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como artifício1
São
desenhos
de
vistas
gerais,
detalhes,
cortes
diversos,
cuja
escolha
é
orientada
por
uma
vontade
de
atravessar
o
espaço
e
a
forma
como
ele
é
convencionalmente
percebido
e
utilizado,
por
isso
evidencio
alguns
aspectos
marginais
do
edifício
e
detalhes
funcionais
reprimidos.
Dessa
forma,
constam
nos
desenhos
várias
vistas
dos
banheiros,
tanto
os
utilizados
regularmente
quanto
o
banheiro
desativado
-‐
que
foi
explorado
pelo
artista
Rimon
Guimarães
nesta
mesma
exposição.
Outro
elemento
do
trabalho
que
mostra
esta
intenção
é
o
desenho
feito
diretamente
em
uma
das
paredes
do
pavimento
superior.
Em
uma
grande
área
branca
está
inscrita
uma
pequena
vista
de
um
cômodo
cheio
de
cubos.
É
o
desenho
de
uma
sala
de
apoio
no
primeiro
pavimento,
depósito
de
parte
do
mobiliário
expositivo
e
que
provavelmente
foi
um
banheiro
em
uma
finalidade
anterior
do
edifício.
É
um
espaço
desconhecido,
ou
pelo
menos
pouco
significativo
para
um
freqüentador
bem
instruído
sobre
o
que
ver
e
como
se
portar
em
uma
sala
de
exposições.
Ainda
assim,
não
espero
que
estes
desenhos
sejam
disciplinadores
de
um
olhar,
ou
que
sejam
didáticos,
com
um
sentido
instrutivo
sobre
a
percepção.
Quando
desenho
sobre
a
superfície
de
um
cubo
expositivo
branco
-‐
apresentável
para
o
público
-‐
o
verso
aberto
de
um
cubo
similar
com
detalhes
de
sua
estrutura
crua
em
madeira
não
pintada,
não
espero
que
o
espectador
faça
necessariamente
a
ligação
direta
entre
este
dentro
e
o
fora,
entre
a
estrutura
e
a
superfície,
entre
o
visível
e
o
oculto.
Mas
espero
que
o
conjunto
dos
trabalhos,
operando
em
coerência,
provoque
alguma
sugestão
sobre
estas
relações.
Nas
vezes
anteriores
em
que
o
trabalho
foi
realizado,
necessitei
permanecer
alguns
dias
no
local
fazendo
desenhos
de
observação
e
algumas
fotos
de
estudo.
Quando
possível,
contei
1
Relato
publicado
em
Cartografias
Cotidianas
(Londrina:
Eduel,
2011),
organizado
por
Elke
Coelho
e
Danillo
Villa.
também
com
plantas
do
local.
Nesta
montagem,
não
dispondo
do
mesmo
tempo
para
permanecer
em
Londrina,
solicitei
à
organização
do
projeto
que
me
enviasse
fotos
da
Casa
de
Cultura
UEL.
Realizei
a
maioria
dos
desenhos
a
partir
destas
fotos,
e
assim
considerei
os
desenhos
tão
orientados
por
elas
quanto
pelas
particularidades
do
próprio
lugar,
já
que
as
fotos
e
a
planta
baixa
fornecidos
formaram
minha
noção
deste
espaço
antes
que
eu
pudesse
estar
lá,
em
um
momento
cuja
distância
contraposta
à
necessidade
de
apreensão
gerou
uma
atenção
e
uma
especulação
intensas
sobre
estes
registros.
No
momento
de
instalar
o
trabalho,
a
diferença
do
que
eu
constatara
através
das
fotografias
e
do
que
eu
podia
perceber
in
loco
foi
motivadora
para
a
elaboração
de
outros
desenhos
que
trouxessem
mais
camadas
para
a
abordagem
do
local,
incluindo
situações
que
não
foram
contempladas
nas
fotografias
e
procurando
outras
que
ficaram
apenas
sugeridas
por
elas.
Em
uma
análise
que
se
estenda
a
uma
parcela
significativa
das
experiências
de
desenho,
considero
que
todo
o
processo
deste
trabalho
envolve,
inicialmente,
a
necessidade
de
compreender
certo
fenômeno,
de
se
relacionar
com
algo
com
o
qual
estamos
implicados,
mas
criando
para
isso
certa
distância,
um
afastamento
que
abra
um
espaço
para
o
estranhamento.
Tanto
a
criação
deste
espaço
quanto
os
movimentos
que
precisam
ser
desempenhados
nele
demandam
a
elaboração
de
engenhos,
de
estratégias
para
se
gerenciar
sentidos,
para
fazer
ligações
entre
referências,
para
medir
distâncias
e
avaliar
proporções.
Mapas
são
criados.
É
um
processo
de
invenção
de
artifícios,
de
um
desenho
entre
a
consciência
e
o
mundo.
No
trabalho
em
questão,
este
fenômeno
motivador
não
é
apenas
o
local
específico,
mas
o
espaço
que
este
local
ocupa
entre
os
modelos
arquitetônicos
que
o
precedem
e
viabilizam,
seu
caráter
discursivo
e
sua
implicação
com
o
desenho.
Entendendo
desenho
como
um
artifício,
penso
que
as
mediações
e
anteparos
entre
o
desenhista
e
seu
objeto
não
os
distanciam,
não
inviabilizam
o
contato
em
sua
relação.
