Você está na página 1de 18

ADAPTAÇÃO ÀS CONDIÇÕES DO VAREJO BRASILEIRO: LIÇÕES DO CASO WAL-MART

José Luís Neves

Prêmio Incentivo / Editora Atlas

RESUMO

Como poucos, o processo de inserção da Wal-Mart no mercado de varejo brasileiro


evidenciou a necessidade de adotar uma postura flexível para lidar com problemas de
concorrência e adaptação às preferências dos consumidores e a outros aspectos do
processo competitivo. Os acertos, os erros e os esforços corretivos do processo são
abordados no estudo como evidência da necessidade de busca ativa e contínua de
adaptação a um contexto diferenciado; mostram que o excesso de estruturação e
generalização pode pôr a perder esforços nesse sentido e que as dificuldades que derivam
de sobrepor padrões rígidos às exigências de clientes e de outros agentes do processo
competitivo não são desprezíveis.

1. Objetivo

O objetivo deste trabalho é examinar o processo de inserção da cadeia de lojas Wal-Mart


no mercado de varejo brasileiro, com vistas à discussão dos limites desse processo. O
desrespeito a tais limites tomou a forma de um conjunto particular de problemas que são
objeto de crítica sob uma ótica de flexibilidade estratégica, aplicável a situações nas quais
se faz necessário adequar competências a um novo contexto.

2. Componentes e Evolução do Problema

A rede

Sediada em Bentonville, Arkansas, a Wal-Mart é a maior rede de varejo do planeta.


Opera com mais de três mil lojas em países como México, Canadá, Argentina, China,
Indonésia e Brasil, além dos EUA.1 O faturamento conjunto das unidades situadas fora
dos Estados Unidos corresponde a aproximadamente 4% do faturamento global da rede. 2
Com US$ 93,6 bilhões de dólares de faturamento global em 1995, a Wal-Mart se coloca
em quarto lugar em vendas, no ranking das maiores empresas dos EUA em levantamento
feito pela revista Fortune. Dados referentes a 1996 mostram faturamento de US$ 104,8
bilhões e lucro de US$ 3,056 bilhões.

Empresa dominante de seu ramo de atuação, a Wal-Mart possui reconhecida capacidade


de crescimento que incomoda seus concorrentes nos países em que se instala, e sua
1
SCHWARTZ, Gilson. Rumos do varejo desafiam modelos e gurus. Folha de São Paulo, 20/04/97, p. 2-
2.
2
VASSALLO, Cláudia. Para onde, afinal, vai a Wal-Mart? Exame, 23/10/96. Ed. 621, pp. 62-66.
expansão tem se baseado predominantemente na conquista de fatias de mercado antes
pertencentes a concorrentes menos capazes.3 As vendas da Wal-Mart nos EUA foram de
US$ 26 bilhões em 1996. No dizer do próprio Sam Walton, criador da rede:

“Somos agora, portanto, os maiores varejistas do mundo e continuamos a


crescer como mato. (...) Eis algumas outras maneiras de pensar no tamanho da
Wal-Mart. No ano passado, cerca de 40 milhões de pessoas compram na Wal-
Mart. No ano passado, vendemos roupas de baixo e meias suficientes para
colocar um par em cada pessoa nos Estados Unidos, com algumas sobras.(...) Eu
poderia continuar por muito tempo, mas vocês já têm uma idéia. Somos grandes.
Realmente grandes.” 4

O fundador da rede estabeleceu duas premissas básicas nas quais se baseia a operação da
Wal-Mart em todo o mundo: um controle de despesas melhor que o da concorrência e a
superação das expectativas dos clientes. O padrão geralmente seguida é o de operar na
periferia de grandes cidades, com recursos avançados de logística e a prática de margens
baixas que exigem rigorosos controles de custos e negociações duras com fornecedores.

Dados de setembro de 1996 indicavam que a rede operava nos Estados Unidos com 1.946
lojas Wal-Mart, 324 Supercenters e 436 Sam’s Clubs. Além disso, contava então com
quatro unidades na Argentina, cinco no Brasil, 135 no Canadá, duas na China, uma na
Indonésia, 138 no México e 11 em Porto Rico. 5

Para operar no mercado de varejo brasileiro, a Wal-Mart criou uma joint venture com a
brasileira Lojas Americanas. Em maio de 1995 desembarcou no Brasil, inaugurando o
Sam’s Club de São Caetano do Sul. No total abriu 6 lojas na Grande São Paulo. O grupo
Garantia adquiriu 40% das ações da empresa brasileira, não sendo responsável direto por
sua gestão.

A Wal-Mart opera no país com duas modalidades de lojas, a saber:



Supercenters - lojas cuja área de venda é de 16 mil m2 , onde são vendidos cerca de
60 mil itens à venda. Existem três,6 localizados em Osasco, Santo André (cidades da
periferia da Grande são Paulo) e em Bauru, no interior do estado de São Paulo;

Sam’s Clubs - em número de três, são clubes de compras. Têm a forma de lojas com
9 mil m2 de área de venda, onde são vendidos cerca de 3.500 itens; têm como

3
EXAME ESPECIAL. Indústrias. 18/12/96. Ed. 625a, pp. 44-48.
4
WALTON, Sam. Sam Walton made in America. Rio de Janeiro: Campus, 1993. A declaração é de 1992,
ano da publicação do original em inglês.
5
NICOLETTA, Costábile & FERREIRA, Alcides. Wal-Mart vai anunciar plano para sua expansão no
Brasil. O Estado de São Paulo, 08/10/96.
URL:<http://www.estado.com.br/jornal/96/10/08/WALLS08.HTM>.
6
O supercenter de Bauru (SP) é o mais recente; foi inaugurado em julho de 1997. V. OLIVEIRA,
Wagner. Loja enfrenta concorrência da Wal-Mart. Folha de São Paulo, 18/07/97, p. 2-7.

2
principais grupos de clientes pequenos empresários e grandes famílias, associados ao
empreendimento. Movimentaram em 1996 cerca de R$ 100 milhões.

Quando desembarcou no Brasil, a Wal-Mart informou que investiria US$ 200 milhões
para abrir 8 lojas.7 Dados de janeiro de 1997 indicavam que os negócios da rede no Brasil
empregavam 2.200 funcionários, depois da demissão de 300 deles.

