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A VINGANÇA
DO MUTANTE
Autor
K. H. SCHEER

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
SKIRO
No ano de 2.401, quando os duplos apareceram na
Galáxia, o Lorde-Almirante Atlan, chefe da United Stars
Organization, julgou conveniente dar ordem para que Tronar e
Rakal Woolver entrassem em ação, para ajudar Perry Rhodan
a repelir os invasores vindos de Andrômeda.
Os parasprinters — nome que se costuma dar aos gêmeos
Woolver, porque são capazes de locomover-se dentro de
qualquer fluxo energético — fazem um excelente trabalho. Os
gêmeos vindos do planeta Imart, de cuja existência nem sequer
Gucky, o melhor mutante do exército especial de Perry
Rhodan, tinha a menor idéia, desvendaram o mistério dos
duplos e fizeram espionagem no centro de comando da invasão
dos maahks.
Mas só um dos parasprinters — Rakal Woolver —
conseguiu voltar. Tronar foi feito prisioneiro e colocado no
multiduplicador. Mas enquanto o original desaparecia
misteriosamente e a cópia fiel de Tronar foi surgindo, cópia
esta que Grek-1, que comandava a invasão dos maahks, enviou
a Kahalo para fazer sabotagem e espionagem, os centros de
comando de Perry Rhodan já estavam prevenidos.
O duplo do parasprinter desaparecido tem uma recepção
condigna e Rakal Woolver prepara a retaliação — executa A
Vingança do Mutante...

= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Rakal Woolver — O mutante que faz uma visita aos assassinos de seu
irmão.
Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar.
Atlan — Lorde-Almirante e chefe da USO.
Allan D. Mercant — Marechal Solar e chefe da Segurança.
Dr. Nardini — Um novo membro da Segurança Galáctica que tem
alguma coisa contra as cuecas.
Grek-1 — Comandante dos invasores vindos de Andrômeda.
Tenente Frederick Bowden — Uma vítima dos maahks.
Joel “Mack” Watherley — Major de profissão e fanático por
limpeza...
Prólogo

O desejo de vingar-se do mal que alguém nos faz é tão antigo como a própria
Humanidade. A sede de vingança causada por uma derrota está estreitamente ligada com
o instinto de autoconservação.
E, como o sentimento de vingança é uma coisa natural, não podemos condená-lo
sistematicamente. Mas a tendência de retaliação é perigosa, pois obriga qualquer pessoa
que se entrega à mesma a abandonar a capacidade lógica do discernimento. Por isso a
Humanidade dispôs-se, no início de sua evolução, a encontrar uma medida universal da
vingança: a lei.
Com isso a vingança perdeu muito da compulsão individual que a inspirava;
transformou-se numa coisa anônima, porque passou a ser executada por grupos de
pessoas autorizadas pela sociedade.
Policiais, juízes, carrascos — são estas as pessoas que exercem a vingança em nome
do bem-estar geral.
Mas a história da Humanidade apresenta inúmeros exemplos de homens que
tentaram exercer a vingança pessoal, e às vezes até foram bem-sucedidos. Sempre houve
mulheres e homens que não se contentaram com a vingança legitimada pelo Estado. Estas
pessoas tomavam a execução da pena nas próprias mãos.
Existe a vingança pelo amor desprezado, por um roubo cometido, pelo assassinato,
pela calúnia, pela fraude e por um sem-número de outras coisas. O elenco de
possibilidades abrange todos os setores da vida humana.
A vingança tem servido de estímulo para feitos grandiosos, mas também deu lugar a
comportamentos desumanos.
A vingança pode transformar o ser humano numa personalidade respeitada, ou
numa criatura que vegeta na sarjeta.
Não existe nenhuma camada social que não tenha experimentado o fenômeno
vingança.
Médicos, trabalhadores, comerciantes, técnicos, políticos, funcionários e artistas,
todos podem ser levados a exercer a vingança.
A vingança não se detém diante dos palácios dos ricos nem à frente das portas
desmoronadas dos habitantes das favelas. Não se interessa pelo grau de inteligência, pela
riqueza, pela origem das pessoas, pela pobreza ou pela idade.
Existe a vingança dos adversários políticos, a vingança dos grandes grupos
econômicos e a vingança dos bandidos, regida pelas leis do submundo do crime.
A vingança se exerce entre os povos, entre as raças e entre as famílias.
E a vingança se pratica de irmão para irmão.
Em nenhum tempo qualquer forma de vingança encontrou tanta compreensão como
a vingança pela morte do irmão.
Este livro conta a história de uma vingança deste tipo...
1

O Dr. Nardini apareceu com um terno cor de mostarda equipado com fechos
magnéticos. Embaixo dos joelhos as calças estavam envoltas em fitas luminosas azuis.
Nardini não usava gravata. Em seu lugar via-se um cachecol artisticamente trançado
cheio de pontos fluorescentes. Na dobra direita do mesmo fora presa uma linda agulha
que pulsava constantemente.
Além desse traje o médico usava botas negras com orlas de couro de gato e
imitações de esporas nos saltos.
Os cabelos negros de Nardini estavam cuidadosamente penteados. Sua entrada na
cantina produziu o efeito de uma bomba. As pessoas que conversavam em torno das
mesas ficaram caladas. Todas as cabeças viraram-se como se estivessem obedecendo a
um comando, para contemplar a figura esbelta do médico.
Nardini não se impressionou com a atenção que estava despertando. Dirigiu-se a
uma mesa desocupada e sentou junto à mesma.
— Ei, doutor! — gritou um dos mecânicos da estação K. — O senhor está usando o
novo equipamento para os mundos aquáticos?
— De forma alguma — respondeu Nardini.
Um técnico que usava traje à prova de fogo e ocupava a mesa ao lado de Nardini
achou que sua posição o obrigava a fazer uma observação:
— Não tente enfrentar a chuva com isso, doutor.
Nardini discou, pedindo um café, e respondeu em tom amável:
— Sem dúvida, senhor Lyefant. Minha butique de Terrânia dá garantia para
acidentes desse tipo.
Quando o café de Nardini foi servido, os outros já se haviam acostumado à sua
figura. Mas dali a instantes tiveram a atenção desviada, pois Rakal Woolver apareceu no
local.
Rakal era natural de Imart, o segundo planeta de uma estrela amarela normal situada
a 19.444 anos-luz do Sistema Solar.
O mutante usava uniforme simples, mas sua figura chamava a atenção tanto quanto
os trajes de Nardini. Woolver tinha 1,93 metro de altura. Até a altura dos quadris era
muito esbelto, mas dali para cima estendia-se o peito em forma de tonel. A cabeça de
Woolver era igual à de um homem nascido no planeta Terra, mas seus cabelos tinham um
brilho violeta. A cor da pele era verde-garrafa.
O imartense passou os olhos castanho-claros pela cantina, até descobrir o Dr.
Nardini. Saiu caminhando a passos largos em direção à mesa do doutor. Desta vez
ninguém fez observações. Não havia ninguém em Kahalo que não soubesse que Rakal
Woolver perdera o irmão gêmeo Tronar durante uma missão desempenhada em conjunto
a bordo de uma gigantesca nave dos maahks.
Os maahks enviaram de volta uma duplicata de Tronar Woolver. Tratava-se de um
ser que se assemelhava ao original nos menores detalhes, mas não possuía os dons
paranormais do mesmo. Naquele momento o duplo de Tronar Woolver estava deitado na
clínica da base de Kahalo, onde era vigiado cuidadosamente pelo Dr. Latham. O falso
especialista da USO fora colocado num profundo estado narcótico, pois dessa forma se
esperava reduzir o perigo da autodestruição.
Quando Rakal parou à frente da mesa de Nardini, o médico acabara de levantar a
xícara com a bebida quente. Quase não se via seu rosto, que estava meio encoberto atrás
dos vapores.
— Ainda há três cadeiras livres — disse Nardini com um gesto convidativo.
Rakal Woolver sentou à frente do médico. Ficou observando as pulsações regulares
da agulha que enfeitava o cachecol de Nardini.
— Pelos planetas do Universo, doutor! O senhor deve ter tirado do armário o que
tem de mais caro — disse, bastante impressionado.
Nardini descansou a xícara e lançou um olhar vaidoso para o casaco que vestia.
— Hoje é o dia dezenove de maio do ano dois mil quatrocentos e um — disse em
tom compenetrado. — É o dia em que o Dr. Nardini abandona Kahalo e se demite do
cargo de médico da Frota Solar.
Woolver deu uma risadinha.
— Acho que o senhor vai provocar uma revolução nos trajes da Frota Solar.
— Receio que os recursos da organização sejam insuficientes para trajar todos os
agentes no estilo que estou usando — lamentou-se Nardini. — Por isso provavelmente
terei de adquirir o uniforme geralmente usado na Segurança.
O sorriso desapareceu do rosto de Woolver.
— Para mim o dia dezenove de maio também é muito importante, doutor — disse.
Nardini tirou do bolso uma piteira, encaixada em forma telescópica. Esticou-a. A
peça quase chegava até o outro lado da mesa. Woolver perguntou-se como Nardini
pretendia acender um cigarro dentro desta coisa monstruosa.
O médico tirou um cigarro do maço, acendeu-o e só depois prendeu-o na ponta da
piteira.
— Isso é um novo tipo de palito, doutor? — gritou alguém que estava sentado a
uma das outras mesas.
Nardini exibiu um sorriso delicado, afastou a fumaça da frente do rosto e disse:
— Ouvi dizer que hoje o senhor vai tentar, major.
— Vou tentar, sim — disse o mutante em tom enfático. — Irei para junto dos
maahks para desempenhar o papel de seu agente.
Nardini recostou-se na cadeira, sem tirar os olhos de Woolver.
— O senhor está sendo impelido por um instinto animalesco — constatou. — Quer
vingar a morte de seu irmão gêmeo.
— Isso mesmo — confirmou Rakal. — Os maahks o mataram. Destruíram parte do
meu próprio eu.
Nardini sabia que entre os gêmeos existira um misterioso elo psíquico. Os dois
Woolver mantinham uma comunhão emocional, embora não possuíssem nenhum dom
telepático. A dor e a alegria de um deles sempre se refletira no outro.
— Bem que eu gostaria de acompanhá-lo — disse Nardini, deixando Woolver
perplexo. — Sempre tive o desejo de participar de um conflito entre dois povos siderais
— expeliu a fumaça do cigarro entre os dentes muito brancos e sorriu. — Devo ser um
terrível esnobe, major.
Woolver procurou imaginar Nardini lutando com uma horda de maahks, enfiado em
seu traje da moda e com a piteira pendurada no canto da boca.
— Seria um quadro muito estranho — disse Woolver.
— Todo mundo acha que eu sou um freqüentador assíduo dos eventos sociais —
confessou Nardini com a voz triste. — Quem sabe se não tratei um número elevado
demais de casos psiquiátricos? Talvez isso me tenha dado um tique.
— De forma alguma, doutor! — apressou-se Woolver em asseverar. — Se fosse
assim, não teria sido transferido para a Segurança Solar.
Nardini afastou repentinamente a xícara.
— Acho que existe uma maneira melhor de festejar a despedida — exclamou.
Passou a mão pelo disco que servia para escolher as bebidas. Dali a pouco havia quatro
copos reluzentes sobre a mesa.
Woolver olhou para os lados.
— O senhor ainda está esperando algum convidado?
Nardini tirou o cigarro fumado pela metade de dentro da piteira e apagou-o no
cinzeiro.
— Não — respondeu. — Sou um bebedor muito ligeiro.
Rakal bebericou cuidadosamente de um dos copos. A bebida ardia na língua.
Tomou um gole. O ardor tomou conta da garganta e quase o deixou sem fôlego.
Nardini esvaziou seu copo com o rosto impassível.
— Infelizmente não posso acompanhá-lo — disse Woolver para desculpar-se. —
Posso ser chamado a qualquer momento — bateu ostensivamente no pequeno transmissor
que trazia no bolso.
Um técnico aproximou-se, apoiou os braços na mesa e aspirou gostosamente o
aroma da bebida.
— O que está tomando, doutor? — perguntou.
Woolver, que sempre acreditara que Nardini fosse um tipo quieto e modesto,
estremeceu ao ouvir a resposta.
— Um coquetel Nardini.
— Tenho a impressão de que já conheço isso — disse o técnico.
— É possível que um dia eu lhe dê a receita — disse Nardini.
A festa de despedida foi um acontecimento bastante unilateral. Enquanto o médico
sorvia coquetéis e tentava envolver Woolver numa conversa, o mutante permanecia em
silêncio, à espera do sinal combinado.
Depois do sexto coquetel Nardini começou a desenhar projetos de uma moda nova
sobre a mesa. A cabeça foi baixando cada vez mais sobre suas criações.
— O ponto básico são as ombreiras — disse a Woolver. — Por elas se percebe se a
peça é de boa qualidade.
Fez um traço arrojado para dar uma demonstração de uma ombreira de alta
qualidade.
— As camisas são outro detalhe importante — disse. Deixou cair os ombros, num
gesto de resignação. — Sabe lá quantos pecados se cometem na área da produção de
camisas? Quantas camisas amarrotadas, sem elegância, sem goma e fora da moda ainda
são usadas pelos homens. É uma vergonha.
Nardini deixou cair a cabeça sobre a mesa e lamentou-se em altas vozes por todas as
camisas desajeitadas que havia no Universo.
Woolver fez sinal para que um sargento se aproximasse.
— Providencie para que o Dr. Nardini seja levado são e salvo aos seus alojamentos
— ordenou.
— Perfeitamente, major.
O sargento hesitou um instante. Parecia que não sabia por onde segurar o Dr.
Nardini. Surpreendentemente este conseguiu pôr-se de pé sozinho e ficou parado junto à
mesa, cambaleante.
Woolver ouviu o transmissor que tinha no bolso dar o sinal combinado. Levantou
lentamente.
— Para mim está na hora, doutor — disse. — Desejo-lhe muito sucesso em seu
novo trabalho. Por aqui o senhor me ajudou bastante.
Nardini deu um empurrão no sargento e deu um passo na direção do mutante.
— Um dia vamos encontrar-nos de novo, major — garantiu. A agulha que prendia
seu cachecol brilhava que nem um olho. — Vou trabalhar na Segurança Solar, mas o
senhor arrisca o passo no desconhecido.
Despediram-se. Nardini saiu cambaleante, apoiando-se no sargento.
Rakal Woolver saiu dali a alguns instantes. Estava com o rosto tenso. O impulso
ligeiro que tinha sido captado por seu receptor só podia significar uma coisa: algo de
decisivo acabara de acontecer.
Rakal Woolver certificou-se de que não havia ninguém por perto e comprimiu a
tecla de seu minitransmissor. Dali a instantes foi atingido por um eco goniométrico
expedido pela Crest II. O mutante recorreu às suas faculdades extraordinárias. Seus
sentidos paranormais familiarizaram-se com o fluxo de energia que se desenvolvia em
ambos os sentidos, entre o transmissor portátil e a Crest II. Woolver não era teleportador.
Precisava de um meio transportador adequado para deslocar-se de um lugar a outro. Para
isso qualquer forma de energia servia.
Rakal baixou a cabeça, como se estivesse prestando atenção a um ruído. De repente
seu corpo dissolveu-se para rematerializar na Crest II, levando exatamente o mesmo
tempo que o impulso de rádio gastava para percorrer a respectiva distância.
O pessoal que estava de serviço na sala de rádio da nave-capitânia da frota já se
habituara ao seu método de locomoção. Os rádio-operadores esforçaram-se para dar uma
expressão indiferente ao seu rosto e não olhar fixamente para Rakal Woolver. Este saiu
da sala de rádio e dirigiu-se à sala de comando.
Surpreendeu-se ao ver que havia poucas pessoas reunidas no grande recinto. A
Crest II tinha entrado numa órbita em torno de Kahalo, permitindo que os tripulantes
descansassem em seus alojamentos. Woolver viu alguns oficiais, inclusive o Coronel Cart
Rudo e o Capitão Don Redhorse. O halutense Icho Tolot e Mory Rhodan-Abro também
estavam presentes.
Woolver notou que já estavam à sua espera.
— Ainda bem que veio logo, major — disse o Lorde-Almirante Atlan a título de
cumprimento.
— Aconteceu alguma coisa, senhor?
— Os maahks enviaram uma mensagem ao seu agente — respondeu Atlan.
Woolver assobiou baixinho entre os dentes. Esperara por isso há muito tempo.
Haviam conseguido tirar o microtransmissor do duplo sem que ele o descobrisse e
decifrar os grupos de símbolos usados pelo mesmo. Woolver fizera um curso hipnótico
de kraahmak em Kahalo.
O pequeno transmissor era a única possibilidade de estabelecer uma ligação entre a
espaçonave dos maahks e o sósia de Tronar Woolver.
Os maahks não poderiam saber que sua mensagem fora captada e decifrada pelos
terranos.
— Parece que os comandantes dos seres que respiram hidrogênio já começam a
impacientar-se — informou Rhodan. — É o que se depreende do texto da mensagem. É a
primeira vez desde que está em nosso poder que o duplo recebeu ordens precisas.
Naturalmente não pode cumpri-las, pois foi narcotizado e está internado na clínica do Dr.
Latham. E não é capaz de ativar ele mesmo seu dispositivo de segurança. No estado em
que se encontra não tem capacidade para praticamente nada. Mas ainda há o perigo de os
maahks desconfiarem de alguma coisa. Se isso acontecer, poderão ativar o dispositivo de
segurança que destruirá seu duplo. Por isso temos de antecipar-nos a qualquer suspeita —
fez uma pausa e dirigiu-se a Rakal. — E isso fica por sua conta, major.
— Estou às ordens, senhor — limitou-se Rakal a responder.
Estava mesmo. Há dias esperava pelas ordens de entrar em ação. Cada hora passada
em Kahalo parecia um desperdício de tempo.
Rakal Woolver não imaginava que no mesmo instante o comandante da nave
gigantesca dos maahks, Grek-1, também se preocupava com o tempo perdido.
2

Nas obras de muitos cientistas terranos os maahks são apontados como seres que de
forma alguma chegam a ser monstros sanguinários, dominados pela sede do poder,
empenhados em destruir todos os outros povos. Ninguém deve impedir um cientista de
publicar suas opiniões, por mais erradas que sejam, mas ninguém deve atribuir uma
importância demasiada aos trabalhos desse tipo.
Os maahks não eram sanguinários nem estavam possuídos pela sede do poder.
Pertenciam a um povo que não se podia dar ao luxo de se entregar a sentimentalismos e
agiam com uma lógica fria, que lhes permitia tirar proveito de qualquer vantagem que se
oferecesse.
É possível que na primeira guerra que travaram na Via Láctea ainda estivessem
imbuídos de planos de conquista. Mas a segunda guerra, que estavam preparando, não
correspondia às suas próprias idéias.
Na primeira guerra que travaram pela posse da Galáxia os metanitas foram
derrotados pelos arcônidas, que os expulsaram da Via Láctea. Quando voltaram a
aparecer não agiram por vontade própria; estavam obedecendo às ordens dos senhores da
galáxia, os misteriosos donos de Andrômeda.
Do ponto de vista sociológico ainda pode ser defendida a opinião de que a guerra
entre os humanóides e os maahks era inevitável, mas para o cientista as causas desse
conflito sempre serão um mistério.
Todas as raças humanóides, com algumas exceções insignificantes, têm de procurar
seu espaço vital em planetas de oxigênio. Já os seres que respiram hidrogênio preferem
os mundos em que haja uma atmosfera de hidrogênio e amoníaco. Esta diferença basta
para demonstrar que os interesses vitais das duas formas de vida se desenvolvem em
direções completamente diferentes.
Grek-1, comandante da gigantesca nave maahk, sabia disso. Encontrava-se no
interior da Galáxia pela qual seus antepassados tinham lutado em vão há dez mil anos
terranos. Estava lá para preparar uma invasão dos senhores da galáxia.
Grek-1 não conseguiu transferir aos terranos o ódio milenar que sentia pelos
arcônidas e seus ancestrais, os aconenses.
Chegava a sentir uma débil simpatia pelos humanos, que em sua opinião eram
lutadores excelentes e destemidos. Pertenciam a um povo jovem e vigoroso.
Mas a simpatia de Grek nem de longe chegaria ao ponto de esquecer sua missão e
dedicar-se a outros planos.
Grek-1 viera com sua nave para abrir caminho para as frotas gigantescas dos
maahks, que inundariam a Galáxia.
Era a primeira vez na história da astronáutica terrana, que por certo não podia ser
considerada pobre em guerras, que dois grupos militarmente tão fortes se enfrentavam.
Em comparação com as frotas dos blues do setor leste da Via Láctea, as naves ou os
veículos espaciais dos topsiders, as formações maahks representavam uma força
tremenda — isto naturalmente se conseguissem dar o salto para a Via Láctea.
Grek-1 não tinha a menor dúvida de que o salto seria dado, principalmente depois
que conseguira enviar um agente duplicado para junto dos terranos. Este agente era a
imagem fiel de um homem que aparecera misteriosamente a bordo da nave maahk.
Quando teve certeza de que o duplo chegara ao destino, Grek-1 voltara a modificar
a posição de sua gigantesca nave.
Esta encontrava-se a apenas quarenta anos-luz de Kahalo, num ponto situado na
linha fictícia que ligava este planeta ao transmissor solar. Grek-1 escolhera um gigante
vermelho em meio à profusão de estrelas. O mesmo não possuía planetas. A nave maahk
contornava o sol numa órbita tão reduzida que o veículo chegava a aproximar-se da coroa
chamejante. Dessa forma seria impossível localizar a nave espacial.
Só os maahks tinham uma possibilidade de romper o formidável campo energético
da estrela. Seus transmissores de ondas hipercurtas permitiam que a qualquer momento
entrassem em contato com o duplo.
E foi o que Grek-1 fez quando sua paciência crescia constantemente. Achava que já
tinha esperado demais pelas notícias do agente.
A duração da mensagem não fora superior a um qüinquagésimo de segundo. Grek-1
dera ordem para que o agente descobrisse pessoas importantes, que merecessem ser
duplicadas pelos maahks.
Grek-1 queria que os lugares mais importantes da estação de regulagem do
transmissor fossem substituídos quanto antes por duplos, que agiriam sobre os controles
do transmissor.
Se conseguisse o controle do transmissor, Grek-1 poderia, num ataque-relâmpago,
introduzir o grosso da frota maahk na galáxia habitada pela Humanidade. Se não fosse
bem-sucedido, ainda poderia lançar mão da trilha de desvio de impulsos, com a qual os
maahks também poderiam atingir seus objetivos.
Acontecesse o que acontecesse, Grek-1 estava em segurança a bordo da nave
gigantesca. Além de estar fora do alcance da observação das naves estranhas, sua nave
não poderia ser destruída, mesmo que fosse localizada.
Grek-1 esperava receber a qualquer momento a resposta do duplo. Conforme a
mesma, o comandante passaria às fases seguintes de seu plano.
Grek-1 realmente receberia uma resposta. Mas a mesma não vinha do duplo, que se
encontrava na clínica, em estado narcótico, mas de Rakal Woolver, que não conhecia
outro objetivo senão o de vingar a morte de seu irmão gêmeo Tronar.
3

