Você está na página 1de 12

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

ANTONELA SOLEDAD BARONETTI.

Revista dos artigos: El objetivo de Sur – Revista Internacional de Derechos


Humanos, publicada por Conectas, es influenciar la agenda global de derechos
humanos produciendo, promoviendo y difundiendo investigaciones e ideas
innovadoras, principalmente del Sur Global, sobre prácticas en materia de derechos
humanos. La Revista Sur es una publicación de acceso abierto, y tiene un público en
Internet e impreso de más de 6,000 personas en más de 100 países. Publicada por
primera vez hace 11 años con el intuito de profundizar y fortalecer los vínculos entre
académicos y activistas del Sur Global y de incrementar su participación en el debate
global, la Revista Sur ha evolucionado continuamente.

LANGFORD, Malcolm. Judicialização dos direitos econômicos, sociais e


culturais no âmbito nacional: uma análise socio-jurídica. SUR. Revista Internacional de
Direitos Humanos, n. 11, dez. 2009, p. 99-133. Disponível em: www.scielo.br/sur.

Autor: Malcolm Langford. Pesquisador do Norwegian Centre for Human


Rights, e Diretor, Escritório Internacional, Hakijami (Economic and Social’ Rights
Centre). Este artigo foi apresentado no Encontro Internacional sobre Estratégias da
Rede-DESC, entre 1 a 4 de dezembro de 2008 em Nairóbi, e contou com a
colaboração de organizações que coordenam a Base de Casos da Rede-DESC; a
saber Centre on Housing Rights and Evictions, Centro de Estudios Legales y Sociales
(CELS) e Social Rights Advocacy Centre. O autor agradece os valiosos comentários
de Aoife Nolan y Khulekani Moyo.

Neste artigo, o autor procura oferecer um panorama sócio-jurídico sobre a


exigibilidade dos DESC no âmbito nacional formulando algumas perguntas sobre suas
origens, conteúdo, impacto e estratégias. O ponto de partida deste artigo são as
questões que podem ser de particular importância para operadores do direito e
movimentos sociais, sem esgotar, entretanto, outras questões de teoria jurídica ou
política. A segunda parte deste artigo identifica algumas razões para o surgimento da
jurisprudência sobre os DESC e quais obstáculos os defensores de direitos humanos
continuam a enfrentam em diversas jurisdições nacionais. Na terceira parte, são

1
analisadas as tendências existentes na jurisprudência utilizando certas categorias, ao
passo que na quarta parte as evidências cada vez maiores do impacto gerado por
este litígio. A quinta parte apresenta algumas lições chaves sobre estratégias de
litígio, em especial sob o olhar de defensores de direitos humanos. A última parte do
artigo repassa brevemente algumas estratégias que poderiam ser efetivas para
movimentos e organizações nesta seara.

Do ponto de vista histórico, pode-se considerar notável a importância


recentemente adquirida pelos direitos econômicos, sociais e culturais (DESC) na
jurisprudência comparada e nas estratégias de litígio. É difícil encontrar julgamentos e
decisões sobre o tema na maior parte do século 20, embora a legislação e o direito
administrativo já previssem toda uma série de direitos sociais exigíveis. Nas últimas
duas décadas, temos testemunhado uma mudança radical. Os DESC parecem haver
sido, em parte, resgatados das controvérsias em que estavam imersos, em especial
em relação à sua legitimidade, legalidade e justiciabilidade, além de terem recebido,
em muitas jurisdições, um lugar de maior destaque.

Embora o foco deste trabalho seja o litígio no âmbito nacional, o aspecto


internacional desta questão não poderia ser deixado de lado. Têm se utilizado
mecanismos internacionais e regionais e a jurisprudências destes órgãos têm
modelado a interpretação dos DESC no âmbito nacional.

Uma quantidade significativa dos Estados, têm se negado a constitucionalizar


os direitos econômicos, sociais e culturais de maneira que os torne judicializáveis. Isto
ocorre apesar do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações
Unidas (Comitê DESC) insistir de maneira veemente que todos os Estados devem
promover estas mudanças legislativas, conforme indica o Comentário Geral N. 9, além
de fazer recomendações especiais a alguns Estados, como Canadá, Reino Unido e
China, ao longo da revisão periódica de seus relatórios.

Em outras jurisdições, persistem as objeções filosóficas à justiciabilidade dos


DESC, mesmo naqueles estados em que esta justiciabilidade é estabelecida pela
própria constituição.