Breves referências a formato e características do varejo

Os formatos do varejo de grande porte surgidos nas duas últimas décadas no exterior, dos
quais as lojas Wal-Mart são exemplo, têm apresentado uma gestão baseada na prática de
preços agressivos, grande variedade de produtos, concessão de autonomia para os
gerentes e crescimento baseado em recursos autogerados. A importância das economias
de escala tem se mostrado crescente na atividade de comercialização de bens e serviços,
uma vez que conferem melhor posição de barganha para quem as pratica; possibilitam
diluir despesas e operar com margens de lucratividade por produto mais competitivas. 8
Varejistas de grande porte têm operado com significativo poder de pressão junto a seus
fornecedores e em capacidade de lidar de forma radical com o processo de concorrência.

No que diz respeito a lojas de desconto, depois de crescimento significativo ao longo dos
últimos anos, o mercado americano dá sinais de estar próximo dos limites de expansão:
estudo feito pela IBM Consulting Group sugere que tal formato chegou à maturidade
nesse mercado.9

A evolução do mercado de varejo dos EUA teve na figura dos supercenters uma das mais
notáveis modalidades de formatação. Em 1990 havia 195 unidades desse tipo nos Estados
Unidos. Dados de 1996 indicam a existência de 790.10 O formato de clube de compras
adotado no Sam’s Club, por seu turno, obteve significativo sucesso na década de 80 mas
é hoje considerado um modelo esgotado.

O mercado internacional de varejo tem ainda experimentado tendência de recuperação


das lojas de departamentos, que foram objeto de reestruturação física e redefinição de
foco. Outras tendências visíveis são a concentração e a internacionalização dos grandes
grupos de lojas.11

Mercado brasileiro

Beneficiado pela estabilidade econômica e pela abertura da economia, o Brasil é visto


como possuidor de um mercado de varejo cujo potencial e dimensão são suficientemente
atrativos para trazer investimentos de grandes grupos internacionais ao longo dos
próximos anos.12 No país, esse mercado opera com baixo grau de concentração em
7
NICOLETTA, Costábile & FERREIRA, Alcides. Wal-Mart vai anunciar plano...
8
SIMONSEN, Mário Henrique. O Cade atrapalha. Exame, 28/02/96. Ed. 604, p. 13.
9
PINTO, Celso. Mudanças no Mappin. Folha de São Paulo, 29/03/96, p. 1-9.
10
BLECHER, Nelson. O futuro é desconto. Exame, 10/04/96. Ed. 607, pp. 60-63.
11
PINTO, Celso. Mudanças no...
12
JARDIM, Lauro. Jogada besta ou bestial?. Exame, 03/07/96. Ed. 613, pp. 64-66.

3
comparação com outros países: cerca de cem empresas controlam aproximadamente 50%
dele; em países como a França e a Alemanha, esse controle é exercido por menos que dez
grupos. As expectativas são de que as transformações na estrutura do varejo brasileiro
sejam aceleradas pela vinda de novos competidores estrangeiros, em parte pelo fato de
que as margens praticadas em economias consolidadas têm mostrado tendência
declinante.13

Dados da Abras (Associação Brasileira de Supermercados) indicam que o segmento de


supermercados (sentido amplo) se compõe de cerca de 37 mil lojas, que faturaram
aproximadamente US$ 40 bilhões em 1995. As estimativas para 1996 eram de que o
faturamento atingisse US$ 42 bilhões em 1996, com margem de lucro próxima de 1,5%
das vendas e investimentos previstos em US$ 700 milhões.14

O mercado de varejo brasileiro tem passado por profundas transformações. Estudo da


empresa de consultoria Mc Kinsey no qual dois mil consumidores foram entrevistados
sobre preferências e hábitos no processo de compra prevê mudanças importantes no
formato assumido pelas empresas do segmento; ao longo das próximas décadas os
supermercados perderão espaço significativo do mercado para hipermercados e
supercenters; parte dos próprios supermercados deverá adotar o formato de
hipermercado.15 O sucesso da política de estabilização de preços do governo contribuiu
para que o varejo ganhasse destaque, atraindo a atenção de investidores estrangeiros e
forçando empresas já instaladas no país a rever suas estratégias.16

A instalação de redes como Carrefour e Wal-Mart contribuiu para disseminar no varejo


brasileiro conceitos como o de vender mais e mais barato, com o emprego de novas
tecnologias. Atualmente esse segmento é considerado um dos mais dinâmicos da
economia brasileira.17 Depois da entrada dessas empresas no mercado nacional, aumentou
o empenho do segmento na informatização das lojas, na criação de mais pontos de venda
e na oferta de mais produtos, marcas e serviços, além da redução dos prazos de estoques
e na prática de outras formas de redução de custos. Além disso, empresas do segmento
têm se empenhado em oferecer serviços como entrega de mercadorias no domicílio do
cliente e auxílio de manobristas.18

A disputa entre a rede Carrefour e a Wal-Mart se cristalizou no dia 16 de novembro de


1995, quando as duas redes inauguraram unidades em Osasco, uma ao lado da outra. A
venda alardeada de produtos a preços abaixo dos usualmente praticados pelo mercado
atraiu grande quantidade de consumidores e trouxe expressivo impacto para os pequenos
varejistas de Osasco e adjacências.19

13
BLECHER, Nelson. O futuro...
14
PESCIOTTA, Fernando. Abras prevê novos investimentos de redes estrangeiras. O Estado de São
Paulo, 8/3/96. <URL: http://www.estado.com.br/jornal/96/03/08/ABRAS08.HTM>.
15
BLECHER, Nelson. O futuro...
16
SCHWARTZ, Gilson. Rumos do varejo...
17
PEREZ, Luís. Guerra comercial abre vagas no varejo. Folha de São Paulo, 14/01/96, p. 6-1.
18
FERNANDES, Fátima. Redes devem investir R$ 700 mil. Folha de São Paulo, 15/03/96, p. 2-12.
19
GUERRA TEVE INÍCIO EM 1995. Folha de São Paulo, 12/05/96, p. 6-9.

4
Os desafios do novo contexto

Dados disponíveis indicam que em dezembro de 1995 a loja de Osasco alcançou vendas
próximas de US$ 1 milhão por dia, recorde no varejo brasileiro. A despeito do bom
volume de vendas, nesse mesmo ano os prejuízos da Wal-Mart no Brasil foram de R$
16,538 milhões.

