Você está na página 1de 13

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/330170453

COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM: UMA POSSIBILIDADE PARA A ESCOLA


CONTEMPORÂNEA

Chapter · January 2019

CITATIONS READS

0 670

4 authors, including:

Roseli Rodrigues de Mello


Universidade Federal de São Carlos
50 PUBLICATIONS   108 CITATIONS   

SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

Meninas e Mulheres negras: educação para transformação social View project

Transformação da EJA em Comunidades de Aprendizagm View project

All content following this page was uploaded by Roseli Rodrigues de Mello on 05 January 2019.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM: UMA POSSIBILIDADE PARA A


ESCOLA CONTEMPORÂNEA

Vanessa Gabassa (UFG)


Roseli Rodrigues de Mello (UFSCar)
Fabiana Marini Braga (UFSCar)

Resumo

O artigo que apresentamos trata de uma proposta educativa denominada Comunidades


de Aprendizagem. Tal proposta nasceu em escolas da Espanha, a partir da manifestação
de diferentes movimentos sociais e vem sendo desenvolvida pelo Centro Especial em
Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades (CREA), da Universidade de
Barcelona em mais de cem escolas do país. No Brasil, desde o início dos anos 2000 que
o Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE) vem trabalhando na
implantação e desenvolvimento das Comunidades de Aprendizagem, com o objetivo de
oferecer máxima qualidade de ensino aos estudantes e convivência respeitosa entre eles
(as). Trata-se de uma proposta de transformação da escola, em prol da qualidade da
aprendizagem e do respeito às diferenças, a qual envolve a participação de todas as
pessoas que compõem a escola: gestores, professoras, estudantes, familiares e
moradores do bairro no qual a escola se localiza. As Comunidades de Aprendizagem se
constituem a partir do conceito de aprendizagem dialógica, elaborado pelo CREA com
base nas formulações de Habermas e Freire. Tal conceito pressupõe a radicalização do
diálogo na escola, em prol de uma racionalidade comunicativa como mediadora dos
processos educativos e também da gestão escolar. Em nosso texto apresentamos alguns
resultados de pesquisas realizadas entre 2005 e 2009 em escolas que se transformaram
em Comunidades de Aprendizagem no Brasil e também na Espanha. Norteadas pela
Metodologia Comunicativa Crítica encontramos, em diferentes grupos de sujeitos
(estudantes, familiares, gestores e professoras), experiências de êxito das escolas que
engendraram sua transformação em Comunidades de Aprendizagem, com destaque para
a construção de uma gestão mais democrática e participativa, a melhoria na qualidade
da aprendizagem, a mudança no trabalho docente, mais dialogado e compartilhado, e a
melhoria da convivência entre todas as pessoas da escola, na sua diversidade de classes,
crenças, raças e escolhas.

Palavras-Chave: aprendizagem dialógica; diálogo; comunidade.

Introdução
Desde a ampliação do acesso à escola, na década de 1970, vimos discutindo, no
Brasil, a necessidade de tornar garantir escolas públicas, gratuitas e de qualidade para a
população. Qualidade, aqui, é entendida no sentido de oferecer e garantir a todos os
sujeitos ensino dos conhecimentos e dos instrumentos construídos pela humanidade ao
longo de nossa história, para que cada um possa utilizá-los para constituição de uma
vida e uma sociedade dignas. O reconhecimento da diversidade cultural e das diferenças

Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.001921
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
2

pessoais tem de estar contemplado no processo de escolarização e no ensino dos


conteúdos como fonte de riqueza humana, compartilhada entre todos.
Na mesma direção, vem crescendo a compreensão de que a escola sozinha,
fechada em seus profissionais, gestores e professores, não conseguirá alcançar êxito
nesta empreitada. Tem-se ampliado as discussões que remetem à necessidade de
articulação entre escola e entorno, professores e familiares, especialistas e pais, para a
construção de uma escola que ofereça um ensino de qualidade para todas as pessoas. A
transformação de escolas em Comunidades de Aprendizagem atende justamente a esta
proposta.
A partir de um modelo comunitário de escola, a transformação de escolas em
Comunidades de Aprendizagem se apresenta como uma proposta educativa nascida a
partir das mudanças sociais que foram produzidas nas últimas décadas. Segundo Elboj
et al. (2002), a década de 1970, coincidindo com o esgotamento do modelo industrial e
com a crise do petróleo, representou um período de grande revolução e inovação
tecnológica, que muitos autores indicam como o início da chamada Sociedade da
Informação.
Tal período é baseado nas capacidades intelectuais, na seleção e no
processamento da informação que, em tese, pode ser realizado por todas as pessoas.
Nessa perspectiva, o não acesso à informação provoca a exclusão de certos setores
sociais da sociedade atual. Por outro lado, o acesso à educação para todas as pessoas,
homens e mulheres, adultos, jovens e crianças, das diferentes classes sociais, originários
de diferentes grupos culturais, com diferentes corporeidades e escolhas, apresenta-se
como instrumento de luta na busca de superação de desigualdades sociais que provocam
exclusão.
Se antes, na sociedade industrial, a fonte econômica provinha dos recursos
materiais, na sociedade da informação a matéria-prima depende de gente, ou seja, da
seleção e do processamento da informação priorizada feitas pelas pessoas, a partir de
reflexões e interações entre elas.
A transformação de escolas em Comunidades de Aprendizagem é, nesta direção,
uma resposta educativa igualitária para se conseguir uma sociedade da informação para
todas as pessoas. Parte-se do direito que todas e cada uma das crianças, dos jovens e dos
adultos têm à melhor educação e se aposta em suas capacidades, contando com toda a
comunidade educativa – profissional e não profissional - para se alcançar esse objetivo
(ELBOJ ET AL, ibid.).

Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.001922
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
3

O foco desta proposta está posto na qualidade do ensino e na participação dos


diferentes agentes educativos (professores/as, funcionários da escola, familiares,
comunidade de entorno, etc.) na luta pela eliminação do fracasso escolar e pela melhora
da convivência nas escolas. Ela vem sendo desenvolvida, desde a década de 1990, pelo
CREA (Centro Especial de Investigação em Teorias e Práticas Superadoras de
Desigualdade), da Universidade de Barcelona/Espanha e pelo NIASE (Núcleo de
Investigação e Ação Social e Educativa), da Universidade Federal de São Carlos/Brasil,
desde o início dos anos 2000.
Neste artigo, apresentamos algumas reflexões e resultados encontrados em
diferentes pesquisas realizadas de 2005 a 2009, nas Comunidades de Aprendizagem
brasileiras, destacando especialmente as reflexões realizadas por diferentes agentes que
compõem a escola: gestores (as), professores e professoras, crianças e familiares.

Marco Teórico
A transformação de escolas em Comunidades de Aprendizagem foi desenhada
para além das teorias da denúncia; pelo contrário, procuram abrir espaços nos quais se
possam construir e reconstruir valores como a solidariedade, o respeito pelos direitos
humanos, a igualdade de oportunidades e a luta contra todo e qualquer tipo de
discriminação, tomando a diversidade e a diferença humanas como fonte de riqueza.
Sua realização se dá a partir da confluência de três correntes fundamentais para a
compreensão da problemática educativa atual: a teoria da Ação Comunicativa, de
Habermas, como teoria da sociedade; a teoria da Resistência, de Giroux, Apple e
Flecha, no âmbito da sociologia da Educação e a teoria educacional, de Paulo Freire.
De acordo com Ferrada (2001), há sete postulados que caracterizam essa
proposta comunicativa da educação:
1. Todos os processos educativos devem promover uma racionalidade
comunicativa: esta ideia está relacionada com a forma como a comunidade escolar
utiliza os diferentes conhecimentos. A ideia é incorporar uma racionalidade
comunicativa como base da ação escolar, considerando que ela consegue contemplar, de
forma mais completa, os aspectos educativos ao incluir a aceitação dos conflitos
mediante pretensões de validade, isto é, mediante a validade dos argumentos
apresentados por todos que compõem a escola.
2. A realidade educativa deve ser entendida como um processo sociológico, sem
desconsiderar as contribuições provenientes do âmbito psicológico: a partir desta

Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.001923
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
4

perspectiva, a visão psicológica dos processos de aprendizagem complementa a visão


sociológica. As Comunidades de Aprendizagem não baseiam sua explicação do fracasso
escolar nas limitações individuais, nem de grupos sociais determinados, como fazem as
teorias educativas tradicionais. A partir desta perspectiva, o fracasso muitas vezes
acontece por uma incapacidade comunicativa. Incapacidade esta que evidencia uma
patologia social que ultrapassa os muros da escola. Trata-se, portanto, de
“despsicologizar” a educação, sem, entretanto, deixar de valorizar as contribuições da
psicologia para a área educacional.
3. Igualdade educativa para os distintos grupos sociais – não homogeneização
cultural, mas direito que todos e cada um dos diferentes grupos têm de participar
em igualdade de condições do sistema educativo: este postulado mostra que uma
Comunidade de Aprendizagem deve lutar pela incorporação, validação e legitimação de
todos os grupos sociais, favorecendo o estabelecimento de uma educação democrática e
respondendo diretamente à igualdade de gênero, raças, classes sociais, etc.
4. A comunicação racional mediada pela linguagem e o valor do coletivo com a
capacidade da ação humana como bases fundamentais para a transformação
social: em uma Comunidade de Aprendizagem entende-se a capacidade comunicativa
racional e a capacidade de intervenção humana como próprias da natureza humana e,
ambas, são constituintes do coletivo social. Portanto, quem é parte da sociedade e da
escola é também responsável por empreender qualquer ação transformadora na
sociedade, podendo fazer avançar políticas empenhadas em buscar uma sociedade mais
justa, igualitária e livre.
5. As atividades pedagógicas devem caminhar no sentido de fazer se encontrarem
os desejos do grupo social para o qual se desenvolvem e as proposições do
conhecimento oficial, devendo possibilitar a seleção, transmissão e avaliação dos
conhecimentos que circulam na escola: é preciso pensar seriamente na importância da
participação de todos os indivíduos sociais que se relacionam na ação educativa na
seleção, transmissão e avaliação dos conhecimentos socializados. Isso quer dizer que
toda proposta de conteúdos precisa ser submetida à avaliação por parte de quem
participa na atividade pedagógica, assim como toda validade e autenticidade do
conhecimento socializado precisa estar nas mãos de quem aprende e do grupo social ao
qual pertence.
6. A escola é, simultaneamente, reprodutora, criadora e transformadora: nesta
perspectiva, Ferrada (2001) ressalta a proposição de teorias reprodutivistas, a partir das

Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.001924
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
5

quais a escola exerce a função de reproduzir a cultura e o poder de uns grupos sociais
sobre outros, contribuindo para a manutenção das desigualdades. A autora indica que,
inevitavelmente, a escola exerce também uma função reprodutora, assim como criadora
e transformadora, mas sugere que essa função reprodutora seja alimentada a partir de
uma nova vertente: a de reproduzir valores culturais, sociais e materiais que contribuam
para se alcançar uma sociedade mais justa e igualitária, mais dialógica e libertadora.
Nesse sentido, a escola deve cumprir tanto a função de reprodução como de criação e
transformação da realidade social.
7. Incorporação do conceito de crítica em forma multidirecional - todas as
proposições ficam sujeitas a críticas fundamentadas racionalmente: este tópico diz
respeito ao fato de qualquer proposta estar, sempre, suscetível a receber críticas
pautadas numa racionalidade comunicativa. Ser uma Comunidade de Aprendizagem
implica uma postura aberta à incorporação de novos elementos na medida em que
possuam a razão de um argumento melhor diante do que se propõe, sem perder de vista,
porém, valores considerados universais, como a igualdade, a solidariedade, a
democracia e o valor do coletivo.
A partir destes tópicos, é possível compreender as Comunidades de
Aprendizagem como uma proposta de transformação social e cultural:
A transformação de comunidades se baseia em não aceitar a
impossibilidade de mudança, tanto das pessoas concretas como das
estruturas educativas internas de uma escola ou externas de um sistema
educativo. Implica uma mudança dos hábitos de comportamento habituais
para familiares, para o professorado, para o alunado e para as comunidades;
uma transformação cultural, porque tem a intenção de transformar a
mentalidade da recepção de um serviço público pela mentalidade da gestão
pública. (ELBOJ et al, 2002, p.74/75)

