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Repensar a Distribuição

Reflexões de Ano Novo

Alexandre Horta, sócio-sênior e diretor da GS&MD – Gouvêa de


Souza

Neste começo de ano, após o período de recesso, é comum, ao


reencontrar as pessoas com que se trabalha, comentar sobre o
ocorrido em suas férias, mesmo que tenham sido elas apenas uma
pequena recuperação de fôlego.
No meu caso, aproveitei para visitar alguns parentes na Espanha,
em uma cidade próxima a Barcelona (tão próxima que, estivesse ela
em São Paulo, seria considerada um bairro relativamente central). A
última vez que eu tivera a oportunidade de ir à Espanha tinha sido
em 2004. Seis anos se passaram e eu me preparava
psicologicamente para encontrar o pais subjugado por uma crise
muito forte, que fizera o nível de desemprego retornar aos sombrios
padrões da década de 80.
Minha primeira surpresa foi ao aterrissar em Madri e conhecer o
aeroporto de Barajas. Digo conhecer, pois ele em nada fazia lembrar
aquele antigo terminal onde os passageiros ficavam mal
acomodados em mal iluminadas salas à espera de seus vôos de
conexão.
Além do belo estilo arquitetônico e da modernidade das instalações,
foi impossível não fazer comparações com a situação vivida hoje no
Brasil, pois apenas uma das alas do Terminal 1 (para onde nos
deslocamos de trem, após o desembarque e a imigração, para fazer
a conexão para Barcelona) tinha mais portas de
embarque/desembarque do que todo o Aeroporto Internacional de
São Paulo!
Mas as surpresas daquele dia ainda não haviam terminado. Após
muito tempo esperando o vôo de conexão, prejudicado pelas
nevascas que afetavam o tráfego aéreo em parte do continente
europeu, pudemos chegar a Barcelona e desembarcar no (também)
novo e grandioso terminal aeroportuário dessa bela cidade. Fiquei
estupefato: se para mim fazia sentido a reforma do aeroporto de
Barajas em Madri, Barcelona representava em minha memória um
modelo de terminal moderno e eficiente. Como seria possível que
tenha sido necessário reformular um aeroporto que, mesmo
construído para as Olimpíadas de 1992, ainda era capaz de dar
inveja a muitos aeroportos mais novos?
Essa perplexidade foi-se aprofundando conforme a viagem se
desenrolava, pois pude observar como as originais cinco linhas do
metrô de Barcelona transformaram-se em dez e como algumas
daquelas linhas foram estendidas e estações foram modernizadas.
Pude observar também como as linhas de trens de alta velocidade
foram se multiplicando e as estações de trens se modernizando (no
dia seguinte da minha chegada à Espanha, estava sendo
inaugurada a nova linha Madri – Valência, além da modernização da
estação de Atocha).
Pude concluir que a Espanha tinha incorporado de fato os padrões
europeus no que tange à manutenção de um elevado padrão de
qualidade nos seus sistemas de transporte. Mesmo com a difícil
situação econômica que se encontra, tem mantido em curso um
plano de investimentos no sentido de evitar gargalos e, com isso,
conservar um alto nível de eficiência no deslocamento de bens e
serviços dentro do país e para seus parceiros comerciais.
Já no Brasil, ao primeiro sinal de perigo no horizonte, paralisamos
obras já iniciadas, desmobilizamos empresas e pessoas envolvidas e
esperamos passar a borrasca, mesmo que isso nos sujeite a um
custo adicional duplo: seja pelo incremento de custo da obra, devido
ao processo de desmobilização e remobilização (incluindo a
deterioração de parte da obra que ficara incompleta), seja pelo
custo da manutenção, por um determinado tempo, da ineficiência
que o(s) investimento(s) em questão trataria(m) de eliminar ou
reduzir.
Esse “jeitinho” brasileiro, onde sempre é possível procrastinar
algumas decisões e postergar investimentos, tem feito com que o
país tenha vivido nas últimas décadas na base de “consumir o seu
patrimônio”, pois o nível de investimento em infraestrutura tem se
mantido absurdamente baixo quando em comparação ao
crescimento do consumo. Isso se reflete em mais veículos nas ruas,
mais transporte de mercadorias, mais gente viajando de avião em
vez de ônibus, etc. Pior do que isso, ele encontra-se muito aquém
do nível mínimo indispensável para manter esse patrimônio em
correta condição de uso (o nível de investimento governamental
não chega a 2% do PIB).
Para piorar, uma série de limitações foram impostas, com base em
argumentos ideológicos, impedindo que fossem abertas
oportunidades ao capital privado para investir nos vários gargalos
de infraestrutura que possuímos há bastante tempo (terminais,
portos, estradas, etc.).
Como exemplo das consequências deste estado de coisas,
imediatamente após qualquer feriado prolongado, quando se
divulgam as estatísticas referentes aos acidentes ocorridos nas
estradas federais (principalmente em Minas Gerais, que possui a
maior malha rodoviária do país), constatamos tristemente que o
número de vitimas fatais cresceu sistematicamente, ano após ano.
Tal cenário tende a se agravar ainda mais pelo fato do Brasil ter se
comprometido em sediar dois eventos monumentais em poucos
anos e que trarão um significativo fluxo adicional de visitantes ao
país.
No meio dessas divagações (ou desabafos) li há dois dias a boa
notícia de que o Palácio do Planalto teria incorporado uma maior
dose de pragmatismo e concordado com a transferência à iniciativa
privada da construção e operação de terminais aeroportuários em
São Paulo. Já seria um bom começo, apesar do prazo para
solucionar os gargalos existentes até a Copa já ter se tornado por
demais exíguo. Mas, como diz aquele ditado, “.... uma no cravo,
outra na ferradura”: o preço da nova tarifa de transporte público em
São Paulo passa a R$ 3,00, tornando-a cerca de 60% mais cara do
que a tarifa integrada (metrô, ônibus, trem) de Barcelona. Afinal
eles estão em crise....

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