Na visão de fornecedores da rede, a convivência com particularidades do contexto


brasileiro (taxas de juros, encargos sociais e outros) foi um dos grandes desafios para os
dirigentes da Wal-Mart, tendo tornado sua operação no Brasil mais complexa do que em
outros países. Segundo eles a rede teria superestimado a dimensão do mercado brasileiro,
tendo deixado de avaliar adequadamente a política financeira do país, e cometido erros
no controle de estoques e na precificação de itens.20

Analistas do mercado de varejo também apontaram a sistemática de formação de preços


como um dos erros perpetrados pela Wal-Mart, o qual teria por efeito obrigar à prática de
cortes de custos e a observar certos cuidados na precificação.21

Depois da divulgação dos resultados, desligaram-se da empresa executivos que haviam


participado do processo de sua instalação no Brasil. No início de 1996 dezenas de
profissionais vieram de Bentonville a Osasco, possivelmente para promover correções de
rumo. Uma das providências que tomaram foi o ajuste geral de preços: a empresa chegara
a praticar margens negativas de até 40%; as lojas da rede competiam entre si, e os Sam’s
Clubs tinham sistematicamente de se ajustar às promoções e ofertas dos Supercenters.

Há indícios de que a falta de sintonia com o mercado local tenha prejudicado os negócios
da empresa em seu processo de inserção no varejo brasileiro. Dentre eles, o oferecimento
de produtos de reduzido interesse para os consumidores locais. Nos supercenters, a loja
chegou a manter itens como tilápias vivas , trituradores de alimentos, coletes salva-vidas
e sacolas para tacos de golfe,22 produtos estranhos aos hábitos de consumo dos clientes da
região.

Semelhantemente, as plantas das lojas do Brasil foram elaboradas nos Estados Unidos, e
assim também os softwares de controle e de logística foram reproduzidos e usados aqui,
cabendo considerar a presença de diferenças na forma de operar dos fornecedores, pouco
familiarizados com expedientes de troca eletrônica de dados (EDE) e habituados a
controlar manualmente o processo de reposição das mercadorias.

A Wal-Mart é tida como referência internacional no emprego de controles eletrônicos de


estoques. Empresas como Spal no Brasil e Procter & Gamble nos Estados Unidos
aprendem com ela a lidar com sistemas desse tipo. 23 No mercado de varejo dos EUA,
sistemas informatizados têm de fato possibilitado grandes progressos no controle de
20
FERNANDES, Fátima & CHIARA, Márcia de. Wal-Mart muda sua estratégia. Folha de São Paulo,
12/03/96, p. 2-12.
21
FERNANDES, Fátima. Estratégia é mais cautelosa. Folha de São Paulo, 25/10/96, p. 2-5.
22
VASSALLO, Cláudia. Para onde, afinal...
23
BLECHER, Nelson. Faça simples. Exame, 20/11/96. Ed. 623, pp. 162-168.

5
estoques e aprimoramento da logística, com redução de custos e a possibilidade de
praticar preços mais competitivos. Dados referentes ao Brasil, porém, indicam que 3%
das lojas existentes estão informatizadas; prevê-se que até o ano 2.000 essa parcela
chegará a 60%.24 A isso deverão corresponder investimentos superiores a US$ 2 bilhões;
as expectativas são de que em decorrência dos investimentos em informatização
possibilitem redução na representatividade dos custos operacionais do segmento de 17%
para 10% das vendas.25

No que diz respeito às relações com fornecedores, cabe considerar que alguns dentre eles
chegaram a manifestar clara insatisfação com a política de compras da rede no Brasil. Em
dezembro de 1995 a Nestlé declarou à imprensa ter restrições à prática da Wal-Mart de
vender produtos abaixo do preço de custo.26

No mundo, Wal-Mart tem na economia de escala uma de suas maiores vantagens


competitivas, o que coloca o crescimento como necessidade vital para a empresa. No que
diz respeito aos aspectos de infra-estrutura de comunicação e logística ela opera no Brasil
com custos elevados, dado que foram dimensionados para uma rede de 80 lojas. A prática
de preços baixos pressupõe poder operar com custos compatíveis e giro elevado; é
conhecido o caso da Sears Roebuck, nos EUA, que tentou na década de 80 combater a
própria Wal-Mart com a adoção de uma política de preços baixos que fracassou, tendo
contribuído para que ao fim de três anos a empresa apresentasse perdas da ordem de US$
2,9 bilhões.27

Outro aspecto a considerar quanto à forma de operar da empresa é a liberdade de atuação


concedida ao pessoal de frente. Nos EUA, um dos princípios que norteiam as ações da
Wal-Mart tem sido o de conceder autonomia a seus gerentes de grupos de produtos para
que façam as compras e vendas que julgarem convenientes. O mesmo não se verificou no
Brasil, onde os executivos locais operaram com reduzido grau de autonomia.

No geral, as decisões quanto à escolha e a quantidade de itens a oferecer foram


conduzidas a partir da sede, o que por vezes contribuiu para que certos itens chegassem
às lojas com data de validade próxima do vencimento; nas gôndolas, ao excesso de certos
tipos de produtos se contrapunha com freqüência a falta de outros. Segundo declaração
de um ex-executivo da rede divulgada pela imprensa: “Não existe a palavra flexibilidade
no vocabulário da Wal-Mart. Para eles, o que dá certo lá fora dá certo no Brasil. Basta
seguir os manuais.”28 O profissional se referia a um manual de operações composto por
treze volumes elaborados na sede da empresa.

Outro problema a referir quanto à lógica da inserção da rede no país é o da localização:


as lojas de São Caetano do Sul e Santo André guardam entre si distância inferior a 10
24
BLECHER, Nelson. O futuro...
25
DANTAS, Vera. Supermercados vão investir US$ 2,5 bilhões. O Estado de São Paulo, 05/05/96. URL:
<http://www.estado.com.br/jornal/96/05/05SUPER05.HTM>.
26
COELHO, Edilson. Wal-Mart deixa de ser o mais barato. O Estado de São Paulo, 24/03/96.
URL:<http://www.estado.com.br/jornal/96/03/24/WALLS23.HTM>.
27
JARDIM, Lauro. Jogada besta ou...
28
VASSALLO, Cláudia. Para onde, afinal...