Razões para o avanço do litígio sobre DESC. O volume de litígio sobre


DESC é conseqüência da estrutura jurídica. Neste sentido, o aumento na quantidade
de casos sobre DESC está relacionado claramente com o avanço da
constitucionalização dos DESC e a configuração da sociedade civil.

Epp afirma que “a atenção e o reconhecimento judiciais dos direitos


individuais, de forma mais consolidada, surgiu principalmente da pressão de baixo,
não de líderes”. Ele destaca “o esforço cauteloso e estratégico de defensores de
direitos” que somente foi possível graças ao “suporte institucional para a mobilização
jurídica, composto de organizações de defesa de direitos, advogados dedicados à
promoção de direitos (...) e fontes de financiamento”. Sem dúvida, no âmbito dos
DESC, a maior parte dos casos de grande impacto e dos casos que motivaram o
estabelecimento de novos precedentes jurisprudenciais foram apresentados por
movimentos sociais, comunidades indígenas, organizações de direitos humanos e de
mulheres, bem como grupos que trabalham pelos direitos de crianças, migrantes,
minorias, etc. No entanto, muitos casos têm sido iniciados por petições apresentadas

2
diretamente por particulares e pequenas comunidades que atuam independentemente
de qualquer estrutura de suporte à mobilização pela via judiciária. Desta forma, o
recurso a tribunais como reação a violações de direitos humanos, incluindo DESC, não
pode ser explicado por meio da referência a um único fato.

Quais os meios podem incentivar a exigibilidade dos DESC? faz-se


necessário compreender os fatores múltiplos que levam ao êxito ou ao fracasso essas
estratégias. Obviamente, assegurar a inclusão dos direitos DESC como direitos
constitucionais e exigíveis, bem como construir uma sociedade civil com
financiamentos suficientes e organizada tendem a aumentar a probabilidade de
sucesso, sem, no entanto, serem fatores decisivos. O autor ressalta que os dois
fatores apresentados a seguir parecer ter igual importância. O primeiro fator é a
configuração institucional do sistema jurídicos, particularmente a disponibilidade dos
tribunais, suas regras processuais, a orientação dos juízes, a existência da
jurisprudência sobre direitos civis e políticos. O segundo, diz respeito ao grau de
efetividade dos direitos sociais e econômicos, no limite do máximo de recursos de que
dispõe o Estado.

Avanços substantivos quanto à lei e os remédios judiciais e obstáculos


conceituais. Se considerarmos a própria jurisprudência, poderíamos notar que um de
seus principais ‘êxitos’ é que seu peso acumulado contribuiu para contestar duas
objeções filosóficas antigas à justiciabilidade dos DESC. Estas objeções foram bem
expressas por Vierdag que, de forma um tanto circular, ressalta que: (1) os DESC não
são direitos legais, por não serem inerentemente judicializáveis; e (2) os DESC
não são judicializáveis, porque envolvem temas de política e não de direito.

Muitos juízes que têm refutado o primeiro argumento, reconhecendo que a


inclusão dos DESC em constituições e no direito internacional implica, ipso facto, que
os direitos são legais. Não é aceitável dizer que estes direitos somente existem no
papel (...) os tribunais estão obrigados pela Constituição a assegurar que estes sejam
protegidos e cumpridos”.

Há outras objeções filosóficas e jurídicas; a primeira delas é a afirmação de


que a justiciabilidade dos DESC é ilegítima do ponto de vista democrático, o que
não se limita necessariamente a diretos sociais e econômicos. “Se os juízes tiverem
que realizar tais tarefas, formulando em detalhes as políticas em casos individuais ou
em geral e, portanto, dando prioridade a certas áreas da política em detrimento das
demais, estariam excedendo as funções a que lhes correspondem”, afirmam aqueles
que apoiam esta objeção.

A segunda objeção persistente é institucional, segundo a qual todos os


juízes não possuem capacidade para esta tarefa, já que não apenas carecem dos
conhecimentos específicos necessários e de informação sobre questões econômicas e
sociais relevantes, como também não estão em posição de resolver as questões
políticas em conflito, tampouco lidar com as conseqüências políticas decorrentes de
suas decisões. Estas são, claramente, limitações reais. No entanto, pode se
argumentar que elas são, em grande parte, relativas e não objeções absolutas. Todas
as áreas do direito pressupõem certo nível de conhecimentos específicos e as
instituições com funções judiciais têm respondido a este desafio de falta de informação

3
fazendo uso de órgãos especializados, peritos e petições de amicus curiae, um
fenômeno que tem sido adotado no âmbito de casos sobre DESC.

