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Tais percepções remetem às de George Lukacs, quando aborda a noção de “ensaio” em suas obras
“Teoria do Romance” e “A alma e as formas”; noção que, aliás, analisei em um artigo ainda inédito.
ao teatro, do teatro à própria Ciência da Literária – na realidade, Barthes dedicou-se
bem pouco à poesia) seria problematizar o que há de mecânico da prática de escrita e da
leitura – “tornar o exprimível inexpresso” (Culler, p. 53).
Os escritores
Conforme Barthes, as tradicionais análises sobre literatura concentram-se na
figura do escritor: “A explicação da obra é sempre buscada do lado de quem a produziu,
como se, através da alegoria mais ou menos transparente da ficção, fosse sempre afinal
a voz de uma só pessoa, o autor, a revelar a sua ‘confidência’” (p. 58). Ou então, como
Barthes pontuara em S/Z, “a subjetividade costuma ser imaginada como uma plenitude
com a qual Eu atrapalho a obra”. Entretanto, “o Eu que aborda o texto já é, ele mesmo,
uma pluralidade de outros textos, uma pluralidade de códigos infinitos ou, mais
precisamente, perdidos (cuja origem está perdida)”; “com efeito, essa plenitude forjada
é tão-somente o despertar de todos os códigos de que constituem” (p. BARTES, R. S/Z.
p. 10. Apud. CULLER, J. As idéias de Barthes. P. 76).
É por isso que Barthes prefere a noção de “escritor” à de “autor”. “Escritor”
implica ação, construção... “autor”, uma dada entidade supra-textual. O escritor não
produz os textos tão somente a partir de uma dada realidade, nem muito menos tão
somente a partir de subjetividades, de experiências suas, individuais. Ele retira do
cardápio comum de imagens, idéias, vivências dados que articula, elabora, organiza,
num texto.
E Barthes compreendia que até aquele momento, poesias e romances apenas
haviam sido explorados por uma Crítica Literária interessada mais especificamente na
história dos autores, na historia das escolas literárias, no simples relacionar de conceitos
e preceitos supostamente constantes nas obras com as supostas conjunturas em que
teriam sido compostos. Dizia: “Faz séculos que nos interessamos demasiadamente pelo
autor e nada pelo leitor; a maioria das teorias críticas procura explicar por que o autor
escreveu a sua obra, segundo que pulsões, que injunções, que limites. Esse privilégio
exorbitante concedido ao lugar de onde partiu a obra (pessoa ou História), essa censura
imposta ao lugar aonde ela vai e se dispersa (a leitura) determinam uma economia muito
particular (embora já antiga): o autor é considerado o proprietário eterno de sua obra, e
nós, seus leitores, simplesmente usufrutuários” (p. 27). E ainda: “O nascimento do leitor
deve pagar-se com a morte do autor” (p. 64).
Em publicações anteriores, como Michelet par lui méme (1954), Sur Racine
(1963) e Sade/Fourier/Loyola (1971), o próprio Barthes havia trabalhado como crítico
literário. No primeiro destes, como diz Culler, “deixa de lado as idéias [do referido
célebre historiador] em favor daquilo que chama ‘temática existencial’” (p. 42). Quer
dizer, não considera as “idéias em si” do auto-objeto de análise, mas as proposições
supostamente constantes em seus livros como manifestações de uma consciência, com
as quais nós, leitores, dialogamos. Pode-se depreender, daí, facilmente, que a maior
influência teórica neste livro de Barthes estivesse por conta da fenomenologia.
Na segunda publicação acima citada, quer dizer, em Sur Racine, a interpretação
de Barthes transforma-se. Bebendo da psicanálise, o deferido autor, afirma Culler,
buscaria, etc, etc, etc.
Já na terceira, inspirado mais claramente pelas análises lingüísticas, buscaria,
segundos Culler “produzir uma ‘gramática’ da obra de cada um dos autores através da
descoberta de seus elementos básicos” (p. 45). Pinçaria de inúmeros textos de Sade,
Fourier e Loyola alguns aspectos que considerava, particularmente, definitivos, os
contra-poria, os combinaria, até perceber alguma linearidade, e definir-lhes um sistema
de expressão, uma linguagem pessoal. Entretanto, é bom lembrar que Barthes não deixa
de destacar, em sua interpretação, as descontinuidades e heterogeneidades da escrita de
cada um dos pensadores selecionados. Nas palavras de Culler, o dito pensador, no dito
livro, apresentaria sobretudo “um programa que vê interesse na estranheza e não na
familiaridade” (p. 47).
