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EDUCAÇÃO E ENSINO
Italan Carneiro
A gênese do ensino técnico-
italancarneiro@gmail.com
Instituto Federal de Educação, Ciência e
profissionalizante no Brasil a partir da
Tecnologia da Paraíba - Campus João Pessoa implantação das Escolas de Aprendizes
Artífices (EAAs)
Resumo
Abstract
This work deals whit the origin of technical and vocational education in Brazil, which reflects on the emergence
of the Escolas de Aprendizes Artífices (Craft Apprenticeship Schools). Based on document and bibliographic
research, it was discussed the characteristics of schools, their social and economic context of implementation
and the many transformations by the institutions during their almost thirty years of existence until being trans-
formed into high schools (Industrial / Professional). As a government instrument in the exercise of a moral and
welfare policy for social control, the CAS formally instituted the “structural duality” of Brazilian education in
the early twentieth century. This means the division of our school network in two: a vocational network aimed
at occupying the grass roots, transforming them into labour “useful to the nation”; and another propaedeutic
network aimed at those who would enter the world of work only after the completion of their studies.
Keywords: Technical and vocational education. Craft Apprenticeship Schools. EAAs. Structural duality. Technicism.
necessário com a literatura pertinente, refletiremos naquele momento histórico – onde percebemos um
acerca da gênese da Rede Federal de Educação contexto social em transição, construído pelo pro-
Profissional a partir da implantação das Escolas de cesso de urbanização, com forte mobilização popu-
Aprendizes Artífices. lar e classista em busca de melhores condições de
vida e de trabalho – podemos afirmar que as EAAs
tinham a finalidade de proporcionar “qualificação
de mão de obra” a fim de estabelecer a “ordem so-
cial”. Nesse sentido, podemos afirmar as instituições geiros, que constituíam boa parte do operariado”.
pretendiam ocupar as camadas populares com uma É importante ressaltar que naquele momento, “o
formação que atendia claramente aos interesses da proletário era concebido como marginal: bandido
elite, tornando-as então um instrumento do governo ou pobrezinho, era necessário reprimi-lo e controlá-
no exercício de uma política de caráter moral-assis- -lo dentro e fora da fábrica” (HARDMAN; LEONARDI,
tencialista, com fins de controle social. Concordando 1982, p. 193). Ainda, corroborando com este racio-
com Pereira (2003, p. 25), podemos afirmar que “é cínio, Pereira (2003, p. 25-26) afirma que a criação
fácil verificar a presença de um forte conteúdo ideo- das EAAs consistia em “um projeto de qualificação
lógico conservador no documento legal que estabe- de profissionais pautado contundentemente na dis-
lece as instituições destinadas à formação de artífi- ciplinarização dos filhos das classes proletárias,
ces”. E, dessa forma, menores percebidos como potenciais elementos da
desordem social”. Neste sentido, Candeia (2013, p.
[…] não há dúvida de que aos obje-
3) argumenta que “comportamentos considerados
tivos das Escolas de Aprendizes Artí-
inadequados e pouco racionais são apresentados
fices associavam-se à qualificação de
como valores que deveriam ser reavaliados e modifi-
mão de obra e o controle social de um
cados em função do projeto civilizatório em curso, ao
segmento em especial: os filhos das
passo em que outros comportamentos deveriam ser
classes proletárias, jovens e em situa-
construídos e afirmados”. Seguindo a mesma linha
ção de risco social, pessoas potencial-
de raciocínio, Kunze (2009) ressalta que:
mente mais sensíveis à aquisição de
vícios e hábitos “nocivos” à socieda- A necessidade de incentivar a nova
de e à construção da nação. (BRASIL, classe social que vinha se formando a
2010, p. 10) se profissionalizar e futuramente ven-
der sua força de trabalho foi um mo-
Para compreendermos esse contexto é fun-
tivo presente na constituição da rede
damental lembrar que, dentre outras questões, as
federal de educação profissional, mas,
EAAs foram fundadas apenas 20 anos após a aboli-
acima de tudo, a necessidade de pro-
ção da escravatura no Brasil e que o abandono das
teger a cidade contra esses ditos esté-
relações escravistas de produção, a partir de sua
reis foi marcante. (KUNZE, 2009, p. 23)
gradativa substituição pelo trabalho livre, realizou-
-se de forma particularmente excludente. Naquele Ainda sobre a natureza das EAAs, autores
momento, a ausência de oportunidades de trabalho, como Gomez (2003, p. 16) analisam “a criação des-
assim como a falta de acesso à terra para a popula- sas escolas como uma estratégia política, pois sua
ção recém-liberta, foi uma das características mar- localização não atendia às demandas de mão-de-o-
cantes do processo de urbanização do Brasil no iní- bra, mas sim aos redutos eleitorais”. Dessa forma,
cio do século XX. Segundo Theodoro (2008, p. 29), “as análises sobre o processo de criação de escolas
“pode-se observar, já no final do século XIX, o início profissionalizantes passam obrigatoriamente pelas
de um processo de aglomeração da pobreza e da ex- funções exercidas pelo Estado no que tange à he-
3º SIMPIF
clusão nas cidades, resultante da chegada em profu- gemonia e coerção, bem como sua relação com as
são de contingentes de ex-escravos”. classes dominantes” (FERREIRA, 1997, p. 69).
