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THYMELI ESCOLA DE TEATRO, MÚSICA E DANÇA

INFLUÊNCIAS DA TRAGÉDIA GREGA NO TRÁGICO DE


“DANÇANDO NO ESCURO”

Adailton dos Santos Junior


5N
Curso Técnico em Teatro Musical
Professora Mestre Fernanda Camargo

Abril de 2020
INTRODUÇÃO
Lars Von Trier é um diretor bastante conhecido por fazer filmes com temáticas
inusitadas, muitas vezes depressivas, melancólicas e polêmicas. Ninfomaníaca,
Melancolia e A Casa que Jack Construiu são alguns exemplos do trabalho do
premiado diretor. Trier já trabalhou com diversos gêneros, desde o lírico ao terror e o
erótico, fazendo até mesmo um musical, no caso, Dançando no Escuro.

Protagonizado pela cantora Björk, Dançando no Escuro conta a história de


Selma, uma imigrante de Tchecoslováquia que trabalha em uma indústria de
utensílios metálicos. Ela mora em um trailer alugado com seu filho de 12 anos,
Gene. Selma, por causa de uma doença congênita e hereditária, que foi transmitida
para seu filho, está perdendo a visão. Em paralelo, ela tem uma paixão por musicais
americanos, até vivendo a montagem de um, A Noviça Rebelde. Enquanto usa a
musicalidade para fugir de sua realidade, Selma junta dinheiro para operação do
filho, escondendo esse segredo de todos. Porém, ao ser acusada de matar seu
vizinho, Selma se encontra em um estado de aporia onde ela fará de tudo para
conseguir salvar seu filho.

A tragicidade é um fenômeno bastante presente na obra de Lars Von Trier. O


material que o diretor usa para criar suas obras geralmente, embebidos de lirismo,
estão carregados de peripécias, reconhecimentos, ações, heróis, todas essas
características que constituem uma estética fundada no conflito trágico.

Partindo da tragédia da Grécia antiga, podemos perceber que Dançando no


Escuro tem grandes referências ao antigo gênero que, se misturando a
modernidade, se torna uma forma de tragédia contemporânea. Este trabalho tem
como objetivo analisar as influências trágicas na obra do diretor Lars Von Trier,
Dançando no Escuro.
DESENVOLVIMENTO
A ideia de tragédia surge na Grécia Antiga no ano de V a.C. com a primeira
peça encenada “Os Persas”. A partir de então, as montagens trágicas ficaram
famosas e para apresentá-las, os gregos realizavam uma espécie de festival anual
para que os dramaturgos pudessem apresentar suas obras.

Uma tragédia grega tem diversas características que a definem como um


gênero único como a peripécia, estado de aporia, reconhecimento, coro, herói
trágico, etc. Analisemos alguns momentos e acontecimentos do filme para podermos
falar sobre essas características.

Antes de nos debruçar sobre o trágico no longa aqui comentado, deve-se


dizer que, em seus filmes, Lars Von Trier busca romper com o cinema chamado de
mainstreming, o melodrama americano. O diretor dinamarquês busca em suas obras
trazer uma realidade, uma verdade maior, sem muito exibicionismo, grandes efeitos
e ilusões, algo bastante visto em Dançando no Escuro.

Uma das características fundamentais presentes é a peripécia. A peripécia


consiste em uma ação que vai de contrário ao esperado. Uma ação que muda o
rumo da personagem e de toda a obra. Um momento de inversão da situação da
personagem. No caso, a peripécia esta presente no momento em que Selma mata
Bill, sem querer, pois o vizinho e amigo tinha roubado o dinheiro que ela guardava
para a cirurgia do filho.

Para causar a peripécia, o herói deve causar a hamartía, uma ação errada
que o personagem realiza que irá resultar na mudança de seu destino. No caso, a
hamartía de Selma não está ligada ao fato de matar seu amigo, mas sim de contar a
ele sobre o dinheiro que guardava, já que se Bill não soubesse, não teria roubado.

Aqui, a ação trágica trazida nesse filme ocorre entre duas pessoas com um
forte laço de amizade, Selma e Bill. Segundo Aristóteles, o espaço na tragédia esta
nas fortes alianças, pois apenas elas podem gerar a piedade, o terror, para assim
poder produzir a catarse ao final.

Uma vez a peripécia estabelecida, o herói se encontra em um estado


chamado de aporia, algo como, sem saída. O herói vê seu destino traçado e sem
fuga das garras do mesmo. Selma se encontra nesse lugar, pois, mesmo tentando
cantando sobre estar perdoada pelo falecido, a própria mente de Selma a põe como
culpada e ao caminhar para o desfecho, esse estado de aporia vai se tornando cada
vez mais visível.

