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A VINGANÇA
DO MUTANTE
Autor
K. H. SCHEER
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
SKIRO
No ano de 2.401, quando os duplos apareceram na
Galáxia, o Lorde-Almirante Atlan, chefe da United Stars
Organization, julgou conveniente dar ordem para que Tronar e
Rakal Woolver entrassem em ação, para ajudar Perry Rhodan
a repelir os invasores vindos de Andrômeda.
Os parasprinters — nome que se costuma dar aos gêmeos
Woolver, porque são capazes de locomover-se dentro de
qualquer fluxo energético — fazem um excelente trabalho. Os
gêmeos vindos do planeta Imart, de cuja existência nem sequer
Gucky, o melhor mutante do exército especial de Perry
Rhodan, tinha a menor idéia, desvendaram o mistério dos
duplos e fizeram espionagem no centro de comando da invasão
dos maahks.
Mas só um dos parasprinters — Rakal Woolver —
conseguiu voltar. Tronar foi feito prisioneiro e colocado no
multiduplicador. Mas enquanto o original desaparecia
misteriosamente e a cópia fiel de Tronar foi surgindo, cópia
esta que Grek-1, que comandava a invasão dos maahks, enviou
a Kahalo para fazer sabotagem e espionagem, os centros de
comando de Perry Rhodan já estavam prevenidos.
O duplo do parasprinter desaparecido tem uma recepção
condigna e Rakal Woolver prepara a retaliação — executa A
Vingança do Mutante...
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Rakal Woolver — O mutante que faz uma visita aos assassinos de seu
irmão.
Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar.
Atlan — Lorde-Almirante e chefe da USO.
Allan D. Mercant — Marechal Solar e chefe da Segurança.
Dr. Nardini — Um novo membro da Segurança Galáctica que tem
alguma coisa contra as cuecas.
Grek-1 — Comandante dos invasores vindos de Andrômeda.
Tenente Frederick Bowden — Uma vítima dos maahks.
Joel “Mack” Watherley — Major de profissão e fanático por
limpeza...
Prólogo
O desejo de vingar-se do mal que alguém nos faz é tão antigo como a própria
Humanidade. A sede de vingança causada por uma derrota está estreitamente ligada com
o instinto de autoconservação.
E, como o sentimento de vingança é uma coisa natural, não podemos condená-lo
sistematicamente. Mas a tendência de retaliação é perigosa, pois obriga qualquer pessoa
que se entrega à mesma a abandonar a capacidade lógica do discernimento. Por isso a
Humanidade dispôs-se, no início de sua evolução, a encontrar uma medida universal da
vingança: a lei.
Com isso a vingança perdeu muito da compulsão individual que a inspirava;
transformou-se numa coisa anônima, porque passou a ser executada por grupos de
pessoas autorizadas pela sociedade.
Policiais, juízes, carrascos — são estas as pessoas que exercem a vingança em nome
do bem-estar geral.
Mas a história da Humanidade apresenta inúmeros exemplos de homens que
tentaram exercer a vingança pessoal, e às vezes até foram bem-sucedidos. Sempre houve
mulheres e homens que não se contentaram com a vingança legitimada pelo Estado. Estas
pessoas tomavam a execução da pena nas próprias mãos.
Existe a vingança pelo amor desprezado, por um roubo cometido, pelo assassinato,
pela calúnia, pela fraude e por um sem-número de outras coisas. O elenco de
possibilidades abrange todos os setores da vida humana.
A vingança tem servido de estímulo para feitos grandiosos, mas também deu lugar a
comportamentos desumanos.
A vingança pode transformar o ser humano numa personalidade respeitada, ou
numa criatura que vegeta na sarjeta.
Não existe nenhuma camada social que não tenha experimentado o fenômeno
vingança.
Médicos, trabalhadores, comerciantes, técnicos, políticos, funcionários e artistas,
todos podem ser levados a exercer a vingança.
A vingança não se detém diante dos palácios dos ricos nem à frente das portas
desmoronadas dos habitantes das favelas. Não se interessa pelo grau de inteligência, pela
riqueza, pela origem das pessoas, pela pobreza ou pela idade.
Existe a vingança dos adversários políticos, a vingança dos grandes grupos
econômicos e a vingança dos bandidos, regida pelas leis do submundo do crime.
A vingança se exerce entre os povos, entre as raças e entre as famílias.
E a vingança se pratica de irmão para irmão.
Em nenhum tempo qualquer forma de vingança encontrou tanta compreensão como
a vingança pela morte do irmão.
Este livro conta a história de uma vingança deste tipo...
1
O Dr. Nardini apareceu com um terno cor de mostarda equipado com fechos
magnéticos. Embaixo dos joelhos as calças estavam envoltas em fitas luminosas azuis.
Nardini não usava gravata. Em seu lugar via-se um cachecol artisticamente trançado
cheio de pontos fluorescentes. Na dobra direita do mesmo fora presa uma linda agulha
que pulsava constantemente.
Além desse traje o médico usava botas negras com orlas de couro de gato e
imitações de esporas nos saltos.
Os cabelos negros de Nardini estavam cuidadosamente penteados. Sua entrada na
cantina produziu o efeito de uma bomba. As pessoas que conversavam em torno das
mesas ficaram caladas. Todas as cabeças viraram-se como se estivessem obedecendo a
um comando, para contemplar a figura esbelta do médico.
Nardini não se impressionou com a atenção que estava despertando. Dirigiu-se a
uma mesa desocupada e sentou junto à mesma.
— Ei, doutor! — gritou um dos mecânicos da estação K. — O senhor está usando o
novo equipamento para os mundos aquáticos?
— De forma alguma — respondeu Nardini.
Um técnico que usava traje à prova de fogo e ocupava a mesa ao lado de Nardini
achou que sua posição o obrigava a fazer uma observação:
— Não tente enfrentar a chuva com isso, doutor.
Nardini discou, pedindo um café, e respondeu em tom amável:
— Sem dúvida, senhor Lyefant. Minha butique de Terrânia dá garantia para
acidentes desse tipo.
Quando o café de Nardini foi servido, os outros já se haviam acostumado à sua
figura. Mas dali a instantes tiveram a atenção desviada, pois Rakal Woolver apareceu no
local.
Rakal era natural de Imart, o segundo planeta de uma estrela amarela normal situada
a 19.444 anos-luz do Sistema Solar.
O mutante usava uniforme simples, mas sua figura chamava a atenção tanto quanto
os trajes de Nardini. Woolver tinha 1,93 metro de altura. Até a altura dos quadris era
muito esbelto, mas dali para cima estendia-se o peito em forma de tonel. A cabeça de
Woolver era igual à de um homem nascido no planeta Terra, mas seus cabelos tinham um
brilho violeta. A cor da pele era verde-garrafa.
O imartense passou os olhos castanho-claros pela cantina, até descobrir o Dr.
Nardini. Saiu caminhando a passos largos em direção à mesa do doutor. Desta vez
ninguém fez observações. Não havia ninguém em Kahalo que não soubesse que Rakal
Woolver perdera o irmão gêmeo Tronar durante uma missão desempenhada em conjunto
a bordo de uma gigantesca nave dos maahks.
Os maahks enviaram de volta uma duplicata de Tronar Woolver. Tratava-se de um
ser que se assemelhava ao original nos menores detalhes, mas não possuía os dons
paranormais do mesmo. Naquele momento o duplo de Tronar Woolver estava deitado na
clínica da base de Kahalo, onde era vigiado cuidadosamente pelo Dr. Latham. O falso
especialista da USO fora colocado num profundo estado narcótico, pois dessa forma se
esperava reduzir o perigo da autodestruição.
Quando Rakal parou à frente da mesa de Nardini, o médico acabara de levantar a
xícara com a bebida quente. Quase não se via seu rosto, que estava meio encoberto atrás
dos vapores.
— Ainda há três cadeiras livres — disse Nardini com um gesto convidativo.
Rakal Woolver sentou à frente do médico. Ficou observando as pulsações regulares
da agulha que enfeitava o cachecol de Nardini.
— Pelos planetas do Universo, doutor! O senhor deve ter tirado do armário o que
tem de mais caro — disse, bastante impressionado.
Nardini descansou a xícara e lançou um olhar vaidoso para o casaco que vestia.
— Hoje é o dia dezenove de maio do ano dois mil quatrocentos e um — disse em
tom compenetrado. — É o dia em que o Dr. Nardini abandona Kahalo e se demite do
cargo de médico da Frota Solar.
Woolver deu uma risadinha.
— Acho que o senhor vai provocar uma revolução nos trajes da Frota Solar.
— Receio que os recursos da organização sejam insuficientes para trajar todos os
agentes no estilo que estou usando — lamentou-se Nardini. — Por isso provavelmente
terei de adquirir o uniforme geralmente usado na Segurança.
O sorriso desapareceu do rosto de Woolver.
— Para mim o dia dezenove de maio também é muito importante, doutor — disse.
Nardini tirou do bolso uma piteira, encaixada em forma telescópica. Esticou-a. A
peça quase chegava até o outro lado da mesa. Woolver perguntou-se como Nardini
pretendia acender um cigarro dentro desta coisa monstruosa.
O médico tirou um cigarro do maço, acendeu-o e só depois prendeu-o na ponta da
piteira.
— Isso é um novo tipo de palito, doutor? — gritou alguém que estava sentado a
uma das outras mesas.
Nardini exibiu um sorriso delicado, afastou a fumaça da frente do rosto e disse:
— Ouvi dizer que hoje o senhor vai tentar, major.
— Vou tentar, sim — disse o mutante em tom enfático. — Irei para junto dos
maahks para desempenhar o papel de seu agente.
Nardini recostou-se na cadeira, sem tirar os olhos de Woolver.
— O senhor está sendo impelido por um instinto animalesco — constatou. — Quer
vingar a morte de seu irmão gêmeo.
— Isso mesmo — confirmou Rakal. — Os maahks o mataram. Destruíram parte do
meu próprio eu.
Nardini sabia que entre os gêmeos existira um misterioso elo psíquico. Os dois
Woolver mantinham uma comunhão emocional, embora não possuíssem nenhum dom
telepático. A dor e a alegria de um deles sempre se refletira no outro.
— Bem que eu gostaria de acompanhá-lo — disse Nardini, deixando Woolver
perplexo. — Sempre tive o desejo de participar de um conflito entre dois povos siderais
— expeliu a fumaça do cigarro entre os dentes muito brancos e sorriu. — Devo ser um
terrível esnobe, major.
Woolver procurou imaginar Nardini lutando com uma horda de maahks, enfiado em
seu traje da moda e com a piteira pendurada no canto da boca.
— Seria um quadro muito estranho — disse Woolver.
— Todo mundo acha que eu sou um freqüentador assíduo dos eventos sociais —
confessou Nardini com a voz triste. — Quem sabe se não tratei um número elevado
demais de casos psiquiátricos? Talvez isso me tenha dado um tique.
— De forma alguma, doutor! — apressou-se Woolver em asseverar. — Se fosse
assim, não teria sido transferido para a Segurança Solar.
Nardini afastou repentinamente a xícara.
— Acho que existe uma maneira melhor de festejar a despedida — exclamou.
Passou a mão pelo disco que servia para escolher as bebidas. Dali a pouco havia quatro
copos reluzentes sobre a mesa.
Woolver olhou para os lados.
— O senhor ainda está esperando algum convidado?
Nardini tirou o cigarro fumado pela metade de dentro da piteira e apagou-o no
cinzeiro.
— Não — respondeu. — Sou um bebedor muito ligeiro.
Rakal bebericou cuidadosamente de um dos copos. A bebida ardia na língua.
Tomou um gole. O ardor tomou conta da garganta e quase o deixou sem fôlego.
Nardini esvaziou seu copo com o rosto impassível.
— Infelizmente não posso acompanhá-lo — disse Woolver para desculpar-se. —
Posso ser chamado a qualquer momento — bateu ostensivamente no pequeno transmissor
que trazia no bolso.
Um técnico aproximou-se, apoiou os braços na mesa e aspirou gostosamente o
aroma da bebida.
— O que está tomando, doutor? — perguntou.
Woolver, que sempre acreditara que Nardini fosse um tipo quieto e modesto,
estremeceu ao ouvir a resposta.
— Um coquetel Nardini.
— Tenho a impressão de que já conheço isso — disse o técnico.
— É possível que um dia eu lhe dê a receita — disse Nardini.
A festa de despedida foi um acontecimento bastante unilateral. Enquanto o médico
sorvia coquetéis e tentava envolver Woolver numa conversa, o mutante permanecia em
silêncio, à espera do sinal combinado.
Depois do sexto coquetel Nardini começou a desenhar projetos de uma moda nova
sobre a mesa. A cabeça foi baixando cada vez mais sobre suas criações.
— O ponto básico são as ombreiras — disse a Woolver. — Por elas se percebe se a
peça é de boa qualidade.
Fez um traço arrojado para dar uma demonstração de uma ombreira de alta
qualidade.
— As camisas são outro detalhe importante — disse. Deixou cair os ombros, num
gesto de resignação. — Sabe lá quantos pecados se cometem na área da produção de
camisas? Quantas camisas amarrotadas, sem elegância, sem goma e fora da moda ainda
são usadas pelos homens. É uma vergonha.
Nardini deixou cair a cabeça sobre a mesa e lamentou-se em altas vozes por todas as
camisas desajeitadas que havia no Universo.
Woolver fez sinal para que um sargento se aproximasse.
— Providencie para que o Dr. Nardini seja levado são e salvo aos seus alojamentos
— ordenou.
— Perfeitamente, major.
O sargento hesitou um instante. Parecia que não sabia por onde segurar o Dr.
