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Introdução

No Brasil, pessoas com deficiência sempre enfrentaram diversos preconceitos. A

deficiência sempre foi associada à pobreza e ao ruim, ao diferente. Hoje, sabe-se que a

deficiência, tanto física quanto mental, é uma condição humana que deve ser respeitada e em

nada diminui o ser humano que a possui. Apesar disso, a inclusão de indivíduos deficientes na

sociedade permanece sendo um desafio. Isso, porque nem as cidades são preparadas para

comportar deficientes de forma integral, e nem a sociedade é preparada para despir-se de seus

julgamentos e auxiliar o deficiente a tomar as rédeas de sua cidadania (Sá & Rabinovich, 2006).

Justamente por essa dificuldade de inclusão social, o deficiente depende, em grande parte,

de sua família. A família, enquanto grupo de socialização primária da criança, é a responsável

por garantir segurança à criança; por criar os primeiros laços sociais; e por fortalecer e preparar

aquela criança para o mundo externo. “O padrão de apego estabelecido na infância seria vital

na vida adulta pois, através dele, os vínculos se tornarão mais duradouros, gerando na criança

competência social, emocional e cognitiva” (Sá & Rabinovich, 2006).

E com a criança deficiente, esse fenômeno não é diferente. A família tem papel

primordial de evitar que essa criança venha a ser um indivíduo marginalizado socialmente em

função de sua deficiência. A partir dos laços afetivos formados entre a família e a criança,

estabelece-se o primeiro passo rumo à socialização, o que pode aumentar as chances de uma

socialização bem-sucedida no futuro com membros fora do âmbito familiar (Sá & Rabinovich,

2006). Dessa forma, a família deve fortalecer o indivíduo, dentro de suas próprias capacidades e

limitações, para que busque atingir seus potenciais de desenvolvimento, a fim de se tornar um

indivíduo o mais independente possível.


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Tendo em vista a relevância do tema, este estudo faz-se necessário na medida em que visa

fornecer subsídios à compreensão da deficiência mental, a fim de diminuir, ou de, pelo menos,

amenizar os preconceitos sofridos pelo deficiente e sua família. Além disso, este estudo possui,

como um dos focos, a relação entre o familiar deficiente e seus irmãos ditos “normais”; assunto

pouco abordado nas pesquisas sobre o tema, o que foi percebido na etapa de levantamento

bibliográfico. Dessa forma, dá-se como justificada a importância deste estudo.

Nesse sentido, o presente estudo tem como intuito analisar a estrutura de uma família

com um integrante deficiente mental, a fim de compreender o contexto no qual essa família está

inserida; as dificuldades que enfrentou face à deficiência; e as relações estabelecidas entre os

membros da família e o integrante deficiente mental. Assim, procura-se explorar como é o

processo, a questão, da deficiência mental para uma família que convive com um integrante

deficiente. Para isso, a metodologia estudo de caso foi escolhida justamente por permitir a

abrangência de todo o fenômeno a ser estudado.

Referencial Teórico

Na história da humanidade, a deficiência foi julgada como algo a se temer, algo que

tornava seu portador menos humano. De acordo com Dessen e Silva (2001), na sociedade

clássica da antiguidade, os deficientes eram abandonados por não atenderem às expectativas de

eugenia e perfeição da época. Já na Idade Média, a relação com a deficiência adotou um tom

dicotômico: foi atribuído à deficiência um caráter espiritual devido à influência da Igreja, logo,

os deficientes passaram a ser vistos como pessoas com alma, dignos de receberem caridade e

serem acolhidos pelos cristãos; mas, ao mesmo tempo, uma criança deficiente era considerada o

produto da relação entre uma mulher e um demônio, resultando na morte de ambos (Dessen &

Silva, 2001).
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Com o passar do tempo, e com a evolução da medicina, foi-se compreendendo o papel da

biologia na deficiência, tornando-a um problema médico e retirando o foco da espiritualidade.

Dessa forma, as necessidades dos deficientes tornaram-se questão de responsabilidade pública, e,

no século XX, surgiram diversas maneiras de abordar a deficiência. Apesar disso, a sociedade

capitalista atual compreende o deficiente enquanto indivíduo improdutivo, o que o marginaliza e

estigmatiza mais uma vez o conceito de deficiência. Hoje, a deficiência mental segue sendo

fortemente estudada sob a ótica médica, o que reforça a segregação visto que levanta a

comparação entre normalidade e anormalidade (Dessen & Silva, 2001).

A fim de trabalhar a deficiência mental em sua totalidade, especialmente quando

relacionada à crianças e adolescentes, torna-se fundamental compreender o papel do ambiente no

desenvolvimento da criança deficiente. Segundo Papalia e Feldman (2013), o contexto histórico-

social é fundamental para o desenvolvimento humano, e, no caso de um bebê, o primeiro contato

normalmente é com sua família; mais ainda no caso de uma criança deficiente, pois, segundo

Glat (1997), é com a família que o indivíduo com deficiência vai se relacionar mais

proximamente, tendo em vista suas limitações socio-afetivas. De acordo com Dessen e Silva

(2003), “As interações estabelecidas no microssistema familiar são as que trazem implicações

mais significativas para o desenvolvimento da criança”. Família esta que sofrerá um grande

impacto ao receber uma criança com deficiência mental, podendo levar até a uma

desestruturação ou desestabilização da rede familiar (Boscolo & Santos, 2005).

Após o choque, vem o processo de superação, o qual depende tanto da funcionalidade da

família enquanto grupo quanto dos seus membros individualmente. Nesse processo costuma-se

verificar sentimentos como raiva, negação, rejeição, revolta (Dessen & Silva, 2001), que

perpassam por quatro estágios, sendo estes: negação, resistência, afirmação e aceitação (Boscolo
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& Santos, 2005). Amaral (1995, como citado em Glat, 1997), chama esta situação de “o reinado

da ambivalência”, por ser marcada pela oscilação entre amor e ódio, alegria e sofrimento,

aceitação e rejeição da criança deficiente.

Tais sentimentos se dão graças a expectativa que a chegada de um filho gera nos pais.

Antes mesmo do nascimento da criança, os pais já imaginam como ela será, que papel ocupará

na família e no mundo, como serão seus gostos e características físicas, entre outros (Sá &

Rabinovich, 2006). Quando a criança que chega é deficiente, deve haver uma redefinição nos

papéis desempenhados pelos pais, que se tornarão pais especiais, e um ajuste nas expectativas,

visto a condição da criança (Boscolo & Santos, 2005).

De acordo com Taveira (1995, como citado por Boscolo & Santos, 2005),"A superação

desses sentimentos constitui um fator preponderante para a adaptação e bem-estar da família

enquanto grupo que busca, de alguma forma, uma reorganização, na qual tenta incluir a

criança deficiente mental como um membro pertencente àquele grupo.” Dessa forma, poderá ser

construído um ambiente propício ao desenvolvimento da criança.

A partir da construção desse ambiente, é necessário que os pais desenvolvam certas

habilidades para lidar com a deficiência, a fim de dar suporte à criança e de evitar posturas como

superproteção e permissividade, que podem provocar comportamentos inadequados na criança

não em função de sua deficiência, e sim da disfuncionalidade das ferramentas desenvolvidas

pelos genitores (Dessen & Silva, 2001). Assim, é necessário que os pais propiciem o crescimento

e o desenvolvimento dessa criança por meio de um ambiente acolhedor, estimulante e permeado

de relações sociais saudáveis (Dessen & Silva, 2000).

Para isso, é preciso, também, que os pais busquem formas de apoio como grupos de pais,
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psicoterapia, e médicos especializados na condição do filho com deficiência, a fim de poderem

ser ouvidos, compreendidos, e terem suas dúvidas sanadas frente a deficiência da criança e frente

à ambivalência de sentimentos que ter um filho deficiente pode gerar (Boscolo & Santos, 2005;

(Fiamengui-Júnior & Messa, 2007). Glat (1997), levanta que “[...]a intervenção

psicoeducacional precoce no plano familiar é imprescindível, talvez tão fundamental quanto o

atendimento direto à pessoa deficiente propriamente dita.”

Isso se faz importante, de acordo com Boscolo e Santos (2005), porque “A representação

que os pais fazem de sua criança [...]poderá, de alguma maneira, influenciar no

desenvolvimento da linguagem, e, assim, no processo terapêutico.” Nesse sentido, torna-se

imprescindível compreender quais são as expectativas dos pais frente às possibilidades de

desenvolvimento da criança deficiente; e, ainda, estudar a interação criança-pai, bem como a

interação criança-mãe, criança-pai-mãe, criança-irmão e pai-mãe, tendo em vista a importância

que todos esses sistemas familiares têm na dinâmica e no funcionamento familiar (Dessen &

Silva, 2004).

Os estudos de Dessen e Silva (2003) apontam que mães de crianças com deficiência

mental, mais especificamente a síndrome de Down, tendem a ser mais diretivas com seus filhos

do que as mães de crianças com desenvolvimento normal, como as autoras chamam, e, também,

apresentam maiores taxas de estresse (Dessen & Silva, 2004). O estudo traz, com relação ao

gênero, que as mães de meninas com síndrome de Down tendem a ser mais intrusivas na criação

da criança do que as mães de meninos com a mesma condição.

Já com relação aos pais, as autoras apontam que eles se engajam significativamente

menos do que as mães, e que tem menores taxas de estresse do que elas. Isso, porque eles tendem

a se retirar do cuidado da criança, por razões como a inabilidade de lidar com a deficiência, e o
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fato de o cuidado com os filhos ser característico da mãe (Dessen & Silva, 2004). Apesar disso,

Hornby (1995, como citado em Dessen & Silva, 2003) aponta que a “adaptação do pai estava

relacionada à sua satisfação com o apoio social recebido, à sua satisfação marital e às suas

características de personalidade, mais do que às características de sua criança deficiente.”.

Quanto à relação entre os genitores, as taxas de estresse são significativamente altas.

Dessen e Silva (2004) demonstram que estas estão mais relacionadas às características da criança

deficiente e à sobrecarga no cuidado com essa criança do que à relação marital em si, mas que

são fatores que influenciam essa relação. Tais características envolvem o grau de dependência da

criança, os problemas de comportamento que esta apresenta e suas dificuldades de comunicação;

sendo todas diretamente proporcionais às taxas de estresse apresentadas pelos pais, pois

aumentam a intensidade do cuidado que deve ser dispensado à esta criança.

Além disso, de acordo com Minnes (1998, como citado em Dessen & Silva, 2004), os

pais podem sentir-se sobrecarregados pela incerteza de como irá se dar o desenvolvimento da

criança; pela necessidade do cuidado prolongado em comparação com o cuidado de crianças com

desenvolvimento normal; pela culpa de ter sentimentos ambíguos frente ao filho com deficiência;

e, ainda, pelas limitações e restrições pessoais e matrimoniais que uma criança com deficiência

pode elencar. “Entretanto, isto não significa que as famílias de crianças deficientes mentais

sejam disfuncionais ou pobremente adaptadas, mas, simplesmente, que elas enfrentam mais

desafios no processo de educar sua criança deficiente mental.” (Dessen & Silva, 2004, apud

Shapiro et al., 1998).

Sobre a relação entre crianças com deficiência mental e seus irmãos, Dessen e Silva

(2004) demonstram que os irmãos de crianças deficientes tendem a sentir-se insatisfeitos por não

receberem atenção suficiente dos genitores, que dispensam maior atenção à criança deficiente, o
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que pode gerar menor proximidade e amizade entre eles. Isso, porque “A qualidade do

relacionamento entre os irmãos influencia e é influenciada não só pelas relações que os

genitores mantêm como marido-esposa, mas também pelas relações que cada um mantém com

os filhos, em suas funções de pai e mãe.” (Dessen & Silva, 2004).

Além disso, as autoras apontam que os irmãos de crianças deficientes tendem a ter mais

iniciativa e liderança na relação, e costumam ajudar os pais a cuidar da criança, colocando-se

como “irmãos mais velhos”, mesmo que não seja correspondente à idade cronológica. Nesse

sentido, percebe-se que o tratamento diferencial dos genitores com a criança deficiente; a

qualidade da relação marital; a gravidade da deficiência; e a personalidade dos irmãos e da

criança deficiente são todos componentes que podem pesar na relação entre irmãos e criança

(Dessen & Silva, 2004).

Há ainda que se levar em conta o papel da família na integração social da criança com

deficiência mental, e na integração dessa criança dentro da própria família. Glat (1997) traz que

“quanto mais integrada em sua família uma pessoa com deficiência for, mais esta família vai

tender a tratá-la de maneira natural ou “normal” deixando que, na medida de suas

possibilidades, participe e usufrua dos recursos e serviços gerais da sua comunidade;

consequentemente, mais integrada na vida social esta pessoa será.”. E, por sua vez, quanto mais

inserida na sociedade a criança for; quanto mais atividades “normais” para sua faixa etária a

criança realizar, mais ainda sua família tenderá a vê-la com normalidade, e ainda mais integrada

na família ela será. Assim, o tipo de inserção que o indivíduo terá no meio social irá depender de

como essa integração ocorreu no seu meio familiar (Glat, 1997).

Glat (1997) traz, ainda, que os sentimentos de sofrimento e angústia experienciados pela

família no nascimento da criança deficiente tendem a ocorrer novamente em momentos chave da


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vida daquele indivíduo, como aprender a andar; a entrada na escola; a adolescência, etc. Isso,

porque mesmo que a vida da criança esteja em perfeita ordem, estes momentos marcantes

elencam novas dificuldades que devem ser ultrapassadas, e relembram a família de que aquela

criança, por mais ajustada que esteja, ainda tem certas necessidades e irá enfrentar empecilhos

para passar pelas situações mais comuns.

Para lidar com isso, Glat (1997) enfatiza a importância que tem a família não atribuir

todos os comportamentos “negativos” da criança à sua deficiência. É necessário saber diferenciar

os comportamentos que são decorrentes da deficiência daqueles decorrentes da faixa etária em

que o indivíduo se encontra, como por exemplo fazer birra quando criança, característica comum

da infância. Dessa forma, a família não se estrutura em volta da criança deficiente vivendo em

função dela, e, assim, aumenta o grau de integração desse indivíduo na família, pois evita de

diferenciar esse membro e excluí-lo. Como a própria autora expõe, “integrar um membro

deficiente é deixar que ele ocupe um espaço na constelação familiar, nem maior, nem menor que

os demais.” (Glat, 1997).