Limites ao poder de atores privados. Casos sobre DESC estão cada vez
mais relacionados com ações de atores não-estatais: desde empresas multinacionais
a novos fornecedores de serviços sob a forma de parcerias público-privadas, bem
como familiares e líderes tradicionais. Embora a normativa de direitos humanos esteja
claramente muito centrada no papel do Estado, algumas constituições e leis permitem
a apresentação de demandas diretamente contra atores privados, ao passo que
alguns órgãos com competência jurisdicional têm focado no papel de proteção que
possui o Estado.

No entanto, existem diversos obstáculos nesta seara. Em primeiro lugar,


casos envolvendo a aplicação horizontal de direitos tendem a ser contratuais e se
basear na legislação sobre indenização civil, o que pode ser suficiente para o caso em
questão, porém somente em alguns casos normas de DESC previstas na constituição
ou em outras leis são efetivamente utilizadas (por exemplo, a lei sobre discriminação),
para assegurar que tais normas ou princípios sempre protejam os direitos humanos.
Em segundo lugar, os processos de privatização parecem ser questionados com
menor freqüência do que poderia se pensar. Dado que os direitos humanos, em geral,
são considerados neutros quanto à escolha do sistema econômico, carece-se de
provas que demonstrem que a privatização afeta negativamente direitos econômicos e
sociais, o que, em geral, somente está disponível depois que a privatização é
concretizada. Em terceiro lugar, os remédios judiciais podem ser mais difíceis de
formular no caso dos DESC. Quarto lugar, a proteção aos direitos humanos nem
sempre é aplicável caso as leis limitem as obrigações de atores públicos. Por exemplo,
as regras para determinar se um prestador privado de serviço é uma autoridade
pública ou não.

Exigindo que o Estado dê efetividade aos direitos. Como já dito, o fato dos
tribunais ordenarem que Estados e outros atores adotem medidas positivas ocupa o
cerne do debate sobre justiciabilidade dos DESC. A jurisprudência atual sobre o tema
contem uma série de respostas práticas a estes dilemas, que são um reflexo, em
grande medida, da tendência em direitos civis e políticos de impor obrigações
positivas. No entanto, tribunais raramente emitem ordens de alcance amplo que
exigem o reconhecimento positivo de direitos implícitos, uma vez que estes tribunais
temem estar intervindo no âmbito da formulação de políticas, o que corresponde ao
legislativo. Em muitos casos, o reconhecimento positivo tende a ser mais específico
quando relacionado a uma situação particular, por exemplo, o reconhecimento do
direito de comunidades marginalizadas à posse da terra.

Avanços em matéria de remédios judiciais. Um êxito significativo neste


âmbito tem sido criar a possibilidade de conceder remédios judiciais para além
daqueles tradicionalmente encontrados no direito privado, como indenização,
restituição, declaração de um ato jurídico como inválido ou ilícito civil. Nesta questão,
tem se observado diversas tendências. Em primeiro lugar, alguns tribunais têm
exigido que os Estados sigam certo curso de ação para reparar um determinado dano,
inclusive por vezes supervisionando o cumprimento destas obrigações.

4
Em segundo lugar, tem-se desenvolvido remédios judiciais mais “dialogais” e
“cautelares”. Como exemplo, pode-se citar o maior uso de uma declaração retardatária
de invalidez de um ato jurídico, por meio da qual os tribunais determinam que ocorreu
uma violação, mas retardam o efeito da decisão para dar ao governo tempo para
encontrar a melhor forma de reparar o defeito existente na legislação ou na política em
questão. Este exercício jurisdicional baseado no diálogo também é evidenciado pelo
maior uso que fazem os tribunais (e, muitas vezes, organismos internacionais) do
processo judicial como espaço de diálogo com as partes, o que incluiu instigar que
estas encontrem soluções antes que uma decisão final seja tomada. Outra estratégia
utilizada é a elaboração de recomendações.

Aqueles órgãos com competência jurisdicional que incorporam remédios


judiciais mistos têm demonstrado maior eficiência.

Em terceiro lugar, os defensores de direitos têm sido criativos e têm


instigado que cortes emitam ordens de acompanhamento de decisões anteriores a fim
de garantir que estas sejam executadas de maneira eficiente.