Tudo dependia da resposta que fosse dada. Devia ser concebida de tal maneira que
os maahks fossem levados a chamar de volta imediatamente o agente que tinham enviado
para junto dos terranos. Parecia praticamente impossível considerar todos os detalhes e
enganar os lógicos maahks.
Rhodan não ficou nem um pouco contente ao lembrar-se de que até então todas as
operações do inimigo tinham sido executadas com a maior cautela. Não conseguia
imaginar que isso fosse mudar.
Apesar de tudo Rakal Woolver teria de usar o aparelho especial do duplo para
enviar uma resposta. Os maahks certamente estavam à espera da mesma. Os grandes
computadores instalados na sala de comando foram alimentados ininterruptamente com
todos os dados disponíveis. Rhodan esperava que com isso fossem eliminados pelo
menos os erros mais grosseiros. Por enquanto os computadores tinham impedido o envio
das respostas planejadas, já que em nenhuma delas a probabilidade de êxito calculada
pelos mesmos era superior a trinta por cento.
Rhodan sabia que seria uma irresponsabilidade se ele mandasse Rakal entrar em
ação nestas condições. Devia haver ao menos uma certa garantia que os maahks veriam
nele o duplo.
Provavelmente teriam encontrado uma resposta aceitável, caso tivessem recorrido a
Natã, o gigantesco centro de computação instalado na Lua terrana. Mas não havia tempo
para isso. Se não encontrasse uma resposta dentro de uma hora, Rhodan teria que desistir
de seu plano.
Finalmente Allan D. Mercant apresentou mais uma sugestão, isto depois que os
computadores de bordo tinham recusado mais um plano.
— Não devemos esquecer por que o duplo está aqui — disse.
Os outros fitaram-no com uma expressão de perplexidade.
— No que acha que estamos pensando todo este tempo? — perguntou Atlan em tom
irônico.
— Acontece que partimos de um pressuposto falso — insistiu o chefe da Segurança
Solar. — Esquecemos que no fundo o duplo não é um maahk. Por isso os seres que
respiram hidrogênio aceitariam sua perda sem ficar muito tristes. Portanto, só darão
ordem que volte caso ele tenha uma novidade muito interessante para contar e desde que
sua presença em Kahalo se torne dispensável.
Rhodan acenou com a cabeça. Estava pensativo. Até então queriam que Rakal
usasse o microtransmissor para levar os maahks a acreditarem que estava em perigo.
Acreditavam que isso os levaria a chamá-lo imediatamente de volta. Mercant tinha toda
razão ao ponderar que os maahks provavelmente não teriam tamanha consideração pelo
agente.
— O raciocínio de Allan não deixa de ser correto — disse Atlan. — Mas acho que
não é nada fácil encontrar uma resposta que, além de ser bem interessante, torne
dispensável a presença do duplo em Kahalo, do ponto de vista dos metanitas.
Mercant esfregou as mãos, como se acabasse de fazer um bom negócio.
— Acho que encontrei uma resposta — anunciou.
— Não fique nos torturando — disse Rhodan.
— Rakal comunicará aos maahks que nossos cientistas encontraram um meio de
bloquear o transmissor solar. Informará o inimigo de que o mesmo pode ser totalmente
paralisado por meio de um bloqueio hiperenergético, para ser religado à vontade dos
terranos — Mercant levantou o braço, e o nervosismo que começava a manifestar-se
passou. — É claro que Rakal Woolver não pode transmitir dados mais precisos pelo
rádio. Seria muito perigoso — Mercant estalou os dedos. — As pessoas que estão a bordo
da nave maahk terão medo de perder totalmente o controle do transmissor. O comandante
se apressará em chamar de volta o duplo a fim de conseguir outros detalhes sobre o
bloqueio do transmissor.
— Parece bom, mas há um ponto fraco — disse Atlan. — Como levaremos os
maahks a acreditar num bloqueio hiperenergético que não existe?
— É perfeitamente lógico que tentemos conseguir esse bloqueio — disse Rhodan.
— Quando for interrogado, Rakal se limitará a dar respostas vagas aos maahks, com as
quais eles não possam fazer nada.
Mercant bateu na mesa, concordando com a exposição de Rhodan.
— Foi o que pensei, senhor.
Rhodan ligou o intercomunicador e mandou que o ligassem com o centro de
computação. Expôs o plano de Mercant e deu ordem para que verificassem se o mesmo
tinha uma chance de ser bem-sucedido.
Os homens estavam reunidos no camarote de Woolver. Este, que estivera sentado
na cama, ouvindo em silêncio o que os outros diziam, levantou-se e foi para perto de
Atlan.
— Acho que desta vez teremos mais sorte, senhor — disse. — Talvez seria
conveniente se desde logo incumbíssemos os especialistas em transmissores de fazer um
croqui do bloqueio hiperenergético, para que eu possa apresentar aos maahks uma coisa
que seja inocente e plausível ao mesmo tempo.
— O senhor tem razão — disse Rhodan. — Mandarei providenciar imediatamente.
Os computadores levaram cinco minutos para examinar o plano de Mercant.
Chegaram à conclusão de que o mesmo tinha setenta por cento de probabilidade de ser
bem-sucedido. Era mais que o dobro daquilo que os computadores positrônicos tinham
calculado em relação às sugestões anteriores.
— A situação ficará ainda melhor se os cientistas conseguirem inventar uma teoria
mais ou menos aceitável sobre o bloqueio hiperenergético — disse Rhodan, satisfeito.
— Acho que seria bom enviarmos logo uma resposta aos maahks — sugeriu
Mercant. — Devemos evitar que fiquem nervosos. Quando Grek tiver decidido qual será
a resposta a ser dada à proposta da pessoa que acredita ser seu agente, já teremos em
mãos alguns dados sobre o bloqueio hiperenergético.
Rhodan não perdeu tempo.
— Agora é sua vez, major — disse, dirigindo-se a Rakal. — Tome conta do
microtransmissor.
Empurrou para perto do mutante o estojo em cujo interior estava guardado o
transmissor especial. O aparelho tinha somente dois centímetros de altura por cerca de
um de largura, mas era capaz de receber e transmitir hiperimpulsos. Os cientistas terranos
tinham decifrado os grupos de símbolos com que trabalhava o transmissor, fazendo com
que Woolver pudesse usá-lo sem dificuldade.
O código especial usado pelos metanitas tinha sido redigido em kraahmak. Era a
língua universal dos maahks, que Rakal Woolver tinha aprendido num curso hipnótico,
fazendo com que também neste ponto se igualasse ao duplo.
Rakal tirou tranqüilamente o transmissor do estojo.
— Faça a resposta parecer um tanto confusa — disse Rhodan. — Os maahks
concluirão que o duplo quase não tem oportunidade de usar o transmissor às escondidas.
Por isso não é necessário que a resposta seja redigida com todos os detalhes. Isso só faria
com que os maahks suspeitassem.
— Compreendo, senhor — Woolver colocou o pequeno aparelho na mesa. Dentro
de alguns segundos enviou um grupo de símbolos à nave maahk, relatando a existência
do bloqueio hiperenergético e sua finalidade. Além disso pediu novas instruções.
O texto exato foi examinado imediatamente pelos computadores de bordo, que
chegaram à conclusão de que o mesmo era inocente.
Os maahks receberam a resposta de Rakal Woolver quarenta minutos depois de
terem entrado em contato com seu duplo.
Rhodan não acreditava que a demora pudesse provocar suspeitas entre os maahks.
Afinal, o inimigo tinha de contar com a possibilidade de o duplo não poder usar seu
transmissor quando bem entendesse. Tinha de esperar um momento em que ninguém o
observasse.
— Acho que já pode preparar-se, major — disse Rhodan, dirigindo-se ao mutante.
— Dentro de uma hora no máximo saberemos se podemos enviá-lo para junto do
inimigo.
***
Grek-1 segurava na mão o texto da mensagem decifrada. Não dava a perceber que a
mensagem o deixara bastante nervoso. O duplo descobrira que os terranos eram capazes
de bloquear o transmissor solar quando quisessem. Era um acontecimento inesperado.
Grek-1 tinha em torno de si os cientistas e subcomandantes mais capazes. Os
especialistas discutiam apaixonadamente o problema, enquanto os astronautas debatiam
as implicações militares da nova situação.
Grek-1 rasgou o papel em vários pedaços e deixou-os cair ao chão.
— Silêncio! — ordenou.
As discussões acaloradas terminaram imediatamente.
Grek-1 fitou os cientistas um após o outro, como se dispusesse de tempo à vontade.
Os homens começaram a sentir-se inseguros diante do olhar do comandante. Um
sentimento de desprezo pelos subordinados começou a tomar conta de Grek-1. Eles o
temiam. Ao que parecia, receavam que ele pudesse culpá-los pelo contratempo.
— Um bloqueio — disse, esticando as palavras. — Pelas experiências que temos
com transmissores isso é possível?
Os cientistas falaram todos ao mesmo tempo. Grek-1 ergueu os braços para fazê-los
calar.
Apontou para Grek-44, um dos hiperenergeticistas mais competentes.
Grek-44 não parecia sentir-se muito feliz por ter sido promovido ao posto de porta-
voz do grupo.
— Trata-se de uma área ainda não pesquisada — principiou cautelosamente. —
Praticamente não temos nenhuma experiência na mesma.
— Quero saber se é possível introduzir um dispositivo destes no transmissor depois
que o mesmo tiver sido construído — observou Grek-1. — Não estou interessado nas
suas experiências.
— Teoricamente... — principiou Grek-44, mas logo foi interrompido pelo
comandante.
— Estaríamos em condições de construir um dispositivo de bloqueio? — perguntou
Grek-1 em tom áspero.
Grek-44 olhou para os amigos, como se esperasse que estes o ajudassem. Mas os
mesmos pareciam sentir-se muito satisfeitos por não terem que dar resposta às perguntas
do exaltado Grek-1. Um dos cientistas pigarreou, um tanto embaraçado, mas ninguém se
dispôs a ajudar Grek-44.
— Não, comandante — conseguiu dizer Grek-44 depois de algum tempo. — Não
acredito que possamos construir um dispositivo destes sem antes realizarmos pesquisas
demoradas.
— Acontece que os terranos construíram — resmungou Grek-1, amargurado. — E
não precisaram de pesquisas demoradas.
Precisaríamos saber mais a respeito disso para podermos dar explicações mais
detalhadas — ponderou Grek-44. — Sempre é possível que por algum acaso nossos
inimigos tenham...
— Por acaso? — gritou o comandante, interrompendo mais uma vez o cientista. —
Quando o senhor e seus grandes amigos não sabem mais o que dizer, recorrem ao acaso.
— Precisamos de informações mais detalhadas — balbuciou Grek-44. — A
mensagem do duplo só menciona o dispositivo de bloqueio, sem fornecer outros dados.
Grek-1 pôs-se a meditar em silêncio. Refletia intensamente. No seu íntimo dava
razão ao cientista. A comunicação do duplo era tão lacônica que não se sabia o que fazer
com a mesma. Mas por outro lado não havia dúvida de que os terranos possuíam o
bloqueio hiperenergético e não hesitariam em usá-lo.
Grek-1 entesou o corpo.
— Está bem! — disse. — Os senhores terão suas informações.
— Quem as dará, comandante? — atreveu-se Grek-44 a perguntar.
— Tronar Woolver, o duplo — respondeu Grek-1.
— Vai trazê-lo de volta?
— Conforme as circunstâncias, vou.
— Será perigoso. Ele terá de fugir. Com isso os terranos descobrirão sua verdadeira
identidade.
Estas palavras foram pronunciadas por Grek-7, mas este só manifestara em voz alta
os pensamentos do comandante.
— No momento isto não importa. Se os terranos são capazes de controlar o
transmissor solar da maneira indicada por nosso agente, a presença dos duplos em Kahalo
se tornará inútil. Mas aqui Tronar Woolver é muito importante, pois ele estará em
condições de fornecer as informações de que os cientistas dizem ter tanta necessidade.
Grek-1 atravessou a sala de controle, pisando fortemente. Estava contrariado por
não dispor de tempo para pensar cuidadosamente a respeito do problema. No momento
não poderia acontecer muita coisa, desde que trouxessem o duplo de volta com os
cuidados necessários.
Mais uma vez os terranos tinham provado que eram inimigos bastante
desagradáveis. Num momento em que menos esperava, obrigaram Grek-1 a modificar
seus planos.
— Vamos enviar uma mensagem ao duplo, dando ordem para que volte — disse
Grek-1, interrompendo suas andanças pela sala. — Ele terá de fugir de Kahalo. Quando
tiver conseguido isso, forneceremos as posições.
— Será que os terranos não o perseguirão? — perguntou um dos cientistas,
embaraçado.
— Naturalmente! — esbravejou Grek-1. — Por isso mesmo só receberá os dados
sobre nossa posição quando estiver no espaço. A rota que terá de percorrer o levará para
uma nave auxiliar, não o trazendo diretamente para bordo da nave em que estamos. Desta
forma o perigo de sermos descobertos deixará de existir.
Também desta vez Grek-1 tomara todas as precauções, conforme era de seu feitio.
Não poderia saber que os terranos se haviam adiantado a ele e já contavam com
suas precauções.
***
Mais uma hora se passou a bordo da Crest II antes que chegasse outro impulso
condensado dos maahks. O mesmo foi decifrado imediatamente. Grek-1 dava ordem para
que o duplo saísse quanto antes de Kahalo.
Rhodan segurava a folha em que estava escrita a mensagem decifrada.
— Era o que eu imaginava — disse. — Não indicam nenhuma posição. Os maahks
não estão dispostos a assumir riscos.
— Receberei dados mais precisos assim que tiver fugido de Kahalo, senhor — disse
Rakal Woolver. — O senhor não terá nenhuma dificuldade em seguir-me com uma
flotilha, desde que eu envie a intervalos irregulares os respectivos impulsos
goniométricos.
Ficou combinado que além do microtransmissor maahk Woolver levaria um
aparelho especial terrano. Tratava-se de um transmissor cuja finalidade consistiria em
manter uma flotilha comandada por Perry Rhodan na pista do falso duplo. Desta forma
Rhodan esperava descobrir o esconderijo da grande nave maahk.
Depois do exame do microtransmissor maahk sabia-se praticamente tudo sobre a
técnica de transmissão do inimigo, e por isso parecia pouco provável que os seres que
respiravam hidrogênio conseguissem localizar os impulsos goniométricos expedidos pelo
aparelho especial de Woolver.
— O êxito da missão dependerá em grande parte de que consiga manter um controle
dos seus próprios nervos que lhe permita levar os maahks a acreditarem que o senhor é o
verdadeiro duplo — disse Rhodan, dirigindo-se a Rakal Woolver. — Terá de ser
convincente a partir do instante em que pela primeira vez entrar em contato com pessoas
do campo inimigo. Se não se julgar capaz disso, não vá.
Um sorriso ligeiro apareceu no rosto de Rakal.
— Eu seria um mentiroso se dissesse que não estou nervoso — respondeu. — Mas a
idéia de estar pisando na nave dos assassinos de meu irmão me tornará imune ao medo.
Quero que os maahks saiam perdendo, não eu.
Rhodan baixou a cabeça. Já destacara centenas de homens para missões desse tipo.
Muitos deles nunca tinham voltado. E no caso de Woolver não se podia prever se o major
seria bem-sucedido. Às vezes o resultado de uma batalha dependia do trabalho de um
único homem.
Por isso acontecia constantemente alguém ter de enfrentar um problema
aparentemente insolúvel.
Apesar da extensão enorme do Império Solar, apesar de suas colônias, dos aliados e
das inúmeras espaçonaves de que dispunha, sempre havia momentos em que o destino de
um povo ficava nas mãos de uma pessoa.
De certa forma esta idéia representou um consolo para Rhodan. Provava que o
indivíduo não tinha submergido na maquinária potentíssima criada pelo avanço técnico.
A exploração do espaço cósmico trouxera novos problemas para a Humanidade.
E esse espaço era tão grande que poderia absorver toda a Humanidade, criando
novas dificuldades e estimulando os terranos para novos feitos.
A decadência e a massificação que teriam ameaçado a Humanidade se a mesma não
tivesse avançado no cosmos tinham sido afastadas. Longe de seu mundo o ser humano
lutava por aquilo que queria possuir, sabedor de que suas pretensões não eram mais
legítimas que as de qualquer outro povo. Mais de metade dos homens que combatiam sob
a bandeira do planeta Terra nunca tinham visto o berço da Humanidade.
Eram indivíduos adaptados a novos ambientes, colonos, filhos de exploradores e
astronautas, cientistas, membros das guarnições das estações espaciais — e a maior parte
deles nunca tinha estado na Terra.
Até havia seres humanos que nem sequer sabiam da existência da Terra. Para eles o
planeta de origem era apenas uma lenda.
Mas a elite da Humanidade mantinha-se fiel aos projetos da mesma. Homens
inigualáveis agrupavam-se em torno de Perry Rhodan, e para estes homens o Universo
continuava a representar uma atração irresistível.
Mas ceder a esta atração era envolver-se em lutas. Havia outros seres, pertencentes
a povos estranhos, que cediam à mesma tentação. Um sem-número de formas de vida
inteligentes habitava o cosmos, e muitos povos tinham encontrado meios de realizar
viagens interestelares. E estas viagens nunca deixavam de ser perigosas.
Rhodan se dera conta desde o início de que um povo que se dedica aos seus
objetivos sem desfalecimentos é capaz de impor-se no Universo. Só assim se explicava
que a expansão dos terranos ainda não tivesse chegado ao fim.
E para manter aberto o caminho que levaria a Humanidade a outras galáxias,
Rhodan teria de enviar o imartense Rakal Woolver para uma missão que colocava em
perigo a vida do mesmo.
Para a Humanidade não importava nem um pouco que Rakal Woolver só tivesse
aceito a missão por motivos pessoais.
Os interesses da Humanidade e os de um indivíduo se completavam.
Do ponto de vista da Humanidade pode-se dizer que Rakal Woolver, major da USO,
saiu da nave-capitânia da Frota Solar ao anoitecer do dia 19 de maio de 2.401, viajando
num jato espacial, a fim de descobrir a posição de uma nave inimiga e saber quais eram
as intenções de seus tripulantes.
Do ponto de vista de Rakal Woolver as coisas tornavam-se menos complicadas.
O major saíra da Crest II para vingar a morte de seu irmão Tronar.
4

O jato espacial precipitou-se do hangar da Crest II e afastou-se do planeta Kahalo,


