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"Não é fora de nós que devemos procurar a divindade, pois que ela está do nosso
lado, ou melhor, em nosso foro interior, mais intimamente em nós do que
estamos em nós mesmos." (Giordano Bruno, A ceia de cinzas).
Mas gostaria de enlaçar a ambos de uma forma curiosa e inusitada: falando a respeito de um personagem de
Mozart, em sua mais famosa ópera, intitulada “A Flauta Mágica”. Bem resumidamente, a simbólica obra fala
de um príncipe, nobre e virtuoso, Tamino, que busca conquistar sua alma humana, representada pela
princesa Pamina, e o faz após passar por difíceis provas, conduzidas pelo sacerdote Zarastro. Em grande
parte de sua jornada, o herói é acompanhado por um humorístico personagem, Papageno, caçador de
pássaros que em nada se interessa pela busca da sabedoria ou de mistérios; quer apenas uma jovem por
quem sem apaixonar e com quem gerar muitos pequenos “papagenos”, alegremente. Os Três Espíritos que
contracenam com ele o avisam: “-Tens apenas esta vida!”. Isso pouco importa a Papageno, que nada sabe ou
quer saber de eternidade, mas apenas dos suaves prazeres de sobreviver bem agora.
Papageno é inocente e engraçado, e traz um lado leve à obra; apoia o príncipe quando pode, e depois, segue
sua vida. Mas o que Mozart não explicitou, nesta peça, é que há diferentes tipos de “Papageno”. Há aqueles
que não suportam a existência de príncipes sobre a terra, pois isso expõe sua pequenez e mediocridade. Há
aqueles que não toleram a ideia de nobreza, pois pretendem ostentar méritos, verdades e direitos, e a simples
existência de homens bons e comprometidos com a bondade, beleza e justiça seria, para eles, uma ameaça.
Assim, há “papagenos mórbidos”, e tanto Giordano Bruno quanto Mozart foram vítimas deste tipo de
personagem. Eles e muitos outros, na história.
O escritor e historiador Steven Pressfield, em sua obra “A Guerra da Arte”, comenta que existe entre os
homens um acordo tácito em prol da mediocridade; quem reage a este pacto é tido com um traidor. A reação
e é violenta, e procura automaticamente “queimar” o transgressor. Não pensemos que se trata de uma
barbárie medieval que raramente se repete nos dias atuais; apenas dispomos de meios mais sutis (e as vezes
até mais cruéis) de difamar e “queimar” os que ousam se comprometer com ideais e honrá-los com sua vida.
Em 1791, solitário e numa cova anônima, era abandonado o corpo de Mozart; em 1600, ardia nas chamas da
fogueira erguida em Campo del Fiori, o corpo de Giordano Bruno, cumprindo com a curiosa sina de, mesmo
em morte, conservar-se vertical e trazer luz. Quem os perseguiu, difamou e queimou foi realmente destruído
e enterrado pela impiedosa lei do tempo, que não perdoa os “maus papagenos”. Tamino existe e existirá
sempre e, graças a ele, persiste entre nós a esperança e a fé no ser humano. Graças a eles por tanto! Graças à
Vida por eles!