Método

O delineamento utilizado para a realização deste estudo foi a pesquisa qualitativa, e o

método escolhido foi o estudo de caso descritivo e exploratório. A escolha da pesquisa

qualitativa se deu pela abrangência de dados que esse delineamento possibilita estudar, tendo em

vista seu caráter descritivo. Como explicitado por Godoy (1995), a pesquisa qualitativa considera

que todos os dados da realidade estudada são importantes, e tanto o ambiente quanto as pessoas

nele inseridas devem ser compreendidos em sua totalidade. Dessa forma, a pesquisa qualitativa

tem um olhar holístico, e busca entender o fenômeno de interesse em todas as suas

manifestações. Godoy (1995) afirma: “Não é possível compreender o comportamento humano


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sem a compreensão do quadro referencial (estrutura) dentro do qual os indivíduos interpretam

seus pensamentos, sentimentos e ações.”.

A escolha do estudo de caso, por sua vez, justifica-se pelo fato deste método possibilitar

maior aprofundamento e intensidade na compreensão de determinado objeto (Creswell, 2010).

Nesse sentido, o estudo de caso permite ao pesquisador estudar um fenômeno dentro do contexto

no qual ele ocorre, levando em consideração todas as dimensões da realidade que permeiam este

fenômeno. Dessa forma, tendo em vista a gama de setores que a deficiência intelectual permeia,

e a necessidade de compreender todas as possíveis manifestações deste fenômeno em seu

ambiente natural, a escolha da pesquisa qualitativa, enquanto delineamento, e do estudo de caso,

enquanto método, tornou-se imprescindível para este estudo.

Local da pesquisa

A pesquisa foi realizada na casa da família participante, na cidade de Brasília, no bairro

Lago Norte, por meio da APAE-DF. A APAE é uma associação privada sem fins lucrativos

fundada em 1964, e que tem como propósito atender pessoas com deficiência intelectual acima

dos 14 anos de idade.

Participantes

Participaram da pesquisa dois homens e uma mulher: o curador da familiar com

deficiência intelectual, que na verdade é tio dela; a curadora da menina, tia dela; e o filho mais

velho deles, que exerce papel de irmão da menina. O critério para a escolha do grupo foi o tempo

prolongado de acolhimento menina na instituição APAE e sua disposição em participar da

pesquisa. Todos os nomes foram trocados por nomes fictícios a fim de preservar a identidade dos

participantes, e, toda vez que forem citados, estarão com um asterisco (*) ao lado, para
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simbolizar que o nome não é real.

Instrumentos

Os instrumentos utilizados com os curadores foram: entrevista semiestruturada;

Ecomapa; Genograma; linha do Ciclo Vital; e questionário. Já com o filho deles, foi utilizado

entrevista semiestruturada; inventário de rotina semanal; inventário de rotina do final de semana;

e questionário.

A entrevista é uma forma de levantar informações sobre o entrevistado utilizando um

roteiro que guia as perguntas a serem feitas. A entrevista semiestruturada, por sua vez, permite

que o entrevistado discorra sobre os assuntos levantados pelo entrevistador, ao invés de

responder apenas aquilo que está sendo perguntado. Nesse sentido, a entrevista semiestruturada

funciona como um guia para a conversa, de forma que os tópicos do roteiro tragam à tona

assuntos sobre os quais o entrevistado pode falar abertamente (Lima, Almeida & Lima, 1999). A

entrevista utilizada neste estudo procurou levantar os dados socio demográficos da família, bem

como informações sobre a gestação da curatelada com deficiência intelectual; como foi saber que

ela tinha deficiência; o que mudou após saber disso; como é a relação entre ela e os filhos do

casal; como é a relação do casal com os filhos; entre outros dados.

Já o Ecomapa funciona como uma ferramenta para identificar as relações que os

membros da família mantêm com o meio que habitam, de forma a compreender como são essas

relações, por exemplo, fortes ou fracas; como é o contexto no qual estão inseridos; e quais

recursos estão à disposição da família para interagir com esse contexto. Dessa forma, é possível

mapear sistemas externos à família, como a vizinhança, escola, trabalho, igreja, médicos, etc.;

levantando as relações pessoais e sociais estabelecidas pela família em questão (Bucher-


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Maluschke & Silva, 2018). O Ecomapa, neste estudo, teve o papel de identificar as relações

estabelecidas com o meio externo à família nuclear, como por exemplo a rede de apoio

estabelecida pela família extensa, pela APAE e pela psicóloga da curatelada.

O Genograma, por sua vez, permite diagramar membros de uma mesma família,

normalmente incluindo três gerações, e estabelecer as relações entre eles, a fim de perceber os

sentimentos que perpassam essas relações. Para isso, o levantamento das informações é feito a

partir de entrevistas com um ou mais membros da família, nas quais a história familiar é contada.

A partir disso, o desenho do Genograma é feito, seguindo algumas regras de representação dos

indivíduos e das relações entre eles, tais como o homem ser representado por um quadrado e a

mulher ser representada por um círculo. Dessa forma, o Genograma permite compreender a

estrutura familiar, bem como seus rompimentos, conflitos, papéis exercidos, funções, tensões,

padrões repetitivos, e laços afetivos (Bucher-Maluschke & Silva, 2018). O Genograma criado a

partir da família entrevistada englobou os membros da família extensa paterna, visto que a

curatelada é da família do curador; e incluiu avós, pais, irmãos, filhos e primos. Nele, foram

explicitadas as relações próximas, distantes e conflituosas a partir de símbolos diferenciados.

Por ciclo vital, compreende-se toda a história de vida do indivíduo desde seu

nascimento até a morte. Nesse sentido, o instrumento Linha do Ciclo Vital permite delinear os

acontecimentos marcantes na vida do indivíduo separando-os pelas datas em que ocorreram, a

fim de tornar claro todas as dimensões e direções que o desenvolvimento humano perpassa.

Assim, é possível perceber como certos fenômenos e contextos podem ter influenciado o

desenvolvimento do indivíduo (Bucher-Maluschke & Silva, 2018). A Linha do Ciclo Vital, neste

estudo, foi criada em conjunto com os curadores e buscou compreender os momentos marcantes

da vida deles enquanto casal, como o nascimento dos filhos e a morte dos pais do curador.
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Gil (2008) conceitua questionário como uma ferramenta que permite levantar

informações sobre um indivíduo por meio de questões, normalmente por escrito, que este deve

responder. Tais questões variam dependendo do tema que se procura estudar e do objetivo da

pesquisa. No caso deste estudo, o questionário utilizado buscou levantar questões acerca da

deficiência da curatelada e da sua relação com os curadores e com os filhos do casal.

Por fim, o Inventário de Rotina procura definir quais atividades o indivíduo realiza em

um determinado período de tempo, separando-as por horários, a fim de elucidar sua rotina. Dessa

forma, um dos inventários utilizados compreendia o período de uma semana comum na vida do

entrevistado, e o outro inventário compreendia o período de um dia do final de semana, mais

especificamente o domingo; sendo que o entrevistado foi o filho mais velho do casal.

Coleta e Análise de Dados

Para obter contato com os participantes, foi disponibilizada uma lista com contato e

endereço de famílias associadas à APAE. Desta lista, foram selecionadas quatro famílias

possíveis participantes. Foi estabelecido contato por telefone com as quatro famílias, e foi

explicado o objetivo da pesquisa e a forma como se daria o encontro da pesquisadora com os

participantes. Assim, uma das quatro famílias aceitou participar enquanto as outras três

recusaram, e foi marcado o encontro, na casa da família, para dali a uma semana, no período da

noite. Nesse encontro, participaram apenas os curadores da curatelada com deficiência

intelectual. Ao final do encontro, o filho mais velho do casal disse à pesquisadora ter interesse

em participar, e foi marcada uma segunda ida à casa da família para dali a duas semanas,

também no período da noite, a fim de entrevistar o filho mais velho.

No primeiro encontro foram aplicados, respectivamente: o termo de consentimento livre e


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esclarecido, a entrevista semiestruturada, o questionário para pais, o Ecomapa, Genograma e a

Linha do Ciclo Vital. Já no segundo encontro, com o filho, foram aplicados o termo de

consentimento livre e esclarecido, a entrevista semiestruturada, o questionário, e os Inventários

de rotina e do final de semana.

Para a análise de dados foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, a qual permite

organizar e dividir os dados oriundos dos discursos dos entrevistados em eixos ou categorias. A

fim de construir as categorias, foram seguidas as etapas de pré-análise, na qual o material foi

transcrito de forma literal; de codificação dos dados que surgiram nas entrevistas; de

agrupamento dos temas; e de interpretação dos resultados. Dessa forma, a partir do discurso dos

participantes, foram identificados temas recorrentes e divergentes que deram origem às

categorias, que foram exemplificadas a partir de trechos literais das entrevistas com os

participantes (Creswell, 2010; Dessen & Silva, 2014; Sá & Rabinovich, 2006). As categorias

obtidas foram três: Formas de enfrentamento; Relações entre irmãos; e integração familiar e

social.

Ética na Pesquisa

O caso apresentado neste estudo foi extraído da pesquisa em andamento “Estrutura e

Dinâmica Familiar de um filho com deficiência intelectual e/ou múltipla e repercussões na

fratria”, encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do

UniCEUB, sob o registro CAAE: 00259018.0.0000.0023 e o Parecer no 3.023.674, seguindo as

normas da Resolução no 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, que

trata de ética em pesquisa com seres humanos conforme constou no Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido (TCLE). Foi garantido o sigilo da identidade dos participantes.


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Resultados

Dados Sociodemográficos

A família possui cinco integrantes e moram todos juntos, sendo eles o curador, Marcelo*,

66 anos; a curadora, Patrícia*, 64 anos; o filho mais velho, Danilo*, 37 anos; o filho do meio,

Gabriel*, 35 anos; e a curatelada com deficiência intelectual, Jéssica*, 30 anos. Na família, todos

possuem ensino superior completo, com exceção da curatelada, que possui um curso de extensão

da Universidade de Brasília equivalente a um curso superior. Atualmente, Marcelo* e Patrícia*

são aposentados; Danilo* é professor; Gabriel* está na segunda graduação; e Jéssica* realiza

trabalho assistido pela própria APAE.

Questionários

Os questionários respondidos pelos curadores tinham 50 itens, sendo que todos foram

respondidos por ambos. Marcelo* levou em média 20 minutos para responder todo o

questionário, enquanto Patrícia* levou cerca de 30 minutos. Ao analisar os questionários, foi

possível perceber que as respostas deles diferiram muito pouco, tendo variado significativamente

apenas em nove itens. Notou-se, a partir dessa análise, que ambos veem a relação da curatelada

com os filhos deles como muito positiva; percebem que ela é bastante independente e que a

família dispensa muitos cuidados com ela.

As maiores variações de resposta ocorreram no item 37, em que Patrícia* respondeu

negativamente para a afirmativa “os meus filhos se imaginam no lugar do irmão com

deficiência”, e Marcelo* respondeu positivamente; e no item 43, em que a curadora respondeu

como “indiferente” a afirmativa “a nossa família se relaciona com outras famílias que tenham

membro(s) portador(es) de deficiência(s)”, enquanto o curador respondeu positivamente.


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Já o questionário respondido pelo filho do casal tinha 48 itens, sendo que todos foram

respondidos, e foi levado, em média, 30 minutos para respondê-lo. Analisando o questionário

dele e comparando-o com os questionários respondidos pelos pais, percebeu-se uma grande

variação nas respostas, sendo, ao todo, quinze itens com variações significativas.

As maiores variações ocorreram no item de número 3 no questionário dos pais, que no

questionário dele corresponde ao item 1, no qual os pais responderam positivamente a afirmativa

“eu dou atenção às queixas dos meus filhos cuidadores”, enquanto Danilo* respondeu como

“indiferente” a afirmativa correspondente “meu pai ou minha mãe dá atenção às minhas queixas

de cuidador”; no item de número 14 no questionário dos pais, que no questionário dele

corresponde ao item 23, no qual os pais também responderam positivamente a afirmativa “eu

costumo dividir as tarefas domésticas entre os meus filhos e o irmão com deficiência”, sendo que

ele, mais uma vez, marcou a resposta “indiferente”; no item 27, no qual os pais responderam

negativamente a afirmativa “ter uma religião nos ajuda a lidar com as dificuldades cotidianas”,

enquanto o filho respondeu positivamente; no item 37 no questionário dos pais, que corresponde

ao item 33 no questionário dele, o qual o pai respondeu positivamente a afirmativa “os meus

filhos se imaginam no lugar do irmão com deficiência”, a mãe respondeu negativamente, e o

filho marcou a opção “indiferente”; e, por último, o item 42 do questionário dos pais, cujo item

correspondente é o item 45 no questionário do filho, que afirma “os meus filhos têm ajuda de

outros membros da família para cuidar do irmão com deficiência”, o qual o pai respondeu como

“indiferente”, a mãe respondeu negativamente, e o filho respondeu positivamente.

Genograma
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No Genograma, o foco é, logicamente, a família nuclear de Marcelo*; explicitado pelo

tracejado verde em volta dela. A partir deste instrumento, foi possível observar o seguinte: a

morte dos pais dele foi extremamente marcante, o que explica serem as únicas datas de morte

que constam no Genograma; Marcelo* tem uma relação próxima com um de seus irmãos, o que

é representado pelas duas linhas verdes que os ligam; Jéssica* é, na verdade, filha de Joana*,

irmã de Marcelo*, fruto de uma relação não consentida entre ela e um homem que não se sabe

quem é ao certo, apesar de Marcelo* acreditar que seja um primo dele com diagnóstico de

esquizofrenia, o que é representado pela linha vermelha tracejada entre eles; a relação entre

Danilo* e Jéssica* é próxima, o que é representado pelas linhas verdes que os conectam;

enquanto a de Gabriel* e Jéssica* é mais distante, representado pela linha preta tracejada entre

eles; Danilo* e Jéssica* têm uma relação próxima e de muita amizade com seu primo Arthur*,
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com quem Jéssica* conviveu bastante na infância, representado, também, pelas duas linhas

verdes entre eles; e, por fim, a linha azul tracejada que liga Jéssica* ao Marcelo* e à Patrícia*

significa que ela não é filha biológica deles.

Linha do Ciclo Vital

As datas levantadas pelo casal referem-se a momentos marcantes vividos por eles, tais

como: quando se conheceram; quando começaram a namorar; quando se casaram; quando

tiveram o primeiro e o segundo filho; quando a irmã dele, Joana*, morreu, deixando os cuidados

de Jéssica* para seus pais; quando seus pais morreram e os cuidados de Jéssica* passaram para

ele; e quando se aposentaram.