acelerando constantemente. Não demorou a passar para o vôo linear.
Só havia uma pessoa a bordo da pequena nave: Rakal Woolver.
Quando tinha percorrido quatro anos-luz, fez o jato sair da zona de libração e pegou
o transmissor especial dos maahks a fim de enviar um impulso breve que informasse
Grek-1 de que sua tentativa de fuga fora bem-sucedida.
Depois disso só lhe restava esperar que os maahks voltassem a entrar em contato
com ele para indicar a direção que teria de tomar para ser recolhido por eles. Para
Woolver o trabalho de pilotagem não era nada cansativo. Teoricamente seria capaz de
pilotar qualquer espaçonave terrana ou arcônida. Até acreditava estar em condições para,
depois de um breve treinamento, dirigir uma nave aconense. Como major da USO estava
familiarizado com todos os tipos de nave.
Para Rakal Woolver os problemas técnicos não existiam. O que o deixava aflito era
o fato de que se afastava cada vez mais da área relativamente segura controlada pelos
terranos, voando ao encontro de um destino incerto.
As duas telas do rastreamento espacial mostravam o cosmos sob a forma de uma
parede cintilante, de tão próximas que estavam as estrelas umas das outras. A espaçonave
dos maahks estava escondida em meio a essa confusão. Woolver sabia que naquele exato
momento centenas de naves-patrulha terranas cruzavam o centro galáctico, mas era mais
que improvável que conseguisse entrar em contato com uma dessas naves.
Assim que os maahks lhe fornecessem a posição, ele informaria a flotilha de
supercouraçados terranos que se mantinha à espera nas proximidades de Kahalo sobre seu
próprio destino.
No momento Rakal Woolver não tinha o que fazer. O sistema de pilotagem
automática mantinha a nave na rota previamente traçada. No momento o jato espacial
desenvolvia a velocidade de 100.000 km/seg.
Conforme Woolver supusera, a espera pela resposta de Grek transformou-se numa
prova desgastante para seus nervos. Ao que tudo indicava, o maahk era muito prudente e
queria garantir-se de todas as formas antes de voltar a entrar em contato com a pessoa que
acreditava ser seu agente.
Woolver suspirou baixinho. O silêncio que reinava no interior do jato espacial
começava a tornar-se insuportável. Levantou e atravessou a pequena sala de comando.
Examinou cuidadosamente o traje pressurizado que teria de colocar antes de subir a
bordo de uma nave maahk. Este trabalho distraiu-o de seus pensamentos.
Voltou à poltrona do piloto. O quadro formado pelos rastreadores continuava o
mesmo.
Será que os maahks tinham modificado seus planos?
Woolver resolveu combater a impaciência, fazendo a análise espectral de um
gigantesco sol vermelho que se encontrava a dois anos-luz de distância. Os valores
registrados por seus instrumentos eram impressionantes, se bem que bastante comuns
nessa área.
Woolver batizou este sol com o nome de Alexandra.
Mal concluiu a análise, e o microtransmissor maahk emitiu o sinal de chamada.
Woolver apressou-se em fazer a decifração do grupo de símbolos recebido. Respirou
aliviado ao constatar que se tratava dos dados sobre a posição que estivera esperando.
Anotou-os e introduziu-os no computador.
— Você me deu sorte, Alexandra — disse. — Dentro de mais alguns segundos
introduziu a nova direção de vôo diretamente no sistema de pilotagem automática.
Chegou à conclusão de que o lugar ao qual teria de dirigir-se ficava a uns trinta anos-luz
de sua atual posição.
Os maahks se encontravam bem mais perto do transmissor solar do que acreditara.
Woolver acelerou o jato espacial e passou ao vôo linear.
— Seja feliz, Alexandra! — disse. — Que pena que não podemos ficar juntos por
mais tempo.
Transmitiu o primeiro impulso goniométrico a Perry Rhodan. Isto provocaria a
partida da flotilha terrana. A idéia de que várias naves o seguiriam deixou Woolver mais
aliviado, embora a razão lhe dissesse que as mesmas representavam antes um perigo que
um apoio. Se a flotilha numerosa fosse localizada pelos maahks, os mesmos não
demorariam a descobrir quem lhes proporcionara uma visita tão desagradável.
De qualquer maneira, a espera de Woolver chegara ao fim. Colocou o traje
pressurizado, deixando aberto somente o capacete.
Quando se aproximou do ponto indicado pelos maahks, os rastreadores de alta
sensibilidade reagiram fortemente. Woolver fez algumas regulagens de aproximação,
pois queria descobrir o tamanho aproximado da nave que estava à sua espera.
O resultado foi decepcionante. À sua frente havia uma nave parada no espaço que
não era muito maior que uma nave-girino terrana. Woolver imediatamente compreendeu
o motivo da ausência do gigante maahk. Os maahks queriam estar seguros de que não
seriam descobertos. Tinham incluído em seus cálculos a possibilidade de tratar-se de uma
armadilha e por isso resolveram enviar um barco espacial.
Woolver transmitiu um sinal para a força terrana. Fazia votos de que Rhodan
também soubesse interpretar corretamente o procedimento dos maahks.
Finalmente comunicou aos maahks que tinha localizado sua nave.
A resposta que recebeu em seguida tinha sido redigida por Grek-1. Woolver
espantou-se porque o comandante inimigo se arriscara a viajar no barco espacial.
— Você será recolhido a bordo — foi este o sentido da mensagem de Grek.
Isso levou Woolver a concluir que por enquanto era aceito como o homem que
fingia ser: o duplo.
O jato espacial interrompeu o vôo linear e seguiu para o destino, reduzindo
constantemente a velocidade. A nave de Grek mantinha-se imóvel no espaço.
Seguindo um comportamento que lhe era típico, o comandante maahk não perdeu
tempo com perguntas apressadas. Conseguiria respostas muito mais satisfatórias depois
que o fugitivo tivesse sido colocado na nave.
Woolver começou a transpirar. As mãos que fecharam o capacete do traje
pressurizado tremiam. Passou a pilotar o jato espacial, para abafar o nervosismo. Não se
admirou nem um pouco quando Grek-1 o fez entrar prontamente pela eclusa. No
momento não havia para os maahks nenhum indício de que seu duplo estivesse sendo
perseguido.
Rakal Woolver escondeu o pequeno transmissor especial com o qual poderia entrar
em contato com Rhodan quantas vezes quisesse. Dirigiu-se aos seres que respiravam
hidrogênio nas mesmas condições em que estivera o duplo ao chegar a Kahalo. Só lhe
restava esperar que tivesse mais sorte que o sósia de seu irmão.
A lembrança do irmão atiçou o desejo de vingança do major. No momento em que
fazia entrar o jato no hangar da nave maahk, o sentimento de insegurança o abandonou
por completo. Queria enfrentar resolutamente o inimigo. Naturalmente teria de agir com
cuidado. Os maahks não teriam nenhuma consideração por um ser que acreditavam ser
um duplo.
Woolver esperou pacientemente que alguém lhe desse ordens de sair. Quando isso
aconteceu, abriu a eclusa e desceu do jato espacial. Conforme previra, havia alguns
maahks à frente da eclusa, que o olhavam fixamente.
Woolver acreditava que o que se encontrava mais próximo fosse Grek-1.
O comandante dos maahks era um homem de aspecto pesado, que quase chegava a
parecer desajeitado. Rakal Woolver não mostrou muita pressa. Queria estar preparado
para enfrentar qualquer situação. Teria de estar preparado para que lhe dirigissem a
palavra em kraahmak. De repente teve suas dúvidas de que estes seres o
compreendessem.
Rakal Woolver desceu da rampa curta da eclusa e ficou parado à frente de seis
estranhos que estavam à sua espera. Achou que por enquanto seria preferível não dizer
nada.
— Sua fuga foi um sucesso total — disse aquele dos maahks que Woolver
acreditava ser o comandante.
Rakal logo farejou uma desgraça. A voz do maahk tivera um tom metálico. Como
usava capacete, os sons eram captados pelo microfone externo.
— Tive sorte — respondeu Woolver cuidadosamente. — Como pude locomover-me
livremente em Kahalo, não tive nenhuma dificuldade em fugir com esta nave.
Grek-1 fitou-o com uma expressão indolente. Mas o major da USO não deixou que
a aparência o enganasse. Quase chegava a ter uma sensação física do trabalho que estava
sendo realizado no cérebro do comandante.
— Quem o ajudou a fugir? — perguntou Grek-1.
— Quem poderia ter ajudado? — perguntou Woolver com o maior sangue frio. —
Em Kahalo não havia ninguém em quem eu pudesse confiar.
Grek-1 fez um gesto de impaciência.
— Quer dizer que você não recebeu nenhum auxílio na fuga?
— Isso mesmo — respondeu Woolver.
Grek-1 olhou para os companheiros, dando a entender que esperava que os mesmos
protestassem contra a estranha afirmativa. Mas os maahks permaneceram em silêncio.
— Ele não foi perseguido — disse Grek-1 depois de algum tempo. — Parece que
está dizendo a verdade — mais uma vez Grek-1 mudou repentinamente de posição e fitou
os olhos de Woolver. — Saiu tudo maravilhosamente bem.
Woolver sentiu uma onda fria descer-lhe pela nuca. Teve de fazer um grande
esforço para enfrentar o olhar rígido da estranha criatura.
— Você trouxe dados sobre o sistema de bloqueio do transmissor criado pelos
terranos? — perguntou Grek-1.
Woolver sentiu-se aliviado. Abriu o cinto e entregou algumas folhas dobradas ao
comandante.
— É tudo em que consegui pôr as mãos — disse. — Faço votos de que seja
suficiente.
Grek-1 não deu maior atenção às folhas. Guardou-as no bolso. Depois voltou a
estender a mão na direção de Woolver.
— Passe para cá o transmissor — disse.
Os pensamentos de Woolver se confundiram. Ficou muito assustado. Levou algum
tempo para compreender que o maahk se referia ao microtransmissor que o duplo levava
consigo.
Rakal abriu a fivela do cinto e colocou o minúsculo aparelho na mão de Grek.
— Como não fomos descobertos, podemos voltar para a nave — decidiu Grek-1. —
Lá cuidaremos do duplo e do material que o mesmo conseguiu furtar.
Grek-1 deu as costas a Woolver e saiu pisando fortemente. Woolver respirou
aliviado. Por enquanto não estava em perigo.
Um dos maahks que tinham vindo ao hangar juntamente com o comandante ficou
perto de Woolver. Ao que parecia, não fora destacado para vigiar o duplo, mas para
revistar o jato espacial. Woolver viu o desconhecido passar pela eclusa e entrar no barco
espacial.
Woolver seguiu-o.
— Acho que esta nave vale mais que os dados sobre o novo bloqueio do transmissor
— disse o maahk.
— Por quê? — perguntou Woolver, ansioso.
O maahk bateu com a mesa na mapoteca.
— Esta minúscula nave está definitivamente nas nossas mãos. Podemos examiná-la
à vontade e descobrir muita coisa sobre o estado atual da astronáutica terrana. Quanto ao
bloqueio do transmissor, só temos os dados que você trouxe, e que são muito escassos.
Quando conseguirmos compreendê-los, os terranos já terão utilizado o novo tipo de
controle.
— Isto não é impossível — reconheceu Woolver.
Dirigiu-se à poltrona do piloto e sentou na mesma.
— Se eu fosse Grek-1, mataria você, duplo — disse o maahk.
Woolver continuou a olhar para a frente, mas via perfeitamente o maahk refletido
na tela desligada.
— Por quê? — perguntou, surpreso.
— Nunca se sabe o que se passa na cabeça de um duplo que regressa depois de ter
cumprido uma missão — disse o maahk. — Afinal, você já não nos pode ser útil.
— Será que Grek-1 pensa como você? — perguntou Rakal.
— Ninguém pode saber quais são as ordens que o comandante vai dar — disse o
interlocutor de Woolver. — Se dependesse de mim, Grek-104, ativaria seu dispositivo de
segurança.
Woolver fazia votos de que não houvesse muitos maahks que pensassem como
Grek-104. Era assustador saber com que indiferença este falava na morte de um duplo.
Parecia que os seres gerados nos multiduplicadores não significavam nada para os
maahks.
Parecia que dali em diante sua vida dependeria do estado de ânimo de Grek-1. Não
era uma perspectiva muito animadora.
***
Fazia mais de uma hora que Rakal Woolver se encontrava no interior de um
camarote da gigantesca nave maahk, sem que ninguém se tivesse interessado por ele.
Pouco depois de ter chegado ali Woolver examinara a porta e constatara que não estava
trancada.
Concluiu que não era prisioneiro dos maahks.
Grek-1 dissera que pretendia interrogar o duplo, assim que os cientistas maahks
tivessem examinado as folhas que Woolver dizia ter roubado. Woolver não tinha a menor
dúvida de que os especialistas inimigos demorariam bastante a verificar que o material
aparentemente tão precioso não podia fornecer nenhuma informação sobre o
funcionamento do novo tipo de controle que permitia o bloqueio ao transmissor.
Até lá Woolver teria examinado o interior da nave e colhido algumas informações
importantes.
O mutante acabara de revistar cuidadosamente seu camarote. Tinha certeza de que
não havia aparelhos de escuta nem objetivas escondidas. Woolver acreditava que o sósia
de seu irmão tinha estado no mesmo camarote antes de ir a Kahalo. Em sua maioria as
instalações pareciam ter sido adaptadas às necessidades humanas.
Woolver não era de opinião que isso pudesse ser um gesto amistoso dos maahks. A
conversa que tivera com Grek-104 era a melhor prova de que para um maahk o duplo não
passava de uma máquina. E geralmente o duplo era mais fácil de substituir que a
máquina.
As instalações do camarote só davam prova do senso prático dos maahks.
Woolver estava curioso para saber se permitiriam que ele se locomovesse a bordo
da nave. Ainda não chegara a hora em que pretendia usar seus dons paranormais. Os
inúmeros cabos que atravessavam a nave de lado a lado lhe permitiriam materializar a
qualquer momento na sala que escolhesse. Mas isso seria muito arriscado, pois nunca
poderia ter certeza do que estaria à sua espera no momento em que materializasse.
Por isso pretendia sair por enquanto pelo caminho normal, para ver tudo que fosse
possível antes que fosse detido ou enviado de volta.
Woolver já se sentia mais seguro do que se sentira ao chegar na nave auxiliar.
Nenhum dos maahks demonstrara qualquer suspeita. Afinal, eles não poderiam saber que
o imartense duplicado por eles tinha um irmão gêmeo.
Woolver parou à frente da porta, como se estivesse escutando.
Naturalmente era impossível ouvir através do capacete do traje pressurizado os
ruídos que pudessem vir de fora. Woolver gostaria de poder dispensar o traje protetor,
que sempre representava uma carga adicional. Mas se abrisse o capacete estaria morto.
Woolver segurou a maçaneta da porta e girou-a. Teve de fazer um grande esforço
para dar a impressão de que para ele era a coisa mais natural deste mundo sair do
camarote. Abriu a porta e olhou para fora.
O corredor abobadado parecia mais amplo que no momento da chegada. Em
compensação a iluminação parecia escassa. As paredes laterais estavam revestidas com
placas de um metro quadrado, a partir do chão. De quase todas as placas saíam vários
tubos. Woolver descobriu fechos ovais dispostos a intervalos regulares.
O mutante não teria nenhuma dificuldade em encontrar um eco de impulsos nesse
lugar. Centenas de cabos passavam embaixo das placas de revestimento.
Woolver refletiu por um instante sobre a direção que deveria tomar. Como não
sabia em que parte da nave gigantesca se encontrava, isto não fazia a menor diferença.
Resolveu seguir para a esquerda e saiu andando resolutamente. O fato de ainda não
se ter encontrado com nenhum maahk deixou-o mais animado. Receara que houvesse um
guarda à frente da porta de seu camarote, mas os maahks tinham dispensado o mesmo.
Woolver seguia pelo centro do corredor, para que qualquer pessoa com que se
encontrasse visse logo que não queria fazer segredo da excursão que estava realizando. A
nave maahk era bem maior que os veículos espaciais do mesmo tipo, mas os recintos da
mesma pareciam apertados. Rakal Woolver lembrava-se disso por causa de sua presença
anterior a bordo dessa nave. Mas seria bastante difícil encontrar o lugar em que se
encontrara naquela oportunidade.
A nave maahk não lhe pareceu menos estranha que da primeira vez. Woolver não se
sentiu muito à vontade. Não poderia esperar que qualquer coisa do ambiente em que se
encontrava lhe parecesse familiar. As diferenças entre os maahks e os terranos eram
muito grandes.
Woolver passou por numerosas portas e corredores laterais, mas só se encontrou
com o primeiro maahk quando atingiu o fim do corredor e se viu à frente de um túnel
escuro.
Teve a impressão de que a estranha criatura saíra repentinamente da escuridão do
túnel. Fez um giro no ar e foi parar sobre as próprias pernas a poucos metros do lugar em
que se encontrava Woolver.
Woolver obrigou-se a ficar parado e olhar para o maahk. Sentiu o sangue esquentar
e subir-lhe à cabeça.
O maahk sacudiu-se que nem um cão que acabasse de sair da água. Woolver
chegara a acreditar que o recém-chegado nem tomara conhecimento de sua presença, mas
de repente o mesmo lhe dirigiu a palavra.
— Você queria entrar no túnel antigravitacional, duplo?
Woolver refletiu instantaneamente. Encontrava-se no fim do corredor. Só havia
duas possibilidades de sair dali. Teria de usar o túnel ou voltar pelo mesmo caminho. A
retirada evidentemente haveria de provocar suspeitas no maahk. Mas parecia que por
algum motivo que Woolver não conhecia o maahk achava estranho que o duplo quisesse
confiar-se ao túnel antigravitacional.
Woolver escolheu o menor dos males.
— Quero tentar.
Woolver compreendeu que cometera um erro. Havia algo de errado em tudo isso. O
desconhecido estava parado ao lado do túnel e parecia estar à espera de um espetáculo.
Woolver achou que seria perigoso arriscar a retirada naquela altura. Lamentava que
o túnel não estivesse iluminado, conforme costumavam ser os elevadores
antigravitacionais das naves terranas. Mas de qualquer maneira a escuridão o livraria dos
olhares curiosos do maahk, o que já era alguma coisa.
Woolver engoliu em seco e saiu caminhando valentemente em direção à abertura
negra. Perguntou-se por que a luz do corredor não penetrava no túnel. O maahk inclinou-
se para a frente, dando a impressão de que não queria perder nenhum detalhe do cenário
que se ofereceria aos seus olhos.
O passo seguinte foi também o último. Woolver perdeu o apoio dos pés e de repente
sentiu que estava flutuando numa escuridão completa. Emitiu um som abafado. Num
instante perdeu o senso de orientação. Não sabia se estava flutuando imóvel ou se rodava
em torno do eixo longitudinal. Mas o pior era a escuridão impenetrável. O vôo através do
túnel parecia um pesadelo que não tinha fim.
De repente voltou a clarear, e Woolver bateu violentamente com a barriga. O maahk
estava de pé a seu lado, olhando para ele.
— Você já foi melhor nisso, duplo — disse o maahk, esticando as palavras.
Woolver compreendeu que era o mesmo maahk com quem se encontrara do outro
lado do túnel. O espectador tinha percorrido o trajeto escuro bem mais depressa que ele.
Woolver levantou cuidadosamente, fazendo votos de que o maahk que se grudara a
ele desse o fora quanto antes.
— Aonde pretendia ir mesmo, duplo? — perguntou o maahk.
O mutante estremeceu. Será que seu interlocutor desconfiara de alguma coisa?
Woolver manteve-se ocupado com seu traje pressurizado, fazendo de conta que não
tinha ouvido a pergunta.
Mas estava subestimando a persistência que era uma característica de todos os
maahks.
— Aonde pretendia ir, duplo? — perguntou o ser, insistente.
— Não sei! — respondeu Rakal, desesperado. — Não agüentei mais no camarote.
— Sou Grek-182 — apresentou-se o maahk depois de refletir por algum tempo. —
Não compreendo, duplo. O recinto do qual acaba de sair foi instalado segundo as
exigências de seu corpo original. Logicamente você deveria sentir-se bem no mesmo.
— Acontece que não me sinto bem — resmungou
Rakal, que procurava desesperadamente um eco de impulsos para poder fugir
imediatamente se a desconfiança de Grek-182 o levasse a fazer perguntas ainda mais
embaraçosas.
— Seu comportamento é interessante, duplo — afirmou Grek-182. — Sugerirei aos
cientistas que o submetam a mais um exame minucioso.
Mal acabou de dizer isto, Grek-182 desapareceu no túnel antigravitacional. Woolver
seguiu-o com os olhos, atordoado. Tudo dependia do tempo que Grek-182 levasse para
fazer aquilo que acabara de anunciar. Os cientistas provavelmente aceitariam de bom
grado a sugestão e Grek-1 não deixaria de dar sua permissão para que fossem realizadas
experiências com o duplo.
Acontece que estas experiências seriam o fim do espetáculo encenado por Rakal
Woolver, se é que não representariam o fim do próprio Rakal Woolver.
Woolver fez um grande esforço e saiu do estado de torpor. Finalmente tinha
oportunidade de examinar o ambiente em que se encontrava. Um corredor de teto baixo
seguia obliquamente em relação à saída do túnel. Do outro lado do túnel havia mais dois
corredores, que saíam num ângulo de cerca de vinte graus, dirigindo-se a algum lugar no
interior da nave. Woolver viu alguns maahks parados no corredor transversal. Por isso
resolveu seguir pelo corredor da esquerda, do lado oposto do túnel. Os maahks não
representavam um perigo imediato, mas seriam capazes de fazer perguntas embaraçosas.
Woolver atravessou o corredor principal sem que ninguém o detivesse. Depois
percorreu pelo menos cinqüenta metros sem notar nada de extraordinário. Finalmente
encontrou uma espécie de nicho. Woolver entrou no mesmo e apalpou cuidadosamente a
parede áspera. De repente teve a impressão de que o chão começava a movimentar-se sob
seus pés. Quis recuar às pressas, mas já era tarde.
O nicho foi descendo abruptamente. O estômago de Woolver revoltou-se quando o
corredor desapareceu diante de seus olhos.
“Movimentei um elevador”, pensou, apavorado.
Segurou-se o melhor que pôde. Foi tudo tão rápido que mal pôde ver para onde
estava sendo transportado. Um pavilhão enorme estendeu-se à frente de seus olhos e o
elevador parou. Woolver tremia por todo o corpo, enquanto esperava que o elevador
voltasse a levá-lo para cima. Mas não aconteceu absolutamente nada. Máquinas estranhas
que subiam até o teto erguiam-se à frente do major. Havia corredores estreitos entre as
máquinas, e os mesmos estavam repletos de maahks. Felizmente não viam o terrano que
se encontrava na penumbra.
Woolver não teve alternativa. Foi obrigado a sair do elevador e dar aos maahks
reunidos no pavilhão a impressão de que aparecera ali de propósito. Imaginava que a
realidade não seria tão simples assim.
Assim que saiu do nicho, ouviu um zumbido agudo. O elevador voltou a subir.
Woolver seguiu-o com os olhos, muito triste. Mas afinal havia por ali um número muito
grande de condutos de energia, pelos quais poderia desaparecer caso sua vida estivesse
em perigo.
Woolver examinou os maquinismos, mas não conseguiu descobrir a finalidade dos
enormes conjuntos. Talvez servissem para gerar energia, mas era possível que
desempenhassem uma função bem diferente.
O acaso provavelmente o fizera parar em um dos setores mais importantes da nave.
Woolver tinha certeza de que havia outros acessos além do elevador. Sem dúvida havia
uma entrada principal, pela qual poderia sair do pavilhão. Mas antes de mais nada teria de
encontrá-la.
Woolver dirigiu-se à máquina mais próxima. Estava cercada de todos os lados por
travessas pelas quais os maahks podiam subir ao topo. O maquinismo gigantesco era de
formato cônico e estava apoiado numa saliência de metal negro. Na parte superior havia
saliências abauladas, que tinham o aspecto de grandes cogumelos. Entre as coberturas em
forma de cogumelo corria uma rede de fios muito finos. Tudo que Woolver via era
estranho e incompreensível. Mas o simples tamanho e formato das diversas máquinas
davam mostras do nível técnico alcançado pelos inimigos da Humanidade.
Quando quase tinha dado uma volta completa em torno da primeira máquina,
Woolver encontrou-se com dois maahks. Um deles carregava um cilindro de um metro de
comprimento, que era mais espesso de um dos lados.
Woolver quis passar como se não houvesse nada, mas o maahk que carregava o
objeto cilíndrico gritou alguma coisa.
Rakal parou.
— Como veio parar aqui, duplo? — perguntou o maahk que lhe dirigira a palavra.
Woolver resolveu que desta vez não se assustaria tão depressa. Enquanto Grek-1
não pronunciasse a sentença de morte, poderia conversar com os maahks.
— O senhor é o comandante? — perguntou.
— Não — respondeu o maahk. — Sou Grek-803.
— Estou dando uma olhada na nave — explicou Woolver.
O maahk parecia estupefato.
— Quando o comandante o enviou para perto dos terranos, todo mundo dizia que
você não podia saber da existência da trilha de desvio de impulsos. Grek-1 receia que os
terranos tenham conhecimento da mesma.
“O que vem a ser uma trilha de desvio de impulsos?”, perguntou-se Woolver, que
estava cada vez mais interessado na conversa.
— O comandante não me enviará mais para junto dos terranos — disse em voz alta.
— É verdade — concordou Grek-803. — Assim que soubermos tudo que se passa
em Kahalo, você morrerá.
A frieza com que Grek-803 falava da morte de Woolver deixou Rakal furioso. Os
maahks tinham revelado a mesma insensibilidade ao matar Tronar.
— Acho que o comandante não demorará a dar ordem para que a trilha de desvio de
impulsos seja usada — prosseguiu Grek-803. — Aí vamos retirar parte da energia que
flui entre o transmissor solar e a estação receptora de Kahalo. Dessa forma poderemos
introduzir algumas naves na Galáxia, sem que os terranos percebam.
— O duplo não precisa saber disso — advertiu outro maahk.
— Nem estou interessado — disse Woolver com a voz titubeante.
Mais depressa do que esperara descobrira o motivo da presença da gigantesca nave
maahk. O inimigo usava um método que lhe permitia introduzir várias naves na Via
Láctea, fazendo-as passar pelo transmissor, sem que os guardiães de Kahalo pudessem
impedi-lo. Quando a trilha de desvio de impulsos entrasse em ação, os terranos que
trabalhavam na estação de ajuste nem perceberiam.
Rakal Woolver sabia que a trilha de desvio de impulsos fora instalada no pavilhão
em cujo interior se encontrava. No momento nem podia avisar Perry Rhodan sobre o
perigo que os ameaçava.
Desesperado, perguntou-se o que poderia fazer para impedir a entrada do grupo de
naves maahks na Galáxia.
— Acho que você deveria sair daqui — decidiu Grek-803.
Woolver saiu andando sem dizer uma palavra. Havia um erro grave, embora
desculpável, nos planos de Rhodan. A mentira que Woolver transmitira aos maahks
praticamente obrigava Grek-1 a usar a trilha de desvio de impulsos, pois o mesmo fora
levado a acreditar que os terranos possuíam um comando de bloqueio do transmissor. O
comandante maahk naturalmente acreditaria que não dispunha de muito tempo.
Woolver compreendeu que dependeria dele que a invasão dos maahks prosseguisse
ou não. A mesma já se encontrava numa fase muito mais adiantada do que se imaginava
em Kahalo ou a bordo da Crest II.
Woolver olhou para trás e certificou-se de que não estava à vista de algum dos
maahks. Enfiou-se rapidamente entre duas máquinas. Sabia perfeitamente que não
poderia voltar ao camarote.
Precisava destruir a trilha de desvio de impulsos.
Não tinha a menor idéia de como fazer isso, mas era a única possibilidade de
estragar os planos de Grek.
Sem sair do esconderijo, Woolver passou os olhos pelo gigantesco pavilhão. Como
faria para destruir sozinho aquelas máquinas potentes? A tarefa que se impusera parecia
impossível. E o fato de que dispunha de pouco tempo tornava-a ainda mais difícil. Viera
para vingar o irmão. A oportunidade de fazer isso acabara de apresentar-se. Não podia
perder tempo.
Seu sentido paranormal aguçou-se e detectou o eco de impulsos de um cabo de
energia. Naquela altura pouco lhe importava que os maahks descobrissem sua verdadeira
identidade.
Acabara de entrar em luta.
Quase no mesmo instante, por um trágico capricho da natureza, Grek-1 também
resolveu entrar em ação.
5

