à saúde, o fenômeno da judicialização da saúde tem sido alvo de inúmeras e severas
críticas, sendo duas as principais. A primeira versa sobre o fato de que a interferência do
Judiciário desorganiza o SUS, pois o Juiz, ao determinar a concessão de um determinado bem
de saúde, retira do gestor público parte do orçamento e também lhe subtrai o poder de decisão
de como alocar esses recursos (DINIZ et. al., 2012; VENTURA et. al., 2010; MATTA e
MARQUES, 2014; SANTOS, 2017; PEPE et. al., 2010). Trata-se, na verdade, do Judiciário,
de modo atípico, exercendo a gestão do SUS. O Juiz, ainda, ao conceder o medicamento
preocupa-se apenas com a microjustiça, ou seja, realizar o direito à saúde àquele cidadão em
específico, sobretudo porque a gritante maioria das ações de judicialização da saúde são
propostas individualmente com um alto nível de procedência (FERRAZ e VIEIRA, 2009).
Com isso, deixa-se de realizar uma macrojustiça que é alocar os recursos, que são limitados,
para atender o maior número de pessoas possível. Em outras palavras, o Judiciário, ao
conceder o direito à saúde, está agindo conforme a máxima: “faça-se justiça, ainda que pereça
434
o mundo”, desconsiderando os planejamentos financeiros e orçamentários. Tal assertiva é
corroborada com a constatação de que, em 2014, no estado do Paraná, 90 milhões, que
equivale a 15% do orçamento do Estado, foi alocado judicialmente para atender os direitos de
menos de quatro mil pessoas (PALAVRA..., 2015). Por consequência, a interferência judicial
afeta a isonomia e universalidade do SUS, pois muito do que é concedido judicialmente não
está disponível para a população. Logo, quem propõe a ação judicial possui um leque de
serviços e bens do SUS muito mais amplo do que aqueles que não a interpõem. Tal situação é
deveras prejudicial para a igualdade e universalidade do SUS, pois o acesso à justiça ainda é
restrito para uma pequena e privilegiada parte da população, apesar de se reconhecer os
avanços, sobretudo com a atuação da Defensoria Pública. É muito comum, ainda, usar-se da
via judicial para “furar a fila” nos atendimentos, tratamentos e cirurgias disponíveis pelo SUS
(SANTOS, 2017).
A segunda crítica que se faz ao fenômeno da judicialização da saúde são as deficiências
técnicas de que dispõe o Judiciário ao proferir as decisões. Por isso, houve decisões judiciais
anedóticas, como a que determinava o fornecimento de SPA (DEPOIMENTO..., 2013).
Ainda, o Judiciário foi um instrumento usado pela indústria farmacêutica para vender e
também testar seus produtos. Isso ocorreu porque o Juiz decide com fundamento no laudo
fornecido pelo médico. Este por sua vez está intimamente ligado à indústria de medicamentos,
tanto que as prescrições ocorrem pelo nome do remédio e não pelo seu princípio ativo.
Marques e Dallari (2007), ao analisarem decisões judiciais envolvendo o acesso a
medicamentos ao Estado de São Paulo, concluíram que, em 35,5% dos pedidos, constavam o
nome do laboratório farmacêutico e em 77,4% dos casos requeriam um específico
medicamento. Os litigantes não requeriam que as suas doenças fossem tratadas por um
específico composto ou tipo de medicamento, mas queriam um determinado produto. Tal
problema é catalisado pelas deficiências orçamentárias do Judiciário e também pelo elevado
número de ações judiciais.
Apesar das referidas e bem fundamentadas críticas, estas precisam ser mais bem
analisadas e, possivelmente, contraditadas. Nesse estudo, isso foi possível mediante a análise
e estudo da decisão judicial proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na medida
cautelar na arguição de descumprimento de preceito fundamental n.º 347 do Distrito Federal
(ADPF 347-DF) em que requereu-se a “adoção de providências estruturais em face de lesões
a preceitos fundamentais dos presos” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2015, p. 8). O
referido julgamento teve impacto e relação direta com a consagração do direito à saúde e
435
também na criação de políticas públicas que envolviam condições sanitárias para os
presidiários. O que torna esse case importante e que merece este estudo detalhado foi o fato
de que houve uma inércia por parte do Poder Público na melhoria das condições de saúde dos
detentos. Em outras palavras, se não fosse a intervenção judicial, por certo, não seria possível
se alcançar melhores condições de saúde aos presidiários. Logo, a relevância dessa pesquisa
está em se discutir as críticas que se faz à judicialização da saúde a partir do estudo de caso
proposto, qual seja, referente à melhoria das condições de saúde dos presidiários.
Diante do exposto, o presente estudo visa analisar, por meio do estudo de caso do ADPF
347-DF, a (ir)relevância e (im)pertinência da judicialização da saúde para a melhoria das
condições sanitárias do sistema penitenciário. Este objetivo contém o seguinte problema de
pesquisa: a interferência do Poder Judiciário foi relevante e pertinente para assegurar o
direito à saúde dos presidiários?
A metodologia consistiu na análise da decisão judicial proferida no processo, intitulado
medida cautelar na arguição de descumprimento fundamental número 347 do Distrito Federal
(ADPF-347). O documento é autêntico, obtido no site oficial do Supremo Tribunal Federal e
que leva códigos de autenticação da Corte Suprema do Brasil. O documento foi lido e
interpretado pelo método da análise de conteúdo da forma como preconiza Minayo (2006) e
teve como norteador o objetivo desta pesquisa.

Revisão Teórica

As penitenciárias brasileiras, em sua grande maioria, têm sofrido inúmeros problemas,


tais como:

(....) celas superlotadas, imundas e insalubres, proliferação de doenças


infectocontagiosas, comida intragável, temperaturas extremas, falta de água potável
e de produtos higiênicos básicos, homicídios frequentes, espancamentos, tortura e
violência sexual contra os presos, praticadas tanto por outros detentos quanto por
agentes do Estado, ausência de assistência judiciária adequada, bem como de acesso
à educação, à saúde e ao trabalho. Enfatiza estarem as instituições prisionais
dominadas por facções criminosas. Salienta ser comum encontrar, em mutirões
carcerários, presos que já cumpriram a pena e poderiam estar soltos há anos
(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2015, p. 9).

Os problemas acima descritos são ainda mais graves quando observamos o aumento
vertiginoso da população carcerária. Na data de julgamento da APF 347, em 2015, constatou-
se que o Brasil possui uma população carcerária de 600.000, sendo a quarta maior do mundo.

436
Nos últimos 25 anos, observou-se que essa população cresceu mais de 650%. Atualmente, há
uma insuficiência de 206.307 vagas, mas, se todos os mandados de prisão fossem cumpridos,
esse déficit seria de 730 mil vagas (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2015).
Os problemas por que passam as penitenciárias brasileiras está em total divergência com
o que preveem as leis. A lei de execução penal (BRASIL, 1984) prevê, no art. 1º, que a
execução da pena deve “proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado”, devendo conceder-lhe assistência material, à saúde, jurídica,
educacional, social e religiosa (art. 11). Dentre esses deveres, destaca-se: o fornecimento de
alimentação, vestuário e instalações higiênicas (art. 12); assistência à saúde de caráter
preventivo e curativo, compreendendo atendimento médico, farmacêutico e odontológico (art.
14); acompanhamento médico à mulher detenta, principalmente no pré-natal e no pós-parto,
extensivo ao recém-nascido (art. 14, § 3º) que deverão ter à disposição berçário e
amamentação até, no mínimo, 6 meses de idade (art. 83, § 2º); penitenciária com lotação
compatível com a sua estrutura e finalidade (art. 85); direito à cela individual que deverá
conter dormitório, aparelho sanitário e lavatório, sendo um ambiente salubre com fatores de
aeração, insolação, condicionamento térmico adequados à existência humana e com área
mínima de seis metros quadrados (art. 88).
Todos esses direitos têm respaldo na Constituição Federal (BRASIL, 1988) que
assegurara a dignidade humana (art. 1º, inc. III), proibição da tortura, do tratamento desumano
e degradante (art. 5º, inc. III), vedação das punições cruéis (art. 5º, inc. XLVII, “e”),
aprisionamento em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, idade e
sexo do apenado (art. 5º, inc. XLVIII), direito à integridade física e moral do preso (art. 5º,
inc. art. XLIX), além do vasto leque de direitos fundamentais, previstos na CF que não são
abolidos nem suspensos com o advento da prisão que, a priori, deveria acarretar a restrição do
direito de liberdade.
Além dos dispositivos legais, previstos no sistema jurídico pátrio, não se pode esquecer
da vasta gama de tratados internacionais, ratificados pelo Brasil, que asseguram esses mesmos
direitos aos presos, como o Pacto dos Direitos Civis e Políticos; a Convenção contra a Tortura
e outros tratamentos e penas cruéis, desumanos e degradantes e a Convenção Interamericana
de Direitos Humanos.
Ocorre que se contrapormos a realidade social com as promessas, legalmente descritas,
observar-se-á uma grande incompatibilidade de tal modo que as penitenciárias foram
nomeadas no julgamento de “estado de coisas inconstitucional” e também de “verdadeiros
437
infernos dantescos” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2015, p. 9). As falhas no
cumprimento dos deveres legais também são fáceis de se constatar pela incapacidade de
ressocialização do preso. Na verdade, as penitenciárias tornam-se verdadeiras “universidades
do crime”, transformando pequenos infratores em delinquentes contumazes, o que é
evidenciado pelas altas taxas de reincidência e do cometimento de crimes mais graves que os
anteriores. “Essa taxa fica em torno de 70% e alcança, na maioria, presos provisórios”, que
são aqueles ainda não condenados definitivamente (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
2015, p. 26).
Há, então, um forte descumprimento dos imperativos determinados pela lei que é um
documento formal e solene elaborado mediante um processo democrático com a participação
de representantes eleitos pelo povo. É, portanto, a manifestação de vontade popular. Todos
devem observar e atender os dispositivos legalmente previstos e, no caso dos presídios, os três
poderes sofreram críticas por descumprimento de suas funções. O Executivo, por não criar
vagas compatíveis com o tamanho da população carcerária que proporcionaria, dentre outros
direitos, a saúde dos detentos. O Judiciário por não cumprir os trâmites legais envolvendo o
encarcerado, notadamente a audiência de custódia. E o Legislativo, por editar políticas e atos
insensíveis ao cenário carcerário. Observou-se, contudo, que, no caso dos presidiários, o
descumprimento legal é muito maior por parte do Executivo, pois é este que organiza o
sistema penal e, ainda, aloca os recursos público no afã de efetivar as promessas legais.
A ineficiência (ou até inexistência) das medidas tomadas pelos Poderes, notadamente o
Executivo e o Legislativo, é reforçada com o fato de que os presos são uma minoria afastada
do sistema político. Primeiro, porque os detentos não possuem representação política, pois os
criminalmente condenados são impedidos de votar e serem votados, já que têm os direitos
políticos suspensos enquanto perdurar os efeitos da condenação (art. 15, inc. III, CF)
(BRASIL, 1988).
Ademais, não há motivação política para resolver o problema das penitenciárias, pois
existe forte “antipatia” da opinião pública quanto à população carcerária. Melhorar as
condições dos detentos pode implicar em oposição e, com isso, na perda de votos. Ainda,
parte da população vê com bons olhos as condições desumanas por que passam os presos
como uma “recompensa” e “justiça” pelos atos vis que cometeram, esquecendo-se que a
criminalidade, em grande parte dela, é um reflexo das condições sociais desumanas, injustas e
desiguais do atual sistema capitalista, tese esta reforçada com a constatação de que a gritante
maioria da população carcerária é jovem, negra, de baixa escolaridade e de baixa renda
438
(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2015). Em outras palavras, é possível concluir que a prisão no
Brasil ainda é destinada, em sua grande maioria, aos pobres.
Essas consternações sociais são, muitas vezes, emocionais e desprovidos de
racionalidade, pois o preso, em sua grande maioria, não exerce atividade profissional
remunerada, não contribuindo economicamente para a sociedade, além do fato de que a sua
detenção gera um elevado gasto ao Poder Público. Ainda, “o tratamento desumano conferido
aos presos não é um problema apenas dos presos: a sociedade livre recebe os reflexos dessa
política sob a forma de mais violência” (BARCELLOS, 2010, p. 41). Há, portanto, uma “bola
de neve”, facilmente confirmada diante do fato, já mencionado, do aumento vertiginoso da
população carcerária.
A ineficiência/ inexistência das medidas políticas para a melhoria das condições
penitenciárias foi reiteradamente disposta no acórdão (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
2015). Afirmou-se que essa situação fatídica é um “ponto cego legislativo” e que a política se
abstém até de propor soluções para casos moralmente controvertidos e impopulares e, com
isso, sofrer o custo político da decisão. A partir dessa constatação, observou-se que os outros
poderes precisam da intervenção do Judiciário, pois apostam nesse órgão para resolver
aquelas questões sensíveis e delicadas que os representantes, democraticamente eleitos,
voluntariamente se recusam a decidir. O Judiciário torna-se então um instrumento
institucional usados pelos representantes políticos quando estes evitam tomar decisões. Em
outras palavras, as “autoridades públicas se escudam no Estado de Direito e no consectário
dever de observar as ordens judiciais para implementar aquilo que teriam feito
voluntariamente se não temessem custos políticos” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
2015, p. 33-34).
Apesar da intervenção judicial ser uma necessidade, sobretudo no que tange à saúde dos
presos, observou-se forte resistência à interferência judicial, assim como há forte resistência à
ingerência no SUS. Essa constatação foi observada, pois, no documento analisado, em várias
ocasiões, o Judiciário teve que fundamentar os motivos pelos quais estavam fazendo essa
intervenção. Um desses fundamentos foi a referência à teoria do “estado de coisas
inconstitucional”, criada pela Corte constitucional da Colômbia. Segundo a referida teoria,
esse estado permite que o Juiz imponha aos demais Poderes públicos a realização de
providências urgentes e necessárias “ao afastamento das violações massivas de direitos
fundamentais, assim como supervisionar a efetiva implementação” (SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, 2015, p. 12) que é possível mediante os seguintes requisitos: (1) existe
439
transgressão grave e sistemática de direitos humanos; (2) ser imprescindível a atuação do
Judiciário diante de “bloqueios institucionais” dos outros Poderes. Esse segundo requisito foi
fortemente debatido no julgamento do acórdão. Consignou-se que é legítima a interferência
judicial diante do descumprimento das determinações legais, consagrando os direitos dos
presos, o que é causado pela “sistemática inércia e incapacidade das autoridades públicas”
(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2015, p. 26-27). Ainda,