Ecomapa
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No Ecomapa, é possível perceber que a família se relaciona, principalmente, com o

trabalho, o lazer, a APAE, os amigos, a família extensa, a equipe médica, a igreja e a psicóloga

da Jéssica*. As relações da família entre o trabalho, o lazer, os amigos e a equipe médica são

relações de intensidade normal, as quais fornecem apoio a eles. Já as relações da família com a

APAE, a família extensa e a psicóloga da Jéssica* são relações de intensidade forte, que

fornecem apoio a eles e não são consideradas estressantes. A relação entre a família e a igreja,

por sua vez, é uma relação fraca e que requer esforço, isso porque os familiares declararam não

ter religião, ou até ter mas não seguir os ritos próprios da religião, como ir à igreja.

Discussão

Formas de enfrentamento

Antes de iniciar a discussão, faz-se necessário elucidar o seguinte: Jéssica* é filha de uma

irmã já falecida de Marcelo*, e ficou sob os cuidados dos avós em Goiânia até o falecimento

destes. Assim, ela passou a morar com Marcelo* e Patrícia* em Brasília e, somente nessa época,
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obteve o diagnóstico de deficiência mental leve, apesar de já ter havido desconfianças por parte

dos avós na época em que morou com eles.

Apesar de a familiar deficiente não ser filha biológica do casal e ter se juntado à família

já com 17 anos, foi necessária uma reestruturação familiar para incluí-la da melhor forma. Nesse

sentido, como explicam Boscolo e Santos (2005), os pais precisaram redefinir seus papéis e

reorganizar a família de forma a tornar Jéssica* integrante do meio familiar. Isso se torna visível

nos seguintes trechos extraídos de entrevistas com os curadores:

Chegou e a gente tinha que fazer, não tinha chance (PATRÍCIA*).

A gente foi aprendendo (MARCELO*).

A gente não sabia, não tinha como se ter uma avaliação do que tava acontecendo, era

preciso fazer. [...] Então o que mudou, não tem o que a gente definir, o que tinha que fazer ia

fazendo (PATRÍCIA*)

Além da chegada dela, a família também lidou com a questão de sua recém descoberta

deficiência, que gerou, no curador, o sentimento de negação elucidado por Boscolo e Santos

(2005), passando pelos quatro estágios até chegar na aceitação. A curadora relata que ela já sabia

da deficiência antes mesmo do diagnóstico, então não houve o momento de choque para ela.

Não, a gente já sabia, é só porque era o vovô e a vovó que cuidava (PATRÍCIA*).

Não, eu tava em fase de negação. [...] Eu, eu tava numa fase, eu tinha uma atitude assim

de negação, eu não aceitava que ela fosse deficiente. Eu achava que ela era normal, [...] ela

tinha uma certa dificuldade de relacionamento na escola, ficava mais isolada, o meu pai falava

isso pra mim e eu achava que era uma questão emocional que ela ia superar. Eu não tinha
20

consciência de que havia uma deficiência é, cognitiva, mais forte. Aí depois que ela veio pra cá,

e conversando com a psicóloga, que a psicóloga fez os testes todos lá com ela, e aí a psicóloga

veio conversar comigo, me explicou direitinho qual era a situação dela, aí caiu a ficha pra mim

(MARCELO*).

O filho mais velho do casal, Danilo*, que também foi entrevistado, compartilha a visão

da mãe sobre já ter certa desconfiança sobre o quadro de Jéssica* antes de ter o diagnóstico:

[...] eu acho que é algo que explicou muita coisa, sabe. Não é algo do tipo eu não estou

surpreso mas agora que vocês falaram algumas coisas começaram a encaixar melhor. Sei lá,

não foi exatamente aquela coisa ai meu Deus, tava totalmente no escuro, não [...] aí quando

veio o diagnóstico foi ok, ta, então a explicação é essa, pelo menos agora a gente já sabe o que

ta acontecendo, entendeu (DANILO*).

Dessa forma, percebe-se que a família não interpreta a chegada de Jéssica* como algo

negativo, apenas algo que deveria ser tomado conta naquele momento. Apesar de não

identificarem esse período como ruim, apenas trabalhoso, a família precisou fazer algumas

mudanças a fim de desenvolver habilidades para lidar com a chegada dela e com a recém

descoberta de sua deficiência, tais como trocá-la de escola, levá-la numa psicóloga e realizar

adaptações no trabalho.

Aí foi fazendo, aí botou no Leonardo e deu tudo errado, ela sofreu pra caramba. Pois é,

então ela sofreu pra caramba, foi uma loucura pra gente [...].Ela sofreu, sofreu, sofreu. Ela

chorava todo dia, foi um desespero. Aí que a gente “pum”, aí levou ela numa psicóloga e foi ela

que deu a dica. Aí a gente botou ela na escola Sol. Então, foi assim, foi fazendo (PATRÍCIA*).
21

O que mudou talvez foi o seguinte, porque por exemplo, eu era, eu trabalhava como

auditor do tribunal de contas da união e eu viajava muito antes dela vir pra cá, meu trabalho

era mais fazendo auditoria fora de Brasília, e quando ela veio eu parei de fazer auditoria, eu

passei a trabalhar só em Brasília, eu pedi pra não sair, pra não ser colocado em auditoria, e

isso mudou bastante, que eu passei a ficar mais em Brasília e não viajei mais praticamente,

então fiquei mais junto dos meus filhos, mais junto da família. Houve essa mudança, houve.

(MARCELO*).

Foi uma mudança positiva, pode-se dizer que foi positiva. Apesar de um pouco de

sacrifício pelo lado profissional (MARCELO*).

Assim, o papel dela aqui eu entendo que ela possibilita as pessoas daqui evidenciar,

mostrar o que têm de melhor, cada um, tanto o Gabriel*, quanto o Danilo*. Através da

Jéssica*, eles se revelam a parte positiva, a parte boa, a parte afetiva (PATRÍCIA*).

Ao realizar essa reestruturação, a família pôde proporcionar um ambiente acolhedor para

a Jéssica*, de forma que ela estabelecesse relações sociais e afetivas saudáveis e pudesse ter um

contexto favorável para se desenvolver (Dessen & Silva, 2000). Entretanto, é necessário,

também, que a família procure evitar uma postura superprotetora em relação à pessoa deficiente,

como evidenciam Dessen e Silva (2001).

Às vezes eu acho que meu pai, que meus pais são muito protetores, e eu não os culpo né,

até pela situação toda. Mas também meu pai se perder qualquer controlezinho ali do momento e

acontecer qualquer coisa que não esteja realmente no planejamento dele, ele... ele perde o

humor né [...]Então eu tento dar um pouquinho mais de independência pra Jéssica*, de vez em
22

quando eu peço pra ela pagar o cinema, ou pagar o lanche [...] eu acho bom até pra ela já ter

essa vivência né, controlada (DANILO*)

Então há esse tratamento? É, tem. Mas é porque também são situações bem específicas,

tipo, eu não... eu não sei se eu faria diferente sabe, entendeu. E de vez em quando parece que ele

exagera mais? Parece, mas aí também você pode... é... as vezes você pode justificar isso até

porque ela é uma menina e eu sou um menino. [...] Então tem essa também, isso é algo que...

isso é algo que influencia, então pode ser isso também. [...] Então há uma diferença sim. Se isso

seria algo realmente devido à situação específica da Jéssica*? Não sei [...] eu acho que eu não

faria diferente, mas que tem esse tratamento especial, tem. Se isso é um fator de discussão? Não,

tipo, não é algo que ta aberto a discussão, só acontece, vai ser assim, ponto (DANILO*).

Relações entre irmãos

Embora Jéssica* não seja irmã de fato de Danilo* e Gabriel*, a família os considera

como irmãos, o que justifica a inserção desta categoria no estudo. Danilo* é mais próximo de

Jéssica do que Gabriel*, o qual é apontado por todos os entrevistados como o membro mais

distante da família.

Dessen e Silva (2004) apontam que os irmãos de crianças deficientes possam sentir-se

frustrados ou injustiçados por não receberem o mesmo tanto de atenção dos pais quanto a criança

deficiente, o que pode gerar inimizade e menos proximidade entre os irmãos. Como no caso

apresentado Jéssica* e Danilo*, quando passaram a conviver como irmãos, já eram mais velhos,

não houve a questão da divisão da atenção parental por não ser algo de que Danilo* ainda

dependesse. Dessa forma, a atenção de seus pais ter se voltado à Jessica* foi interpretado, por

ele, como perfeitamente natural, e em nada afetou sua amizade e proximidade.


23

Tanto os pais de Danilo* quanto ele próprio, caracterizam sua relação com Jéssica* como

muito positiva. Relatam que ele ajuda muito nos cuidados com ela e está sempre à disposição

para o que for necessário, o que é citado por Dessen e Silva (2004) como um comportamento

comum de irmãos de crianças deficientes. Além disso, ele seria o maior responsável por garantir

atividades de lazer a ela. Entretanto, não por obrigação, e sim porque ambos têm o mesmo grupo

de amigos.

Ele ajuda muito quando ela, porque ela tem dificuldade inclusive pra se, é, orientar,

também dificuldades com é, abstração, por exemplo matemática, ela não sabe fazer troco. Então

ela tem uma, isso aí impede ela de ter uma vida, assim, normal né na, então o Danilo* é quem, o

meu filho mais velho, é quem praticamente assumiu essa parte lúdica de levar ela pro cinema,

levar ela pra sair com ele, onde ele vai ele leva ela. Então, é, a relação deles é muito, é,

próxima, e, assim, de muito cuidado com ela (MARCELO*).

Mas sábado, que é quando eu realmente... eu e a Jéssica* a gente já sai mais né, até

porque a gente tem outros amigos que aí o... o melhor encaixe pra diversão geralmente é sexta

de noite pra sábado [...]Geralmente o que que acontece, a gente vai pra cinema, vai pra

lanchonete né [...]Então acontece, e a Jéssica* vai junto (DANILO*).

[...] eu tento levar a Jéssica* entendeu, e esse tipo de coisa mesmo, são umas saídas

assim bem... que acaba sendo constante né. [...] a gente de vez em quando a gente sempre pede

“então Jéssica*, você quer ir pra onde hoje?” né. Quando o povo, principalmente pra

lanchonete né, quando o povo não ta com uma ideia específica “Jéssica*, então, onde é que

você quer ir hoje?” ah, daí ela vai “ah eu quero ir no Frans” ou então “ah eu quero isso”

entendeu, e aí fica nessa brincadeira (DANILO*)


24

Danilo* auxilia os pais, também, a promover a locomoção de Jéssica* ao trabalho, o que

costuma afetar sua rotina por exigir certa programação, o que é explicado por Dessen e Silva

(2004, apud Seltzer et al., 1997). Danilo* e os pais apontam que Gabriel*, apesar de também ter

uma boa relação com Jéssica*, é o último a quem se pode recorrer em casos de necessidade. Não

porque ele busque evitá-la, mas sim porque sua rotina é muito diferente da dos outros membros

da casa. Apesar disso, quando é realmente necessário, ele consegue se colocar à disposição para

ajudar.

É, eu basicamente cuido dela na ausência dos meus pais. [...] então a gente se prepara

tudo certinho e aí nesses horários eu realmente tomo café junto, vou lá, levo ela, pego né

quando possível, tudo mais e tudo mais. [...] A primeira pergunta sempre é “eu posso ir?”, eu

né, Danilo*. “O Danilo* pode levar?”, “se o Danilo* pode levar e trazer, ótimo. Plano B, o

Gabriel* pode levar?”. Geralmente o plano B não funciona. (DANILO*).

[...] o Uber dela é conectado já com o meu cartão de crédito, entendeu, naquele plano

família. Então toda vez que... toda vez ela já sabe né que quando ela usa o Uber eu to sabendo

(DANILO*).

Quando eu realmente posso né e encaixa tudo direitinho, sou eu que vou lá, pego ela, ela

me liga, e eu vou, deixo ela no trabalho e quando ela me liga de volta eu vou lá e pego.

(DANILO*).

É, o Gabriel* também tem muito cuidado com ela, mas é um pouco mais ausente por

causa do próprio jeito dele de ser, porque ele é músico, ele dorme tarde e acorda tarde, as vezes

ele não ta, não tem condições de dar um apoio, e ta sempre envolvido também com as atividades
25

dele nessa área de música, então ele nem sempre é possível ajudar. Mas sempre que ele pode,

ele também é bastante cooperativo, colabora com a gente (MARCELO*).

[...] quando o Gabriel* ta aqui ele faz o que eu faço entendeu. Ele gosta de ser a última

opção depois de todo mundo? É, entendeu. [...] se não tiver nenhuma outra opção além dele, ele

faz, aí você pode confiar nele, entendeu. Só que é o problema que até meu pai tem muito com

ele, que a minha mãe tem muito com ele, é que ele sempre quer ser a última opção, ele é o plano

final entendeu. Se nada mais funcionou, chama ele (DANILO*).

Tipo, é uma relação boa. Uma relação distante? É, entendeu. Mas não é uma relação

distante do tipo ele tenta evitar a Jéssica*, isso com certeza não, entendeu. É uma relação mais

distante do tipo “eu sou o mais distante da família, eu tenho minha vida que as vezes não passa

por aqui, e eu tento encaixar” entendeu. Mas não é nada realmente tipo ruim, ou não é nada

realmente do tipo é... antagonista (DANILO*).

Integração familiar e social

No que tange à forma que a família se organiza, Glat (1997) enaltece a importância que

tem o papel da família na integração social do indivíduo com deficiência mental. Para que haja a

integração social, é preciso haver, primeiro, a integração do indivíduo dentro da própria família.

Para isso, os familiares devem tratar a pessoa deficiente da maneira mais “normal” possível,

dentro de suas capacidades, a fim de que ela possa ter um papel ativo na sociedade e possa

usufruir dos mecanismos e recursos da comunidade em que está inserida. Dessa forma, a família

tem o papel fundamental de fornecer ferramentas para que o indivíduo deficiente realize o

máximo possível de atividades “normais” para sua faixa etária, integrando-se cada vez mais na

sociedade.
26

[...] ela foi pro Senac e fez aqueles cursos básicos de computação. Ela faz texto, ela

escreve, ela tem o espaço dela, o computador, ela faz tudo dessa parte. Então, eu acho que ela,

hoje, é uma pessoa adaptada, bem adaptada. Ela chegou a abrir conta, fui e sentei com ela,

criei a senha, e ela hoje movimenta a senha dela, usa o cartão, nunca aconteceu nada. Ela

recebe o dinheiro da APAE, que é o trabalho assistido, né, e ela administra tranquilo as coisas

dela [...] Ela se cuida, ela é super vaidosa, ela cuida das coisas dela, ela tem uma organização

no quarto dela... (PATRÍCIA*).