Nardini. Surpreendentemente este conseguiu pôr-se de pé sozinho e ficou parado junto à
mesa, cambaleante.
Woolver ouviu o transmissor que tinha no bolso dar o sinal combinado. Levantou
lentamente.
— Para mim está na hora, doutor — disse. — Desejo-lhe muito sucesso em seu
novo trabalho. Por aqui o senhor me ajudou bastante.
Nardini deu um empurrão no sargento e deu um passo na direção do mutante.
— Um dia vamos encontrar-nos de novo, major — garantiu. A agulha que prendia
seu cachecol brilhava que nem um olho. — Vou trabalhar na Segurança Solar, mas o
senhor arrisca o passo no desconhecido.
Despediram-se. Nardini saiu cambaleante, apoiando-se no sargento.
Rakal Woolver saiu dali a alguns instantes. Estava com o rosto tenso. O impulso
ligeiro que tinha sido captado por seu receptor só podia significar uma coisa: algo de
decisivo acabara de acontecer.
Rakal Woolver certificou-se de que não havia ninguém por perto e comprimiu a
tecla de seu minitransmissor. Dali a instantes foi atingido por um eco goniométrico
expedido pela Crest II. O mutante recorreu às suas faculdades extraordinárias. Seus
sentidos paranormais familiarizaram-se com o fluxo de energia que se desenvolvia em
ambos os sentidos, entre o transmissor portátil e a Crest II. Woolver não era teleportador.
Precisava de um meio transportador adequado para deslocar-se de um lugar a outro. Para
isso qualquer forma de energia servia.
Rakal baixou a cabeça, como se estivesse prestando atenção a um ruído. De repente
seu corpo dissolveu-se para rematerializar na Crest II, levando exatamente o mesmo
tempo que o impulso de rádio gastava para percorrer a respectiva distância.
O pessoal que estava de serviço na sala de rádio da nave-capitânia da frota já se
habituara ao seu método de locomoção. Os rádio-operadores esforçaram-se para dar uma
expressão indiferente ao seu rosto e não olhar fixamente para Rakal Woolver. Este saiu
da sala de rádio e dirigiu-se à sala de comando.
Surpreendeu-se ao ver que havia poucas pessoas reunidas no grande recinto. A
Crest II tinha entrado numa órbita em torno de Kahalo, permitindo que os tripulantes
descansassem em seus alojamentos. Woolver viu alguns oficiais, inclusive o Coronel Cart
Rudo e o Capitão Don Redhorse. O halutense Icho Tolot e Mory Rhodan-Abro também
estavam presentes.
Woolver notou que já estavam à sua espera.
— Ainda bem que veio logo, major — disse o Lorde-Almirante Atlan a título de
cumprimento.
— Aconteceu alguma coisa, senhor?
— Os maahks enviaram uma mensagem ao seu agente — respondeu Atlan.
Woolver assobiou baixinho entre os dentes. Esperara por isso há muito tempo.
Haviam conseguido tirar o microtransmissor do duplo sem que ele o descobrisse e
decifrar os grupos de símbolos usados pelo mesmo. Woolver fizera um curso hipnótico
de kraahmak em Kahalo.
O pequeno transmissor era a única possibilidade de estabelecer uma ligação entre a
espaçonave dos maahks e o sósia de Tronar Woolver.
Os maahks não poderiam saber que sua mensagem fora captada e decifrada pelos
terranos.
— Parece que os comandantes dos seres que respiram hidrogênio já começam a
impacientar-se — informou Rhodan. — É o que se depreende do texto da mensagem. É a
primeira vez desde que está em nosso poder que o duplo recebeu ordens precisas.
Naturalmente não pode cumpri-las, pois foi narcotizado e está internado na clínica do Dr.
Latham. E não é capaz de ativar ele mesmo seu dispositivo de segurança. No estado em
que se encontra não tem capacidade para praticamente nada. Mas ainda há o perigo de os
maahks desconfiarem de alguma coisa. Se isso acontecer, poderão ativar o dispositivo de
segurança que destruirá seu duplo. Por isso temos de antecipar-nos a qualquer suspeita —
fez uma pausa e dirigiu-se a Rakal. — E isso fica por sua conta, major.
— Estou às ordens, senhor — limitou-se Rakal a responder.
Estava mesmo. Há dias esperava pelas ordens de entrar em ação. Cada hora passada
em Kahalo parecia um desperdício de tempo.
Rakal Woolver não imaginava que no mesmo instante o comandante da nave
gigantesca dos maahks, Grek-1, também se preocupava com o tempo perdido.
2
Nas obras de muitos cientistas terranos os maahks são apontados como seres que de
forma alguma chegam a ser monstros sanguinários, dominados pela sede do poder,
empenhados em destruir todos os outros povos. Ninguém deve impedir um cientista de
publicar suas opiniões, por mais erradas que sejam, mas ninguém deve atribuir uma
importância demasiada aos trabalhos desse tipo.
Os maahks não eram sanguinários nem estavam possuídos pela sede do poder.
Pertenciam a um povo que não se podia dar ao luxo de se entregar a sentimentalismos e
agiam com uma lógica fria, que lhes permitia tirar proveito de qualquer vantagem que se
oferecesse.
É possível que na primeira guerra que travaram na Via Láctea ainda estivessem
imbuídos de planos de conquista. Mas a segunda guerra, que estavam preparando, não
correspondia às suas próprias idéias.
Na primeira guerra que travaram pela posse da Galáxia os metanitas foram
derrotados pelos arcônidas, que os expulsaram da Via Láctea. Quando voltaram a
aparecer não agiram por vontade própria; estavam obedecendo às ordens dos senhores da
galáxia, os misteriosos donos de Andrômeda.
Do ponto de vista sociológico ainda pode ser defendida a opinião de que a guerra
entre os humanóides e os maahks era inevitável, mas para o cientista as causas desse
conflito sempre serão um mistério.
Todas as raças humanóides, com algumas exceções insignificantes, têm de procurar
seu espaço vital em planetas de oxigênio. Já os seres que respiram hidrogênio preferem
os mundos em que haja uma atmosfera de hidrogênio e amoníaco. Esta diferença basta
para demonstrar que os interesses vitais das duas formas de vida se desenvolvem em
direções completamente diferentes.
Grek-1, comandante da gigantesca nave maahk, sabia disso. Encontrava-se no
interior da Galáxia pela qual seus antepassados tinham lutado em vão há dez mil anos
terranos. Estava lá para preparar uma invasão dos senhores da galáxia.
Grek-1 não conseguiu transferir aos terranos o ódio milenar que sentia pelos
arcônidas e seus ancestrais, os aconenses.
Chegava a sentir uma débil simpatia pelos humanos, que em sua opinião eram
lutadores excelentes e destemidos. Pertenciam a um povo jovem e vigoroso.
Mas a simpatia de Grek nem de longe chegaria ao ponto de esquecer sua missão e
dedicar-se a outros planos.
Grek-1 viera com sua nave para abrir caminho para as frotas gigantescas dos
maahks, que inundariam a Galáxia.
Era a primeira vez na história da astronáutica terrana, que por certo não podia ser
considerada pobre em guerras, que dois grupos militarmente tão fortes se enfrentavam.
Em comparação com as frotas dos blues do setor leste da Via Láctea, as naves ou os
veículos espaciais dos topsiders, as formações maahks representavam uma força
tremenda — isto naturalmente se conseguissem dar o salto para a Via Láctea.
Grek-1 não tinha a menor dúvida de que o salto seria dado, principalmente depois
que conseguira enviar um agente duplicado para junto dos terranos. Este agente era a
imagem fiel de um homem que aparecera misteriosamente a bordo da nave maahk.
Quando teve certeza de que o duplo chegara ao destino, Grek-1 voltara a modificar
a posição de sua gigantesca nave.
Esta encontrava-se a apenas quarenta anos-luz de Kahalo, num ponto situado na
linha fictícia que ligava este planeta ao transmissor solar. Grek-1 escolhera um gigante
vermelho em meio à profusão de estrelas. O mesmo não possuía planetas. A nave maahk
contornava o sol numa órbita tão reduzida que o veículo chegava a aproximar-se da coroa
chamejante. Dessa forma seria impossível localizar a nave espacial.
Só os maahks tinham uma possibilidade de romper o formidável campo energético
da estrela. Seus transmissores de ondas hipercurtas permitiam que a qualquer momento
entrassem em contato com o duplo.
E foi o que Grek-1 fez quando sua paciência crescia constantemente. Achava que já
tinha esperado demais pelas notícias do agente.
A duração da mensagem não fora superior a um qüinquagésimo de segundo. Grek-1
dera ordem para que o agente descobrisse pessoas importantes, que merecessem ser
duplicadas pelos maahks.
Grek-1 queria que os lugares mais importantes da estação de regulagem do
transmissor fossem substituídos quanto antes por duplos, que agiriam sobre os controles
do transmissor.
Se conseguisse o controle do transmissor, Grek-1 poderia, num ataque-relâmpago,
introduzir o grosso da frota maahk na galáxia habitada pela Humanidade. Se não fosse
bem-sucedido, ainda poderia lançar mão da trilha de desvio de impulsos, com a qual os
maahks também poderiam atingir seus objetivos.
Acontecesse o que acontecesse, Grek-1 estava em segurança a bordo da nave
gigantesca. Além de estar fora do alcance da observação das naves estranhas, sua nave
não poderia ser destruída, mesmo que fosse localizada.
Grek-1 esperava receber a qualquer momento a resposta do duplo. Conforme a
mesma, o comandante passaria às fases seguintes de seu plano.
Grek-1 realmente receberia uma resposta. Mas a mesma não vinha do duplo, que se
encontrava na clínica, em estado narcótico, mas de Rakal Woolver, que não conhecia
outro objetivo senão o de vingar a morte de seu irmão gêmeo Tronar.
3
Tudo dependia da resposta que fosse dada. Devia ser concebida de tal maneira que
os maahks fossem levados a chamar de volta imediatamente o agente que tinham enviado
para junto dos terranos. Parecia praticamente impossível considerar todos os detalhes e
enganar os lógicos maahks.
Rhodan não ficou nem um pouco contente ao lembrar-se de que até então todas as
operações do inimigo tinham sido executadas com a maior cautela. Não conseguia
imaginar que isso fosse mudar.
Apesar de tudo Rakal Woolver teria de usar o aparelho especial do duplo para
enviar uma resposta. Os maahks certamente estavam à espera da mesma. Os grandes
computadores instalados na sala de comando foram alimentados ininterruptamente com
todos os dados disponíveis. Rhodan esperava que com isso fossem eliminados pelo
menos os erros mais grosseiros. Por enquanto os computadores tinham impedido o envio
das respostas planejadas, já que em nenhuma delas a probabilidade de êxito calculada
pelos mesmos era superior a trinta por cento.
Rhodan sabia que seria uma irresponsabilidade se ele mandasse Rakal entrar em
ação nestas condições. Devia haver ao menos uma certa garantia que os maahks veriam
nele o duplo.
Provavelmente teriam encontrado uma resposta aceitável, caso tivessem recorrido a
Natã, o gigantesco centro de computação instalado na Lua terrana. Mas não havia tempo
para isso. Se não encontrasse uma resposta dentro de uma hora, Rhodan teria que desistir
de seu plano.
Finalmente Allan D. Mercant apresentou mais uma sugestão, isto depois que os
computadores de bordo tinham recusado mais um plano.
— Não devemos esquecer por que o duplo está aqui — disse.
Os outros fitaram-no com uma expressão de perplexidade.
— No que acha que estamos pensando todo este tempo? — perguntou Atlan em tom
irônico.
— Acontece que partimos de um pressuposto falso — insistiu o chefe da Segurança
Solar. — Esquecemos que no fundo o duplo não é um maahk. Por isso os seres que
respiram hidrogênio aceitariam sua perda sem ficar muito tristes. Portanto, só darão
ordem que volte caso ele tenha uma novidade muito interessante para contar e desde que
sua presença em Kahalo se torne dispensável.
Rhodan acenou com a cabeça. Estava pensativo. Até então queriam que Rakal
usasse o microtransmissor para levar os maahks a acreditarem que estava em perigo.
Acreditavam que isso os levaria a chamá-lo imediatamente de volta. Mercant tinha toda
razão ao ponderar que os maahks provavelmente não teriam tamanha consideração pelo
agente.
— O raciocínio de Allan não deixa de ser correto — disse Atlan. — Mas acho que
não é nada fácil encontrar uma resposta que, além de ser bem interessante, torne
dispensável a presença do duplo em Kahalo, do ponto de vista dos metanitas.
Mercant esfregou as mãos, como se acabasse de fazer um bom negócio.
— Acho que encontrei uma resposta — anunciou.
— Não fique nos torturando — disse Rhodan.
— Rakal comunicará aos maahks que nossos cientistas encontraram um meio de
bloquear o transmissor solar. Informará o inimigo de que o mesmo pode ser totalmente
paralisado por meio de um bloqueio hiperenergético, para ser religado à vontade dos
terranos — Mercant levantou o braço, e o nervosismo que começava a manifestar-se
passou. — É claro que Rakal Woolver não pode transmitir dados mais precisos pelo
rádio. Seria muito perigoso — Mercant estalou os dedos. — As pessoas que estão a bordo
da nave maahk terão medo de perder totalmente o controle do transmissor. O comandante
se apressará em chamar de volta o duplo a fim de conseguir outros detalhes sobre o
bloqueio do transmissor.
— Parece bom, mas há um ponto fraco — disse Atlan. — Como levaremos os
maahks a acreditar num bloqueio hiperenergético que não existe?
— É perfeitamente lógico que tentemos conseguir esse bloqueio — disse Rhodan.