Sobre o papel das instituições naquele con- Podemos afirmar que, além de exercer con-
texto, Cunha (2000, p. 94) argumenta que, “o ensino trole social, as EAAs vão atender à demanda, ainda
profissional foi visto pelas classes dirigentes como que incipiente em alguns estados, das recentes
um antídoto contra a ‘inoculação de idéias exóticas’ indústrias brasileiras, pois é importante lembrar
no proletariado brasileiro pelos imigrantes estran- que o país entrava em uma fase de crescimento
o funcionamento das escolas, conforme previsto pelo mento das escolas ficou clara já no
do mercado de trabalho local, de modo que, a escola as instalações das escolas se davam
de São Paulo, por exemplo, “desde os primeiros anos em prédios fornecidos pelos governos
de existência, era uma das poucas que ofereciam estaduais e prevalecia a improvisação
(CUNHA, 2000, p. 71). Já em Sergipe, segundo San- nalidade a que naquele momento se
tos Neto (2009, p. 28), os alunos possuíam inicial- propunham. As oficinas, de um modo
A EAA da Paraíba, por sua vez, ofertou inicialmen- tres pouco preparados para o ensino
ção da Paraíba aponta que naquele contexto a es- como pretendia o decreto de criação.
rigor de sua ordem e disciplina” (IFPB, 2010, p. 9). Ilustrando a afirmação de Gomes, destaca-
mos a EAA do Amazonas, tendo iniciado seu funcio-
namento em uma edificação residencial na cidade de de então se anteciparam ao surgimento das deman-
Manaus, no dia 1 de outubro de 1910, com apenas das de mão-de-obra qualificada” (OLIVEIRA JÚNIOR,
33 alunos. Caracterizando a inadequação presente 2008, p. 3); e a segunda que defende a escolha da
nos primeiros anos de funcionamento da escola, o localização como uma manobra política, como apon-
histórico da instituição indica que, tam Gomez (2003, p. 16) e Pandini (2006):
destinadas a cada membro integrante da escola (Art. advindas dos setores produtivos. Então, a partir
12º). Este regulamento, conhecido como “Regula- deste quadro, no governo Wenceslau Braz Perei-
mento Pedro Toledo”, norteou a prática das EAAs até ra Gomes, o então ministro Antonio Carlos Ribeiro
o ano de 1918, intervalo de tempo em que o Bra- de Andrada assina a Lei nº 3.454, em 6 de Janeiro
sil acompanhou um grande crescimento no número de 1918, que, no art. 97 (parágrafo 3º, inciso III),
de indústrias instaladas. A Paraíba, por exemplo, determina o aumento da verba a ser investida para
conforme Ferreira (1997, p. 70), no ano de 1909, “rever os regulamentos das escolas de aprendizes
possuía apenas cerca de 88 estabelecimentos in- artifices para, sem exceder as verbas orçamenta-
dustriais e em 1920 este número chega a 251, com rias, melhorar-lhes o funccionamento e harmoniza-
uma média de 12 operários por estabelecimento. -lo com a creação dos cursos nocturnos” (BRASIL,
O vizinho Pernambuco também conta com valores 1918, p. 315).