Diferentemente das propostas educativas atuais, que tendem a manter as


desigualdades sociais ao confundirem respeito à diversidade e à diferença com desiguais
expectativas de aprendizagem escolar, as Comunidades de Aprendizagem procuram
possibilitar, para todas as pessoas, os instrumentos que lhes garantam o acesso à
sociedade da informação. Trata-se da escola pública, gratuita e, efetivamente, de
qualidade.
Como princípio teórico-metodológico, as Comunidades de Aprendizagem se
fundamentam no conceito de aprendizagem dialógica. Este conceito tem por objetivo a
formação educativa a partir dos princípios do diálogo, da comunicação e do consenso
igualitário. O conceito de aprendizagem dialógica foi desenvolvido pelo CREA com
base nas contribuições teóricas de Jürgen Habermas e Paulo Freire. A teoria da ação

Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.001925
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
6

comunicativa e o conceito de dialogicidade de ambos, respectivamente, dão suporte e


reúnem os elementos teóricos dessa forma de aprendizagem. Outros autores como Beck,
Giddens e Vygotski também apresentam contribuições importantes para a formulação
deste conceito.
A aprendizagem dialógica é composta de sete princípios, sendo eles: diálogo
igualitário, inteligência cultural, transformação, dimensão instrumental, criação de
sentido, solidariedade e igualdade de diferenças. Diálogo igualitário porque considera
as vozes de todas as pessoas em plano de igualdade independente da posição que
ocupam; isto porque se entende que todas as pessoas têm inteligência cultural, a qual,
compartilhada, contribui com soluções mais criativas dos problemas.
O diálogo igualitário não se separa da dimensão instrumental, que consiste no
conhecimento dos instrumentos para participação social na Sociedade da Informação
(leitura, escrita, informática etc). E na medida em que se busca tais princípios por meio
de interações diversificadas, vivencia-se a solidariedade, como ideia de vida coletiva e,
assim, criação de sentido. A partir disso, gera-se uma transformação pessoal que
proporciona também a mudança do entorno, proporcionando melhores condições para o
principio da igualdade de diferenças, que consiste na busca por justiça social e respeito
às diferenças culturais.

Desenvolvimento da Proposta
Uma Comunidade de Aprendizagem pode ser implementada em qualquer escola
que deseje se abrir para a participação efetiva da comunidade de entorno em sua vida,
garantindo aprendizagem máxima de conteúdos escolares por todos e cultivo da
diversidade e da diferença como fontes da riqueza humana. A transformação que as
Comunidades de Aprendizagem propõem está pensada prioritariamente para escolas que
apresentam maiores problemas de desigualdade e pobreza, portanto, com maior
necessidade de transformação para se conseguir os direitos educativos para todas as
pessoas que a frequentam. (ELBOJ et al., ibid.)
O processo de transformação de uma escola em uma comunidade de
aprendizagem inclui um programa destinado a garantir que todas as partes
(professorado, direção e familiares) entendam os objetivos da proposta e se
comprometam em realizá-la. Se uma das partes envolvidas não quiser a transformação
da escola, então ela não acontece. Esta deve ser escolha de todos aqueles que compõem
a escola.

Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.001926
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
7

Esse processo acontece em oito fases. Não se trata de um modelo prescritivo,


podendo ser repensado de acordo com a realidade de cada escola, mas que, de maneira
geral, se estabelece da seguinte forma:
• Fase de Sensibilização: esta fase dura aproximadamente um mês e destina-se a
apresentar ao professorado da escola e à comunidade de entorno o contexto no qual
se insere este projeto, como ele nasceu e qual a sua proposta.
• Tomada de Decisão: esse período, de um mês, destina-se à decisão sobre o início do
projeto, se for vontade e compromisso de toda a comunidade educativa.
• Fase dos Sonhos: esta fase, que varia de um a três meses, destina-se a chegar a um
acordo sobre o modelo de escola que se pretende alcançar. Para isso, todas as pessoas
da escola sonham a escola que gostariam de construir.
• Seleção de Prioridades: depois de terem sonhado tudo o que desejam para sua
escola, as pessoas da escola e da comunidade selecionam as prioridades para
realização destes sonhos, buscando informações sobre o bairro e estabelecendo metas
para a transformação da escola.
• Planejamento: esta fase dura cerca de um a dois meses e destina-se a formar grupos e
comissões mistas (com professores/as, alunos/as, mães, pais, comunidade de entorno,
equipe da universidade) para levar adiante o plano de ação pensado para a
transformação da escola.
• Investigação: o processo de investigação é constante em comunidades de
aprendizagem. É um processo de reflexão sobre a ação empreendida e de melhoria
dessas mudanças.
• Formação: a formação em Comunidades de Aprendizagem também é constante e
acontece em prol dos diferentes agentes educativos, de acordo com as necessidades
de cada um deles (para os professores/as, para as crianças, para os familiares,
voluntários/as, etc.).
• Avaliação: esta também é contínua durante todo o processo, devendo ser feita por
todas as pessoas que vivem a escola e a sua transformação.
Trata-se de uma perspectiva escolar pertinente a qualquer grau de ensino, já que,
em todos eles, o que está no centro é a relação estabelecida entre diferentes sujeitos que
se encontram em uma instituição social, cuja função é difundir conhecimento
sistematizado, como direito a uma vida melhor para todos. Trata-se de um projeto do
entorno, que não atinge somente quem estuda na escola, mas tudo e todos que estão ao

Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.001927
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
8

seu redor: o bairro, a população, a relação da comunidade de entorno com a escola e


com ela mesma enquanto agente educativo. Em Comunidades de Aprendizagem,
entende-se que a aprendizagem ocorre na aula e em tantos outros espaços, incluindo o
bairro e todo o entorno que deve ser, portanto, entendido como agente educativo.
Segundo Elboj et al. (2002), o fato desse projeto se propor a lutar por uma
sociedade da informação para todas as pessoas coloca-o também na luta pela exclusão
que essa mesma sociedade pode gerar. Para isso, o projeto se baseia na capacidade de
reflexão e comunicação universais. Supõe que todas as pessoas podem participar
plenamente na dinâmica das comunidades, sem que se vejam limitadas por sua condição
social ou escolar, podendo desejar o máximo de possibilidades educativas e culturais
para si e para seus familiares, de maneira a permitir que os resultados educativos sejam
iguais ou superiores àqueles disponibilizados aos que estão em situação sócio-
econômica melhor.
Os autores/as ressaltam essa questão pela característica de permanente
transformação da informação que marca nossa sociedade atual e também pela
necessidade de uma educação permanente, que possa adaptar-se às mudanças e que seja
continuamente avaliada para atuar melhor em cada uma das circunstâncias. Nesse
sentido, a educação deve ser permanente e pensada para além dos muros da escola, mas
na perspectiva de quem tem que trabalhar, organizar a família e tantas outras demandas
cotidianas.
Ressalta-se, ainda, o fato das Comunidades de Aprendizagem se desenvolverem
mediante uma educação participativa da comunidade em todos os espaços, o que quer
dizer que a participação é pensada em prol da eficácia da aprendizagem e não do
profissionalismo. Essa afirmação nos remete à discussão sobre o corporativismo que
comumente encontramos em todas as áreas, em defesa da atuação profissional e
especializada. Não desconsideramos a importância da atuação profissional na educação
e o papel fundamental que cada professor/a assume na escola e na sala de aula, mas
compreendemos que, além do (a) especialista, muitas outras pessoas atuam como
agentes educativos das crianças na escola. Nesse sentido, o espaço da aula é espaço de
todas as pessoas (pais, mães, voluntários/as e professor/a) que podem ensinar algo às
crianças. O que se apresenta é uma ação coordenada de todos os agentes educativos de
um entorno para se conseguir um objetivo comum: uma educação de máxima qualidade
para todos e todas.

Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.001928
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
9

Alguns Resultados
A perspectiva central em Comunidades de Aprendizagem é que se converse
entre todas as pessoas (profissionais da escola, estudantes, familiares e pessoas do
bairro) quais conteúdos são necessários para o conhecimento das crianças, jovens e
adultos e, portanto, os mesmos devem ser trabalhados em sala de aula ou em outros
espaços da escola. Nesse entendimento, outras pessoas, além do professorado, se
dispõem a ensinar aquilo que sabem e se responsabilizam, junto com a escola, pela
educação dos jovens e das crianças.
Na Espanha, mais de cem escolas se transformaram em Comunidades de
Aprendizagem. No Brasil, três escolas estão assim se desenvolvendo. Em pesquisas
realizadas pelas autoras na última década, junto a Comunidades de Aprendizagem
espanholas e brasileiras os resultados têm mostrado que essa parceria constrói e
alimenta a qualidade do ensino:
Antes de ser uma Comunidade eu apenas tomava conta do laboratório de
informática, ia lá, via alguma coisa que estava precisando na máquina,
arrumava etc. Depois, eu pude dar aulas de informática para várias turmas de
crianças e adultos, que foi um de meus sonhos levantados nas primeiras
reuniões feitas com os familiares sobre a proposta de Comunidades de
Aprendizagem (voluntário adolescente, vizinho da escola - Brasil)

A responsabilidade pela aprendizagem das pessoas não é apenas dos


profissionais da escola. No diálogo, na construção da escola que se sonha e que se quer
todos (as) se envolvem e se comprometem para que cada vez mais as pessoas possam
aprender tudo o que desejam e para que a escola seja o espaço de referência para todos
no bairro.
Eu me lembro do caso de um menino, que no começo tinha muita
dificuldade em matemática e língua portuguesa. Ele não sabia ler quase
nada, mas no decorrer do processo, com nossa ajuda, foi se desenvolvendo
muito em sua leitura e nas continhas e várias outras coisas também. Este foi
um caso bem marcante. (Mãe voluntária na Biblioteca - Brasil)
(...) tem cursinho à noite e outras atividades, porque geralmente vemos as
escolas ficarem fechadas à noite. E essa aqui sempre que a gente passa está
aberta. Todas as sextas-feiras que eu passo, eu vejo sempre gente entrando
e saindo, o que não acontece em outras escolas. (Mãe de um estudante de
uma Comunidade - Brasil)

A aprendizagem Dialógica, nas Comunidades de Aprendizagem, passa a ser


vivenciada por professores e professoras, gestores, diretoras, crianças e familiares.
Todos se envolvem no processo educativo como agentes diretos da formação de cada
um (a). Este é um dos avanços mais importantes que a proposta traz para dentro das
escolas, possibilitando-lhes criar um novo sentido de público, de maneira a ser
compartilhado por todos e todas. Nas palavras de Freire (2005 a., p.154), “o sujeito que

Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.001929
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
10

se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se
confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente
movimento da História”
A possibilidade de compartilhar a responsabilidade pela aprendizagem também
transforma a relação do professorado com as crianças e com os familiares. A atuação
docente passa a ser mais efetiva, porém mais leve, menos solitária e mais prazerosa.
Eu aprendi muita coisa com o grupo da biblioteca, de ouvir as crianças, de
ver o que elas precisavam (...) aprendi a dividir meu trabalho com as
crianças porque elas estavam lá e tinham que, ao mesmo tempo, aprender e
ensinar também. Aprendi a sair do papel de professora para aprender junto.
(professora de uma Comunidade, voluntária na Biblioteca no contra
turno – Brasil)

A atividade, por exemplo, que eu dava, que eu sabia que levava meia hora,
agora as crianças já a realizam em dez minutos. Às vezes nem eu acreditava
que eles estavam dando conta de fazer tudo. (professora de uma
Comunidade, referindo-se às atividades realizadas em sala com a ajuda
de voluntários – Grupos Interativos - Brasil).

Eu, nesses dois anos que a gente está com o Comunidades, eu também
percebi, assim, que a minha relação com as outras pessoas melhorou
mesmo! Assim, eu nunca tive muita dificuldade com relação às crianças,
desde quando eu comecei a docência. Mas percebo, por exemplo, que eu
tenho parado mais para ouvi-las (...). E eu acho que para mim está sendo
um ganho também, porque acho que é bem aquilo que a Profa. 10 falou:
uma coisa é você pensar essas coisas, ter livros sobre isso, e aí é muito
diferente quando você vê que as coisas acontecem mesmo. (...) Então eu
acho que a gente pode vivenciar isso, de coisas que a gente leu e que a
gente estudou e em determinado tempo, ver que aquelas coisas acontecem
mesmo! Então, eu acho isso muito bom, e melhora muito para mim, para
nossa vida mesmo. Eu acho que é um ganho! (Professora de uma
Comunidade – Brasil)

A ênfase na aprendizagem instrumental, mediada pela solidariedade e pelo


diálogo faz com que as pessoas avancem em seus conhecimentos de maneira rápida e
efetiva. Não aprende mais somente quem é estudante da escola, mas todos (as) aqueles
que fazem parte dos processos educativos.
Voltei a aprender de novo aquilo que eu estava esquecendo, porque você
ensinando também aprende, porque eu pegava as coleções de livros da
escola, e alguma coisa que eu não sabia, eu ficava ali até que eu aprendesse
para eu poder passar para os alunos. (Vizinha da escola, voluntária em
Grupo Interativo, realizado em sala de aula - Brasil)

Os grupos nos ajudam a aprender mais. Eu mesmo melhorei em


matemática. (...) eu também ajudei uma menina da terceira série que não
estava conseguindo fazer uma continha e que depois, conseguiu.
(Adolescente da segunda fase do Ensino Fundamental, voluntária em
Grupo Interativo - Brasil)

Eu tinha muita dificuldade na tabuada, na fração e na leitura e com a ajuda


de uma voluntária tive apoio para estudar e melhorei. Também tive ajuda em
casa de minha tia e prima. (Criança de uma Comunidade - Brasil)

Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.001930
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
11

A entrada de familiares e de voluntariado na vida da escola tem sido vista de


forma muito positiva em Comunidades de Aprendizagem, configurando-se por
apresentar um avanço no processo de democratização do ensino, por um lado, com a
criação de espaços mais dialógicos, abertura das salas de aula, formação de familiares
(informática, aulas de inglês, cursinho pré-vestibular, oficinas de artesanato etc.) e, de
outro, pelos diversos fatores transformadores que as muitas atividades (tertúlias, grupos
interativos, biblioteca tutorada, informática, aulas de reforço, música, etc.) possibilitam
a todos e todas que dela participam, por meio dos princípios da aprendizagem dialógica.