A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes


representa falha estrutural a gerar tanto a violação sistemática dos direitos, quanto a
perpetuação e o agravamento da situação. A inércia, como dito, não é de uma única
autoridade pública – do Legislativo ou do Executivo de uma particular unidade
federativa –, e sim do funcionamento deficiente do Estado como um todo. Os
poderes, órgãos e entidades federais e estaduais, em conjunto, vêm se mantendo
incapazes e manifestando verdadeira falta de vontade em buscar superar ou reduzir o
quadro objetivo de inconstitucionalidade. Faltam sensibilidade legislativa e
motivação política do Executivo. [...]. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2015,
p. 27).

[...] apenas o Supremo [Tribunal Federal] revela-se capaz, ante a situação descrita,
de superar os bloqueios políticos e institucionais que vêm impedindo o avanço de
soluções, o que significa cumprir ao Tribunal o papel de retirar os demais Poderes da
inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações e
monitorar os resultados. Isso é o que se aguarda deste Tribunal e não se pode exigir
que se abstenha de intervir, em nome do princípio democrático, quando os canais
políticos se apresentem obstruídos, sob pena de chegar-se a um somatório de
inércias injustificadas. Bloqueios da espécie traduzem-se em barreiras à efetividade
da própria Constituição e dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos
(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2015, p. 31, grifo nosso).

O resultado da decisão da ADPF 347-DF consistiu em uma séria de determinações,


dentre as quais:

Determinar aos juízes e tribunais realizem, em até noventa dias, audiências de


custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no
prazo máximo de 24 horas. [...] Determinar à União que libere o saldo acumulado do
Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado,
abstendo-se de realizar novos contingenciamentos [...]. Determinar à União e aos
Estados, e especificamente ao Estado de São Paulo, que encaminhem ao Supremo
Tribunal Federal informações sobre a situação prisional (SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, 2015, p. 210).

Tais providências, por certo, não resolverão o problema das penitenciárias brasileiras.
Mas é uma contribuição relevante na solução do problema. No próprio acórdão (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, 2015), registrou-se a necessidade de parcerias intersetoriais no
sentido de se reverter ou amenizar o fatídico quadro por que passa o sistema penitenciário
440
brasileiro. Essa parceria deve ser abrangente e possuir amplo alcance orgânico, envolvendo a
atuação conjunta e complementar dos três poderes nos diferentes níveis federativos e não
apenas envolvendo apenas um órgão ou entidade. Na decisão aventou-se que há, no caso dos
presídios, um “litígio estrutural” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2015, p. 29),
constatado pela necessidade de medidas de amplitude nacional para enfrentar o problema.
Logo, urge novas políticas públicas ou novos arranjos das medidas já existentes, alocação de
recursos orçamentários, mudanças nas instituições, novas intepretações e aplicações das leis,
ou seja, modificações estruturais e o envolvimento sério de uma pluralidade de autoridades
públicas, inserindo-se, nesse contexto, o Judiciário.

Considerações Finais

Esse julgamento paradigmático traz uma importante reflexão às críticas que se faz à
judicialização da saúde, sobretudo para os os críticos que a consideram como um grave
problema que assola o SUS. No caso dos presos, que têm contra si o antagonismo da opinião
popular, a intervenção judicial foi uma das poucas medidas efetivas no afã de tentar controlar
ou ao menos amenizar as condições lastimáveis vivenciadas pelos detentos. Pode-se então
concluir que a intervenção judicial foi essencial para consagrar os direitos à saúde desse grupo
minoritário e marginalizado.
Também pode-se concluir, a partir do estudo de caso realizado, que a gestão pública, da
forma como é hoje, não é livre, nem imparcial e também nem sempre está preocupada em
atender os direitos fundamentais. É, na verdade, carreada de interesses e opções políticas que,
muitas vezes, podem conflitar com as determinações previstas na Constituição e nas demais
leis do nosso sistema político. Esses problemas da administração pública são catalisados pelo
cenário atual, marcado por forte corrupção e crise política. Nesse cenário, a atuação do
Judiciário não é apenas importante, mas é essencial. Em alguns casos, como o dos
presidiários, é a única instância possível, pois: (1) há a obstrução dos canais políticos de
acesso; (2) enquanto, na política, o cidadão precisa da intermediação de um parlamentar ou
gestor público, dotados de autonomia para inclusive, recusar a demanda do indivíduo, no
Judiciário os direitos são exercidos diretamente, sem intermediações; (3) o estudo de caso
possibilitou concluir que as decisões políticas não são sempre racionais e morais. Não são
racionais, pois, conforme mencionado por Barcellos (2010), as condições desumanas dos
presos geram mais violência, refletindo na sociedade, considerando, sobretudo, o elevado

441
índice de reincidência, sem se olvidar do fato do preso, em regra, não integra a população
economicamente ativa. Também não são morais diante da situação degradante e desumana
por que passam os detentos. A condição de inércia do gestor foi, nesse caso, uma opção
política, atendendo aos anseios e à ojeriza social em relação à população carcerária, de modo
que no julgamento foi usada a expressão “populismo penal” (SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, 2015, p. 9). (4) ainda, sob o ponto de vista da gestão pública, a intervenção
judicial não foi desejada, pois houve resistência do Poder Público a esta ingerência. Contudo,
sob o enfoque dos penitenciários, essa intervenção foi requerida e almejada a fim de que os
direitos fossem efetivados. (5) por fim, os poderes políticos – Executivo e Legislativo –
precisam da atuação judicial, sobretudo naqueles temas sensíveis, como a situação das
penitenciária, em que a decisão envolve um alto custo político, como a antipatia da opinião
pública.
O quadro evidenciado levou à conclusão de que questões complexas, como o direito à
saúde e a situação das penitenciárias no Brasil, necessitam da interação e participação
conjunta de todos os Poderes que, de forma dialógica, devem congregar esforços no afã de
solucionar a questão. Logo, ao invés da visão pejorativa da judicialização da saúde, o
Judiciário deve ser visto pela gestão pública como um apoio no sentido de se alcançar e
efetivar o direito à saúde.

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443
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444
O PAPEL DO ESTADO PARA A PROMOÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO NAS
RELAÇÕES DE TRABALHO À LUZ DAS INICIATIVAS GOVERNAMENTAIS
FEDERAIS.

Larissa Marim da Costa*

Resumo: A discussão acerca dos fatores geradores da exclusão social e as desigualdades de


oportunidades de acesso ao trabalho, emprego e renda, é um tema relevante para a análise das
condições necessárias para que as pessoas excluídas tenham condições de adquirir um olhar
crítico sobre a sociedade, bem como desenvolvam a capacidade de buscar seu reconhecimento
e de atuar como agentes sociais, com direito a participar do desenvolvimento do país, que
deve ser de todos e de todas. No Brasil, a problemática da exclusão social das mulheres nas
relações de trabalho remonta à história da organização social do país, que, na sua formação,
teve como base a exploração, a desigualdade, a discriminação e a imposição de um papel
submisso à população feminina. Dessa forma, torna-se relevante a discussão sobre as
desigualdades de gênero nas relações de trabalho, tendo em vista a prevalência da
discriminação entre homens e mulheres, no tocante a remuneração desigual em ocupações de
igual categoria, na discriminação na admissão, promoção ou qualificação. Ademais, a questão
relativa à isonomia entre mulheres e homens não é apenas uma questão de direitos humanos,
mas também uma condição de justiça social, sendo igualmente um requisito necessário e
fundamental para a igualdade, para o desenvolvimento e para a paz. Logo, partindo-se de tal
premissa, o presente trabalho objetivará elucidar acerca do papel do Estado para a promoção
da igualdade de gênero nas relações de trabalho, com ênfase nas iniciativas governamentais
federais, tendo em vista que um dos objetivos fundamentais do Estado é o desenvolvimento
nacional e a erradicação das desigualdades, conforme preâmbulo da Constituição Federal.
Adota-se a metodologia exploratória, descritiva e qualitativa.

Palavras-Chave: Desigualdade de gênero; políticas públicas; iniciativas governamentais


federais.

Introdução

Ao longo da história da humanidade a figura feminina frequentemente esteve


relacionada a aspectos físicos e comportamentais, tais como a beleza e a ternura, seu vulto
sempre foi captado pelos gênios representantes das artes como símbolo da expressão de
fragilidade e meiguice. Todavia, essa imagem nem sempre correspondeu com a realidade,
tendo em vista que a mulher foi instrumentalizada como objeto de prazer, como símbolo da
fertilidade, como a responsável pela reprodução humana.

*
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Planejamento e Análise de Políticas UNESP /Câmpus de
Franca/SP.

445
Entretanto, as diversas formas de discriminação social que marcaram a história
feminina não as fizeram desistir da busca pela igualdade social com os homens,
principalmente nas relações de trabalho.
A situação de desigualdade das mulheres nas relações de trabalho manifesta-se de
formas variadas, como na remuneração desigual em ocupações de igual categoria,
discriminação na admissão, na promoção e na qualificação. Ademais, as mulheres enfrentam
uma dupla ou tripla jornada, pois conciliam o emprego com as responsabilidades familiares.
No Brasil, a problemática da exclusão social das mulheres nas relações de trabalho
remonta à história da organização social do país que, na sua formação, teve como base a
exploração, a desigualdade, a discriminação e a imposição de um papel submisso à população
feminina.
Tendo em vista o panorama da desigualdade que, continuamente, esteve atrelado à
história do Brasil, a Constituição Federal de 1988, instituiu duas normas constitucionais com
o intuito de combater as desigualdades por motivo de sexo, cor, idade ou estado civil, nas
relações de trabalho.
A primeira norma constitucional encontra-se insculpida no artigo 5º da Constituição
Federal, o qual assegura que todas as pessoas “são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza”.
A segunda norma constitucional encontra-se delineada no artigo 7º, inciso XXX, da
Constituição Federal, e dispõe:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de


admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

Sobre esses dispositivos constitucionais, esclarece Delgado (2000, p.101) que foi
extirpado “do direito brasileiro qualquer prática discriminatória contra a mulher no contexto
empregatício - ou que lhe pudesse restringir o mercado de trabalho - ainda que justificada a
prática jurídica pelo fundamento da proteção e de tutela.”
Logo, face às normas constitucionais supramencionadas tem-se que, o primeiro
critério quanto à isonomia disposto na Constituição Federal é no tocante ao sexo. Portanto,
homens e mulheres deverão ser tratados com igualdade de direitos e obrigações.