proporcionalmente semelhantes, sendo estes 178 e
2.1.2 Decreto nº 13.064/1918
442, e uma média de 36 funcionários por indústria
(FERREIRA, 1997, p. 70). Esse crescimento também Sancionada a referida Lei (Lei nº 3.454/1918),
foi verificado em âmbito nacional, onde, em 1907, ainda no ano de 1918, o novo Ministro da Agricul-
os estabelecimentos industriais e oficinas saíram da tura, Indústria e Comércio, João Gonçalves Pereira
marca dos 3.258 estabelecimentos para, em 1920, Lima, por meio do Decreto nº 13.064, de 12 de junho
atingir o quantitativo de 13.336 (SOUZA, 2010, p. 4). daquele ano, propõe um novo regulamento com o
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial em objetivo de alavancar o funcionamento das escolas:
1914, o fluxo internacional de comércio desacelera a matrícula passa a ser realizada em dois momentos,
sensivelmente, acarretando numa drástica redução modificação atribuída, segundo autores como Souza
da exportação do café brasileiro. Como consequên- (2010, p. 5), à baixa demanda de alunos ingressan-
cia, foi necessário “promover a produção nacional tes; o quadro de funcionários recebe o acréscimo de
de artigos industrializados. Estima-se que a produ- serventes; e a idade para ingresso, que havia sido
ção industrial brasileira cresceu a uma taxa anual de elevada em 1911 para 12 anos, volta para os 10,
8,5% durante os anos de conflito” (FUNDAÇÃO GE- estabelecidos em 1909, permanecendo o ingresso
TÚLIO VARGAS, 2012, p. 1). Realizando uma análise até os 16 anos.
ampla do impacto do conflito nas sociedades, Fausto Naquele momento, a idade mínima para o
(1999) tece a seguinte reflexão: início da profissionalização, assim como a presença
de crianças nos ambientes de trabalho, já caracteri-
Do ponto de vista histórico, podemos
zavam motivos de divergência no interior da classe
dizer que o século XX não começa pro-
trabalhadora, pois se relacionavam diretamente com
priamente em 1900. Na realidade, ele
as questões materiais ligadas à subsistência familiar.
começa com a guerra, essa grande
Realizando análise daquele contexto, Pandini (2006)
conflagração que, em si mesma, in-
aponta que:
troduz rupturas e novidades, desde as
técnicas de confronto até a amplitude Se alguns jornais editados pelo movi-
3º SIMPIF
de mortalidade e péssimas condições de moradia no Profissional Técnico, cuja direção foi entregue ao
(MONTEIRO, 1990, p. 314). Ainda contribuindo com engenheiro João Luderitz, Diretor do Instituto Paro-
o entendimento acerca deste contexto, a partir da bé, ligada à Escola de Engenharia de Porto Alegre
ascensão do movimento operário brasileiro, Men- (SOUZA, 2003, p. 6). As atividades desenvolvidas
donça (1990) reflete: pelo Serviço de Remodelação do Ensino Profissional
Técnico desembocaram na portaria assinada em 13
Nas marchas e contramarchas con-
de novembro de 1926 pelo então Ministro da Agri-
dicionadas pela própria dinâmica do
cultura, Industria e Comércio, Miguel Calmon Du Pin verdade uma tentativa de adaptação
e Almeida, que instituiu a “Consolidação dos dispo- da produção a uma maior complexi-
sitivos concernentes às EAAs”. dade da produção industrial com uma
Seu texto ocasionou três grandes modifica- maior divisão de tarefas e especiali-
ções às escolas: a criação de um currículo único a zação, rompendo com a tradição da
ser seguido, a criação do Serviço de Inspeção do artesania onde em apenas uma ofici-
Ensino Profissional Técnico (órgão encarregado de na o aprendiz deveria aprender todas
fiscalizar e proporcionar uniformidade às EAAs) e a as etapas da manufatura do produto.
formalização legal do conceito de “industrialização Desse modo, onde havia uma oficina o
da escola”, a partir do qual o diretor foi autorizado lugar passou a ser organizado em uma
a aceitar encomendas de particulares e repartições seção, composta de várias oficinas.