6
quilômetros e se situam próximas do supercenter de Santo André, onde predominam
fábricas e não residências. Trata-se ainda de região coberta por dois hipermercados
Carrefour.29

Desde a instalação da rede, algumas idas e vindas são dignas de referência. Em 1995, a
empresa anunciou a intenção de construir um shopping center numa parte de seu terreno
na cidade de Osasco.30 No final desse ano, animada com o desempenho de seu
supercenter, optou por ampliar seu estacionamento nesse mesmo espaço. No ano
seguinte, reviu sua decisão e a imprensa anunciou a retomada do projeto do shopping.

Quando a rede divulgou os prejuízos de R$ 16,5 milhões de 1995, o mercado tinha


expectativa de que esse número fosse de US$ 30 milhões. Em nota à imprensa a Wal-
Mart declarou que os prejuízos derivavam do elevado volume de investimentos
necessários para a entrada no mercado brasileiro.31

No primeiro trimestre de 1996 a rede dava sinais de mudança na sua forma de operar.
Reduziu o ritmo de compras e chegou a suspender por tempo indefinido as encomendas
junto a fornecedores.32 Passou a mostrar maior cautela nos processos de compra e venda.
Nesse mesmo ano o executivo norte-americano da rede Robert Martin, responsável pelos
negócios internacionais, anunciou no Brasil o alongamento de prazos nos planos de
expansão da rede. Especulava-se que o crescimento dos Sam’s Clubs no país seria
paralisado.33

Em agosto de 1996 o vice-presidente de finanças da Wal-Mart Stores Inc. Declarou que a


rede contava com a possibilidade de apresentar prejuízos ao longo dos três primeiros anos
de atuação no Brasil. Explicou que a empresa:

“(...) estabeleceu três fases para ingressar no Brasil. Em primeiro lugar, investiu
US$ 200 milhões no país com as primeiras lojas. Depois, vai avaliar os
resultados e em seguida ingressar no Brasil de uma forma agressiva.” 34

Alguns meses depois Robert Martin, presidente da Wal-Mart International, declarou que
os últimos anos têm presenciado grandes alterações no comportamento do consumidor
brasileiro e que a adaptação da rede ao mercado de varejo do país se faz aos poucos.35

Em janeiro de 1997 foi anunciada a demissão de 300 funcionários das cinco lojas então
instaladas no Brasil. A rede alegou necessidade de ajustar seu quadro de funcionários ao

29
VASSALLO, Cláudia. Para onde, afinal...
30
NETZ, Clayton. Os ziguezagues da Wal-Mart. Exame, 08/05/96. Ed. 609, p. 11.
31
COELHO, Edilson. Wal-mart tem prejuízo de R$ 16,5 milhões. O Estado de São Paulo, 29/03/96.
URL:<http://www.estado.com.br/jornal/96/10/08/WALLS29.HTM>.
32
FERNANDES, Fátima & CHIARA, Márcia de. Wal-Mart Muda...
33
VASSALLO, Cláudia. Para onde, afinal...
34
CONSTANTINO, Jacques. Perda da Wal-Mart atinge R$ 14,25 milhões. Folha de São Paulo, 23/08/96,
p.2-6.
35
FERNANDES, Fátima. Wal-Mart vai investir US$ 100 milhões no país. Folha de São Paulo, 25/10/96,
p. 2-5.

7
nível de vendas. Em março de 1997 foi anunciado o nome de um novo executivo para
dirigir a Wal-Mart no Brasil.36

Do processo de mudança faz parte a ampliação do espaço dedicado a marcas próprias de


produtos, cujos preços deverão se situar entre 25% e 30% abaixo do preço de marcas
tradicionais. Essa iniciativa gerou negociações com cerca de 80 fornecedores de
vestuário, alimentos e produtos eletro-eletrônicos. Poderá beneficar as relações com
fornecedores, no sentido de situá-los como parceiros de negócio. Além disso, a rede tem
estudado a possibilidade de promover mudança no lay-out das lojas e de oferecer
alternativas de financiamento ao cliente para a aquisição de mercadorias.37

Desde a época de entrada da Wal-Mart no Brasil concorrentes como o Carrefour têm


investido de forma expressiva em parcerias que têm proporcionado redução de custos. No
caso do Carrefour estima-se que essa redução tenha superado 15% no que diz respeito a
pescados, frutas e verduras.38 Na Lojas Americanas, produtos de marca própria
significam 19% das vendas, e os executivos da empresa tencionam aumentar essa
participação para 25%; situação semelhante se observa em outras empresas do varejo. 39

As expectativas são de que a rede continue a manter investimentos significativos fora dos
Estados Unidos, uma vez que o mercado norte-americano dá sinais de saturação. São
grandes as chances de que no Brasil esse crescimento tome a forma de investimentos em
novos supercenters, uma vez que o modelo de clubes de compras como os Sam’s Clubs
está esgotado. A Wal-Mart previa para 1997 investimentos de US$ 100 milhões em
novos supercenters, parte dos quais em cidades do interior do estado de São Paulo como
Ribeirão Preto (com inauguração prevista para o terceiro trimestre de 1997) e Bauru (loja
já inaugurada).40

3. Enquadramento e Comentários

Pode-se visualizar a evolução do processo de inserção da Wal-Mart no mercado


brasileiro e o problema da adaptação a novos mercados por duas dimensões, a saber: (1) a
noção de contexto; (2) o aproveitamento de competências essenciais já desenvolvidas.

A noção de contexto e o problema da adaptação da empresa a um conjunto de elementos


situados fora dela são temas básicos da literatura sobre estratégia (Ansoff, 1983 e 1990;
Ansoff, Declercke e Hayes, 1985; Brandenburger e Nalebuff, 1996; Chandler, 1962; Gaj,
1987; Hamel e Prahalad, 1990 e 1994; Mintzberg, 1983 e 1994; Moore, 1996; Oliveira,
1991 e 1992; Porter, 1980; Starbuck e Hedberg, 1977; Tilles, 1969, dentre outros).