Outro fator presente é o coro. O coro na tragédia serve como um comentador


dos fatos, representando um coletivo com a missão, muitas vezes, de narrar,
aconselhar, representando o público. O coro nessa obra se faz presente em
algumas músicas, como quando, após matar Bill, Selma canta e imagina que foi
perdoada por Bill e sua esposa. Ao sair da casa, ela imagina Gene, seu filho,
andando de bicicleta e cantando, como um coro trágico, que o que ela fez é o que
deveria ser feito. Essa afirmação feita pela criança reflete um murmúrio, tanto das
ruas, quanto também do público, que está vendo o lado de Selma e se encontra na
fala do coro.

O reconhecimento é outra característica presente na tragédia e consiste no


herói descobre algo, geralmente ao final do enredo trágico. Aqui o reconhecimento
se dá de forma diferente. Esse fator se encontra no final do filme quando Selma
descobre que seu filho fez a cirurgia e não terá deficiência visual. Aqui, Selma se
redime de tudo que fez, não se importando com a sua morte mas apenas como o
bem maior, como canta na última música. No reconhecimento, o herói trágico
reconhece seu erro, o assume e paga com o próprio sangue para que a ordem seja
restabelecida. Enquanto estava sendo julgada, Selma se preparava para esse
momento, nunca revelando sobre a cegueira, a cirurgia do filho e até mesmo não se
declarava inocente.

Ao final da tragédia, se encontra a catástrofe, o desfecho, a purgação do herói


por seus pecados, redimindo toda a comunidade, resultando em dor e tragédia. A
catástrofe em Dançando no Escuro é bem evidente e vai bem além da pena de
morte de Selma.

Quando está sendo julgada, Selma já caminha rumo a catástrofe por, como já
dito, não comentar sobre a doença, a cirurgia do filho e nem sobre Bill ter lhe
roubado. Se ela tivesse levantado esses pontos, ela poderia ter sido julgada
inocente, porém, ao omitir essas informações, Selma se pune, redimindo seus erros,
assim como Édipo que fura os próprios olhos (ambos ficam cegos ao final de suas
histórias).
O enforcamento de Selma é a redenção do coletivo trazida na catástrofe, que
a condena não só por sua morte, mas por ser estrangeira. A lei do olho por olho aqui
se aplica e, na mesma moeda, Selma deve pagar com sangue para poder redimir (e
ela aceita esse preço). Essa violência é um dos traços principais que marca o
trágico.

Todos esses elementos trágicos devem resultar na catarse que, para


Aristóteles, era a purificação dos sentimentos do público, provida de toda a tensão,
dor e sofrimento que compõem a tragédia.

Ao acompanhar a história de Selma, acabamos nos envolvendo e no pondo


em seu lugar. Conforme o filme caminha para o clímax, acabamos desenvolvendo
um sentimento de compaixão e temor que faz com que soframos junto com ela
quando acontece seu desfecho. Um sentimento empático que, mesmo que esses
acontecimentos estejam no campo do imaginário, através do lirismo, eles produzem
efeito no mundo real: no público.
CONCLUSÃO

Nascendo na Grécia Antiga a mais de dois mil anos, a tragédia ainda serve de
base para diversos autores pautarem suas obras e escrever tragédias
contemporâneas que perfurem o sentimento do espectador com suas críticas. Com
suas peripécias, reconhecimentos, heróis, a tragédia é um gênero causador de uma
purificação dos sentimentos do público, resultado da expurgação dos sentimentos do
herói.

Dançando no Escuro é uma obra trágica contemporânea que utiliza, com


consciência ou não, de elementos contidos na tragédia grega para trazer, através da
história de uma mãe devota ao filho, temas como o american way of life, o sistema
judicial americano e a visão do imigrante, utilizando de bastante empatia para que o
espectador se ponha no lugar de Selma e entenda seu estado de aporia.

Assim, Lars Von Trier consegue criar uma obra inteligente, cheia de nuances
e metáforas significativas para causar um “rebuliço” na mente do espectador. É
impossível não se emocionar com esse filme e não sentir um peso no peito de
angústia e dor ao ver a injustiça que é o desfecho da vida de Selma. Dançando no
Escuro é um filme marcante, com uma melancolia extremamente significativa que
causa uma tamanha catarse que marca que o assiste para sempre.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Carvalho, Maria Lina Carneiro de. Poeticidade Trágica De Dançando No Escuro


Em Lars Von Trier. Dissertação (Tese de Mestrado), Universidade de Brasília,
Brasília, 2010.

DANÇANDO no Escuro. Direção de Lars Von Trier. Dinamarca: Fine Line Features,
2000

SANTOS, Adilson dos. A tragédia grega: um estudo teórico. Doutorando em


Letras, Universidade Estadual de Londrina, Paraná, 2005.

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