públicas. A partir do processo de industrialização (GOMES, 2004, p. 46)
das escolas, “cada obra tinha estipulada preço de
A necessidade de uma maior divisão de ta-
material, valor das horas de trabalho de alunos e dia-
refas, assim como de uma maior especialização dos
ristas, cuja contratação poderia ser autorizada pelo
trabalhadores, advindas da produção industrial da-
diretor para empreitadas” (GOMES, 2003, p. 73). A
quele contexto relaciona-se diretamente ao momen-
proposta de industrialização das escolas tornou-se
to de expansão e diversificação do setor químico,
alvo de críticas em vista da “difícil conciliação entre
metalúrgico, cimento e de tabacaria, dentre outros,
a aprendizagem e a produção, pois esta caberia por
pelo qual passava o Brasil, ao longo da década de
se impor àquela, o que deturparia a finalidade das
1920. No entanto, apenas a partir da “Revolução de
escolas” (GOMES, 2004, p. 44). Ilustrando a corren-
1930”, o Brasil efetivamente deixa de ser um país
te que discordava do referido processo, destacamos
essencialmente agrícola e lança as bases para se
a análise de Candeia (2013, p. 116-117) ao apon-
constituir como nação industrial. Com a chegada de
tar que “vários anos depois [do início da industria-
Getúlio Vargas ao poder e seu projeto de industria-
lização das escolas], em 1940, o Diretor da EAA-PB
lização, haverá todo um esforço estatal no sentido
continuava reclamando e discordando da ‘industria-
de valorização do trabalho. Nesse sentido, Gomes
lização das oficinas’ como algo pernicioso ao ensino
(1999) sinaliza que:
profissional, que, além de transformar a Escola em
estabelecimento mercantil, obrigava o diretor a agir Os anos [19]30 e [19]40 são verda-
como agente de encomendas”. deiramente revolucionários no que
A partir do Serviço de Remodelação do En- diz respeito ao encaminhamento da
sino Profissional Técnico foram adotados os proce- questão do trabalho no Brasil. Nesse
dimentos racionalizadores do ensino e da produção período, elabora-se toda a legislação
dentro das EAAs, como próximos das aspirações tay- que regulamenta o mercado de traba-
loristas. Acerca da incorporação desses princípios, lho do país, bem como estrutura-se
Gomes (2004) reflete que: uma ideologia política de valorização
do trabalho e de ‘reabilitação’ do pa-
3º SIMPIF
petoria do Ensino Profissional Técnico, coordenada secundários oficiais foram equiparados ao Colégio
pelo engenheiro Francisco Montojos. Sobre aquele Pedro II, mediante a inspeção federal, dando a mes-
contexto, encontramos pertinente reflexão nas Dire- ma oportunidade às escolas particulares que se or-
trizes Curriculares Nacionais para a Educação Pro- ganizassem, segundo o decreto, e se submetessem
fissional de Nível Técnico (1999): à mesma inspeção (BRASIL, 1931, p. 9142). Dessa
forma, conforme Pereira e Passos (2012, p. 79), po-
No início da República, o ensino se-
demos afirmar que o ensino secundário configurou-
cundário, o normal e o superior, eram
-se como “preparatório para a carreira universitária
competência do Ministério da Justiça
e como meio de ilustração dos membros da elite;
e dos Negócios Interiores e o ensino
consequentemente, constituía-se em símbolo de
profissional, por sua vez, era afeto ao
classe”. Refletindo acerca do Decreto nº 19.890, de
Ministério da Agricultura, Indústria e
18 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização
Comércio. A junção dos dois ramos de
do ensino secundário, Penna (2012) analisa que:
ensino, a partir da década de [19]30,
no âmbito do mesmo Ministério da Apesar de reestruturar o ensino se-
Educação e Saúde Pública foi apenas cundário com alto grau de detalha-
formal, não ensejando, ainda, a neces- mento, até mesmo modificando-o em
sária e desejável “circulação de estu- sua essência, o Decreto nº 19.890
dos” entre o acadêmico e o profissio- mantinha esse nível de ensino como