Grek-1 ergueu os braços que nem um deus vingador enfurecido e gritava. O grupo
de cientistas ficou mais aglomerado. Todos sabiam que o comandante se sentia
decepcionado. Os olhos de Grek-1 faiscavam. O estado em que se encontrava parecia
refutar a opinião de que os maahks são seres insensíveis.
— Repita o que acaba de dizer, Grek-44! — disse.
O cientista levantou uma placa retangular sobre a qual tinham sido colocadas as
duas folhas que o duplo tinha roubado em Kahalo. Via-se perfeitamente que as delgadas
lâminas de metal tinham sido submetidas a vários tipos de tratamento.
Grek-44 agitou a placa como se fosse uma bandeira.
— É totalmente impossível que além do texto normal haja uma escrita secreta
nestas folhas, comandantes — disse, muito embaraçado. — Podemos garantir que
traduzimos o texto verdadeiro.
Grek-1 deu dois passos em direção ao cientista e arrancou-lhe a placa das mãos.
— O que diz este texto? — perguntou.
— Pouca coisa, comandante — confessou Grek-44. — Parece que o duplo roubou
duas folhas nas quais apenas se fazem considerações sobre a possibilidade teórica da
instalação de um comando de bloqueio — Grek-44 desdobrou lentamente uma folha. —
Lerei o texto traduzido para o senhor, comandante, para que veja que há pouca coisa...
Grek-1 interrompeu-o com um gesto impaciente. Atirou a placa sobre a mesa.
— Este sujeito é um idiota! — chiou. — Estava com tanto medo que roubou a
primeira coisa que lhe caiu nas mãos, em vez de verificar se não havia documentos mais
importantes.
— Será que os terranos não guardam os documentos importantes num lugar seguro?
— perguntou 44, ensaiando uma defesa do duplo.
Grek-1 fitou-o com uma expressão contrariada.
— Cale-se! — ordenou. — Ou melhor, retire-se da sala de comando com seus
colegas.
Grek-1 não deu mais nenhuma atenção aos cientistas. O tempo era escasso. E sabia
que a pressa era fonte de erros. E justamente na luta com os terranos não devia haver
decisões erradas.
Grek-1 voltou a levantar os olhos. Grek-7 era o único que continuava perto dele. Os
outros maahks tinham-se retirado e tentavam simular uma atividade intensa.
— O senhor acredita que os terranos já tenham ativado o comando de bloqueio? —
perguntou Grek-1.
Grek-7 não gostava de responder a perguntas deste tipo. Uma resposta que mais
tarde fosse revelar-se incorreta poderia representar a perda da posição de confiança que
desfrutava.
Por isso resolveu ser cauteloso na resposta.
— É difícil saber, comandante.
Grek-1 nem chegou a ouvir a resposta. Refletia intensamente. Se os terranos já
tinham usado o comando que lhes permitia bloquear o transmissor, o plano de invasão
teria fracassado. Mas se o comando ainda não fora ativado, poderia haver uma chance,
desde que agisse em tempo.
Grek-1 entesou o corpo.
— Vamos tentar — decidiu. — Mande preparar imediatamente um pequeno barco
robotizado que se dirigirá ao transmissor solar. Deverá haver um transmissor de grande
potência a bordo do barco. O mesmo entrará em funcionamento no instante exato em que
o barco materializar no sistema de Horror.
— O sistema de Horror está sendo patrulhado por unidades da frota terrana —
ponderou Grek-7. — A pequena nave será atacada imediatamente pelas mesmas.
— Naturalmente. Mas antes disso a mesma irradiará o sinal combinado para as
naves que se mantêm à espera.
— Quer dizer que o senhor quer arriscar, comandante? — perguntou Grek-7 numa
atitude que quase chegava a ser de veneração.
— Não temos alternativa. Ligaremos a trilha de desvio de impulsos, para que nossas
naves possam entrar em segurança na Galáxia.
Grek-7 já estava inclinado sobre o intercomunicador, para transmitir as necessárias
instruções aos técnicos que estavam de serviço no hangar. Sentiu que o comandante
acabara de dar a ordem decisiva. A invasão estava entrando no segundo estágio. Mas o
império dos terranos só se esfacelaria quando ela entrasse no terceiro estágio.
“Já está balançando”, pensou Grek-7, satisfeito. Mas os terranos ainda não
desconfiavam disso.
Naquele momento um único homem se interpunha no caminho da concretização das
intenções dos maahks. Mas era um homem dotado de faculdades extraordinárias, e que
usaria as mesmas no instante em que Grek-7 estava transmitindo as instruções do
comandante.
***
A pequena nave não tripulada foi-se aproximando em alta velocidade. Era apenas
uma seta de um metro de comprimento, recheada com o mecanismo propulsor. Na proa
existia um oco de dez centímetros de diâmetro.
Nesse oco estava guardado o transmissor.
A nave em forma de seta mantinha inabalavelmente a rota. Essa rota fora
programada pelos maahks no sistema de pilotagem automática. A navezinha voava para a
destruição. Isso tinha sido previsto. Mas antes de transformar-se numa nuvem de gases
incandescentes transmitiria a mensagem que decidiria as futuras ações. Era o sinal que as
unidades maahks estacionadas no sistema de Horror estavam esperando.
A navezinha atravessou o transmissor solar que nem um fantasma.
Frederick Bowden, um tenente que estava de serviço na estação de ajuste de
Kahalo, disse a seu ajudante Kaalran:
— Alguma coisa parece ter passado pelo transmissor.
Kaalran era um homem baixo, de aspecto sonolento.
Piscou os olhos na direção dos controles. Parecia confuso.
— Não vejo nada — disse, aborrecido. — Seus nervos devem ter-lhe pregado uma
peça.
Bowden lançou um olhar pensativo para os instrumentos.
— Não estou enganado — disse em tom obstinado.
Pôs a mão no videofone.
Kaalran espreguiçou-se a contragosto sem sair da poltrona.
— Não venha me dizer que vai dar o alarme.
— Vou, sim — respondeu Bowden.
***
O cruzador pesado Sanchez era uma das unidades estacionadas no sistema de
Horror. O comandante era o Major Joel “Mack” Watherley. Watherley era um homem
alto, incrivelmente musculoso, de pouco mais de trinta anos. Além do uniforme usava
uma faixa azul, ostensivamente amarrada em torno dos quadris, que costumava esvoaçar
cinqüenta centímetros atrás do corpo quando estava andando.
E Mack estava andando.
Conseguira fazer da Sanchez a nave mais limpa da Frota Solar. Os tripulantes
mantinham-se ocupados constantemente limpando certas peças, polindo-as ou removendo
a poeira. Mack Watherley possuía uma espécie de sentido paranormal para tudo quanto
era sujeira. Qualquer astronauta a serviço na Sanchez seria capaz de jurar que o major era
capaz de farejar uma partícula de pó a vinte metros de distância.
Os dedos longos e rijos do major passavam constantemente sobre todas as arestas,
para verificar se a poeira não voltara a depositar-se nas mesmas depois da última limpeza
geral. A luta fanática que Watherley vivia travando contra a sujeira atingiu o ponto
culminante justamente no dia 19 de maio de 2.401.
Depois de ter feito uma inspeção na sala de máquinas, Mack entrou na sala de
comando da Sanchez. Deixara na sala de máquinas um grupo de homens que suava e
praguejava, e que no momento se mantinham ocupados polindo ao máximo os objetos em
que Watherley tinha encontrado alguma falha.
Mal atravessou a porta da sala de comando, Mack ficou parado, dando a impressão
de que tinha esbarrado numa muralha invisível. Era raro ver o major parado. Os oficiais
retribuíram o gesto, olhando para o comandante.
Watherley levantou a cabeça como se fosse um cão de caça experimentado.
— Alguma coisa está fedendo! — constatou em tom de incredulidade.
Na opinião de Watherley um cheiro desagradável tinha de ser combatido com a
mesma paixão que qualquer outro tipo de impureza. Acontecia que o olfato de Mack era
tão desenvolvido que até mesmo no ozônio estéril o mesmo seria capaz de constatar os
remanescentes malcheirosos.
A constatação de Watherley foi seguida de um farejar generalizado por parte de
todos os oficiais que se encontravam na sala de comando, e que também queriam
descobrir a causa da poluição do ar para removê-la quanto antes.
— Sinto um fedor de carniça! — disse Watherley.
Já se recuperara do choque o suficiente para poder adentrar mais profundamente a
sala de comando. Passou os olhos pelo chão. De repente saiu em direção à mapoteca com
a segurança de um cão rastreador e numa mistura de triunfo e repugnância abaixou-se
entre as pernas metálicas, onde se encontrava o núcleo de uma maçã roída.
Joel “Mack” Watherley ergueu-se abruptamente.
— Quem fez isto? — chiou.
Ninguém respondeu.
— Palsh! — gritou Watherley.
O imediato da Sanchez veio correndo. Watherley apontou para o objeto que causara
sua indignação.
— Remova isso! — ordenou Watherley.
Enquanto Palsh rastejava para baixo da mapoteca, Mack dirigiu-se aos outros
oficiais.
— Posso garantir, senhores, que o malfeitor...
O resto da frase foi abafado pelo som estridente do alarme. Palsh saiu tão depressa
de baixo da mapoteca que esbarrou no Major Watherley. Perdeu o equilíbrio por um
instante e deixou cair o resto de maçã que segurava na mão direita.
Mais tarde Palsh afirmaria que deixara o fruto apodrecido cair intencionalmente na
direção de Watherley, mas era mentira.
Seja como for, o major foi atingido, mas não se incomodou. Dirigiu-se à poltrona de
comando.
— Objeto desconhecido materializou no transmissor, senhor! — anunciou o oficial
que cuidava dos rastreadores. — Houve o alarme geral para todas as unidades.
Watherley atirou as pernas compridas por cima da braçadeira da poltrona e deixou-
se cair na mesma. Passou as mãos esbeltas pelos comandos. Havia ordens precisas de
como agir num caso destes.
O objeto que acabara de aparecer recebeu ordem da nave-comando para identificar-
se.
A Sanchez acelerou. Pertencia à parte dianteira da formação esférica de naves
terranas que exercia a vigilância em torno dos três sóis.
Dali a instantes o objeto voador desconhecido apareceu em forma de um ponto
luminoso nas telas do rastreador espacial.
A nave-comando transmitiu o sinal combinado. O veículo desconhecido que
acabara de surgir no sistema de Horror devia ser destruído.
Watherley deu suas ordens com a voz tranqüila. Os homens estavam de prontidão
no centro de comando de tiro. Somente três naves aproximaram-se do objeto voador
desconhecido: A Sanchez, a Shannondoah e a Quebec.
Dali a dois minutos as armas começaram a falar. A navezinha em forma de flecha
tornou-se incandescente e transformou-se numa nuvem de energia que logo se espalhou
no espaço.
Watherley franziu a testa e olhou para os rastreadores.
— Será que os maahks enlouqueceram? — perguntou. — Devem saber que com
uma única nave não conseguem passar.
— Deve ser um teste — disse Palsh.
Mack sacudiu a cabeça.
— Ninguém seria tolo a ponto de sacrificar uma nave para verificar um fato bem
conhecido. A finalidade do objeto voador não foi esta.
— Pode ser, senhor — confirmou Palsh.
As três unidades receberam ordem para retornar ao ponto de partida da ligeira
operação.
— Assuma, Palsh — ordenou Watherley. — Pedirei à nave-comando que me dê
outros detalhes.
Watherley dirigiu-se à sala de rádio, que ficava ao lado da sala de comando.
Na entrada quase esbarrou no rádio-operador Layds.
— O que houve, Layds? — perguntou.
Layds entregou-lhe uma fita de plástico.
— Pretendia transmitir isto ao senhor, mas Palsh está no seu lugar.
Watherley passou os olhos pela mensagem vinda da nave-comando. A mesma dizia
que o objeto voador não identificado irradiara um hiperimpulso instantes antes de ser
destruído. Os especialistas que se encontravam a bordo da nave-comando terrana
tentavam decifrar a mesma.
— Eles vão trabalhar muito tempo — disse Watherley.
— Não compreendo, senhor — observou Layds em tom de curiosidade.
— Não acredito que se trate de uma mensagem que possa ser decifrada — explicou
Mack. — Deve ser apenas um sinal previamente combinado, que deverá desencadear
certos acontecimentos.
Layds coçou o queixo. Parecia pensativo.
— O que será, senhor? — perguntou, um tanto assustado.
— Não sei — confessou o major. — Mas alguma coisa me diz que teremos
problemas.
— Tenho a mesma impressão, senhor — afirmou Layds em tom seco.
Watherley fitou-o com uma expressão indignada. Parecia perguntar-se como um
simples rádio-operador podia colocar suas impressões no mesmo nível das de um major.
— Volte ao trabalho — ordenou Watherley.
Layds fez continência e deu as costas ao comandante. Watherley voltou ao seu lugar
na sala de comando.
Palsh saiu da poltrona de comando e fitou Watherley com uma expressão de
curiosidade.
— Layds tem uma mensagem para o senhor — disse.
— A coisa que acabamos de destruir transmitiu um impulso de rádio pouco antes de
desintegrar-se — informou Watherley. — Não estou gostando.
Palsh olhou para os bicos de seus sapatos, colocando o peso do corpo ora numa, ora
noutra perna. Achava que era um bom meio de concentrar-se.
— Os maahks estão tramando alguma coisa — disse Watherley em tom pensativo.
— Parece que sim, senhor — confirmou Palsh. Watherley fitou-o com uma
expressão de desprezo.
Em vão procurou algum sinal de sujeira no uniforme do imediato.
— Parece que sim! — disse, arremedando Palsh. — O senhor não tem alguma
suspeita que possa manifestar?
Palsh ficou vermelho. Como imediato estava exposto à crítica de Watherley mais
que os outros tripulantes. Ainda não aprendera a ignorar as erupções do major.
— Acho que os maahks estão levando avante a invasão planejada — disse em tom
nervoso.
— Ninguém tem certeza de que os maahks pretendam realizar uma invasão —
objetou Watherley. — Por enquanto não vi nenhuma nave dos metanitas.
De repente Palsh esticou o pescoço, e a cor vermelha de seu rosto foi substituída por
uma palidez acentuada. Levantou o braço e apontou para os rastreadores.
— Pois já pode ver — disse com a voz apagada. — Já pode ver, sim senhor.
Watherley virou-se abruptamente.
No mesmo instante os alarmes uivaram. A voz estridente de Layds saiu do
interfone.
Um modelo confuso formado por pontos luminosos apareceu nas telas do
rastreamento espacial.
— Naves maahks, senhor! — a voz de Palsh tremia de medo.
Dentro de alguns segundos o quadro desapareceu. Antes que as pessoas que se
encontravam a bordo das naves terranas pudessem fazer qualquer coisa, milhares de
unidades pesadas dos maahks tinham-se dirigido em alta velocidade para os três sóis que
circulavam em torno de Horror para desmaterializar no interior do núcleo energético
situado entre os mesmos.
Já não havia ninguém a bordo da Sanchez que ignorasse a finalidade do objeto
voador que acabara de ser destruído. O hiperimpulso irradiado pelo mesmo pouco antes
que fosse destruído fora o sinal de ataque. A invasão estava começando.
6

Rakal Woolver introduziu-se no circuito elétrico e atravessou o cabo à velocidade