Há impactos? Uma das mais sólidas objeções à justiciabilidade dos DESC


é que, por meio desta, não é possível satisfazer à expectativa de alcançar a justiça
social individual e transformadora. Alguns críticos ressaltam a debilidade dos tribunais
para dar efetividade a suas próprias decisões e cada jurisdição parecer possuir, pelo
menos, um caso que notavelmente se enquadra nesta categoria. Outras críticas são
de natureza mais política e destacam que a estratégia de litígio pode desviar a
atenção da construção de novas coalizões para mudança social e que classes médias
são mais hábeis no uso do sistema judiciário para dar efetividade aos DESC e obtêm
maiores êxitos que as pessoas mais pobres.

Em resposta a esta crítica, podem ser colocadas três questões. Em primeiro


lugar, há evidências no sentido de que muitos casos, embora por certo não em todos,
geram tanto efeitos diretos, quanto indiretos, como, por exemplo, consolidar
precedentes judiciais, influenciar o desenvolvimento da legislação e políticas sobre o
tema, canalizar movimentos sociais e conscientizar a respeito do tema, e até mesmo
uma decisão desfavorável pode servir para demonstrar a falta de proteção jurídica. Em
segundo lugar, ao considerar o impacto, é necessário ter em mente as
conseqüências não esperadas, tanto positivas, quanto negativas e em terceiro lugar,
ao pensar sobre o impacto dessas decisões, faz-se necessário perguntar onde se
encontra o erro quando nenhum impacto substantivo é encontrado. Trata-se do litígio
em si ou do contexto? Em outras palavras, ao criticar estratégias de litígio, pouco se
questiona sobre a disponibilidade de estratégias alternativas, como a mobilização,
pressão política, negociação ou se o litígio é realmente o último recurso para vítimas.

Lições aprendidas sobre estratégias de litígio. O avanço do litígio em


DESC, ao lado de seus êxitos e fracassos na prática, tem conduzido a uma maior
reflexão sobre quais estratégias podem ser mais efetivas. Podemos resumir algumas
lições aprendidas da seguinte maneira:

Estratégia de defesa mais ampla – movimentos sociais e comunidades.


Muitos consideram essencial a existência de uma atividade de ‘defesa mais ampla’,
em particular para os casos que envolvem o interesse público ou grupos

5
marginalizados. A mobilização social, a organização de comunidades, campanhas na
mídia e de conscientização e a pressão política são considerados, portanto, fatores
indispensáveis para estratégias bem-sucedidas de litígio. Isto gera um sentimento de
apropriação da estratégia de litígio, facilita a produção de provas, amplia a legitimidade
da reivindicação feita e ajuda a assegurar a aplicação das ordens e dos acordos
alcançados.

Seleção de casos e procedimentos. Muitos defensores de direitos humanos


aconselham incorporar estratégias de longo prazo na seleção dos primeiros casos. Por
exemplo, sugere-se iniciar estratégias de litígio com casos modestos e não com litígios
mais ambiciosos. Deve-se, ao mesmo tempo, considerar que casos muito modestos
podem prejudicar o desenvolvimento futuro de certa questão jurídica. Há três espécies
de seleção de casos que tendem a ser bem-sucedidas na primeira etapa de uma
estratégia de litígio: os litígios que se iniciam a partir de reivindicações similares à
defesa tradicional de direitos civis e políticos; flagrantes violações ou
descumprimentos claros por parte dos governos de sua obrigação de implementar
suas próprias políticas; e, por fim, reivindicações modestas que deixam aberta a
possibilidade de desenvolvimento futuro da jurisprudência. Um segundo grupo de
decisões diz respeito ao tipo de procedimento a ser utilizado, em particular quando
existe a possibilidade de iniciar uma ação tanto individual quanto coletivamente. Os
procedimentos coletivos podem ser particularmente úteis quando as vítimas
individuais temem ou correm o risco de ser hostilizadas por participar em um processo
ou quando as vítimas encontram-se dispersas.

Argumentos jurídicos, fáticos e referentes a remédios judiciais. Os casos


bem-sucedidos, em geral, caracterizam-se por uma forte atenção em apresentar
argumentos jurídicos de qualidade. No entanto, os tipos de argumentos tendem a
variar de forma considerável entre uma jurisdição para outra e, obviamente, resulta
difícil classificar-los com precisão. Por exemplo, os tratados internacionais de
direitos humanos e a jurisprudência internacional e comparada têm exercido
considerável influência em alguns países e pouca influência em outros. Da mesma
forma, alguns casos têm sido bem-sucedidos baseando-se em argumentos jurídicos
bem específicos, ao passo que outros têm utilizado argumentos mais ambiciosos e
amplos.