— Quando for interrogado, Rakal se limitará a dar respostas vagas aos maahks, com as
quais eles não possam fazer nada.
Mercant bateu na mesa, concordando com a exposição de Rhodan.
— Foi o que pensei, senhor.
Rhodan ligou o intercomunicador e mandou que o ligassem com o centro de
computação. Expôs o plano de Mercant e deu ordem para que verificassem se o mesmo
tinha uma chance de ser bem-sucedido.
Os homens estavam reunidos no camarote de Woolver. Este, que estivera sentado
na cama, ouvindo em silêncio o que os outros diziam, levantou-se e foi para perto de
Atlan.
— Acho que desta vez teremos mais sorte, senhor — disse. — Talvez seria
conveniente se desde logo incumbíssemos os especialistas em transmissores de fazer um
croqui do bloqueio hiperenergético, para que eu possa apresentar aos maahks uma coisa
que seja inocente e plausível ao mesmo tempo.
— O senhor tem razão — disse Rhodan. — Mandarei providenciar imediatamente.
Os computadores levaram cinco minutos para examinar o plano de Mercant.
Chegaram à conclusão de que o mesmo tinha setenta por cento de probabilidade de ser
bem-sucedido. Era mais que o dobro daquilo que os computadores positrônicos tinham
calculado em relação às sugestões anteriores.
— A situação ficará ainda melhor se os cientistas conseguirem inventar uma teoria
mais ou menos aceitável sobre o bloqueio hiperenergético — disse Rhodan, satisfeito.
— Acho que seria bom enviarmos logo uma resposta aos maahks — sugeriu
Mercant. — Devemos evitar que fiquem nervosos. Quando Grek tiver decidido qual será
a resposta a ser dada à proposta da pessoa que acredita ser seu agente, já teremos em
mãos alguns dados sobre o bloqueio hiperenergético.
Rhodan não perdeu tempo.
— Agora é sua vez, major — disse, dirigindo-se a Rakal. — Tome conta do
microtransmissor.
Empurrou para perto do mutante o estojo em cujo interior estava guardado o
transmissor especial. O aparelho tinha somente dois centímetros de altura por cerca de
um de largura, mas era capaz de receber e transmitir hiperimpulsos. Os cientistas terranos
tinham decifrado os grupos de símbolos com que trabalhava o transmissor, fazendo com
que Woolver pudesse usá-lo sem dificuldade.
O código especial usado pelos metanitas tinha sido redigido em kraahmak. Era a
língua universal dos maahks, que Rakal Woolver tinha aprendido num curso hipnótico,
fazendo com que também neste ponto se igualasse ao duplo.
Rakal tirou tranqüilamente o transmissor do estojo.
— Faça a resposta parecer um tanto confusa — disse Rhodan. — Os maahks
concluirão que o duplo quase não tem oportunidade de usar o transmissor às escondidas.
Por isso não é necessário que a resposta seja redigida com todos os detalhes. Isso só faria
com que os maahks suspeitassem.
— Compreendo, senhor — Woolver colocou o pequeno aparelho na mesa. Dentro
de alguns segundos enviou um grupo de símbolos à nave maahk, relatando a existência
do bloqueio hiperenergético e sua finalidade. Além disso pediu novas instruções.
O texto exato foi examinado imediatamente pelos computadores de bordo, que
chegaram à conclusão de que o mesmo era inocente.
Os maahks receberam a resposta de Rakal Woolver quarenta minutos depois de
terem entrado em contato com seu duplo.
Rhodan não acreditava que a demora pudesse provocar suspeitas entre os maahks.
Afinal, o inimigo tinha de contar com a possibilidade de o duplo não poder usar seu
transmissor quando bem entendesse. Tinha de esperar um momento em que ninguém o
observasse.
— Acho que já pode preparar-se, major — disse Rhodan, dirigindo-se ao mutante.
— Dentro de uma hora no máximo saberemos se podemos enviá-lo para junto do
inimigo.
***
Grek-1 segurava na mão o texto da mensagem decifrada. Não dava a perceber que a
mensagem o deixara bastante nervoso. O duplo descobrira que os terranos eram capazes
de bloquear o transmissor solar quando quisessem. Era um acontecimento inesperado.
Grek-1 tinha em torno de si os cientistas e subcomandantes mais capazes. Os
especialistas discutiam apaixonadamente o problema, enquanto os astronautas debatiam
as implicações militares da nova situação.
Grek-1 rasgou o papel em vários pedaços e deixou-os cair ao chão.
— Silêncio! — ordenou.
As discussões acaloradas terminaram imediatamente.
Grek-1 fitou os cientistas um após o outro, como se dispusesse de tempo à vontade.
Os homens começaram a sentir-se inseguros diante do olhar do comandante. Um
sentimento de desprezo pelos subordinados começou a tomar conta de Grek-1. Eles o
temiam. Ao que parecia, receavam que ele pudesse culpá-los pelo contratempo.
— Um bloqueio — disse, esticando as palavras. — Pelas experiências que temos
com transmissores isso é possível?
Os cientistas falaram todos ao mesmo tempo. Grek-1 ergueu os braços para fazê-los
calar.
Apontou para Grek-44, um dos hiperenergeticistas mais competentes.
Grek-44 não parecia sentir-se muito feliz por ter sido promovido ao posto de porta-
voz do grupo.
— Trata-se de uma área ainda não pesquisada — principiou cautelosamente. —
Praticamente não temos nenhuma experiência na mesma.
— Quero saber se é possível introduzir um dispositivo destes no transmissor depois
que o mesmo tiver sido construído — observou Grek-1. — Não estou interessado nas
suas experiências.
— Teoricamente... — principiou Grek-44, mas logo foi interrompido pelo
comandante.
— Estaríamos em condições de construir um dispositivo de bloqueio? — perguntou
Grek-1 em tom áspero.
Grek-44 olhou para os amigos, como se esperasse que estes o ajudassem. Mas os
mesmos pareciam sentir-se muito satisfeitos por não terem que dar resposta às perguntas
do exaltado Grek-1. Um dos cientistas pigarreou, um tanto embaraçado, mas ninguém se
dispôs a ajudar Grek-44.
— Não, comandante — conseguiu dizer Grek-44 depois de algum tempo. — Não
acredito que possamos construir um dispositivo destes sem antes realizarmos pesquisas
demoradas.
— Acontece que os terranos construíram — resmungou Grek-1, amargurado. — E
não precisaram de pesquisas demoradas.
Precisaríamos saber mais a respeito disso para podermos dar explicações mais
detalhadas — ponderou Grek-44. — Sempre é possível que por algum acaso nossos
inimigos tenham...
— Por acaso? — gritou o comandante, interrompendo mais uma vez o cientista. —
Quando o senhor e seus grandes amigos não sabem mais o que dizer, recorrem ao acaso.
— Precisamos de informações mais detalhadas — balbuciou Grek-44. — A
mensagem do duplo só menciona o dispositivo de bloqueio, sem fornecer outros dados.
Grek-1 pôs-se a meditar em silêncio. Refletia intensamente. No seu íntimo dava
razão ao cientista. A comunicação do duplo era tão lacônica que não se sabia o que fazer
com a mesma. Mas por outro lado não havia dúvida de que os terranos possuíam o
bloqueio hiperenergético e não hesitariam em usá-lo.
Grek-1 entesou o corpo.
— Está bem! — disse. — Os senhores terão suas informações.
— Quem as dará, comandante? — atreveu-se Grek-44 a perguntar.
— Tronar Woolver, o duplo — respondeu Grek-1.
— Vai trazê-lo de volta?
— Conforme as circunstâncias, vou.
— Será perigoso. Ele terá de fugir. Com isso os terranos descobrirão sua verdadeira
identidade.
Estas palavras foram pronunciadas por Grek-7, mas este só manifestara em voz alta
os pensamentos do comandante.
— No momento isto não importa. Se os terranos são capazes de controlar o
transmissor solar da maneira indicada por nosso agente, a presença dos duplos em Kahalo
se tornará inútil. Mas aqui Tronar Woolver é muito importante, pois ele estará em
condições de fornecer as informações de que os cientistas dizem ter tanta necessidade.
Grek-1 atravessou a sala de controle, pisando fortemente. Estava contrariado por
não dispor de tempo para pensar cuidadosamente a respeito do problema. No momento
não poderia acontecer muita coisa, desde que trouxessem o duplo de volta com os
cuidados necessários.
Mais uma vez os terranos tinham provado que eram inimigos bastante
desagradáveis. Num momento em que menos esperava, obrigaram Grek-1 a modificar
seus planos.
— Vamos enviar uma mensagem ao duplo, dando ordem para que volte — disse
Grek-1, interrompendo suas andanças pela sala. — Ele terá de fugir de Kahalo. Quando
tiver conseguido isso, forneceremos as posições.
— Será que os terranos não o perseguirão? — perguntou um dos cientistas,
embaraçado.
— Naturalmente! — esbravejou Grek-1. — Por isso mesmo só receberá os dados
sobre nossa posição quando estiver no espaço. A rota que terá de percorrer o levará para
uma nave auxiliar, não o trazendo diretamente para bordo da nave em que estamos. Desta
forma o perigo de sermos descobertos deixará de existir.
Também desta vez Grek-1 tomara todas as precauções, conforme era de seu feitio.
Não poderia saber que os terranos se haviam adiantado a ele e já contavam com
suas precauções.
***
Mais uma hora se passou a bordo da Crest II antes que chegasse outro impulso
condensado dos maahks. O mesmo foi decifrado imediatamente. Grek-1 dava ordem para
que o duplo saísse quanto antes de Kahalo.
Rhodan segurava a folha em que estava escrita a mensagem decifrada.
— Era o que eu imaginava — disse. — Não indicam nenhuma posição. Os maahks
não estão dispostos a assumir riscos.
— Receberei dados mais precisos assim que tiver fugido de Kahalo, senhor — disse
Rakal Woolver. — O senhor não terá nenhuma dificuldade em seguir-me com uma
flotilha, desde que eu envie a intervalos irregulares os respectivos impulsos
goniométricos.
Ficou combinado que além do microtransmissor maahk Woolver levaria um
aparelho especial terrano. Tratava-se de um transmissor cuja finalidade consistiria em
manter uma flotilha comandada por Perry Rhodan na pista do falso duplo. Desta forma
Rhodan esperava descobrir o esconderijo da grande nave maahk.
Depois do exame do microtransmissor maahk sabia-se praticamente tudo sobre a
técnica de transmissão do inimigo, e por isso parecia pouco provável que os seres que
respiravam hidrogênio conseguissem localizar os impulsos goniométricos expedidos pelo
aparelho especial de Woolver.
— O êxito da missão dependerá em grande parte de que consiga manter um controle
dos seus próprios nervos que lhe permita levar os maahks a acreditarem que o senhor é o
verdadeiro duplo — disse Rhodan, dirigindo-se a Rakal Woolver. — Terá de ser
convincente a partir do instante em que pela primeira vez entrar em contato com pessoas
do campo inimigo. Se não se julgar capaz disso, não vá.
Um sorriso ligeiro apareceu no rosto de Rakal.
— Eu seria um mentiroso se dissesse que não estou nervoso — respondeu. — Mas a
idéia de estar pisando na nave dos assassinos de meu irmão me tornará imune ao medo.
Quero que os maahks saiam perdendo, não eu.
Rhodan baixou a cabeça. Já destacara centenas de homens para missões desse tipo.
Muitos deles nunca tinham voltado. E no caso de Woolver não se podia prever se o major
seria bem-sucedido. Às vezes o resultado de uma batalha dependia do trabalho de um
único homem.
Por isso acontecia constantemente alguém ter de enfrentar um problema
aparentemente insolúvel.
Apesar da extensão enorme do Império Solar, apesar de suas colônias, dos aliados e
das inúmeras espaçonaves de que dispunha, sempre havia momentos em que o destino de
um povo ficava nas mãos de uma pessoa.
De certa forma esta idéia representou um consolo para Rhodan. Provava que o
indivíduo não tinha submergido na maquinária potentíssima criada pelo avanço técnico.
A exploração do espaço cósmico trouxera novos problemas para a Humanidade.
E esse espaço era tão grande que poderia absorver toda a Humanidade, criando
novas dificuldades e estimulando os terranos para novos feitos.
A decadência e a massificação que teriam ameaçado a Humanidade se a mesma não
tivesse avançado no cosmos tinham sido afastadas. Longe de seu mundo o ser humano
lutava por aquilo que queria possuir, sabedor de que suas pretensões não eram mais
legítimas que as de qualquer outro povo. Mais de metade dos homens que combatiam sob
a bandeira do planeta Terra nunca tinham visto o berço da Humanidade.
Eram indivíduos adaptados a novos ambientes, colonos, filhos de exploradores e
astronautas, cientistas, membros das guarnições das estações espaciais — e a maior parte
deles nunca tinha estado na Terra.
Até havia seres humanos que nem sequer sabiam da existência da Terra. Para eles o
planeta de origem era apenas uma lenda.
Mas a elite da Humanidade mantinha-se fiel aos projetos da mesma. Homens
inigualáveis agrupavam-se em torno de Perry Rhodan, e para estes homens o Universo
continuava a representar uma atração irresistível.
Mas ceder a esta atração era envolver-se em lutas. Havia outros seres, pertencentes
a povos estranhos, que cediam à mesma tentação. Um sem-número de formas de vida
inteligentes habitava o cosmos, e muitos povos tinham encontrado meios de realizar
viagens interestelares. E estas viagens nunca deixavam de ser perigosas.
Rhodan se dera conta desde o início de que um povo que se dedica aos seus
objetivos sem desfalecimentos é capaz de impor-se no Universo. Só assim se explicava
que a expansão dos terranos ainda não tivesse chegado ao fim.