446
Nesse contexto de igualdade de gênero, no plano do direito interno, em matéria de
igualdade nas relações de trabalho, evidencia-se o art. 5º da Consolidação das Leis do
Trabalho, o qual foi introduzido na parte geral, com o objetivo de ressaltar a importância da
igualdade social nas relações de trabalho.
Estatui o dispositivo 5º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que “para
trabalho de igual valor corresponderá igual salário, sem distinção de sexo.”
Em face da leitura do artigo supramencionado, conclui-se que, o legislador preocupou-
se apenas com a igualdade social entre homens e mulheres no tocante ao plano remuneratório,
esquecendo-se de dispor acerca do primordial: o tratamento dispensado a cada empregado,
bem como os demais aspectos do contrato trabalhista.
Assim, resta clara a concepção patrimonialista que inspirou a Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT) e que ainda impregna o Direito do Trabalho. Leva-se quase sempre em
conta apenas o aspecto pecuniário da relação de trabalho, como se fosse o único decisivo.
Ademais, também é primordial observar que, o art. 5º da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) apenas confere significativa importância à discriminação fundada em motivo
de sexo, como se aí estivesse à única hipótese de discriminação, ignorando as demais.
A desigualdade entre homens e mulheres no âmbito trabalhista manifesta-se de formas
variadas, seja na percepção salarial desigual em ocupações de igual categoria, na
discriminação na admissão, promoção ou qualificação.
Em face da desigualdade de gênero no âmbito trabalhista, tem-se que o Estado possui
um papel importante na busca pela igualdade em gênero, pois incumbe ao mesmo o dever de
promover o bem-estar efetivo aos cidadãos, eliminando, nesta feita, as desigualdades, seja de
qualquer espécie, e principalmente, promover a dignidade da pessoa humana, inclusive, como
está devidamente previsto como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito,
constante no artigo 1º, III, da Constituição Federal.
O Estado tem o dever de promover a conscientização e a igualdade entre os gêneros
por meio de políticas públicas, sejam essas emanadas de iniciativa governamental federal,
estadual ou municipal.
Essas políticas públicas, advindas de iniciativa municipal, estadual ou federal, são
voltadas à equidade entre os sexos e se constituem num instrumento ao combate às
desigualdades, contribuindo, dessa forma, para a garantia dos direitos fundamentais a todos.
As políticas públicas destinadas a promover a igualdade de gênero, surgiram a partir
de propostas e reinvindicações emanadas dos movimentos sociais, com o objetivo de
447
transformar valores, ideias, comportamentos e atitudes, a fim de estabelecer o princípio da
isonomia de gênero, expresso na lei brasileira. Essas políticas públicas originam-se de
instituições governamentais ou até mesmo não governamentais.
Ante o contexto apresentado é que se insere o papel do Estado, bem como a
importância das medidas governamentais federais, os quais, de forma conjunta, atuam no
sentido da promoção da equidade de gênero nas relações de trabalho.
No Brasil, quanto às medidas governamentais federais no intuito da promoção da
igualdade de gênero nas relações de trabalho, destaca-se o II Plano Nacional de Políticas para
as Mulheres, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República – SPM/
PR, o qual foi lançado em março de 2008, com o papel fundamental de articular a
formalização das políticas de promoção da igualdade de gênero no âmbito governamental.
Já no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, destaca-se a criação no ano de
1996, do Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação
- GTEDEO (Decreto de 20 de março de 1996), o qual possuía os seguintes objetivos: Definir
programa de ações que visem o combate à discriminação no emprego e na ocupação; Propor
estratégias de implementação de ações de combate à discriminação no emprego e na
ocupação; Sugerir entidades ou órgãos para a execução das diferentes ações programadas;
Propor atos normativos que se fizerem necessários à implantação das ações programadas.
O Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação
– GTEDEO, teve como estopim para sua criação o reconhecimento formal da existência de
problemas de discriminação, principalmente de gênero e raça, no emprego e nas relações de
trabalho no Brasil.
Ressalta-se ainda no plano governamental federal, a criação do programa Pró-
Equidade de Gênero e a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM, o
qual foi criado pela Lei n° 7.353/1985.
O programa Pró-Equidade de Gênero possui o objetivo de alcançar a equidade de
gênero no mundo do trabalho, contribuindo para a eliminação de todas as formas de
discriminação no acesso, na remuneração e na permanência no emprego. Ademais, o
programa Pró-Equidade de Gênero conta com a parceria do Fundo de Desenvolvimento das
Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) e da OIT.
Quanto ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM, esse foi criado pela
Lei n° 7.353/ 1985, sendo que inicialmente era vinculado ao Ministério da Justiça.

448
Em 2003, com a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da
República – SPM/ PR, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM passou a fazer
parte da sua estrutura básica, com a finalidade de formular e propor diretrizes para as ações
governamentais de promoção de direitos das mulheres, além de se constituir em importante
instância de participação e controle social, estabelecendo-se como um imprescindível canal de
diálogo do Governo com os movimentos feministas e de mulheres.
Cabe ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM o papel fundamental de
articulação com órgãos e entidades públicas e privadas, visando incentivar e aperfeiçoar o
relacionamento e o intercâmbio sistemático sobre a promoção dos direitos da mulher, além de
promover o diálogo com os movimentos de mulheres e feministas, conselhos estaduais e
municipais dos direitos da mulher e outros conselhos setoriais.
Apoiando a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República –
SPM/ PR na articulação com outros órgãos da administração pública federal e os Governos
estaduais, municipais e do Distrito Federal, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher –
CNDM assegura o estabelecimento de estratégias comuns de ações para a igualdade de
gênero.
Salienta-se que, apenas foi dado destaque a algumas medidas governamentais federais
destinadas a superação ou minimização da discriminação de gênero nas relações de trabalho,
através da instituição de políticas de promoção da igualdade de gênero, todavia, existem
outras medidas instituídas com o mesmo propósito e que caminham no sentido da busca pela
igualdade de gênero no âmbito trabalhista.
Nesse diapasão, pode-se notar a forte contribuição das inciativas governamentais
federais no sentido de demonstrar o papel ímpar exercido pelo Estado na busca pela equidade
de gênero nas relações de trabalho.
As iniciativas governamentais federais na área do combate à discriminação da mulher
nas relações de trabalho refletem a agenda dos movimentos e organizações de mulheres e de
movimentos feministas, que vem buscando mudanças nesse cenário.
Ademais, a perspectiva de igualdade de gênero nas relações de trabalho vem sendo
incorporada pela ação governamental federal, a qual se volta à transformação de relações de
gênero, que é marcado pela subordinação feminina.
Cumpre salientar que, entre as ações governamentais federais e a submissão das
mulheres nas relações de trabalho, há um terreno intermediário associado a um processo de
transformação, em que alguns temas da agenda de gênero e algumas das abordagens propostas
449
por movimentos e entidades de mulheres são incorporados, de forma gradual, abrindo, assim,
caminho para transformações mais profundas.
Entretanto, a busca pelas transformações não deve caber somente ao Estado, através de
iniciativas governamentais, mas também a sociedade civil, pois àquele incumbe
instrumentalizar a implementação de políticas sociais, e a esse, como participante, cabe
exercer o controle social dessas políticas.
Ressalta-se que, para a democracia, a igualdade entre mulheres e homens é um
requisito básico para a observância de direitos fundamentais das pessoas, logo, partindo-se de
tal premissa, esse trabalho objetiva elucidar acerca do papel do Estado, à luz das iniciativas
governamentais federais, ante a promoção da igualdade de gênero nas relações de trabalho, a
qual é assegurada na Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A análise do papel do Estado, por intermédio de ações governamentais, na promoção
da dignidade humana para a emancipação da mulher é de extrema importância para a crítica
de uma sociedade que se encontra em desenvolvimento e constantemente na busca pela
inibição das desigualdades.
Diante do exposto, o trabalho torna-se relevante na medida em que estabelece uma
correlação com o eixo temático 4 (Desenvolvimento Social e Gestão de Políticas Públicas:
construindo indicadores).

Objetivos do Trabalho

O objetivo geral do trabalho é viabilizar a construção de um olhar não apenas


observador, mas também crítico e inovador em face da contradição existente entre as normas
legais proibitivas de desigualdade por motivo de sexo nas relações de trabalho, e a constante
prevalência de tal desigualdade nas relações de trabalho, configurando evidente afronta ao
ordenamento jurídico.
Quanto ao objetivo específico, esse consiste em demonstrar o papel relevante do
Estado para a formação de igualdade de oportunidades nas relações de trabalho através da
instituição de políticas públicas criadas pela iniciativa governamental federal.
Por fim, o presente trabalho almeja apresentar o tema com clareza e objetividade,
disponibilizando informações essenciais à discussão e dando maior tratamento a temática.

450
Metodologia

A metodologia adotada é a pesquisa exploratória, tendo em vista que envolve


levantamento bibliográfico, bem como descritiva, pois abrange análise documental, e
qualitativa que de acordo com Mynayo (2001, p.21) a pesquisa qualitativa “(...) trabalha com
o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde
a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis”.
O trabalho tem como objetivo geral viabilizar a construção de um olhar não apenas
observador, mas também crítico e inovador em face da contradição existente entre as normas
legais proibitivas de desigualdade por motivo de sexo nas relações de trabalho, e a constante
prevalência de tal desigualdade nas relações de trabalho, configurando evidente afronta ao
ordenamento jurídico.
Para tanto, foi necessária à utilização do método de levantamento bibliográfico, o qual
segundo Fonseca (2002, p.32) “(...) qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa
bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto.”
Existem, porém pesquisas científicas que se baseiam unicamente na pesquisa bibliográfica,
procurando referências teóricas publicadas com o objetivo de recolher informações ou
conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta, conforme
Fonseca (2002).
Quanto à investigação pretendida no objetivo específico, utilizou-se a análise
documental e a pesquisa bibliográfica. No que tange a análise documental, dispõe Bravo
(1991, p.41) que “(...) são documentos todas as realizações produzidas pelo homem que se
mostram como indícios de sua ação e que podem revelar suas ideais, opiniões e formas de
atuar e viver. Nesta concepção é possível apontar vários tipos de documentos: os escritos; os
numéricos ou estatísticos...”. Quanto à pesquisa bibliográfica, conforme Gil (2008, p.50),
“(...) a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, como livros de
leitura corrente, livros de referência e publicações periódicas (jornais e revistas).”
Assim, busca-se á partir do trabalho fornecer maiores informações que contribuirão e
darão maior embasamento ao papel do Estado na promoção da igualdade de gênero nas
relações de trabalho, sendo que, para isso, foi necessário dar maior atenção às políticas
públicas emanadas da iniciativa governamental federal, como forma de fazer um recorte no
universo da pesquisa, o qual se apresentava muito extenso.
451
Discussão Teórica

Em face da desigualdade social das mulheres nas relações de trabalho, a Constituição


Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho instituíram dispositivos legais no combate a tal
problemática, os quais não estão tendo sua devida eficácia no plano fático.
Ante o contexto apresentado é que se insere o papel do Estado e as políticas públicas
de promoção de igualdade de gênero nas relações de trabalho oriundas da iniciativa
governamental federal.
No Brasil, quanto às medidas governamentais federais no intuito da promoção da
igualdade de gênero nas relações de trabalho, destacam-se alguns programas: - II Plano
Nacional de Políticas para as Mulheres, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da
Presidência da República – SPM/ PR; - Grupo de Trabalho para a Eliminação da
Discriminação no Emprego e na Ocupação - GTEDEO (Decreto de 20 de março de 1996); -
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM, o qual foi criado pela Lei n° 7.353.
Assim sendo, tem-se que o Estado tem como papel ser garantidor do princípio da
dignidade da pessoa humana, proporcionando, assim, o desenvolvimento capaz de ocasionar à
verdadeira e efetiva emancipação da mulher, nos diferentes âmbitos em que convive.
Cabe ao Estado instrumentalizar a implementação de políticas sociais, através de
iniciativas governamentais, e à sociedade civil, como participante, cabe exercer o controle
social dessas políticas.
Por intermédio das políticas públicas emanadas das iniciativas governamentais
federais, pode o Estado promover a essência da emancipação feminina, auxiliando, assim, na
promoção da igualdade de gênero nas relações de trabalho.

