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O CONTRATO
Negócios Jurídicos
Por parte entende-se, nesta sede, o titular de um interesse, e não uma pessoa individualmente considerada.
Esta acepção, por isso, implica que duas ou mais pessoas constituam uma única parte, desde que ligadas por um
interesse comum. Nos contratos, por seu lado, exige-se uma contraposição de interesses entre as duas partes.
A referência a “interesse” é, como sabemos, discutida pela doutrina: MENEZES CORDEIRO critica
aquilo a que apelida de verdadeira “jurisprudência dos interesses”, já que os intervenientes num negócio jurídico
unilateral podem ter interesses diversos, sem prejuízo de uma posição comum.
Negócios jurídicos unilaterais: os efeitos desencadeados não diferenciam as pessoas que intervieram.
MENEZES LEITÃO critica esta acepção, propugnando antes o critério da necessidade de uma declaração
negocial ou de duas ou mais, como critério delimitador de negócios jurídicos unilaterais e bi/multilaterais. Atenta-se,
aqui, ao modo da formação do negócio, e não já aos “interesses” subjacentes ou aos “efeitos” desencadeados.
Os efeitos da doação são sempre os mesmos, seja ela um contrato ou um negócio unilateral: art.
954º.
O contrato é, enfim, o resultado de duas ou mais declarações negociais contrapostas, mas integralmente
concordantes entre si, de onde resulta uma estipulação unitária de efeitos jurídicos.
Modalidades de Contratos
.1: QUANTO À FORMA. O princípio do consensualismo [art. 219º] determina que, salvo casos
excepcionais, o simples consenso das partes deve ser operativo em relação à constituição do contrato. Daqui se
extrai que:
Excepcionalmente, existem disposições que exigem forma especial que, a não ser observada,
redunda em nulidade [art. 220º] – normas excepcionais, insusceptíveis de aplicação analógica [art.
11º].
Contratos formais: a forma da declaração negocial encontra-se especialmente prevista [vg arts.
Contratos não formais: a exteriorização da declaração negocial pode ser feita por qualquer meio
[vg oralidade].
Em concluir, importa recordar a seguinte distinção fundamental da Teoria Geral do Direito Civil:
o Ad substantiam
o Ad probationem
Contratos reais quoad constitutionem: para a sua celebração exige-se tradição ou entrega da coisa
objecto. São exemplos o penhor, comodato, mútuo e depósito [contratos pelos quais “uma das
o Razões:
De ponderação: doação
De publicidade: penhor
Neste âmbito, uma significativa doutrina portuguesa seguiu a concepção germânica de que as partes, ao
abrigo da autonomia privada, poderiam dispensar o requisito de tradição da coisa, excepto tratando-se de penhor de
coisas [art. 669º], cuja tradição tem efeito constitutivo [VAZ SERRA, MOTA PINTO, ALMEIDA COSTA,
MENEZES LEITÃO defende que quando a lei exige imperativamente a tradição para a constituição do
contrato [vg arts. 669º e 947º-2 – “só produz efeitos” e “só pode ser feita”], esta não pode ser dispensada pelas
partes. O mesmo se verifica nos restantes casos [arts. 1129º, 1142º e 1185º], já que a exigência da tradição tem a
utilidade de não permitir que a execução do contrato ocorra numa fase posterior à da declaração negocial [contra
comodato real com um comodato consensual, etc, implicando defender dois regimes contraditórios entre si para um
mesmo contrato.
.3: QUANTO AOS EFEITOS. Quanto aos efeitos, os contratos podem ser:
Contratos reais: originam uma situação jurídica que se reconduz a um direito real.
Contratos obrigacionais: originam uma situação jurídica que se reconduz a direitos de crédito e a
obrigações.
Cumpre atender ao disposto no art. 408º-1, que determina que a transmissão dos direitos reais sobre coisas
ocorre por mero efeito do contrato [regra geral – quoad effectum]: para tal, as coisas têm que ser presentes,
determinadas e autónomas de outras coisas [art. 408º-2: transferência da propriedade diferida para momento
posterior]. A regra geral corresponde, assim, ao denominado sistema do título [admitindo-se a dissociação entre
posse e direito real]: a transmissão do direito real não depende de qualquer acto posterior, como a tradição da coisa
ou o registo. Nestes termos, o adquirente da coisa é seu proprietário desde o momento da celebração do contrato,
correndo o risco da perda ou deterioração da coisa a partir desse momento [art. 796º-1].