E para manter aberto o caminho que levaria a Humanidade a outras galáxias,
Rhodan teria de enviar o imartense Rakal Woolver para uma missão que colocava em
perigo a vida do mesmo.
Para a Humanidade não importava nem um pouco que Rakal Woolver só tivesse
aceito a missão por motivos pessoais.
Os interesses da Humanidade e os de um indivíduo se completavam.
Do ponto de vista da Humanidade pode-se dizer que Rakal Woolver, major da USO,
saiu da nave-capitânia da Frota Solar ao anoitecer do dia 19 de maio de 2.401, viajando
num jato espacial, a fim de descobrir a posição de uma nave inimiga e saber quais eram
as intenções de seus tripulantes.
Do ponto de vista de Rakal Woolver as coisas tornavam-se menos complicadas.
O major saíra da Crest II para vingar a morte de seu irmão Tronar.
4
Grek-1 ergueu os braços que nem um deus vingador enfurecido e gritava. O grupo
de cientistas ficou mais aglomerado. Todos sabiam que o comandante se sentia
decepcionado. Os olhos de Grek-1 faiscavam. O estado em que se encontrava parecia
refutar a opinião de que os maahks são seres insensíveis.
— Repita o que acaba de dizer, Grek-44! — disse.
O cientista levantou uma placa retangular sobre a qual tinham sido colocadas as
duas folhas que o duplo tinha roubado em Kahalo. Via-se perfeitamente que as delgadas
lâminas de metal tinham sido submetidas a vários tipos de tratamento.
Grek-44 agitou a placa como se fosse uma bandeira.
— É totalmente impossível que além do texto normal haja uma escrita secreta
nestas folhas, comandantes — disse, muito embaraçado. — Podemos garantir que
traduzimos o texto verdadeiro.
Grek-1 deu dois passos em direção ao cientista e arrancou-lhe a placa das mãos.
— O que diz este texto? — perguntou.
— Pouca coisa, comandante — confessou Grek-44. — Parece que o duplo roubou
duas folhas nas quais apenas se fazem considerações sobre a possibilidade teórica da
instalação de um comando de bloqueio — Grek-44 desdobrou lentamente uma folha. —
Lerei o texto traduzido para o senhor, comandante, para que veja que há pouca coisa...
Grek-1 interrompeu-o com um gesto impaciente. Atirou a placa sobre a mesa.
— Este sujeito é um idiota! — chiou. — Estava com tanto medo que roubou a
primeira coisa que lhe caiu nas mãos, em vez de verificar se não havia documentos mais
importantes.
— Será que os terranos não guardam os documentos importantes num lugar seguro?
— perguntou 44, ensaiando uma defesa do duplo.
Grek-1 fitou-o com uma expressão contrariada.
— Cale-se! — ordenou. — Ou melhor, retire-se da sala de comando com seus
colegas.
Grek-1 não deu mais nenhuma atenção aos cientistas. O tempo era escasso. E sabia
que a pressa era fonte de erros. E justamente na luta com os terranos não devia haver
decisões erradas.
Grek-1 voltou a levantar os olhos. Grek-7 era o único que continuava perto dele. Os
outros maahks tinham-se retirado e tentavam simular uma atividade intensa.
— O senhor acredita que os terranos já tenham ativado o comando de bloqueio? —
perguntou Grek-1.
Grek-7 não gostava de responder a perguntas deste tipo. Uma resposta que mais
tarde fosse revelar-se incorreta poderia representar a perda da posição de confiança que
desfrutava.
Por isso resolveu ser cauteloso na resposta.
— É difícil saber, comandante.
Grek-1 nem chegou a ouvir a resposta. Refletia intensamente. Se os terranos já
tinham usado o comando que lhes permitia bloquear o transmissor, o plano de invasão
teria fracassado. Mas se o comando ainda não fora ativado, poderia haver uma chance,
desde que agisse em tempo.
Grek-1 entesou o corpo.
— Vamos tentar — decidiu. — Mande preparar imediatamente um pequeno barco
robotizado que se dirigirá ao transmissor solar. Deverá haver um transmissor de grande
potência a bordo do barco. O mesmo entrará em funcionamento no instante exato em que
o barco materializar no sistema de Horror.
— O sistema de Horror está sendo patrulhado por unidades da frota terrana —
ponderou Grek-7. — A pequena nave será atacada imediatamente pelas mesmas.
— Naturalmente. Mas antes disso a mesma irradiará o sinal combinado para as
naves que se mantêm à espera.
— Quer dizer que o senhor quer arriscar, comandante? — perguntou Grek-7 numa
atitude que quase chegava a ser de veneração.
— Não temos alternativa. Ligaremos a trilha de desvio de impulsos, para que nossas
naves possam entrar em segurança na Galáxia.
Grek-7 já estava inclinado sobre o intercomunicador, para transmitir as necessárias
instruções aos técnicos que estavam de serviço no hangar. Sentiu que o comandante
acabara de dar a ordem decisiva. A invasão estava entrando no segundo estágio. Mas o
império dos terranos só se esfacelaria quando ela entrasse no terceiro estágio.
“Já está balançando”, pensou Grek-7, satisfeito. Mas os terranos ainda não
desconfiavam disso.
Naquele momento um único homem se interpunha no caminho da concretização das
intenções dos maahks. Mas era um homem dotado de faculdades extraordinárias, e que
usaria as mesmas no instante em que Grek-7 estava transmitindo as instruções do
comandante.
***
A pequena nave não tripulada foi-se aproximando em alta velocidade. Era apenas
uma seta de um metro de comprimento, recheada com o mecanismo propulsor. Na proa
existia um oco de dez centímetros de diâmetro.
Nesse oco estava guardado o transmissor.
A nave em forma de seta mantinha inabalavelmente a rota. Essa rota fora
programada pelos maahks no sistema de pilotagem automática. A navezinha voava para a
destruição. Isso tinha sido previsto. Mas antes de transformar-se numa nuvem de gases
incandescentes transmitiria a mensagem que decidiria as futuras ações. Era o sinal que as
unidades maahks estacionadas no sistema de Horror estavam esperando.
A navezinha atravessou o transmissor solar que nem um fantasma.
Frederick Bowden, um tenente que estava de serviço na estação de ajuste de
Kahalo, disse a seu ajudante Kaalran:
— Alguma coisa parece ter passado pelo transmissor.
Kaalran era um homem baixo, de aspecto sonolento.
Piscou os olhos na direção dos controles. Parecia confuso.
— Não vejo nada — disse, aborrecido. — Seus nervos devem ter-lhe pregado uma
peça.
Bowden lançou um olhar pensativo para os instrumentos.
— Não estou enganado — disse em tom obstinado.
Pôs a mão no videofone.
Kaalran espreguiçou-se a contragosto sem sair da poltrona.
— Não venha me dizer que vai dar o alarme.
— Vou, sim — respondeu Bowden.
***
O cruzador pesado Sanchez era uma das unidades estacionadas no sistema de
Horror. O comandante era o Major Joel “Mack” Watherley. Watherley era um homem
alto, incrivelmente musculoso, de pouco mais de trinta anos. Além do uniforme usava
uma faixa azul, ostensivamente amarrada em torno dos quadris, que costumava esvoaçar
cinqüenta centímetros atrás do corpo quando estava andando.
E Mack estava andando.
Conseguira fazer da Sanchez a nave mais limpa da Frota Solar. Os tripulantes
mantinham-se ocupados constantemente limpando certas peças, polindo-as ou removendo
a poeira. Mack Watherley possuía uma espécie de sentido paranormal para tudo quanto
era sujeira. Qualquer astronauta a serviço na Sanchez seria capaz de jurar que o major era
capaz de farejar uma partícula de pó a vinte metros de distância.
Os dedos longos e rijos do major passavam constantemente sobre todas as arestas,
para verificar se a poeira não voltara a depositar-se nas mesmas depois da última limpeza
geral. A luta fanática que Watherley vivia travando contra a sujeira atingiu o ponto
culminante justamente no dia 19 de maio de 2.401.
Depois de ter feito uma inspeção na sala de máquinas, Mack entrou na sala de
comando da Sanchez. Deixara na sala de máquinas um grupo de homens que suava e
praguejava, e que no momento se mantinham ocupados polindo ao máximo os objetos em
que Watherley tinha encontrado alguma falha.
Mal atravessou a porta da sala de comando, Mack ficou parado, dando a impressão
de que tinha esbarrado numa muralha invisível. Era raro ver o major parado. Os oficiais
retribuíram o gesto, olhando para o comandante.
Watherley levantou a cabeça como se fosse um cão de caça experimentado.
— Alguma coisa está fedendo! — constatou em tom de incredulidade.
Na opinião de Watherley um cheiro desagradável tinha de ser combatido com a
mesma paixão que qualquer outro tipo de impureza. Acontecia que o olfato de Mack era
tão desenvolvido que até mesmo no ozônio estéril o mesmo seria capaz de constatar os
remanescentes malcheirosos.
A constatação de Watherley foi seguida de um farejar generalizado por parte de
todos os oficiais que se encontravam na sala de comando, e que também queriam
descobrir a causa da poluição do ar para removê-la quanto antes.
— Sinto um fedor de carniça! — disse Watherley.
Já se recuperara do choque o suficiente para poder adentrar mais profundamente a
sala de comando. Passou os olhos pelo chão. De repente saiu em direção à mapoteca com
a segurança de um cão rastreador e numa mistura de triunfo e repugnância abaixou-se
entre as pernas metálicas, onde se encontrava o núcleo de uma maçã roída.
Joel “Mack” Watherley ergueu-se abruptamente.
— Quem fez isto? — chiou.
Ninguém respondeu.
— Palsh! — gritou Watherley.
O imediato da Sanchez veio correndo. Watherley apontou para o objeto que causara
sua indignação.
— Remova isso! — ordenou Watherley.
Enquanto Palsh rastejava para baixo da mapoteca, Mack dirigiu-se aos outros
oficiais.
— Posso garantir, senhores, que o malfeitor...
O resto da frase foi abafado pelo som estridente do alarme. Palsh saiu tão depressa
de baixo da mapoteca que esbarrou no Major Watherley. Perdeu o equilíbrio por um
instante e deixou cair o resto de maçã que segurava na mão direita.
Mais tarde Palsh afirmaria que deixara o fruto apodrecido cair intencionalmente na
direção de Watherley, mas era mentira.
Seja como for, o major foi atingido, mas não se incomodou. Dirigiu-se à poltrona de
comando.
— Objeto desconhecido materializou no transmissor, senhor! — anunciou o oficial
que cuidava dos rastreadores. — Houve o alarme geral para todas as unidades.
Watherley atirou as pernas compridas por cima da braçadeira da poltrona e deixou-
se cair na mesma. Passou as mãos esbeltas pelos comandos. Havia ordens precisas de
como agir num caso destes.
O objeto que acabara de aparecer recebeu ordem da nave-comando para identificar-
se.
A Sanchez acelerou. Pertencia à parte dianteira da formação esférica de naves
terranas que exercia a vigilância em torno dos três sóis.
Dali a instantes o objeto voador desconhecido apareceu em forma de um ponto
luminoso nas telas do rastreador espacial.
A nave-comando transmitiu o sinal combinado. O veículo desconhecido que
acabara de surgir no sistema de Horror devia ser destruído.
Watherley deu suas ordens com a voz tranqüila. Os homens estavam de prontidão
no centro de comando de tiro. Somente três naves aproximaram-se do objeto voador
desconhecido: A Sanchez, a Shannondoah e a Quebec.
Dali a dois minutos as armas começaram a falar. A navezinha em forma de flecha
tornou-se incandescente e transformou-se numa nuvem de energia que logo se espalhou
no espaço.
Watherley franziu a testa e olhou para os rastreadores.
— Será que os maahks enlouqueceram? — perguntou. — Devem saber que com
uma única nave não conseguem passar.
— Deve ser um teste — disse Palsh.
Mack sacudiu a cabeça.
— Ninguém seria tolo a ponto de sacrificar uma nave para verificar um fato bem
conhecido. A finalidade do objeto voador não foi esta.
— Pode ser, senhor — confirmou Palsh.
As três unidades receberam ordem para retornar ao ponto de partida da ligeira
operação.
— Assuma, Palsh — ordenou Watherley. — Pedirei à nave-comando que me dê
outros detalhes.
Watherley dirigiu-se à sala de rádio, que ficava ao lado da sala de comando.
Na entrada quase esbarrou no rádio-operador Layds.
— O que houve, Layds? — perguntou.
Layds entregou-lhe uma fita de plástico.
— Pretendia transmitir isto ao senhor, mas Palsh está no seu lugar.
Watherley passou os olhos pela mensagem vinda da nave-comando. A mesma dizia
que o objeto voador não identificado irradiara um hiperimpulso instantes antes de ser
destruído. Os especialistas que se encontravam a bordo da nave-comando terrana
tentavam decifrar a mesma.
— Eles vão trabalhar muito tempo — disse Watherley.
— Não compreendo, senhor — observou Layds em tom de curiosidade.
— Não acredito que se trate de uma mensagem que possa ser decifrada — explicou
Mack. — Deve ser apenas um sinal previamente combinado, que deverá desencadear
certos acontecimentos.
Layds coçou o queixo. Parecia pensativo.
— O que será, senhor? — perguntou, um tanto assustado.
— Não sei — confessou o major. — Mas alguma coisa me diz que teremos
problemas.
— Tenho a mesma impressão, senhor — afirmou Layds em tom seco.
Watherley fitou-o com uma expressão indignada. Parecia perguntar-se como um
simples rádio-operador podia colocar suas impressões no mesmo nível das de um major.