Ela se comporta melhor do que a maioria das pessoas, você pode ir com ela em

restaurante, em qualquer lugar, que ela sabe se comportar. Pode levar ela numa reunião social

que ela também se comporta. Ela é super discreta, até pelo jeito, a maneira de ser dela, que ela

é mais reclusa, mais tímida também né, então ela não se mete a falar bobagem, então é

tranquilo. Ela, nesse ponto, é o que eu falo, ela é mais normal, mais talvez emocionalmente

superior a maioria das pessoas (MARCELO*).

Ela é disciplinada, ela marca a oftalmologista dela, a ginecologista, ela marca tudo e vai

direitinho, dentista (PATRÍCIA*).

É, ela cuida direitinho dela, da rotina dela e do quarto dela. O quarto dela você precisa

ver, tudo nos lugares, tudo organizado, que eu acho também que foi uma coisa que minha mãe

que ensinou pra ela (MARCELO*).

A família traz, também, a importância que teve a APAE-DF na socialização da Jéssica*:

A gente tem a sensação que ela ta encaminhada. [...] E a APAE ela foi efetiva na parte

de instrumentalização da Jéssica*, de profissionalização. Ela ta incluída hoje através do

trabalho, então isso é importante pra ela ter a certificação, ela ir lá trabalhar, ela receber o
27

salário dela [...] E ela se sociabilizou, ela abriu pro mundo lá, e de uma forma segura, né, que é

o trabalho assistido. Então, ela vai pra lá, e a gente sabe que tem uma monitora, a gente sabe

que ela ta cuidada, a gente sabe que ela não ta vulnerável. Então isso é fortíssimo

(PATRÍCIA*).

Ela tem uma vida social lá (MARCELO*).

Isto posto, nota-se a importância que a integração familiar teve na integração social da

Jéssica*. Hoje, ela realiza atividades normais e esperadas para alguém de sua idade, como

trabalhar e sair com amigos, claro que com suas limitações. A família se encarrega, apenas, de

sua locomoção e de sua proteção, ou seja, ela é uma pessoa, de certa forma, independente, que se

vira relativamente bem sozinha, e tudo graças aos esforços familiares para que ela pudesse viver

uma vida “normal”.

Considerações Finais

Relacionamentos interpessoais, em sua maioria, são relações complexas, pois envolvem a

troca de sentimentos, pensamentos e experiências entre pelo menos dois indivíduos, os quais são

infinitamente subjetivos e singulares. A relação familiar, por ser a primeira a ser estabelecida, é

ainda mais complexa. Os graus de parentesco e os vínculos afetivos estabelecidos tornam essa

relação particularmente significativa (Dessen & Silva, 2014).

Apesar de todas as dificuldades que a família de uma criança deficiente mental possa vir

a enfrentar, como citado na literatura levantada neste trabalho, a família em questão neste estudo

enfrentou poucas. Isso, porque a pessoa com deficiência mental não era filha biológica do casal,

e só se juntou à família mais tarde. Dessa forma, não houve o período de choque e quebra de

expectativa dos pais; não houve o luto vivenciado pela família; não houve briga por atenção
28

entre os filhos; e etc.

Não obstante, houve, sim, a necessidade de adaptação e reestruturação da família como

um todo para receber essa nova integrante, como acontece com famílias que gestam uma criança

deficiente. Além disso, houve também o esforço da família para que a curatelada recebesse toda

a instrução necessária, dentro de seus limites; todo o apoio de instituições como a APAE-DF e de

amigos; e todas as ferramentas para que se profissionalizasse e pudesse se inserir no mercado de

trabalho.

Assim, entende-se que a família em questão, apesar de ter vivido uma experiência

bastante singular, conseguiu ajustar-se frente à adversidade. Tendo em vista a necessidade de

inserir a curatelada em uma sociedade que marginaliza os deficientes, a família não mediu

esforços para que a nova integrante estivesse rodeada de ferramentas e recursos para se

desenvolver, a fim de alcançar objetivos e viver de forma relativamente independente, tal qual

faria uma família que criou uma criança deficiente desde seu nascimento.

Com base no que foi levantado, recomenda-se que estudos futuros busquem aprofundar-

se mais nas relações entre familiares entre deficientes, tendo em vista a complexa gama de

contextos e circunstâncias envolvidas nestas relações. Além disso, recomenda-se trabalhar com

um número maior de famílias, a fim de levantar maiores dados e informações acerca deste tema.

Por fim, espera-se que o presente estudo sirva de inspiração para que novas pesquisas neste

campo sejam realizadas e valorizadas.


29

Referências

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expectativas de um grupo de pais de crianças com deficiência de audição. Distúrbios da

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Dessen, M. A., Silva, N. L. P. (2001). Deficiência Mental e Família: Implicações para o

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2001, Vol. 17 n. 2, pp. 133-141.

Dessen, M. A., Silva, N. L. P. (2003). Crianças com Síndrome de Down e suas Interações

Familiares. Universidade de Brasília. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2003, 16(3), pp. 503-514.

Dessen, M. A., Silva, N. L. P. (2004). O que significa ter uma criança com deficiência

mental na família?. Educar, Curitiba, n. 23, p. 161-183, 2004. Editora UFPR.

Dessen, M. A., Silva, N. L. P. (2014). Relações familiares na perspectiva de pais, irmãos

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Fiamenghi Júnior, G. A., Messa, A. A. (2007). Pais, filhos e deficiência: estudos sobre as

relações familiares. Psicologia, Ciência e Profissão, v.27, n.2, p. 236-245.


30

Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social. Editora Atlas S.A., São Paulo

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Glat, R. (1997). O papel da família na integração do portador de deficiência. Revista

brasileira de educação especial, Piracicaba, v. 02, n.04, p. 110-124.

Godoy, A. S. (1995). Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Uma revisão

histórica dos principais autores e obras que refletem esta metodologia de pesquisa em Ciências

Sociais. Revista de Administração de Empresas, v. 35, n. 2, p. 57-63 Mar./Abr. 1995, São Paulo.

Lima, M. A. D. S., Almeida, M. C. P. de, Lima, C. C. (1999). A utilização da observação

participante e da entrevista semi-estruturada na pesquisa de enfermagem.

Papaplia, D. E., Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano. Artmed Editora (12ª

ed.).

Sá, S. M. P., Rabinovich, E. P. (2006). Compreendendo a família da criança com

deficiência física. Revista brasileira de crescimento e desenvolvimento humano,16(1):68-84.


31

Anexos
32

Anexo 1 – Transcrição literal da entrevista com os curadores

Pesquisadora: As perguntas aqui elas não são muito direcionadas, é mais uma conversa mesmo do que vocês forem
trazendo; se faltar alguma coisa eu posso perguntar. Começa aqui respondendo a identificação. Quantas pessoas moram na casa?

Marcelo*: É… somos cinco.

Pesquisadora: Cinco.

Marcelo*: Eu, a Patrícia*, a Jéssica* e os dois filhos.

Pesquisadora: Uhum.

Marcelo*: O Danilo* e o Gabriel*.

Pesquisadora: Ta. Qual é a data de nascimento de vocês?

Marcelo*: O meu é 27 de abril de 53, 1953.

Patrícia*: 4 de março de 1955.

Pesquisadora: Dos filhos?

Patrícia*: 3 de maio de 82, 25 de abril de 84, e a Jéssica* 10 de março de 89.

Marcelo*: Eu quero esclarecer primeiro o seguinte, nós não somos os pais naturais da Jéssica*. Ah não? Não. Ela é
filha de uma irmã minha.

Pesquisadora: Aham.

Marcelo*: Que morreu quando ela nasceu.

Pesquisadora: Ah, entendi.

Marcelo*: Então ela foi criada até os 14 anos pelo meu pai e pela minha mãe, aí quando meus pais morreram aí eu
assumi o cuidado dela. Eu sou o curador.

Pesquisadora: Entendi. Ta. É, então tem muitas perguntas aqui que não vão caber. É. Você acompanhou de perto a
gravidez da sua irmã?

Marcelo*: Não.

Pesquisadora: Não, né? Ta. Então tem bastante coisa aqui que não vai caber. Ah, esse aqui dá. Como é a relação entre
os irmãos com ela?

Marcelo*: Olha, eu acho, assim, muito boa, principalmente entre o Danilo* e ela. Ele ajuda muito quando ela, porque
ela tem dificuldade inclusive pra se, é, orientar, também dificuldades com é, abstração, por exemplo matemática, ela não sabe
fazer troco. Então ela tem uma, isso aí impede ela de ter uma vida, assim, normal né na, então o Danilo* é quem, o meu filho
mais velho, é quem praticamente assumiu essa parte lúdica de levar ela pro cinema, levar ela pra sair com ele, onde ele vai ele
leva ela. Então, é, a relação deles é muito, é, próxima, e, assim, de muito cuidado com ela.

Pesquisadora: Com os outros irmãos também?

Marcelo*: É, o Gabriel* também tem muito cuidado com ela, mas é um pouco mais ausente por causa do próprio jeito
dele de ser, porque ele é músico, ele dorme tarde e acorda tarde, as vezes ele não ta, não tem condições de dar um apoio, e ta
sempre envolvido também com as atividades dele nessa área de música, então ele nem sempre é possível ajudar. Mas sempre que
ele pode, ele também é bastante cooperativo, colabora com a gente.

Pesquisadora: Entendi. E qual é a deficiência que ela tem?

Patrícia*: Ela não tem nada específico, ela tem, assim, vários sintomas genéricos.

Marcelo*: O diagnóstico dela é deficiência mental leve. Só que o seguinte, ela tem, é, ela não consegue se localizar. Se
soltar ela em qualquer lugar de Brasília ela não consegue voltar pra casa. E ela não tem, é, nenhuma habilidade com troco, por
33

exemplo, passar troco com dinheiro, ela não consegue administrar essa parte. Além de outras dificuldades também né, a
dificuldade de aprendizagem

Patrícia*: De atenção, se você dá dois comandos ela só pega o primeiro, essa parte de organização dela é muito
dispersa.

Marcelo*: Ela não tem abstração

Patrícia*: Ela não consegue seguir uma coisa, assim, logicamente encadeada, ela não consegue.

Pesquisadora: Entendi. É, o que mudou na vida de vocês depois que vocês assumiram a guarda dela? No trabalho, na
vida pessoal, na relação com os outros filhos…

Marcelo*: Olha, é até difícil assim, pra mim, identificar o que mudou, porque, na verdade...

Patrícia*: Chegou, e a gente tinha que fazer, não tinha chance. Aí foi fazendo, aí botou no Leonardo e deu tudo errado,
ela sofreu pra caramba. Pois é, então ela sofreu pra caramba, foi uma loucura pra gente, ela chegou...

Marcelo*: A gente não sabia da deficiência dela e eu pensava que era normal, que era só um problema emocional.

Patrícia*: Ela sofreu, sofreu, sofreu. Ela chorava todo dia, foi um desespero. Aí que a gente “pum”, aí levou ela numa
psicóloga e foi ela que deu a dica. Aí a gente botou ela na escola Sol. Então, foi assim, foi fazendo.

Marcelo*: A gente foi aprendendo.

Patrícia*: A gente não sabia, não tinha como se ter uma avaliação do que tava acontecendo, era preciso fazer.

Marcelo*: E ela era muito nova né.

Patrícia*: Aí no colégio Sol a gente já teve conhecimento da lei de inclusão, que não precisava lá no Leonardo ela ir
pro laboratório de química que ela não entendia patavinas e a professora ainda era grosseira, então, passamos por tudo isso. Aí
quando chegou, porque a informação, a pessoa que trabalha com desenvolvimento humano é necessário que ela tem informação,
então quando chegou no colégio que era menorzinho, que tinha informação a respeito da inclusão, do respeito, da
individualidade, tinha uma outra orientação, aí foi mais confortável, mais saudável pra ela. Então o que mudou, não tem o que a
gente definir, o que tinha que fazer ia fazendo.

Marcelo*: O que mudou talvez foi o seguinte, porque por exemplo, eu era, eu trabalhava como auditor do tribunal de
contas da união e eu viajava muito antes dela vir pra cá, meu trabalho era mais fazendo auditoria fora de Brasília, e quando ela
veio eu parei de fazer auditoria, eu passei a trabalhar só em Brasília, eu pedi pra não sair, pra não ser colocado em auditoria, e
isso mudou bastante, que eu passei a ficar mais em Brasília e não viajei mais praticamente, então fiquei mais junto dos meus
filhos, mais junto da família. Houve essa mudança, houve.

Pesquisadora: Positiva, né?

Marcelo*: Pra mim, é. Foi uma mudança positiva, pode-se dizer que foi positiva. Apesar de um pouco de sacrifício
pelo lado profissional.

Patrícia*: Assim, o papel dela aqui eu entendo que ela possibilita as pessoas daqui evidenciar, mostrar o que têm de
melhor, cada um, tanto o Gabriel*, quanto o Danilo*. Através da Jéssica*, eles se revelam a parte positiva, a parte boa, a parte
afetiva.

Marcelo*: Mais humana.

Patrícia*: Acho que ela teve esse grande papel aqui.

Marcelo*: É, ela mudou tudo aqui em casa, porque até a casa a gente mudou. Porque a gente tinha uma casa com três
quartos, e aí quando ela chegou eu derrubei tudo pra poder colocar um quarto pra ela, fazer uma suíte pra ela, então botei tudo
abaixo, reconstruí a casa (risos). Então, fisicamente foi uma mudança total.

Patrícia*: Agora, ela é uma pessoa que não exige nada. Ela, assim, é muito preocupada, ela ta numa fase que eu acho
que ela melhorou muito de um ano pra cá e que ela tem uma observação muito aguçada. Ela ta começando a observar as coisas,
questionar as coisas. Mas assim, ela é muito tranquila, muito preocupada, então ela é um acréscimo bom, uma coisa positiva.

Pesquisadora: Como vocês falaram, vocês só descobriram a deficiência dela mais tarde, né?

Marcelo*: Sim.
34

Patrícia*: Não, a gente já sabia, é só porque era o vovô e a vovó que cuidava.

Marcelo*: Não, eu tava em fase de negação (risos).

Patrícia*: Ela foi muito bem cuidada, é uma pessoa que tem essa qualidade de vida hoje porque o vô sempre levou na
psicóloga, ele teve as decisões acertadas, ela foi sempre bem cuidada, tanto neurologicamente quanto psicologicamente, então ela
teve muito cuidado.