que este desenvolvia. Materializou no ponto de saída do condutor, no interior de uma sala
escura.
Sabia que sem armas não poderia destruir a trilha de desvio de impulsos. Devia
haver explosivos na nave. Tudo dependia de que ele os encontrasse antes que fosse tarde.
Woolver não perdeu tempo. Não sabia onde estava naquele momento e a sala era
tão escura que não conseguia orientar-se. Woolver voltou a usar seus sentidos
parapsíquicos. Localizou sete ecos de impulsos diferentes, que ficavam nas imediações
do lugar em que se encontrava. Utilizou imediatamente um dos mesmos.
Materializou no meio de uma claridade ofuscante, sobre um disco giratório. Sentiu
que a força centrífuga o impelia para a borda do disco. O chão era tão liso que Woolver
não encontrava apoio.
O imartense olhou para os lados. O disco sobre o qual se encontrava ficava no meio
de um tanque retangular e rodava num líquido roxo, em direção ao qual Woolver estava
sendo impelido.
Inúmeros tubos levavam da borda do tanque ao teto da sala. Estavam tão perto um
do outro que Woolver não via o que havia atrás dos mesmos. À medida que era impelido
em direção à periferia do disco, sua posição tornava-se mais insegura. Tinha que deslocar
constantemente o peso do corpo para não perder o equilíbrio. Se caísse, iria parar
imediatamente dentro do caldo roxo.
Tinha certeza de que ali não encontraria armas.
Woolver voltou a concentrar-se. Desta vez registrou somente três ecos de impulsos.
Um deles estava bem próximo; devia ser o mesmo que o tinha trazido para cima do disco.
Os outros dois vinham dos tubos que ficavam do lado de fora do tanque.
Woolver hesitou. Se tivesse azar, os condutores de energia situados entre os tubos
podiam levar para alguma máquina ou então ao interior de um conversor. Nesse caso só
poderia pôr-se a salvo se saltasse rapidamente para trás.
Woolver inclinou-se bem para trás para conservar o equilíbrio. De repente um
comando invisível provocou a aceleração do movimento de rotação do disco. Woolver
deu um salto para a frente.
Teve bastante presença de espírito para introduzir-se no fluxo de energia antes que o
líquido roxo se fechasse em cima dele. Escolhera ao acaso um dos ecos de impulsos.
Materializou em meio a vários objetos invisíveis que quase o esmagaram. Mais uma
vez viu-se cercado pela escuridão. Seria muito arriscado fazer qualquer movimento, por
menor que fosse. Não esperava que seu capacete se abrisse. Seria a morte certa.
Woolver não sabia onde estava, mas sentiu um sem-número de ecos de impulsos.
Esperava que desta vez tivesse mais sorte e voltou a saltar.
Quando a estrutura atômica de seu corpo se restabeleceu, Woolver estava no interior
de um pavilhão alongado. A entrada ficava logo a seu lado. Woolver descobriu uma caixa
de comando que ficava sobre a porta. Provavelmente tinha saído da mesma.
Não viu sinal de vida no pavilhão. Olhou em torno. Havia objetos estranhos
depositados no pavilhão. Estavam empilhados entre paredes estreitas e transparentes.
Woolver respirou aliviado. Finalmente encontrara um depósito, se bem que, ao que
tudo indicava, não havia armas no mesmo. O mutante procurou imaginar a divisão
interna da nave. Se possível, queria usar explosivos químicos para levar avante seu plano.
Rememorou tudo que aprendera a respeito da técnica armamentista dos seres que
respiravam hidrogênio. Não havia dúvida de que além dos armamentos nucleares e
energéticos o inimigo possuía armas químicas. A história da astronáutica terrana oferecia
numerosos exemplos em que o uso de simples petardos explosivos se revelara bastante
útil. Era bastante improvável que os resultados das experiências dos maahks fossem
diferentes.
De repente Woolver foi obrigado a interromper suas reflexões. Uma porta abriu-se
do outro lado do pavilhão e dois robôs entraram pela mesma. Woolver procurou abrigar-
se atrás de uma pilha de peças de máquinas. Como não ouvia os robôs, espiou pelas
frestas que havia entre as peças metálicas.
Viu os robôs se aproximarem lentamente. Paravam à frente de cada espaço livre,
dando a impressão de que tinham de efetuar algum tipo de controle. Woolver esperava
que acabariam saindo pela porta que ficava perto dele.
Mas teve bastante tempo para localizar alguma coisa. No início só sentiu o impulso
saído da caixa de comando que ficava junto à porta, mas logo notou os ecos mais fracos
saídos de alguns condutores situados embaixo do teto. Rakal escolheu este último
caminho.
Bastou um instante de concentração, e Woolver deixou de existir no interior do
depósito.
O imartense recuperou seus contornos normais a dois metros de um maahk. Emitiu
um ruído abafado e pensou em dar um salto para trás, mas logo notou que o maahk não
podia vê-lo. Estava deitado numa cama e devia estar morto ou inconsciente. Woolver
levantou os olhos e viu mais quatro armações parecidas com camas, nas quais
descansavam outros maahks. Nenhum deles tomou conhecimento de sua presença.
Woolver passou os olhos pelas instalações da sala.
Materializara no interior de uma das clínicas da nave. Os maahks que se
encontravam ali estavam doentes e inconscientes. Talvez tivessem sido colocados de
propósito nesse estado, para que a cura fosse mais rápida.
“Aqui mesmo não vou encontrar nenhuma arma”, pensou Woolver, zangado.
Desapareceu através de um sistema de sinalização acoplado às camas dos doentes.
Quando materializou, viu-se no interior de um recinto pequeno. Viu sinais seguros de que
o mesmo fora usado por um maahk, que provavelmente tinha saído há pouco tempo. Era
bem possível que tivesse saltado para dentro dos aposentos de um médico.
Dirigiu-se à mesa baixa que ficava junto à parede dos fundos, pegou alguns
instrumentos de escrita e colocou-os no chão, junto à entrada. Deu uma risada. O maahk
que refletisse um pouco sobre como isso poderia ter acontecido.
O sétimo salto levou Woolver para dentro de um corredor iluminado, mas vazio. O
mutante não perdeu tempo.
Abriu a porta mais próxima. Viu uma frente de luzes coloridas, cuja intensidade
luminosa oscilava constantemente. Não viu nenhum maahk. Woolver fechou a porta e
encostou-se à parede.
Gastou algum tempo examinando seu conjunto de oxigênio. O mesmo ainda o
abasteceria por algumas horas.
Woolver contornou a frente de luzes e viu que se tratava da parte dianteira de uma
máquina alongada. A sala estava subdividida em várias partes. Havia um passadiço que
levava a um convés intermediário; corredores estreitos saíam de ambos os lados do
mesmo.
Woolver pôs-se a refletir por um instante e resolveu subir pelo passadiço para
verificar aonde levavam os corredores. Os degraus eram de metal e o barulho que
Woolver fez ao subir era tão forte que ele o ouvia através do capacete. Alcançou o convés
intermediário são e salvo, mas cônscio do perigo de ver de repente vários inimigos à sua
frente.
Vista de cima, a máquina parecia enorme. Lançava reflexos luminosos coloridos
obliquamente no chão. Junto às paredes do convés intermediário havia objetos em forma
de caixotes, com ganchos soldados na face externa. Woolver sentiu um número elevado
de ecos de impulsos, quase todos vindos do interior dos caixotes.
Olhou para dentro do corredor do lado esquerdo, mas recuou imediatamente ao ver
as sombras saltitantes de vários maahks projetadas nas paredes laterais do mesmo. Ficou
parado um instante, esperando que o ritmo das batidas do coração diminuísse. O corredor
descrevia uma curva e, ao que parecia, ia terminar num recinto maior. Por lá havia vários
maahks. Woolver só vira as sombras dos mesmos. Concluiu que não poderiam descobri-
lo, mesmo que se arriscasse a entrar um pedaço no corredor.
No corredor da direita não havia nenhum sinal de que o mesmo levasse a uma parte
menos quieta da nave. Woolver mudou de direção e foi andando para o lado direito do
convés intermediário. Entrou num corredor fracamente iluminado.
Woolver viu alguns nichos, mas preferiu não examiná-los, pois receava que os
mesmos o levassem novamente ao pavilhão em cujo interior tinha sido instalada a trilha
de desvio de impulsos.
Quando chegou ao fim do corredor, Woolver viu uma esteira transportadora que
desaparecia numa abertura da parede. Tentou determinar a direção em que a mesma se
movia, e chegou à conclusão de que só podia levar ao lado oposto do convés
intermediário.
Mas a origem da esteira era mais importante que seu destino.
Woolver saiu do corredor e viu à sua frente uma sala baixa, mas extensa. O que viu
fez com que soltasse um assobio. Fora parar num depósito de armas portáteis. E onde
havia armas desse tipo também devia haver explosivos.
Por um instante esqueceu todas as precauções. Foi entrando no depósito. De repente
viu através do visor do capacete um movimento a seu lado.
Por um instante teve esperança de que se tratasse da esteira transportadora, mas
quando virou lentamente a cabeça viu um robô parado bem à sua frente.
Ao que parecia, a máquina mantinha-se ocupada colocando armas sobre a esteira. A
chegada de Woolver interrompera seu trabalho. O robô fez um movimento lento para
trás. Uma arma estranha apareceu em sua mão.
Woolver sentiu-se dominado pelo pânico. Ativou seus sentidos paranormais, à
procura de um eco de impulsos. Mas antes que pudesse introduzir-se num fluxo
energético, o robô estendeu o braço e ofereceu uma arma ao imartense. A coronha estava
apontada para o peito de Woolver.
Este deu uma risada rouca. A máquina acreditava que ele tivesse vindo para buscar
uma arma. Pegou calmamente a carabina maahk e afastou-se do robô, que voltou a
dedicar-se ao seu trabalho.
Mais depressa do que esperara encontrou alguns objetos semelhantes a bombas,
com um detonador de alavanca bem à vista. As mesmas não se prestavam à finalidade
que tinha em vista. Depois de ter revistado quase toda a sala, quase chegou a soltar um
grito de alegria. Numa rede estendida bem à sua frente estavam alguns cilindros azuis, de
cuja cabeça saía uma chave. Woolver segurou cuidadosamente uma das granadas de mão
dos maahks e examinou-a cuidadosamente. Finalmente tirou o cinto e prendeu duas
dezenas de cilindros nas alças de seu uniforme. Voltou a colocar o cinto. Quase não
sentia a carga adicional. Não sabia qual era o poder explosivo dos petardos, mas vinte
deles deviam ser suficientes para inutilizar a trilha de desvio de impulsos.
Woolver sorriu, satisfeito.
Encontrara aquilo de que precisava.
Mas a busca ainda não chegara ao fim. Precisava encontrar o caminho de volta à
trilha de impulsos.
E depressa.
***
Acompanhado por Grek-7, o comandante da grande nave maahk, Grek-1, entrou na
sala de máquinas da trilha de desvio de impulsos. Grek-7 mantinha-se respeitosamente
meio metro atrás do superior.
Os olhos de Grek exprimiam certa impaciência. Fez um sinal para que um
especialista se aproximasse.
— Quanto tempo ainda vai demorar? — perguntou em tom pouco amável.
— Pouco tempo, comandante — respondeu o maahk em tom solícito. — A trilha de
desvio de impulsos entrará em funcionamento no devido tempo.
Grek-7, que conhecia muito bem o comandante, sentiu que a impaciência do mesmo
crescia cada vez mais. Grek-1 deu ordem para que o cientista voltasse ao trabalho.
— Quero falar com o duplo — disse Grek-1. — Traga-o para cá.
— Pois não, comandante — disse Grek-7 e dirigiu-se ao interfone.
Grek-1 acompanhava o trabalho dos especialistas. Por que, perguntou-se, a trilha de
desvio de impulsos não pode ser ativada simplesmente comprimindo um botão, como
acontece com tantas outras máquinas? Grek-1 gostava de alcançar o objetivo pelo
caminho mais curto. Tudo que era complicado repugnava-lhe.
Cada vez mais contrariado, viu um grupo de cientistas subir na trilha de desvio de
impulsos, para fazer algum trabalho na cúpula da mesma.
Neste instante Grek-7 voltou para junto dele.
— O duplo não está no seu camarote, comandante — disse o homem de confiança
do comandante maahk.
Grek-1 esqueceu a trilha de desvio de impulsos e os especialistas que trabalhavam
na mesma.
— O quê? — perguntou, furioso.
Grek-7 sabia que desta vez não podia interpor uma terceira pessoa entre si e a raiva
de Grek. Se não agisse com muita diplomacia, o comandante o escolheria como vítima de
sua impaciência.
— Fiz uma ligação para seu camarote — informou Grek-7. — Como ninguém
atendeu, pensei que estivesse dormindo. Mandei que Grek-23 desse uma olhada no
camarote. Grek-23 comunicou que o duplo não se encontra no aposento que lhe foi
destinado.
— Que providências tomou? — perguntou Grek-1 com uma perigosa calma.
— Nenhuma, comandante — confessou Grek-7. — Achei que deveria aguardar suas
ordens. Afinal, o duplo não estava sendo vigiado, o que certamente o levou a pensar que
poderia locomover-se à vontade no interior da nave.
— É claro que pode — disse Grek-1, surpreendendo seu interlocutor. — Mas quero
que seja encontrado imediatamente e trazido para cá — levantou a voz. — O senhor acha
isso impossível?
— Não, comandante — garantiu Grek-7 e saiu correndo.
Grek-1 pôs-se a refletir sobre a atividade inesperada do duplo. Não sabia por quê,
mas tinha a impressão de que depois que estivera com os terranos o mesmo parecia ter
mais autoconfiança que por ocasião de sua partida. Qual era a causa da mudança? Seria
porque a duplicata de Tronar Woolver conseguira regressar com vida? Grek-1 resolveu
que submeteria o duplo a mais um interrogatório minucioso. Afinal, ele se recuperara
muito bem dos ferimentos que causara em si mesmo. Tão bem que não havia vestígios
dos mesmos. Nem uma cicatriz.
Nem uma cicatriz...
Mal este pensamento voltara a passar pela cabeça de Grek-1, ele saiu andando.
Parou perto do primeiro terminal do interfone e fez uma ligação com a clínica de bordo.
Dali a pouco ouviu a voz de Grek-555, que era o médico de plantão.
— Aqui fala o comandante — disse Grek-1.
— Reconheci sua voz — disse o médico.
Grek-1 resmungou alguma coisa. Parecia aborrecido.
— Tenho uma pergunta importante — disse. — O que me diz dos ferimentos
causados por uma arma térmica? No caso trata-se de uma arma aconense, mas acho que
os efeitos são mais ou menos os mesmos que os produzidos por um modelo maahk.
Grek-1 sentiu a perturbação do médico, que refletiu por um instante, emitindo vez
por outra sons ininteligíveis.
— De qualquer maneira haverá queimaduras graves, comandante — explicou Grek-
555 depois de algum tempo. — Poucos maahks têm sobrevivido ao impacto direto de
uma arma térmica.
— E quando se trata de um tiro de raspão? — perguntou Grek-1.
— Ainda assim as conseqüências são bem graves — disse o médico.
— Quais são as possibilidades de cura?
— São boas, desde que o paciente seja tratado em tempo. Depois da cura pode-se
fazer um enchimento de bioplástico nas feridas. Desta forma não ficará nenhum vestígio
dos ferimentos.
— Quanto tempo se passa até que o bioplástico se ligue ao organismo, a ponto de
não haver mais cicatrizes visíveis? — perguntou Grek-1 em tom insistente.
— Bastante tempo — respondeu Grek-555. Forneceu o número de unidades de
tempo maahks correspondente a meio ano terrano.
Grek-1 obrigou-se a formular mais uma pergunta.
— O senhor é capaz de imaginar um tratamento que, além de curar feridas graves
produzidas por uma arma térmica, torne invisíveis as feridas num espaço de tempo muito
curto?
O médico ficou calado. Estava perplexo.
— Estou esperando! — gritou Grek-1 em tom impaciente.
— Só posso dar uma resposta teórica a esta pergunta. É claro que alguns
tratamentos sempre são melhores que os outros. Mas acho pouco provável que já tenha
sido descoberto um tratamento melhor que o nosso.
— Pode-se admitir a possibilidade de que os médicos terranos já tenham descoberto
um tratamento desse tipo?
— Pelo que sabemos do inimigo, a resposta é não — disse o médico prontamente.
Grek-1 desligou.
De repente teve a impressão de estar cercado por inimigos invisíveis. Havia algo de
errado com o duplo.
O agente fora covarde demais para produzir ferimentos graves no próprio corpo ou
então...
Grek-1 não se atrevia a pensar na outra alternativa, embora a mesma se impusesse à
sua mente.
Quando o comandante ia se afastando do interfone, Grek-7 voltou a aparecer.
— Tomei todas as providências para que o duplo seja conduzido imediatamente à
sua presença — disse.
— Não será fácil encontrá-lo — disse Grek-1.
— Como, comandante? — perguntou Grek-7, estupefato.
— Nem temos certeza de que este duplo realmente seja um duplo — anunciou
Grek-1, esticando as palavras.
A seguir retirou-se da sala de máquinas, para passar a dar suas ordens a partir da
sala de comando.
***
Rakal Woolver saiu do depósito de armas, saltando através de um condutor
principal, e materializou numa sala cheia de vapores verdes. O visor de seu capacete logo
ficou embaçado do lado de fora. Woolver ouviu o ruído de uma máquina através do
capacete. Os dois saltos que deu em seguida levaram-no para um dos inúmeros
corredores. Da segunda vez teve de esboçar uma reação muito rápida para escapar ao
olhar de um maahk.
O sprinter foi saltando, desprezando a própria segurança. Desta vez recuperou seus
contornos numa sala baixa, cujo chão estava coberto por uma massa viscosa que chegava
aos tornozelos de Woolver. Antes que tivesse tempo de orientar-se, veio o ataque. Uma
estranha criatura estava agachada numa depressão do chão, a dez metros do lugar em que
ele se encontrava. Tinha um corpo oval, que parecia ser transparente, e dele saíam
inúmeros braços tentaculares, em cujas extremidades havia ventosas em forma de leque.
Antes que Woolver pudesse esboçar qualquer reação, três braços precipitaram-se
em sua direção.
Houve um ruído surdo, que pôde ser percebido até mesmo através do capacete, e as
ventosas ficaram presas na parte superior do traje pressurizado de Woolver.
Apavorado, Woolver contemplou o monstro. Devia tratar-se de um prisioneiro dos
maahks, ou então de uma espécie de animal doméstico que os seres que respiravam
hidrogênio levavam consigo por algum motivo que ele não conhecia.
Os braços longos entesaram-se, e o imartense sentiu-se puxado irresistivelmente em
direção à depressão no chão. Os sentidos exaltados de Woolver tateavam à procura de um
eco de impulsos. Enquanto isso arrancou um dos petardos explosivos presos ao cinto,
girou a alavanca e arremessou-o na direção do atacante.
Houve um repentino solavanco. Woolver compreendeu que o monstro estremecera
ao contato da granada. O mutante foi levantado do chão.
Woolver lutou contra as ventosas. Não sabia quanto tempo levaria a granada para
explodir. Provavelmente isso dependia de que a alavanca fosse empurrada mais ou menos
para baixo. Woolver a colocara na posição extrema, o que poderia significar tanto um
tempo longo como um tempo curto de detonação.
Outro braço saltou na direção de Woolver e ficou agarrado ao seu traje. Woolver
não podia perder mais tempo.
A explosão da granada verificou-se quase no mesmo instante em que Woolver
desmaterializou. O mutante ainda chegou a ver uma língua de fogo, e no mesmo instante
apareceu em outro lugar. Lamentava não poder voltar para verificar os efeitos produzidos
pela arma.
Woolver viu-se numa sala cheia de espulas que iam do chão ao teto. Algumas delas
rodavam, produzindo sons estridentes. Embora tivesse certeza de que não estava perto da
trilha de desvio de impulsos, Woolver foi passando entre as espulas, para atingir o outro
lado da sala. Quando chegou lá, viu uma parede coberta de telas de imagem. Pelos
cálculos de Woolver, pelo menos cem aparelhos de transmissão deviam estar em
funcionamento. Imagens coloridas de vários setores da nave eram projetadas nas telas. O
imartense acreditava que se tratasse de uma espécie de monitor. Um computador
selecionava os quadros e os retransmitia para a sala de comando ou outra parte da nave.
Em algumas das telas Rakal viu maahks. Seus movimentos pareciam revelar que
estavam empenhados numa atividade muito intensa.
Olhou para a fileira superior de telas. Não viu nenhuma parte da nave que já
conhecesse. Mas na segunda fileira teve mais sorte. Viu um quadro que sem dúvida
representava a sala de máquinas em cujo interior se encontrava a trilha de desvio de
impulsos.
A sala estava repleta de maahks, que rastejavam às dezenas na superfície de
algumas máquinas.
“Estão preparando a trilha de impulsos para entrar em ação”, pensou Woolver,
deprimido.
Enquanto refletia para encontrar um meio de chegar à sala de máquinas, viu sua
própria imagem projetada numa tela. Uma das telas da fileira inferior mostrava a sala
cheia de espulas — e um homem que usava traje espacial parado à frente das mesmas.
Woolver compreendeu que estava sendo filmado por uma câmara invisível. Não
sabia se sua imagem estava sendo vista por um ou vários inimigos, mas achou preferível
dar o fora imediatamente. Ainda teve bastante discernimento para esconder-se atrás das
espulas. Se alguns dos seres que respiravam hidrogênio o vissem, não convinha que os
mesmos testemunhassem sua desmaterialização.
Rakal Woolver concentrou-se na tela que ficava na segunda fileira, sobre a qual
aparecia parte da trilha de desvio de impulsos. A mesma produzia um eco bem
perceptível.
O major da USO acreditava que cada um dos aparelhos de transmissão estivesse
acoplado a uma câmara automática. Dessa forma o salto através do respectivo fluxo
energético haveria de levá-lo ao lugar em que estava montada essa câmara.
Isso fez com que Woolver hesitasse. Havia muitos maahks perto da trilha de desvio
de impulsos. Se tivesse azar eles o veriam no momento em que estivesse materializando.
E os maahks certamente não pertenciam às formas de vida que em virtude de uma
surpresa perdem a capacidade de reação por alguns segundos. Entrariam em ação no
momento exato em que vissem o pretenso duplo à sua frente.
Com isso a tarefa de Woolver se tornava mais complicada. Não era a primeira vez
que se lamentava de não ser capaz de ver o ponto de destino antes de um salto escolhido
ao acaso. Espiou entre as espulas para examinar as telas de imagem. Se esperasse mais,
suas chances diminuiriam bastante.
Rakal Woolver encostou as mãos ao cinto em que estavam penduradas as granadas
e saltou.
***
Grek-1 foi informado sobre o fim de Rhy'eerin quando tentava entrar em contato
mais uma vez com os cientistas que trabalhavam na trilha de desvio de impulsos. Antes
que chegasse a usar o interfone, um sinal luminoso o levou a transferir a ligação.
— Rhy'eerin está morto, comandante — disse uma voz.
Grek-1 deixou-se cair na poltrona da qual se erguera parcialmente. Por um instante
era apenas um ser cansado, que já não suportava o peso da responsabilidade. Quase não
notou que em torno dele todos ficaram em silêncio, enquanto os maahks fitavam o
comandante, apavorados.
— O que aconteceu? — perguntou Grek-1, bastante abalado.
— Rhy'eerin explodiu, comandante — informou o locutor invisível que se
encontrava junto ao interfone.
— Quem é o senhor? — perguntou Grek-1.
— Grek-1622, comandante.
— Quem é o responsável pela câmara pressurizada de Rhy'eerin? — perguntou
Grek-1.
— Sou eu, comandante. Mas não foi por causa da pressão. Alguém entrou na
câmara em que estava Rhy'eerin e detonou uma bomba aarg.
As mãos de Grek crisparam-se em torno das braçadeiras da poltrona. O que acabara
de ouvir era inacreditável, mas nenhum maahk se atreveria a apresentar uma história
inventada ao comandante.
Mas quem, perguntou-se Grek-1, que já não compreendia mais nada, poderia ter
matado Rhy'eerin?
Pelo que se lembrava, Grek-1 nunca possuíra um parceiro melhor nas caçadas que
Rhy'eerin. Tratava-se de um ser capaz de dar saltos enormes em condições de gravidade
normais. Seus braços alcançavam praticamente todos os ninhos e covas em que a caça
escolhida por Grek-1 costumava esconder-se. Quando a vítima acuada saía do abrigo,
transformava-se numa presa segura da arma de grande alcance que Grek usava.
E agora alguém que ele não sabia quem era acabara de matar Rhy'eerin. O absurdo
que Grek-1 parecia ver nesse ato tinha algo de assustador.
Agora, que Rhy'eerin estava morto, Grek-1 percebeu como era forte a ligação que o
prendera a esse ser semi-inteligente. A caça com o Rhy'eerin muitas vezes distraíra o
comandante dos graves problemas que tinha de enfrentar, dando-lhe novas forças.
Se alguém matara Rhy'eerin, este alguém só podia ter agido assim por vingança.
“O duplo”, pensou Grek-1, dominado pelo ódio. Este ser sintético gerado pelo
multiduplicador demonstrara um grau elevado demais de iniciativa. E agora se via que os
pressentimentos de Grek não eram infundados.
— Descobriu alguma pista? — perguntou Grek-1.
— Não, comandante. Tenho certeza absoluta de que nenhuma das eclusas foi aberta.
Tenho a impressão de que a bomba aarg foi colocada na câmara pressurizada antes que a
nave decolasse, só tendo sido detonada agora.
— Pare de dizer bobagens — gritou Grek-1. — Descubra como a bomba foi parar
na cabine e quem a colocou lá.
— Perfeitamente, comandante — disse Grek-1622, deprimido.
— Só existe um castigo para a negligência do senhor — disse Grek-1. — E este
castigo será aplicado se não conseguir descobrir o que há atrás deste atentado.
Grek-1 desligou sem esperar resposta. Quando levantou da poltrona, deu-se conta
pela primeira vez do silêncio que estava reinando na sala. Bastou um olhar seu para que
os astronautas voltassem ao trabalho.
Grek-7 entrou na sala de comando e foi diretamente para perto do chefe.
— Acabo de ouvir a notícia, comandante — disse em voz baixa.
Grek-1 não parecia ter perdido nada do seu autocontrole.
— Já conseguiu pegá-lo? — perguntou.
Grek-7 sabia que Grek-1 se referia ao duplo.
— Não, comandante — respondeu em tom hesitante. Ficou surpreso ao notar que a
reação de Grek-1 não foi áspera, conforme era de seu costume. Deu sua resposta em tom
indiferente.
— Era o que eu imaginava. Deve ter sido ele que colocou a bomba aarg na cabine
de Rhy'eerin.
Pela primeira vez Grek-7 deixou-se levar a manifestar sua própria opinião.
— Em minha opinião isso é impossível, comandante. Não consigo imaginar como o
duplo poderia ter chegado ao depósito de armas, roubado uma bomba e levado a mesma à
câmara pressurizada.
— Tenho certeza de que foi isso que aconteceu — disse Grek em tom resoluto.
— Quer ativar o dispositivo de segurança para matar o duplo? — perguntou Grek-7.
— Não — disse Grek em tom resoluto. — Preciso interrogá-lo antes que morra. Há
algo de errado com ele.
— O senhor ainda acredita que não é o duplo?
Grek-1 ficou calado, mas em pensamento tentou encontrar uma resposta a esta
pergunta. Se aquele ser era o duplo, ele tinha mudado em vários pontos.
Grek-1 obrigou-se a afastar o duplo e Rhy'eerin de sua mente. A trilha de desvio de
impulsos estava pronta para entrar em ação. Precisava falar com os cientistas que
esperavam que as naves maahks chegassem à Galáxia.
Sua chegada representaria um momento de triunfo para Grek-1.
“Conquistarei e dominarei uma galáxia para os verdadeiros mestres da galáxia”,
pensou o comandante. Bem que gostaria de trocar o novo império sideral pela vida de
Rhy'eerin.
***
O homem que ainda poderia impedir a invasão apareceu sob a forma de uma figura
vaga embaixo de um depósito que ficava no interior de uma sala de máquinas. Os
contornos da figura foram se firmando de um instante para outro, transformando-se num
corpo material.
O cérebro de Rakal entrou em funcionamento imediatamente. Certificou-se de que
não havia nenhum maahk nas imediações. Não sabia onde ficava o centro do perigoso
aparelho que queria destruir. Por isso não teve outra alternativa senão concentrar-se para
as duas figuras maiores que havia no interior do pavilhão.
Mas antes de mais nada precisaria encontrar um esconderijo do qual pudesse ver
toda a sala sem ser visto. Em hipótese alguma queria saltar de volta, pois nesse caso teria
de iniciar novamente a operação de busca.
O fato de só poder identificar parte dos ruídos representava uma desvantagem para
Woolver. Obrigava-o a confiar em grande parte nos olhos e no instinto. Acontecia que a
capacidade de visão também se reduzira por causa do capacete do traje pressurizado. O
visor do mesmo só proporcionava um campo visual de 120 graus.
Woolver retirou-se para trás da cúpula ao lado da qual acabara de materializar e que
acreditava ser um sistema de armazenamento de energia. Em cima dele a parte superior
de outra máquina estendia-se além da cúpula a tal ponto que no lugar em que Woolver se
abrigara a luz era bastante escassa.
Só então o mutante passou a dedicar sua atenção às máquinas mais distantes. Notou
que a atividade dos maahks, que era bastante intensa quando os contemplara na tela, tinha
diminuído bastante. Em sua maioria estavam parados, formando grandes grupos em torno
das máquinas. Parecia que estavam esperando alguma coisa.
Não se precisava de muita imaginação para adivinhar o que estavam esperando.
Woolver sorriu. Estava zangado. Ao que tudo indicava, os maahks já tinham
concluído seus preparativos. A trilha de desvio de impulsos fora formada.
Woolver não procurou descobrir de quanto tempo ainda podia dispor. Talvez já
fosse tarde para fazer qualquer coisa. Era perfeitamente possível que nesse exato
momento milhares de naves maahks estivessem penetrando na Via Láctea, para travar
uma batalha feroz com a frota do Império Solar.
Woolver pôs-se a refletir para encontrar um meio de chegar mais perto dos dois
grandes conjuntos de máquinas. Seus olhos procuraram um condutor visível que subisse
pelos degraus. Descobriu vários cabos e registrou os ecos de impulsos dos mesmos, mas
ficou sem saber para onde eles o levariam.
Num caso destes seria preferível usar o mais seguro dos meios de transporte, que
eram as pernas. Woolver saiu do esconderijo, correndo entre dois blocos metálicos, o
mais depressa que seu traje pressurizado permitia.
Deu-se por feliz porque os maahks se tinham reunido em grupos em vez de ficar
espalhados pela sala. Dessa forma tornava-se mais fácil observar o inimigo.
Woolver atingiu o destino mais próximo, que era uma estrutura espiral formada por
vários segmentos, que podia servir de esconderijo ao mutante. Woolver sabia
perfeitamente que sua segurança só poderia ser transitória, pois tinha de encontrar um
meio de chegar mais perto das máquinas.
Avançando de um esconderijo para outro, conseguiu chegar à parte inferior da
máquina que já vira do outro lado da sala. Estava parado ao pé da escada de travessas,
mas não se atrevia a usar a mesma, pois nesse caso poderia ser visto por dez maahks que
se encontravam a uns trinta metros de distância, discutindo algum problema.
De repente Woolver sentiu uma fraqueza inesperada. A concentração e a utilização
praticamente ininterrupta de suas capacidades paranormais o tinham deixado esgotado.
Rakal já conhecia os sintomas, porque os tinha experimentado durante a execução de
outras tarefas, mas não se lembrava de que alguma vez se tivessem manifestado de forma
tão intensa.
Ali estava ele, encostado às chapas de revestimento da máquina que pretendia
destruir. No estado em que se encontrava os maahks não teriam nenhuma dificuldade em
dominá-lo.
Mas o cansaço logo passou. Woolver sabia que o fenômeno se repetiria a intervalos
cada vez menores caso fosse obrigado a usar suas forças parapsíquicas.
Por um instante espantou-se com a modificação ocorrida em seu interior, num lugar
como este, no interior de uma espaçonave estranha, longe da civilização humana. Mas foi
só por um instante, porque a consciência da tarefa que tinha de cumprir logo preencheu
sua mente, transformando-o praticamente numa máquina que funcionava
automaticamente.
Segurou com ambas as mãos as travessas da escada que levava ao topo da máquina.
Puxou-se para cima. As travessas verticais vergaram para fora e Woolver teve medo de
que pudessem ceder. Mas quando girou o corpo para o lado oposto, as travessas voltaram
à posição original. O mutante deixou-se cair. Fungava de cansaço. Parecia que o conjunto
gerador de oxigênio não conseguia fornecer bastante ar para os pulmões que estavam
sendo forçados ao máximo. Woolver subiu pelos degraus, rastejando sobre as mãos e os
joelhos. Desta forma era protegido pela curvatura da máquina. A escada parecia formar
uma espiral sem fim, que contornava a máquina.
Woolver não sabia quanto tempo tinha passado quando finalmente atingiu uma
plataforma perto da qual viu as excrescências em forma de cogumelo e as redes
entrelaçadas que já observara do chão.
O major da USO levantou-se. A plataforma avançava ligeiramente além da borda da
máquina. Woolver espiou pelas frestas do corrimão para ver o que havia lá embaixo. Viu
os maahks; eram figuras cinza-pálidas que pareciam fazer movimentos descoordenados.
Woolver soltou as granadas que trazia no cinto. Colocou-as na plataforma, uma ao
lado da outra. Ainda possuía vinte e três. Parecia que não eram nem um pouco perigosas.
Woolver compreendeu que poderia arremessar algumas das granadas sobre a outra
máquina, desde que se inclinasse bastante sobre a borda da plataforma. Ficou de joelhos e
baixou a alavanca do detonador de quinze granadas. Teria que andar depressa, a não ser
que quisesse suicidar-se.
Pegou cinco petardos explosivos e atirou-os sobre as redes que cobriam os fios.
Deixou as dez granadas restantes na plataforma em que estavam. Apressou-se em
preparar as oito granadas que ainda lhe restavam.
Sem dar a menor atenção aos maahks, inclinou-se sobre a borda da plataforma e foi
atirando as oito granadas sobre o segundo alvo. Viu-as escorregarem pela parte externa
da máquina e ficarem presas nas reentrâncias da mesma.
Os sentidos agudos de Woolver encontraram um eco de impulsos. Saltou para fora
da sala de máquinas antes que o caos passasse a reinar ali.
***
Todos os especialistas e os oficiais mais importantes estavam reunidos na estação
de ajustamento de Kahalo. Tinham aparecido instantes depois de Bowden ter dado o
alarme, para certificar-se se o mesmo tinha razão ou se, conforme afirmava seu ajudante
Kaalran, fora vítima de um engano.
Bastou um exame rápido dos controles automáticos para provar que Bowden tinha
razão.
— Sinto muito, Fred — disse Kaalran assim que o resultado final foi fornecido.
Bowden sorriu.
— Bem que eu gostaria de estar enganado — respondeu. — Tenho certeza de que o
objeto voador que observamos não pertence à Frota Solar.
Kaalran lançou um olhar para os especialistas, que continuavam ocupados nos
trabalhos de interpretação dos dados.
— Acham que foi uma nave robotizada dos maahks — disse com a voz fanhosa que
era uma de suas características.
Bowden não parecia assustado, mas tinha-se a impressão de que de alguns minutos
para cá estava mudado. Talvez estivesse aborrecido porque naquele instante poderia estar
em inúmeros mundos que eram muito menos perigosos que Kahalo.
“Bem, estamos no meio da confusão”, pensou Bowden e, por estranho que isto
pudesse parecer, sentiu certa satisfação ao pensar na possibilidade de uma luta com os
maahks.
— O que houve com você? — perguntou Kaalran. — Em que está pensando?
O tenente preferiu ficar calado. Olhou para a pilha de folhas escritas que se
amontoava à sua frente.
Certa vez Kaalran afirmara que só tinham sido mandados para Kahalo para, dia
após dia, registrarem os dados fornecidos pelos instrumentos e fazerem a comparação dos
mesmos. Este tipo de trabalho a gente conseguiria na Terra sempre que tivesse vontade.
“Acontece que Kahalo não é a Terra”, pensou Bowden, e um sorriso irônico
apareceu em seu rosto. Enquanto a gente estava escrevendo alguma coisa num pedaço de
papel, a morte ficava à espreita atrás da mesa.
O tenente fechou os olhos, mas o vozerio dos cientistas chegou a ele, impedindo-o
de concentrar-se, pois mesmo sem querer prestava atenção ao que eles diziam. E tudo isto
somente porque ele tinha dado o alarme. Era bem possível que não acontecesse
absolutamente nada.
— O que houve com você? — insistiu Kaalran.
Algumas bombas lançadas sobre esta estação seriam suficientes para destruí-la
completamente e extinguir toda a vida que existe em seu interior.
— Alarme! — berrou alguém.
Bowden arregalou os olhos e viu Kaalran empalidecer.
Viu os cientistas e oficiais que saíam correndo para todos os lados, dando a
impressão de que houvera uma explosão no centro do grupo, que os tangia para todos os
lados. O tenente inclinou-se bem para a frente, até que o peito tocasse a mesa. Mesmo
depois disso continuou a forçar o corpo para a frente, pois a dor que isso provocava
parecia mais real que o quadro projetado nas telas.
— Fred! — gritou Kaalran.
As telas cintilavam. O sistema de alarme transmitia um zumbido penetrante, que
parecia atravessar o corpo de Bowden até alcançar as pontas dos dedos, fazendo-as
tremer de forma quase imperceptível.
Receara o tempo todo que alguma coisa pudesse acontecer, mas nunca acreditara
que fosse tão rápido.
Em todos os lados gritavam-se ordens, mas ninguém parecia dar atenção às
mesmas. Só bem mais tarde Bowden percebeu que no caos aparente que havia no interior
da estação reinava uma certa ordem, e que muita gente ainda era capaz de manter o
sangue frio em situações como esta.
Bowden sentiu-se dominado pela mesma frieza que parecia tomar conta dos outros
homens, mas ao contrário dos mesmos continuou em seu lugar.
De repente Kaalran levantou-se de um salto e saiu correndo.
“A invasão está começando”, pensou Bowden.
O transmissor estava funcionando com o máximo de sua potência. Era o que se
concluía das indicações fornecidas pelos instrumentos. Energias tremendas fluíam no
setor espacial situado entre os seis sóis, energias estas que formavam a vanguarda das
frotas inimigas que estavam para chegar. Será que eram as próprias naves que poderiam
sair a qualquer momento do redemoinho hiperenergético para materializar na Galáxia?
As circunstâncias em que estava sendo realizado o salto pelo transmissor eram
surpreendentes. Era a primeira vez que se liberavam volumes tão grandes de energia.
Bowden teve a impressão de que até mesmo os seis sóis que apareciam com toda nitidez
nas telas brilhavam mais fortemente.
Na opinião de Bowden, tudo isso acontecia por causa do número imenso de naves
que estavam saindo ao mesmo tempo do transmissor.
Finalmente as naves materializaram de vez.
O Tenente Frederick Bowden foi um dos primeiros homens que viram a frota
invasora dos maahks.
***
Rakal Woolver foi parar num corredor fortemente iluminado. Pouco lhe importava
que houvesse maahks por perto ou não. Fizera tudo que estivera ao seu alcance. Seria
impossível dizer se fora bem-sucedido.
Perguntou-se se as granadas iriam explodir. Será que o abalo da explosão seria
percebido na parte da nave em que se encontrava?
Woolver levantou a cabeça e viu um maahk que vinha pelo corredor. O mesmo já o
vira. Woolver ficou parado. Os inimigos ainda não conheciam suas faculdades
extraordinárias. Provavelmente nem sabiam o que ele andara fazendo depois de ter saído
de seu camarote.
— Sou Grek-7 — disse o maahk e ficou parado à frente de Woolver. — O
comandante mandou procurá-lo em toda nave, duplo.
— Eu não sabia — afirmou Woolver.
— Siga-me! — ordenou Grek-7.
O mutante saiu andando em silêncio. De repente sentiu o chão vibrar sob seus pés.
Parecia que toda a nave estava tremendo.
O maahk cambaleou, mas logo recuperou o equilíbrio.
— A trilha de desvio de impulsos! — gritou. — Alguma coisa aconteceu por lá.
Saiu correndo, sem dar atenção ao pretenso duplo.
Woolver apoiou-se numa parede. A mesma vibrava tão fortemente que teve a
impressão de que iria arrebentar. Aos poucos os abalos foram diminuindo.
Woolver sabia que conseguira pôr fora de ação o perigoso aparelho. Mas não sabia
se conseguira fazê-lo antes que fosse tarde.
7

