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A HISTÓRIA POLÍTICA:

considerações acerca da
abordagem teórica

Jonas Balbinot*

Resumo Abstract

O presente artigo pretende fazer um The present article aims to search out
levantamento da discussão sobre a the discussion about Political History,
História Política, apresentando os di- presenting the many ways of interpre-
versos vieses de interpretação sobre tation on this field.By setting the so
este campo. Situando a chamada Histó- called Traditional Political History, we
ria Política Tradicional, passamos a apre- now present the new forms of exposi-
sentar as novas formas de abordagens, tion purposed by a renewed political
propostas por uma história política history in its methods, techniques and
renovada, em seus métodos, técnicas e problems, which goal is to treat the
problemas, cuja finalidade é tratar os same objects from a new point of
mesmos objetos a partir de um novo view, a new approach.
ângulo, um novo prisma

Palavras-chave: História Política - Key words: Politic History – Power –


Poder - Relações de Poder Power Relations

Semina - Passo Fundo, V. 5, nº 1, p. 97-106, 1º sem. 2007


SEMINA - V. 5 - Nº 1 – 2007

Quando o passado era dos grandes geral pouco ou nada exigentes em


matéria de critica de fontes; sua histo-
ria de príncipes, dinastias e reinos são
O início da História, creditado aos basicamente políticas e pragmáticas.4
gregos, é intrinsecamente ligado à for-
mação e exaltação dos grandes homens, No final século XVIII e século
do indivíduo, e da exaltação de determi- XIX, o movimento da Ilustração e o
nados marcos cronológicos. Francisco Romantismo, colocaram a História Polí-
Falcon expõe que a história era: “[ma tica ainda mais no centro das atenções.
narrativa de certo tipo de ações heróicas Este período coincide com a formação e
ou humanas dignas de serem lembra- afirmação dos Estados Nacionais, quan-
das”2, sendo que esta narrativa surgia do então as obras históricas exaltavam os
sempre ligada, de uma forma ou outra, Estados, buscando fortalecê-los. Segun-
ao Estado e ao poder, representando as do Falcon “[...] a promoção do Estado à
intenções e vontades dos governantes, condição de objeto por excelência da
portanto, apenas exaltando o passado, produção histórica significou a hegemo-
deixando à margem fatos considerados nia da História Política[...].”5 Nesse perí-
pouco importantes ou mesmo desabo- odo surgem as primeiras críticas a esta
nadores do poder instituído, tentando forma factual de se escrever a história,
impor-se como a memória de determi- vindas dos filósofos que propunham
nado povo. Fazia-se nesse período uma uma história filosófica racional, buscan-
narrativa histórica não articulada. do o todo histórico. Também nesse pe-
ríodo os historiadores eruditos trouxe-
No período da Idade Média, ape- ram novas formas de crítica das fontes,
sar da mudança do núcleo intelectual além de abrirem novos acervos docu-
para dentro das igrejas, a essência da mentais à pesquisa, essa mudança atinge
produção histórica foi mantida: datas, diretamente o campo político.
fatos isolados e narração. Somente no As metodologias de pesquisa e
Renascimento é que aparecem algumas narrativa da história apresentadas até
mudanças importantes. Falcon afirma aqui foram qualificadas de História Política
que nesse período iniciaram “[...] duas Tradicional, Julliard destaca que a História
tendências fundamentais: a crítica erudita Política “atribui a causa dos fenômenos a
das fontes e a eliminação de lendas e seu agente o mais aparente o mais alta-
milagres ‘fantasias’, em busca de fatos mente colocado”6, isso fez com que as
verdadeiros ou, pelo menos, verossí- críticas à história tradicional tivessem seu
meis[...].”3 Porém, esse processo de críti- foco na História Política já que ela cons-
ca não mudou a forma de se escrever a titui por muito tempo a forma principal
história e a tradicional narrativa foi man- de se fazer História. O autor segue ex-
tida. Esses mesmos historiadores faziam pondo as dificuldades do método políti-
a chamada história oficial trabalhando para co tradicional:
exaltar os poderosos. Segundo Falcon:
A história política é psicológica e ig-
Os historiadores a serviço dos pode- nora os condicionamentos; é elitista,
rosos do momento mostraram-se em talvez biográfica, e ignora a sociedade