Preparação para cumprir as decisões judiciais. Uma erro comum em


muitas estratégias jurídicas é a não inclusão de uma preparação adequada para
assegurar a efetiva implementação de um acordo ou decisão judicial favorável.

Conclusão Esta pesquisa comparativa sobre a justiciabilidade dos DESC


revela um campo de pesquisa em transição entre o nascimento e a maturidade.
Para muitos Estados no mundo, litígios envolvendo DESC continuam a
representar uma pequena e insignificante parte do espectro geral de direitos
humanos, de campanhas por justiça social e da jurisprudência. Em uma minoria
considerável de jurisdições, tem-se alcançado certo grau de maturidade na
jurisprudência e no debate sobre estratégias de litígio adequadas, embora não
haja unanimidade entre os atores envolvidos, em particular sobre a doutrina jurídica ou
a forma de implementação das decisões.

6
A partir de uma perspectiva histórica, nota-se que muitos dos pressupostos
tradicionais segundo os quais os DESC não são direitos jurídicos, e tampouco
judicializáveis foram postos em cheque em pouco tempo. É fundamental que os
entusiastas do desenvolvimento deste novo ramo do direito e da prática jurídica
tenham como base os avanços jurisprudenciais e as lições aprendidas a partir
de experiências bem-sucedidas de litígio. Isto significa procurar conhecer muitos
dos caninhos da justiciabilidade ainda pouco explorados, empreender a árdua
tarefa melhorá-los e construir alianças nacionais e transnacionais com
diferentes grupos de direitos humanos, movimentos sociais e comunidades,
com foco especial em casos que sejam concretos, inovadores e revelem falhas
de órgãos políticos. Falta cautela para evita o uso excessivo ou demasiadamente
ambicioso do sistema judicial, o que acaba por impedir as chances de ação política ou
o desenvolvimento gradual da jurisprudência, ao mesmo tempo exercendo o direito
humano fundamental a um remédio efetivo e assegurando que os DESC sejam
incorporados à jurisprudência existente e, conseqüentemente, ao espaço político e de
políticas públicas dos Estados. Acompanhando a conclusão do autor, penso prudente
salientar que não devemos esquecer-nos da importância da existência de um diálogo
fluido e constante no âmbito nacional e internacional, tanto numa estrutura vertical
como horizontal e que reflita e apreenda com a partilha da jurisprudência nos casos
dos DESC. Evoluir e avançar na judicialização dos DESC com os casos nacionais e
internacionais mas sem esquecer do contexto onde vai ser aplicado o razoamento.

ABRAMOVICH, Victor. E. Linhas de trabalho em direitos econômicos, sociais


e culturais: instrumentos e aliados. SUR. Revista Internacional de Direitos Humanos,
n. 2, 2005, p. 188-223. Disponível em: www.scielo.br/sur.

Autor: Víctor Abramovich es argentino. Fue Comisionado de la CIDH desde


enero de 2006 hasta diciembre de 2009. Ocupó la Segunda Vicepresidencia de la
CIDH en 2007 y la Primera Vicepresidencia en 2009. Fue Relator sobre los Derechos
de los Pueblos Indígenas desde el 4 de marzo de 2008 hasta el 31 de diciembre de
2009, y en esa capacidad integró la delegación de la CIDH que realizó una visita a
Bolivia en junio de 2008 a fin de recoger información para la elaboración del informe
Comunidades Cautivas: Situación del Pueblo Indígena Guaraní y Formas
Contemporáneas de Esclavitud en el Chaco de Bolivia. Por otra parte, encabezó la
delegación de la CIDH que realizó una visita al terreno en relación con las Medidas
Provisionales ordenadas a favor de los miembros de las comunidades constituidas por
el Consejo Comunitario del Jiguamiandó y las familias del Curbaradó, en Chocó,
Colombia. Víctor Abramovich fue también Relator de la CIDH sobre los Derechos de
las Mujeres desde el 1 de marzo de 2006 hasta el 4 de marzo de 2008. Como Primer
Vicepresidente, participó de la visita in loco que la CIDH realizó a Honduras en agosto
de 2009 a fin de observar la situación de derechos humanos en el contexto del golpe
de Estado del 28 de junio de ese año, la cual derivó en la publicación del informe
Honduras: Derechos Humanos y Golpe de Estado. Abramovich es abogado por la
Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de la Universidad de Buenos Aires (UBA) y
tiene una maestría en derecho internacional de la Facultad de Derecho de American
University, de Washington, D.C. Ha completado además numerosos cursos de
especialización en derechos humanos en Inglaterra y España. Fue Director Ejecutivo
del Centro de Estudios Legales y Sociales de Argentina (CELS), asesor legal de la
Defensoría del Pueblo de la ciudad de Buenos Aires y consultor del Instituto