Marcelo*: Mas ela veio pra cá ela não tinha ainda nem 15 anos.

Patrícia*: 17.

Marcelo*: 17? É, 17 anos. Eu, eu tava numa fase, eu tinha uma atitude assim de negação, eu não aceitava que ela fosse
deficiente. Eu achava que ela era normal e que tava simplesmente, como ela vivia só com meu pai e minha mãe, que eram dois
velhos, já com idade né, e que eu achava que a deficiência dela era por conta disso, por causa dessa convivência simplesmente
com dois idosos em casa, e ela tinha uma certa dificuldade de relacionamento na escola, ficava mais isolada, o meu pai falava
isso pra mim e eu achava que era uma questão emocional que ela ia superar. Eu não tinha consciência de que havia uma
deficiência é, cognitiva, mais forte. Aí depois que ela veio pra cá, e conversando com a psicóloga, que a psicóloga fez os testes
todos lá com ela, e aí a psicóloga veio conversar comigo, me explicou direitinho qual era a situação dela, aí caiu a ficha pra mim.
Aí eu falei realmente eu não tenho como, mas eu tentei botar ela em Kumon pra poder tentar recuperar essa parte de conteúdo,
mas não deu certo né, não tinha evolução.

Patrícia*: Mas ela, por exemplo, ela foi pro Senac e fez aqueles cursos básicos de computação. Ela faz texto, ela
escreve, ela tem o espaço dela, o computador, ela faz tudo dessa parte. Então, eu acho que ela, hoje, é uma pessoa adaptada, bem
adaptada. Ela chegou a abrir conta, fui e sentei com ela, criei a senha, e ela hoje movimenta a senha dela, usa o cartão, nunca
aconteceu nada. Ela recebe o dinheiro da APAE, que é o trabalho assistido, né, e ela administra tranquilo as coisas dela.

Marcelo*: Mas a gente tem que supervisionar, de vez em quando ela tem uma dúvida e a gente tem que olhar e ver.

Patrícia*: Mas é o de menos. Ela se cuida, ela é super vaidosa, ela cuida das coisas dela, ela tem uma organização no
quarto dela...

Marcelo*: Super organizada...

Patrícia*: Tudo direitinho organizado.

Marcelo*: Emocionalmente eu acho ela mais normal do que eu (risos), só que o problema é essa parte cognitiva que é
limitada. Mas se você olha assim você não diz que ela tem problema nenhum. Ela se comporta melhor do que a maioria das
pessoas, você pode ir com ela em restaurante, em qualquer lugar, que ela sabe se comportar. Pode levar ela numa reunião social
que ela também se comporta. Ela é super discreta, até pelo jeito, a maneira de ser dela, que ela é mais reclusa, mais tímida
também né, então ela não se mete a falar bobagem, então é tranquilo. Ela, nesse ponto, é o que eu falo, ela é mais normal, mais
talvez emocionalmente superior a maioria das pessoas.

Pesquisadora: Interessante. Vocês sabem falar alguma coisa sobre como foi a gravidez dela?

Patrícia*: Eu sei. A mãe dela tinha vida vegetativa. Aí ficou grávida, quando faltou a menstruação. Como que era a
dinâmica: minha sogra cuidava dela, aí conseguiu uma cuidadora, e ela começou a ficar com essa cuidadora. A primeira vez que
minha sogra veio aqui, deixou ela, a minha sogra não saia pra lugar nenhum.

Marcelo*: A mãe dela, ela ta falando. Ela ta falando da mãe dela.

Patrícia*: Aí quando ela voltou, faltou a menstruação, aí ela levou ela no médico. A médica, ao invés de cuidar e ver,
virou pra minha sogra e ficou falando que era pra ter paciência, coisa de espiritismo, que era normal faltar porque ela tomava
remédio anticonvulsivante, e ficou falando né essa preleções. Aí minha sogra voltou. Esse espaço desse período até ela nascer, na
minha cabeça, eu não tenho informação. É, não sei se minha sogra tinha consciência, não se falava. Aí um dia ela me ligou
dizendo que a Joana* tinha acabado de ter uma nenê, aí a gente foi pra lá.

Marcelo*: E foi uma surpresa.

Patrícia*: O que que foi essa gravidez: eu acho que ela teve desnutrição.

Marcelo*: Na primeira fase da gravidez.

Patrícia*: Acho que ela ficou desnutrida, porque era assim: a comida era dada na boca, sabe.

Pesquisadora: E o que ela tinha?


35

Marcelo*: Ela teve meningite aos nove meses, então ela ficou totalmente paralisada, ela tinha paralisia cerebral. Então
ela não caminhava e nem conseguia colocar a comida na própria boca. E logo depois que a Jéssica* nasceu ela morreu.

Pesquisadora: Não sabem quem é o pai?

Marcelo*: Não, ninguém sabe. A gente desconfia que tenha um primo meu que teve lá durante algum tempo, um cara
que é meio louco, meio louco não, é louco, inclusive teve tratamento psicológico. A gente supõe que tenha sido ele, mas é, meu
pai e a minha mãe não quiseram me dizer nem dizer pra nenhum dos meus irmãos.

Patrícia*: Mas eles também não sabiam.

Marcelo*: Com medo da gente é, tomar alguma atitude mais drástica, né, de vingança ou alguma coisa. Então eles por
isso eu acho que eles não disseram. Morreram e eu não sei quem é, na verdade. Desconfio que é esse mas a gente não sabe,
porque esse cara teve lá, mas eu não sei se era ele ou o pai dele, talvez, não sei. Porque eles eram parentes da minha mãe e minha
mãe morava em Goiânia com meu pai, e eles moravam no interior. E quando algum deles tinha algum tratamento em Goiânia,
vinham e ficavam na casa do meu pai.

Pesquisadora: Entendi. Deixa eu ver se tem mais alguma coisa.

Patrícia*: Então o importante aí é a desnutrição na gravidez.

Marcelo*: Eu acho que foi isso aí, o problema talvez tenha sido isso, a falta de desnutrição prejudicou o
desenvolvimento do cérebro na fase inicial. É uma hipótese também né, a gente não tem certeza.

Patrícia*: É muita coisa assim, é essa empregada também, ela ficava numa suíte, e quando foi ver acho que ela ficava
com preguiça de dar comida e jogava na janelinha. Tinha um monte de comida assim, muita.

Marcelo*: Porque meu pai e minha mãe também já tavam de idade, meu pai então confiou nessa cuidadora. A gente
ficava pra cá, morando em Brasília. Era uma fase que eu tava também, tanto eu como a Patrícia* e os outros meus irmãos
estavam numa fase de crescimento dentro da profissão, cada um. Então a gente não tinha muito tempo pra dedicar, pra dar
atenção. Então a gente dava o apoio que a gente podia dar, até financeiro, contratava pessoas, mas a gente não tinha controle
sobre essas pessoas que cuidavam dela, da minha irmã né. Então quando a Jéssica* nasceu foi uma surpresa pra todos nós.

Pesquisadora: Eu acho que dessa parte eu acho que foi. Deixa eu ver. Todos os filhos são maiores de idade né?

Marcelo*: Sim.

Pesquisadora: Ta. É, eu queria saber também os níveis de escolaridade de todo mundo da família.

Marcelo*: Todos têm nível superior, menos a Jéssica*, que tem só o...

Patrícia*: Ela tem a extensão né da UnB.

Marcelo*: É, ela tem um treinamento lá da UnB.

Patrícia*: Que equivale a uma extensão universitária.

Marcelo*: Mas o Danilo*, esse aqui, é, ta fazendo doutorado na área de comunicação, ele é professor da fundação, já é
mestre.

Pesquisadora: Nossa, bastante coisa (risos).

Marcelo*: É, ele já tem mestrado já.

Patrícia*: E a Jéssica* tem um gato, né Jéssica*? Você tem a Basté.

Marcelo*: O outro meu filho é formado em administração, mas ta se formando em música também lá na escola de
música (risos), que a vocação dele é pra música.

Pesquisadora: Aham. Hum. Qual a ocupação atual dos membros da família?

Marcelo*: Olha, eu sou aposentado, minha mulher é aposentada, o Danilo* é professor da fundação educacional, e o
Gabriel*...

Patrícia*: Ta fazendo escola de música, ele formou em administração na UnB.

Marcelo*: Ele trabalhou um tempo mas aí largou pra poder se dedicar só a música.
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Pesquisadora: Uhum. Danilo* é o mais velho?

Marcelo*: Danilo* é o mais velho.

Pesquisadora: Ta. É… a família de vocês segue alguma religião?

Marcelo*: Ah, eu não sigo não, nem meus filhos.

Patrícia*: Ninguém segue.

Marcelo*: A Patrícia* se diz católica, vai na igreja (risos), reza muito (risos).

Pesquisadora: Os filhos, algum tem alguma religião?

Marcelo*: Acho que não.

Patrícia*: A Jéssica* é espírita.

Marcelo*: É, espírita (risos). Ela é católica, foi batizada, mas gosta de ler livros espíritas.

Pesquisadora: O aniversário dela é 10 de março né?

Marcelo*: Isso, 10 de março.

Pesquisadora: Ta, anotei certinho então. Tem uns questionários aqui, eu imprimi um pra cada um, pra vocês irem
respondendo.

Marcelo*: Certo.

Pesquisadora: É… se vocês tiverem alguma dúvida, qualquer coisa pode perguntar.

Marcelo*: Ok.

Fazem os questionários.

Pesquisadora: É... a gente tem mais umas coisinhas aqui. Essa parte aqui ela chama genograma, ela basicamente é uma
árvore genealógica da família de vocês. E eu pensei da gente fazer dos dois, né, porque tem que subir até os avós de vocês, então
avós, pais, vocês e filhos. Aí eu queria que vocês falassem só um pouquinho sobre os pais, os avós de vocês, é, se tão vivos,
quantos anos têm, os nomes, tudo mais.

Patrícia*: Eu acho que no caso seria só dele né?

Pesquisadora: Ah sim, aham.

Marcelo*: Olha, os meus pais já morreram. Meus avós, eu conheci apenas uma avó, a materna. E o meu avô materno
morreu quando a minha mãe tinha 4 anos de idade, então eu só tenho uma vaga ideia de como ele era. Já a minha avó por parte de
pai morreu, é, dois anos antes de eu nascer. E o meu avô por parte de pai morreu quando o meu pai tinha 7 anos. Então, é…
dizem que eu sou muito parecido com ele, sou muito semelhante. Então as pessoas que o conheceram diziam que eu era uma
cópia dele, inclusive certos gestos que eu tenho dizem que ele também tinha, hábitos que ele tinha que eu também tenho né. Mas
tenho pouca informação sobre eles. Todos eram nordestinos, eram lá do Maranhão. Meu avô e minha avó eram maranhenses por
parte de pai e por parte de mãe também, do sul do maranhão.

Patrícia*: Eu acho que ela quer saber se tem algum histórico.

Pesquisadora: Tudo que tiver pra falar.

Marcelo*: Não, não tem. Histórico de deficiência na família que eu saiba só teve um irmão do meu pai, mas era meio-
irmão dele, não era irmão mesmo. Porque o pai do meu pai ele se casou e teve 8 filhos, e aí ficou viúvo. Aí casou em segunda
núpcias com a minha avó e nasceu o meu pai. Então tinha um meio-irmão do meu pai que, é, por nome Vincente*, que ele era
poeta, era escritor, escrevia poesias, morava em Belém e lá ele ficou louco e morreu lá, mas muito antes de eu… eu não cheguei a
conhecer. Era irmão do meu pai. Os outros irmãos do meu pai todos são normais, tranquilo, nenhum teve nenhum problema.

Pesquisadora: Estão vivos?

Marcelo*: Não, nenhum vivo mais. A última irmã dele morreu ano passado com 99 anos, e os meus tios por parte de
mãe todos já morreram. Minha mãe era a penúltima de todos os irmãos então todos os irmãos dela já morreram, mas não tinha
nenhum deficiente. Teve, assim, é… entre os sobrinhos, entre os meus primos houve vários casos de deficiência mental. Mas é
loucura, esquizofrenia. Teve vários casos de esquizofrenia, não era bem deficiência, era mais um problema de um diagnóstico
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que hoje eu não sei bem como classificar, mas eles diziam na época que era esquizofrenia. É… mas entre a geração anterior não
teve nenhum caso.

Pesquisadora: Quantos irmãos você tem?

Marcelo*: Nós éramos sete irmãos. E três morreram, nós somos quatro agora.

Pesquisadora: E eles todos moram aqui em Brasília?

Marcelo*: Não. Um mora em Goiânia, o outro mora em Goiás Velho, e o outro mora em Aruanã, em Goiás. Porque
meu pai veio pra Goiânia e eu vim pra Brasília pra estudar em 72, e meus irmãos estudaram em Goiânia, se formaram em
Goiânia.

Pesquisadora: E todos eles têm filhos?

Marcelo*: Todos têm filhos, tranquilo, normais. O meu irmão, tem um irmão que é juíz federal, o outro é oficial de
justiça lá em Aruanã, e um outro trabalha na receita lá em Goiás Velho.

Pesquisadora: E vocês se veem com frequência?

Marcelo*: Vê, a gente se vê com frequência. De vez em quando eu vou lá, é tudo muito perto né, Goiás Velho é… eu
gosto muito de ir pra Goiás Velho, eu pego a estrada de terra aí, eu gosto de andar com Jipe, aí eu vou pela BR 70, vou até lá, e é
um irmão que é o segundo né, que é com quem eu tenho mais afinidade também, então eu vou muito lá em Goiás Velho.

Pesquisadora: É o mais próximo, né?

Marcelo*: É. Esse é o mais próximo.

Pesquisadora: Tem alguma desavença na família? Alguém que vocês não gostem, não se deem bem, alguma briga?

Marcelo*: Não. É… tem, mas coisa do passado né. Antes, quando eu ainda era menino teve um primo meu matou um
irmão meu. Então desde essa época a gente nunca mais teve nenhum contato com essa… com a família desse primo. Mas na
época, o meu irmão que morreu era mais novo do que eu um ano, ele tinha 21 anos e eu tinha 22, e os dois éramos estudantes da
UnB. Eu fazia Engenharia Elétrica e ele fazia Geologia. Então nas férias, lá na cidade onde a gente morava um primo matou esse
meu irmão. Aí, com isso a gente nunca mais teve nenhum contato com ele.