— Volte ao trabalho — ordenou Watherley.
Layds fez continência e deu as costas ao comandante. Watherley voltou ao seu lugar
na sala de comando.
Palsh saiu da poltrona de comando e fitou Watherley com uma expressão de
curiosidade.
— Layds tem uma mensagem para o senhor — disse.
— A coisa que acabamos de destruir transmitiu um impulso de rádio pouco antes de
desintegrar-se — informou Watherley. — Não estou gostando.
Palsh olhou para os bicos de seus sapatos, colocando o peso do corpo ora numa, ora
noutra perna. Achava que era um bom meio de concentrar-se.
— Os maahks estão tramando alguma coisa — disse Watherley em tom pensativo.
— Parece que sim, senhor — confirmou Palsh. Watherley fitou-o com uma
expressão de desprezo.
Em vão procurou algum sinal de sujeira no uniforme do imediato.
— Parece que sim! — disse, arremedando Palsh. — O senhor não tem alguma
suspeita que possa manifestar?
Palsh ficou vermelho. Como imediato estava exposto à crítica de Watherley mais
que os outros tripulantes. Ainda não aprendera a ignorar as erupções do major.
— Acho que os maahks estão levando avante a invasão planejada — disse em tom
nervoso.
— Ninguém tem certeza de que os maahks pretendam realizar uma invasão —
objetou Watherley. — Por enquanto não vi nenhuma nave dos metanitas.
De repente Palsh esticou o pescoço, e a cor vermelha de seu rosto foi substituída por
uma palidez acentuada. Levantou o braço e apontou para os rastreadores.
— Pois já pode ver — disse com a voz apagada. — Já pode ver, sim senhor.
Watherley virou-se abruptamente.
No mesmo instante os alarmes uivaram. A voz estridente de Layds saiu do
interfone.
Um modelo confuso formado por pontos luminosos apareceu nas telas do
rastreamento espacial.
— Naves maahks, senhor! — a voz de Palsh tremia de medo.
Dentro de alguns segundos o quadro desapareceu. Antes que as pessoas que se
encontravam a bordo das naves terranas pudessem fazer qualquer coisa, milhares de
unidades pesadas dos maahks tinham-se dirigido em alta velocidade para os três sóis que
circulavam em torno de Horror para desmaterializar no interior do núcleo energético
situado entre os mesmos.
Já não havia ninguém a bordo da Sanchez que ignorasse a finalidade do objeto
voador que acabara de ser destruído. O hiperimpulso irradiado pelo mesmo pouco antes
que fosse destruído fora o sinal de ataque. A invasão estava começando.
6
Ainda não ocorrera nenhum combate de grandes proporções, mas sem dúvida os
historiadores chegariam à conclusão de que aquela época fora a mais perigosa para a
existência da Humanidade.
“Isto se nos dias futuros ainda houver seres humanos que possam escrever sobre
esta época”, pensou Rhodan.
Perguntou-se por que ainda não resolvera dar ordem para que o destacamento de sua
frota atacasse a gigantesca nave maahk cuja posição aproximada era conhecida, já que o
radiogoniômetro de Woolver o conduzira a esta área do centro galáctico.
O ataque imediato colocaria em perigo a vida de Rakal Woolver, roubando-lhe as
reduzidas possibilidades de sucesso de que dispunha.
Rhodan refletiu sobre quais seriam os planos do comandante maahk naquele
momento. Era muito difícil, praticamente impossível, identificar-se com o pensamento de
um ser completamente estranho, pois as motivações do mesmo evidentemente eram
completamente diversas das nossas.
Perry Rhodan girou lentamente a poltrona, olhou para a figura robusta de Cart Rudo
e fitou Atlan. O arcônida estava sentado junto à mapoteca, com os olhos fechados, mas
Rhodan tinha certeza de que o amigo não estava dormindo. Era estranho que um homem
com mais de dez mil anos terranos de idade ainda fosse capaz de desenvolver tamanha
atividade. Em comparação com seu tempo de vida, a saída da Humanidade de seu
minúsculo sistema solar e seu avanço pelo espaço deviam representar um período curto
para o arcônida.
Nestas condições não se podia afirmar que a Humanidade já se tivesse tornado
inesquecível. Se os terranos fossem derrotados pelos maahks, dentro de pouco tempo
ninguém mais falaria nos seres vindos do Sistema Solar. A estrutura do poder no interior
da Galáxia sofreria uma modificação completa, povos antigos experimentariam uma nova
florescência e os jovens se rebelariam contra a pressão exercida pelos invasores.
Seria um torvelinho formidável a agitar constantemente os povos. Isto era a
Galáxia. “E nós”, pensou Rhodan, “estamos neste torvelinho. Encontramo-nos na borda
do mesmo, o que nos leva a crer que podemos contemplar tudo em perfeita segurança,
mas qualquer coisa poderá arrastar-nos para o centro do torvelinho. Mesmo sabendo
disso, agarramo-nos desesperadamente às posições alcançadas, tentamos expandi-las e
resguardá-las.” Rhodan perguntou-se por que apesar de tudo isso continuava confiante
no futuro. Seria um ultraje acreditar numa predestinação da Humanidade. Mas esperava
levar a Humanidade a um ponto em que pudesse desenvolver-se em segurança para todo
o sempre.
Atlan abriu os olhos e sorriu. Até parecia que adivinhara os pensamentos de
Rhodan.
Nesse instante Rhodan recebeu o sinal que indicava a chegada de uma notícia muito
importante e voltou a colocar a poltrona na posição normal. Ligou o intercomunicador e
recebeu diretamente da sala de rádio da Crest II o texto da mensagem que acabara de ser
decifrada.
Esta mensagem tinha sido expedida pelas naves que patrulhavam a área em torno do
transmissor solar. O texto era lacônico:
FROTA DE INVASÃO DOS MAAHKS
ACABA DE MATERIALIZAR.
— Poucas vezes li uma mensagem tão lacônica que me tenha deixado tão satisfeito
— disse Atlan, depois de ler a mensagem por cima do ombro de Rhodan.
— É verdade — confirmou Rhodan. — É um golpe pesado para os maahks, que os
obriga a dar um grande passo para trás. É até possível que tenham que desistir de vez dos
planos de invasão.
— Não compreendo como uma coisa dessas pôde acontecer com os maahks —
disse Allan D. Mercant, que chegara à sala de comando logo após a chegada da
mensagem.
— Acho que Rakal Woolver nos contará o que aconteceu — disse Rhodan.
Atlan fitou o amigo. Estava muito sério.
— Já está na hora de fazermos alguma coisa — disse. — O fracasso fará com que o
comandante da grande espaçonave maahk tente a fuga.
Rhodan olhou para o relógio.
— Vamos dar mais um tempo a Woolver. Partiremos assim que ele nos chamar com
seu goniômetro.
— Acho que não deveríamos esperar até lá — objetou o arcônida.
Rhodan mostrou um sorriso sarcástico.
— Naturalmente. É seu mutante particular que está em jogo.
De vez em quando surgia uma situação que provocava atritos entre os dois amigos.
— A nave é sua, bárbaro — respondeu Atlan com a maior calma. — E é pilotada
por gente sua. Não mando nada na mesma.
— Vamos fazer um acordo — sugeriu Rhodan. — Se o Major Woolver não chamar
dentro de uma hora, sairemos com minhas naves para trazer seu mutante.
— É uma boa idéia, bárbaro.
Aquele rosto, que há dez mil anos aprendera a não mostrar nenhuma emoção, não
revelava se o dono do mesmo estava satisfeito ou não.
8
Um raio fulgurante fez com que as telas de imagem ligadas à sala de máquinas se
tornassem incandescentes. Grek-1 compreendeu imediatamente que a trilha de desvio de
impulsos ou pelo menos parte da mesma tinha explodido. Ficou agachado na poltrona que
nem um animal enorme que estivesse espreitando alguma coisa. O uniforme cinza-pálido,
cuja cor correspondia exatamente à de sua pele, amoldava-se perfeitamente a seu corpo
robusto.
Os abalos provocados pela explosão atingiram a sala de comando, sacudindo Grek-
1 em sua poltrona. Em torno dele estabeleceu-se o caos. Os maahks levantaram-se
abruptamente e ficaram correndo de um lado para outro.
O comandante foi o único que continuou em sua poltrona, atordoado.
Dezenas de alarmes encheram a sala de comando com seus ruídos peculiares. De
todas as salas que ficavam nas proximidades da sala de máquinas veio o alarme de
incêndio. A confusão no interior da nave era completa.
Alguém aproximou-se de Grek-1 vindo de trás e perguntou quais eram suas ordens.
Grek-1 fez um gesto para espantar o subalterno. Pensava na frota de ataque
composta de cinco mil naves, que inevitavelmente voaria para o vazio e iria parar nos seis
sóis gigantescos.
“Provavelmente a catástrofe tem alguma ligação com o comando de bloqueio
terrano”, pensou Grek-1.
Outra explosão sacudiu a nave. Os incêndios pareciam espalhar-se rapidamente. Um
comando de extinção de incêndio formado por robôs entrou na sala de comando a fim de
tomar os preparativos necessários para proteger essa peça importante.
“Perdido”, pensou Grek-1, indiferente a tudo.
O intercomunicador zumbia ininterruptamente. Em toda parte os maahks
desorientados tentavam entrar em contato com seu comandante.
Grek-1 comprimiu lentamente os dois botões do alarme geral, que desencadearia o
sinal que ordenava a ação prevista para as situações de emergência máxima.
Outra figura apareceu ao lado de Grek-1. Este levantou os olhos e viu Grek-7, que
estava totalmente esgotado. Grek-1 teve de fazer um grande esforço para abafar a raiva
que sentia ao ver que seu subordinado estava com medo.
— Tentei entrar em contato com o senhor do convés número dez, comandante —
exclamou Grek-7. Olhou com uma expressão de perplexidade para o intercomunicador
que zumbia constantemente.
— Como vê, não estou recebendo nenhuma mensagem — respondeu Grek-1,
esforçando-se para dar um tom confiante à voz.
— A trilha de desvio de impulsos foi destruída — informou Grek-7. — Houve uma
explosão que destruiu algumas das principais linhas de força. Dali resultaram explosões
em outras partes da nave. Acho que a mesma está praticamente sem condições de ser
manobrada.
— Acabo de dar o sinal de emergência máxima — disse Grek-1.
— Isso não basta — objetou Grek-7. — O senhor tem de dirigir pessoalmente a
operação de salvamento, comandante.
Grek-1 olhou-o espantado.
— O senhor veio me dizer o que devo fazer? — Grek-1 teve de fazer um esforço
para dar um tom ameaçador à voz. Sabia perfeitamente o que acontecia em seguida.
Sempre sabia como reagiriam seus subordinados, mesmo que, como acabara de acontecer
com Grek-7, tivessem feito algo de estranho.
— A segurança da nave está em jogo, comandante — disse Grek-7 em tom
insistente.
“Ele fala na segurança da nave, mas está preocupado unicamente com sua própria
segurança”, pensou Grek-1 com aquela ironia alegre de que todo maahk era capaz.
— A operação de salvamento tem de ser dirigida deste lugar — lembrou Grek-7,
vendo que o comandante continuava calado. Ergueu um dos longos braços e apontou para
a poltrona de Grek.
— Acabamos de perder cinco mil naves — disse Grek-1, cansado, esperando que
Grek-7 o compreendesse. — Também perderemos esta nave.
— Mas o senhor não pode ficar sentado, esperando que isso aconteça! — exclamou
Grek-7 em tom apavorado e recriminador.
— A tripulação desta nave está fazendo tudo que é possível — disse Grek-1. —
Metade dela está paralisada de susto e provavelmente nem compreenderia as ordens que
eu desse.
— O senhor nem tentou — resmungou Grek-7.
— Sempre pensei que o senhor fosse o mais leal dos meus subchefes — disse o
comandante.
Grek-7 perdeu o autocontrole. Simplesmente tinha forças para impor-se diante de
Grek-1.
— É claro que quero salvar a nave — disse Grek-1.
Falava bem devagar, dando a impressão de que queria que Grek-7 refletisse sobre
cada palavra que ele dissesse.
Foi justamente a maneira de se dirigir a Grek-7 que eliminou todas as resistências
deste último. Ao mesmo tempo Grek-7 deu-se conta de que acabara de rebelar-se. Isto fez
com que se descontrolasse de vez.
— Só quis fazer o possível para salvar a nave — balbuciou. — Tudo veio tão de
repente, pouco antes de alcançarmos o sucesso.
“Isto mesmo”, pensou Grek-1, “pouco antes de alcançarmos o sucesso. E bem de
repente.”
— O que vai acontecer com o duplo? — perguntou Grek-7, como se o ser duplicado
ainda tivesse alguma importância. — Não acha que deveríamos matá-lo?
— Por quê? — perguntou Grek-1. — Se a nave for destruída, o duplo morrerá. Por
que haveríamos de poupá-lo da desgraça de participar do fim da nave?
— Eu... — principiou Grek-7.
Mas um outro abalo, muito mais violento que os anteriores, fez com que ele se
calasse. Estendeu os braços para não perder o equilíbrio, enquanto Grek-1 continuava
tranqüilamente sentado em sua poltrona, aparentando indiferença, à espera de que tudo
passasse.
O súbito interesse que Grek-7 estava demonstrando pelo duplo devia ter um motivo.
O comandante pôs-se a refletir sobre isso. “Ele o viu”, pensou de repente. “Isto mesmo.
Deve ter-se encontrado com o duplo.”
— Onde foi que o senhor viu o duplo? — perguntou com a voz calma.
Grek-7 olhou-o estupefato.