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A História política: considerações acerca da abordagem teórica

global e as massas que a compõe, é interdisciplinar, a Escola dos Annales agregou


qualitativa e ignora as séries; o seu ob- as mais variadas áreas do conhecimento,
jetivo é o particular e, portanto, igno- fazendo com que a produção historiográfica
ra a comparação; é narrativa e ignora extrapolasse suas próprias margens, apoian-
a análise; é idealista e ignora o materi- do-se agora em outras áreas, como a antro-
al; é ideologia e não tem consciência
de sê-lo; é parcial e não o sabe; pren-
pologia, a sociologia, a ciência política, a
de-se ao consciente e ignora o in- lingüística, a psicanálise, entre outras. Além
consciente; visa os pontos precisos, e disso, a tendência que surgia buscava uma
ignora o longo prazo; em uma pala- História Total segundo Ferreira: “Em nome
vra, uma vez que essa palavra tudo re- de uma história total, uma geração de histo-
sume na linguagem dos historiadores, riadores passou a questionar a hegemonia do
é uma história factual.7 político e a defender uma nova concepção
de história onde o econômico e o social
No final do século XIX e século deveriam ocupar lugar fundamental.”8
XX, as críticas à História Política foram Entre os principais ícones articulado-
sendo acentuadas, porém essas críticas res desse movimento estão Lucien Febvre,
não surtiram efeito, pois a produção Marc Bloch e Fernand Braudel. Esses histo-
historiográfica até o final de década de riadores buscavam uma nova maneira de se
1920 foi quase que totalmente baseada produzir conhecimento histórico, fugindo,
na História Política Tradicional. Essa crítica de um lado, das análises factuais dos chama-
foi culminar no surgimento da revista dos positivistas9 – nas quais as fontes com
dos Annales, em 1929, na França. validade eram as documentações oficiais – e,
Com a abertura de novos campos de outro, das análises, dos marxistas que
de pesquisa, concomitante com a pro- usavam como referência de interpretação à
posta dos Annales, surgem novos indica- estrutura econômica da sociedade. Fica cla-
tivos de trabalho para o campo político, ro, porém, que tanto os metódicos quanto
voltando um novo olhar sobre este obje- os marxistas deixaram grandes contribuições
to. Entretanto a História Política tradicional à interpretação do passado, tendo importân-
não foi descartada. Em muitos lugares o cia ainda hoje no conhecimento histórico.
seu método continuou sendo utilizado. Esses novos métodos, novas aborda-
O novo método proposto pelos Annales gens e novos problemas suscitaram inova-
caracteriza-se por uma resistência a privi- ções nas maneiras de interpretar o passado e
legiar fatos, datas e indivíduos, atingindo essas mudanças causaram uma certa resis-
diretamente o objeto da História Política tência ao estudo da História Política. Segun-
Tradicional. do Rémond: “A renovação que há meio
século marcou tão profundamente na Fran-
ça a disciplina histórica teve como alvo princi-
O mesmo Passado. Nova roupagem. pal e primeira vítima a História Política.”10. A
Com a criação da Revista dos Annales História Política foi confundida com a histó-
no início do século XX, surgiu uma das ria factual e metódica, pois durante muito
primeiras formas de contestação à produção tempo foi escrita buscando construir heróis11
historiográfica desenvolvida até aquele mo- ou mitos, analisando as trajetórias individuais
mento. Tendo por base o conhecimento dos políticos e os fatos protagonizados por