36
Seu nome é Vicente Trius. Substituiu Arthur Emmanuel, que trabalhava havia quatro anos no Brasil.
37
FERNANDES, Fátima. Wal-Mart vai investir...
38
DANTAS, Vera. Carrefour quer expandir rede de supermercados. O Estado de São Paulo, 15/05/96.
URL: <http://www.estado.com.br/jornal/96/05/15/CARFU15.HTM>.
39
SCHWARTZ, Gilson. Rumos do varejo...
40
COELHO, Edilson. Wal-Mart promete investir, apesar do prejuízo. O Estado de São Paulo, 24/10/96.
URL:<http://www.estado.com.br/jornal/96/10/08/WALL24.HTM>.

8
Mintzberg e Quinn (1992) chamam a atenção para o fato de que contextos diversificados
exigem uma organização suficientemente diversificada para lidar com a complexidade e
Peters (1992) sugere que a adequação ao contexto depende de redefinição permanente da
organização e a reinvenção de estratégias adaptativas.

Particularmente atento para a análise dos contextos interno e interno à empresa, Pettigrew
(1985, 1989) sugere uma visão na qual o entendimento dos fenômenos depende da
compreensão de seu contexto e de sua dinâmica ao propor a análise que chama de
contextualista como método.

Essa forma de análise combina a comparação entre casos com a visão temporal do objeto
de análise; nela o contexto é visto como limitante, influenciador e ao mesmo tempo
continuamente influenciado por ações e processos que cabe examinar, cabendo
considerar que essas ações e processos atuam no sentido de alterar ou preservar o próprio
contexto. O autor lembra que sob as limitações impostas pelo contexto as empresas têm a
possibilidade de optar entre alternativas de estratégia, cabendo aos administradores
visualizar alternativas possíveis, compreender as mudanças no contexto e buscar a melhor
forma de fazer frente a elas. Segundo o autor:

“I have tried to give emphasis to several critical things. One is catching reality in
flight. A second is a return to the embeddedness serious treatment of levels of
context in approaching the study of change and innovation. A third is the attempt
to get contextual realism to understand enough about the setting and the behavior
of actors in their context to really expose the realism of action.” 41

Problemas de inserção em um mercado podem estar associados à existência de


armadilhas estratégicas cuja presença seria útil empenhar-se em evitar. Picken e Dess
(1996) consideram que uma estratégia, mesmo sem ser brilhante, pode cumprir seus
objetivos desde que sejam evitadas algumas ciladas dignas de referência, a saber:
fracassar em reconhecer e entender eventos e mudanças nas condições do ambiente
competitivo; basear a estratégia em asserções falsas; perseguir uma estratégia
unidimensional que não sustenta a competitividade a longo prazo; diversificar por
motivos errados; falhar em coordenar processos essenciais e funções; estabelecer metas
arbitrárias e inflexíveis; deixar de obter um equilíbrio entre cultura, recompensas e
limites; e falhar em prover lideranças necessárias para promover com sucesso as
mudanças estratégicas.

Para Hamel e Prahalad (1990, 1994) desenvolver o que chamam de core competencies
(competências essenciais) é fundamental para que as empresas possam manter
competitividade duradoura. Para eles, abordagens parciais voltadas para um ou outro
aspecto do negócio (por exemplo: os produtos, os processos ou a concentração em um
certo nicho de mercado) revelam-se geralmente insuficientes. Haver criado e mantido
certo tipo de competência, por outro lado, é crucial para que uma empresa possa obter
sucesso em seu ambiente.
41
Entrevista a Matthew S. Kraatz, da University of Illinois, em 1995. V. URL:
<http://www.hec.fr/omtfev1.htm>.

9
Em vista disso, uma empresa poderá ser prejudicada por produtos, formas de proceder e
uma conformação estrutural que, por a haverem levado ao sucesso possam funcionar
como inibidor de futuras mudanças úteis.42 Diante disso, deverá desenvolver uma postura
que possibilite conservar e desenvolver as competências necessárias, dispondo-se a rever
o estado de coisas existente com genuína disposição para mudanças necessárias.
Estruturas, grau de centralização das decisões, cultura organizacional e aspectos do
ambiente podem estar a favorecer ou a dificultar o florescimento dessa postura. Excesso
de competição interna, rigidez de procedimentos ou na composição das linhas de
produtos, falta de envolvimento das pessoas na empresa, ausência de um ambiente
interno que estimule ações de risco, dentre outras coisas, costumam restringir o
surgimento de novas competências e a manutenção das já existentes. Estar voltado para o
cultivo de competências, ter capacidade de distinguir quais são as essenciais e poder
investir nelas fazem diferença apreciável para empresas que operam sob condições de
baixa previsibilidade e competição intensa.

No entender dos autores (1990) as competências essenciais devem ser o foco da


estratégia, cabendo à alta gerência zelar para que exista uma arquitetura estratégica do
negócio que possibilite a construção delas:

“Top management must add value by enunciating the strategic architecture that
guides the competence acquisition process. We believe an obsession with
competence building will characterize the global winners of the 1990s. With the
decade underway, the time for rethinking the concept of the corporation is
already overdue.”

Em trabalho anterior, Hamel e Prahalad (1989) já haviam apontado o perigo de manter


ortodoxias estratégicas, superior mesmo ao de lidar com concorrentes bem situados
financeiramente. Quando ajustes marginais na estratégia substituem uma revisão
profunda dela, a capacidade de adaptação da empresa pode se ver comprometida; da
mesma forma basear ações na visão de fragmentos do processo competitivo a partir de
sua forma manifesta em vez de agir com base na compreensão da dinâmica desse
processo (isto é, tratar problemas isoladamente) pode conduzir a empresa a resultados
insatisfatórios.

Se por um lado para se situar em seu mercado uma empresa deve se diferenciar da
concorrência, haverá situações em que terá de diferenciar-se de si mesma: no processo de
expansão dirigido a novos mercados, reconhecer acertadamente diferenças do ambiente e
dos elementos que compõem o processo competitivo e agir em função desse
reconhecimento são elementos de grande importância.

Os problemas da Wal-Mart em sua inserção no varejo brasileiro já foram descritos como


sendo de “falta de sintonia entre o que seus executivos pensam do mercado e o que o
mercado realmente é”.43 Problemas semelhantes aos observados no Brasil parecem
42
TOFFLER, Alvin. A empresa flexível. Rio de Janeiro: Record, 1985.
43
VASSALLO, Cláudia. Para onde, afinal...