Pesquisadora: Entendi. Ta, eu acho que isso deu. Agora o Ecomapa, que eu queria fazer com vocês, ele é mais sobre a
família, assim, no geral. São instituições que são importantes pra família de vocês, então o trabalho, faculdade dos filhos, talvez
alguma igreja, ou então a própria APAE, eu queria que vocês pontuassem quais são os fatores externos, lugares externos
importantes pra família de vocês e como é a relação com eles, se é uma boa relação, se é fraca, se é forte, se é turbulenta, algum
membro da família também.

Marcelo*: Não, a família é importante e a gente tem uma relação bastante forte com a família, tanto a minha família
como a família da minha mulher. As irmãs dela sempre vêm aqui e a gente tem um contato bastante próximo de muita amizade,
inclusive. Eu com os irmãos dela, e também com os meus irmãos a gente não tem muito problema, nenhuma inimizade assim que
impeça um de falar com o outro nem nada de se entender não.

Pesquisadora: Uhum. A APAE vocês consideram importante?

Marcelo*: A APAE eu acho importante, é muito importante.

Patrícia*: E pra gente sabe porque? A gente tem a sensação que ela ta encaminhada. Porque antes ficava assim aquele
sabe “mosca voa”? Você fazia mas… desorientado. E a APAE ela foi efetiva na parte de instrumentalização da Jéssica*, de
profissionalização. Ela ta incluída hoje através do trabalho, então isso é importante pra ela ter a certificação, ela ir lá trabalhar, ela
receber o salário dela...

Marcelo*: Ela tem uma vida social lá.

Patrícia*: Isso aí foi muito importante.

Marcelo*: Ter contato com as outras pessoas.

Patrícia*: E ela se sociabilizou, ela abriu pro mundo lá, e de uma forma segura, né, que é o trabalho assistido. Então, ela
vai pra lá, e a gente sabe que tem uma monitora, a gente sabe que ela ta cuidada, a gente sabe que ela não ta vulnerável. Então
isso é fortíssimo.
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Marcelo*: Na verdade a APAE ela tem o know how de tratar com deficiente, se existe alguém que sabe o que fazer
com deficiente no Brasil é a APAE, principalmente essa de Brasília que eu conheço a orientadora pedagógica, a doutora Isabela*,
que é uma pessoa que passou a vida estudando isso, se dedicou a isso e sabe exatamente o que ta fazendo. E, inclusive, ela
prepara as pessoas pra isso, todas as pessoas que tão lá na APAE que cuida dos deficientes foram preparados dentro de uma
escola e sabem como e o que têm que fazer, sabem como agir. Porque é uma tarefa multidisciplinar, ali tem psicólogo, tem
pedagogo, tem uma porção de gente que é cada um fazendo um pouco né. Então é importantíssimo aquilo ali, eu creio que
infelizmente o governo não tem condições de organizar uma instituição com a mesma composição e com a mesma filosofia,
talvez. Talvez não seja possível para o Estado criar uma instituição como a APAE. Então, infelizmente, a gente vai ter que
depender de uma organização não-governamental como é a APAE criada pelos pais e amigos dessas pessoas deficientes que é…
em associação com essas pessoas que têm amor pela causa e estudam, então criaram um ambiente em que eles podem se
desenvolver e tirar o melhor deles. A verdade é essa. Se algum dia né, no futuro, o Estado brasileiro quiser cuidar dos deficientes,
que são muitos e que estão desassistidos, vai ter que aprender com a APAE, a verdade é essa.

Pesquisadora: Tem mais alguma coisa que vocês queiram incluir, alguma igreja, algum médico que é importante pra
família de vocês?

Marcelo*: Bem, os médicos sempre são importantes né, pra todas as famílias (risos).

Patrícia*: É quem socorre a gente, né.

Marcelo*: É, é quem socorre. Os psicólogos foram sempre muito importantes, foram as psicólogas que nos orientaram,
elas que nos deram os caminhos do que fazer né.

Pesquisadora: E ela continua indo no psicólogo?

Marcelo*: Continua, ta indo.

Patrícia*: Lá no da APAE ela ta indo.

Marcelo*: É, no da APAE ela vai. Quando precisa, vai. Mas cada vez ela ta menos dependente disso, ela ta mais
tranquila.

Patrícia*: Ela é disciplinada, ela marca a oftalmologista dela, a ginecologista, ela marca tudo e vai direitinho, dentista.

Marcelo*: Vai, ela me avisa no dia e eu vou, levo ela.

Patrícia*: Ela que toma conta.

Marcelo*: É, ela cuida direitinho dela, da rotina dela e do quarto dela. O quarto dela você precisa ver, tudo nos lugares,
tudo organizado, que eu acho também que foi uma coisa que minha mãe que ensinou pra ela.

Patrícia*: É, ela foi muito bem cuidada. Até a parte de nutrição.

Marcelo*: É, ela também cuida, ela vive lendo na internet.

Patrícia*: Não, não é isso, essa parte de nutrição às vezes na mamadeira ela botava uma determinada coisa pra
recuperar parte da desnutrição dela, entendeu? Era com massinha especial, com folha de… aquelas misturinhas de nutrição, foi
tudo bem diferenciado.

Marcelo*: É, a partir do dia que ela nasceu então o que aconteceu foi antes do nascimento, a deficiência vem da falta do
que aconteceu antes aí. Mas depois que ela nasceu, não, ela foi bem cuidada. Meu pai e minha mãe cuidavam dela muito bem e
ela tinha uma vidazinha tranquila, tinha os melhores colégios lá de Goiânia, sempre frequentou sempre com a orientação de
psicólogo e pedagogo que ajudava também ela nos deveres e tudo né, nessas aulas fora da... na aula particular né, ela sempre teve
aula particular.

Patrícia*: Ela tem o segundo grau, né. O segundo grau ela fez aqui, mas já pela lei da inclusão. Essa parte de
matemática, física, química, elas são substituídas por um outro tipo de atividade.

Pesquisadora: Tem mais alguma outra coisa que é importante pra família como um todo?

Marcelo*: Não, a gente não tem, assim, como é que fala… não temos uma frequência de ir. Eu vou na igreja porque eu,
apesar de não ter religião e até me dizer ateu, mas eu não tenho nada contra a religião. Tenho amigos religiosos, amigos que são
muito religiosos, e eu frequento a igreja lá, vou lá nas comemorações da igreja e as vezes levo ela. Não impeço ninguém, meus
filhos se quiserem seguir qualquer religião, pra mim, tudo bem, não tem nenhum problema, eu sou bastante aberto nessa parte. Eu
não acredito, mas se você quiser acreditar, tudo bem (risos).

Patrícia*: Mas, é isso.


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Marcelo*: É isso (risos).

Pesquisadora: Vocês falaram que ela é mais reclusa né, mais tímida, como que foi o relacionamento dela de amizade,
algum relacionamento amoroso, algo do tipo?

Patrícia: Não, ainda não.

Marcelo*: Não. Ela tem… inclusive, eu conversei isso com o médico que é o que eu levava ela, que é o doutor
Marcos*, e ele achava que ela tinha síndrome de Asperger. A síndrome de Asperger, as pessoas não gostam de comentar. Ele
acabou vendo que ela não tinha, mas achou também que ela podia ter a síndrome de Tourette. Eu conversei bastante com o
médico sobre isso e eu falei pra ele, porque eu convivo com ela, que ela não tem essa síndrome de Tourette, ela não fala porcaria,
não fala bobagem. Aliás, pelo contrário, ela é muito, assim, cuidadosa com o que fala, ela não fala palavrão, não fala nada. Então
eu acho que não é síndrome de Tourette, mas ela tem uma resistência, ela é amorosa, mas se você for, por exemplo, abraçar ela,
ela vira o rosto, ela as vezes empurra o cotovelo, mesmo com pessoas que ela tem grande afetividade. Então essa parte não
desenvolveu nela.

Patrícia*: Eu acho ela super afetiva. As vezes eu to num lugar e ela chega abraçando, ela é muito afetiva.

Marcelo*: Agora, toda a minha família é assim também. A minha mãe era assim, ela não tinha muito de… a minha
família, uma família de nordestinos e, provavelmente, de decendência misturada de negro com português, ele não tem esse
costume do italiano, do alemão, do europeu né, do imigrante europeu que veio pro Brasil, que eles tem muito costume de
demonstrar em palavra que ama e adora né, então a minha família não era disso. Mas a gente sabia, por exemplo, o meu pai não
dizia ai eu gosto de você, mas eu sabia que podia contar com ele. E na hora que eu precisava as vezes até sem eu saber ele tava
cuidando de mim. A minha mãe do mesmo jeito, ela não era de chegar, abraçar e beijar, mas ela cuidava direitinho. Então talvez
seja o nosso jeito de ser, que a gente aprendeu a ser dessa forma, e que talvez alguém que é de fora, de outra cultura, pode achar
estranho, mas é normal pra nós (risos).

Pesquisadora: Por último, essa é a última parte, ta acabando (risos). Tem o ciclo de vida, que seria como fazer uma
linha cronológica da vida de vocês, então eu queria que vocês fossem me falando momentos importantes né, quando vocês
nasceram, quando se conheceram, quando casaram, como foi ter o primeiro filho, tentar ir colocando mais ou menos numa ordem
pra gente conseguir fazer uma linha.

Marcelo*: Bem, nós somos da mesma cidade. Você mudou pra lá quando?

Patrícia*: Eu tinha 6 anos.

Marcelo*: É, tinha 6 anos quando ela mudou pra lá. Então eu conheço ela desde menina. Eu vim pra Brasília pra
estudar e aí quando eu voltei, eu tinha o que… vinte anos talvez. Não, vinte e dois anos. Quando eu tinha 22 anos é que a gente
começou o namoro. Aí logo depois, em 76, ela veio pra Brasília. Aí com ela em Brasília a gente continuou. Aí quando eu me
formei em 78, a gente continuou juntos namorando e em 81 nós nos casamos. Aí em 82 nasceu meu primeiro filho, que é o
Danilo*. Em 84 nasceu o Gabriel*, e aí já encerramos, não queríamos mais ter filhos, queríamos só dois. Aí só em 2007, não,
2006 que a Jéssica* veio, com a morte da minha mãe, aí ela veio morar com a gente. Aí completou a família (risos).

Pesquisadora: E como foi ter o primeiro filho pra vocês?

Marcelo*: Olha, pra mim foi ótimo. Era tudo que eu queria, assim, pra mim foi uma grande alegria. As fases que eu me
lembro, assim, com felicidade da minha vida foi quando ele era pequeno, que eu saía com ele, cuidava. Isso com os dois né, que a
gente viajava pra praia, deu muito trabalho, deu muita preocupação, mas foi um período de muita felicidade né, pra mim.

Patrícia*: É, foi bem tranquilo.

Pesquisadora: E a adolescência deles, como foi?

Marcelo*: Foi tranquila também, não teve nenhum problema não.

Pesquisadora: Nenhuma dificuldade?

Marcelo*: Não. O mais novo ainda teve algumas dificuldades, que ele entrou na universidade muito cedo, muito novo,
com 17 anos. E ele entrou pra Engenharia, e como costuma acontecer com quem entra pra Engenharia, não consegue enfrentar
aquela matemática muito forte né, ele terminou desistindo. Aí ele fez o vestibular e passou pra Administração e terminou o curso
de Administração. Então esse foi o único, assim… eu acho que é uma frustração pra ele não ter terminado a Engenharia, mas ele
não fala também, ele acha que o negócio dele é música e, pra ele, a vida é música. Agora, o Danilo* não, o Danilo* sempre… ele
nunca se interessou pela parte de ciências e de matemática, de ciências exatas, ele sempre gostou de desenhar, desenho animado,
ele sempre escreveu bem, gostava de escrever, então ele foi pro lado da comunicação. Ele é formado em Inglês.

Patrícia*: É, Letras Inglês.


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Marcelo*: Ele sempre quis Letras.

Patrícia*: Mas o mestrado dele é em literatura.

Marcelo*: Ele tem o mestrado em literatura e ta fazendo o doutorado.

Patrícia*: Ta fazendo o doutorado também em literatura.

Pesquisadora: Teve alguma viagem que foi marcante pra vocês? Algum falecimento de algum parente, alguma coisa
marcante?

Patrícia*: Assim, a gente é meio assim… normal.

Marcelo*: Não, marcante foi o falecimento dos meus pais, pra mim foi muito marcante. Principalmente do meu pai em
2003, e a minha mãe em 2006.

Patrícia*: Meu pai, quando faleceu, ele já tava tão doente, ele sofreu tanto, aí parece que foi assim, meio natural.

Marcelo*: O pai dela também quando morreu e a mãe dela quando morreu também foi muito chocante. E o que mais
me chocou também foi a morte da minha irmã em 2012. Eu tinha duas irmãs, uma que é a mãe da Jéssica* e outra irmã. E em
2012 agora ela sofreu um AVC e morreu, então isso foi extremamente chocante pra mim também.

Patrícia*: E ela era nova. Ela era nova ainda, era bem sucedida, sempre foi muito estudiosa, falava várias línguas, então
era uma pessoa muito bem preparada e infelizmente sofreu esse AVC e morreu de repente. Então isso aí também foi um baque
duro pra mim, mas agora já em 2012 eu já tava com uma certa idade já, e a gente nunca ta preparado pra isso né, a gente espera
que os irmãos mais novos morram depois da gente né (risos). O meu pai também, a morte do meu pai e da minha mãe foi muito
chocante, esperava que eles vivessem mais, mas…

Pesquisadora: Vocês dois são aposentados, certo?

Marcelo*: Certo.

Pesquisadora: Como foi a aposentadoria pra vocês?

Patrícia*: Eu aposentei duas vezes. Aposentei a primeira vez e voltei a trabalhar, aí a segunda vez foi normal, parece
que fechou. Tava na hora, então foi bem tranquilo. Eu faço outras coisas, faço canto coral, sempre eu tô fazendo alguma coisa.
Tem 2 anos que eu me aposentei, já fiz uma formação, fiz um curso de dinâmica energética do psiquismo, eu sou curiosa por essa
parte comportamental. Então, pra mim, foi assim. Fechou o ciclo e tudo bem.

Pesquisadora: Você trabalhava com o que?

Patrícia*: Processamento de dados. Então foi bem arrumadinho, bem fechadinho.

Marcelo*: É… trabalhei primeiro como engenheiro durante algum tempo, aí depois eu fiz concurso e passei no
concurso pro tribunal. Aí trabalhei 25 anos no tribunal, completei o tempo pra… completei os 35 anos de serviço e me aposentei,
porque achei que não valia a pena ficar. Até porque eu precisava também de um tempo assim… eu queria ter essa experiência de
ficar só, de estudar o que eu bem entendesse, de ler o que eu bem entendesse, escrever da maneira que eu bem… e com essas
possibilidades de hoje de você ter um computador e ta sempre ligado no mundo, eu acho que pra quem se aposenta e não ta mais
preocupado em ganhar dinheiro pra comer nem pra se vestir né, ta tranquilo, é a melhor coisa do mundo é ficar aposentado e ler o
que bem entende, estudar o que bem entende (risos). Então eu acho que isso é ótimo.