7
Interamericano de Derechos Humanos (IIDH), entre otros. Actualmente es profesor de
Derechos Humanos en la Facultad de Derecho de la UBA y de la Universidad Nacional
de Lanus, y profesor visitante de American University y de la Universidad Andina
Simón Bolívar de Ecuador, entre otras. El Comisionado Abramovich es autor de varias
publicaciones especializadas, particularmente sobre derechos económicos, sociales y
culturales.

A estrutura dos direitos econômicos, sociais e culturais e as possíveis


estratégias judiciais. Quem defende a tese de um “defeito de origem” nos direitos
econômicos, sociais e culturais enquanto direitos demandáveis acredita que o cerne
da impossibilidade de se conseguir sua exigibilidade está em sua própria natureza.
Os argumentos usados pelos opositores da aplicação judicial dos direitos econômicos,
sociais e culturais se baseiam na diferença entre a natureza desses direitos e a
natureza dos direitos civis e políticos. Um dos aspectos sempre reiterados para
sustentar a pretensa distinção dos direitos civis e políticos em relação aos
econômicos, sociais e culturais é o suposto caráter de obrigatoriedade negativa do
primeiro gênero de direitos, enquanto os direitos econômicos, sociais e culturais
implicariam o nascimento de obrigações positivas que, na maioria dos casos, deveriam
ser liquidadas com recursos do erário público. Entretanto, até para os pensadores
mais típicos da economia política clássica, como Adam Smith e David Ricardo, era
mais do que óbvia a inter-relação entre as supostas obrigações negativas y obrigações
positivas.

O cumprimento dessas funções implica obrigações positivas, caracterizadas


pela alocação de recursos, não bastando a mera abstenção do Estado. A estrutura
dos direitos civis e políticos pode ser caracterizada como um complexo de
obrigações negativas e positivas do Estado.

Pode-se reconhecer que a faceta mais visível dos direitos econômicos,


sociais e culturais sejam as obrigações de fazer, e é por isso que às vezes são
denominados “direitos-prestação”. Contudo, não é difícil descobrir, quando se
observa a estrutura desses direitos, a existência concomitante de obrigações de
não fazer: o direito à saúde compreende a obrigação estatal de não prejudicar a
saúde; o direito à educação pressupõe a obrigação de não piorar a educação; o direito
à preservação do patrimônio cultural implica a obrigação de não destruir esse
patrimônio.

Em suma, os direitos econômicos, sociais e culturais também podem


ser caracterizados como um complexo de obrigações positivas e negativas do
Estado, embora nesse caso as obrigações positivas se revistam de maior importância
simbólica para identificá-los. A impossibilidade de uma distinção taxativa entre ambos
os tipos de direito, afirma que para “os direitos sociais [...] a prestação estatal
representa verdadeiramente a substância, o núcleo, o conteúdo essencial do direito.
Tem se variado de tal modo que alguns dos direitos classicamente considerados “civis
e políticos” adquiriram um indubitável aspecto social. A perda do caráter absoluto do
direito de propriedade com base no interesse público é o exemplo mais cabal a
respeito.

8
A contundente diferenciação entre ambas as categorias costuma desvanecer
quando se procura identificar a violação dos direitos em casos concretos.

Quando não existem mecanismos diretos de tutela judicial dos direitos


econômicos, sociais e culturais no direito interno dos Estados, ou no sistema
internacional de proteção aos direitos humanos, uma estratégia indireta consiste em
reformular as obrigações sujeitas à justiça do Estado em matéria de direitos
civis e políticos, de modo a discutir a violação por essa via.

Poderia então ser dito que a adscrição de um direito ao catálogo de direitos


civis e políticos, ou ao de direitos econômicos, sociais e culturais, tem um valor
heurístico, ordenador, classificatório.

Obrigações positivas e obrigações negativas. É importante repetir que a


objeção à aplicabilidade judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais parte da
consideração simplista de que esses direitos estabelecem exclusivamente obrigações
positivas, idéia que, como vimos, está longe de ser correta. Tanto os direitos civis e
políticos quanto os econômicos, sociais e culturais constituem um complexo de
obrigações positivas e negativas. Mas convém aprofundar essa noção, pois de
seu aperfeiçoamento dependem a extensão e o alcance da exigibilidade de
ambos os tipos de direitos.

