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HÁ CEM ANOS

Coronavírus resgata medidas


restritivas da epidemia de gripe
espanhola, que matou até o
presidente do Brasil
Por William Helal Filho
18/03/2020 • 06:00

Hospital repleto de doentes contaminados com a gripe espanhola, em


1918 | Foto de arquivo

Enquanto a gripe espanhola avançava sobre os moradores de São


Paulo, em outubro de 1918, o Serviço Sanitário do Estado publicava uma
série de recomendações para ensinar a população a se prevenir. O objetivo
era impedir a disseminação da doença, que vinha matando milhões de
pessoas na Europa e nos Estados Unidos. Reproduzida pelos jornais na
época, a lista de orientações aconselhava o povo a tomar medidas como
"fugir das aglomerações", "não freqüentar teatros e cinemas" e "não fazer
visitas", além de "tomar cuidados higiênicos". Ao mesmo tempo, escolas
públicas, cinemas, teatros e parques foram fechados. Igrejas restringiram
o público das missas, principalmente à noite.
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Mais de cem anos depois, governos de todo o planeta adotam medidas
parecidas para conter uma pandemia que pode contaminar uma parte
considerável da população global e paralisar a economia internacional.
Em 1918, a informação chegava a uma parcela pequena do povo, que ficou
amplamente desorientado e desassistido. O esforço de comunicação para
impedir o coronavírus, porém, conta com a agilidade da era da
informação, o que torna mais fácil a conscientização.
Compartilhe: Um guia de combate ao coronavírus feito para o
WhatsApp
- A gripe espanhola nos ensinou que uma doença aparentemente banal,
como uma gripe, pode se transformar em algo mortal. Esta e outras
epidemias deixaram a sociedade mais alerta - explica a pesquisadora
Liane Maria Bertucci, doutoura em História Social pela Unicamp e
professora de História da Educação da Universidade Federal do Paraná
(UFPR). - Como os cuidados preventivos contra o coronavírus são muito
parecidos com aqueles do combate à gripe espanhola, estamos vendo se
espalharem pela internet as mesmas recomendações e as medidas
restritivas que os jornais de São Paulo publicavam há cem anos. Mas,
hoje, a população tem mais acesso à informação, a epidemia atual está
gerando uma reação mais precoce.
Mulheres trabalham com máscaras durante epidemia de gripe espanhola,
em 1918 | Foto de arquivo

De 1918 a 1920, uma estirpe do vírus Influenza A do subtipo


H1N1 contaminou cerca 500 milhões de pessoas (um quarto da
população mundial na época) e matou até 40 milhões de nossos
antepassados, segundo estimativas.
Análises histórica sugerem que a gripe espanhola começou em um campo
de treinamento de soldados no estado americano do Kansas, entre março
e abril de 1918. O vírus se alastrou velozmente pelo mundo. Entretanto, os
governos dos países envolvidos na Primeira Guerra Mundial (julho de
1914 a novembro de 1918) censuravam as notícias sobre a epidemia, para
não abater os ânimos das tropas. Como a Espanha estava neutra no
conflito, os meios de comunicação locais divulgavam livremente as
informações sobre "milhões de mortes" na Europa. Esta situação criou a
falsa impressão de que a gripe havia começado na Espanha.
Leia: Tem que sair de casa para trabalhar? Veja dicas para se proteger
A doença chegou ao Brasil em setembro de 1918, a bordo do navio inglês
Demerara, que desembarcou doentes em Recife, Salvador e Rio. O vírus
se espalhou pelo país rapidamente, matando cerca de 35 mil pessoas.
Apenas no Rio, foram registrados 14.348 óbitos entre outubro e dezembro
de 1918. Em São Paulo, foram cerca de seis mil mortes ao todo. A
epidemia vitimou até mesmo o presidente do país. Eleito para um
segundo mandato (ele já tinha governado de 1902 a 1906), Francisco de
Paula Rodrigues Alves não tomou posse, no dia 15 de novembro de 1918,
porque estava "espanholado". O político morreu semanas depois, em
janeiro de 1919, confinado em seu apartamento na Rua Senador
Vergueiro, no Flamengo, Zona Sul do Rio, aos 71 anos de idade.
O presidente Francisco Rodrigues Alves, morto pela gripe espanhola, em
1919 | Foto de arquivo
Segundo a médica e pesquisadora Dilene Nascimento, da Casa de
Oswaldo Cruz, unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) voltada para
a história da saúde, hoje estamos muito mais preparados, em termos
técnicos e científicos, para lidar com uma epidemia de gripe. Mas ela frisa
a importância da política pública.

