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Um problema que persiste sem solução é: vencida essa etapa da loucura, virá
a seguir uma sobriedade com dois polos em disputa, um do judiciário e outro
dos militares, ambos poderes que estão em sustentação parcial e relativa
dessa loucura. Repito, parcial e relativa: se havia algo de podre no reino da
Dinamarca, é nesse podre que reside o problema, uma questão de não admitir
ratos exercendo um poder que não lhes pertence. Como tornar sua
responsabilidade [do podre] evidente por esse estado de coisas insano? Se ao
louco não podemos responsabilizar, apenas rir dele e impedir de causar danos,
outro deve ser o tratamento de quem ostenta a ordem mental em dia e está
compartilhando dessa destruição. Ao louco, as gargalhadas; aos com sanidade
mental, as responsabilidades do acerto de contas pela omissão, pelo abuso de
poder, pela não resistência às ordens manifestamente ilegais.
Essas responsabilidades não podem ser feitas como em Nuremberg, uma
fachada de julgamento ad hoc. Elas hão de se fazer existir num processo de
construção coletiva desde agora permanentemente cobradas,
minunciosamente depuradas, nominalmente apontadas e, como condição sine
qua non, através e com as multidões num novo êxtase conduzido pela justiça
implacável e pela verdade absoluta. Talvez essas sejam as maiores limitações
que enfrentamos: a de não desejar ambas. Foi com a relativização de ambas
que entregamos a democracia à insânia. Foi também mediante um processo
injusto, porém isso pouco importa quando multidões fazem linchamentos físicos
ou simbólicos, o êxtase destrutivo ignora seus efeitos colaterais. Se a vida imita
a arte e vice-versa, todo cuidado com o fascismo é pouco e o seu processo de
negação e esquecimento coletivo funcionaliza a sua repetição.
Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada
Toda forma de poder é uma forma de morrer por nada
Toda forma de conduta se transforma numa luta armada
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
...
E o fascismo é fascinante deixa a gente ignorante e fascinada
É tão fácil ir adiante e se esquecer que a coisa toda tá errada
A história se repete mas a força deixa a história mal contada
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Org. Roberto Machado. 10ª Ed. Rio
de Janeiro, Edições Santo Graal, 1992.