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esses grandes homens. A história tinha ano, dia agente político não é mais o único centro das
e hora marcada, as datas e os acontecimen- atenções. O indivíduo passa a ser encarado
tos suplantavam a conjuntura que os envol- como capaz de mudar os rumos da história,
via. A grande série de campos a serem estu- entretanto, tal sujeito ou agente político,
dados, surgidos juntamente com a Escola passa a ser entendido como condicionado
dos Annales, deixou por muito tempo a His- por uma série de fatores conjunturais.
tória Política de lado, no cenário historiográ- Além desses fatores, é necessário que
fico. Contrariando esse panorama Julliard se perceba que a Nova História Política alargou
escreve que: seus horizontes, em direção a novas pro-
blemáticas deixadas de lado pela história
No entanto, digamo-lo logo, essa situação metódica. Isso fica claro para Rémond:
não pode perdurar. Em primeiro lugar,
porque não se ganharia nada em continu- a política se apoderou de toda a espécie
ar a confundir as insuficiências de um mé- de problemas que não lhe diziam respeito
todo com os objetos a que se aplica. Ou inicialmente, e com os quais a história po-
bem existe, com efeito, uma natureza lítica jamais tivera antes, portanto, de se
própria dos fenômenos políticos, que os preocupar. À medida que os poderes pú-
limita à categoria dos fatos – simples es- blicos eram levados a legislar, regularmen-
puma das coisas, espuma que se pode te, subvencionar, controlar a produção, a
deixar de lado sem prejuízo –; ou bem, ao construção de moradias, a assistência so-
contrário, o político, como econômico, o cial, a saúde pública, a difusão da cultura,
social, o cultural, o religioso, acomoda-se esses setores passaram, uns após os ou-
aos métodos os mais diversos, inclusive tros, para os domínios da história política.
os mais modernos. 12 Com isso desabou a principal objeção a
esse tipo de história: como sustentar ainda que
O autor diz que não há mais espaço o político não se refere às verdadeiras realidades,
para a manutenção desse boicote aplicado à quando ele tem por objeto geri-las?14
História Política, que deve ser estudada e
adaptada aos novos métodos, como ocorre Outro aspecto de grande importância
com o social, o cultural e os demais campos. são as novas companhias com que a História
Impulsionada por esses autores, a Política passou a se relacionar e com isso
partir de década de 1970 e 1980 à História tornar possível a interdisciplinaridade. Nessa
Política ressurgiu, chamada de Nova História nova fase, a política trouxe para junto de si
Política, porém não da mesma forma como idéias da sociologia, do direito público, da
era estudada e escrita anteriormente. Volta psicologia social, da psicanálise, da lingüísti-
ao cenário com um novo figurino, no qual ca, da matemática, da informática, da carto-
os grandes heróis deixam de ser as únicas grafia, o que contribuiu - e muito - para a
estrelas e passam a dividir o palco e as res- renovação da História Política. Conforme
ponsabilidades com o contexto histórico em afirma Rémond:
que estão inseridos. Da mesma forma, passa
a exigir uma problemática na pesquisa da [...] a renovação da história política foi
História Política conforme afirma Julliard: grandemente estimulada pelo contato
“A História Política como a sociologia polí- com outras ciências sociais e pelas trocas
tica, tem [agora] a necessidade de uma pro- com outras disciplinas. É uma verdade
blemática...”.13 A partir desse momento, o geral a utilidade, para todo ramo do saber,

