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MORAES, A.

TEXTURAS DO CONTEMPORÂNEO – Caio Fernando Abreu, Rubem


Fonseca e a narrativa dos sujeitos diluídos. In: http://alexjmm.sites.uol.com.br/. Acesso
em 22 jun. 2009.

FICHAMENTO

No “começo” parecia haver o “fim”.  Aliás, o “fim” tão estrategicamente divulgado


parecia, de fato, ter acabado de chegar. No começo dos anos “definitivamente pós-
modernos”[5] — que aprioristicamente poderíamos localizar a partir da segunda metade
dos anos setenta na Europa e Estados Unidos e, a partir do início dos anos oitenta, no
Brasil e América Latina — havia nos produtores de arte e nos discursos sobre a cultura,
a política e a tecno-ciência e, sobretudo, nas estratégias sociais, uma espécie
de divertida e, ao mesmo tempo dramática, consciência de fim de linha,  fim de
sistemas,  fim de ideologias, fim de formas e sentidos de vida, fim de estilos e
subjetividades[6] constituídas de vida, fim da noção de estado como elemento
centralizador,  fim da idéia de autoridade[7] como privilegiado normatizador do
comportamento,fim do princípio de
razão,  fim e esgotamento dos ismos modernos,  fim da “literatura da
profundidade”, fim da maiakovskiana e elitista — não escondendo a interessante
contradição —  “bofetada no gosto público” dos modernismos, vanguardas e
futurismos. Tanto “fim” para, na verdade, tanto “começo” ou
“(des)continuidade”, sobretudo na América Latina com suas “culturas híbridas e com
datas reinvertidas.

[...] O sujeito mais comum desta condição pós-moderna não está ligado à sua liberação
nem à sua transformação ou à  uma forma de ruptura: sabe que produz choques a cada
momento, sabe que sua diferença está em seu descaso pela ruptura, não desconhecendo
que isto não significa uma duplicação da modernidade, sente sob a pele que os
paradigmas modernos não lhe garantem no “mundo dos adaptados” nenhuma eficácia a
não ser a da nostalgia que se esvai muito rapidamente, ou seja, as condições pós-
modernas exalam uma “toxicomania do choque”, todos eles provocados e, talvez, até
artificiais.

[...] Os sujeitos pós-modernos  — as noções de sujeito e objeto tão caras à filosofia


clássica também entram em reta de colisão — apresentam-se como “imediatistas”,
construindo, contudo, “éticas novas” sobre e a partir de cinzas de toda e qualquer ética,
sobre os escombros de mundos modernos que tentavam ver no futuro o que jamais
avistaram tanto no passado quanto no presente.

Na imprevisibilidade estrutural das sociedades contemporâneas centra-se o mundo


“pós-moderno”, isto é, as sociedades capitalistas pós-industriais, informacionais, não
têm capacidade (ou interesse) de oferecer níveis aceitáveis e/ou tradicionais de
previsibilidade, que foi tão necessária à manutenção de certas ordenações e estruturas
do mundo moderno. A previsibilidade garantiu ao mundo social e, por extensão, às
esferas da cultura, sua manutenção e reprodução. A elaboração/produção subjetiva da
sociedade entra em crise justamente no momento em que o capitalismo não mais se
interessa “em sustentar a utopia do estado como bem estar e regulador dos conflitos”. A
tão propalada “diminuição do estado”, reflete o desinteresse pelo mundo social que as
classes dominantes vêm implementando desde o final dos anos 60.
[...] Os “nômades pós-modernos”, a sociedade da virtualidade e seus inseguros hackers,
a imagem que se dilui a cada segundo diante do espectador: tudo isto está no centro da
formulação de subjetividade que podemos encontrar, de maneiras e formas diversas,
tanto em Rubem Fonseca quanto em Caio Fernando Abreu.

Pela via contrária, não aquela do brutalismo evidente, mas também perfazendo a rota e a
genealogia das diversas violências, das inúmeras rupturas e novos rumos de sentido,
observamos a obra de Caio Fernando Abreu, herdeiro de Clarice Lispector e sua
tradição moderna já em processo de decomposição. [...]

Em Caio, a morte do sujeito é tematizada como forma e fluxo de um olhar que percorre
o corpo e seus órgãos, o corpo e seus desdobramentos e sentidos multidirecionados,
quer dizer, a morte no texto de Caio Fernando Abreu não diz respeito ao corpo e seu
imediatismo apenas, mas ao corpo e suas ligações, filamentos que se espraiam por toda
a superfície de criação subjetiva socialmente elaborada. O corpo inunda o texto,
sexualiza e torna a metafísica do corpo uma possibilidade sempre entreaberta, sempre
disponível ao consumo do sujeito. Os consumos dos sujeitos pós-modernos, tanto em
Caio Fernando Abreu quanto em Rubem Fonseca, são de certa forma o cerne de seus
textos. São as refrações e emanações a partir dos variados sentidos do corpo e sua morte
e também os sentidos da condição pós-moderna nos choques de uma sociedade que vive
sempre temporalidades históricas problemáticas, como viu  Cancline sobre a efetividade
de uma pós-modernidade antes mesmo de uma modernidade tratando-se no caso de
nosso estudo de temporalidades problemáticas em duas literaturas que espargem sujeitos
fragmentados, não sendo isto, uma reduplicação de um programa moderno de
encenação das subjetividades, mas sobretudo de um modo de produzir olhares e textos.

De fato, tanto a época moderna — a que a literatura de Caio Fernando Abreu está ligada
por suas heranças intertextuais — quanto a dita pós-moderna, reinventaram espaços
para a movimentação da subjetividade e as contradições[30] de ambas as épocas, não
deixaram intacto um sujeito que necessita descobrir-se ao fundo, revolver para
reinventar suas migrações. Se a geografia nunca foi o espaço do nomadismo unicamente
— o que parece escapar a Pierre Levy — na modernidade tardia de fins do século XX e
na pós-modernidade, as contradições do sujeito e do próprio sistema instalado como
provedor social, criaram paisagens subjetivas de movimentação muito maiores. [...]
Caio Fernando Abreu não deixa de encenar em seus textos todos esses fenômenos e de
inserir na movimentação um dado que ao longo de seus livros vemos encenado:  a morte
e suas texturas possíveis e impossíveis, seus movimentos de transformação/formação,
suas identidades cariadas e inflacionadas, ou seja, a deriva do sujeito no paradoxo do
poço sem fundo.  

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