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SOUZA, N. C.; OLIVEIRA, A. C.; GANASSIM, A. A.; FIOS, M.; CRUZ, M. G. A.;
IAUANY, S.; MACHADO JÚNIOR, L. B. S.
Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho – Faculdade de Ciências e
Letras de Assis – FCLAs/Unesp
RESUMO
É notável a intensa influência da mídia na vida das pessoas. Essa influencia está inserida na sociedade há
séculos, interferindo no desenvolvimento social dos sujeitos e as novas formas de relações; também notamos sua
contribuição ao analisar a evolução da infância mediante ao contexto a qual se insere. Assim, no decorrer da
História, a mídia foi tomando um lugar cada vez mais valorizado e através de sua simbologia colaborou para uma
concepção inovada de mundo adulto e infantil. Somado a essa influência, os conteúdos hoje explorados pela
Indústria Cultural (ou cultura de massa) são carregados de sexualidade, no entanto, a preocupação é que esses
conteúdos eróticos midiáticos estão no horário nobre na televisão, nas músicas das rádios, etc. E nesse caso, há
um público especial que o assiste: as crianças. Portanto, é importante estudar os reflexos da vida contemporânea
na infância e discutir como a erotização precoce emerge no brincar da criança, refletindo sobre suas possíveis
causas, como a ausência dos pais e também suas conseqüências, como o atropelamento das fases do
desenvolvimento, por exemplo.
ABSTRACT
It is notable the intense media influence on people's lives, considered even as the fourth power. This influence is
embedded in society for centuries, affecting the social development of individuals and the new forms of relations,
also noted his contribution to analyze the evolution of childhood through the context which it operates. Thus,
throughout history, the media has been taking an increasingly more valued and through its symbolism collaborated
for an innovative conception of childhood and the adult world. Added to this influence, the contents now explored
by Cultural Industry (or mass culture) are full of sexuality, however, the concern is that these media are erotic
content in prime time on television, in music from radios, etc. And in this case, there is a special public that
watches: children. Therefore, it is important to study the reflections of contemporary life in childhood and discuss
how the eroticization emerges early in child's play, reflecting on their possible causes, such as the absence of
parents and also its consequences, such as trampling stage of development, for example.
INTRODUÇÃO
É notável, na sociedade contemporânea, a influência midiática nos processos
de construção da subjetividade humana. Pretendemos, portanto, fazer uma reflexão
sobre a construção social da infância e sua relação com o desenvolvimento da
mídia; mostrando que o conceito de infância surge em certo contexto social e se
altera com a evolução deste.
Partindo das ideias de Neil Postman (1999, p. 11), “a infância, como estrutura
social e como condição sociológica, surge por volta do século XVI e chega refinada
e fortalecida aos nossos dias”, portanto, ela não é uma característica da ordem
natural das coisas.
Na era medieval não havia nenhuma concepção de desenvolvimento infantil,
de pré-requisitos de aprendizagem sequencial ou escolarização como preparação
para o mundo adulto. Também não havia cuidados em proteger as crianças dos
jogos sexuais, sendo um costume incluí-las naturalmente nas brincadeiras sociais.
(ARIÈS, 1978, p. 125 et seq.). Segundo Postman (1999), a infância terminava aos
sete anos, porque é nesta idade que as crianças dominavam a palavra e já podiam
compreender o mundo adulto.
Dessa maneira, o desenvolvimento da mídia é um fator decisivo para
compreender a infância como ela é concebida atualmente. A tipografia (mídia) criou
“um novo mundo simbólico que exigia por sua vez uma nova concepção de adulto e
da criança.” (POSTMAN,1999 p. 34).
A preocupação moralista por parte de Católicos e Protestantes acerca do
respeito à infância no fim do século XVI determinou uma restrição educacional
quanto à linguagem utilizada em livros. O pudor e os cuidados com a castidade das
crianças configurou um constructo de infância em que elas passaram a ser
protegidas da sexualidade adulta.
A nova idade adulta, por definição, excluía as crianças. E como elas foram
expulsas do mundo adulto, tornou-se necessário encontrar outro lugar que
pudessem habitar. Este outro mundo veio a ser conhecido como infância. Portanto,
não foram as necessidades da infância que a separou do mundo adulto, mas a
separação em si que criou as necessidades infantis.
Em geral ao longo do desenvolvimento midiático, a infância permaneceu
distanciada dos assuntos sexuais e se converteu em um período representado pela
inocência. No entanto, o seu contato com o mundo adulto voltou a culminar com a
Revolução Industrial no século XVIII, quando as crianças foram consideradas mão
de obra e passaram a sofrer abusos em fábricas. Segundo Ariès (1999), a família e
a escola foram responsáveis por afastar novamente a infância da realidade adulta,
com um protecionismo concentrado em provê-lo de estabilidade e segurança,
caracterizando um momento antecedente ao preparo para a vida adulta, de
tranquilidade resguardada.