nal. O objetivo primordial daquele era “expressão de inegável elitismo”, já
propriamente educacional, e deste, expresso na extrema dificuldade de
primordialmente assistencial, embora seu acesso. Por um lado, a crescente
já se percebesse a importância da for- oferta de ensino primário não se fazia
mação profissional dos trabalhadores igualmente em termos regionais, con-
para ocupar os novos postos de tra- centrando-se nas áreas urbanas, em
balho que estavam sendo criados, com um país predominantemente agrário,
os crescentes processos de industria- marcado por elevados índices de anal-
lização e de urbanização. (BRASIL, fabetismo. (PENNA, 2012, p. 1441)
1999, p. 571)
O ensino técnico comercial, por sua vez, pas-
sou a ser composto do “curso propedêutico e dos
2.1.4 Reforma Francisco Campos
seguintes cursos técnicos: de secretário, guarda-
Naquele contexto, a legislação educacio- -livros, administrador-vendedor, atuário e de peri-
nal dos cursos superiores, do ensino secundário e to-contador e, ainda, de um curso superior de ad-
do ensino comercial (ensino médio profissionali- ministração e finanças e de um curso elementar de
zante) ganhava nova estruturação e passava a ser auxiliar do comércio” (BRASIL, 1931, p. 2625). Para
centralizada na esfera federal a partir da Reforma ingressar no curso propedêutico, o candidato preci-
Francisco Campos (então ministro da Educação e saria submeter-se a exames de admissão ou possuir
3º SIMPIF
Saúde Pública). A estrutura do ensino secundário, o certificado de aprovação na 1ª série do curso se-
por exemplo, incorporou o currículo seriado, a fre- cundário e possuir a idade mínima de 12 anos. O cur-
quência obrigatória, a divisão do ensino em dois ci- so tinha duração de 3 anos. Já o ingresso nos cursos
clos: o fundamental, com duração de cinco anos, e o técnicos exigia o certificado de conclusão do curso
complementar, com dois anos; e ainda a exigência de propedêutico, ou certificado de aprovação na 5ª sé-
sua conclusão para o ingresso em determinadas ins- rie do curso secundário. Os cursos duravam de 2 a 3
tituições do ensino superior. Além disso, os colégios anos, dependendo da habilitação.
Para a matrícula no 1º ano do curso superior educação geral, que ensinavam as artes, a literatura,
de administração e finanças era exigido o diploma a cultura universal; e para formar gerações de traba-
de perito-contador ou de atuário. “Essa era a única lhadores, as escolas profissionais”. Conforme a au-
possibilidade de ingresso em curso superior para os tora, esse modelo dualista que “determinou duas re-
concludentes dos cursos técnicos” (PEREIRA; PAS- des diferenciadas ao longo da história da educação
SOS, 2012, p. 80). A duração do curso era de três brasileira tem suas raízes na forma de organização
anos. Acerca das proposições e do impacto causado da sociedade, que expressa as relações entre capital
pela Reforma Francisco Campos, Zotti (2006) faz a e trabalho” (KUENZER, 2000, p. 20).
seguinte análise: Ainda refletindo sobre a Reforma Francisco
Campos, destacamos a análise das autoras Pereira e
[...] pela primeira vez, uma reforma
Passos (2012) que enfatiza o aspecto dicotômico da
atingiu os vários níveis de ensino (se-
reforma, reforçando o caráter dualista apresentado
cundário, comercial e superior) e foi
por Kuenzer:
imposta a todo território nacional.
Nesse sentido, foi instituído o siste- A lei, por conseguinte, revestia a edu-
ma universitário no Brasil, através cação profissional de terminalidade,
do Estatuto das Universidades e or- uma vez que o título alcançado, sal-
ganização da Universidade do Rio de vo para os concludentes dos cursos
Janeiro; o ensino secundário foi re- de atuário ou de perito-contador que
formado na lógica de uma formação desejassem ingressar no Curso de Ad-
propedêutica para o ensino superior; ministração e Finanças, não permitia
dos cursos técnico-profissionais foi o ingresso nos níveis mais elevados.