Ainda não ocorrera nenhum combate de grandes proporções, mas sem dúvida os
historiadores chegariam à conclusão de que aquela época fora a mais perigosa para a
existência da Humanidade.
“Isto se nos dias futuros ainda houver seres humanos que possam escrever sobre
esta época”, pensou Rhodan.
Perguntou-se por que ainda não resolvera dar ordem para que o destacamento de sua
frota atacasse a gigantesca nave maahk cuja posição aproximada era conhecida, já que o
radiogoniômetro de Woolver o conduzira a esta área do centro galáctico.
O ataque imediato colocaria em perigo a vida de Rakal Woolver, roubando-lhe as
reduzidas possibilidades de sucesso de que dispunha.
Rhodan refletiu sobre quais seriam os planos do comandante maahk naquele
momento. Era muito difícil, praticamente impossível, identificar-se com o pensamento de
um ser completamente estranho, pois as motivações do mesmo evidentemente eram
completamente diversas das nossas.
Perry Rhodan girou lentamente a poltrona, olhou para a figura robusta de Cart Rudo
e fitou Atlan. O arcônida estava sentado junto à mapoteca, com os olhos fechados, mas
Rhodan tinha certeza de que o amigo não estava dormindo. Era estranho que um homem
com mais de dez mil anos terranos de idade ainda fosse capaz de desenvolver tamanha
atividade. Em comparação com seu tempo de vida, a saída da Humanidade de seu
minúsculo sistema solar e seu avanço pelo espaço deviam representar um período curto
para o arcônida.
Nestas condições não se podia afirmar que a Humanidade já se tivesse tornado
inesquecível. Se os terranos fossem derrotados pelos maahks, dentro de pouco tempo
ninguém mais falaria nos seres vindos do Sistema Solar. A estrutura do poder no interior
da Galáxia sofreria uma modificação completa, povos antigos experimentariam uma nova
florescência e os jovens se rebelariam contra a pressão exercida pelos invasores.
Seria um torvelinho formidável a agitar constantemente os povos. Isto era a
Galáxia. “E nós”, pensou Rhodan, “estamos neste torvelinho. Encontramo-nos na borda
do mesmo, o que nos leva a crer que podemos contemplar tudo em perfeita segurança,
mas qualquer coisa poderá arrastar-nos para o centro do torvelinho. Mesmo sabendo
disso, agarramo-nos desesperadamente às posições alcançadas, tentamos expandi-las e
resguardá-las.” Rhodan perguntou-se por que apesar de tudo isso continuava confiante
no futuro. Seria um ultraje acreditar numa predestinação da Humanidade. Mas esperava
levar a Humanidade a um ponto em que pudesse desenvolver-se em segurança para todo
o sempre.
Atlan abriu os olhos e sorriu. Até parecia que adivinhara os pensamentos de
Rhodan.
Nesse instante Rhodan recebeu o sinal que indicava a chegada de uma notícia muito
importante e voltou a colocar a poltrona na posição normal. Ligou o intercomunicador e
recebeu diretamente da sala de rádio da Crest II o texto da mensagem que acabara de ser
decifrada.
Esta mensagem tinha sido expedida pelas naves que patrulhavam a área em torno do
transmissor solar. O texto era lacônico:
FROTA DE INVASÃO DOS MAAHKS
ACABA DE MATERIALIZAR.

A mensagem trazia a assinatura do comandante da frota de patrulhamento, e não


havia dúvida quanto à sua autenticidade.
Quando Rhodan levantou os olhos, Atlan já se encontrava a seu lado.
— Parece que Woolver chegou tarde — disse Rhodan, tranqüilo. — Teremos muito
trabalho.
— Receio que sim — disse Atlan, que sabia avaliar melhor o poder bélico dos
maahks que seus amigos terranos.
Rhodan quis dar ordem para que seu grupo de naves partisse, quando chegou outra
notícia pelo hiper-rádio.
Era bem mais comprida que a primeira. E muito mais fantástica...
***
O Tenente Frederick Bowden parecia atordoado, olhando para as telas dispostas no
interior da estação de ajustamento de Kahalo. Esperava que a frota atacante dos maahks
saísse do hexágono formado pelos seis sóis pertencentes ao transmissor e começasse a
espalhar-se.
O fenômeno começara há alguns minutos, mas o oficial estava pensando em uma
centena de coisas diferentes.
Perguntou-se para onde teria ido Kaalran. Será que seu ajudante se descontrolara?
Ou teria saído por outro motivo? Bowden não conseguia desprender-se do quadro
inigualável projetado nas telas. Sabia que talvez estava assistindo ao início do fim de
Kahalo.
As naves dos maahks — pelos cálculos de Bowden deviam ser de cinco a seis mil
— formavam um círculo mortal no interior do hexágono de sóis. A bordo das supernaves
havia armas em quantidade suficiente para destruir a maior parte das naves terranas e
todas as bases da Humanidade.
Mas nem por isso Bowden perdeu o fatalismo com que acompanhara os
acontecimentos desde o início. As medidas de segurança que estavam sendo tomadas em
torno dele pareciam absurdas. Bowden se parecia com um doente incurável, que aguarda
o fim com uma indiferença inabalável. Não era que o tenente se sentisse resignado, mas
bem no fundo de sua mente percebia que não havia nenhuma esperança. Se os maahks
lançassem um ataque maciço contra Kahalo, a estação deixaria de existir dentro de alguns
segundos.
Uma única vez em toda vida Bowden experimentara um sentimento semelhante.
Fora ao realizar um teste de vôo com um planador especialmente construído para os
planetas de atmosfera pouco densa. Os comandos do planador falharam durante o vôo, e
quando Bowden tentara catapultar-se para fora do planador, constatara que o sistema de
arremesso também apresentava defeito.
Ficou em silêncio no interior do planador, enquanto o solo se aproximava
vertiginosamente, sem dar atenção às mensagens insistentes da estação de superfície.
Procurou identificar os detalhes da paisagem que se estendia lá embaixo, o campo de
pouso por exemplo, ou os galpões compridos e cinzentos. Chegou a perguntar-se como
seria o aparelho após o impacto no solo e se pegaria fogo.
Agarrou-se instintivamente aos comandos. De repente o planador voltou a obedecer
aos mesmos e subiu para o céu. Foi o fim de sua carreira como piloto de testes, pois as
pessoas que se encontravam na estação de superfície duvidavam de que ele possuísse
nervos resistentes. Não queriam acreditar que tinha ficado quieto no seu assento,
pensando em coisas corriqueiras.
“Talvez”, refletiu Bowden enquanto observava as telas, “meu comportamento
realmente não seja normal.” Estava em condições de sentir medo, mas no momento em
que via a morte bem próxima este sentimento desaparecia. Paralisado e indiferente,
Frederick Bowden aguardava o fim que se aproximava.
Os pensamentos de Bowden vagaram pelo passado e retornaram ao presente.
Examinou os documentos que se encontravam à sua frente. Contou-os, e só os contou
agora. Havia algo de macabro num homem que contava documentos enquanto uma frota
gigantesca se preparava para atacar a Via Láctea. Mas Bowden simplesmente não era
capaz de reagir à presença das naves desconhecidas.
De repente constatou que as naves maahks estavam realizando manobras insensatas
ou então não dispunham de tripulações capazes. As naves espalharam-se que nem um
bando de peixes espantados, mas cada grupo seguia na direção de uma das seis
gigantescas estrelas azuis.
Por algum motivo as gigantescas espaçonaves não conseguiam escapar ao
hipercampo do transmissor. Permaneceram dentro de sua área de influência e foram
atraídas pelos campos gravitacionais dos sóis. Bowden acreditava que os tripulantes ainda
estavam inconscientes, conforme costumava acontecer nas transmissões a grande
distância. Enquanto os maahks permanecessem no interior dos hipercampos, não
recuperariam os sentidos. Dessa forma os comandantes inimigos não podiam fazer
absolutamente nada para salvar suas naves.
Frederick Bowden viu as naves maahks precipitarem-se uma após a outra para
dentro dos sóis. Foi um espetáculo grandioso e terrível ao mesmo tempo. Os pontos
luminosos que apareciam na tela foram-se apagando. De repente Bowden sentiu-se
agarrado por trás e levantado. Alguém enlaçou-o com os braços e gritou tremendamente
aliviado:
— Foram embora! Foram embora! Foram embora!
O júbilo espalhou-se pela estação. Bowden quase chegou a sentir uma espécie de
tristeza por não ser capaz de compartilhar o sentimento de alívio dos outros.
No dia seguinte Frederick Bowden foi suspenso do serviço em Kahalo. O motivo
foi a informação prestada por alguns de seus superiores, segundo as quais Bowden
adotara um comportamento estranho durante a invasão. Ao que parecia, sofrera um
choque nervoso.
Foi assim que o jovem Tenente Frederick Bowden tornou-se a única “vítima”
humana da invasão maahk realizada no dia 19 de maio de 2.401.
***
A FROTA DE INVASÃO DOS MAAHKS PERMANECE NO
INTERIOR DO TRANSMISSOR — AS DIVERSAS UNIDADES
PRECIPITAM-SE PARA DENTRO DOS SEIS SÓIS — POR
ENQUANTO NÃO FOI CONSTATADA A PRESENÇA DE OUTROS
ATACANTES — ESTAMOS INVESTIGANDO!