Pesquisadora: Os filhos todos moram aqui, né?

Marcelo*: É, todos moram aqui em casa ainda. Talvez não saiam tão cedo porque não vejo nenhum com algum
compromisso sério (risos). Então provavelmente ainda vão ficar aí por algum tempo (risos). Mas eu não tenho nenhuma pressa
disso não, eu gosto deles estarem aqui em casa, então pra mim é ótimo. A gente tem uma convivência muito boa, eu também
gosto de tocar né, então quando meu filho ta as vezes a gente troca ideia sobre música, com meu outro filho eu troco ideia sobre
filosofia, eles me orientam também na parte de informática.

Pesquisadora: Gente, é isso. Terminamos. Muito obrigada, viu? Pela paciência. Eu sei que foi muita coisa, mas me
ajudou demais. Muito obrigada.
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Anexo 2 – Transcrição literal da entrevista com o filho mais velho

Pesquisadora: Aqui tem um questionário que você vai marcando de 1 a 5, de discordo fortemente a concordo
fortemente; as perguntas tem mais a ver com a sua relação com a sua irmã, aí você vai marcando. O que você achar que não...
uma pergunta que não cabe, que não faz sentido, tem aqui “indiferente” que você pode marcar.

Danilo*: Ok. Beleza.

Faz o questionário.

Pesquisadora: Ta, é... o próximo instrumento ele chama inventário de rotina, pra entender como é a rotina dos irmãos,
no caso o seu né, na semana e no final de semana. Aí pra fazer o da semana, pra você não ter que descrever a sua semana inteira,
é, eu vou pedir pra você escolher um dia da semana só que você acha que resume bem como funciona a sua semana, e aí eu vou
te perguntar é... de hora em hora qual é a atividade que você ta realizando, se tem alguém que realiza ela com você, e a mesma
coisa pro final de semana. No final de semana, o dia aqui é domingo.

Danilo*: É, os nossos dias aqui são realmente bem padrão mesmo.

Pesquisadora: Uhum.

Danilo*: Não sai muito da mesma coisa de qualquer jeito.

Pesquisadora: Ta. Eu vou supor aqui que de meia noite até as seis você ta dormindo, certo?

Danilo*: É, basicamente. De meia noite até as seis eu to dormindo.

Pesquisadora: Aham. Aí você acorda que horário?

Danilo*: Geralmente sete horas, sete e meia né, porque eu trabalho... porque geralmente eu tenho coordenação na
escola de sete e meia ao meio dia. Entendeu?

Pesquisadora: Uhum.

Danilo*: Aí esse horário eu to voltando pro trabalho né, to voltando pra almoçar. Aí eu volto pra escola de uma hora até
seis horas.

Pesquisadora: Uhum. Entendi. Aí as seis você volta pra casa?

Danilo*: Aí as seis eu volto pra casa.

Pesquisadora: Aí o que que você faz nesse tempo?

Danilo*: Eu... eu fico geralmente no computador né. De vez em quando eu tenho que preparar prova e tudo mais,
entendeu?

Pesquisadora: Uhum.

Danilo*: Então fazer algumas coisas pra escola, porque sempre tem um extra que sai do horário, aí, é... jogando
videogame, diversão, ficar jogando videogame, lendo história em quadrinho também né no computador, as vezes até também em
quadrinho físico né, até mais do que no computador. E... meu dia é isso, basicamente. Entretenimento, de tempos em tempos tem
alguma saída, mas é mais pro fim de semana né. E nessa hora de sair eu falo com a Jéssica*, entendeu? Também de tempos em
tempos... é porque aqui em casa a gente é bem separado né, tipo, cada um fica no seu mundo ali até o momento que... esses dias
tava até comparando isso, aqui em casa é como se fosse o sistema solar né.

Pesquisadora: Uhum.

Danilo*: Você tem ali as órbitas, todo mundo anda ao redor do mesmo ciclo, de vez em quando tem um eclipse, então a
gravidade de um afeta a do outro, e aí é assim, beleza, mas em geral, cada um fica realmente na sua rotina bem fechadinha
mesmo. Um fala, aí de vez em quando a Jéssica* me pede ajuda, de vez em quando, as vezes até pelo whatsapp mesmo né, ela
fala “Danilo*, vem aqui”, “vem jantar” entendeu?

Pesquisadora: Uhum.

Danilo*: E é bem isso, então eu fico ali no meu canto, jogando os meus jogos, vendo vídeos, quadrinho, as vezes
trabalhando pra escola, as vezes trabalhando pro doutorado que eu to meio que empurrando com a barriga (risos), entendeu, e é
isso basicamente. Minha segunda a sexta realmente não sai muito disso não.
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Pesquisadora: Uhum. E você deita pra dormir em que horário?

Danilo*: Geralmente, apesar de você ter colocado aí meia noite, geralmente ta sendo algo em torno de uma e meia,
duas. Geralmente quando dá umas duas e meia eu mesmo já fico cansado e meu cérebro já vai né no “vei vai dormir logo”,
entendeu, já é hora de dormir. Então raramente passa disso.

Pesquisadora: De manhã vocês tomam café juntos?

Danilo*: Sim, quando possível né. Porque a Jéssica* na verdade ela até acorda um pouco mais cedo que eu, então...
realmente não é tão cedo a ponto de um sempre evitar o outro, sabe? Então de tempos em tempos a gente toma café juntos e tudo
mais, quando ela sai um pouquinho mais tarde assim ou quando eu acordo um pouquinho mais cedo, e aí é mais ou menos isso
né. Porque aí é realmente meu pai é que acorda ela e tudo mais, em geral quando eu chego na cozinha eles já tão se preparando
pra sair, entendeu?

Pesquisadora: Uhum. Ela trabalha pela manhã também?

Danilo*: Aham.

Pesquisadora: E seu pai que leva ela?

Danilo*: É, eu basicamente cuido dela na ausência dos meus pais.

Pesquisadora: Ela trabalha de tarde também?

Danilo*: Sim, o horário dela depende muito do serviço dela né, porque ela trabalha nuns três lugares diferentes ali
principais né, que se não me engano é na própria APAE, no ministério da justiça e... a câmara dos deputados, acho que esse é
mais novidade esse ano. Mas ela geralmente tem uns três pontos ali que em geral esses pontos pedem horários diferentes né,
então a gente meio que se prepara pra... ok ela tem que... a gente pergunta pra ela né “então você tem que ta que horas no
trabalho?”, “ah, tenho que ir... ta lá sete horas”, então a gente se prepara tudo certinho e aí nesses horários eu realmente tomo café
junto, vou lá, levo ela, pego né quando possível, tudo mais e tudo mais. Aí vai, ta “tem que ta a tarde”, aí a gente vê. A primeira
pergunta sempre é “eu posso ir?”, eu né, Danilo*. “O Danilo* pode levar?”, “se o Danilo* pode levar e trazer, ótimo. Plano B, o
Gabriel* pode levar?”. Geralmente o plano B não funciona. “Plano C, beleza, já que nem o Danilo* nem o Gabriel* pode levar,
como a gente pode levar ela até lá? E aí vem a questão do Uber, da ajuda das meninas que trabalham aqui em casa, entendeu? E
aí vai. Tanto que o Uber dela é conectado já com o meu cartão de crédito, entendeu, naquele plano família. Então toda vez que...
toda vez ela já sabe né que quando ela usa o Uber eu to sabendo, entendeu, tem toda aquela questão, faz toda a segurança ali né,
combina já pro cara já sair e voltar porque Uber geralmente é como eu falei né ela vai com a menina... não é cuidadora né, mas é
a menina que trabalha aqui que ajuda a gente também né, ou então de outras maneiras né. Cada situação né, cada momento
depende o plano específico, mas em geral é isso. Quando eu realmente posso né e encaixa tudo direitinho, sou eu que vou lá,
pego ela, ela me liga, e eu vou, deixo ela no trabalho e quando ela me liga de volta eu vou lá e pego.

Pesquisadora: Uhum. Entendi. É... no almoço vocês almoçam todos em casa?

Danilo*: Sim.

Pesquisadora: Todos juntos?

Danilo*: Todo mundo junto não, o Gabriel de vez em quando é quem realmente... ele quase nunca aparece. Tipo, ele...
no caso dele é realmente quando a agenda dele... ele tem a agenda mais... ele é o planeta mais afastado, é a órbita mais afastada, a
dele é realmente o que aparece menos. Mas em geral aqui em casa acaba sendo realmente todo mundo almoçando junto mais ou
menos no mesmo horário.

Pesquisadora: Meio dia, assim né?

Danilo*: Meio dia, uma hora... onze e meia na verdade é quando a gente começa meio que o horário de almoço. Onze e
meia, meio dia ali, vai depender.

Pesquisadora: E o jantar?

Danilo*: É porque a questão é mais ou menos assim porque até ano passado como eu trabalhava mais longe eu passava
os almoços já na escola mesmo entendeu. Jantar também, o jantar é realmente mais comum.

Pesquisadora: Umas sete, oito horas?

Danilo*: É, umas sete, oito horas ali quando o pessoal volta, geralmente é a Jéssica* que me chama pra jantar mesmo,
daí vai, a gente ta junto, esse tipo de coisa, coisa normal.

Pesquisadora: Entendi. Então a semana é mais ou menos assim mesmo?


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Danilo*: É. Eu acho que não ta mais gravando.

Pesquisadora: Não ta mais?

Danilo*: Ta, ta.

Pesquisadora: Ta, ta gravando. É... mesma pergunta pro domingo. Como é que é um domingo normal?

Danilo*: Esse é o detalhe. Eu não vou chegar a explicar o domingo porque o domingo aqui é basicamente uma versão
da semana sem ter que se preocupar com trabalho (risos), entendeu. Mas sábado, que é quando eu realmente... eu e a Jéssica* a
gente já sai mais né, até porque a gente tem outros amigos que aí o... o melhor encaixe pra diversão geralmente é sexta de noite
pra sábado, entendeu. Domingo tem até essa, porque tem que ir segunda-feira de manhã, então o pessoal não pode ficar muito
tempo. Geralmente o que que acontece, a gente vai pra cinema, vai pra lanchonete né. O nosso grupo tem a incrível mania de... a
adorável mania de se terminar uma noite de cinema indo pro... comer aquele lanche bomba lá no Guará, entendeu, hiper saudável.
Então acontece, e a Jéssica* vai junto.

Pesquisadora: Uhum. Têm amigos em comum então?

Danilo*: Tem, a gente tem esse grupo aí. Então o que acontece, então nessa brincadeira sendo sexta a noite, que aí a
gente pega a sessão de mais tarde entendeu. Ou então no sábado pra passar o dia inteiro entendeu, fazer a coisa toda no sábado, e
aí não tem problema de... a gente pode alongar um pouquinho mais porque domingo em geral não tem problema e aí vai,
entendeu. É basicamente isso, sair pro cinema, sair pra lanchar, de vez em quando tem um outro evento interessante né, até
porque esse grupo a gente ficou muito em tecnologia, nerd, coisa geek né, nerd, essa coisa de filmes de super-heróis, e tudo mais
entendeu. A gente também é bem esse grupo mesmo então a gente... saiu algum evento do jeito, do gênero, a gente ta
combinando entendeu. Ou então tem aqueles...aquelas exposições né, aqueles eventos nerd que acontece, aquelas feiras né, tudo
mais, eu tento levar a Jéssica* entendeu, e esse tipo de coisa mesmo, são umas saídas assim bem... que acaba sendo constante né.
Porque principalmente nesses últimos anos ta tendo quase um filme por mês entendeu, então a gente sempre tem um filme do
mês, “então Jéssica*, se prepare que tal dia” entendeu, que a gente já tem os combinados das meias entradas, a Jéssica* usa as
dela, eu uso os meus, nós dois temos vivo então a gente tem a meia entrada no Cinemark, outro amigo meu tem meia entrada no
Park Shopping. E fica nessa, a gente fica nessa brincadeira, sempre saindo, vendo outras coisas, a Jéssica* fica lá né, ela já tem...
a gente de vez em quando a gente sempre pede “então Jéssica*, você quer ir pra onde hoje?” né. Quando o povo, principalmente
pra lanchonete né, quando o povo não ta com uma ideia específica “Jéssica*, então, onde é que você quer ir hoje?” ah, daí ela vai
“ah eu quero ir no Frans” ou então “ah eu quero isso” entendeu, e aí fica nessa brincadeira. Basicamente isso, essas saídas bem...
básicas (risos).

Pesquisadora: São mais ou menos quantas pessoas nesse grupo?

Danilo*: Atualmente esse grupo ta em quatro principais, e de vez em quando vem dois... porque esse grupo meu tem
dois que são de Goiânia né, que também meio que entra nesse grupo que aí quando eles vem pra cá, principalmente se eles
vierem com as namoradas aí pula pra seis até oito. Mas em geral é eu, a Jéssica* e outro casal amigo nosso entendeu. Então é
geralmente nós quatro ali. E de vez em quando essa amiga... essa menina aí amiga nossa traz outras amigas também quando o
assunto...convém, e vai indo. Entendeu, e ou seja, geralmente em torno de quatro no núcleo principal com cinco, seis ali geral. O
maior número que deu foi oito em um momento.

Pesquisadora: Nossa, bastante gente (risos). E como é que você e a Jéssica* conheceram eles?