Considerações Finais

Pela mobilidade e constante evolução da organização social, medidas legislativas


instituídas tornam-se transitórias e progressivamente ineficazes, sendo assim requer-se a
consequente discussão e o desenvolvimento de novas medidas.
Destarte, vislumbra-se a relevância do tema apresentado, pois ainda que a Constituição
Federal tenha instituído normas destinadas à promoção da igualdade de gênero nas relações de

452
trabalho, conforme artigo 5º1 e artigo 7º2, inciso XXX, bem como a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) em seu artigo 5º3, depara-se que na prática não há a aplicação dessas normas
legais, com a consequente prevalência da desigualdade de tratamento entre homens e
mulheres.
Dessa forma, o Estado encontra-se ligado às questões de divisão sexual do trabalho,
bem como ao combate contra a discriminação da mulher no trabalho, tendo em vista seu papel
de garantidor da eliminação das desigualdades.
Diante do desenvolvimento da sociedade é necessário que o Estado, acompanhando o
anseio social, promova condições de garantir às mulheres a realização dos direitos
fundamentais, os quais são assegurados pela Constituição Federal.
Cabe ao Estado formular políticas de desenvolvimento, havendo um limite entre o
poder de descentralizar sua obrigatoriedade enquanto detentor das atividades inerentes ao
desenvolvimento, cumprindo devidamente os ditames constitucionais.
A necessidade de concretização de direitos se realiza por intermédio das prestações
positivas do Estado, considerando que os obstáculos que surgem à concretização dessas
obrigações devem ser elucidados para que se busque uma superação, por uma reestruturação,
de modo que os interesses e os direitos sociais sejam garantidos com o desenvolvimento de
políticas públicas (BERCOVICI, 2006).
Assim sendo, ante a todo o elucidado, busca o trabalho mostrar um panorama das
desigualdades de oportunidades de acesso ao trabalho, emprego e renda, entre homens e
mulheres, objetivando demonstrar a importância da ação Estatal, através de políticas públicas
emanadas da inciativa governamental federal, para combater e prevenir as desigualdades para
com as mulheres.
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2
Artigo 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social:XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo
de sexo, idade, cor ou estado civil;In: BRASIL. Constituição, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 25. Out. 2016.
3
Artigo 5º. A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo.In: BRASIL. Lei
nº 5.452, de 1º de maio de 1943.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
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453
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455
PARTICIPAÇÃO POPULAR NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO,
EMPREGO E RENDA

Anna Frias*

Resumo: Atualmente, as propostas acerca das políticas públicas sofreram significativa


inflexão na produção e reprodução social que se desenvolvem desde meados dos anos 1980 e
início dos anos 1990. No período da redemocratização brasileira, regulamentou-se as
principais políticas públicas do país, ampliando as bases da organização de um Sistema
Público de Emprego. Hoje, a crise econômica mundial tem criado impactos políticos e sociais,
e buscado aprofundar as estratégias que o capitalismo utiliza para se manter enquanto modelo
de sociedade: reestruturar o modo de produção e de Estado. Este passa a assumir um papel de
distanciamento das políticas públicas, direcionando-as para a sociedade civil, mas mantêm
altos investimentos no mercado. Intentamo-nos ater às formas de participação popular nas
políticas públicas de Trabalho, Emprego e Renda do país e às mudanças observadas no seio
das organizações sociais na garantia desses direitos, de 1980 até 2015. A proposta desta
pesquisa reflete a questão da democracia participativa nas políticas públicas, na busca da
construção de um sistema societário mais justo e igualitário. A análise acerca dessas
proposições utiliza o método materialista histórico dialético, para apreensão da totalidade e
seus processos mediativos, como pesquisa qualitativa. As formas de pesquisa dar-se-ão
através de estudos bibliográficos e documentais, com coletas de dados e a realização de
entrevistas semiestruturadas. A solidez e os resultados poderão ser encontrados ao longo de
seu desenvolvimento; por ora, é-nos possível identificar a necessidade de ampliação das
formas de democracia participativa, onde apreendam as demandas reais pela formulação,
implementação e efetivação das PPTER. Destarte, trazendo experiências teóricas e práticas,
para possibilidades de ações estatais, almejando a reflexão propositiva ao desenvolvimento de
políticas inclusivas e melhoria da qualidade de vida da população, uma vez que o trabalho se
encontra como categoria central no desenvolvimento humano, devendo ser alvo de diálogo e
intervenções na gestão pública.

Palavras-chave: Estado - políticas públicas – participação

Introdução

A política de Trabalho, Emprego e Renda a ser analisada é coordenada pelo


Ministério do Trabalho, financiadas principalmente pelo Fundo de Ampara ao Trabalhador
(FAT), de forma participativa, descentralizada e com contrapartidas dos Estados. Algumas

*
Bacharela em Serviço Social pela UNESP/Câmpus de Franca, Mestranda em Planejamento e Análise em
Políticas Públicas pela mesma instituição.

457
ações principais giram em torno dos seguros-desempregos, qualificação e requalificação
profissional e programas voltados à geração de emprego e renda. A composição e gestão do
Fundo se dá através de um Conselho deliberativo do FAT (CODEFAT), composto por
representante dos trabalhadores, empregadores e governo. Eles elaboram diretrizes para
programas, acompanhamento e avaliação de seus impactos sociais, contribuem para
aperfeiçoamento da legislação e o papel do controle social na execução destas políticas. Com
essa mesma estrutura, as comissões e conselhos também tem importante papel nas políticas de
trabalho emprego e renda.
A CF de 88, Art. 22, diz sobre o que Compete privativamente à União legislar
sobre direito do trabalho, em XVI – organização do sistema nacional de emprego e condições
para o exercício de profissões, e a Emenda Constitucional 72, de 2013. Altera a redação do
parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos
trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais.
Além das “garantias” da constituição, diante desses cenários de crise, abordados sucintamente
de modo introdutório neste projeto de pesquisa, o governo brasileiro assumiu perante a
Organização Internacional do Trabalho — OIT —, em 2003, o compromisso de estabelecer
um programa de cooperação técnica para elaborar uma agenda nacional do trabalho
“decente”, com a promoção de emprego de qualidade, a extensão da proteção social e o
respeito aos princípios e aos direitos fundamentais do trabalho1.

O Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente — PNETD —, lançado em maio


de 2010 na ocasião da 1ª Conferência Nacional de Trabalho Decente, resultou de um
amplo processo de consulta tripartite, de diálogo e de cooperação entre diversos
órgãos do governo. Nele se define trabalho decente como trabalho produtivo
adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e
segurança, capaz de garantir uma vida digna.
Foram estabelecidas três prioridades no Plano, com o objetivo de reduzir a
informalidade, a rotatividade no emprego, as desigualdades de gênero, raça e etnia,
bem como de aumentar os rendimentos e a produtividade e de melhorar as condições
de segurança e de saúde nos locais de trabalho.
A primeira delas é gerar mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades
e de tratamento, por meio de investimentos em setores estratégicos para esse fim; da
manutenção da política de valorização do salário mínimo; do fortalecimento do
sistema público de emprego, trabalho e renda, de forma a integrar as políticas de
qualificação profissional, de intermediação de mão de obra e de seguro-desemprego;
do fortalecimento da proteção social aos trabalhadores e suas famílias; e de políticas
que possibilitem a transição da informalidade para as atividades formais.
A segunda é erradicar o trabalho escravo e o trabalho infantil, por meio da
implementação, do monitoramento e da avaliação dos Planos Nacionais de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e de Enfrentamento da Violência Sexual contra

1
Informações contidas em “Trabalho, emprego e renda” do site oficial da Assembléia de Minas Gerais, 2013.

458
Crianças e Adolescentes e do II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
(MINAS GERAIS, 2013, online).

Cabe a nós, ao longo da pesquisa proposta, analisar a efetividade ou não destas


propositivas legais. Assim, de um modo geral, se faz necessário analisar qual o papel do
Estado na sociedade atual, como se tecem as teias das políticas públicas de Emprego,
Trabalho e Renda no Brasil e compreender a participação popular da sociedade civil na
construção e implementação dessas políticas. Nessas tramas, nos parece essencial refletir
sobre as diversas formas de construção social no que estimula a luta de classes, as
organizações populares e como estas colocam seus ideais em prática na buscada garantia de
seus direitos e desenvolvimento social da sociedade.
Também é importante aprofundar, a dinâmica do “mundo do trabalho”, suas
principais transformações e características atuais para compreender como se dão as políticas
propostas a esta pesquisa. Os ensinamentos de Marx, como mensurado por Harvey (2001),
para uma pesquisa com cunho classista de análise conjuntural das temáticas citadas no
parágrafo anterior, remetem aos termos de “valor, trabalho e capital”, que estão “separando-se
e reunindo-se continuamente em novas combinações, numa luta interminável para chegar a
um acordo com os processos totalizantes do capitalismo” (OLLMAN apud HARVEY, 2007,
p. 55).
A força social necessária para se efetivarem as políticas públicas de Emprego,
Trabalho e Renda se articulam com os movimentos e organizações sociais e de trabalhadores
que partem de uma mesma raiz, ou seja o avanço do capital em detrimento da classe
pauperizada.

A temática escolhida diz respeito ao próprio movimento das coisas em nossa


sociedade, onde os direitos dos cidadãos são cada vez mais sucateados e as políticas públicas
sofrem cada vez mais ataques por parte do próprio Estado com o avanço neoliberal. O avanço
e a perpetuação da precariedade moderna desabam no tempo como uma espécie de emblema
do Capital sobre determinada classe. Esse trabalho também intenta-se denunciante da
degradação das políticas públicas de trabalho e renda e da sanção de espaços coletivos em
forma de corporativismos.
Busca-se com esse trabalho projetar e difundir estudos para os que há anos no
Brasil enfrentam a pobreza e a calamidade que se materializa em favorecimento do lucro e da

459
sobreposição social. A intenção é não só dialogar com a resistência como também difundi-la
em meios acadêmicos e populares.
Espera-se poder realizar uma contribuição que perceba a flexibilização dos
direitos como parte integrante de desigualdades maiores. A fim de que se dispersem estas
reflexões comprometemo-nos em publicar, apresentar trabalhos sobre o este tema e fortalecer
as discussões que elencam as políticas públicas de trabalho e renda e respectivamente a
participação da população como circunstanciais no entendimento da sociedade brasileira.
Como resultado final, almeja-se a produção de uma dissertação que contribua
qualitativamente com o horizonte intelectual e profissional daqueles que se comprometem em
trabalhar com políticas públicas de qualidade. Tal resultado se dará pela completude do
trabalho, através de publicações em periódicos da área e em apresentações próprias do meio
acadêmico.

Objetivo Geral

 Analisar a participação popular nas políticas públicas brasileirasde Emprego, Trabalho


e Renda à partir da redemocratização da década de 1980 até 2015, em uma perspectiva
da conquista/garantia de direitos.

Objetivos Específicos

 Analisar o papel do Estado na sociedade atual e os processos de construção,


implementação e efetivação das políticas públicas de Emprego, Trabalho e Renda;
 Compreender os processos de participação popular nas políticas públicas brasileiras
desde a redemocratização dos anos de 1980;
 Analisar as transformações ocorridas na organização social, no que tange o mundo do
trabalho e suas entidades representativas que tiveram participação ativa na história das
políticas públicas brasileiras à partir da década de 1980;
 Contribuir com o debate acerca da participação popular na vida social pública,
especificamente, no debate das políticas públicas de Emprego, Trabalho e Renda.

460
Metodologia

O método utilizado será a pesquisa bibliográfica, documental e de campo de


cunho materialista dialético, de acordo com teorias sociais desenvolvidas sobre o tema
proposto. Será realizado este trabalho, portanto, para analisar os movimentos que a compõem,
pensando os sujeitos atingidos e seu impacto social. Se faz necessário pensar o método da
pesquisa de forma que se enquadre em preceitos “dentro de uma sociologia de classe” que

[...] possua instrumentos para perceber o caráter de abrangência das visões


dominantes [...] (e) perceba também as especificidades do sistema e suas relações
contraditórias com a dominação; defina a origem e a historicidade das classes na
estrutura do modo de produção [...] (MINAYO, 1998, p. 15).

Para a Pesquisa Social, a Metodologia se dará de forma qualitativa, pois o


“universo da produção humana que pode ser resumido no mundo das relações, das
representações e da intencionalidade e é objeto da pesquisa qualitativa dificilmente pode ser
traduzido em números e indicadores quantitativos”. (MINAYO, 2004, p. 21).
No que tange Metodologia de Análise, serão utilizadas teorias clássicas e
contemporâneas, para compreensão acerca da política e economia atual, a conjuntura
histórico-real da sociedade de acordo com a proposta da pesquisa.
Além disso, serão realizadas entrevistas com assistentes sociais que pensam e
discutem as políticas públicas numa conotação de participação popular, e entrevistas com
representantes dos principais sindicatos que atuaram, desde idos de 1980, na construção das
principais políticas públicas hoje instituídas.
A problemática deste projeto de pesquisa se dá de acordo com o agravamento da
questão social. A desigualdade de classes nos coloca várias contradições, que se tornam mais
visíveis a cada dia com o avanço do sistema capitalista e dos ideários neoliberais. É
necessário, portanto, a busca de um referencial teórico que consiga dialogar criticamente à
respeito da totalidade e da sociabilidade burguesa.
Em sintonia com o aporte teórico da práxis histórica, pretende-se compreender os
reais processos de transformação nas formas de organizações sociais para daí se pensar as
políticas públicas como se dão hoje, apontando os ataques do neoliberalismo às principais
políticas públicas e como estas se flexibilizam juntamente às formas de trabalho e emprego, e
repercutem na vida dos cidadãos como um todo.

461
O aporte teórico desta pesquisa é justificável quando se leva em conta as
problemáticas apresentadas e os resultados esperados com o trabalho. Para que se dimensione
os percalços trazidos com as políticas públicas e o visível agravamento da questão social em
sua totalidade, faz-se necessário lançar mão de perspectivas que abarquem os entraves postos
pelo capital e de como este faz sucumbir, diante da especulação e do lucro, toda forma de
sanção de políticas públicas.