— Poucas vezes li uma mensagem tão lacônica que me tenha deixado tão satisfeito
— disse Atlan, depois de ler a mensagem por cima do ombro de Rhodan.
— É verdade — confirmou Rhodan. — É um golpe pesado para os maahks, que os
obriga a dar um grande passo para trás. É até possível que tenham que desistir de vez dos
planos de invasão.
— Não compreendo como uma coisa dessas pôde acontecer com os maahks —
disse Allan D. Mercant, que chegara à sala de comando logo após a chegada da
mensagem.
— Acho que Rakal Woolver nos contará o que aconteceu — disse Rhodan.
Atlan fitou o amigo. Estava muito sério.
— Já está na hora de fazermos alguma coisa — disse. — O fracasso fará com que o
comandante da grande espaçonave maahk tente a fuga.
Rhodan olhou para o relógio.
— Vamos dar mais um tempo a Woolver. Partiremos assim que ele nos chamar com
seu goniômetro.
— Acho que não deveríamos esperar até lá — objetou o arcônida.
Rhodan mostrou um sorriso sarcástico.
— Naturalmente. É seu mutante particular que está em jogo.
De vez em quando surgia uma situação que provocava atritos entre os dois amigos.
— A nave é sua, bárbaro — respondeu Atlan com a maior calma. — E é pilotada
por gente sua. Não mando nada na mesma.
— Vamos fazer um acordo — sugeriu Rhodan. — Se o Major Woolver não chamar
dentro de uma hora, sairemos com minhas naves para trazer seu mutante.
— É uma boa idéia, bárbaro.
Aquele rosto, que há dez mil anos aprendera a não mostrar nenhuma emoção, não
revelava se o dono do mesmo estava satisfeito ou não.
8

Um raio fulgurante fez com que as telas de imagem ligadas à sala de máquinas se
tornassem incandescentes. Grek-1 compreendeu imediatamente que a trilha de desvio de
impulsos ou pelo menos parte da mesma tinha explodido. Ficou agachado na poltrona que
nem um animal enorme que estivesse espreitando alguma coisa. O uniforme cinza-pálido,
cuja cor correspondia exatamente à de sua pele, amoldava-se perfeitamente a seu corpo
robusto.
Os abalos provocados pela explosão atingiram a sala de comando, sacudindo Grek-
1 em sua poltrona. Em torno dele estabeleceu-se o caos. Os maahks levantaram-se
abruptamente e ficaram correndo de um lado para outro.
O comandante foi o único que continuou em sua poltrona, atordoado.
Dezenas de alarmes encheram a sala de comando com seus ruídos peculiares. De
todas as salas que ficavam nas proximidades da sala de máquinas veio o alarme de
incêndio. A confusão no interior da nave era completa.
Alguém aproximou-se de Grek-1 vindo de trás e perguntou quais eram suas ordens.
Grek-1 fez um gesto para espantar o subalterno. Pensava na frota de ataque
composta de cinco mil naves, que inevitavelmente voaria para o vazio e iria parar nos seis
sóis gigantescos.
“Provavelmente a catástrofe tem alguma ligação com o comando de bloqueio
terrano”, pensou Grek-1.
Outra explosão sacudiu a nave. Os incêndios pareciam espalhar-se rapidamente. Um
comando de extinção de incêndio formado por robôs entrou na sala de comando a fim de
tomar os preparativos necessários para proteger essa peça importante.
“Perdido”, pensou Grek-1, indiferente a tudo.
O intercomunicador zumbia ininterruptamente. Em toda parte os maahks
desorientados tentavam entrar em contato com seu comandante.
Grek-1 comprimiu lentamente os dois botões do alarme geral, que desencadearia o
sinal que ordenava a ação prevista para as situações de emergência máxima.
Outra figura apareceu ao lado de Grek-1. Este levantou os olhos e viu Grek-7, que
estava totalmente esgotado. Grek-1 teve de fazer um grande esforço para abafar a raiva
que sentia ao ver que seu subordinado estava com medo.
— Tentei entrar em contato com o senhor do convés número dez, comandante —
exclamou Grek-7. Olhou com uma expressão de perplexidade para o intercomunicador
que zumbia constantemente.
— Como vê, não estou recebendo nenhuma mensagem — respondeu Grek-1,
esforçando-se para dar um tom confiante à voz.
— A trilha de desvio de impulsos foi destruída — informou Grek-7. — Houve uma
explosão que destruiu algumas das principais linhas de força. Dali resultaram explosões
em outras partes da nave. Acho que a mesma está praticamente sem condições de ser
manobrada.
— Acabo de dar o sinal de emergência máxima — disse Grek-1.
— Isso não basta — objetou Grek-7. — O senhor tem de dirigir pessoalmente a
operação de salvamento, comandante.
Grek-1 olhou-o espantado.
— O senhor veio me dizer o que devo fazer? — Grek-1 teve de fazer um esforço
para dar um tom ameaçador à voz. Sabia perfeitamente o que acontecia em seguida.
Sempre sabia como reagiriam seus subordinados, mesmo que, como acabara de acontecer
com Grek-7, tivessem feito algo de estranho.
— A segurança da nave está em jogo, comandante — disse Grek-7 em tom
insistente.
“Ele fala na segurança da nave, mas está preocupado unicamente com sua própria
segurança”, pensou Grek-1 com aquela ironia alegre de que todo maahk era capaz.
— A operação de salvamento tem de ser dirigida deste lugar — lembrou Grek-7,
vendo que o comandante continuava calado. Ergueu um dos longos braços e apontou para
a poltrona de Grek.
— Acabamos de perder cinco mil naves — disse Grek-1, cansado, esperando que
Grek-7 o compreendesse. — Também perderemos esta nave.
— Mas o senhor não pode ficar sentado, esperando que isso aconteça! — exclamou
Grek-7 em tom apavorado e recriminador.
— A tripulação desta nave está fazendo tudo que é possível — disse Grek-1. —
Metade dela está paralisada de susto e provavelmente nem compreenderia as ordens que
eu desse.
— O senhor nem tentou — resmungou Grek-7.
— Sempre pensei que o senhor fosse o mais leal dos meus subchefes — disse o
comandante.
Grek-7 perdeu o autocontrole. Simplesmente tinha forças para impor-se diante de
Grek-1.
— É claro que quero salvar a nave — disse Grek-1.
Falava bem devagar, dando a impressão de que queria que Grek-7 refletisse sobre
cada palavra que ele dissesse.
Foi justamente a maneira de se dirigir a Grek-7 que eliminou todas as resistências
deste último. Ao mesmo tempo Grek-7 deu-se conta de que acabara de rebelar-se. Isto fez
com que se descontrolasse de vez.
— Só quis fazer o possível para salvar a nave — balbuciou. — Tudo veio tão de
repente, pouco antes de alcançarmos o sucesso.
“Isto mesmo”, pensou Grek-1, “pouco antes de alcançarmos o sucesso. E bem de
repente.”
— O que vai acontecer com o duplo? — perguntou Grek-7, como se o ser duplicado
ainda tivesse alguma importância. — Não acha que deveríamos matá-lo?
— Por quê? — perguntou Grek-1. — Se a nave for destruída, o duplo morrerá. Por
que haveríamos de poupá-lo da desgraça de participar do fim da nave?
— Eu... — principiou Grek-7.
Mas um outro abalo, muito mais violento que os anteriores, fez com que ele se
calasse. Estendeu os braços para não perder o equilíbrio, enquanto Grek-1 continuava
tranqüilamente sentado em sua poltrona, aparentando indiferença, à espera de que tudo
passasse.
O súbito interesse que Grek-7 estava demonstrando pelo duplo devia ter um motivo.
O comandante pôs-se a refletir sobre isso. “Ele o viu”, pensou de repente. “Isto mesmo.
Deve ter-se encontrado com o duplo.”
— Onde foi que o senhor viu o duplo? — perguntou com a voz calma.
Grek-7 olhou-o estupefato.
— Onde eu o vi? — repetiu.
— Sim, onde foi? — insistiu Grek-1.
— No corredor principal do observatório — disse Grek-7, falando com dificuldade.
— Quis trazê-lo imediatamente para cá, mas neste exato momento explodiu a trilha de
desvio de impulsos e...
A fala de Grek-7 terminou num cochicho incompreensível.
Grek-1 chegou à conclusão de que provavelmente teria rebaixado Grek-7, se isso
ainda adiantasse alguma coisa. Se a situação fosse diferente, o mesmo provavelmente não
teria mentido ou tentado rebelar-se contra o comandante.
— Retire-se! — ordenou. — Assuma os comandos de extinção de incêndio dos
conveses centrais.
Grek-7 saiu correndo. O comandante tinha certeza de que o astronauta fortemente
abalado com o que acabara de falar arriscaria a própria vida para ser bem-sucedido na
execução de sua tarefa.
Grek-1 inclinou-se para a frente e ligou o intercomunicador para a recepção. Vozes
nervosas soaram em todos os aparelhos de transmissão.
— Aqui fala o comandante — disse Grek-1 em tom frio. — Cada um sabe o que
tem de fazer. Precisamos salvar a nave, que é o único meio de voltarmos ao nosso
mundo.
As vozes nervosas foram silenciando uma após a outra.
“Talvez pensem que posso fazer milagres”, pensou Grek-1.
— É necessário proteger as partes da nave que ainda estão intactas antes de atacar
os focos de incêndio — prosseguiu o comandante. — Espero informações detalhadas de
todos os setores sobre a extensão dos danos.
Aguardou a confirmação.
— Quero que continuem a procurar o duplo. Em hipótese alguma deve ser morto.
Quero que seja trazido à sala de comando assim que for preso.
Grek-1 fez alguns movimentos para ligar o centro de computação, que interpretaria
os dados sobre o incêndio.
Finalmente desligou o intercomunicador e recostou-se na poltrona.
Perdera muita coisa num tempo incrivelmente curto, mas a única coisa que lhe
causava tristeza era a perda de Rhy'eerin. Grek-1 não sabia de que forma os terranos
tinham detido as cinco mil naves maahks, mas tinha certeza de que haviam desferido seu
golpe no momento exato. Grek admirava-os por isso. Afinal, não estava na Galáxia para
defender seus próprios interesses, mas os dos senhores da galáxia. As coisas seriam bem
diferentes se tivesse lutado contra os arcônidas ou os aconenses, que eram os grandes
inimigos de seu povo.
O intercomunicador emitiu um estalo. Eram os primeiros relatórios que estavam
chegando, transmitidos automaticamente ao centro de computação. Grek-1 não precisava
do resultado fornecido pelo computador para ter uma idéia da situação. A trilha de desvio
de impulsos tinha explodido, e a explosão destruíra grande parte da sala de máquinas.
Vários condutores centrais de energia e alguns propulsores foram destruídos pouco
depois. Dessa forma o incêndio lavrava em várias partes da nave.
Talvez fosse possível recuperar, ao menos em parte, a mobilidade da nave, mas
seria só.
Grek-1 foi interrompido em suas reflexões. Outro maahk apareceu a seu lado. Era
Grek-44, um dos cientistas.
— Posso falar com o senhor? — perguntou Grek-44.
“Ao menos este homem parece mais calmo”, pensou o comandante maahk.
— Pois não — respondeu. — O que houve?
— Trata-se da destruição da trilha de desvio de impulsos — respondeu Grek-44. —
Meus colegas e eu cuidamos imediatamente do problema.
Só mesmo os cientistas seriam capazes de discutir calmamente um assunto enquanto
a nave estava sendo consumida pelas chamas.
— Qual foi a conclusão? — perguntou Grek-1, não tanto por estar interessado no
assunto, mas porque sentia que Grek-44 esperava que ele fizesse esta pergunta.
— Em nossa opinião a explosão da trilha de desvio de impulsos não pode ter
nenhuma relação com o comando de bloqueio dos terranos. Se este comando tivesse
entrado em funcionamento, nossas naves nem teriam materializado. E não existe
nenhuma dúvida de que materializaram.
— Suponhamos que o senhor tenha razão. Qual pode ter sido a causa do desastre?
— O desastre foi causado por influências internas! — afirmou Grek-44.
— Acredita que tenha sido um defeito no funcionamento da máquina?
— Acredito que tenham sido algumas bombas aarg — respondeu Grek-44.
Grek-1 fitou-o demoradamente e chegou à conclusão de que o cientista estava
falando sério.
— Quem poderia ter feito isso? — perguntou. — E, o que é mais importante, como?
— Ouvi dizer que Rhy'eerin também foi morto em circunstâncias misteriosas —
lembrou Grek-44.
— Isso mesmo — chiou Grek-1.
Não tinha nenhuma vontade de discutir a morte de Rhy'eerin com quem quer que
fosse, muito menos com o cientista.
— Talvez tenha sido o duplo — disse Grek-44. — Ele continua desaparecido.
O comandante fez um gesto cansado.
— Grek-7 encontrou o duplo no momento da explosão no corredor central do
observatório. Gostaria que explicasse como ele poderia ter destruído a trilha de desvio de
impulsos, se estava dez conveses abaixo da mesma.
— Só queria que ouvisse nossa teoria, comandante — respondeu Grek-44 em tom
obstinado.
— Foi o que fiz — disse Grek-1.
O cientista retirou-se. Parecia zangado. Grek-1 pôs-se a refletir sobre a afirmativa
de Grek-44. Não havia dúvida de que o duplo era uma personalidade misteriosa, mas não
era possível que estivesse em dois lugares ao mesmo tempo.
Grek-1 apoiou os braços nas braçadeiras da poltrona. Chegou à conclusão de que
naquela altura não valia a pena quebrar a cabeça para descobrir as causas da catástrofe.
O importante era colocar a nave num estado que lhes permitisse voar com a mesma
caso fosse necessário.
***
Rakal Woolver escondera-se num nicho, assim que Grek-7 se afastara. Antes disso
certificara-se de que desta vez não estava entrando num elevador. No momento não quis
arriscar-se a dar um salto.
De vez em quando alguns maahks passavam correndo.
Woolver não teria sido capaz de acreditar que a destruição da trilha de desvio de
impulsos fosse capaz de abalar a gigantesca nave, mas ao que tudo indicava tinha
acontecido exatamente isso. Houvera pelo menos sete explosões muito fortes, que pelos
cálculos de Woolver não podiam ter ocorrido todas na sala de máquinas.
O pior era a incerteza sobre o resultado de sua missão. Conseguira evitar a
introdução de uma frota maahk, ou teria chegado tarde? No Império ninguém tinha
conhecimento da existência da trilha de desvio de impulsos, que permitia aos maahks
usar qualquer transmissor em seu benefício assim que o desejassem. Woolver fazia votos
de que não houvesse outras naves na Via Láctea que tivessem um maquinismo destes a
bordo e estivessem em condições de usá-lo.
Woolver pegou o radiogoniômetro. Teve suas dúvidas. Será que já estava na hora de
avisar Perry Rhodan? Talvez conseguisse outras informações.
O major certificou-se de que não havia ninguém no corredor e saiu do nicho.
Não esperara que a satisfação do desejo de vingança lhe desse alegria, mas tivera
uma débil esperança de que o vazio que tomara conta dele desde a morte de seu irmão
pudesse ser preenchido, ao menos em parte. Mas isso não acontecera. Continuava a sentir
a mesma solidão, que provocava a desorientação que provavelmente ainda o estimularia
por muito tempo a praticar os mais diversos atos.
Woolver era bastante inteligente para saber desde o início que a vingança não nos
devolve aquilo que perdemos. Por isso nunca sentira ódio pelos maahks; não conseguia
ficar zangado com eles. Na verdade, executara sua vingança da mesma forma que
executaria qualquer tarefa, de forma objetiva e mantendo a capacidade de, num momento
de perigo, não perder a cabeça.
Woolver não tinha a menor dúvida de que seu irmão gêmeo teria agido da mesma
forma. Seus amigos costumavam afirmar que Rakal era mais agitado que Tronar. Rakal
nunca percebera isso. Acreditava que suas reações emocionais correspondiam exatamente
às do irmão, o que os levaria a quase sempre fazerem a mesma coisa. Agiam que nem
dois músicos muito bem afinados, que tocassem a mesma melodia no mesmo
instrumento.
Rakal perguntou-se se a morte de Tronar produzira alguma modificação em sua
personalidade. Sem dúvida tornara-se mais independente, mas em compensação era
menos equilibrado.
Woolver saiu andando. Quando já tinha percorrido a maior parte do corredor, um
maahk saiu de um poço antigravitacional bem à sua frente. Seria fácil fugir, pois não
havia dúvida de que não fora visto pelo maahk. Mas Woolver ficou parado. Fazia questão
de descobrir o que havia conseguido ao destruir a trilha de desvio de impulsos.
O maahk já ia passar por ele, mas de repente parou. Woolver seria incapaz de dizer
se já tinha visto este inimigo. Para um terrano todos os seres que respiravam hidrogênio
se pareciam muito.
O maahk parecia muito surpreso.
— O duplo! — exclamou, estupefato. — Você tem de vir comigo. Grek-1 quer vê-
lo.
— Por quê? — perguntou Woolver.
O maahk fitou-o com uma expressão de perplexidade. Dava a impressão de que não
compreendia como um duplo podia fazer uma pergunta destas.
— O comandante quer falar com você, duplo.
— Acontece que não quero falar com ele — respondeu Woolver, tranqüilo.
O maahk parecia desorientado. O comportamento do duplo parecia deixá-lo
assustado. Woolver estava se divertindo e teria levado adiante o jogo, se o maahk não
tivesse perdido a paciência e tirado uma arma de cano curto, apontando-a para ele.
— Não sei o que está havendo com você — fungou o maahk. — Só sei que terei de
levá-lo para perto de Grek-1.
Woolver fitou o cano da arma, que estava apontada para cima. Bastaria um tiro para
matá-lo. Um furo insignificante no traje pressurizado, e seria o fim, mesmo que o tiro não
atingisse Woolver. Mas o major não teve medo.
— Vamos! — disse o maahk em tom áspero.
Woolver resignou-se e saiu andando. Sabia perfeitamente que não deveria
acompanhar o maahk para perto de Grek-1. Amaldiçoou-se por ter sido tão descuidado.
Em vez de avisar Perry Rhodan, como previa o plano, colocara-se novamente em
situação perigosa. E com isso não descobrira absolutamente nada sobre a extensão dos
danos causados pela explosão, que era o que queria.
O maahk caminhava desajeitadamente atrás dele. Parecia não se sentir muito bem
segurando a arma.
Antes do corredor antigravitacional o túnel descrevia um ângulo de noventa graus.
Woolver ficou parado.
— Entre no túnel! — ordenou o maahk.
Woolver deixou-se cair para o lado e seu braço estendido atingiu a mão do maahk
que segurava a arma. Este disparou. Um buraco negro surgiu na parede, ao lado do túnel.
Uma fumaça espessa saía do mesmo. Woolver sabia que o maahk era mais forte que ele.
Colocou toda força no segundo golpe. O maahk resmungou alguma coisa e a arma caiu
ao chão.
Woolver teve o cuidado de não colocar-se ao alcance dos braços do inimigo, pois
neste caso estaria perdido. O maahk ainda estava aturdido pelo ataque de surpresa. Seus
movimentos pareciam confusos. Woolver lutava em silêncio, mas apaixonadamente. Seu
adversário emitia sons estranhos.
Woolver conseguiu ficar de costas para a entrada do túnel, numa posição em que se
encontrava praticamente no limite da área de ausência de gravidade existente no interior
do túnel.
O maahk saiu correndo na direção de Woolver, agitando furiosamente os braços
compridos. Woolver deu um salto para o lado. O maahk passou por ele e foi cair no poço,
soltando um grito decepcionado.
No mesmo instante Woolver localizou um eco de impulsos e desmaterializou.
Seu corpo voltou a formar-se num recinto que estava em chamas. Estas envolviam-
no preguiçosamente, lambendo as paredes como que em câmara lenta. Sua cor era
estranha. Woolver nunca tinha visto um incêndio como este. Nem sequer se ouvia o
crepitar do fogo, embora quase todo o recinto estivesse em chamas. O silêncio dava um
tom fantasmagórico ao quadro. Woolver olhou para cima. O teto tinha mudado de cor e
seu revestimento desprendia-se em áreas largas.
O calor começou a derreter o chão, que entrou em ebulição. Pequenas chamas
violetas subiam pelas pernas de Woolver. Só então o mutante ouviu um leve chiado, que
parecia vir de todos os lados.
De repente houve um movimento na outra extremidade do recinto. Woolver viu
alguns robôs que entraram com equipamento de extinção de incêndio. Seus corpos
refletiam o brilho do fogo. Woolver soube logo que carregavam equipamento de extinção
de incêndio porque espalharam uma massa espumosa. A pressão dos jatos fazia com que
a espuma se espalhasse pelo chão. Inúmeros flocos foram carregados pelo vento,
acabando por dissolver-se nas chamas.
Os robôs avançaram em formação cerrada, com os aparelhos de extinção de
incêndio seguros nos braços mecânicos. A cada passo que as máquinas avançavam
crescia a massa de espuma, que se espalhava lentamente na direção de Woolver.
Parte do teto desabou e caiu na massa de espuma, mas os robôs não deixaram que
isto os perturbasse.
Os sentidos paranormais de Woolver alcançaram um eco de impulsos. Saltou para
fora da sala.
Materializou num gigantesco hangar, que ainda não parecia ter sido atingido pela
destruição. Woolver perguntou-se por que os maahks não se preparavam para abandonar
a nave nos barcos auxiliares.
Fora parar numa sala muito pequena de paredes transparentes, que ficava quase
exatamente embaixo do teto do hangar e parecia servir de escritório e posto de
observação. Lá embaixo, entre as naves menores, havia alguns maahks. Da forma pela
qual agiam não se podia concluir se estavam ou não preparando uma decolagem.
Woolver passou os olhos pela mesa pequena que havia no recinto e viu um mapa
aberto, no qual um desconhecido fizera algumas anotações pouco antes da chegada de
Woolver.
— Grek-1 deu o alarme de emergência — leu Woolver. — Parece que as
destruições são bem piores do que receávamos. Preciso dirigir-me aos setores da nave
onde o perigo é maior. A invasão teve um fim prematuro.
Woolver respirou aliviado. Se as anotações fossem corretas, ele entrara em ação no
último instante. Por um instante pensou em levar o mapa, mas resolveu deixá-lo no
mesmo lugar. Tinha certeza de que ali não corria nenhum perigo. Tirou o
radiogoniômetro do cinto e colocou-o sobre a mesa.
Sentou na borda da mesa e transmitiu o impulso previamente combinado.
O rosto que aparecia atrás do visor de seu capacete continuava indiferente. Não
mostrava nenhuma sensação de alívio ou alegria.
Mas em torno da boca viam-se algumas linhas que mostravam o cansaço daquele
homem, que sozinho rechaçara uma invasão.
***
A nave de Grek continuava a correr em alta velocidade em torno da gigantesca
estrela, e seu comandante ainda estava sentado em sua poltrona, refletindo.
À sua frente encontravam-se os primeiros resultados do processamento realizado
pelo centro de computação. A extensão dos danos não era tão grande como Grek-1
receara, mas estes ainda eram bastante graves.
Grek-1 voltara a ligar o intercomunicador para os diversos microfones. Recebia
constantemente informações vindas de todas as partes da nave. O incêndio continuava a
espalhar-se, mas as informações recebidas pareciam revelar que em várias partes o
mesmo já fora contido ou até estava regredindo.
Provavelmente os grupos de extinção de incêndio não demorariam a isolar todos os
focos. Raramente Grek-1 dava uma ordem. Tinha certeza de que todos sabiam o que
deviam fazer. Às vezes dizia algumas palavras para animar os diversos grupos no
trabalho.
De repente foi informado de que Grek-7 tinha morrido.
O subchefe se arriscara demais e encontrara a morte ao entrar num recinto em
chamas.
“Suicidou-se”, pensou Grek-1.
Desejaria que Grek-7 não tivesse feito uma coisa dessas, mas na verdade era
exatamente o que ele esperara. Além disso o fim de Grek-7 combinava com o quadro
geral da catástrofe. Parecia o complemento lógico dos acontecimentos que tiveram início
com a morte de Rhy'eerin e estavam tendo seu remate com o suicídio de seu homem de
confiança. Entre as duas ocorrências havia a invasão fracassada.
Uma nova fase da vida de Grek-1 teria início. Não sabia o que esta lhe reservaria,
mas não adiantava preocupar-se com isso. Tudo que até então preenchera sua vida fora
destruído. Até mesmo suas relações com os senhores da galáxia tinham terminado com a
invasão fracassada.
No futuro ficaria só por muito tempo. Mas poderia ir para onde quisesse. E com
quem quisesse...
9