É falsa a afirmação de que são escassas as possibilidades de aplicabilidade


judicial desses direitos: cada tipo de obrigação oferece um leque de ações possíveis,
que vão desde a denúncia de descumprimento de obrigações negativas, passando por
diversas formas de controle do cumprimento de obrigações negativas, até chegar à
exigência de cumprimento de obrigações positivas descumpridas.

Estratégias judiciais. Do que foi dito até agora se depreendem conclusões


que questionam claramente a idéia de que só os direitos civis e políticos estão no
âmbito da justiça. Ora, se entendemos que todo direito gera para o Estado um
complexo de obrigações negativas e positivas, cabe analisar quais tipos de obrigação
oferecem a possibilidade de ser exigidos mediante atuação judicial.

Por isso, muitas das respostas quase automáticas diante da possível


aplicação judicial aos direitos econômicos, sociais e culturais insistem em mostrar a
falta de ações ou garantias processuais concretas que tutelem esses direitos.
Algumas das facetas apontadas se referem ao caráter coletivo de muitas
reivindicações vinculadas a direitos econômicos, sociais e culturais. Referem-se
também à inadequação da estrutura e da posição do Poder Judiciário para impor
obrigações que exigem dos poderes políticos disponibilidade de fundos para seu
cumprimento ou à desigualdade que geraria o sucesso de algumas ações
individuais nas quais se tornasse exigível um direito, enquanto se mantivesse a
situação de descumprimento nos demais casos idênticos não questionados
judicialmente. Nesse sentido, alguns autores expressam como um obstáculo à tutela
judicial o limitado marco cognitivo de um processo judicial: o marco de decisão do
litígio judicial nem sempre é o âmbito mais adequado para discutir e decidir questões
de políticas públicas que podem implicar priorizar objetivos, distribuir recursos,
equilibrar interesses contrapostos etc. Outros se referem à formação profissional
dos juízes: certas questões apresentadas à consideração da judicatura requerem

9
conhecimentos técnicos específicos e abundante informação sobre os fatos, aspectos
para os quais uma agência administrativa especializada seria melhor que um juiz.

Não implica de forma alguma a impossibilidade técnica de criá-los e


desenvolvê-los. O argumento da inexistência de ações idôneas expõe
simplesmente um estado suscetível de ser modificado.

A igualdade de tratamento e a proibição de discriminação foram vias


exploradas com sucesso para exigir indiretamente direitos econômicos, sociais e
culturais para grupos ou setores menos protegidos pelo Estado. Em segundo lugar, o
descumprimento do Estado pode se reformular, mesmo em um contexto processual
tradicional, em termos de violação individualizada e concreta, e não de forma genérica.
As numerosas decisões judiciais individuais constituirão um sinal de alerta aos
poderes políticos acerca de uma situação de descumprimento generalizado de
obrigações em matérias relevantes de política pública.

Não resta dúvida de que a implementação de direitos econômicos, sociais e


culturais depende em parte de atividades de planejamento, previsão orçamentária e
implementação que, por sua natureza, cabem ao poder público, sendo limitados os
casos em que o Poder Judiciário pode cumprir a tarefa de suprir a inoperância
daquele. Mesmo em casos assim, há variadas margens para a atuação da
magistratura, e os tribunais têm encontrado a maneira de garantir a vigência dos
direitos sociais afetados, baseando sua intervenção nos padrões jurídicos ditados
pelas constituições e pelos tratados de direitos humanos e buscando, em cada
caso, a melhor maneira de resguardar a órbita de ação dos demais poderes do
Estado. Em certas ocasiões, reencaminham o caso após estabelecer seu marco
jurídico, para que seja definida a medida, ou a política pública, necessária para
reparar a violação dos direitos em questão. A jurisprudência dos tribunais
domésticos na América Latina dá exemplos de algumas vias exploradas por eles com
sucesso para cumprir a função de garantir os direitos econômicos, sociais e culturais.

O papel da administração judiciária e a articulação de estratégias legais


e de incidência política. A análise das circunstâncias históricas que levaram a um
maior ativismo judicial em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais na
América Latina está diretamente relacionada com a existência de fatores políticos
que outorgaram ao Poder Judiciário uma especial legitimação para ocupar
novos espaços de decisão, anteriormente restritos aos demais poderes do
Estado. A debilidade das instituições democráticas de representação, bem como a
deterioração dos espaços tradicionais de mediação social e política, contribuíram para
transferir à esfera judicial conflitos coletivos que eram dirimidos em outros âmbitos.