Discussão Teórica

Com a industrialização e o aumento da pobreza nos setores urbanos,


sumariamente, houve um quadro composto por várias dificuldades em relação às questões
públicas da sociedade como um todo. A filantropia e o controle social direcionavam as
políticas sociais. Já no século XX, o anarco-sindicalismo e os ideários socialistas marcavam o
enxame de movimentos sociais que tanto organizavam o “auxílio coletivo” quanto as
reivindicações de proteção social por parte do Estado.
Na “Segunda República”, a“Era Vargas” –de 1940 a 1945 –centraliza o poder do
Estado, através do ideário nacionalista de intervenção nas relações econômicas e sociais,
acentuando-se os processos de “industrialização e urbanização”, e

A organização sindical, fortemente controlada pelo Estado, torna-se base de políticas


de proteção social corporativas, gerando o que temos chamado uma “cidadania
regulada”, pois os direitos trabalhistas e sociais são reconhecidos apenas a uma
parcela muito restrita dos trabalhadores formais (ALBUQUERQUE,2006, p. 10).

Os trabalhadores informais se mantinham à margem das garantias de direitos, e as


políticas sociais se davam de forma “higienista”, aos que de alguma forma, “ameaçavam” o
status quo. Alguns institutos dão bases à formas de assistência médica e habitacional aos
trabalhadores regularizados, ainda assim, as questões de saúde eram voltadas aos “grupos
prioritários2”.
Em meados de 1970, um grande conjunto de mudanças fora desencadeado,
afetando sistematicamente o modo de produção, tanto no objetivo de “recuperar” os níveis de
“acumulação e reprodução do capital” quanto de repor as forças que vinham sendo perdidas,
dentro do espaço produtivo, desde as “explosões da década de 1960”, quando as “lutas sociais
do trabalho passaram a reivindicar diretamente o controle social da produção”.

2
Mulheres grávidas e bebês, pessoas com doenças contagiosas.
462
A “vitória” da democracia no Brasil com a Constituição Federal de 1988 e o
resultado das lutas sociais e da organização de diversos setores da sociedade coincide com um
ardiloso movimento neoliberal que se dissemina em todo o mundo, eclodindo juntamente às
“crises dos Estados Nacionais frente à reorganização global da economia e do mundo do
trabalho e ao fim da guerra fria” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 12).

Crises econômicas, fiscais, inflacionárias, abertura financeira e industrial


provocaram, de forma diferenciada, a busca dos Estados latino-americanos por
soluções que incluíram a adoção de ajustes fiscais e neoliberais de reformas do
Estado. No Brasil, este movimento ocorre a partir do governo Collor de Mello
(1990), observando-se então um forte refluxo na implementação das políticas
aprovadas na constituição, dois anos antes” (ALBUQUERQUE, p. 12, 2006).

Na década de 1990,

sofremos um profundo e organizado ataque das políticas neoliberais, de


privatizações das políticas públicas, desmonte do poder e da política, dos
orçamentos e recursos destinados aos setores mais pobres da sociedade, de Estado
mínimo e mercado máximo, desregulamentação dos direitos trabalhistas,
crescimento das terceirizações e das precarizações das relações de trabalho,
desemprego, abandono da saúde e educação públicas, crescimento do espaço
privado, individualismo, da idéia de cada um por sí, da propaganda, da mercadoria,
do consumo, e da agressiva tentativa de esvaziamento dos espaços de participação
pública, dos movimentos sociais, dos sindicatos (MOLINA, online, 2011).

Nota-se, claramente uma “contrarreforma” do neoliberalismo que coloca


empecilhos e barra a aprovação de várias leis que viriam a regulamentar as políticas sociais de
direitos. Retrocede na garantia de direitos, intensifica o poderio do conservadorismo e ajusta
os orçamentos nacionais aos interesses internacionais na busca de equacionar o pagamento da
dívida externa. É muito contrastante a uma legislação considerada avançada a extrema
limitação dos resultados obtidos nas áreas das políticas públicas, que

apresenta a mobilização constante de segmentos da sociedade civil democráticos que


avançam na participação cidadã e no controle social, construindo sistemas de
informações mais avançados [...] e, por outro lado, a total incapacidade do Estado
em financiar estas políticas (ALBUQUERQUE, 2006, p. 13).

Para melhor compreensão das transformações no âmbito relacional entre


sociedade e Estado, no que determina as políticas sociais e públicas, se faz preciso considerar
os aspectos sociais e políticos de forma mais ampla. A década de 1990 apresenta mudanças
substanciais, vinculadas à crise capitalista dos anos 1970. Ricardo Antunes (2000), acerca das
dimensões da crise estrutural do capital, nos aponta que
463
Após um longo período de acumulação de capitais, que ocorreu durante o apogeu do
fordismo e da fase keynesiana, o capitalismo, à partir do início dos anos 70,
começou a dar sinais de um quadro crítico, cujos traços mais evidentes foram: 1)
queda da taxa de lucro, dada, dentre outros elementos causais, pelo aumento da força
do trabalho, conquistado durante o período pós45 e pela intensificação das lutas
sociais dos anos 60, que objetivaram o controle social da produção. A conjugação
desses elementos levou a uma redução dos níveis de produtividade do capital,
acentuando a tendência decrescente da taxa de lucro; 2) o esgotamento do padrão de
acumulação taylorista/fordista de produção [...]; 3) Hipertrofia da esfera financeira,
que ganhava relativa autonomia frente aos capitais produtivos [...]; 4) a maior
concentração dos capitais graças às fusões entre as empresas monopolistas e
oligopolistas; 5) a crise do WelfareState e seus mecanismos de funcionamento,
acarretando a crise fiscal do Estado Capitalista e a necessidade de retração dos
gastos públicos e sua transferência para o capital privado; 6) o incremento acentuado
das privatizações, tendência generalizada à desregulamentações e à flexibilização do
processo produtivo, dos mercados e da força de trabalho, entre tantos elementos
contingentes que exprimem esse novo quadro crítico (ANTUNES, 2000, p.29).

As raízes da crise atual vem da estagnação passada, cíclica e estruturalmente, e os


prejuízos das crises vão sempre para a conta dos trabalhadores, como forma de ajustes fiscais,
corte de gastos públicos e demais formas de flexibilização de direitos e serviços sociais.
Em acordo com Mészàros, Antunes (ibidem) aborda sobre as debilidades dos
mecanismos de controle, que se expressam pela “ausência de unidade”, pela fragmentação
posta pelo modo de produção atual. Ainda assim, os antagonismos sociais se manifestam
através dos “conflitos e confrontações fundamentais entre forças sociais hegemônicas
alternativas”. Antagonismos estes que se moldam pelas condições históricas com maior ou
menor densidade, “favorecendo de forma predominante o capital sobre o trabalho”, contudo,
mesmo com as vitórias do capital, esses antagonismos nunca se eliminarão, porque são
estruturais (idem: 49).
A dinâmica capitalista mais recente, de acumulação flexível, dificulta algumas
noções de trabalho coletivo. Campregher (2004), sobre as possibilidades do indivíduo ser
“mais universal e mais vinculado à humanidade”, deve desenvolver trabalho seja ele na
dimensão produtora de bens e serviços, seja produtora de organização social. Para ela, o
capitalismo coloca, em suas próprias contradições, as possibilidades de sua superação, e que a
classe trabalhadora, por mais que não seja aquela mesma classe conhecida tradicionalmente
por proletário industrial, ainda constitui suas formas diversas de “solidariedade de classe”,
que “dizem respeito à consciência dos direitos de cidadania e ao pertencimento de um
território estruturado pelo trabalho” (NEGRI apud CAMPREGHER, 2004, p. 127).
“Estão abertas as possibilidades para que o trabalho possa assumir o seu papel de
sujeito das transformações sociais, culturais, políticas e econômicas de nossa época” e os
464
“povos miseráveis retiram suas esperanças da libertação da miséria do desenvolvimento do
trabalho” (NEGT apud CAMPREGHER, 2004, p. 128). A autora continua na ideia de que
essas possibilidades também são abarcadas pelo sentimento comum da perda de todas as
formas de propriedade, e para nós, cabe a análise também da perda dos direitos e das
conquistas sócias, como pontos positivos par a unificação do sujeito coletivo, pois “sobrou
para o capitalismo a defesa do puro individualismo3”.
Há inúmeras questões quanto às análises sociopolíticas da centralidade do
trabalho, dos rebatimentos dos períodos de crise, da realocação da dinâmica econômica
“como consequência e não causa das desigualdades sociais e distributivas”, assim como a
“questão do Estado enquanto articulador fundamental do espaço efetivamente público – no
centro da disputa pela hegemonia social”, das relações entre território e produção e entre
produção e cidadania. (CAMPREGHER, 2004, p.133).
Castel (1995) também desenvolve a ideia da sociedade atual como cada vez mais
individualizada, e que

O fato de existir como indivíduo e a possibilidade de dispor de proteções mantém


relações complexas, pois as proteções decorrem da participação em coletivos. Esse
tipo de implicação em coletivos assegurava, ao mesmo tempo, a identidade social
dos indivíduos – a proteção máxima. Todavia, nesta sociedade, existem formas de
individualização que poderiam ser classificadas de de individualismo negativo, que
são obtidas por subtração em relação ao cadastramento em coletivos. Assim, chama-
se individualismo porque se declina em termos de falta – falta de consideração, falta
de seguridade, falta de bens garantidos e de vínculos estáveis (CASTEL, 1995,
p.610).

O autor referido coloca que o período atual desenvolve uma espécie de


individualismo que agora é de massa, como uma metamorfose, e não reprodução, porque “é o
produto do enfraquecimento ou da perda das regulações coletivas, não de sua extrema rigidez.
Porém, conserva o traço fundamental de ser um individualismo por falta de referências, e não
por excesso de investimentos subjetivos”. E que “sem a mediação de direitos coletivos, a
individualização das ajudas e o poder de decisão fundado sobre interconhecimentos, tendo em
vista as instâncias locais, correm sempre o risco de encontrar a velha lógica da filantropia”
(ibidem).
Na visão de Castel, o poder público é a “única instância capaz de impor um
mínimo de coesão à sociedade”. Várias são as dificuldades encontradas em um sentido de
“resistência”, mas que

3
Ver discussão em Gláucia Campregher, “Das novas possibilidades do trabalho coletivo”, 2004, p. 127 à 130.
465
O que a incerteza dos tempos parece exigir não é menos Estado – salvo se entregar
completamente às ‘leis’ do mercado. Também não é, sem dúvida, mais Estado –
salvo para querer reconstruir à força o edifício do início da década de 70,
definitivamente minado pela decomposição dos antigos coletivos e pelo crescimento
do individualismo de massa. O recurso é um Estado estrategista que estenda
amplamente suas intervenções para acompanhar esse processo de individualização,
desarmar seus pontos de tensão, evitar suas rupturas e reconciliar os que aquém da
linha de flutuação. [...] Mas esse Estado deveria ajustar o melhor possível suas
intervenções, acompanhando as nervuras do processo de individualização
(CASTEL, 1995, p. 610).

O que se verifica até então no Brasil até 1990 foi uma estruturação do mercado de
trabalho que centrou-se na industrialização, a segunda política de substituição de importações
com o Plano de Metas de JK, e a internacionalização econômica à partir do Golpe Militar de
1964; em 1970 o marco se deu com o “milagre econômico” e o padrão de proteção social
pautado pela meritocracia, aprofundando as desigualdades sociais. Não ocorre a
“universalização dos direitos sociais” e todo o seu rebatimento no século XXI, com os
agravos da concentração de terras e movimentos migratórios pela ausência de reforma agrária,
que acirram as lutas sociais no campo e rebatem nas cidades. Há aumento de trabalhos
autônomos, a baixa absorção de negros, o trabalho feminino situado no contexto das
desigualdades sociais, as noções de competitividade, as temáticas como economia solidária,
cooperativismo, empreendedorismo, trabalho voluntário, trabalho mal pago e precarizado,
terceirizações, sem carteira assinada e informalidade, instabilidade, e vários quadros que
rebatem no mundo do trabalho e suas relações4.

É neste contexto crítico para o universo do trabalho, caraterizada por uma espécie de
processo de precarização estrutural do trabalho, que os capitais globais estão
exigindo também o desmonte da legislação social protetora do trabalho. [...]Os
capitais passaram a exigir a flexibilização dos direitos do trabalho, forçando os
governos nacionais a ajustarem-se à fase da acumulação flexível. Flexibilizar a
legislação social do trabalho significa não ser possível nenhuma ilusão sobre isso,
aumentar ainda mais os mecanismos de extração de sobretrabalho, ampliar as formas
de precarização e destruição dos direitos sociais que foram arduamente conquistados
pela classe trabalhadora. Como a lógica capitalista é acentuadamente destrutiva, os
governos nacionais são cada vez mais pressionados a adaptar a legislação social
nacional às exigências do sistema global do capital, aos imperativos do mercado,
destruindo profundamente os direitos do trabalho onde eles ainda se mantêm.
(SILVA E SILVA; YAZBEK, org., 2012, p.69 – grifo do autor).