Indiciámos já algumas excepções a esta regra, que ora cumpre apreciar [art. 408º-2] – excepções legais ao
anel é doado ao alienante, B]. Ressalva: regime aplicável à compra e venda, e não à doação ou à
propriedade [ou de outro direito real] sobre essa coisa por parte do alienante.
o Coisas absolutamente futuras: não existem ainda na realidade jurídica e fáctica. O direito
só será adquirido a partir do momento em que a coisa tiver existência [tornar-se numa
[art. 543º] – o efeito translativo está associado com a escolha da prestação, desde que conhecida
das partes [normalmente, do devedor]. Ressalva: regra não abrange as obrigações genéricas [arts.
539º e 540º] – o efeito translativo dá-se com a concentração [normalmente, com o cumprimento],
real pode ser diferida mediante acordo de termo [art. 796º-2] ou condição [art. 796º-3], apostos ao contrato.
.4: RESERVA DE PROPRIEDADE. Como consequência lógica do que supra .3 foi referido, o
comprador torna-se imediatamente proprietário da coisa vendida no momento de celebração do contrato de compra e
venda, vg, podendo aliená-la de imediato, mesmo que esta ainda não lhe tenha sido entregue ou que o preço ainda
não tenha sido pago [na totalidade] – cfr. art. 408º-1. O vendedor, esse, tem o direito de crédito de cobrar o preço:
quando não tenha qualquer preferência no pagamento, concorre com todos os credores comuns do comprador sobre
o património deste [art. 604º-2]. Acresce o facto de que o vendedor não pode resolver o contrato por incumprimento
da outra parte a partir do momento em que ocorra a transmissão da propriedade e a entrega da coisa [arts. 801º-2 e
886º]. Esta realidade é ilustrada pelos inconvenientes e riscos da compra e venda a crédito [com espera do preço,
enfim].
À convenção entre o vendedor e o comprador pela qual o alienante reserva para si a propriedade da coisa
até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte, ou até à verificação de qualquer outro evento,
designa-se cláusula de reserva de propriedade [art. 409º - pactum reservati domini]. Neste caso, a transmissão da
propriedade é diferida para o momento do pagamento [integral] do preço, sem exigência de qualquer publicidade,
dependendo a transferência desse facto futuro e incerto [o pagamento]. Esta convenção pode ser celebrada em
relação a quaisquer bens, sendo que quando respeite a bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, só a cláusula de
reserva de propriedade constante do registo é oponível a terceiros [art. 409º-2]. Tratando-se de uma coisa móvel não
sujeita a registo, a eficácia da cláusula é meramente inter partes, em face do princípio da relatividade dos contratos
[art. 406º-2]. Extinguir-se-á, todavia, se o terceiro adquirir a propriedade a título originário [vg usucapião ou
acessão].
do contrato pelo comprador, sendo que a conservação da propriedade no vendedor até ao pagamento impede outros
credores de executarem o bem [vs art. 604º-2]. Verificado o incumprimento definitivo por parte do comprador, o
vendedor pode resolver o contrato, já que ainda não transmitiu a propriedade da coisa [cfr. arts. 801º-2 e 886º].