Está claro, entretanto, que a intervenção judicial nesses campos, no interesse


de preservar sua legitimidade, deve estar firmemente assentada sobre um padrão
jurídico: a “regra de juízo”, na qual se baseia a intervenção do Poder Judiciário, só
pode ser um critério de análise da medida em questão se surgida de uma norma
constitucional ou legal (por exemplo, princípios de “razoabilidade”, “adequação” ou
“igualdade”, ou a análise de conteúdos mínimos que podem advir das próprias normas
que estabelecem direitos). Por isso, o Poder Judiciário não tem como tarefa
projetar políticas públicas, mas sim confrontar as políticas assumidas com os

10
padrões jurídicos aplicáveis e, no caso de haver divergências, reenviar a
questão aos poderes pertinentes para que eles ajustem sua atividade. Quando as
normas constitucionais ou legais determinarem, para o planejamento de políticas
públicas, pautas das quais dependa a vigência dos direitos econômicos, sociais e
culturais, e os poderes respectivos não tiverem adotado medida alguma, caberá ao
Poder Judiciário repreender essa omissão e reenviar a questão, para que alguma
medida seja elaborada. Essa dimensão da atuação judicial pode ser conceituada
como a participação em um “diálogo” entre os distintos poderes do Estado para
a concretização do programa jurídico-político estabelecido pela Constituição ou
pelos pactos de direitos humanos. Somente em circunstâncias excepcionais,
quando se justificou pela magnitude da violação ou pela ausência total de colaboração
dos poderes políticos, os juízes avançaram, a partir de seu próprio critério, na
definição concreta das medidas a serem adotadas.

As sentenças obtidas podem constituir importantes veículos para


encaminhar aos poderes políticos as necessidades da agenda pública, mediante
uma gramática de direitos, e não apenas por meio de atividades de lobby, ou de
demanda político-partidária.O potencial das diversas estratégias de incidência
legal, bem como a possibilidade de estabelecer articulações frutíferas com
outras estratégias de incidência política – supervisão de políticas públicas
sociais, lobbying nas instâncias da administração ou no Parlamento,
negociação, mobilização social ou campanhas de opinião pública. Por isso, é
errôneo pensar nas estratégias legais como excludentes de outras estratégias
de incidência política, ou propor como alternativas atuar nos tribunais ou fazê-lo
na esfera política pública.

Além disso, no universo das ações de exigibilidade de direitos


econômicos, sociais culturais, a chave do sucesso está exatamente na
articulação dos diferentes campos, para que a resolução do caso legal possa
contribuir para transformar as deficiências institucionais, as políticas de Estado
ou as situações sociais que estão na raiz do conflito. Em geral, as estratégias
legais bem-sucedidas costumam ser as que são apoiadas pela mobilização e pelo
ativismo dos protagonistas do conflito real.

Parece evidente que, nesse contexto, é importante estabelecer


mecanismos de comunicação, debate e diálogo que lembrem aos poderes
públicos os compromissos assumidos, forçando-os a incorporar nas prioridades de
governo medidas destinadas a cumprir suas obrigações em matéria de direitos
econômicos, sociais e culturais. Nesse sentido, é especialmente relevante que o
próprio Poder Judiciário “comunique” ao poder público o descumprimento de suas
obrigações em relação a essa matéria.

Vimos como a margem de atuação do Poder Judiciário pode variar


consideravelmente, de acordo com as ações de exigibilidade direta de direitos
econômicos, sociais e culturais – legalizar uma decisão de política pública já
assumida pelo Estado; executar uma lei ou uma norma administrativa que
determina obrigações jurídicas em matéria social; estabelecer um padrão dentro
do qual a administração deva planejar e implementar ações concretas e
supervisionar sua execução; determinar uma conduta a seguir; ou, em certos

11
casos, constituir em mora o Estado em relação a uma obrigação, sem impor um
remédio processual ou uma determinada medida de execução. A articulação das
ações legais que possam conduzir a alguns desses resultados com outras estratégias
de incidência política será a chave de uma estratégia efetiva de exigibilidade.

O que caracteriza essas ações indiretas ou complementares é que as vias


judiciais, longe de serem o centro da estratégia de exigibilidade dos direitos
econômicos, sociais e culturais, servem para afirmar as demais ações políticas
empreendidas para encaminhar as demandas de direitos em um conflito.

12

Você também pode gostar