— Onde eu o vi? — repetiu.
— Sim, onde foi? — insistiu Grek-1.
— No corredor principal do observatório — disse Grek-7, falando com dificuldade.
— Quis trazê-lo imediatamente para cá, mas neste exato momento explodiu a trilha de
desvio de impulsos e...
A fala de Grek-7 terminou num cochicho incompreensível.
Grek-1 chegou à conclusão de que provavelmente teria rebaixado Grek-7, se isso
ainda adiantasse alguma coisa. Se a situação fosse diferente, o mesmo provavelmente não
teria mentido ou tentado rebelar-se contra o comandante.
— Retire-se! — ordenou. — Assuma os comandos de extinção de incêndio dos
conveses centrais.
Grek-7 saiu correndo. O comandante tinha certeza de que o astronauta fortemente
abalado com o que acabara de falar arriscaria a própria vida para ser bem-sucedido na
execução de sua tarefa.
Grek-1 inclinou-se para a frente e ligou o intercomunicador para a recepção. Vozes
nervosas soaram em todos os aparelhos de transmissão.
— Aqui fala o comandante — disse Grek-1 em tom frio. — Cada um sabe o que
tem de fazer. Precisamos salvar a nave, que é o único meio de voltarmos ao nosso
mundo.
As vozes nervosas foram silenciando uma após a outra.
“Talvez pensem que posso fazer milagres”, pensou Grek-1.
— É necessário proteger as partes da nave que ainda estão intactas antes de atacar
os focos de incêndio — prosseguiu o comandante. — Espero informações detalhadas de
todos os setores sobre a extensão dos danos.
Aguardou a confirmação.
— Quero que continuem a procurar o duplo. Em hipótese alguma deve ser morto.
Quero que seja trazido à sala de comando assim que for preso.
Grek-1 fez alguns movimentos para ligar o centro de computação, que interpretaria
os dados sobre o incêndio.
Finalmente desligou o intercomunicador e recostou-se na poltrona.
Perdera muita coisa num tempo incrivelmente curto, mas a única coisa que lhe
causava tristeza era a perda de Rhy'eerin. Grek-1 não sabia de que forma os terranos
tinham detido as cinco mil naves maahks, mas tinha certeza de que haviam desferido seu
golpe no momento exato. Grek admirava-os por isso. Afinal, não estava na Galáxia para
defender seus próprios interesses, mas os dos senhores da galáxia. As coisas seriam bem
diferentes se tivesse lutado contra os arcônidas ou os aconenses, que eram os grandes
inimigos de seu povo.
O intercomunicador emitiu um estalo. Eram os primeiros relatórios que estavam
chegando, transmitidos automaticamente ao centro de computação. Grek-1 não precisava
do resultado fornecido pelo computador para ter uma idéia da situação. A trilha de desvio
de impulsos tinha explodido, e a explosão destruíra grande parte da sala de máquinas.
Vários condutores centrais de energia e alguns propulsores foram destruídos pouco
depois. Dessa forma o incêndio lavrava em várias partes da nave.
Talvez fosse possível recuperar, ao menos em parte, a mobilidade da nave, mas
seria só.
Grek-1 foi interrompido em suas reflexões. Outro maahk apareceu a seu lado. Era
Grek-44, um dos cientistas.
— Posso falar com o senhor? — perguntou Grek-44.
“Ao menos este homem parece mais calmo”, pensou o comandante maahk.
— Pois não — respondeu. — O que houve?
— Trata-se da destruição da trilha de desvio de impulsos — respondeu Grek-44. —
Meus colegas e eu cuidamos imediatamente do problema.
Só mesmo os cientistas seriam capazes de discutir calmamente um assunto enquanto
a nave estava sendo consumida pelas chamas.
— Qual foi a conclusão? — perguntou Grek-1, não tanto por estar interessado no
assunto, mas porque sentia que Grek-44 esperava que ele fizesse esta pergunta.
— Em nossa opinião a explosão da trilha de desvio de impulsos não pode ter
nenhuma relação com o comando de bloqueio dos terranos. Se este comando tivesse
entrado em funcionamento, nossas naves nem teriam materializado. E não existe
nenhuma dúvida de que materializaram.
— Suponhamos que o senhor tenha razão. Qual pode ter sido a causa do desastre?
— O desastre foi causado por influências internas! — afirmou Grek-44.
— Acredita que tenha sido um defeito no funcionamento da máquina?
— Acredito que tenham sido algumas bombas aarg — respondeu Grek-44.
Grek-1 fitou-o demoradamente e chegou à conclusão de que o cientista estava
falando sério.
— Quem poderia ter feito isso? — perguntou. — E, o que é mais importante, como?
— Ouvi dizer que Rhy'eerin também foi morto em circunstâncias misteriosas —
lembrou Grek-44.
— Isso mesmo — chiou Grek-1.
Não tinha nenhuma vontade de discutir a morte de Rhy'eerin com quem quer que
fosse, muito menos com o cientista.
— Talvez tenha sido o duplo — disse Grek-44. — Ele continua desaparecido.
O comandante fez um gesto cansado.
— Grek-7 encontrou o duplo no momento da explosão no corredor central do
observatório. Gostaria que explicasse como ele poderia ter destruído a trilha de desvio de
impulsos, se estava dez conveses abaixo da mesma.
— Só queria que ouvisse nossa teoria, comandante — respondeu Grek-44 em tom
obstinado.
— Foi o que fiz — disse Grek-1.
O cientista retirou-se. Parecia zangado. Grek-1 pôs-se a refletir sobre a afirmativa
de Grek-44. Não havia dúvida de que o duplo era uma personalidade misteriosa, mas não
era possível que estivesse em dois lugares ao mesmo tempo.
Grek-1 apoiou os braços nas braçadeiras da poltrona. Chegou à conclusão de que
naquela altura não valia a pena quebrar a cabeça para descobrir as causas da catástrofe.
O importante era colocar a nave num estado que lhes permitisse voar com a mesma
caso fosse necessário.
***
Rakal Woolver escondera-se num nicho, assim que Grek-7 se afastara. Antes disso
certificara-se de que desta vez não estava entrando num elevador. No momento não quis
arriscar-se a dar um salto.
De vez em quando alguns maahks passavam correndo.
Woolver não teria sido capaz de acreditar que a destruição da trilha de desvio de
impulsos fosse capaz de abalar a gigantesca nave, mas ao que tudo indicava tinha
acontecido exatamente isso. Houvera pelo menos sete explosões muito fortes, que pelos
cálculos de Woolver não podiam ter ocorrido todas na sala de máquinas.
O pior era a incerteza sobre o resultado de sua missão. Conseguira evitar a
introdução de uma frota maahk, ou teria chegado tarde? No Império ninguém tinha
conhecimento da existência da trilha de desvio de impulsos, que permitia aos maahks
usar qualquer transmissor em seu benefício assim que o desejassem. Woolver fazia votos
de que não houvesse outras naves na Via Láctea que tivessem um maquinismo destes a
bordo e estivessem em condições de usá-lo.
Woolver pegou o radiogoniômetro. Teve suas dúvidas. Será que já estava na hora de
avisar Perry Rhodan? Talvez conseguisse outras informações.
O major certificou-se de que não havia ninguém no corredor e saiu do nicho.
Não esperara que a satisfação do desejo de vingança lhe desse alegria, mas tivera
uma débil esperança de que o vazio que tomara conta dele desde a morte de seu irmão
pudesse ser preenchido, ao menos em parte. Mas isso não acontecera. Continuava a sentir
a mesma solidão, que provocava a desorientação que provavelmente ainda o estimularia
por muito tempo a praticar os mais diversos atos.
Woolver era bastante inteligente para saber desde o início que a vingança não nos
devolve aquilo que perdemos. Por isso nunca sentira ódio pelos maahks; não conseguia
ficar zangado com eles. Na verdade, executara sua vingança da mesma forma que
executaria qualquer tarefa, de forma objetiva e mantendo a capacidade de, num momento
de perigo, não perder a cabeça.
Woolver não tinha a menor dúvida de que seu irmão gêmeo teria agido da mesma
forma. Seus amigos costumavam afirmar que Rakal era mais agitado que Tronar. Rakal
nunca percebera isso. Acreditava que suas reações emocionais correspondiam exatamente
às do irmão, o que os levaria a quase sempre fazerem a mesma coisa. Agiam que nem
dois músicos muito bem afinados, que tocassem a mesma melodia no mesmo
instrumento.
Rakal perguntou-se se a morte de Tronar produzira alguma modificação em sua
personalidade. Sem dúvida tornara-se mais independente, mas em compensação era
menos equilibrado.
Woolver saiu andando. Quando já tinha percorrido a maior parte do corredor, um
maahk saiu de um poço antigravitacional bem à sua frente. Seria fácil fugir, pois não
havia dúvida de que não fora visto pelo maahk. Mas Woolver ficou parado. Fazia questão
de descobrir o que havia conseguido ao destruir a trilha de desvio de impulsos.
O maahk já ia passar por ele, mas de repente parou. Woolver seria incapaz de dizer
se já tinha visto este inimigo. Para um terrano todos os seres que respiravam hidrogênio
se pareciam muito.
O maahk parecia muito surpreso.
— O duplo! — exclamou, estupefato. — Você tem de vir comigo. Grek-1 quer vê-
lo.
— Por quê? — perguntou Woolver.
O maahk fitou-o com uma expressão de perplexidade. Dava a impressão de que não
compreendia como um duplo podia fazer uma pergunta destas.
— O comandante quer falar com você, duplo.
— Acontece que não quero falar com ele — respondeu Woolver, tranqüilo.
O maahk parecia desorientado. O comportamento do duplo parecia deixá-lo
assustado. Woolver estava se divertindo e teria levado adiante o jogo, se o maahk não
tivesse perdido a paciência e tirado uma arma de cano curto, apontando-a para ele.
— Não sei o que está havendo com você — fungou o maahk. — Só sei que terei de
levá-lo para perto de Grek-1.
Woolver fitou o cano da arma, que estava apontada para cima. Bastaria um tiro para
matá-lo. Um furo insignificante no traje pressurizado, e seria o fim, mesmo que o tiro não
atingisse Woolver. Mas o major não teve medo.
— Vamos! — disse o maahk em tom áspero.
Woolver resignou-se e saiu andando. Sabia perfeitamente que não deveria
acompanhar o maahk para perto de Grek-1. Amaldiçoou-se por ter sido tão descuidado.
Em vez de avisar Perry Rhodan, como previa o plano, colocara-se novamente em
situação perigosa. E com isso não descobrira absolutamente nada sobre a extensão dos
danos causados pela explosão, que era o que queria.
O maahk caminhava desajeitadamente atrás dele. Parecia não se sentir muito bem
segurando a arma.
Antes do corredor antigravitacional o túnel descrevia um ângulo de noventa graus.
Woolver ficou parado.
— Entre no túnel! — ordenou o maahk.
Woolver deixou-se cair para o lado e seu braço estendido atingiu a mão do maahk
que segurava a arma. Este disparou. Um buraco negro surgiu na parede, ao lado do túnel.
Uma fumaça espessa saía do mesmo. Woolver sabia que o maahk era mais forte que ele.
Colocou toda força no segundo golpe. O maahk resmungou alguma coisa e a arma caiu
ao chão.
Woolver teve o cuidado de não colocar-se ao alcance dos braços do inimigo, pois
neste caso estaria perdido. O maahk ainda estava aturdido pelo ataque de surpresa. Seus
movimentos pareciam confusos. Woolver lutava em silêncio, mas apaixonadamente. Seu
adversário emitia sons estranhos.
Woolver conseguiu ficar de costas para a entrada do túnel, numa posição em que se
encontrava praticamente no limite da área de ausência de gravidade existente no interior
do túnel.
O maahk saiu correndo na direção de Woolver, agitando furiosamente os braços
compridos. Woolver deu um salto para o lado. O maahk passou por ele e foi cair no poço,
soltando um grito decepcionado.
No mesmo instante Woolver localizou um eco de impulsos e desmaterializou.
Seu corpo voltou a formar-se num recinto que estava em chamas. Estas envolviam-
no preguiçosamente, lambendo as paredes como que em câmara lenta. Sua cor era
estranha. Woolver nunca tinha visto um incêndio como este. Nem sequer se ouvia o
crepitar do fogo, embora quase todo o recinto estivesse em chamas. O silêncio dava um
tom fantasmagórico ao quadro. Woolver olhou para cima. O teto tinha mudado de cor e
seu revestimento desprendia-se em áreas largas.
O calor começou a derreter o chão, que entrou em ebulição. Pequenas chamas
violetas subiam pelas pernas de Woolver. Só então o mutante ouviu um leve chiado, que
parecia vir de todos os lados.
De repente houve um movimento na outra extremidade do recinto. Woolver viu
alguns robôs que entraram com equipamento de extinção de incêndio. Seus corpos
refletiam o brilho do fogo. Woolver soube logo que carregavam equipamento de extinção
de incêndio porque espalharam uma massa espumosa. A pressão dos jatos fazia com que
a espuma se espalhasse pelo chão. Inúmeros flocos foram carregados pelo vento,
acabando por dissolver-se nas chamas.
Os robôs avançaram em formação cerrada, com os aparelhos de extinção de
incêndio seguros nos braços mecânicos. A cada passo que as máquinas avançavam
crescia a massa de espuma, que se espalhava lentamente na direção de Woolver.
Parte do teto desabou e caiu na massa de espuma, mas os robôs não deixaram que
isto os perturbasse.
Os sentidos paranormais de Woolver alcançaram um eco de impulsos. Saltou para
fora da sala.