Em caso de venda a prestações em que haja tradição da coisa, o vendedor não pode resolver o contrato se o
comprador faltar ao pagamento de uma única prestação que não exceda 1/8 do preço [inferior à oitava parte do
preço]. Pode, sim, resolver o contrato se o comprador faltar a mais do que uma prestação, independentemente da
proporção da mesma na quantia total em dívida, ou a apenas uma, superior à oitava parte do preço [art. 934º]. Esta
norma data de 1966 [versão originária do CC]: o legislador concebia já o consumidor como a parte mais fraca, que
desta figura, pronunciaram-se GALVÃO TELLES, ANTUNES VARELA e ALMEIDA COSTA no sentido de
que seria equiparável a uma condição suspensiva: a transmissão da propriedade ficaria subordinada a um facto
futuro e incerto, o pagamento do preço. O comprador seria, nestes termos, um adquirente condicional [arts. 273º,
MENEZES LEITÃO considera inaceitável que o vendedor suporte o risco pela perda ou deterioração da
coisa [art. 796º-3, 2ª parte], mesmo após entrega ao comprado, conforme a solução supra propugna. A partir da
tradição, é o comprador quem está investido nos poderes de uso e fruição da coisa, enquanto que a reserva da
propriedade na esfera do vendedor apenas assegura a recuperação do bem, em caso de não pagamento do preço. O
risco deve, por isso, correr por conta de quem beneficia do direito: por conta do comprador, enfim, e a partir da
CUNHA GONÇALVES concebe a teoria inversa: a cláusula de reserva de propriedade seria equiparável a
uma condição resolutiva, já que a propriedade seria logo transmitida para o comprador mas, verificado o
incumprimento do pagamento do preço, ocorreria a resolução dos efeitos do negócio jurídico, com eficácia
MENEZES LEITÃO dirige uma vez mais críticas a esta teoria: este entendimento entraria em contradição
com o disposto nos arts. 409º-1 e 304º-3: “é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao
cumprimento” e “se prescrever o crédito ao preço, pode o vendedor, não obstante a prescrição, exigir a restituição da
Qualquer dos entendimentos supra padece do vício de classificar a cláusula de reserva de propriedade
enquanto uma condição, seja ela suspensiva ou resolutiva, já que a condição é a cláusula acessória do negócio
jurídico que determina a subordinação dos seus efeitos a um acontecimento futuro e incerto [art. 270º]. Trata-se,
Sem a reserva, a transmissão da propriedade ocorre antes do pagamento do preço [por mero efeito
Em conclusão, MENEZES LEITÃO considera que uma vez que o negócio translativo já foi celebrado, o
comprador já tem uma expectativa jurídica de aquisição do bem. A natureza jurídica da reserva de propriedade
relaciona-se, assim, com a expectativa real de aquisição do direito real, expectativa oponível a terceiros.
ROMANO MARTINEZ entende que sempre que tenha havido entrega da coisa, o risco tem-se por
O princípio do cumprimento
O perecimento da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do
O risco do perecimento da coisa, em virtude de contrato que dependa de condição resolutiva, corre
por conta do adquirente/proprietário se a coisa lhe tiver sido entregue [art. 796º-3]
A reserva de propriedade é a condição resolutiva que obsta à resolução do contrato, pelo devedor,
Nestes termos, o adquirente com reserva de propriedade beneficia do direito de retenção previsto no art.
Contratos sinalagmáticos: contratos que originam obrigações recíprocas para as partes, ficando
ambas simultaneamente na posição de credores e de devedores [art. 879º b) e c), vg]. Emergem
prestação – vg mandato].
Contratos monovinculantes: apenas uma das partes fica vinculada ao cumprimento da obrigação.
O contrato-promessa unilateral [assim apelidado pelo art. 411º] seria, segundo este entendimento, um
contrato sinalagmático, já que implica prestações correlativas [as declarações de ambas as partes], ainda que
Contra este entendimento, MENEZES LEITÃO considera que não há qualquer sinalagma no contrato-
promessa unilateral, já que só uma das partes está obrigada/vinculada a celebrar o contrato definitivo. A declaração
negocial não pode ser vista como uma obrigação nem pode ser exigida.
Regressemos, por isso, à primeira classificação deste âmbito: a classificação de contratos quanto à
existência de obrigações recíprocas [maxime os contratos sinalagmáticos]. O surgimento de uma prestação está
ligado ao surgimento de uma contraprestação: o denominado sinalagma genético [nexo final]. Como consequência
lógica deste nexo final, as prestações surgem interdependentes e uma não deve ser executada sem a outra.
Este sinalagma, também designado sinalagma funcional, tem manifestações em diversos institutos do
Excepção do não cumprimento: art. 428º [vg A, dealer de droga, combina com B entregar uma
mala com cocaína num local público, em troca de uma mala com o preço acordado, a efectuar em
simultâneo].
