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Introdução
Imprimir um caráter universal a uma festa popular que é a “cara” de Pernambuco:
o Carnaval do Recife. A partir da identidade criada pela designer e artista plástica Joana
Lira para o Carnaval Multicultural do Recife 2006, uma homenagem ao escritor Ariano
Suassuna, iremos analisar como o designer pode aproximar a cultura regional do
público, na criação para um evento de massa, com a participação de mais de um milhão
de pessoas de várias partes do país e do mundo.
1
Professor da Universidade Católica de Pernambuco e Relações Públicas com Especialização em Design
da Informação pela Universidade Federal de Pernambuco
2
Professora da Universidade Católica de Pernambuco e Jornalista com Especialização em Desenho pela
Universidade Federal de Pernambuco e Mestrado em Extensão Rural e Desenvolvimento Local pela
Universidade Federal Rural de Pernambuco
O Carnaval Multicultural do Recife e o Movimento Armorial
Duas cidades, em Pernambuco, destacam-se pelo carnaval de rua, no qual
blocos, troças, maracatus e foliões do Brasil e do exterior brincam durante quatro dias:
Recife e Olinda. Desde o início da gestão do prefeito João Paulo (PT-PE), em 2002, a
proposta é mostrar o Recife como “uma cidade que respira cultura. (...). Recife é
diversidade, é descentralização, é multiculturalidade”. (I CONFERÊNCIA DE
CULTURA DO RECIFE, 2003). Dessa forma, a festa de Momo foi descentralizada,
com vários pólos de animação em diversos pontos da cidade.
Em 2006, a Prefeitura homenageou o escritor Ariano Suassuna e o cantor
Claudionor Germano. Percebemos que a identidade visual criada pela artista plástica
Joana Lira teve como pressuposto abarcar a proposta de multiculturalidade, fazendo
uma ponte com a obra de Ariano. Ele é autor de peças e romances, alguns deles
adaptados para o cinema e a televisão como O Auto da Compadecida e, mais
recentemente, A Pedra do Reino, minissérie de cinco capítulos dirigida por Luiz
Fernando Carvalho, que teve o último exibido no dia do aniversário de 80 anos de
Ariano: 16 de junho. (CONTINENTE MULTICULTURAL, 2007).
O Movimento Armorial foi lançado por Suassuna em 18 de outubro de 1970, com o
apoio de artistas e intelectuais. O conceito, segundo o próprio Ariano, era “realizar uma
Arte erudita a partir das raízes populares da nossa Cultura” (SUASSUNA, 1977, p. 40).
A arte Armorial foi descrita como aquela que tem como traço principal a ligação com a
literatura de cordel, que apontariam três caminhos: um para a literatura, cinema e teatro,
através da poesia narrativa de seus versos; outro para as artes plásticas, como a gravura,
a pintura, a escultura, cerâmica, talha e tapeçaria, inspirado nas xilogravuras3; e um
terceiro para a música, pelas características do canto de seus verso e estrofes
(SUASSUNA, 1997, p. 39).
Além de escritor, Ariano Suassuna colabora como artista plástico transformando o
imaginário popular em arte, a partir de suas telas, esculturas, peças em cerâmica,
desenhos, gravuras e iluminogravuras4 (veja a Figura 1), que na opinião da jornalista
3
A xilogravura é uma gravura talhada em madeira, de onde se obtém ilustrações populares, muito
utilizada a partir do século XIX nas capas de folhetos da literatura de cordel. (FUNDAÇÃO JOAQUIM
NABUCO, 2007).
4
Iluminogravura: termo criado por Ariano Suassuna para designar uma releitura contemporânea da
iluminura - do francês enluminur - a arte, imagem ou o ato de ornar um texto, uma página.
(CONTINENTE MULTICULTURAL, 2002). Segundo o especialista na obra de Suassuna, Carlos
Newton, a iluminogravura é também um texto ilustrado. A ilustração de cada uma delas associa episódios
descritos no respectivo poema a motivos da cultura brasileira, recolhidos tanto em nossa arte popular
Olívia Mindêlo, contribuíram não só para a sedimentação de um ideal de cultura
brasileira, mas para a construção de uma marca muito particular. (JORNAL DO
COMMERCIO, 2007). As iluminogravuras estão presentes em várias das obras de
Suassuna.
Delas surgem figuras mitológicas, animais do universo sertanejo popular e
personagens inspirados no imaginário nordestino, ibérico, medieval. O
amarelo ouro, o marrom, o ocre, o preto e o vermelho são as cores que marcam
a identidade do trabalho. (JORNAL DO COMMERCIO, 2007)
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Joana Lira é designer, ilustradora e artista plástica. Apesar de formada em Design Gráfico pela
Universidade Federal de Pernambuco, ela destaca que assume muito mais o papel de artista plástica do
que de designer. Na área cultural, fez exposições, cenários para peças teatrais e ilustrou livros, além dos
trabalhos desenvolvidos para o Carnaval Multicultural do Recife (LIRA, 2007).
Fernando e Isaura, João Grilo e Severino de Aracaju. Também foram produzidas
imagens de lobos de duas cabeças, o boi voador e dragões, além da criação de brasões
representando a Heráldica6. Também há aves, pássaros, peixes, baleias, onças pintadas e
corações para retratar todo o universo encontrado nas obras de Ariano.
