Você está na página 1de 2

Giordano Bruno, mártir da ignorância humana

"Não é fora de nós que devemos procurar a divindade, pois que ela está do nosso
lado, ou melhor, em nosso foro interior, mais intimamente em nós do que
estamos em nós mesmos." (Giordano Bruno, A ceia de cinzas).

Em 27 de janeiro, nasceu Mozart, o compositor; em 17 de fevereiro, morreu Giordano Bruno, o filósofo. Do


primeiro, pouco se precisa falar: todos lembram do prodígio que, ao cinco anos de idade, compunha e dava
concertos ao piano. Nem todos lembram tanto, porém, do segundo, filósofo condenado à fogueira por heresia
e executado em 1600 por afirmar, entre outras coisas, a existência de infinitos mundos, alguns possivelmente
habitados, como o nosso, e a eternidade da Alma do Mundo, que se renova ciclicamente sobre a terra,
tomando corpo em todos os seres. Ambos dignos de um espaço nobre na admiração e na memória dos
homens.

Mas gostaria de enlaçar a ambos de uma forma curiosa e inusitada: falando a respeito de um personagem de
Mozart, em sua mais famosa ópera, intitulada “A Flauta Mágica”. Bem resumidamente, a simbólica obra fala
de um príncipe, nobre e virtuoso, Tamino, que busca conquistar sua alma humana, representada pela
princesa Pamina, e o faz após passar por difíceis provas, conduzidas pelo sacerdote Zarastro. Em grande
parte de sua jornada, o herói é acompanhado por um humorístico personagem, Papageno, caçador de
pássaros que em nada se interessa pela busca da sabedoria ou de mistérios; quer apenas uma jovem por
quem sem apaixonar e com quem gerar muitos pequenos “papagenos”, alegremente. Os Três Espíritos que
contracenam com ele o avisam: “-Tens apenas esta vida!”. Isso pouco importa a Papageno, que nada sabe ou
quer saber de eternidade, mas apenas dos suaves prazeres de sobreviver bem agora.

Papageno é inocente e engraçado, e traz um lado leve à obra; apoia o príncipe quando pode, e depois, segue
sua vida. Mas o que Mozart não explicitou, nesta peça, é que há diferentes tipos de “Papageno”. Há aqueles
que não suportam a existência de príncipes sobre a terra, pois isso expõe sua pequenez e mediocridade. Há
aqueles que não toleram a ideia de nobreza, pois pretendem ostentar méritos, verdades e direitos, e a simples
existência de homens bons e comprometidos com a bondade, beleza e justiça seria, para eles, uma ameaça.
Assim, há “papagenos mórbidos”, e tanto Giordano Bruno quanto Mozart foram vítimas deste tipo de
personagem. Eles e muitos outros, na história.

O escritor e historiador Steven Pressfield, em sua obra “A Guerra da Arte”, comenta que existe entre os
homens um acordo tácito em prol da mediocridade; quem reage a este pacto é tido com um traidor. A reação
e é violenta, e procura automaticamente “queimar” o transgressor. Não pensemos que se trata de uma
barbárie medieval que raramente se repete nos dias atuais; apenas dispomos de meios mais sutis (e as vezes
até mais cruéis) de difamar e “queimar” os que ousam se comprometer com ideais e honrá-los com sua vida.

Em 1791, solitário e numa cova anônima, era abandonado o corpo de Mozart; em 1600, ardia nas chamas da
fogueira erguida em Campo del Fiori, o corpo de Giordano Bruno, cumprindo com a curiosa sina de, mesmo
em morte, conservar-se vertical e trazer luz. Quem os perseguiu, difamou e queimou foi realmente destruído
e enterrado pela impiedosa lei do tempo, que não perdoa os “maus papagenos”. Tamino existe e existirá
sempre e, graças a ele, persiste entre nós a esperança e a fé no ser humano. Graças a eles por tanto! Graças à
Vida por eles!

Você também pode gostar