- Havia algumas recomendações muito similares na época, mas hoje


temos muito mais condições técnicas e científicas para combater o
coronavírus. Há cem anos, não havia, por exemplo, o volume de
informações que temos sobre a evolução da epidemia. Grande parte da
população não tinha acesso ao conhecimento sobre o assunto. Agora, a
informação de utilidade pública alcança muito mais gente e de maneira
muito mais rápida - compara Dilene Nascimento. - Mas é preciso haver
seriedade na política pública, com investimento em saúde. Infelizmente,
vivemos no Brasil uma situação de fragilidade, na qual o presidente adere
a uma manifestação e aperta as mãos das pessoas, quando devia estar em
isolamento.
Informe-se: Quando se preocupar com sintomas do coronavírus?
Médico explica
Na época da gripe espanhola, as recomendações do Serviço Sanitário de
São Paulo circularam nos jornais de forma resumida, sob o título de
"Conselhos ao Povo". Somadas às orientações que valem ainda hoje, como
a recomendação aos idosos, que deveriam "aplicar-se com mais rigor
ainda todos esses cuidados", as autoridades receitavam tomar sal de
quinino antes das refeições, como preventivo, algo que não se faz mais.
Não havia, entre aquelas recomendações, a orientação para lavar as mãos,
o que dá a entender que as autoridades não tinham noção da importância
desse hábito, hoje considerado essencial para impedir o contágio.
O
informativo "Conselhos ao Povo", com orientações para conter a gripe
espanhola | Reprodução da web

Não faltaram críticas referentes à demora das autoridades para reagir ao


aumento no número de casos. O diretor do Serviço Sanitário de São
Paulo, Artur Neiva, por pouco não perdeu o cargo. Segundo o Arquivo
Público do Estado de São Paulo, somente no dia 15 de outubro, dois dias
depois do primeiro óbito na cidade, o órgão decretou estado epidêmico. A
partir de então, começaram as restrições. Escolas, cinemas, teatros e
jardins foram fechados. Ao fim do ano letivo, os alunos foram aprovados
automaticamente. Igrejas tiveram que reduzir o público das missas.
Enterros de mortos não podiam ser acompanhados a pé. As compras de
muitas famílias eram feitas por uma única pessoa, para reduzir os riscos
de contágio.
De acordo com o Instituto Brasileiro da Cachaça, a popular caipirinha
surgiu nessa época, depois que as pessoas começaram a receitar limão,
alho e mel com um pouco de álcool para os doentes.

Os brasileiros morriam aos milhares, principalmente em Rio e São Paulo.


Cadáveres surgiam a todo instante. Ao longo dos anos, estudos
ofereceram explicações diversas para a letalidade da gripe espanhola, cujo
número de mortos superou largamente os 17 milhões de vítimas fatais,
entre soldados e civis, da Primeira Guerra. Diferentemente do
coronavírus, que leva muito mais riscos para idosos ou pessoas com
doenças crônicas prévias, a epidemia de 1918 matou, principalmente,
jovens adultos. Parte dos médicos acredita que isso acontecia justamente
porque, nessa camada da população, a defesa do orgnismo ao vírus era
mais forte, o que fazia os pulmões se encherem de fluídos, matando as
pessoas por "afogamento".

Uma revisão de pesquisas científicas realizada em 2007, porém, sugeriu


que a infecção causada pela gripe espanhola não era tão mais letal do que
outras estirpes de influenza. Segundo essa teoria, as altas taxas de
mortalidade foram consequência de malnutrição e das péssimas
condições de higiene do começo do século XX, somadas ao tempo
prolongado de internação em campos hospitalares lotados.

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