10
formar um padrão para as tentativas da Wal-Mart de conquistar mercados fora dos EUA.
Segundo Kathleen O’Connor, psicóloga norte-americana especializada em marketing,
esse insucesso da rede em outros países que não os Estados Unidos pode muitas vezes ser
atribuído a

“(...) uma questão de atitude. Algumas redes, por se considerarem muito bem-
sucedidas, entram num novo mercado dizendo: ‘Ei, aqui estamos, veja como
vocês são sortudos’. E não se preocupam em adaptar sua cultura à do outro
país.” 44

Opinião semelhante é a manifesta por James Collins, autor de “Build to Last” em


entrevista à imprensa:

“A Wal-Mart tem problemas em todos os lugares fora dos Estados Unidos. E isso
porque, além de exportar seus valores fundamentais, eles estão exportando
também suas práticas e estratégias. Eu diria até que a Wal-Mart deveria ter
empresas diferentes para diferentes países, mas sempre mantendo seus valores.
(...) A questão com a Wal-Mart - e isso é uma pergunta, não uma resposta - é se
a empresa vai conseguir transcender Sam Walton.” 45

Referindo-se à análise de oportunidades e ameaças do ambiente para identificação de


tendências que possam afetar a empresa, Aaker (1984) aponta cinco dimensões ou
campos que devem ser enfocados: o demográfico, econômico, o cultural, o tecnológico e
o governamental. Toffler (1985) explica que dimensões desse tipo (a que chama de
forças) devem ser encaradas não como um conjunto de tendências isoladas, mas sim
inter-relacionadas enquanto elementos de modelos multidimensionais que operam em
conjunto. Falhas em reconhecer limites existentes em uma dessas dimensões pode pôr a
perder esforços de adaptação a um mercado, comprometendo a capacidade de
sobrevivência e expansão do negócio.

O autor refere-se ainda ao problema da falta de flexibilidade (traduzida em inadaptação)


como resultado de acomodação a períodos de crescimento equilibrado e quase
ininterrupto, nos quais a capacidade de adaptação se fez menos exigida, ou quando a
fórmula para se adaptar era relativamente simples. Em contrapartida, os tempos atuais
exigem disposição para revisar premissas básicas e mesmo abandoná-las, se for o caso.

Sanchez (1995) vincula o dinamismo dos mercados à necessidade de criar flexibilidade


estratégica que possibilite à empresa captar as mudanças requeridas e agir
correspondentemente.

Collins e Porras (1994) salientam uma empresa pode preservar seus valores centrais sem
deixar de ser capaz de mudar e se adaptar a diferentes situações. Combinar a preservação
de competências já existentes com a capacidade de atuar de forma diferenciada conforme

44
Entrevista concedida a Jacqueline Breitinger. V. <URL: http//fws.uol.com.br/folio.pgi/exame96.nfo>.
45
PILAGALLO, Oscar. Guru dos negócios avalia chance do Brasil. Folha de São Paulo, 20/10/96, p. 2-4.

11
as mudanças nas exigências do ambiente, aliás, está presente segundo os autores em
grande parte do que chamam de empresas visionárias.

Em resumo, a literatura tem destacado a importância de problemas de contexto diante dos


quais a empresa tem forçosamente de se posicionar, sob pena de ver ultrapassados limites
que comprometem seu desempenho. Ambientes menos previsíveis ou menos conhecidos
exigem maior flexibilidade para acompanhar mudanças ao longo do tempo; da mesma
forma, se a diferenciação se dá no âmbito do espaço (como é o caso da expansão para
outros países com cultura diversa), então conjuntos de condicionantes distintos dos já
conhecidos fazem necessária adaptação que torne a empresa diferenciada de si mesma.
Em outras palavras, terá preservar valores essenciais mas também desenvolver
competências diferenciadas e ajustadas às particularidades de outros mercados que queira
ocupar.

4. Considerações Finais

O momento em que vivemos, de transformações rápidas e complexas, faz com que


empresas de histórico exemplar tenham um futuro imprevisível. Sob tais condições, uma
postura aberta para ações de adaptação estratégica e a capacidade de selecionar e
interpretar informações dispersas é crucial.

Embora haja espaços a ocupar no mercado de varejo de países em desenvolvimento, os


riscos de o fazer não têm se mostrado desprezíveis. Subestimar a complexidade do
mercado brasileiro e destinar insuficiente atenção para fatores de contexto parecem ter
contribuído em grande medida para aumentar as dificuldades do processo de inserção da
Wal-Mart no país.

Juntamente com ícones empresariais como a 3M e a Hewlett-Packard, a Wal-Mart tem


para os estudiosos de administração a imagem de organização que institucionalizou a
capacidade de promover mudanças conforme a necessidade. É considerada exemplo de
empresa que, em vez de tentar prever o futuro, age no sentido de criar condições para
prosperar em um futuro cuja previsibilidade é baixa.46 A considerar as informações
disponíveis, atenção semelhante não tem sido dirigida com a mesma eficácia ao processo
de ocupação de mercados fora dos Estados Unidos.

A natureza dos problemas enfrentados pela Wal-Mart refletem a presença de uma visão
particular quanto a quais são os elementos em que deve residir uma vantagem
competitiva e em quais devem ser as capacitações a desenvolver para se situar em um
contexto diferenciado do já conhecido. O emprego de estratégias padronizadas pela rede
pressupôs a expectativa de condições assemelhadas àquelas enfrentadas em situações
anteriores que não se verificaram.

No emprego de expedientes de sucesso no passado, sem consideração para com


particularidades do contexto e da situação, parecem ter residido as principais dificuldades
do processo de inserção do Wal-Mart no mercado de varejo brasileiro. Adaptadas às
46
BLECHER, Nelson. Hoje percebo que estava errado. Exame, 31/07/96. Ed. 615, pp. 94-95.

12
condições de seus mercados de origem, muitas empresas de varejo têm falhado na
tentativa de se instalar em outros mercados, particularmente no que se refere à questão de
se adequar às peculiaridades dos mercados locais e empregar estratégias consistentes com
as condições desses mercados.

Quando se instala em um novo mercado, as competências já desenvolvidas da empresa


devem ser objeto de nova contextualização, isto é, devem ser repensadas em termos de
sua adequação às condições do novo ambiente. Quando se sujeitam a condicionantes
diferenciadas daquelas do mercado de origem, recursos e ações vinculados a vantagens
competitivas podem precisar de ajuste ou redirecionamento; além disso, outras condições
devem ser criadas para que habilidades existentes possam ser exploradas a contento.
Estabelecer relações com cliente, concorrentes, parceiros e fornecedores locais exige
providências adaptativas para as quais a empresa pode, eventualmente, ainda não ter se
preparado.