organizado o ensino comercial, que Desse modo, sacramentava a dicoto-
não permitia o acesso dos alunos ao mia entre educação propedêutica e
ensino superior, privilégio exclusivo educação para o trabalho. A primeira
dos que concluíam o ensino secun- dirigida aos membros das elites e a se-
dário propedêutico. Na prática, a re- gunda, para os trabalhadores e seus fi-
forma de Campos estabeleceu um lhos. (PEREIRA; PASSOS, 2012, p. 80)
projeto de educação diferenciado:
uma educação “para pensar” e outra 2.1.5 Superintendência do Ensino Industrial
“para produzir”. (ZOTTI, 2006, p. 3)
Em 1934, a Inspetoria do Ensino Profissional
Desse modo, podemos afirmar que a reforma Técnico muda novamente de denominação a partir
contribuiu significativamente para a legitimação da do Decreto nº 24.558 de 3 de julho, e passa a ser de-
dualidade estrutural que caracteriza a história da signada Superintendência do Ensino Industrial. Po-
educação profissional no Brasil desde sua formali- de-se afirmar que tal decreto lançou as bases para
zação com a criação da EAAs, na qual as medidas unificação do ensino profissional no país (BRASIL,
voltadas para a “formação” dos trabalhadores são 2009, p. 14), sendo sancionado sob as seguintes
3º SIMPIF
te de educação, sobre a qual Kuenzer (1989, p. 23) dústrias nacionais impõe a adaptação
de dirigentes, que não exerceriam funções instru- dos operários ás exigências da técnica
Considerando que atualmente êste e também pela riqueza do conjunto da nação” (GO-
ramo educativo está restricto, nos es- MES, 1999, p. 55). Identificamos ainda naquele mo-
tabelecimentos oficiais, a uma organi- mento toda uma política de ordenação do trabalho,
zação que apenas atende á formação através da legislação trabalhista, previdenciária e
de artífices para as profissões elemen- sindical, assim como a implementação da Justiça do
tares; Trabalho. Destacaram-se a atuação da previdência
Considerando que a falta de operários social e da assistência social que convergiam para
graduados e de contramestres é, além o mesmo fim: “promover modificações substanciais
da manifesta, penosamente sentida na capacidade produtiva dos trabalhadores atuais e
nas fábricas e nas oficinas; futuros” (GOMES, 1999, p. 59).
Considerando que as indústrias na-
3. Considerações finais
cionais já exigem um operariado com
conhecimentos especializados e de ní- A partir das análises realizadas, concluímos
vel superior ao do ensino primário [...] que as EAAs, iniciadas como escolas de caráter mo-
(BRASIL, 1934, p. 346) ral-assistencialista voltadas a garantir o controle so-
cial das camadas populares, progressivamente vão
As considerações iniciais do decreto apresen-
sendo associadas ao desenvolvimento industrial do
tam claramente a submissão do ensino profissional
país. Desse modo, a dinâmica e a rotina das EAAs vão
às exigências dos empregadores e nos dão ainda
sendo completamente modificadas buscando ade-
uma ideia do estado do processo de industrialização
quar-se às demandas econômicas do contexto so-
nacional nos anos 1930, apontando para o cresci-
cial. A partir das transformações abordadas ao longo
mento e a modernização dos estabelecimentos in-
do texto, reforçamos que o objetivo último das EAAs
dustriais. Naquele momento, segundo Cunha (2000,
sempre esteve associado aos interesses e demandas
p. 96), “poucas eram as escolas de aprendizes artífi-
da classes dominantes, não buscando portanto um
ces que tinham instalações para o ensino de ofícios
efetivo desenvolvimento (intelectual/humano) dos
propriamente industriais, de emprego generalizado”
sujeitos aprendizes, estando associadas durante seu
, visto que a maioria das EAAs ainda encontrava-se
período de existência ao que hoje classificaríamos
voltada aos “ofícios elementares”, tais quais alfaia-
como “educação tecnicista”.
taria, carpintaria, marcenaria, tipografia, sapataria,
Após décadas permeadas por avanços e re-
etc. Caracterizando o impacto da expansão indus-
trocessos, podemos afirmar que ainda nos dias
trial ocorrida ao longo da década de 1930, podemos
atuais a Rede de Educação Profissional segue em
afirmar que “as mudanças na estrutura de produção
meio a embates advindos de grupos econômico-po-
com uma maior evidência industrial provocam trans-
líticos antagônicos que buscam ora voltar as insti-
formações na formação técnico-profissional” (BRA-
tuições para a formação humana e profissional dos
SIL, 2009, p. 13).
sujeitos, ora ampliar o caráter tecnicista ainda pre-
No ano de 1937, a Lei n.º 378, de 13 de janei-
sente em nossas instituições, subjugando a Rede aos
ro, “dá nova organização ao Ministério da Educação
interesses do “mercado de trabalho”. Desse modo,
3º SIMPIF
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3º SIMPIF
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