A sinalização dos Pólos de Animação ficou assim caracterizada:
- Pólo Recife Multicultural (Praça do Marco Zero) – Personagens inspirados no Auto da
Compadecida: Jesus, o Diabo, Severino de Aracaju, Vicentão, o Padeiro e sua Mulher,
Cabo 70, Rosinha, Nossa Senhora Aparecida ou a Compadecida, o Gato que Descome
Dinheiro, Chicó e João Grilo. A sinalização foi elaborada com totens em formato
lembrando caixas de fósforo na posição vertical, com uma base retangular de diversas
cores. (veja a Figura 3)
- Pólo Fantasias (Rua do Bom Jesus) – Personagens inspirados em A Pedra do Reino:
cavaleiros montados a cavalo, como painéis de chão. Também houve uso de animais
reais e do imaginário suspensos por cabos nas árvores por toda a rua. (veja a Figura 4)
- Pólo Mangue (Cais da Alfândega) – Personagens inspirados na obra A história de
Amor de Fernando e Isaura: Fernando e Isaura. Aqui a sinalização foi representada
através de banners de três dimensões, na qual se via também ornamentos compostos por
flores, pássaros e corações. Também são utilizados corações suspensos por cabos em
todo o Pólo.
- Pólo Afro (Pátio do Terço) – Personagens inspiradas nas iluminuras de Ariano que
retratam a raiz africana do povo nordestino e brasileiro: Negras de seios nus com
ornamentos (brincos, colares e lenços na cabeça).
- Pólo de Todos os Ritmos (Pátio de São Pedro) – Bichos lúdicos e o Sol. Estes estavam
em formato de totens, situados no topo, e a base tinha uma serpente tridimensional
enrolada. Já o painel do palco possuía ilustrações da Dama (rainha) e do Cavaleiro (rei),
fazendo um mix de alguns temas.
- Pólo de Todos os Frevos (Av. Guararapes) – Aqui veremos o uso de bandeiras, com os
Brasões Heráldicos, dividido em três elementos: o escudo, no qual estavam inseridas
figuras de animais lúdicos ou marcas de patrocinadores e apoiadores; o timbre 7 (com a
representação visual ou da flor-de-lis); e/ou coroa. O suporte destes era composto por
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Refere-se à ciência e à arte de descrever brasões de armas ou escudos. (HOUAISS, 2001)
7
O timbre é a figura sobre o elmo, como forma de facilitar o reconhecimento da identidade do cavaleiro e
aumentar a sua visibilidade pelos espectadores. Elmo faz parte do equipamento de guerra medieval, e se
apresenta das mais variadas formas, mas sua função básica é a proteção craniana. (HERÁLDICA, 2007)
Fotos: Tiago Lubambo
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Todas as pontes e as avenidas de acesso ao Bairro do Recife que tiveram decoração.
Não consigo ser imparcial ao criar uma identidade visual para um cliente.
Ao contrário, o cliente que me contrata sabe que vou agregar à empresa dele
a minha linguagem gráfica, e não criar uma linguagem diferente de todos os
outros trabalhos que fiz só para ele. (LIRA, 2007)
Conclusão
Podemos perceber, a partir da análise da identidade do Carnaval Multicultural
do Recife, que tanto o designer quanto o artista plástico podem imprimir um caráter
único a um evento, utilizando a linguagem do design gráfico de uma maneira universal.
Ou seja, mesmo a partir do universo mítico e único da cultura e do imaginário
populares, integrantes do Movimento Armorial, é possível transportar e difundir a
cultura pernambucana para um público de mais de um milhão de pessoas.
Os traços leves, as cores vibrantes e as demais características visuais das
iluminuras presentes na sinalização e decoração do evento, valorizam aspectos da
cultura e da identidade de uma região repleta de história, contos e causos fantásticos
como o Nordeste brasileiro. Daí a importância do designer, ao unir elementos
aparentemente díspares e fazendo da cultura regional um instrumento de criação,
aproximando o design das raízes do Brasil.
Referências
ALMA armorial. Continente Multicultural, Recife, ano II, nº 14, fevereiro, 2002.
CONTINENTE MULTICULTURAL. Cabras e Mamulengos versus Super-homem. Recife,
ano II, nº 20, agosto de 2002.
CONTINENTE MULTICULTURAL. O Universo Mítico de Ariano Suassuna. Ano VII, n.
78. Recife, ano VII, n. 78, junho de 2007.
ESCOREL, Ana Luisa. O Efeito Multiplicador do Design. São Paulo, Senac-SP, 2000
HOUAISS, Antônio. Mini Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
I CONFERÊNCIA DE CULTURA DO RECIFE. Folder. Recife, dezembro de 2003.
JORNAL DO COMMERCIO. Caderno Especial. Recife, 16 de junho de 2007.
LIRA, Joana. Entrevista via e-mail a Breno Carvalho e Carla Teixeira. Julho de 2007.
MELO, Jamildo. O Artesanato em Pernambuco. Assembléia Legislativa do Estado de
Pernambuco: Recife, 2006.
SUASSUNA, Ariano. O Movimento Armorial. Recife: Universitária da Universidade Federal
de Pernambuco, 1974.
SITE: www.heraldica.com.br/saiba_mais.htm (acessado em 21.04.2007)
SITE: www.nordeteweb.com.br/not11/ne_20001106b.htm (acessado em 06.08.2004)
SITE: www.unicap.br/armorial (acessado em 21.05.2007)
SITE: www.fundaj.gov.br (acessado em 21.05.2007)