Esta análise, hoje, ainda nos é muito válida, para um período dramático da história
com a profunda crise mundial e todo o contexto político de avanço do conservadorismo.

4
Ver discussão em SILVA E SILVA; YAZBEK (Org), em “Políticas Públicas de Trabalho, emprego e renda no
Brasil Contemporâneo”, 2012.

466
Antunes5 continua que o desmonte dessas legislações se dá em espaços onde as forças de
resistência não são suficientes, mas que mundialmente várias greves e manifestações ocorrem,
“desencadeando ações políticas contrárias à política de destruição dos direitos públicos e
sociais” (ibidem).
Se estes “impulsos” se dão em escala global, concordamos com o supracitado
autor que as respostas do mundo do trabalho também devem ser globais e articuladas
internacionalmente. “Se a era da mundialização do capital se realizou, entramos também na
era da mundialização das lutas sociais, das forças de trabalho ampliadas pelas forças do não-
trabalho, expressas nas massas de desempregados que se esparramam pelo mundo. ”Uma
forma que ele aponta para realiza-las é impedir a “desconstrução dos direitos sociais e
obstando a expansão das formas diferenciadas de precarização do trabalho”, que trava a
“desconstrução do trabalho realizada pelo capital e recuperando e/ou criando uma nova forma
de sociabilidade do trabalho efetivamente dotada de sentido” (idem: 70).
Na realidade brasileira, as políticas públicas de trabalho, emprego e renda são
consideradas6 necessárias para o enfrentamento dos “efeitos perversos decorrentes das
políticas econômicas, da reforma do Estado e do processo de reestruturação sobre o mercado
de trabalho”.
Carvalho (2000, p. 13) assinala que "as prioridades em políticas públicas
emergem na sociedade e só adentram a agenda do Estado quando se constituem em demanda
vocalizada [...]". A conquista dos direitos sociais no sistema capitalista só é possível quando
os trabalhadores se organizam em prol de suas demandas, como a história nos mostra.
Fortalecem-se as disputas políticas e a luta de classes se acentua quando a classe trabalhadora
se coloca em mobilização, mobilizando os segmentos societários em torno de um objetivo
comum.Todavia,

Nesse novo cenário, resultaram enfraquecidos, quando não aniquilados, os


antigos meios de defesa da classe trabalhadora, em especial os principais atores das
políticas públicas de trabalho: os sindicatos e os partidos políticos de esquerda, que
hoje assistem quase inertes — e por vezes, numa postura corporativista/defensiva,
até como partícipes — aos ataques contra as políticas sociais (CAMINHA, online,
2013).

5
Ricardo Antunes, no artigo “As formas contemporâneas do trabalho e da desconstrução dos direitos sociais”.
6
SILVA E SILVA e YAZBEK sobre o artigo “A política de trabalho e Renda no Brasil: uma avaliação de
resultados da experiência do Maranhão”, de Maria Virgínia Moreira Guilhon e Valéria Ferreira Santos, 2012,
p. 31 e 32, In: Políticas Públicas de Trabalho, emprego e renda no Brasil Contemporâneo”.

467
Em cada país, contudo, há suas peculiaridades teóricas e práticas, pelas questões
formativas e conjunturais, e de acordo com Caminha (2013, online), “sustentando que não
existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política pública”, Souza (2006, p.
24) cita algumas definições, das quais destacamos a de Laswells, para quem "as decisões e
análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o que e
por que e que diferença faz" (idem).
Os processos sociais no campo das políticas públicas se solidificam e se aprofundam
fortemente entre os anos 1980 e 1990, acompanhadas sempre da luta por diferentes projetos
sociais que se compõem, sumariamente, de “limites estruturais” frente à “sua gênese e
constituição no âmbito das estratégias de enfrentamento da questão social na sociedade
capitalista”, as potencialidades e as “condições objetivas de acesso aos direitos sociais7”.
Silva e Silva enxerga nas políticas públicas um espaço de lutas sociais e conquista
de cidadania, ao mesmo tempo em que enfatiza seu caráter processual contraditório e não
linear, compreendendo vários momentos e envolvendo vários sujeitos:

Enquanto espaço de desenvolvimento de processos sociais, as políticas


públicas, desde a sua formulação, constituem-se também espaço da luta social,
envolvendo mobilização e alocação de recursos, divisão de trabalho (tempo); uso de
controles (poder), interação entre sujeitos; diversidades de interesses, adaptações;
riscos e incertezas sobre processos e resultados, envolvendo também noção de
sucesso e fracasso. Destaca-se aí a relevância dos sujeitos políticos desse processo,
seus interesses e suas racionalidades. Assim percebido, o processo das políticas
públicas é assumido, nos seus diferentes momentos (constituição do problema,
formulação de políticas e programas, implementação e avaliação), por uma
diversidade de sujeitos que entram, saem ou permanecem no processo, sendo estes
orientados por diferentes racionalidades e movidos por diferentes interesses, fazendo
do desenvolvimento das políticas públicas um processo contraditório e não linear
(SILVA e SILVA, 2009, p. 11).

No Brasil, por exemplo, várias questões sociais são colocadas em pauta quando o
assunto é política pública. As arenas políticas traduzem-se, desse modo, nos processos de
conflito e de consenso relativos às diversas políticas públicas. (RUA, 2009, p. 76).

O Brasil vive sua mais grave crise do emprego. Após a recessão entre 1990 e 1992,
que elevou o desemprego no país, assistiu-se a uma leve desaceleração nas taxas de
desemprego durante o breve ciclo de recuperação econômica ocorrido entre 1993 e
1997. De 1988 até 2003, o desemprego registrou taxas ainda muito elevadas,
somente suavizadas levemente no ano de 2004 devido à recuperação parcial da
economia nacional. As medidas introduzidas no conjunto das políticas de emprego

7
Discussão realizada em “Serviço Social, trabalho e política pública”, de Ney Luiz Teixeira de Almeida e
Mônica Maria Torres de Alencar.

468
durante a década de 1990 terminaram por não alterar o comportamento fragmentado
e pulverizado das políticas públicas de atenção ao desemprego. Ademais da baixa
efetividade e eficácia das políticas públicas de emprego do governo federal, assistiu-
se à permanência de reduzida sensibilidade na aplicação dos escassos recursos
públicos para com a heterogeneidade do desemprego (SILVA E SILVA; YAZBEK
org., 2012, p. 48).

Convém para tanto pensar o plano de deliberações e descentralizações que


delineiam através dos interesses governamentais em conjunto ao desenvolvimento capitalista
no Brasil, “conjunturalmente variáveis, mesmo que estruturalmente identificáveis com os
interesses das classes dominantes – com as convergências do setor privado (ou com ele
diretamente associado)” (MENEZES, p. 19, 2007 – grifo do autor). Essa característica,
portanto, “reduz, e bastante, as possibilidades concretas de uma gestão participativa e
democrática, ainda que consideremos os limites inerentes à decantada participação popular
no âmbito da democracia burguesa” (idem).
No que cerne a posição das políticas públicas de trabalho e emprego e renda no
Brasil é necessário compreender suas raízes históricas marcadas desde a promulgação dos
primeiros direitos trabalhistas, ainda que escassos, e os desdobramentos de seu
desenvolvimento tardio desde a década de 1990, através do Sistema Público de Trabalho,
Emprego e Renda (SPTER).

A criação do Sistema de Emprego, Trabalho e Renda foi implantado com políticas


ativas tendo como base a demanda e não a oferta do mercado de trabalho, com a
focalização dessas políticas sobre grupos mais vulneráveis socialmente, o que
implicou no caráter compensatório dos seus programas, com respostas de alcance
limitado às necessidades da força de trabalho demandante das mesmas (SERRA,
2010, p. 106).

Há, portanto,
o desenvolvimento de alterações de grandes proporções no mundo do trabalho, com
aprofundamento da crise social, agravada por limitada capacidade de o Estado
enfrentar a demanda por maior proteção social, devido a sua crise geral: fiscal-
financeira, de planejamento, de gestão e de regulação, com conseqüência para
ruptura do padrão de estruturação do mercado de trabalho até então vigente,
representada por um conjunto de manifestações inter-relacionadas. Assim sendo [...]
a ação do Estado para enfrentamento desse quadro só foi viabilizada financeiramente
no sentido de constituição de um Sistema Público de Emprego (SPE), nos anos
1990, com a unificação dos recursos do Programa de Integração Social (PIS) e o
Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), que permitiu a
criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Ações anteriores ocorreram nos
anos 1970, com a criação do Seguro Desemprego. Tem-se então um Sistema Público
de Emprego, ainda insulficiente, constituído de políticas de transferência temporária
de renda (seguro-desemprego e abono salarial), prestação de serviços (intermediação
de mão-de-obra e qualificação profissional) e concessão de microcrédito. Com isso,
tem-se que poder ser considerado um avanço no campo da proteção social ao
trabalhador, registrando-se, porém, baixa eficácia das políticas desenvolvidas por
motivos, sobretudo, exógenos, com destaque ao processo de construção do mercado
469
de trabalho na conjuntura recente (SILVA E SILVA; YAZBEK org., 2012, p. 14-
15).

O debate acerca das políticas de trabalho, emprego e renda e, sumariamente, à


conquista de direitos no Brasil, se faz essencial para o desenvolvimento econômico, político –
de participação e, principalmente, social.
Como proposta interventiva em ações para ampliação das bases de uma
democracia participativa, a discussão teórica, com bases referenciais em autores clássicos e
contemporâneos é essencial para sustentabilidade argumentativa, desenvolvimento de
pesquisa científica e qualitativa que contribua com o universo das políticas públicas, e que
sejam cada vez mais construídas de forma a possibilitar a melhoria da qualidade de vida da
população no enfrentamento de vulnerabilidades, na promoção do trabalho, na amenização
das desigualdades sociais; na busca, portanto, da construção de uma nova sociabilidade: mais
justa e igualitária.

Considerações Finais

A proposta temática almeja apreender os processos e mudanças no mundo do trabalho,


referenciadas em demanda por emprego, em necessidade de geração de renda. Assim sendo,
as formas de participação popular desenvolvidas ao longo dos anos 1980 têm se refeito
juntamente às mudanças no modo de produção, principalmente em conjunto ao avanço do
ideário neoliberal.
Esta pesquisa propõe dar bases à estas reflexões, com base em sustentações teóricas,
marcos legais e sua análise, a atuação da gestão pública, e também buscar experiências
teóricas e práticas que façam jus à resposta da problemática envolvida em sua propositiva:
quais as formas de participação nas PPTER e quais suas possibilidades.
Estas questões serão desenvolvidas ao longo da pesquisa, que encontra-se em fases
iniciais, buscando aprofundar a compreensão das formas de intervenção estatal por meio das
políticas públicas, com o objetivo de promover reflexões sobre a democracia participativa, o
acesso e à garantia de direitos, na busca da construção de uma nova ordem societária: justa,
igualitária – respeitando as diferenças que representam a significação destes conceitos – e
sustentável política, econômica e socialmente.

470
Sendo assim, poderá trazer contribuições qualitativas para o desenvolvimento
econômico, pois influencia diretamente na forma de se arguir as necessidade de políticas
públicas voltadas ao trabalho, emprego e à renda populacional. Também pretende o debate
científico que articule, por meio da proposta da práxis dialética, estas políticas com a gestão
pública e sociedade, sendo uma pesquisa interdisciplinar.

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472
PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA: AVANÇO OU RETROCESSO DA
POLÍTICA HABITACIONAL

Valéria da Silva Barbosa Gimenes*


Analúcia dos Reis Bueno Giometti**

Resumo: A pesquisa a ser realizada tem como objetivo apresentar um breve contexto
histórico da Política Habitacional no Brasil e refletir sobre o processo interventivo do
assistente social no Programa Minha Casa Minha Vida, no município de Franca, Estado de
São Paulo, a partir das diretrizes impostas pelo Ministério das Cidades e Portaria nº 21 de
janeiro de 2014. Os Programas de Habitação de Interesse Social vêm se constituindo espaços
de atuação do assistente social, tanto na gestão como no Trabalho Técnico Social, através das
ações com as famílias beneficiárias das unidades habitacionais. Torna-se necessário refletir
sobre os limites da atuação profissional neste contexto, mas também apresentar possibilidades
de intervenção, efetivação do direito à moradia e das outras políticas públicas.

