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Assisti esta semana a entrevista de Regina Duarte, atual secretária especial de Cultura
do atual governo, concedida à CNN Brasil, assim como milhões de brasileiros que agora têm
em suas memórias as imagens desse episódio. Quando penso em imagens, visualizo em minha
mente os caminhos e ramificações para os quais as imagens conseguem se expandir. Tento
desenhar possibilidades discursivas para uma única imagem, e me perco em meio a
matemática exponencial dos circuitos que as imagens alcançam. Com isso, quero dizer que
quando vistas por pessoas diferentes, em lugares, países, sociedades, condições sociais,
acessos, raças, gêneros, idades, sexualidades e em tempos diferentes, cada imagem alcança
caminhos de entendimento, interpretação e discursivos que podem ser multiplicados
incontavelmente. Nunca saberemos todos os caminhos que uma única imagem alcança. Tento
imaginar como a imagem de uma secretária de cultura, que canta, dança, atua e opina em
rede nacional, pode construir imaginário em tantos brasileiros que recebem a sua imagem
através de televisores, computadores ou celulares. Tento também, não aplicar julgamento
“partidário”, uma vez que meu interesse mais profundo é agarrar-me à imagem e juntamente
com ela descobrir o que nos diz.
Iniciei este texto falando sobre memória, e peço que não esqueça esta palavra, pois
toda imagem que recebemos se torna presente em nossa memória no instante que alcança
os olhos, e em seguida se conecta intimamente a uma memória que temos, que criamos ou
que criaram para nós. A tela transmitida pela CNN Brasil, apresentava dois quadros: um à
esquerda com a presença dos apresentadores Reinaldo Gottino e Daniela Lima; e outro à
direita com o repórter Daniel Adjuto e Regina Duarte. Falaremos do segundo quadro, que se
mantém igual durante grande parte da entrevista. Na imagem congelada, destacada e que
circula as redes sociais e jornais de todo o país, vemos no primeiro plano à esquerda Daniel
Adjuto, à direita Regina Duarte, e centralizada no segundo plano, dois quadros que foram
citados brevemente por Daniela Lima como sendo de autoria de Rubem Valentim.
Ver Rubem Valentim em rede nacional me fez questionar qual a parcela da população
brasileira que poderia conhecer seu trabalho, e quantos sabiam que o artista foi um profundo
defensor da cultura. Ainda mais: quantos brasileiros sabem que em tempos normais, sem
pandemia, as obras do artista baiano podem ser vistas pessoalmente em preciosos acervos
públicos, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, ou então quantos milhões já cruzaram
sua escultura construída em 1985 na Praça da Sé, também em São Paulo? Segundo palavras
do artista, sua arte “busca as raízes e poderia reencontrá-las no espaço, como uma espécie de
ressocialização da arte, pertencendo ao povo”. Será que o povo sabe disso? A surpresa e a
felicidade cessaram.
Rubem Valentim faleceu em 1991, e em 2020 sua obra ainda não possui o devido
reconhecimento que lhe é cabível. Em tempos onde o mínimo desejo da classe artística de
respeito aos artistas mortos em decorrência do descaso governamental em relação ao
coronavírus no Brasil, o trabalho mais doloroso e necessário é o de continuar escrevendo as
histórias das nossas artes. Enquanto escrevia, li a notícia de que Abraham Palatnik, artista
brasileiro pioneiro na Arte Cinética, foi mais uma vítima do vírus. Se para a secretária lembrar
a memória de artistas falecidos é tornar-se “um obituário”, informo que em outra realidade,
naquela em que vivo, estudo e trabalho, registrar a memória, organizar acontecimentos,
homenagear e rememorar artistas, obras, movimentos artísticos e a relação da arte com a
sociedade, é chamado de História da Arte.