O exercício de uma postura adaptativa requer dentre outras coisas uma estratégia de
leitura dos indícios fornecidos pelo mercado, isto é, de interpretação de indícios
disponíveis quanto a em quê residem as preferências dos clientes.

À suposição de que diferenças de contexto não são relevantes deve se contrapor uma
atitude de buscar conhecimento do mercado local e das alternativas existentes em termos
de relacionamento com outros agentes da arena em que a empresa atuará. Parece lícito
supor que associações com empresas locais devem ser aproveitadas ao máximo como
forma de acesso a esse conhecimento e para o intercâmbio de experiências, uma vez que
particularidades do mercado local têm de ser percebidas, analisadas e compreendidas para
que sirvam de base para ação.

Enquanto elementos de um processo de interação complexa, não é suficiente que os


sinais oriundos do consumidor e de outros agentes do ambiente sejam lidos pela
superfície. De uma leitura acurada e aprofundada poderá depender a correção na
orientação das ações da entidade no processo contínuo de interação com os demais
agentes. Ainda pior, entretanto, é quando sequer são lidos.

Ao lançar mão de expedientes consagrados em contexto diverso do atual a empresa faz


uma aposta em certos pressupostos que, quando não se confirmam, podem abrir espaço
para crises. Acostumar-se a uma ferramenta ou expediente e especializar-se no seu
emprego sistemático pode pôr a perder a capacidade da organização de avaliar problemas
de adaptabilidade e consistência dinâmica das decisões requeridas por processos nos
quais as circunstâncias são diferentes daquelas conhecidas. O problema reside em
entender os processos de transformação da realidade considerando seus limites e aquilo
que apresentam de particular.

A decisão de adotar expedientes de sucesso já demonstrado pode esbarrar na falta de


capacidade de reconhecer padrões quando um conjunto de sinais consistentes se faz
presente e sugere que adaptações deveriam ser feitas. Pior do que não poder ler esses
sinais é ter acesso a eles e não os interpretar por falta de interesse ou disposição.

13
Administradores habituados a reforçar e repetir aquilo que funcionou bem no passado
podem perder a sensibilidade para aspectos de contexto e a capacidade de interpretar
grupos de elementos que tomados em conjunto conduziriam a outro tipo de decisão e
ação.

Uma boa dose de discernimento se faz necessária para a visualização adequada de limites
outros no processo de inserção de um negócio no mercado de varejo, diferentes daqueles
usualmente referidos, associados a fatores como bom gerenciamento de estoques, preço
praticado, adequação da logística ou grau de disseminação da marca.

O entendimento do próprio papel pressupõe clara consciência da necessidade de esforços


de adaptação conscientes e sistemáticos à cultura e às condições locais, notadamente no
que se refere à aplicação mais primária do conceito de marketing. Dificilmente alguém
negará de forma consciente a importância de conhecer e respeitar os desejos e
necessidades dos clientes, mas por vezes ocorre que burocracia, estruturação de processos
e rigidez de padrões conduzem na direção contrária e distanciam a o discurso da prática.
Embora elementos dessa natureza possam ter beneficiado estágio anterior do processo de
autogeração do capital, acabam por se revelar seus opositores e passam de esteios a
limitantes da expansão. Devem ser dosados se o que se procura é obter o máximo
crescimento possível com estabilidade.

Quanto mais difícil é prever o futuro, maior tem se mostrado a importância de ser
flexível. Flexibilidade não reside somente na capacidade de se mobilizar prontamente
para disponibilizar produtos, mas também na postura de estar atento a sinais de
necessidade de mudança e na disposição de adotar procedimentos, métodos e ações que
reflitam a consciência desses sinais. Deve haver disposição para sistematicamente
repensar o negócio e revisitar suas características, rever objetivos e se mover em nova
direção, mudando o que for necessário na estrutura e na forma de fazer as coisas.

Uma análise que deixe de considerar particularidades do contexto provocará desperdícios


de esforços e elevará as chances de inadequação na condução do empreendimento. A
eficácia de elementos como a prática de preços baixos, sistemas avançados de
computação ou complexos projetos de logística, assim como outras competências
importantes, depende do contexto e da forma encontrada pela empresa de com ele lidar,
combinando suas próprias particularidades aos desafios do ambiente.

Os problemas indicados neste estudo com certeza não são novidade para os executivos da
Wal-Mart. Sob pena de serem ineficazes, os esforços para resolvê-los não deverão se
basear em uma visão individualizada e desconexa dos desacertos verificados. Eles fazem
parte de um padrão, de maneira que requerem soluções abrangentes em vez de isoladas;
são sintomas de um problema amplo, que é a dificuldade em lidar com diferenças de
contexto.

Com o volume de recursos de que dispõe e inserida em um mercado promissor, a Wal-


Mart deverá saber fazer os ajustes de rota e de postura que lhe possibilitem se situar

14
dentro de limites antes despercebidos. Reverter os erros observados depende de ter
consciência deles e de poder promover as mudanças necessárias. Tais mudanças são
possíveis, mas a que custo?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AAKER, D. A. Strategic market management. New York: John Wiley & Sons, 1984.

ANSOFF, Igor H. Administração estratégica. São Paulo: Atlas, 1983.

______________. A nova estratégia empresarial. São Paulo: Atlas, 1990.

______________; DECLERCKE, Roger P. & HAYES, Robert L. Do planejamento


estratégico à administração estratégica. São Paulo: Atlas, 1985.

BLECHER, Nelson. O futuro é desconto. Exame, 10/04/96. Ed. 607, pp. 60-63.

_______________. Hoje percebo que estava errado. Exame, 31/07/96. Ed. 615, pp. 94-
95.

______________. Faça simples. Exame, 20/11/96. Ed. 623, pp. 162-168.

BRANDENBURGER, Adam M. & NALEBUFF, Barry J. Co-opetition. New York:


Doubleday, 1996.

CHANDLER, A. D. Strategy and structure: chapters in the history of the industrial


enterprise. Cambridge, Mass.: M.I.T. Press, 1962.