Palavras-chave: Política Nacional de Habitação; trabalho técnico social; atuação profissional


do assistente social

Introdução
Embora o Programa Minha Casa Minha Vida tenha sido criado em 2009, somente em
2014, o município de Franca, interior do estado de São Paulo, conseguiu viabilizar junto ao
governo federal, recursos para construção de empreendimentos, destinados às famílias com
renda familiar até R$ 1600,00. Destes empreendimentos, somente dois foram finalizados até o
momento, sendo o Residencial Rubi I e Residencial Bernardino Pucci.
Após a adesão do município ao programa, foi atribuído ao assistente social, indicado
como responsável técnico, a elaboração dos instrumentais de planejamento, que oferecem
diretrizes para o Trabalho Técnico Social com as famílias beneficiárias. Dentre os
instrumentais exigidos destacamos: o Projeto de Trabalho Preliminar – PTS-P; o Projeto de
Trabalho Técnico Social – PTS e o Plano de Desenvolvimento Socioterritorial – PDST.
Conforme a Portaria nº 21 de 22 de Janeiro de 2014, o Trabalho Social:

Compreende um conjunto de estratégias, processos e ações,


realizados a partir de estudos diagnósticos integrados e
participativos do território, compreendendo as dimensões:
social, econômica, produtiva, ambiental e político-institucional

*
Doutoranda em Serviço Social UNESP/ Câmpus de Franca. Diretora da Proteção Social Especial do município
de Franca. Membro do GESTA.
**
Docente da UNESP/câmpus de Franca/SP, Líder do GESTA.
473
do território e da população beneficiária, além das
características da intervenção, visando promover o exercício da
participação e a inserção social dessas famílias, em articulação
com as demais políticas públicas, contribuindo para a melhoria
da sua qualidade de vida e para a sustentabilidade dos bens
equipamentos e serviços implantados (BRASIL, 2014, p.5).

A Portaria apresenta eixos obrigatórios, a serem desenvolvidos durante a execução do


Trabalho Técnico Social - TTS, são eles: mobilização, organização e fortalecimento social;
acompanhamento e gestão social da intervenção; educação ambiental e patrimonial e
desenvolvimento socioeconômico. O Trabalho Técnico Social deve prever acompanhamento
das famílias em todas as fases da obra, inclusive após a mudança das famílias para o novo
território.
As ações com as famílias beneficiárias dos empreendimentos podem ou não ser
executadas de forma direta, nos casos em que o município não possui condições de executá-
las de forma direta, o Trabalho Técnico Social será coordenado por um técnico responsável e
a execução das atividades poderão ser desenvolvidas por profissionais contratados por
empresa especializada, respeitando a Lei nº 8.666/93 que diz respeito ao processo de licitação.

Objetivo Geral
Analisar se a moradia significou de fato uma mudança na vida das famílias
contempladas pelo Programa Minha Casa Minha Vida.

Objetivos Específicos
 Realizar uma breve contextualização da Política Habitacional no Brasil;
 Compreender o processo de implantação do PMCMV no município de Franca e
atribuições dos órgãos envolvidos;
 Conhecer a realidade das famílias beneficiárias no empreendimento Bernardino Pucci;
 Refletir sobre as potencialidades e vulnerabilidades do território em que foi
implantado o empreendimento e o acesso das famílias às políticas públicas e serviços
existentes no território.

474
Metodologia

A abordagem utilizada na pesquisa será a qualitativa, segundo Minayo (1993), “o


material primordial da investigação qualitativa é a palavra que expressa a fala cotidiana, seja
nas relações afetivas e técnicas, seja nos discursos intelectuais, burocráticos e políticos”.
Tal abordagem, conforme ressalta Martinelli (1994), pressupõe: a singularidade do
sujeito e a importância de se conhecer a experiência social deste sujeito.
No primeiro momento da pesquisa será realizada pesquisa documental, podendo
utilizar: registros fotográficos, arquivos governamentais, reportagens de comunicação de
massa, atas, relatórios, normativos, decretos, portarias e leis que se referem ao Programa
Minha Casa Minha Vida e Política Nacional de Habitação. Concomitante ao levantamento dos
documentos será realizada pesquisa exploratória do referencial teórico sobre a temática..
Após a leitura do material pesquisado, será utilizada a técnica de análise de conteúdo
que possui três fases: (a) pré-análise; (b) exploração do material; e tratamento dos dados,
inferência e interpretação (Bardin, 1977 apud Gil, 2007, p.165).
O universo de pesquisa será constituído pelas famílias residentes no empreendimento
Bernardino Pucci e profissionais que atuam nas instituições governamentais existentes no
território de abrangência. A escolha em pesquisar este empreendimento ocorreu em razão da
grande quantidade de moradias construídas (496 unidades), levando grande contingente de
pessoas para esta região (aproximadamente 2.000 pessoas), entre crianças, adolescentes,
adultos e idosos,.
Os sujeitos da pesquisa serão: moradores, gestores municipais, profissionais das
escolas municipais, estaduais, creches, unidades básicas de saúde e Centro de Referência de
Assistência Social – CRAS da região.
A ênfase da pesquisa de campo será a coleta de informações através da narrativa oral e
análise documental. Para coleta de informações serão utilizadas técnicas combinadas: as
entrevistas semi-estruturadas.
Os moradores serão escolhidos de forma que tenham representantes dos 04(quatro)
grupos de beneficiários, sendo: grupo de idosos, grupo de pessoas com deficiência, grupo I
(compreende as famílias que atenderam 04 critérios de pontuação) e grupo II (que
compreende as famílias que atenderam de 01 a 03 critérios de pontuação), visando identificar
as necessidades e particularidades de cada grupo familiar.

475
Serão realizadas entrevistas através de questionário semi-estruturado, com perguntas
abertas. Após a elaboração do questionário será realizado o pré-teste, que visa, segundo Gil
(2007), ”evidenciar possíveis falhas na redação do questionário, tais como: complexidade das
questões, constrangimentos ao informante, exaustão”. Os registros das entrevistas serão
realizados mediante anotações ou com uso do gravador.
O recorte temporal dado à pesquisa empírica será de quatro anos com início em 2014,
período em que o município assinou o termo de adesão do Programa Minha Casa Minha Vida
até o ano de 2017.
Após o término da aplicação das entrevistas serão realizadas as transcrições das
mesmas para análise e interpretação dos dados coletados. O objetivo das questões será coletar
informações que visem identificar qualitativamente as intervenções realizadas em cada âmbito
profissional.
O método dialético deverá auxiliar na interpretação dos dados obtidos na pesquisa de
campo associada à pesquisa exploratória, na tentativa de fazer a relação teoria/prática. Nesse
sentido, será preciso identificar as múltiplas determinações e relações sobre o tema estudado,
analisando as categorias gerais para, através da reflexão crítica do todo, aproximar-se da
síntese do fenômeno estudado.
A dialética fornece bases para uma interpretação dinâmica e
totalizante da realidade, já que estabelece que os fatos sociais
não podem ser entendidos quando considerados isoladamente,
abstraídos de suas influências políticas, econômicas, culturais,
etc (Gil, 2007, p. 32).

Ao término da pesquisa os resultados serão apresentados para os sujeitos que dela


participaram, socializando os conhecimentos e resultados obtidos.
A escolha deste universo justifica-se pela importante apropriação deste espaço sócio
ocupacional ocupado pelos assistentes sociais que lutam em defesa do direito à moradia digna
para a população brasileira.

Discussão Teórica

A primeira iniciativa pública habitacional criada em 1946, denominada Fundação da


Casa Popular, não foi considerada uma iniciativa de sucesso, em razão da falta de recursos,
regras de financiamento que comprometiam o atendimento da demanda, bem como restringia

476
a oferta em apenas alguns estados da confederação, além de possuir inexpressiva quantidade
de unidades habitacionais.
Em 1964, foi implantado pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), um modelo de
política habitacional que proporcionou a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS) e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), permitindo a captação de
recursos para o investimento na área habitacional. Porém, o modelo entrou em crise e também
foi extinto em 1986, pela sua incapacidade de atender à população de baixa renda, objetivo
primeiro de sua criação. O modelo era desarticulado dos órgãos responsáveis pela construção
das moradias, além destas serem construídas em locais distantes e sem infraestrutura que
atendesse minimamente às famílias contempladas.
Foi com a extinção do BNH que a Caixa Econômica Federal passou a assumir as
atribuições na área habitacional, subordinada ao Ministério da Fazenda até 1987,
posteriormente pelo Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente (MHU) e em 1988
pelo Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social (MBES).
O direito a moradia no Brasil, passa a ser considerado direito do cidadão, a partir do
processo de reforma e descentralização do Estado com a promulgação da Constituição Federal
de 1988 e desde então, tem como principal desafio o atendimento das famílias provenientes
das camadas menos favorecidas da população.
Em 1989 com vistas a garantir os preceitos constitucionais surgiu o projeto de lei nº
181(Estatuto da Cidade), que em 2001 se torna Lei, estabelecendo diretrizes gerais da Política
Urbana, representando um avanço significativo, pois, a partir dele foram estabelecidas normas
de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem
coletivo, da segurança e bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Em 1989, foi criada a Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária (SEAC) e
extinto o Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social -MBES, permitindo maior
autonomia dos estados e municípios. Porém, em virtude da utilização excessiva dos recursos
do FGTS, o mesmo foi suspenso temporariamente.
Em 1994, o Governo Federal lançou os programas Habitar Brasil e Morar Município
com recursos provenientes do Orçamento Geral da União - OGU e do Imposto Provisório
sobre Movimentações Financeiras (IPMF) e um depois, uma nova reforma foi proposta em
razão da extinção do Ministério do Bem-Estar Social, criando-se a Secretaria de Política
Urbana (SEPURB), subordinada ao Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), que

477
ficaria responsável pela formulação e implementação da Política Nacional de Habitação que,
inicialmente tinha intenções reformadoras que não foram concretizadas.
Quando a SEPURB foi substituída pela Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano
(SEDU) não houve mudanças significativas, permanecendo o estado de desarticulação
institucional e perda da capacidade de intervenção.
Em 10 de julho de 2001, o Estatuto das Cidades, se torna a Lei nº 10.257,
regulamentando os artigos 182 e 183 da Constituição Federal.

O Estatuto da Cidade estabelece o conteúdo mínimo do Plano Diretor: delimitação


das áreas urbanas, o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsória;
disposições sobre o direito de preempção outorga onerosa do direito de construir,
delimitação de área para operações consorciadas e transferência do direito de
construir; e um sistema de acompanhamento e controle (GOMES, 2005, p.101).

Apesar do Estatuto das Cidades estabelecer diretrizes que atendam aos preceitos
constitucionais, verifica-se pouco avanço na prática, principalmente na dificuldade que os
municípios possuem no planejamento do desenvolvimento das cidades.
Para que se efetive as diretrizes do Estatuto torna-se necessário: corrigir as distorções do
crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; ofertar equipamentos
urbanos, comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades
da população; realizar a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por
população de baixa renda, entre outros desafios.
Em 2003, o Ministério das Cidades, passa a ser o órgão responsável pela Política de
Desenvolvimento Urbano, composto pelas seguintes secretarias: Secretaria Nacional de Habi-
tação; a Secretaria Nacional de Programas Urbanos; Secretaria Nacional de Saneamento
Ambiental; Secretaria Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana. Em outubro do mesmo
ano, foi realizada a Conferência Nacional das Cidades, da qual resultou a criação do Conselho
dasCidades e a aprovação das diretrizes para nova Política Nacional de Desenvolvimento
Urbano (BRASIL, 2004, p.12).

A Política Nacional da Habitação, elaborada em 2004, obedece a princípios e


diretrizes que têm como principal meta garantir à população, especialmente a de
baixa renda, o acesso à habitação digna, e considera fundamental para atingir seus
objetivos a integração entre a política habitacional e a política nacional de
desenvolvimento urbano (BRASIL, 2004, p. 29).

478
A Política Nacional de Habitação (BRASIL, 2004), apresenta como necessário, um
conjunto de instrumentos para viabilização da política habitacional, dentre eles podem ser
citados: o Sistema Nacional de Habitação (SNH), que prevê a integração entre os três níveis
do governo e dos agentes públicos e privados envolvidos com a área habitacional, incluindo a
criação de dois subsistemas: Habitação de Interesse Social e Habitação de Mercado.
O Programa Habitacional de Interesse Social (PHIS), criado em 2002 e regulamentado
em 2005, tem como objetivo prioritário tornar acessível a moradia a segmentos populacionais
com renda baixa, possibilitando financiamento junto aos agentes do Sistema Financeiro de
Habitação (SFH).
O Programa de Subsídio Habitacional de Interesse Social (PSHIS) foi um
mecanismo criado no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC),
tendo sua primeira versão em dezembro de 2002, conforme portaria nº 394 e
regulamentada no governo Lula pela Lei 11.124/2005, criando o Sistema Nacional
de Habitação de Interesse Social (SNHIS). O PSHIS foi promovido pelo Governo
Federal, regulado pelo Ministério das Cidades pelas portarias nº 335/2005 e nº 4/
2008, visando atender à demanda por moradia das famílias com renda bruta de 0 a 3
salários mínimos (OLIVEIRA, 2011, p.30).