Materializou num gigantesco hangar, que ainda não parecia ter sido atingido pela
destruição. Woolver perguntou-se por que os maahks não se preparavam para abandonar
a nave nos barcos auxiliares.
Fora parar numa sala muito pequena de paredes transparentes, que ficava quase
exatamente embaixo do teto do hangar e parecia servir de escritório e posto de
observação. Lá embaixo, entre as naves menores, havia alguns maahks. Da forma pela
qual agiam não se podia concluir se estavam ou não preparando uma decolagem.
Woolver passou os olhos pela mesa pequena que havia no recinto e viu um mapa
aberto, no qual um desconhecido fizera algumas anotações pouco antes da chegada de
Woolver.
— Grek-1 deu o alarme de emergência — leu Woolver. — Parece que as
destruições são bem piores do que receávamos. Preciso dirigir-me aos setores da nave
onde o perigo é maior. A invasão teve um fim prematuro.
Woolver respirou aliviado. Se as anotações fossem corretas, ele entrara em ação no
último instante. Por um instante pensou em levar o mapa, mas resolveu deixá-lo no
mesmo lugar. Tinha certeza de que ali não corria nenhum perigo. Tirou o
radiogoniômetro do cinto e colocou-o sobre a mesa.
Sentou na borda da mesa e transmitiu o impulso previamente combinado.
O rosto que aparecia atrás do visor de seu capacete continuava indiferente. Não
mostrava nenhuma sensação de alívio ou alegria.
Mas em torno da boca viam-se algumas linhas que mostravam o cansaço daquele
homem, que sozinho rechaçara uma invasão.
***
A nave de Grek continuava a correr em alta velocidade em torno da gigantesca
estrela, e seu comandante ainda estava sentado em sua poltrona, refletindo.
À sua frente encontravam-se os primeiros resultados do processamento realizado
pelo centro de computação. A extensão dos danos não era tão grande como Grek-1
receara, mas estes ainda eram bastante graves.
Grek-1 voltara a ligar o intercomunicador para os diversos microfones. Recebia
constantemente informações vindas de todas as partes da nave. O incêndio continuava a
espalhar-se, mas as informações recebidas pareciam revelar que em várias partes o
mesmo já fora contido ou até estava regredindo.
Provavelmente os grupos de extinção de incêndio não demorariam a isolar todos os
focos. Raramente Grek-1 dava uma ordem. Tinha certeza de que todos sabiam o que
deviam fazer. Às vezes dizia algumas palavras para animar os diversos grupos no
trabalho.
De repente foi informado de que Grek-7 tinha morrido.
O subchefe se arriscara demais e encontrara a morte ao entrar num recinto em
chamas.
“Suicidou-se”, pensou Grek-1.
Desejaria que Grek-7 não tivesse feito uma coisa dessas, mas na verdade era
exatamente o que ele esperara. Além disso o fim de Grek-7 combinava com o quadro
geral da catástrofe. Parecia o complemento lógico dos acontecimentos que tiveram início
com a morte de Rhy'eerin e estavam tendo seu remate com o suicídio de seu homem de
confiança. Entre as duas ocorrências havia a invasão fracassada.
Uma nova fase da vida de Grek-1 teria início. Não sabia o que esta lhe reservaria,
mas não adiantava preocupar-se com isso. Tudo que até então preenchera sua vida fora
destruído. Até mesmo suas relações com os senhores da galáxia tinham terminado com a
invasão fracassada.
No futuro ficaria só por muito tempo. Mas poderia ir para onde quisesse. E com
quem quisesse...
9
Agora, que a invasão fora repelida, tinha todo motivo para sentir-se aliviado. Mas
Rhodan sentia uma tensão surda, provocada pela espera ansiosa de notícias de Rakal
Woolver. Parecia que suas preocupações se concentravam exclusivamente neste homem,
como se isto pudesse livrar o mutante de todos os perigos.
Atlan olhou ostensivamente para o cronômetro, como se quisesse mostrar ao amigo
que o prazo estava chegando ao fim. Notava-se uma tensão evidente entre Rhodan e o
arcônida, mas esta desapareceria assim que Woolver se encontrasse novamente a bordo
da Crest II.
Eram duas personalidades marcantes, que por isso não poderiam conviver sem
divergências. Mas numa situação destas os dois eram bastante inteligentes para não
permitir que as desavenças chegassem ao extremo.
Quando finalmente foi captado o impulso expedido por Woolver e transmitido para
a sala de comando, Rhodan teve a impressão de que uma blindagem que o envolvia
acabara de romper-se. Nestas oportunidades era levado a fazer qualquer coisa, para livrar-
se logo e de vez do sentimento de torpor que antes experimentara. Atlan levantou-se.
— Está vivo — disse, respirando aliviado.
— Eu sabia — respondeu Rhodan.
Os computadores já estavam trabalhando. Forneceram numa questão de minutos a
rota que o grupo de naves terranas teria que seguir.
Rhodan deu suas ordens. As naves aceleraram, saltando literalmente através da
escuridão do espaço cósmico.
As naves terranas saíram do espaço linear nas imediações da gigantesca estrela
vermelha que a nave de Grek estava contornando. Rhodan mandou que as naves ficassem
em posição de espera e, com a nave-capitânia, aproximou-se cautelosamente do veículo
espacial dos maahks.
— Seu vôo é irregular, senhor — constatou o Coronel Cart Rudo. — Parece que a
nave está praticamente imobilizada.
A espaçonave maahk dava uma impressão formidável. Seu tamanho lhe dava um
aspecto ameaçador. Rhodan imaginava o que teria acontecido se cinco mil naves como
estas ou mais tivessem atacado as unidades terranas.
Pela primeira vez conseguiu imaginar as proporções tremendas da guerra que os
arcônidas e os maahks tinham travado há dez mil anos.
— Está imobilizada — confirmou Atlan. — Do contrário o comandante não
permitiria que chegássemos tão perto.
Parecia que a nave de Grek desaparecera na coroa chamejante do sol, quando a
órbita que percorria fez com que ficasse escondida atrás do mesmo. A influência do sol
chamejante era tão forte que a presença da nave até deixou de ser registrada pelos
rastreadores.
Rhodan deu ordem para que os rádio-operadores transmitissem o sinal que fora
combinado com Woolver. O mutante poderia perfeitamente aproveitar a energia da
transmissão para transportar-se de volta para a Crest II.
O mutante ainda devia estar vivo. Rhodan fazia votos de que fosse capaz de saltar
para a Crest II.
***
Uma vez transmitido o impulso, Rakal Woolver ficou sentado na mesa, esperando.
Achava que não era muito perigoso permanecer na pequena sala. De qualquer maneira,
não era mais perigoso que em qualquer outra parte da nave.
De vez em quando inclinava-se para a frente para ver o que acontecia no hangar.
Só via uns poucos maahks. Os outros, com certeza, Participavam das operações de
salvamento. Os maahks certamente esperavam que ainda poderiam salvar a nave. Se não
fosse assim, teriam saído nos barcos espaciais.
Quando olhou pela terceira vez para o hangar, um maahk entrou atrás de suas
costas. O mutante viu o reflexo vago da figura robusta na parede transparente.
Sentiu seu coração bater mais depressa. Fora muito descuidado.
O maahk estava tão surpreso quanto Woolver. Foi caminhando devagar até o centro
da sala e girou em torno do próprio eixo, como se quisesse certificar-se de que além do
duplo não havia nada de extraordinário.
— O que está fazendo aqui? — perguntou finalmente.
Falava tão baixo que Woolver tinha de fazer um grande esforço para compreendê-
lo.
— Estou esperando — respondeu Woolver.
— O comandante deu ordem de que você fosse preso assim que alguém o
encontrasse — disse o maahk.
— Já falei com Grek — mentiu Woolver. — Foi ele que me mandou para cá.
O ser estranho fitou-o, com uma expressão de dúvida segundo parecia.
— Vou verificar se você disse a verdade — disse o maahk.
Woolver viu-o inclinar-se sobre a mesa para ligar o intercomunicador. O mutante
segurou um abajur com ambas as mãos e levantou-o.
Golpeou. O maahk percebeu suas intenções, mas ficou petrificado até que o
pedestal do abajur atingisse sua cabeça. O maahk dobrou as pernas e escorregou para
baixo da mesma. Woolver colocou o abajur no mesmo lugar. Uma voz saiu do
intercomunicador, embora o adversário de Woolver ainda não tivesse dito nada.
Woolver não perdeu tempo; desligou. Ficou de joelhos e empurrou o maahk
inconsciente bem para baixo da mesa, para que outros maahks que entrassem ali não o
vissem.
Woolver perguntou-se se o maahk que acabara de derrubar era o mesmo que tinha
feito as anotações no mapa que se encontrava sobre a mesa. Tinha a impressão de que
não convinha forçar ainda mais a sorte. Era bem possível que no próximo encontro com
um maahk levasse a pior.
Woolver voltou a sentar na mesa. Mal acabara de acomodar-se, notou um
movimento embaixo da mesa.
Os braços tentaculares do maahk saíram de baixo da mesma. Pareciam duas cobras
saindo do ninho. Woolver contemplou o espetáculo. Era incapaz de fazer qualquer
movimento. As mãos do maahk procuraram alguma coisa em que apoiar-se e finalmente
descobriram uma reentrância no chão.
O adversário de Woolver foi saindo de baixo da mesa centímetro após centímetro,
demonstrando uma obstinação assustadora.
De repente o transmissor de Woolver emitiu um sinal O imartense fez às pressas as
necessárias regulagens Sentia perfeitamente o eco de impulsos produzido pela
hipertransmissão vinda da Crest II.
O maahk emitia ruídos ocos. Já se via parte da cabeça em forma de foice.
Woolver recostou-se, fechou os olhos para concentrar-se melhor e saltou para fora
da nave dos maahks.
10
O homem alto que usava traje pressurizado foi saindo lentamente da sala de rádio.
Parou junto à poltrona do comandante e tirou o capacete, deixando à mostra um rosto
magro com um par de olhos castanho-claros e porções de pele verde-oliva. Os cabelos
eram curtos, mas apresentavam um brilho violeta inconfundível.
O homem respirou profundamente antes de dispor-se a tirar o resto do traje
pressurizado. Ninguém o perturbou e ninguém lhe deu qualquer ajuda. Não foi
pronunciada uma única palavra. Até se poderia ser levado a acreditar que o homem
estava cumprindo algum ritual.
O homem interrompeu o fluxo de oxigênio e dobrou o traje pressurizado. Entregou-
o, juntamente com o capacete, a um robô que estava esperando.
O homem tinha pernas longas, muito magras, que quase pareciam fracas demais
para o tronco em forma de tonel.
— Olá, major! — disse Perry Rhodan sem sair da poltrona.
— Parabéns, major! — disse Atlan.
“Consegui mesmo”, pensou Rakal Woolver, distraído.
Não conseguia falar, nem mesmo depois que sentara ao lado de Rhodan e do
arcônida. A única coisa que sentia era um ligeiro espanto. Devia estar orgulhoso e
emocionado, pensou. Mal acabara de materializar na sala de rádio e a nave maahk bem
como os próprios maahks pareciam ser uma coisa situada num passado longínquo.
Perguntou-se como se explicava uma coisa dessas. Instantes atrás ainda vira o
maahk meio atordoado sair rastejando de baixo da mesa, e agora sentia-se completamente
seguro ao lado dos homens do Império Solar.
Woolver compreendeu que às vezes sua inteligência era incapaz de acompanhar a
rapidez dos saltos. Cada um desses saltos parecia ser uma ilusão.
Ficou satisfeito porque lhe davam tempo, não o molestando logo com perguntas.
Um robô levantou uma tábua dobrável que havia ao lado da poltrona e colocou uma
caneca de café quente sobre a mesma.
— Os maahks estavam planejando uma invasão — disse Woolver.
Rhodan confirmou com um gesto.
— Já sabemos, major. Mas a invasão fracassou. Cerca de cinco mil naves dos seres
que respiram hidrogênio caíram nos seis sóis do transmissor.
Woolver pegou o caneco e segurou-o firmemente. Sorveu lentamente a bebida, que
lhe deu muito prazer. O aroma do café parecia conduzi-lo definitivamente de volta ao
mundo: ao seu mundo.
— Quer dizer que ainda consegui destruir a trilha de desvio de impulsos em tempo
— disse, satisfeito. — Cheguei a pensar que tivesse sido tarde.
— O que vem a ser uma trilha de desvio de impulsos, Major Woolver? —
perguntou Rhodan.
Woolver hesitou.
— Não posso dar uma explicação detalhada, senhor — disse como quem pede
desculpas. — Mas sei qual é a finalidade dessa máquina.
— Conte o que sabe — pediu Rhodan.
— A bordo da grande nave encontra-se... encontrava-se — retificou Woolver — um
aparelho ao qual os maahks davam o nome de trilha de desvio de impulsos. Este
equipamento lhes permite retirar parte da energia do fluxo que se estabelece entre dois
transmissores para tirar da estação receptora quantas espaçonaves desejarem — Woolver
descansou o caneco violentamente na tábua. — Pouco importa qual seja a regulagem do
transmissor.
Rhodan franziu a testa. O que Woolver acabara de dizer era apavorante. A
vigilância de um transmissor, por mais intensa que fosse, tornava-se inútil.
— Os maahks até podem introduzir suas naves na Via Láctea sem que ninguém o
perceba, a não ser que surjam circunstâncias especiais que os impeçam de fazê-lo —
prosseguiu Woolver.
Contou tudo que sabia a respeito da trilha de desvio de impulsos e disse como
conseguira inutilizá-la.
— Quer dizer que a frota de invasão só apareceu no transmissor de Kahalo porque a
trilha de desvio de impulsos já não estava em boas condições — constatou Rhodan depois
que Woolver tinha concluído.