Assim, de maneiras distintas Barthes intentava explorar os infinitos significados
de “textos clássicos” na escrita deles. Pode-se chegar, isto posto, a uma conclusão
preliminar: como bem afirma Culler, a crítica preocupa-se com expor o sentido das
obras, enquanto Barthes se preocuparia com analisar as condições dos sentidos.
Os leitores
O dito autor percebe, com o passar do tempo, assim, que talvez se possa propor
uma “ciência da escrita”, a qual definiria métodos através dos quais os autores
pudessem estruturar seus textos. Porém, para o pensador francês, é vã qualquer
tentativa, sob o paradigma científico que rege hoje as universidades, se definir uma
“ciência da leitura”. Uma “ciência da leitura” ou “semiologia da leitura”, sob seu ponto
de vista, só seria viável dentro de uma concepção de “ciência do inesgotamento”.
Dizia que toda obra é como uma cebola: “uma construção em camadas (níveis
ou sistemas), cujo corpo, no final das contas, não contém coração, núcleo, segredo,
princípio irredutível, nada além do infinito dos seus próprios invólucros – que não
envolvem senão a unidade de suas próprias superfícies” (BARTHES, R. Style and
Image, in Literary Style: a Symposium, editado por S. Chatman (Nova Iorque, Oxford
University Press, 1971), p. 10. Apud. CULLER, J. As idéias de Barthes. P. 77.)
Ao lermos, afirma, fazemos uso não apenas da “lógica da razão” (dedutiva) mas
de uma lógica que eu chamaria estritamente pessoal, e que Barthes classifica como
“associativa”. Cada leitura que efetuamos, relacionamos as passagens, figuras,
proposições, definições de conceitos lá constantes com outras passagens, figuras,
proposições, definições de conceitos que dizem respeito à nossa história individual. A
interpretação/ a assimilação de um texto, assim, não é nunca “precisa”, mas “lúdica”.
Quer dizer, então, que o leitor não simplesmente “decodifica, ele sobrecodifica; não
decifra (...) amontoa linguagens, deixa-se infinita e incansavelmente atravessar por elas:
ela é essa travessia” (p. 41).
Barthes apresenta uma espécie de tipologia da leitura. Não é, evidentemente, um
panorama metodológico, do qual os “cientistas literários” devem necessariamente
dispor, na análise das possíveis leituras dos textos-objetos de análise. Constitui, na
realidade, uma interpretação muito pessoal dos modos possíveis de se ler; uma
interpretação tal, que remete à dantes definida noção barthesiana “confusa” e “lúdica”
de leitura.
Bom: haveria, para Barthes, três jeitos de se ler um livro, os quais não
necessariamente se excluem: (1) estabelecendo uma relação “fetichista”, tirando prazer
de uma ou outra palavra, uma ou outra imagem, uma ou outra definição apresentada; (2)
sob uma atmosfera ansiosa de “suspense”, percorrendo uma suposta linha seguida pela
trama ou pelo raciocínio do autor, do começo ao final da obra; (3) inspirado pelo desejo
de escrever.
No que diz respeito aos dois primeiros, considero, particularmente, que em geral
estão associados – pelo menos nas interpretações formais de ensaístas e críticos
literários, ou daqueles que Barthes poderia denominar “cientistas da leitura”. É costume
pinçarmos fragmentos que nos salta aos olhos, e, paralelamente (ou, às vezes,
posteriormente), buscamos um “sentido” de relação para eles. Quer dizer: partimos e
reagrupamos, re-construímos conforme nosso entendimento particular. O próprio
Barthes dizia: “espero o fragmento que me concerne e estabelece sentido para mim”
(BARTHES, Sollers écrivain. P. 58. apud. CULLER, J. As idéias de Barthes. P. 90).
Bom lembrar, aqui, então, que é Barthes o autor do best-seller Fragmentos de uma
discurso amoroso, no qual apresenta uma série de situações, impressões, termos,
“lugares-comuns” possivelmente comum a toda e qualquer experiência afetiva
contemporânea.
Quanto à terceira maneira de se ler um livro, o dito intelectual pontua: “Não é
que desejemos necessariamente escrever como o autor cuja leitura nos agrada; o que
desejamos é apenas o desejo que o escritor teve de escrever: desejamos o desejo que o
autor teve do leitor enquanto escrevia. (...) Nessa perspectiva a leitura é
verdadeiramente uma produção: não mais de imagens interiores, de projeções, de
fantasias, mas, literalmente, de trabalho” (p. 39-40).
Lembremos ainda que em texto de 1970 ele fala de uma outra forma de se tomar
uma obra: “levantando a cabeça enquanto lemos”, quer dizer, de, ora ou outra,
interrompermos a leitura para divagar sobre um ou outro ponto que nos instiga. Este ato
está relacionado igualmente com esse “trabalho”, esse “movimento” que uma boa
leitura operaria.