Segundo o artigo 2º da Lei nº 11.124/2005, o SNHIS foi instituído com o objetivo de:

I – viabilizar para a população de menor renda o acesso à terra urbanizada e à


habitação digna e sustentável;
II – implementar políticas e programas de investimentos e subsídios, promovendo e
viabilizando o acesso à habitação voltada à população de menor renda;
III – articular, compatibilizar, acompanhar e apoiar a atuação das instituições e
órgãos que desempenham funções no setor da habitação (Brasil, 2005).

O art. 6o da Lei 11.124/2005, determina que os recursos do SNHIS, sejam provenientes


do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e de outros fundos ou
programas que vierem a ser incorporados ao SNHIS. O FNHIS é gerido por um Conselho
Gestor, que será presidido pelo Ministério das Cidades, que deverá proporcionar meios
necessários ao seu funcionamento.
A partir desta lei o Governo Federal passou a exigir três requisitos dos municípios para
a destinação de recursos na área de habitação: a constituição de um Fundo de Habitação de
Interesse Social, a constituição de um Conselho Gestor do Fundo de Habitação de Interesse
Social – FHIS e a elaboração do Plano Local de Habitação de Interesse Social-PLHIS.

O PLHIS é um conjunto articulado de diretrizes, objetivos, metas, ações e


indicadores que caracterizam os instrumentos de planejamento de gestão
habitacional, é a partir de sua elaboração que os municípios e estados consolidam
479
em nível local a Política Nacional de Habitação de forma participativa e compatível
com outros instrumentos de planejamento local, como os Planos Diretores, quando
existentes e os Planos Plurianuais Locais (site da SECRETARIA DE HABITAÇÃO.
Acesso em: 09 de abril. 2016).

O Plano Diretor é um documento obrigatório para municípios com mais de 20 mil


habitantes, devendo delimitar as áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento,
edificação ou utilização compulsória, considerando a existência de infraestrutura e de
demanda para utilização.
É a partir da elaboração dos instrumentos exigidos como: Planos Diretores, Planos
Plurianuais Locais e Planos Locais de Habitação de Interesse Social que os municípios vão se
adequando à Política Nacional de Habitação.
Em 2007 foi criado o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), que tinha como
objetivo contribuir para o desenvolvimento do país através de investimentos na execução de
obras de infraestrutura social e urbana (saneamento, habitação, transporte, recursos hídricos,
energia, etc) e aumentar a oferta de empregos e renda garantindo a continuidade de consumo
com vistas a manter a economia ativa.

O PAC revela uma ação governamental planejada com vistas à retomada da


capacidade orientadora do Estado na questão do crescimento econômico do país,
através do incremento da taxa de investimento público e privado em áreas
consideradas estratégicas. Dessa forma, o governo busca ter papel de destaque no
processo de crescimento, através da indução e do direcionamento dos investimentos
e da economia do país. Tais medidas podem significar uma mudança qualitativa no
papel a ser desempenhado pelo Estado na sociedade brasileira, através do
distanciamento em relação ao discurso liberal das ‘vantagens do livre mercado’ na
alocação dos investimentos (DIEESE, 2007, p. 3).

Em 2009 surgiu o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), integrado ao Plano
Nacional de Habitação (PlanHab), operacionalizado pela Caixa Econômica Federal (CEF) e
com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) gerido pelo Ministério das
Cidades. A medida provisória nº 459 de 25 de março de 2009 que dispunha sobre o Programa
Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e a regularização fundiária de assentamentos localizados
em áreas urbanas, foi convertida na Lei nº 11.977 em 07 de julho do mesmo ano, porém com
inúmeras alterações, pela Lei nº 12.424 de 16 de junho de 2011 e pelo Decreto nº 7.795 de 24
de agosto de 2012.
O Decreto nº 7.795 estabelece em seu artigo 8º que as operações realizadas com
recursos provenientes da integralização de cotas do FAR e recursos transferidos ao FDS,
beneficiarão famílias com renda mensal de R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais).

480
A Portaria nº 168 de 12 de abril/2013, do Ministério das Cidades vem revogar Portaria
nº 465, de 03 de outubro de 2011, publicada no Diário Oficial da União em 4 de outubro de
2011, dispõe sobre as diretrizes gerais para aquisição e alienação de imóveis com recursos
advindo do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) no âmbito do Programa Nacional de
Habitação Urbana (PNHU), integrante do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).
Os municípios que assinam o Instrumento de Compromisso do Programa Minha Casa
Minha Vida – PMCMV se comprometem em atender os dispositivos legais, estabelecidos na
Portaria Ministerial nº 168 de 12 de abril de 2013 e dentre as responsabilidades elencadas
estão: aprovação dos critérios locais para a seleção de beneficiários, indicação dos
beneficiários nos prazos estabelecidos(respeitando as reservas de percentual mínimo para
idosos e pessoas com deficiência), atualização e ou inserção das famílias beneficiárias no
Cadastro Único do Governo Federal, elaboração dos instrumentais de planejamento e
execução do Trabalho Técnico Social com as famílias.
O processo de seleção das unidades habitacionais, no município de Franca, ocorreu de
acordo com os critérios nacionais, contidos na Lei nº 11.977 de 07 de julho de 2009 e os
critérios adicionais contidos no item 4.1 da Portaria nº 595 de 18 de Dezembro de 2013.
Os critérios nacionais foram:

a) famílias residentes em áreas de risco ou insalubres ou que tenham sido


desabrigadas;
b) famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar;
e c) famílias de que façam parte pessoas com deficiência (BRASIL, 2013, p.3).

Os critérios adicionais municipais poderiam contemplar critérios de territorialidade ou


de vulnerabilidade social, priorizando candidatos que residissem próximos aos
empreendimentos que seriam construídos, evitando deslocamentos intra-urbanos extensos,
bem como pessoas em situação de rua e que estavam em acompanhamento pelos serviços
socioassistenciais (BRASIL, 2013, p.3), porém os critérios municipais complementares
aprovados pelo Conselho Municipal de Habitação - COMHAB e sancionado pela Lei
municipal nº 8.090 de 26 de junho de 2014, foram:

a) famílias que residiam no mínimo há 05 (cinco) anos ininterruptos em Franca;


b) famílias com renda familiar per capita de até ½ salário mínimo nacional,
respeitando o valor de até de R$ 1.600,00;
c) famílias que tivessem em sua composição 02 ou mais crianças ou adolescentes
com até 15 anos e 11 meses e/ou famílias que tivessem em sua composição 01 ou
mais idosos a partir de 60 anos (FRANCA, 2014, p.2) .

481
Segundo a Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, no mínimo, 3% (três por cento)
das unidades habitacionais do empreendimento deverão ser reservadas, para atendimento a
pessoas idosas, conforme disposto no inciso I do art. 38, entretanto no município de Franca o
percentual para idosos foi de 10% e para deficientes foi de 5%.
A portaria nº 595 de 18 de dezembro de 2013, do Ministério das Cidades, prevê sorteio,
quando o número de candidatos for superior ao número de unidades habitacionais. No
primeiro sorteio que envolveu 656 unidades habitacionais, nos empreendimentos: Rubi e
Bernardino Pucci, foram efetivadas mais de 8.000 inscrições.
Após a hierarquização dos candidatos em ordem decrescente e de acordo com número
de critérios nacionais e adicionais, verificou-se que nenhum candidato alcançou o número
máximo de critérios, pois no município, não foram identificadas famílias residentes em áreas
de risco ou insalubres ou que tenham sido desabrigadas. Algumas famílias alcançaram a
pontuação cinco e automaticamente passaram para etapa de análise da documentação, através
do Cadastro Único.
Após a hierarquização dos candidatos ocorreu o sorteio das unidades habitacionais de
acordo com as reservas de vagas, sendo:
 10 % das unidades habitacionais foram sorteadas para população idosa;
 5% das unidades habitacionais foram sorteadas para pessoas com deficiência;
Os idosos e pessoas com deficiência, que não foram selecionados no primeiro sorteio
participaram do processo de seleção das demais unidades do empreendimento, de acordo com
a pontuação obtida.
Excluindo as unidades sorteadas no grupo de idosos e pessoas com deficiência, 75%
das unidades restantes foram disponibilizadas para sorteio dos candidatos que atenderam
quatro (04) critérios e 25% das unidades foram disponibilizadas para sorteio dos candidatos
que atenderam de um (01) a três (03) critérios.
O processo de habilitação dos candidatos foi bastante moroso e burocrático, cabendo
aos assistentes sociais responsáveis: orientações às famílias em relação á documentação
exigida pela Caixa Econômica Federal, articulação com outras políticas públicas,
principalmente com a política de saúde para comprovação da deficiência dos candidatos que
participaram do sorteio na cota de pessoas com deficiência, além de interlocução com os
órgãos de defesa de direitos nos casos que exigiam, procuração ou curatela, para assinatura
dos contratos de financiamento.
482
Raichelis (2009 : 300) ressalta que na esfera estatal :

As principais mediações profissionais (que não são as únicas) são, portanto, as


políticas sociais que, apesar de historicamente revelarem sua fragilidade e pouca
efetividade no equacionamento das respostas requeridas pelo nível crescente de
pobreza e desigualdade social, tem sido a via por excelência para as classes
subalternas terem acesso, mesmo que precários e insuficientes, aos serviços sociais
públicos (SERVIÇO SOCIAL: DIREITOS E COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS,
CFESS/ABEPSS, 2009).

Diante do contexto apresentado podemos verificar que o Programa Minha Casa Vida ao
estabelecer critérios de renda e hierarquização da demanda, ainda não superou o caráter
seletivo e excludente do acesso ao direito à moradia, garantido na Constituição Federal de
1988.

Considerações Finais
Apesar da pesquisa encontrar-se em fase inicial, alguns autores ressaltam que o
programa possui limitações, mas torna-se importante compreender o avanço empreendido nas
políticas urbanas a partir de 2003, que se diferenciam em relação aos governos anteriores e
que com o avanço da crise política e dos conflitos emergentes em torno do impeachment da
presidente Dilma Rousseff, a Política Habitacional poderia incorrer em retrocesso no campo
do direito à moradia, bem como nas políticas sociais e de fato verifica-se um período de
grande instabilidade e estagnação das políticas sociais no país.
Estudo realizado pelo Observatório das Metrópoles, contratado pelo Ministério das
Cidades e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPQ,
divulgado em 25/11/2014, aponta falhas no modelo do programa voltado para famílias de
baixa renda, dentre elas: a localização dos conjuntos; a estrutura precária; a falta de
segurança; a incompatibilidade entre as tipologias habitacionais com seu programa
arquitetônico único e a diversidade das composições familiares, além da impossibilidade de
readequação da unidade habitacional (de acordo com as necessidades dos moradores). Tais
fatos poderão ou não ser confirmados no município de Franca, através da coleta de dados na
fase da pesquisa.
Um fator importante a ser pesquisado será o perfil das famílias e se conjuntos
habitacionais, que exigem o formato de condomínio, oneram as despesas das famílias que
possuem renda baixa, pouca escolaridade e vínculos de trabalho precarizados.

483
O Trabalho Técnico Social, no período pré e pós morar tem se mostrado como um canal
de intermediação entre a Caixa Econômica Federal, Construtora e famílias, que necessitam de
apoio para garantir que seus direitos sejam efetivados. A atuação do assistente social exige
uma postura crítica e propositiva, que seja capaz de identificar as ausências de serviços e
apresentá-las às diversas políticas públicas, principalmente: política de assistência social,
saúde e educação.
Apesar dos limites institucionais e conjunturais, o Trabalho Técnico Social - TTS é de
vital importância nos Programas de Habitação de Interesse Social, pois é um instrumento que
contribuiu para que os beneficiários conquistem além da moradia digna, inclusão social e
sentido de pertencimento, porém as ações de intervenção do TTS precisam ter significado
para a população beneficiária e elas precisam ser co-participantes do processo.
A legislação oferece uma diretriz ao Trabalho Técnico Social, porém cabe aos
assistentes sociais e profissionais responsáveis por sua execução propor ações que efetivem a
inserção da população e sua participação de fato nos assuntos que envolvem a efetivação dos
direitos, fomentando os processos de liderança, organização e mobilização comunitária.
Torna-se de fundamental importância que os assistentes sociais busquem ocupar esses
espaços profissionais para que possam colaborar com sua percepção crítica e compromisso
ético-político. Portanto é salutar que os profissionais que atuam na gestão, bem como na
execução do TTS, aprimorem os conceitos, apreendam metodologias participativas, elaborem
ações de planejamento, monitoramento e avaliação das diversas atividades oferecidas às
famílias beneficiárias.
O desafio a ser enfrentado é o fortalecimento do protagonismo da população que nem
sempre possui condições e informações para efetivação dos seus direitos sociais.
O trabalho de mobilização deverá oferecer elementos que contribuam para a
emancipação dos sujeitos, para que eles saibam onde e quando recorrer aos órgãos de defesa e
da administração pública, para reivindicar melhoria, ampliação e acesso aos serviços públicos.

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