COELHO, Edilson. Wal-Mart deixa de ser o mais barato. O Estado de São Paulo,
24/03/96. URL:<http://www.estado.com.br/jornal/96/03/24/WALLS23.HTM>.

_______________. Wal-mart tem prejuízo de R$ 16,5 milhões. O Estado de São Paulo,


29/03/96. URL:<http://www.estado.com.br/jornal/96/10/08/WALLS29.HTM>.

_______________. Wal-Mart promete investir, apesar do prejuízo. O Estado de São


Paulo, 24/10/96.
URL:<http://www.estado.com.br/jornal/96/10/24/WALL24.HTM>.

COLLINS, James C. & PORRAS, Jerry I. Built to last: successful habits of visionary
companies. New York: HarperCollins, 1994.

CONSTANTINO, Jacques. Perda da Wal-Mart atinge R$ 14,25 milhões. Folha de São


Paulo, 23/08/96, p.2-6.

15
DANTAS, Vera. Supermercados vão investir US$ 2,5 bilhões. O Estado de São Paulo,
05/05/96. URL: <http://www.estado.com.br/jornal/96/05/05SUPER05.HTM>.

_____________.Carrefour quer expandir rede de supermercados. O Estado de São


Paulo, 15/05/96. URL:
<http://www.estado.com.br/jornal/96/05/15/CARFU15.HTM>.

EXAME ESPECIAL. Indústrias. 18/12/96. Ed. 625a, pp. 44-48.

FERNANDES, Fátima. Redes devem investir R$ 700 mil. Folha de São Paulo, 15/03/96,
p. 2-12.

__________________. Estratégia é mais cautelosa. Folha de São Paulo, 25/10/96, p. 2-


5.

__________________. Wal-Mart vai investir US$ 100 milhões no país. Folha de São
Paulo, 25/10/96, p. 2-5.

__________________ & CHIARA, Márcia de. Wal-Mart muda sua estratégia. Folha de
São Paulo, 12/03/96, p. 2-12.

GAJ, Luis. Administração estratégica. São Paulo: Ática, 1987.

GUERRA TEVE INÍCIO EM 1995. Folha de São Paulo, 12/05/96, p. 6-9.

HAMEL, G. & PRAHALAD, C. K. Strategic Intent. Harvard Business Review, May-


June 1989, pp. 63-76.

______________________. The core competence of the corporation. Harvard Business


Review, May-June 1990, pp. 79-91.

______________________. Competing for the future. Boston: Harvard Business School


Press, 1994.

JARDIM, Lauro. Jogada besta ou bestial?. Exame, 03/07/96. Ed. 613, pp. 64-66.

MINTZBERG, Harry. What is planning anyway. Strategic Management Journal,


Oct.198, pp. 99-114.

__________________ & QUINN, James Brian. The strategy process: concepts and
contexts. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, 1992.

MOORE, James F. The death of competition: leadership and strategy in the age of
business ecosystems. HarperCollins, 1996.

16
__________________. The rise and fall of strategic planning. New York: Free Press,
1994.

NETZ, Clayton. Os ziguezagues da Wal-Mart. Exame, 08/05/96. Ed. 609, p. 11

NICOLETTA, Costábile & FERREIRA, Alcides. Wal-Mart vai anunciar plano para sua
expansão no Brasil. O Estado de São Paulo, 8/10/96. URL:
<http://www.estado.com.br/jornal/96/10/08/WALLS08.HTM>.

OLIVEIRA, Djalma de P. R. de. Estratégia empresarial: uma abordagem


empreendedora. São Paulo: Atlas, 1991.

_________________________. Sistemas de informações gerenciais: estratégicas,


táticas, operacionais. São Paulo: Atlas, 1992.

OLIVEIRA, Wagner. Loja enfrenta concorrência da Wal-Mart. Folha de São Paulo,


18/07/97, p. 2-7.

PEREZ, Luís. Guerra comercial abre vagas no varejo. Folha de São Paulo, 14/01/96, p.
6-1.

PESCIOTTA, Fernando. Abras prevê novos investimentos de redes estrangeiras. O


Estado de São Paulo, 8/3/96. URL:
<http://www.estado.com.br/jornal/96/03/08/ABRAS08.HTM>.

PETERS, Thomas J. Strategy follows structure: developing distinctive skills. In:


MINTZBERG, Henry & QUINN, James Brian. The strategy process: concepts and
contexts. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, 1992.

PETTIGREW, Andrew. Contextualist research: a natural way to link theory and practice.
In: LAWLER, E. Doing research that is useful in theory and practice. San
Francisco: Jossey Bass, 1985.

___________________. A cultura das organizações é administrável? In: FLEURY, M. T.


L. et al. Cutura e poder nas organizações. São Paulo: Atlas, 1989.

PICKEN, Joseph C. & DESS, Gregory G. Mission critical: the seven strategic traps that
derail even the smartest companies. New York: Irwin Professional Publiching, 1996.

PILAGALLO, Oscar. Guru dos negócios avalia chance do Brasil. Folha de São Paulo,
20/10/96, p. 2-4.

PINTO, Celso. Mudanças no Mappin. Folha de São Paulo, 29/03/96, p. 1-9.

17
PORTER, Michael E. Competitive strategy: techniques for analysing industries and
competitors. New York: Free Press, 1980.

SANCHEZ, R. Strategic flexibility in product competition. Strategic Management


Journal, v. 16, Summer 1995.

SCHWARTZ, Gilson. Rumos do varejo desafiam modelos e gurus. Folha de São Paulo,
20/04/97, p. 2-2.

SIMONSEN, Mário Henrique. O Cade atrapalha. Exame, 28/02/96. Ed. 604, p. 13.

STARBUCK, W. H. & HEDBERG, B. L. T. Saving na organization from a stagnating


environment, in THORELLI, H. B., ed., Strategy + structure = performance.
Bloomington: Indiana University Press, 1977.

TILLES, Seymour. Making strategy explicit. In: ANSOFF, Igor H. Business strategy.
New York: Penguin Books, 1969.

TOFFLER, Alvin. A empresa flexível. Rio de Janeiro: Record, 1985.

VASSALLO, Cláudia. Para onde, afinal, vai a Wal-Mart? Exame, 23/10/96. Ed. 621, pp.
62-66.

WALTON, Sam. Sam Walton Made in America. Rio de Janeiro: Campus, 1993.

18

Você também pode gostar