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Nenhuma ilha é uma ilha: quatro condenado à morte pela Inquisição por causa
de suas idéias, aprendi que o modo como um
visões da literatura inglesa. ser humano reelabora os livros que lê é muitas
vezes imprevisível (p. 14).
GINZBURG, Carlo.
Em obras como História noturna, O juiz e o
São Paulo: Cia. das Letras, 2004. 146 historiador, ou mesmo em Mitos, emblemas e
p. sinais (livro que reúne alguns de seus ensaios), o
autor se deparou com a questão da interpretação
das fontes, da viabilidade das provas e do uso
da narrativa. Além disso, também se viu obrigado
Já não é recente a ambigüidade do termo a revisar o estatuto teórico da história das
História, ao mesmo tempo definindo um processo mentalidades e da interpretação marxista da
em constante movimento, comumente chamado história, para desenvolver seus procedimentos de
de ‘a história vivida’, e a sua interpretação, ou análises das fontes e o próprio estilo de sua escrita.
seja, ‘a história conhecimento’, conforme a No início dos anos de 1970, quando lançou
historiografia francesa. Também não é inócua a seu famoso e polêmico ensaio Sinais: raízes de
questão indicada por F. Nietzsche, no século XIX, um paradigma indiciário (que anos depois foi
de que a história não passaria de um jogo de reunido no seu livro Mitos, emblemas e sinais),
interpretações, no qual a História jamais seria no qual procurou historiar as origens de seu
‘realmente’ alcançada. Ou, em outras palavras, procedimento investigativo das sociedades e dos
o que disse Paul Veyne, no início da década de homens no tempo, com vistas a analisar as
1970, em seu livro Como se escreve a história: mudanças e as permanências das sociedades
sempre se faz ‘histórias de...’ alguma coisa, quer passadas e das sociedades presentes, C.
dizer, de determinados processos e assuntos, mas Ginzburg já indicava a forma como estava
nunca a História. tomando partido naquela polêmica historio-
O historiador italiano Carlo Ginzburg, que gráfica. Nas suas palavras:
iniciou sua carreira profissional nos anos de 1950
Retorno àquele ensaio, que desde então tem
e 1960, no interior daquelas discussões,
continuado a alimentar subterraneamente o
pesquisando processos judiciais da inquisição dos
meu trabalho, porque a hipótese sobre a
séculos XV e XVI, principalmente da região do origem da narração ali formulada também
Friuli, na Itália, é um excelente exemplo da forma pode lançar luz sobre as narrativas voltadas,
como, nas últimas décadas, tais discussões foram ao contrário das outras, para a busca da
conduzidas. Por meio dessas pesquisas se verdade, e contudo modeladas, em cada
originaram as obras Os andarilhos do bem e O uma de suas fases, por perguntas e respostas
queijo e os vermes. Nas palavras do autor: elaboradas de forma narrativa. Ler a realidade
às avessas, partindo de sua opacidade, para
Comecei a praticar o ofício de historiador
não permanecer prisioneiro dos esquemas da
examinando textos não literários (sobretudo
inteligência: essa idéia, cara a Proust, parece-
processos da Inquisição) com auxílio dos
me exprimir um ideal de pesquisa que inspirou
instrumentos interpretativos desenvolvidos por
também estas páginas (p. 14).
estudiosos como Leo Spitzer, Erich Auerbach,
Gianfranco Contini [...] com o moleiro friulano Mas foi juntamente com Carlo Poni e
Domenico Scandela, dito Menocchio, Geovanni Levi, quando no início da década de