Extinção do contrato sinalagmático por impossibilidade de uma das prestações: art. 795º-1.
podem ser:
Contratos onerosos: implicam atribuições patrimoniais para ambas as partes [vg contrato de
Contratos onerosos ou gratuitos, dependendo: mútuo, mandato e depósito, arts. 1145º, 1158º e
1186º.
o Mútuo: quando oneroso [art. 1145º-1], não é sinalagmático – todos os contratos reais
relação triangular.
Contratos aleatórios: pelo menos uma das atribuições patrimoniais se apresenta como incerta
o Exemplo: contrato de jogo e aposta [art. 1245º], contrato de renda vitalícia [art. 1238º] e
contrato de seguro.
o Contratos atípicos: o regime é imposto pela prática comum, falando-se a esse propósito
franchising].
o Contratos nominados: reconhecidos pela lei através de um nomen iuris. Podem, por sua
o Contratos inominados: a lei não os designa através de um nomen iuris. São sempre
atípicos.
.9: CONTRATOS MISTOS. Os contratos mistos reúnem em si regras de dois contratos total ou
parcialmente típicos. Assumem-se como contratos atípicos, já que não correspondem integralmente a nenhum tipo
Paradoxalmente, a sua atipicidade resulta da adopção de dois ou mais contratos que são, per se, típicos,
1. Contratos múltiplos ou combinados: contratos nos quais as partes estipulam que uma delas
deve realizar prestações correspondentes a dois contratos típicos distintos, enquanto que a outra
2. Contratos geminados ou de tipo duplo: contratos nos quais uma parte se encontra obrigada a
uma prestação típica de certo tipo contratual e a outra se encontra obrigada a uma contra-
Para estes tipos de contratos [1. e 2.], GALVÃO TELLES propõe a aplicação da teoria da combinação:
aplicação combinada dos vários regimes em causa. MENEZES LEITÃO considera que esta será a solução
tendencial para os dois tipos de contratos em apreço, de modo menos rígido quanto propugna GALVÃO TELLES.
3. Contratos indirectos, mistos stricto sensu ou cumulativos: contratos nos quais é usada uma
estrutura própria de um tipo contratual para preencher uma função típica de outro tipo contratual.
liberalidade/doação.
veículo.
Para estes tipos de contratos [3. e 4.], GALVÃO TELLES propõe a aplicação da teoria da absorção: deve-
se optar a favor de um único regime contratual. MENEZES LEITÃO considera que esta é a teoria que
tendencialmente se aplicará aos dois tipos de contratos em apreço, de modo menos rígido quanto propugna
GALVÃO TELLES.
aplicação de nenhum dos regimes, tratando-se de contratos integralmente atípicos que devem obedecer à Parte Geral
do Direito das Obrigações. Perante lacunas de regime, a integração deveria ser feita com recurso à analogia.
MENEZES LEITÃO considera que esta teoria merece um afastamento liminar, já que a integral atipicidade dos
.10: UNIÃO DE CONTRATOS. Ao contrário dos contratos mistos conforme enunciados supra .9, na
união de contratos não existe um contrato apenas, já que os vários elementos dos tipos contratuais não se dissolvem
Na união de contratos verifica-se, sim, a celebração conjunta de diversos contratos, unidos entre si. Cada
União externa: a ligação entre os vários contratos resulta apenas de serem celebrados ao mesmo
tempo [vg ir a um café e pedir um bolo e um maço de cigarros] – art. 417º-1, 1ª parte.
União interna: os contratos apresentam-se ligados entre si por uma relação de dependência,
União alternativa: as partes declaram pretender um ou outro contrato, consoante ocorrer ou não a
.11: SUBCONTRATO. O subcontrato é um negócio jurídico bilateral sujeito à disciplina geral dos
contratos.
Com efeito, uma das partes no subcontrato terá que ser parte noutro negócio jurídico, enquanto que o
subcontraente é, em regra, estranho à relação contratual base. O negócio base tem necessariamente que ser um
contrato duradouro e celebrado sem intuitu personae. O intermediário é parte nos dois contratos, pelo que não se
desvincula da convenção base, passando a coexistir duas relações jurídicas distintas: a do contrato principal e a do
subcontrato.
No subcontrato permite-se o gozo por terceiros das vantagens de que o intermediário é titular, bem como a