Danilo*: Ah... Jéssica* conheceu a maioria por mim. Eu conheci a maioria...é... uma, essa amiga que é a Daniela* né,
ela é filha de uma amiga da minha mãe. Entendeu, então eu literalmente conheço a Daniela* desde bebê né, que ela é bem uns
dez anos, onze anos pra mais nova que eu. Eu sou o mais velho do grupo, essencialmente, entendeu. Eu sou o... acho que a
Daniela* agora também chegou ano passado chegou... ou esse ano? Ah não, é porque é dezembro. Dezembro passado ela chegou
nos trinta também. Então eu realmente to bem ali no... sou o velho da parada, sou o ancião. Aí tem o... é, a Daniela* é filha de
uma colega da minha mãe né, essa colega da minha mãe visita aqui em casa desde sempre entendeu, é minha tia, tia por
consideração praticamente, e aí então né ela teve filho e “olha, Daniela*, parabéns, nossa vida agora ta ligada”. Aí vai e papapa,
aí a Daniela* tem esse namorado dela agora né, que também ta sendo gente boa aí entendeu, ta até realmente interagindo,
interage bem com a gente, convive bem no grupo e que aí fica sendo esse os quatro grupo. Aí o que eu falei, tem esses dois
primos meus né, também com as respectivas namoradas, e aí de vez em quando muito a Daniela*, justamente a Daniela*, ela
acaba... chamando alguém porque “ah não, é evento legal” ou então “ah não, vem essa amiga minha” entendeu, ou então “ah essa
é a fulana que você conheceu lá na festa, na minha festa, lembra?”, e esse tipo de coisa. E é mais ou menos isso, ou seja, é muito
mais o núcleo da Daniela* do que meu (risos), mas é aquela coisa, mas é mais ou menos isso. Só que esse é um grupo que, com
exceção do namorado da Daniela*, é um povo que ta se rodando, tipo, com exceção dos namorados né, é um grupo que ta aí junto
desde a gente pequenininho né. A Daniela* cresceu com a gente, cresceu com esse meu primo que é o Arthur*, cresceu com esse
meu primo Felipe*, eu, os quatro ali crescemos juntos com a Jéssica*, então a gente ficou nessa e ta desde...desde o começo dos
anos noventa assim né.
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Pesquisadora: Uhum. Entendi. É... final de semana, sábado, domingo assim, vocês costumam tomar café juntos,
almoçar juntos?

Danilo*: É difícil.

Pesquisadora: Aham.

Danilo*: Porque aqui aí... eu tenho um sono de pedra entendeu, então geralmente se eu não tiver um bom motivo eu
não acordo antes do meio-dia (risos) entendeu. A Jéssica* é que nem um reloginho, até onde eu sei ela acorda todo dia bonitinho,
tudo ali certinho, meu pai também e minha mãe né, gente é... gente do interior também é aquele negócio, sempre acordar com o
nascer do sol e tudo mais, entendeu. Meu irmão eu não sei, entendeu (risos).

Pesquisadora: Ele é um visitante né? (risos).

Danilo*: É, as vezes ele ta aqui, é o que eu falei né, ele seria Plutão, sabe? (risos). A gente vê no telescópio de tempos
em tempos...

Pesquisadora: Uhum (risos).

Danilo*: Sabe que ele ta ali, ta bem, ta bem, mas em geral é um mistério entendeu. E aí fica nessa. O almoço... o
almoço é que é realmente acaba sendo, porque as vezes a Jéssica* até me acorda, ou então eu acordo com meu pai gritando
“Jéssica*, vai acordar o Danilo*” (risos) entendeu. Então o almoço acaba sendo o momento que a gente realmente mais junta,
principalmente fim de semana.

Pesquisadora: Uhum. Jantar também?

Danilo*: Jantar também acaba sendo. Geralmente a gente lancha, alguma coisa assim né, de tempos em tempos a gente
sai pra jantar mesmo com a família mesmo sabe, principalmente domingo. Domingo a... domingo minha mãe não quer lavar, não
quer se preocupar com louça, então bora no Moranguinho ali ou bora numa lanchonete lanchar alguma coisa, entendeu.
Geralmente é... acaba sendo final do mês assim entendeu.

Pesquisadora: Entendi. Eu acho que aqui do final de semana foi, aí aqui tem é... uma entrevista semiestruturada que boa
parte dela é mais direcionada pros pais, mas eu vi que tem umas aqui que eu acho que talvez você consiga responder.

Danilo*: Uhum.

Pesquisadora: É... quantos anos você tinha quando a Jéssica* veio pra cá?

Danilo*: (longo silêncio) Deixa eu ver aqui... eu acho que foi 2005, então eu devia ter 23... entre 22 e 24 anos. Porque
eu realmente não lembro o ano certinho, a minha cabeça é meio... meio zoada também.

Pesquisadora: E ela tinha quantos anos?

Danilo*: (longo silêncio) Eu quero falar 16, mas eu também vou colocar de novo entre 15 e 17. Porque eu lembro que...
pelo que eu lembro o ano chave aí seria 2005, porque eu sei que não era... não foi quando... não, se bem que é...foi quando meu
avô morreu depois da minha vó, que foi um tempo depois, e é essa diferença que na minha cabeça ainda é meio nebulosa, só que
eu já tava trabalhando num estágio no senado entendeu, foi mais ou menos numa época dessas. Então entre 2005 e 2007 ali...
então é mais ou menos essa época. A Jéssica* devia ter uns... ela já devia ter uns 16 e aí eu teria uns 23, por aí. Mas pelo menos
na visão que eu tenho é mais ou menos essa época mesmo.

Pesquisadora: Uhum. Entendi. É... você teve algum contato a mãe dela, sabe como é que foi a gravidez?

Danilo*: Olha, eu... eu tive pouquíssimo contato com a mãe dela entendeu, eu sabia que ela morava na casa do meu avô
sabe, e... eu meio que lembro, tipo... é uma memória bem antiga sabe, aquela coisa, eu meio que lembro o dia que ela morreu. Eu
lembro da comoção, da toda... um ou outro pedaço de discussão entre meus tios, aquela coisa toda sabe...entendeu... e, fora isso,
pouquíssima coisa realmente entendeu.

Pesquisadora: Uhum. Você já tinha contato com a Jéssica* antes de ela vir pra cá?

Danilo*: Sim, a gente... uma... uma coisa que até, até meio que acabou quando a Jéssica* veio pra cá foi simplesmente
o fato de que a gente todo ano passava o Natal na casa dos meus avós lá em Goiânia entendeu. Aí justamente o motivo dela vir
pra cá foi pela morte da minha avó, então a gente fechou tudo lá né. Lembro até... eu acho que eu fui até o último a sair do
apartamento, fui eu que fisicamente tranquei o apartamento, pelo menos na saída principal né. E aí, e aí, quando, daí... depois que
ela veio pra cá então... tipo, antes de ela vir pra cá era realmente isso, todo ano a gente ia lá, encontrava a Jéssica*, encontrava os
primos, encontrava todo mundo, entendeu, a família toda se reunia né, tudo mais, mas aí quando ela mudou pra cá ficou
realmente mais no núcleo aqui em Brasília. Apesar de que a gente ainda tentou ainda por um tempo manter essa tradição só que
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aqui ao invés de ser lá em Goiânia. E a Jéssica* veio pra cá mais ou menos nessa época, mas a gente sempre teve muito contato
com ela... com ela assim, entendeu. Quando minha avó precisava de alguma coisa meu pai ia pra lá, entendeu. Tudo mais.

Pesquisadora: Entendi. Deixa eu ver aqui... quando eu conversei com os seus pais eles falaram que demorou um pouco
pra saberem do diagnóstico da Jéssica* né?

Danilo*: Eu acredito que sim. Essa... é, nessa aí, nessa parte realmente eles vão ter realmente bem mais fidelidade do
que eu, né. Até porque eles só realmente começaram a me inteirar muito dessa coisa comigo bem realmente bem mais velho,
entendeu. Quando eu tava bem adolescente, moleque, era meio que tipo “ah não, vamos resolver”... eles sempre tiveram essas
atitudes, sabe, vamos resolver tudo, se possível entre os adultos, entendeu. Só quando começaram a tratar o Danilo* como adulto
que “ah ajuda a gente aqui”, “leva ela lá”, e esse tipo de coisa entendeu.

Pesquisadora: Entendi. Foi algum choque pra você saber disso?

Danilo*: (longo silêncio) É... é difícil, é difícil. Isso eu não digo... choque é muito... é muito... forte, entendeu. Mas eu
acho que é algo que explicou muita coisa, sabe. Não é algo do tipo eu não estou surpreso mas agora que vocês falaram algumas
coisas começaram a encaixar melhor. Sei lá, não foi exatamente aquela coisa ai meu Deus, tava totalmente no escuro, não. Até
porque já teve um tempo que a gente via a questão da reação dela né, negócio de matemática, algumas coisas ali entendeu, que aí
quando veio o diagnóstico foi ok, ta, então a explicação é essa, pelo menos agora a gente já sabe o que ta acontecendo, entendeu.

Pesquisadora: Entendi.

Danilo*: Não foi realmente um momento ali de ah meu Deus.

Pesquisadora: Uhum. Não foi um desespero né?

Danilo*: Não foi um desespero ou uma surpresa, sabe.

Pesquisadora: Entendi. Hum... isso você já falou... a relação entre você e ela é boa então, né?

Danilo*: É, né, é boa. Eu pelo menos faço o meu melhor por ela entendeu, faço o possível pra cuidar dela entendeu, pra
tirar ela um pouco também da proteção né. As vezes eu acho que meu pai, que meus pais são muito protetores, e eu não os culpo
né, até pela situação toda. Mas também meu pai se perder qualquer controlezinho ali do momento e acontecer qualquer coisa que
não esteja realmente no planejamento dele, ele... ele perde o humor né, eu to pensando numa expressão em inglês aqui, mas
entendeu? Então eu tento dar um pouquinho mais de independência pra Jéssica*, de vez em quando eu peço pra ela pagar o
cinema, ou pagar o lanche entendeu, pra ela ter mais ou menos... até a questão né de escolher pra onde a gente vai lanchar
entendeu, que eu acho bom até pra ela já ter essa vivência né, controlada também. Não vou né... não vou deixar ela pagar tipo uns
500 conto, coisa assim entendeu, coisa muito cara né. Mas eu vejo, se a coisa tiver ali numa faixa de preço razoável as vezes eu
peço “não Jéssica*, paga aí, eu já paguei um bando de coisa pra tu” (risos), bem nessa ideia do tipo “ah não, é assim que as
pessoas andam, é assim que amigos... né”. A gente até brinca assim que o grupo de amigos ali tem um “pool” de dívidas ali que
ninguém mais sabe quanto ta devendo pro outro e...

Pesquisadora: Sim (risos), é normal.

Danilo*: É (risos), e a Jéssica* ta nela. Então de vez em quando eu peço e coisa e tal, aí eu pago pra ela, e fica nessa
brincadeira entendeu.

Pesquisadora: Entendi. E a relação com o outro irmão, você sabe dizer?

Danilo*: Com o Gabriel*?

Pesquisadora: É.

Danilo*: Olha, na minha visão o Gabriel* também é uma... é, vou colocar o não dizer porque é aquela história. O
Gabriel*, quando o Gabriel* ta aqui ele faz o que eu faço entendeu. Ele gosta de ser a última opção depois de todo mundo? É,
entendeu. Mas se você provar pra ele “não, não tem outra, não tem outro motivo” ele faz. Se não realmente, se não tiver nenhuma
outra opção além dele, ele faz, aí você pode confiar nele, entendeu. Só que é o problema que até meu pai tem muito com ele, que
a minha mãe tem muito com ele, é que ele sempre quer ser a última opção, ele é o plano final entendeu. Se nada mais funcionou,
chama ele. Que aí... aí... mas quando ele tem que fazer... quando ele percebe que a coisa ali realmente é mais... que ele realmente
tem que, ele ajuda, ele ajuda bastante. Tipo, é uma relação boa. Uma relação distante? É, entendeu. Mas não é uma relação
distante do tipo ele tenta evitar a Jéssica*, isso com certeza não, entendeu. É uma relação mais distante do tipo “eu sou o mais
distante da família, eu tenho minha vida que as vezes não passa por aqui, e eu tento encaixar” entendeu. Mas não é nada
realmente tipo ruim, ou não é nada realmente do tipo é... antagonista. Acho que a palavra boa é essa, não é nada antagonista
entendeu. É só que como você falou, cada um no seu planeta e ele, por acaso, é o planeta que menos anda perto do sol.
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Pesquisadora: Uhum, entendi (longa pausa). Hum... ta. É... você percebe alguma diferença no tratamento dos seus pais
com a Jéssica*? Quando ela veio ou...

Danilo*: Diferença em relação a que?

Pesquisadora: Não sei, algum tratamento especial, uma preocupação maior do que tinham com você e com seu irmão.

Danilo*: Olha, o problema... igual eu falei, meu pai é bem protetor. As vezes eu achei que ele tava... as vezes eu já
cheguei a comentar com ele é... que ele realmente tava sendo hiper protetor demais com a Jéssica*, exagerando, e ele só
comentou que “vei mas é porque a Jéssica* não é você” entendeu. Então há esse tratamento? É, tem. Mas é porque também são
situações bem específicas, tipo, eu não... eu não sei se eu faria diferente sabe, entendeu. E de vez em quando parece que ele
exagera mais? Parece, mas aí também você pode... é... as vezes você pode justificar isso até porque ela é uma menina e eu sou um
menino. Eu sou um menino grande, então eu apareço no meio da rua e ta escuro, você acha que eu sou um monstro querendo te
matar (risos). A Jéssica* é uma menininha pequenininha entendeu. Então tem essa também, isso é algo que... isso é algo que
influencia, então pode ser isso também. É o que eu falei, a gente é bem... tem a questão da situação também, a situação da
Jéssica* é bem diferente do que eu, apesar de que as vezes eu posso até achar que ele exagerou um pouquinho né, ou então eu
usei isso como argumento também tipo “ah não, mas quando eu era moleque você não ia desse jeito”, mas aí entra tudo que eu já
falei aqui entendeu. Então há uma diferença sim. Se isso seria algo realmente devido à situação específica da Jéssica*? Não sei,
ou sei e não sei né, essa coisa. Eu acho que eu não faria diferente, mas que tem esse tratamento especial, tem. Se isso é um fator
de discussão? Não, tipo, não é algo que ta aberto a discussão, só acontece, vai ser assim, ponto. Acho que é mais isso, é mais essa
última parte.

Pesquisadora: Entendi. Hum... essa pergunta eu acho muito ruim, porque eu odiaria que alguém perguntasse isso pra
mim, mas tem que perguntar. É... na sua opinião o que aconteceria com a família se os seus pais não estivessem mais aqui pra
cuidar da Jéssica*?

Danilo*: Rapaz... você não faz a mínima ideia do quanto essa pergunta aparece nessa casa (risos).

Pesquisadora: Sério? (risos).

Danilo*: (risos) Digamos que é a maneira número 3 dos meus pais fazerem chantagem emocional (risos). Olha, vai ter
uma discussão, vai ter uma discussão bem longa. Não digo acalorada, não digo forte tipo, que não vai ser algo tipo um jogando
pro outro, mas vai ter uma boa discussão sobre o que vai acontecer.

Pesquisadora: Entendi. Bom... se você não tiver mais nada a acrescentar, acho que acabamos. Muito obrigada, Danilo*.

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