Agora, que a invasão fora repelida, tinha todo motivo para sentir-se aliviado. Mas
Rhodan sentia uma tensão surda, provocada pela espera ansiosa de notícias de Rakal
Woolver. Parecia que suas preocupações se concentravam exclusivamente neste homem,
como se isto pudesse livrar o mutante de todos os perigos.
Atlan olhou ostensivamente para o cronômetro, como se quisesse mostrar ao amigo
que o prazo estava chegando ao fim. Notava-se uma tensão evidente entre Rhodan e o
arcônida, mas esta desapareceria assim que Woolver se encontrasse novamente a bordo
da Crest II.
Eram duas personalidades marcantes, que por isso não poderiam conviver sem
divergências. Mas numa situação destas os dois eram bastante inteligentes para não
permitir que as desavenças chegassem ao extremo.
Quando finalmente foi captado o impulso expedido por Woolver e transmitido para
a sala de comando, Rhodan teve a impressão de que uma blindagem que o envolvia
acabara de romper-se. Nestas oportunidades era levado a fazer qualquer coisa, para livrar-
se logo e de vez do sentimento de torpor que antes experimentara. Atlan levantou-se.
— Está vivo — disse, respirando aliviado.
— Eu sabia — respondeu Rhodan.
Os computadores já estavam trabalhando. Forneceram numa questão de minutos a
rota que o grupo de naves terranas teria que seguir.
Rhodan deu suas ordens. As naves aceleraram, saltando literalmente através da
escuridão do espaço cósmico.
As naves terranas saíram do espaço linear nas imediações da gigantesca estrela
vermelha que a nave de Grek estava contornando. Rhodan mandou que as naves ficassem
em posição de espera e, com a nave-capitânia, aproximou-se cautelosamente do veículo
espacial dos maahks.
— Seu vôo é irregular, senhor — constatou o Coronel Cart Rudo. — Parece que a
nave está praticamente imobilizada.
A espaçonave maahk dava uma impressão formidável. Seu tamanho lhe dava um
aspecto ameaçador. Rhodan imaginava o que teria acontecido se cinco mil naves como
estas ou mais tivessem atacado as unidades terranas.
Pela primeira vez conseguiu imaginar as proporções tremendas da guerra que os
arcônidas e os maahks tinham travado há dez mil anos.
— Está imobilizada — confirmou Atlan. — Do contrário o comandante não
permitiria que chegássemos tão perto.
Parecia que a nave de Grek desaparecera na coroa chamejante do sol, quando a
órbita que percorria fez com que ficasse escondida atrás do mesmo. A influência do sol
chamejante era tão forte que a presença da nave até deixou de ser registrada pelos
rastreadores.
Rhodan deu ordem para que os rádio-operadores transmitissem o sinal que fora
combinado com Woolver. O mutante poderia perfeitamente aproveitar a energia da
transmissão para transportar-se de volta para a Crest II.
O mutante ainda devia estar vivo. Rhodan fazia votos de que fosse capaz de saltar
para a Crest II.
***
Uma vez transmitido o impulso, Rakal Woolver ficou sentado na mesa, esperando.
Achava que não era muito perigoso permanecer na pequena sala. De qualquer maneira,
não era mais perigoso que em qualquer outra parte da nave.
De vez em quando inclinava-se para a frente para ver o que acontecia no hangar.
Só via uns poucos maahks. Os outros, com certeza, Participavam das operações de
salvamento. Os maahks certamente esperavam que ainda poderiam salvar a nave. Se não
fosse assim, teriam saído nos barcos espaciais.
Quando olhou pela terceira vez para o hangar, um maahk entrou atrás de suas
costas. O mutante viu o reflexo vago da figura robusta na parede transparente.
Sentiu seu coração bater mais depressa. Fora muito descuidado.
O maahk estava tão surpreso quanto Woolver. Foi caminhando devagar até o centro
da sala e girou em torno do próprio eixo, como se quisesse certificar-se de que além do
duplo não havia nada de extraordinário.
— O que está fazendo aqui? — perguntou finalmente.
Falava tão baixo que Woolver tinha de fazer um grande esforço para compreendê-
lo.
— Estou esperando — respondeu Woolver.
— O comandante deu ordem de que você fosse preso assim que alguém o
encontrasse — disse o maahk.
— Já falei com Grek — mentiu Woolver. — Foi ele que me mandou para cá.
O ser estranho fitou-o, com uma expressão de dúvida segundo parecia.
— Vou verificar se você disse a verdade — disse o maahk.
Woolver viu-o inclinar-se sobre a mesa para ligar o intercomunicador. O mutante
segurou um abajur com ambas as mãos e levantou-o.
Golpeou. O maahk percebeu suas intenções, mas ficou petrificado até que o
pedestal do abajur atingisse sua cabeça. O maahk dobrou as pernas e escorregou para
baixo da mesma. Woolver colocou o abajur no mesmo lugar. Uma voz saiu do
intercomunicador, embora o adversário de Woolver ainda não tivesse dito nada.
Woolver não perdeu tempo; desligou. Ficou de joelhos e empurrou o maahk
inconsciente bem para baixo da mesa, para que outros maahks que entrassem ali não o
vissem.
Woolver perguntou-se se o maahk que acabara de derrubar era o mesmo que tinha
feito as anotações no mapa que se encontrava sobre a mesa. Tinha a impressão de que
não convinha forçar ainda mais a sorte. Era bem possível que no próximo encontro com
um maahk levasse a pior.
Woolver voltou a sentar na mesa. Mal acabara de acomodar-se, notou um
movimento embaixo da mesa.
Os braços tentaculares do maahk saíram de baixo da mesma. Pareciam duas cobras
saindo do ninho. Woolver contemplou o espetáculo. Era incapaz de fazer qualquer
movimento. As mãos do maahk procuraram alguma coisa em que apoiar-se e finalmente
descobriram uma reentrância no chão.
O adversário de Woolver foi saindo de baixo da mesa centímetro após centímetro,
demonstrando uma obstinação assustadora.
De repente o transmissor de Woolver emitiu um sinal O imartense fez às pressas as
necessárias regulagens Sentia perfeitamente o eco de impulsos produzido pela
hipertransmissão vinda da Crest II.
O maahk emitia ruídos ocos. Já se via parte da cabeça em forma de foice.
Woolver recostou-se, fechou os olhos para concentrar-se melhor e saltou para fora
da nave dos maahks.
10

O homem alto que usava traje pressurizado foi saindo lentamente da sala de rádio.
Parou junto à poltrona do comandante e tirou o capacete, deixando à mostra um rosto
magro com um par de olhos castanho-claros e porções de pele verde-oliva. Os cabelos
eram curtos, mas apresentavam um brilho violeta inconfundível.
O homem respirou profundamente antes de dispor-se a tirar o resto do traje
pressurizado. Ninguém o perturbou e ninguém lhe deu qualquer ajuda. Não foi
pronunciada uma única palavra. Até se poderia ser levado a acreditar que o homem
estava cumprindo algum ritual.
O homem interrompeu o fluxo de oxigênio e dobrou o traje pressurizado. Entregou-
o, juntamente com o capacete, a um robô que estava esperando.
O homem tinha pernas longas, muito magras, que quase pareciam fracas demais
para o tronco em forma de tonel.
— Olá, major! — disse Perry Rhodan sem sair da poltrona.
— Parabéns, major! — disse Atlan.
“Consegui mesmo”, pensou Rakal Woolver, distraído.
Não conseguia falar, nem mesmo depois que sentara ao lado de Rhodan e do
arcônida. A única coisa que sentia era um ligeiro espanto. Devia estar orgulhoso e
emocionado, pensou. Mal acabara de materializar na sala de rádio e a nave maahk bem
como os próprios maahks pareciam ser uma coisa situada num passado longínquo.
Perguntou-se como se explicava uma coisa dessas. Instantes atrás ainda vira o
maahk meio atordoado sair rastejando de baixo da mesa, e agora sentia-se completamente
seguro ao lado dos homens do Império Solar.
Woolver compreendeu que às vezes sua inteligência era incapaz de acompanhar a
rapidez dos saltos. Cada um desses saltos parecia ser uma ilusão.
Ficou satisfeito porque lhe davam tempo, não o molestando logo com perguntas.
Um robô levantou uma tábua dobrável que havia ao lado da poltrona e colocou uma
caneca de café quente sobre a mesma.
— Os maahks estavam planejando uma invasão — disse Woolver.
Rhodan confirmou com um gesto.
— Já sabemos, major. Mas a invasão fracassou. Cerca de cinco mil naves dos seres
que respiram hidrogênio caíram nos seis sóis do transmissor.
Woolver pegou o caneco e segurou-o firmemente. Sorveu lentamente a bebida, que
lhe deu muito prazer. O aroma do café parecia conduzi-lo definitivamente de volta ao
mundo: ao seu mundo.
— Quer dizer que ainda consegui destruir a trilha de desvio de impulsos em tempo
— disse, satisfeito. — Cheguei a pensar que tivesse sido tarde.
— O que vem a ser uma trilha de desvio de impulsos, Major Woolver? —
perguntou Rhodan.
Woolver hesitou.
— Não posso dar uma explicação detalhada, senhor — disse como quem pede
desculpas. — Mas sei qual é a finalidade dessa máquina.
— Conte o que sabe — pediu Rhodan.
— A bordo da grande nave encontra-se... encontrava-se — retificou Woolver — um
aparelho ao qual os maahks davam o nome de trilha de desvio de impulsos. Este
equipamento lhes permite retirar parte da energia do fluxo que se estabelece entre dois
transmissores para tirar da estação receptora quantas espaçonaves desejarem — Woolver
descansou o caneco violentamente na tábua. — Pouco importa qual seja a regulagem do
transmissor.
Rhodan franziu a testa. O que Woolver acabara de dizer era apavorante. A
vigilância de um transmissor, por mais intensa que fosse, tornava-se inútil.
— Os maahks até podem introduzir suas naves na Via Láctea sem que ninguém o
perceba, a não ser que surjam circunstâncias especiais que os impeçam de fazê-lo —
prosseguiu Woolver.
Contou tudo que sabia a respeito da trilha de desvio de impulsos e disse como
conseguira inutilizá-la.
— Quer dizer que a frota de invasão só apareceu no transmissor de Kahalo porque a
trilha de desvio de impulsos já não estava em boas condições — constatou Rhodan depois
que Woolver tinha concluído.
A idéia de que as frotas dos maahks poderiam ter entrado na Galáxia sem que
ninguém o percebesse não era nada agradável. O inimigo poderia ter-se dirigido
calmamente às posições mais favoráveis para o ataque. Rhodan fazia votos de que não
houvesse outras trilhas de desvio de impulsos na Via Láctea.
— E a nave da qual acaba de sair? — perguntou Atlan.
— No momento sua mobilidade está bastante reduzida — disse o mutante. — Há
incêndios em vários lugares da mesma. Contei pelo menos sete explosões que a abalaram.
— Provavelmente acabará queimando de vez ou caindo no sol — observou o
Coronel Cart Rudo.
Rhodan ficou calado. As notícias trazidas por Woolver eram boas, mas a existência
das trilhas de desvio de impulsos representava um novo perigo. Rhodan já não tinha tanta
certeza de que os maahks não resolvessem tentar de novo.
Bastaria que introduzissem algumas naves na Via Láctea e entrassem em contato
com algum inimigo dos terranos, por exemplo os aconenses.
“Nestas condições”, pensou Rhodan, “os maahks serão um eterno fator de
insegurança.” No momento não sabia o que fazer.
Dirigiu-se ao mutante.
— O senhor chegou a entrar em contato com o comandante maahk?
— Sim senhor. Antes de assumir o risco de permitir minha entrada em sua nave, os
maahks me colocaram num barco auxiliar. Pareciam ter medo de que alguém pudesse
perseguir-me. Encontrei-me com Grek-1 quando ainda estava no barco auxiliar — um
sorriso forçado apareceu no rosto de Woolver. — Dava a impressão de ser muito
perigoso. Em minha opinião é muito inteligente. Durante minha permanência na nave
encontrei-me com vários maahks. Considerando sua mentalidade não-humana, podem ser
considerados inteligentes. E, o que é mais importante, nunca agem precipitadamente.
Parece que pensam antes de fazer qualquer coisa.
— Isto combina com as experiências que já temos com eles, major — confirmou
Atlan.
— Os maahks descobriram que o senhor não é o duplo? — perguntou Rhodan.
— Não — respondeu Woolver. — Não acredito. Quando destruí a trilha de desvio
de impulsos, o caos passou a reinar na nave. Alguns maahks tentaram levar-me ao
comandante, mas pelo que diziam concluía-se que acreditavam que eu era o duplo. Além
disso tomei cuidado para que ninguém tivesse conhecimento de minhas faculdades
paranormais.
— Muito bem — disse Rhodan. — Mais tarde terei que pedir um relatório
detalhado. Agora pode descansar.
— Obrigado, senhor — respondeu Woolver com um sorriso.
Tomou o resto do café e levantou-se. Sentiu os olhares de Rhodan e Atlan pousados
nele. E os olhares dos outros homens que se encontravam na sala de comando. Sentiu-se
tentado a sair, usando algum fluxo energético, mas preferiu andar a pé, apesar dos
numerosos ecos de impulsos que sentia.
Quando chegou ao corredor, finalmente sentiu-se livre. A sensação de estar preso,
provocada pelo traje pressurizado, tinha passado. Sentia-se ansioso para tomar um banho.
Entrou no primeiro elevador antigravitacional que levava aos alojamentos da
tripulação e escolheu um camarote desocupado. Depois foi ao banheiro e tomou uma boa
ducha. Quando voltou ao camarote, o cansaço que sentia desapareceu em parte.
Voltara a ser ele mesmo. Já não precisava desempenhar o papel do duplo.
Suspirou, deixou-se cair na cama e trançou as mãos atrás da cabeça. Mesmo sem
querer, pensou em Tronar.
Olhou para o relógio colocado em cima da mesa. Fazia pouco menos de uma hora
que o dia 19 de maio de 2.401 tinha chegado ao fim. No planeta Terra estava começando
um novo dia para grande parte dos homens que lá viviam.
Lembrou-se do Dr. Nardini. O mesmo certamente já se apresentara no quartel-
general da Segurança Solar. Fazia votos de que Nardini não tivesse cedido à tentação de,
ao começar seu novo trabalho, usar um dos seus trajes esquisitos.
Rakal Woolver adormeceu, pensando no Dr. Nardini, com as mãos entrelaçadas
atrás da cabeça e as pernas bem esticadas. Ainda havia as rugas de cansaço quase
imperceptíveis em torno de sua boca.
***
“É sempre a mesma coisa”, pensou Rhodan.
Um homem volta depois de uma missão bem-sucedida e traz uma série de
problemas. Mas a destruição da frota de invasão sempre era um bom sinal.
A grande nave maahk, que provavelmente era o último reduto inimigo na Via
Láctea, continuava a contornar uma estrela gigantesca, praticamente reduzida à
impotência.
“Com isto poderíamos considerar encerrado o assunto maahks”, pensou Rhodan.
Mas sentiu com a segurança que lhe era dada por uma espécie de sexto sentido que
alguma coisa ainda estava para acontecer.
Os maahks haviam preparado o ataque com uma paciência infinita. Executaram seu
plano passo a passo, até que acreditaram que não havia nenhuma dúvida de que tudo iria
dar certo.
Mas tiveram azar, porque tinham duplicado justamente Tronar Woolver e enviado o
duplo do mutante ao campo inimigo. Era um dos acasos incríveis que poderiam trazer a
decisão da luta pela Via Láctea.
— Não podemos subestimar os maahks, Perry — observou Atlan, dando a
impressão de que adivinhara os pensamentos de Rhodan. — Sofreram uma derrota, mas
nem por isso podemos ter certeza de que abandonarão seus planos. Meus antepassados
foram levados inúmeras vezes a acreditar que tinham alcançado a vitória final, mas
sempre apareciam outras naves inimigas, provando que não era bem assim. Os maahks
são capazes de empenhar-se obstinadamente por um objetivo. Lembro-me de que
consertavam precariamente as naves destroçadas e as mandavam sempre de novo à luta,
embora se tratasse de verdadeiros esquifes voadores que só podia disparar alguns tiros ao
acaso antes que fossem destruídos de vez.
— Talvez as regras desta luta sejam diferentes — disse Rhodan.
— Você acha que os maahks mudaram? — perguntou Atlan, desconfiado.
— De forma alguma. Mas não sabemos quais são seus objetivos. Quem sabe se o
preço que teriam de pagar não é elevado demais?
Atlan levantou-se e foi para perto da tela panorâmica, que era preenchida quase
completamente pelo sol gigante. Á nave maahk só aparecia em forma de um ponto
insignificante, isto quando não desaparecia do lado oposto do sol.
— Estes seres provavelmente estão lutando pela vida — disse o arcônida. — Parece
estranho. Quase não têm sentimentos, mas agarram-se à vida como qualquer outra
criatura. Parece que neste ponto todos somos iguais.
— Com exceção de um velhíssimo arcônida, que está acima destas coisas — disse
Rhodan em tom sarcástico.
Atlan fez como se não tivesse ouvido a observação. Os terranos, pensou, formam
um povo jovem, experimentando uma evolução vertiginosa. Expandiram-se cada vez
mais, partindo de um sistema solar insignificante. Mas justamente isto acabaria por ser-
lhes fatal. Como poderiam controlar os espaços imensos para os quais se sentiam
impelidos pela sede de conhecimentos?
Primeiro foi uma galáxia; depois Andrômeda. E depois? Seria outra nebulosa, um
abismo intergaláctico ou uma nuvem de estrelas. Sempre existiria mais uma coisa capaz
de tentar os terranos. Seguiriam o chamado das estrelas, afastando-se cada vez mais de
seu pequenino planeta de origem.
Atlan já vivera bastante para saber como seria o futuro. Seria inútil tentar expor seu
ponto de vista aos terranos. Eles não o compreenderiam; nem poderiam compreendê-lo.
Por que os terranos nunca pensavam no que havia para além do Universo em que
vivemos? Por que não tentavam familiarizar-se com a idéia de que podia haver um sem-
número de universos, envoltos num espaço inconcebível?
Mas, mesmo que compreendessem, não permitiriam que isso os detivesse. A idéia
de contentar-se com o que tinham alcançado não combinava com sua mentalidade. Atlan
conhecia a história da evolução terrana. O que não tinham arriscado os exploradores
terranos para alcançar este ou aquele objetivo? No início da astronáutica os primeiros
navegadores espaciais se tinham enfiado em cápsulas minúsculas, em cujo interior mal
conseguiam fazer um movimento. Aqueles homens destemidos tinham sido disparados
para uma órbita em torno da Terra por meio de foguetes químicos.
Sim, tudo isso acontecia porque eles nunca se conformavam com nada. Eram um
povo sem preconceitos, que nunca se fixava em operações mentais complicadas. Não
aceitava limites e não se sujeitava a nenhuma lei da natureza, porque no curso de sua
história tantas vezes tinha triunfado sobre estas leis.
O povo dos terranos era que nem uma pulsação selvagem, um movimento
irresistível.
— O que está tramando? — perguntou Rhodan em meio aos seus pensamentos. —
Tem um plano sobre o que devemos fazer com esta nave maahk?
— Não acredito que esteja em condições de fazer uma boa sugestão — respondeu
Atlan.
Foram interrompidos, porque Allan D. Mercant entrou em companhia da esposa de
Rhodan. Mercant olhou para os lados, como quem procura alguma coisa.
— Onde está Woolver? Gostaria de falar com ele.
— Só lhe fiz algumas perguntas sobre as ocorrências mais importantes —
respondeu Rhodan. — Mandei que fosse dormir um pouco antes de conversarmos
demoradamente com ele.
— Allan tem um problema específico — observou Mory com um sorriso.
— O que é? — perguntou Rhodan.
Mercant abriu os dedos e balançou a cabeça, dando a impressão de que não sabia se
devia falar sobre isso.
— O senhor conhece o Dr. Nardini? — perguntou depois de algum tempo.
— Não é um dos médicos que cuidaram de Rakal Woolver em Kahalo? — lembrou
Rhodan.
O chefe da Segurança Solar acenou com a cabeça.
— Sim senhor. Gostaria de falar com Woolver a respeito dele. O mutante fez
amizade com ele e talvez tenha alguma influência sobre o mesmo.
— Não compreendo, Allan. O que houve com Nardini?
— Foi transferido — informou Mercant. — Alguém achou que era tão competente
que mandou encaminhá-lo à Segurança Solar.
— Excelente — disse Atlan. — O senhor vive se queixando da falta de bons
agentes.
Mercant olhou-o. Parecia contrariado.
— Por causa do tal do Dr. Nardini acabo de fazer uma palestra prolongada pelo
super-rádio, através de sete estações retransmissoras.
— Quer dizer que falou com Terrânia — constatou Rhodan.
— Isso mesmo — confirmou Mercant, aborrecido. — Com o quartel-general da
Segurança. Faz uma hora que Nardini se apresentou lá.
— Quer dizer que está tudo em ordem — disse Rhodan.
— Nada está em ordem, senhor — queixou-se Mercant. — O pessoal do quartel-
general quis recusar o novo membro de nossa organização, porque pensavam que se
tratasse de um artista de cabaré. Nardini apresentou seus documentos. O pessoal do
quartel-general não é bobo. Arrastaram Nardini até o vestiário, para entregar-lhe roupas
adequadas e modernas. Usava um terno cor de mostarda, sapatos com esporas e peles de
gato nas bordas.
— E depois? — perguntou Mory, curiosa.
Um sorriso triste apareceu no rosto de Mercant.
— Ele lhes fez uma preleção explicando o que vem a ser cultura. Imagine, senhor.
Uma coisa destas em nosso quartel-general. Disse que eles pareciam miseráveis,
desleixados e deselegantes e que nem pensava em pendurar sacos como estes em seu
corpo. Só estou reproduzindo as palavras de Nardini — acrescentou Mercant como quem
pede desculpas.
— Nardini é um homem muito sensível — disse Rhodan.
— Estava embriagado — disse Mercant. — Que coisa! Um novo membro de nossa
organização aparece bêbado, vestindo um terno cor de mostarda e com um par de sapatos
com...
— ...esporas e forro de pele de gato — completou Rhodan.
— Pois é. E uma agulha pulsante no cachecol.
— Qual foi mesmo a finalidade da ligação de hiper-rádio? — perguntou Atlan.
— Por causa da cueca — respondeu Mercant.
Rhodan fitou-o com uma expressão de perplexidade.
— Por causa da cueca, Allan?
— Depois de algum tempo os rapazes que trabalham no vestiário conseguiram
convencer Nardini a mudar de roupa — informou Mercant. — Mas ali surgiu outro
problema. Nardini recusou-se a vestir a cueca que lhe foi entregue. Disse que tinha
alergia pelas cuecas usadas na Segurança. Alegou que sua pele é muito fina e sensível.
Ninguém poderia exigir que usasse uma cueca que era áspera que nem um tapete felpudo
— o rosto de Mercant assumiu uma expressão contrariada. — É claro que não pôde vestir
as outras roupas, porque antes disso teria de vestir a cueca.
Rhodan sorriu.
— Vejo que a Segurança está enfrentando um problema difícil.
— Nardini disse que está disposto a usar a cueca, mas sob certas condições —
suspirou Mercant. — Diz que, se o chefe da Segurança Solar usa este tipo de vestes, ele
não pode recusar-se a fazê-lo. Diante disso usaram o hiper-rádio para perguntar se uso a
cueca-padrão da Segurança.
Rhodan soltou uma estrondosa gargalhada.
— O senhor usa? — perguntou Atlan.
— Não! — gritou Mercant, indignado. — Por que iria vestir esta coisa barata e
arranhenta?

***
**
*

Graças aos seus dons parapsíquicos, Rakal Woolver


fora o único ser humano capaz de evitar a invasão da
Galáxia.
Enquanto o centro de invasão de Grek, que sofreu
graves avarias, circula em torno de um sol gigantesco, os
especialistas e mutantes de Perry Rhodan voltam a tomar
a iniciativa.
Gucky salta para a cova do leão — e encontra-se
com um inimigo que lhe é simpático...
É só o que vamos contar por enquanto. Leia esta
história e fique sabendo de outros acontecimentos
interessantes e surpreendentes no próximo volume da
série Perry Rhodan, intitulado O Inimigo Extragaláctico.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

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