A idéia de que as frotas dos maahks poderiam ter entrado na Galáxia sem que
ninguém o percebesse não era nada agradável. O inimigo poderia ter-se dirigido
calmamente às posições mais favoráveis para o ataque. Rhodan fazia votos de que não
houvesse outras trilhas de desvio de impulsos na Via Láctea.
— E a nave da qual acaba de sair? — perguntou Atlan.
— No momento sua mobilidade está bastante reduzida — disse o mutante. — Há
incêndios em vários lugares da mesma. Contei pelo menos sete explosões que a abalaram.
— Provavelmente acabará queimando de vez ou caindo no sol — observou o
Coronel Cart Rudo.
Rhodan ficou calado. As notícias trazidas por Woolver eram boas, mas a existência
das trilhas de desvio de impulsos representava um novo perigo. Rhodan já não tinha tanta
certeza de que os maahks não resolvessem tentar de novo.
Bastaria que introduzissem algumas naves na Via Láctea e entrassem em contato
com algum inimigo dos terranos, por exemplo os aconenses.
“Nestas condições”, pensou Rhodan, “os maahks serão um eterno fator de
insegurança.” No momento não sabia o que fazer.
Dirigiu-se ao mutante.
— O senhor chegou a entrar em contato com o comandante maahk?
— Sim senhor. Antes de assumir o risco de permitir minha entrada em sua nave, os
maahks me colocaram num barco auxiliar. Pareciam ter medo de que alguém pudesse
perseguir-me. Encontrei-me com Grek-1 quando ainda estava no barco auxiliar — um
sorriso forçado apareceu no rosto de Woolver. — Dava a impressão de ser muito
perigoso. Em minha opinião é muito inteligente. Durante minha permanência na nave
encontrei-me com vários maahks. Considerando sua mentalidade não-humana, podem ser
considerados inteligentes. E, o que é mais importante, nunca agem precipitadamente.
Parece que pensam antes de fazer qualquer coisa.
— Isto combina com as experiências que já temos com eles, major — confirmou
Atlan.
— Os maahks descobriram que o senhor não é o duplo? — perguntou Rhodan.
— Não — respondeu Woolver. — Não acredito. Quando destruí a trilha de desvio
de impulsos, o caos passou a reinar na nave. Alguns maahks tentaram levar-me ao
comandante, mas pelo que diziam concluía-se que acreditavam que eu era o duplo. Além
disso tomei cuidado para que ninguém tivesse conhecimento de minhas faculdades
paranormais.
— Muito bem — disse Rhodan. — Mais tarde terei que pedir um relatório
detalhado. Agora pode descansar.
— Obrigado, senhor — respondeu Woolver com um sorriso.
Tomou o resto do café e levantou-se. Sentiu os olhares de Rhodan e Atlan pousados
nele. E os olhares dos outros homens que se encontravam na sala de comando. Sentiu-se
tentado a sair, usando algum fluxo energético, mas preferiu andar a pé, apesar dos
numerosos ecos de impulsos que sentia.
Quando chegou ao corredor, finalmente sentiu-se livre. A sensação de estar preso,
provocada pelo traje pressurizado, tinha passado. Sentia-se ansioso para tomar um banho.
Entrou no primeiro elevador antigravitacional que levava aos alojamentos da
tripulação e escolheu um camarote desocupado. Depois foi ao banheiro e tomou uma boa
ducha. Quando voltou ao camarote, o cansaço que sentia desapareceu em parte.
Voltara a ser ele mesmo. Já não precisava desempenhar o papel do duplo.
Suspirou, deixou-se cair na cama e trançou as mãos atrás da cabeça. Mesmo sem
querer, pensou em Tronar.
Olhou para o relógio colocado em cima da mesa. Fazia pouco menos de uma hora
que o dia 19 de maio de 2.401 tinha chegado ao fim. No planeta Terra estava começando
um novo dia para grande parte dos homens que lá viviam.
Lembrou-se do Dr. Nardini. O mesmo certamente já se apresentara no quartel-
general da Segurança Solar. Fazia votos de que Nardini não tivesse cedido à tentação de,
ao começar seu novo trabalho, usar um dos seus trajes esquisitos.
Rakal Woolver adormeceu, pensando no Dr. Nardini, com as mãos entrelaçadas
atrás da cabeça e as pernas bem esticadas. Ainda havia as rugas de cansaço quase
imperceptíveis em torno de sua boca.
***
“É sempre a mesma coisa”, pensou Rhodan.
Um homem volta depois de uma missão bem-sucedida e traz uma série de
problemas. Mas a destruição da frota de invasão sempre era um bom sinal.
A grande nave maahk, que provavelmente era o último reduto inimigo na Via
Láctea, continuava a contornar uma estrela gigantesca, praticamente reduzida à
impotência.
“Com isto poderíamos considerar encerrado o assunto maahks”, pensou Rhodan.
Mas sentiu com a segurança que lhe era dada por uma espécie de sexto sentido que
alguma coisa ainda estava para acontecer.
Os maahks haviam preparado o ataque com uma paciência infinita. Executaram seu
plano passo a passo, até que acreditaram que não havia nenhuma dúvida de que tudo iria
dar certo.
Mas tiveram azar, porque tinham duplicado justamente Tronar Woolver e enviado o
duplo do mutante ao campo inimigo. Era um dos acasos incríveis que poderiam trazer a
decisão da luta pela Via Láctea.
— Não podemos subestimar os maahks, Perry — observou Atlan, dando a
impressão de que adivinhara os pensamentos de Rhodan. — Sofreram uma derrota, mas
nem por isso podemos ter certeza de que abandonarão seus planos. Meus antepassados
foram levados inúmeras vezes a acreditar que tinham alcançado a vitória final, mas
sempre apareciam outras naves inimigas, provando que não era bem assim. Os maahks
são capazes de empenhar-se obstinadamente por um objetivo. Lembro-me de que
consertavam precariamente as naves destroçadas e as mandavam sempre de novo à luta,
embora se tratasse de verdadeiros esquifes voadores que só podia disparar alguns tiros ao
acaso antes que fossem destruídos de vez.
— Talvez as regras desta luta sejam diferentes — disse Rhodan.
— Você acha que os maahks mudaram? — perguntou Atlan, desconfiado.
— De forma alguma. Mas não sabemos quais são seus objetivos. Quem sabe se o
preço que teriam de pagar não é elevado demais?
Atlan levantou-se e foi para perto da tela panorâmica, que era preenchida quase
completamente pelo sol gigante. Á nave maahk só aparecia em forma de um ponto
insignificante, isto quando não desaparecia do lado oposto do sol.
— Estes seres provavelmente estão lutando pela vida — disse o arcônida. — Parece
estranho. Quase não têm sentimentos, mas agarram-se à vida como qualquer outra
criatura. Parece que neste ponto todos somos iguais.
— Com exceção de um velhíssimo arcônida, que está acima destas coisas — disse
Rhodan em tom sarcástico.
Atlan fez como se não tivesse ouvido a observação. Os terranos, pensou, formam
um povo jovem, experimentando uma evolução vertiginosa. Expandiram-se cada vez
mais, partindo de um sistema solar insignificante. Mas justamente isto acabaria por ser-
lhes fatal. Como poderiam controlar os espaços imensos para os quais se sentiam
impelidos pela sede de conhecimentos?
Primeiro foi uma galáxia; depois Andrômeda. E depois? Seria outra nebulosa, um
abismo intergaláctico ou uma nuvem de estrelas. Sempre existiria mais uma coisa capaz
de tentar os terranos. Seguiriam o chamado das estrelas, afastando-se cada vez mais de
seu pequenino planeta de origem.
Atlan já vivera bastante para saber como seria o futuro. Seria inútil tentar expor seu
ponto de vista aos terranos. Eles não o compreenderiam; nem poderiam compreendê-lo.
Por que os terranos nunca pensavam no que havia para além do Universo em que
vivemos? Por que não tentavam familiarizar-se com a idéia de que podia haver um sem-
número de universos, envoltos num espaço inconcebível?
Mas, mesmo que compreendessem, não permitiriam que isso os detivesse. A idéia
de contentar-se com o que tinham alcançado não combinava com sua mentalidade. Atlan
conhecia a história da evolução terrana. O que não tinham arriscado os exploradores
terranos para alcançar este ou aquele objetivo? No início da astronáutica os primeiros
navegadores espaciais se tinham enfiado em cápsulas minúsculas, em cujo interior mal
conseguiam fazer um movimento. Aqueles homens destemidos tinham sido disparados
para uma órbita em torno da Terra por meio de foguetes químicos.
Sim, tudo isso acontecia porque eles nunca se conformavam com nada. Eram um
povo sem preconceitos, que nunca se fixava em operações mentais complicadas. Não
aceitava limites e não se sujeitava a nenhuma lei da natureza, porque no curso de sua
história tantas vezes tinha triunfado sobre estas leis.
O povo dos terranos era que nem uma pulsação selvagem, um movimento
irresistível.
— O que está tramando? — perguntou Rhodan em meio aos seus pensamentos. —
Tem um plano sobre o que devemos fazer com esta nave maahk?
— Não acredito que esteja em condições de fazer uma boa sugestão — respondeu
Atlan.
Foram interrompidos, porque Allan D. Mercant entrou em companhia da esposa de
Rhodan. Mercant olhou para os lados, como quem procura alguma coisa.
— Onde está Woolver? Gostaria de falar com ele.
— Só lhe fiz algumas perguntas sobre as ocorrências mais importantes —
respondeu Rhodan. — Mandei que fosse dormir um pouco antes de conversarmos
demoradamente com ele.
— Allan tem um problema específico — observou Mory com um sorriso.
— O que é? — perguntou Rhodan.
Mercant abriu os dedos e balançou a cabeça, dando a impressão de que não sabia se
devia falar sobre isso.
— O senhor conhece o Dr. Nardini? — perguntou depois de algum tempo.
— Não é um dos médicos que cuidaram de Rakal Woolver em Kahalo? — lembrou
Rhodan.
O chefe da Segurança Solar acenou com a cabeça.
— Sim senhor. Gostaria de falar com Woolver a respeito dele. O mutante fez
amizade com ele e talvez tenha alguma influência sobre o mesmo.
— Não compreendo, Allan. O que houve com Nardini?
— Foi transferido — informou Mercant. — Alguém achou que era tão competente
que mandou encaminhá-lo à Segurança Solar.
— Excelente — disse Atlan. — O senhor vive se queixando da falta de bons
agentes.
Mercant olhou-o. Parecia contrariado.
— Por causa do tal do Dr. Nardini acabo de fazer uma palestra prolongada pelo
super-rádio, através de sete estações retransmissoras.
— Quer dizer que falou com Terrânia — constatou Rhodan.
— Isso mesmo — confirmou Mercant, aborrecido. — Com o quartel-general da
Segurança. Faz uma hora que Nardini se apresentou lá.
— Quer dizer que está tudo em ordem — disse Rhodan.
— Nada está em ordem, senhor — queixou-se Mercant. — O pessoal do quartel-
general quis recusar o novo membro de nossa organização, porque pensavam que se
tratasse de um artista de cabaré. Nardini apresentou seus documentos. O pessoal do
quartel-general não é bobo. Arrastaram Nardini até o vestiário, para entregar-lhe roupas
adequadas e modernas. Usava um terno cor de mostarda, sapatos com esporas e peles de
gato nas bordas.
— E depois? — perguntou Mory, curiosa.
Um sorriso triste apareceu no rosto de Mercant.
— Ele lhes fez uma preleção explicando o que vem a ser cultura. Imagine, senhor.
Uma coisa destas em nosso quartel-general. Disse que eles pareciam miseráveis,
desleixados e deselegantes e que nem pensava em pendurar sacos como estes em seu
corpo. Só estou reproduzindo as palavras de Nardini — acrescentou Mercant como quem
pede desculpas.
— Nardini é um homem muito sensível — disse Rhodan.
— Estava embriagado — disse Mercant. — Que coisa! Um novo membro de nossa
organização aparece bêbado, vestindo um terno cor de mostarda e com um par de sapatos
com...
— ...esporas e forro de pele de gato — completou Rhodan.
— Pois é. E uma agulha pulsante no cachecol.
— Qual foi mesmo a finalidade da ligação de hiper-rádio? — perguntou Atlan.
— Por causa da cueca — respondeu Mercant.
Rhodan fitou-o com uma expressão de perplexidade.
— Por causa da cueca, Allan?
— Depois de algum tempo os rapazes que trabalham no vestiário conseguiram
convencer Nardini a mudar de roupa — informou Mercant. — Mas ali surgiu outro
problema. Nardini recusou-se a vestir a cueca que lhe foi entregue. Disse que tinha
alergia pelas cuecas usadas na Segurança. Alegou que sua pele é muito fina e sensível.
Ninguém poderia exigir que usasse uma cueca que era áspera que nem um tapete felpudo
— o rosto de Mercant assumiu uma expressão contrariada. — É claro que não pôde vestir
as outras roupas, porque antes disso teria de vestir a cueca.
Rhodan sorriu.
— Vejo que a Segurança está enfrentando um problema difícil.
— Nardini disse que está disposto a usar a cueca, mas sob certas condições —
suspirou Mercant. — Diz que, se o chefe da Segurança Solar usa este tipo de vestes, ele
não pode recusar-se a fazê-lo. Diante disso usaram o hiper-rádio para perguntar se uso a
cueca-padrão da Segurança.
Rhodan soltou uma estrondosa gargalhada.
— O senhor usa? — perguntou Atlan.
— Não! — gritou Mercant, indignado. — Por que iria vestir esta coisa barata e
arranhenta?
***
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