Pais que jamais imaginariam, por exemplo, que a escola faria um coral para
adultos ou ofereceria aulas de espanhol, estavam tendo oportunidade de ter
tudo isso (...) de ver que a escola estava mudando. (Diretora de uma
Comunidade - Brasil)

Estou feliz porque estudo na mesma escola de minhas filhas e é importante


para todas as mulheres imigrantes aprender a língua para que possam se
comunicar com as pessoas, a escola, etc. porque sem idioma, não sabem o
que fazer e para onde ir. Para ir à compra sozinha, para ajudar meus filhos
na escola, para ir ao médico sozinha, para viver aqui se tem que aprender
castelhano. (Mãe árabe que estudava em uma Comunidade de
Aprendizagem - Espanha)

Creio que mina participação sim é muito importante. Primeiro é que as


crianças, por exemplo, espanholas, vêem que há um marroquino na escola e
então muda um pouco a imagen de que sempre os marroquinos são maus,
roubam, fazem coisas e mina presença é um modelo para as crianças
marroquinas, porque sempre pegam o modelo de meninos e meninas que
estão em delinquência, que vendem drogas e que roubam. Então, minha
presença aquí é muito importante para a escola, para as crianças em geral,
imigrantes e não imigrantes. (Voluntário de uma Comunidade –
Espanha)

Os relatos apresentados apontam um grande potencial de participação dos


familiares criado pelas Comunidades de Aprendizagem, em seus respectivos contextos,
mas sabemos que abrange ainda um número relativamente pequeno se comparado ao
número total de famílias pertencentes a cada escola. Ainda assim, percebemos que um
grande passo pode ser dado a respeito da melhoria da qualidade da educação com a
transformação da escola, uma vez que as pessoas tendem a deixar de reforçar em suas
ações uma cultura voltada para a queixa, ao pensarem efetivamente sobre aquilo que
podem e devem fazer conjuntamente para se alcançar os objetivos que compartilham:
aprendizagem de máxima qualidade e convivência respeitosa entre todos e todas.
Consideramos que os caminhos para se conseguir uma educação de boa
qualidade são longos e complexos e requerem mudanças profundas não só na relação

Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.001931
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
12

professor/aluno, como também na formação de professores, de conteúdo pedagógico, de


método e de gestão do sistema de ensino brasileiro e de financiamento da educação.
Porém, entendemos que há processos mais dialógicos e igualitários a serem
desenvolvidos nas instituições de ensino que podem ser favorecidos pelas mudanças
anteriormente indicadas, mas que não dependem apenas delas para se concretizarem. A
melhoria da qualidade da escola pública brasileira pode se estabelecer na ação
comunicativa entre todas as pessoas, buscando acordos e entendimentos em torno
daquilo que almejam de melhor para uma dada realidade. E isso depende da tomada de
posição e da ação humana de sujeitos implicados com sua realidade – depende de quem
faz a escola querê-la verdadeiramente pública e democrática.

Referências
BRAGA, F. M. Comunidades de aprendizagem: uma única experiência em dois
países (Brasil Espanha) em favor da participação da comunidade na escola e da
melhoria da qualidade do ensino. Tese (Doutorado em Educação) – Centro de
Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, 2007.
ELBOJ, C.; PUIGDELLÍVOL, I.; SOLER, M.; VALLS, R. Comunidades de
Aprendizaje: Transformar la educación . Graó. Barcelona, 2002.
FERRADA, Donatila. Curriculum Crítico Comunicativo. Barcelona: Editora El Roure,
2001.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 42ª Edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
GABASSA, V. Comunidades de Aprendizagem: a construção da dialogicidade na
sala de aula. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, 2009.
MELLO, R. R. Comunidades de Aprendizagem: contribuições para a construção de
alternativas para uma relação mais dialógica entre a escola e grupos de periferia urbana.
Barcelona: Centro de Investigação Social e Educativa (CREA), Universidade de
Barcelona, Relatório de Pós-Doutorado, 2002.
______________. Comunidades de Aprendizagem: aposta na qualidade da
aprendizagem, na igualdade de diferenças e na democratização da gestão da escola.
Relatório de Pesquisa. São Paulo: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo, 2009.

Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.001932
View publication stats

Você também pode gostar