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Caminhos poéticos na cena: uma experiência erótica com Péricles Prade e Teresinha Soares.

Diego Batista Leal – Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas –


IA/UNICAMP.
diegobatistaleall@gmail.com
Palavras-chave: Narrativas; experiência erótica; composição cênica.

Este resumo apresenta a comunicação de um recorte da pesquisa de mestrado que


desenvolvo no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas – IA/UNICAMP, com
orientação da Profª Drª Isa Etel Kopelman.
Como desenvolver uma composição cênica da experiência erótica do corpo a partir da
associação entre obras artísticas de linguagens distintas? Quais são as possibilidades de atravessamento
e articulação entre elementos de diferentes áreas artísticas para compor esse experimento? Como
abordar os limites da intensificação da vida e da fisicalidade corporal? E com isso, como cultivar em
cena uma zona relacional com o espectador capaz de descortinar novas maneiras e formas de
percepção e subjetivação do corpo erotizado?
Em experiências recentes, a arte brasileira tem se deparado com uma crescente onda de
manifestações de intolerância e censura direcionadas a algumas obras que são entendidas por essas
acusações como obras de “arte degenerada” ou “pornográfica”. Expondo assim, ignorâncias e
preconceitos que povoam o senso comum, mas que também traduzem os resultados de décadas de
exploração da sexualidade através dos meios de comunicação de massa.
Péricles Prade é um escritor catarinense, autor de livros de poesia e ficção, além de
ensaios críticos sobre arte e literatura, possuindo ainda, publicações jurídicas. Prade publicou mais
de dezoito livros de poesias, no entanto, esta pesquisa aborda sua obra ficcional, especialmente o
livro de contos: “Espelhos Gêmeos: pequeno tratado das perversões” (2015).
Esta obra é composta por dezoito narrativas curtas nas quais Prade manipula a
linguagem narrativa, provocando os sentidos e a imaginação de quem o lê, jogando página a página
com os desvios narrativos, as livres associações, o humor e, sobretudo, com as representações
grotescas e eróticas das figuras humanas e animadas que inventa.
Já Teresinha Soares é uma artista multimeios mineira e produziu toda sua obra visual
durante um curto período entre 1967 e 1973 (MOURA, 2017). Durante esses seis anos, Soares
experimentou criar de diversas maneiras, pintou, desenhou e gravou sobre madeira, papel e
serigrafia, além de ter produzido diversos objetos, instalações e performances (MORAIS, 2017).
Em “Acontecências” (1966; 1967), Soares desenvolve uma série de oito quadros-
narrativas visuais sem ligação direta uma com a outra, exceto pelo fato de serem criadas a partir de
pintura, recorte e colagem de trechos de anúncios e manchetes de jornais.
Soares compõe em contrastantes tons de preto, vermelho, verde e branco, figuras
fragmentadas, mãos, bocas, pernas, cabeças e silhuetas, ora em manifestações de afeto e carinho,
ora em manifestações de sensualidade e pavor, confundindo o espectador com suas representações
viscerais do corpo em atos de obstinação, medo, violência, sexo, amor e morte.
Já na série “Vietnã” (1968), Soares encadeia em três pinturas, o tema da guerra e da
violência, em contraste com sua própria solidão e carências pessoais (MORAIS, 2017). Ela satiriza
a temática da guerra e sua midiatização, figurando corpos que se entrelaçam, numa tela similar a
televisiva, sem deixar claro se abraçam-se ou se estrangulam. Ou ainda, desenhando e pintando
noutro quadro, a silhueta de uma multidão festejando, em contraste com a silhueta de um corpo
caído e, aparentemente violentado, diante de outra silhueta de homem em pé com um cassetete na
mão. Desse modo, Soares delineia em sua representação da intensidade da experiência da vida, a
similaridade entre o fervor da festa e da violência.
Tanto as narrativas visuais de “Acontecências” (1966-1967) e “Vietnã” (1968) de
Soares, quanto as narrativas literárias de Prade em “Espelhos Gêmeos: tratado das perversões”
(2015), são obras de caráter erótico que, articulam-se de modo a manipular sentidos e a própria
linguagem em que se manifestam visual e literariamente.
Gilles Néret (1994) proclama a “alegria erótica” como único antídoto da humanidade
frente a consciência da morte inevitável, sendo um elemento vital do mundo e uma fonte de criação,
abordada pela arte desde os tempos em que a humanidade ainda vivia em cavernas.
Segundo o autor a arte erótica nos dá acesso a uma espécie de imortalidade oferecida
pela alegria erótica, desta maneira, essas obras testemunham as mudanças culturais e os fenômenos
sociológicos, registrando os fetichismos, a moda e as decorações de interiores de cada época, além
de assinalar a persistência dos mitos ao longo do tempo. Ela constitui assim, um amplo tratado dos
sistemas eróticos, desde a Idade da Pedra até a contemporaneidade (NÉRET, 1994).
A estreita presença da sexualidade e sua relação com a vida e a morte é minuciosamente
investigada por Georges Bataille, em seu ensaio “O Erotismo” (2017). O autor define o ato erótico
como sendo a intensificação da experiência que é a vida numa busca por uma espécie de
intensificação que nos conectaria, já que vivemos durante nossa efêmera e perecível existência, com
a sensação de termos alguma “continuidade perdida”, para além dessa vida, que ao ser dizimada
pela morte, afirma nossa “descontinuidade”. Ao mesmo tempo em que a morte, nosso
aniquilamento, afirma a “continuidade” ambicionada (BATAILLE, 2017).
Contudo, não é somente na intensidade do ato sexual e na violência do assassinato que o
autor vê caminhos para se experimentar formas de erotismo, Bataille defende que a poesia é um
caminho para a experiência erótica, pois a arte nos conecta a “indistinção”, confundindo distintos
objetos, nos aproximando assim da morte, que por sua vez, também é eternidade, continuidade
(BATAILLE, 2017).
Nessa perspectiva, faço transitar minha própria corporalidade com os registros de
minhas vivências entre as imagens e corporificações eróticas de Prade e Soares, buscando
caminhos para a composição poética na cena a partir dessa investigação da experiência erótica.
Considerando atentamente os dispositivos que buscam engendrar e dominar essa potência vital
através de discursos e saberes que permeiam a vida cotidiana.
As ações, imagens, falas, cores, figuras, personagens e acontecimentos que
constituem as narrativas literárias de Prade em “Espelhos gêmeos: pequeno tratado das
perversões” e as narrativas visuais de Soares em “Acontecências” e “Vietnã”, são abordadas
como estímulos criativos para a composição de cenas em laboratório de experimentação. Essas
investigações práticas ocorrem desde 2018, nos laboratórios teatrais do Departamento de Artes
Cênicas do Departamento de Artes da Unicamp, sendo realizadas de duas a quatro vezes na
semana, com duração de duas a quatro horas em cada dia. Ao término da pesquisa os materiais
criados em laboratório serão organizados numa mesma composição cênica que será
apresentada como resultado prático da pesquisa.

Referências
BATAILLE, G. O erotismo. Trad. F. Scheibe, 1ª ed., 2ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
MORAIS; MOURA (Org.). Quem tem medo de Teresinha Soares. São Paulo: MASP. 2017.
NÉRET, G. Erotica Universalis. Colônia: Benedikt Taschen, 1994.
PRADE, P. Espelhos Gêmeos: pequeno tratado das perversões. 1ª ed. São Paulo: Iluminuras,
2015.

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