Ao
contrário,
estes
artifícios
somam
potencialidades
em
cada
operação
de
conversão
e
correspondência
necessária
para
lidar
com
as
camadas
de
mediação.
Objetos
e
modelos
tornam
o
universo
do
desenho
um
complexo
campo
de
correspondências,
mapeamentos
e
remissões,
demandando
proposições
e
interpretações
que
o
renovam
e
ampliam.
Por
isso,
orientando
a
discussão
em
termos
de
site
specificity,
acho
oportuno
lembrar
as
definições
de
literal
site
e
functional
site
de
James
Meyer*.
Segundo
este
autor,
literal
site
é
o
local
físico,
concreto,
que
algumas
práticas
site
oriented
abordam
por
um
viés
fenomenológico.
Já
o
functional
site
é
um
local
discursivo,
para
além
do
lugar
físico,
que
envolve
uma
constituição
mista
entre
objetos,
mapas,
diagramas,
textos,
maquetes,
desenhos,
entre
outros
dispositivos
que
fazem
referência
ao
lugar.
Ao
se
deter
no
tipo
de
mobilidade
necessária
para
transitar
entre
um
dispositivo
e
outro,
creio
que
o
trabalho
apresentado
nesta
exposição
busca
evidenciar
a
noção
de
lugar
das
convenções
arquitetônicas,
das
práticas
institucionais
e
também
das
definições
e
possibilidades
do
desenho.
Ao
tratarem
do
próprio
espaço
expositivo,
estes
desenhos
estão
revisitando
desenhos
anteriores:
desenhos
mentais
que
conceberam
as
plantas
e
projetos
para
este
lugar
e
que
foram
responsáveis
pela
organização
e
visualização
de
sua
construção.
Desenhos
de
sua
reforma
de
adequação
à
atividade
expositiva.
O
desenho
do
plano
desta
exposição.
Neste
sentido,
o
próprio
prédio
é
um
desenho
em
um
espaço
desenhado
da
malha
urbana.
Ao
desenhar
o
local
em
que
os
desenhos
serão
expostos,
trabalho
com
a
lógica
de
voltar
a
atenção
dos
visitantes
para
a
convergência
de
lugar
físico
e
espaço
abstrato
no
desenho,
podendo
pensar
no
quanto
o
planejamento
do
espaço
que
construímos
e
dos
objetos
que
nos
rodeiam
são
determinados
por
operações
e
recursos
próprios
do
desenho.
Porém,
o
que
o
trabalho
alcança,
mesmo
que
ambicione
e
se
empenhe
para
isso,
nunca
é
o
lugar,
nem
os
seus
discursos.
O
que
se
elabora
é
uma
ficção
sobre
este
lugar.
Nas
correspondências
entre
fragmentos,
informações
e
deslocamentos
que
a
realidade
gráfica
permite,
o
que
pode
ser
percebido
é
uma
rede
de
relações
que
se
expandem
de
um
dado
objeto
trabalhado
para
outros,
como
se
qualquer
coisa
desenhável
pudesse
contactar,
indicar,
o
desenho
de
outra
coisa
desenhada,
quase
como
uma
existência
contígua
à
nossa,
que
a
permeie
e
torne
mais
complexa.
Um
desenho
encadeia
outro,
lança
a
atenção
para
outro
objeto,
ativa
a
memória
pela
semelhança,
faz
curvas
e
retorna
a
si
mesmo,
estimula
a
projeção
mental
sobre
o
que
ainda
não
existe
como
tal.
O
possível
e
o
incompleto.
Como
conseqüência,
as
operações
gráficas
do
trabalho
parecem
ampliar
o
caráter
ficcional
de
seu
objeto,
exacerbar
as
potencialidades
fantasiosas
que
se
estendem
além
de
sua
condição
material,
contingencial.
A
idéia
de
uma
cartografia
cotidiana
me
parece
muito
apropriada
para
refletir
sobre
este
tipo
de
situação,
na
qual
engendramos
artifícios
para
compreender
e
nos
relacionarmos
com
o
mundo.
Desenhamos
objetos,
pessoas,
situações,
assim
como
desenhamos
conceitos,
abstrações,
projeções
e
memórias.
Portanto
desenhar
não
implica
apenas
uma
tomada
de
espaço,
mas
de
tempo,
e
evidencia
a
sua
pertinência
para
além
do
visível,
incorporando
o
imaginável.
Se
podemos
usar
o
desenho
para
nos
relacionarmos
com
o
mundo,
também
temos
que
considerar
o
quanto
isso
já
foi
feito
e
o
quanto
tudo
aquilo
que
já
foi
desenhado
também
constitui
este
mundo.
Logo,
uma
cartografia
cotidiana
pode
implicar
uma
confusão
nos
limites
entre
os
mapas
e
os
locais
aos
quais
estes
se
referem,
levando
à
estranha
possibilidade
de
mapear
os
próprios
mapas
e
de
navegá-‐los.
*
Aqui
retomo
algumas
considerações
presentes
em
minha
dissertação
intitulada
locus
suspectus
–
o
desenho
no
espaço
e
os
espaços
do
desenho.
Sobre
os
conceitos
de
literal
site
e
functional
site
ver
MEYER,
James.
The
Functional
Site;
or,
the
transformation
of
site
specificity
In
SUDERBERG,
Erika
(org).Space,
site,
intervention:
situating
installation
art.
Minneapolis:
University
of
Minnesota
Press,
2000.
p.23-‐37.