Essa visão mistificada da infância, como uma fase isenta de conflitos e
sofrimentos, além da visão estereotipada de que as crianças não possuíam desejo
sexual, foi quebrada apenas com o advento da psicanálise. Segundo Freud, o
desenvolvimento sexual infantil é marcado por grandes acontecimentos, desde o
nascimento, que é o princípio da subjetivação infantil. Um desses acontecimentos é
a pulsão de saber ou investigar, que acontece por volta dos 3 aos 5 anos, no qual a
criança começa a criar hipóteses para o surgimento dos bebês, e fantasias para
explicar as diferenças anatômicas dos órgãos. Essa tentativa de conhecimento é
fracassada e auxilia na capacidade de lidar com a frustração. A conclusão saudável
dessa fase de pulsão epistemofílica (pulsão de saber) irá influenciar futuramente no
desenvolvimento intelectual do indivíduo, na sua capacidade de sublimar para
conhecer. Outra conclusão de Freud, é que esta investigação é realizada na solidão
e significa um grande passo para a “orientação autônoma no mundo”, destacando os
aspectos negativos da falta da pulsão de saber (FREUD, 1996, p.183).
Freud teorizou pouco a respeito da análise prática de crianças. Em dois
momentos aparece de forma clara: o caso do pequeno Hans (1909), o qual tinha
fobia de cavalos e foi analisado pelo próprio pai com o auxílio de Freud; e em Além
do Princípio de Prazer (1920), em que relata a angústia de seu neto expressa por
meio do brincar com seu carretel, chega então à conclusão de que “toda criança
brinca a sua angústia”. Esse legado marcou a história da análise de crianças.
Posteriormente quem trabalhou melhor esse assunto foi Melanie Klein.
Segundo Melanie Klein (1991), o brincar remete ao fato de que a criança
recorre a esse ato com o intuito de fuga e organização da sua realidade psíquica,
manifestando assim suas fantasias inconscientes (phantasias). Oliveira (2000)
afirma que “[o brincar] manifesta a forma como a criança está organizando sua
realidade e lidando com suas possibilidades, limitações e conflitos, já que, muitas
vezes, ela não sabe, ou não pode, falar a respeito deles” (OLIVEIRA, 2000, p. 16).
Por meio do brincar livremente a criança elabora lutos, cria representações e a
capacidade de simbolizar.
Dessa maneira, a análise do brincar permite que seja possível observar
representações inconscientes da criança, em que os simbolismos são mais naturais,
comparados ao dos adultos. Além disso, pressupõe-se que as crianças sejam
dominadas por estas representações e que é importante direcionar o olhar analítico
para estas, como postula Klein:
Concordamos que elas [crianças] não apresentam – nem podem apresentar
– associações da mesma maneira que os adultos e, portanto, não é
possível recolher material suficiente apenas através da fala (...) Se
examinarmos esses meios com mais atenção (...) veremos que seu objetivo
é reunir material de maneira distinta da associação ditada pelas regras e
que é essencial, no caso das crianças, incentivar e liberar a sua
fantasia.(KLEIN, 1996, p. 173)
Quando os segredos não são guardados, ou seja, são expostos o tempo todo
pela mídia, o corpo é exposto à exaustão, assim sendo, quase não há mais a
curiosidade sexual de que fala Freud, fortalecendo a falta de curiosidade pelo
próprio corpo e pelo do alheio, afinal, o corpo já é conhecido pela criança sem uma
iniciativa própria.
CONCLUSÃO
A valorização e o incentivo de aspectos que levam à erotização precoce
afetam as crianças no sentido de atropelar fases em seu desenvolvimento
(GUEDES, 2009). A exposição a conteúdos que remetam a genitalidade, sem que
necessariamente tal se realize de maneira explícita, pode pressionar a psique infantil
para a tentativa de elaborar uma excitação para a qual não está preparada. Leve-se
em conta que a maneira como o erótico é exposto na televisão apela para o
sensacional, termo que, não por acaso, tem relação direta com sensual. São as
sensações diretamente incitadas por um jogo rápido de imagens, músicas de ritmo
repetitivo e dançante, acompanhadas pela exibição de corpos perfeitamente afeitos
aos padrões estéticos vigentes.
Outro ponto a se notar é que a exposição da criança ao conteúdo midiático é
facilitada também pela da ausência dos pais, os quais precisam trabalhar cada vez
mais para acompanhar os padrões capitais instituídos. O controle do conteúdo que
as atinge é dificultado por esse fator.
Há ainda a questão de que a TV é tão difundida e pertencente à estrutura
social, que é difícil fugir às suas artimanhas. O cotidiano da maioria das pessoas
inclui um bom tempo diante da televisão, acompanhado de discussões sobre seus
conteúdos, leitura de revistas sobre celebridades, entre outros hábitos, que tornam o
universo de sensações veiculadas por esse media mais do que presente no dia-a-
dia, mas participante da construção dos conteúdos simbólicos presentes na psique
dos indivíduos.
Por fim, convém relatar que nosso estudo se ateve a televisão, veículo de
comunicação sobre o qual já existe extensa literatura. Tal escolha não significa que
consideremos outros media como sendo desprezíveis na construção de conteúdos
simbólicos. Um deles é a Internet, cuja atenção por parte do meio acadêmico,
relativo a questões do desenvolvimento infantil, ainda é incipiente. Esperamos que
possam surgir pesquisas nesse sentido, sem deixar de lado, entretanto, os efeitos
dos outros meios de comunicação em massa, ainda presentes em nossa vida, como
a televisão.
REFERÊNCIAS
SALGADO, R.G.; PEREIRA, R. R.; JOBIM E SOUZA, S. Pela tela, pela janela:
questões teóricas e práticas sobre infância e televisão. Cad. CEDES, Campinas, v.
25, n. 65, Apr. 2005.