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A História política: considerações acerca da abordagem teórica

de abrir-se a outros e acolher contribui- fechá-lo dentro de limites traçados para o


ções externas, mas o objeto da história todo sempre são inúteis.” 16
política, sendo por sua natureza interdis-
ciplinar, torna isso uma necessidade mais
imperativa que em outros casos. 15
Uma biografia, vários biografados.
A história política passa a se caracteri-
zar, portanto, de forma mais ampla, deixan- Vamos dar uma atenção especial a
do de lado a antiga visão de datas e fatos. um fator que contribui para o estudo da
Agregam-se a ela novas variáveis de análise História Política: a biografia, Durante
como, por exemplo, as eleições que passam muito tempo, a biografia foi considerada
a somar como fontes de muita importância, um modelo de história tradicional, le-
pois são a base do processo político nas vando em consideração os grandes per-
sociedades contemporâneas. Os partidos sonagens da história, mas esquecendo
assumem caráter de instituição e têm em suas ligações com o mundo além políti-
seus filiados e recenseamentos, importantes ca. A biografia assim como a História
fontes documentais. A opinião pública passa Política Tradicional exaltava somente, os
a pesar nos estudos da História Política, pois grandes líderes e seus feitos, portanto a
cada vez mais a população se politiza, bus- biografia acaba assumindo contornos de
cando participar das decisões. A mídia as- um Curriculum Vitae. Deixava de lado
sume caráter crucial, pois expressa aberta- seus estudos da vida cotidiana e às rela-
mente idéias de quem disputa ou exerce ções que o biografado mantinha durante
cargos políticos e traz, em outros momen- sua vida.
tos, críticas positivas ou negativas da própria
sociedade. Outro ponto a ser discutido pela Tal qual a História Política, a bio-
Nova História Política agora é a política exter- grafia reaparece no cenário historiográfi-
na. No mundo contemporâneo, cada vez co, com outras metodologias interpreta-
mais os países têm sido influenciados em tivas, deixando de tratar somente da vida
suas administrações e decisões por conse- e dos grandes feitos de um determinado
lhos internacionais e por outros países, além personagem, e passa a se preocupar com
da força da globalização que abre e rompe as as relações que ele mantém com o con-
fronteiras estatais. Por fim surgem novas texto em que vive. Estuda o homem
metodologias no estudo das Biografias, que inserido numa conjuntura histórica. Sa-
não estudam o personagem isolado, mas sim bina Loriga expõe que:
inserido em um contexto.
Levando em conta essas novas visões A redescoberta da biografia remete
e interpretações, Rémond expõe que “o principalmente a experiências no
campo da história atentas ao “cotidia-
político é como esses Estados dos quais a no”, e a “subjetividades outras”: por
geografia não delineou previamente os con- exemplo, a história oral, os estudos
tornos e a história não parou de modificar os sobre a cultura popular e a história
limites: o político não tem fronteiras natu- das mulheres. O desejo de estender o
rais”. Seguindo nesse tema Rémond deixa campo da história, de trazer para o
claro que: “na verdade, o campo do político primeiro plano os excluídos da me-
não tem fronteiras fixas, e as tentativas de
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mória, reabriu o debate sobre o valor biografado soubesse tudo o que iria lhe a-
do método biográfico. 17 contecer. Portanto, a biografia aponta alguns
elementos da vida de um determinado ho-
Conforme Schmidt: “Esta volta da mem, jamais fala tudo sobre ele.
biografia está relacionada com a crise do
paradigma estruturalista”.18 A biografia
volta de cara nova, buscando dar uma História Política Renovada:
visão não somente da ação do indivíduo, o poder em todos os lugares.
mas também de seu engajamento na
estrutura social em que vive. Tanto as Os historiadores, já há algum tem-
biografias escritas por historiadores co- po, vêm trabalhando com conceitos dife-
mo as escritas por jornalistas, de acordo renciados de poder. Esses conceitos
com Schmidt, vêm sofrendo cada vez fogem da visão estatal, ou seja, o poder
mais a influência da Literatura, princi- exercido somente pelo Estado e seus
palmente em sua forma narrativa. Vale mecanismos de coação. Diversos autores
ressaltar que os historiadores buscam um são trazidos para o centro das discussões
grau de plausibilidade científica, enquan- historiográficas quando se aborda a pro-
to os jornalistas buscam um texto mais blemática do poder. Destacamos aqui,
leve, que interesse a todo tipo de públi- Pierre Bourdieu e Michel Foucault.
co.18 Foucault em sua obra, Microfísica do
Sabina Loriga nos lembra, entre- Poder, apresenta a nova visão de poder,
tanto que mesmo tendo sido deixado de em que este se desprende das questões
lado à figura do herói, o homem deve políticas tracidionais, ou seja, o poder
continuar sendo o centro da história – o dos grandes reis. Passando neste mo-
homem comum neste caso: mento para um domínio de classe.

[...]os homens que fazem a história, Isto me parece ser a característica das
não são mais convincentes, e talvez sociedades que se instauram no século
nem mesmo sejam mais críveis. A XIX. O poder não é substancialmente
morte do herói não eliminou contudo identificado com um indivíduo que o
a exigência de se estudar os indiví- possuiria ou que o exerceria devido a
duos. Hoje a aposta não é mais no seu nascimento; ele torna-se uma ma-
grande homem [...] e sim no homem quinaria de que ninguém é titular. Lo-
comum. Este último é o objetivo gicamente, nesta máquina ninguém
principal dos estudos sobre a cultura ocupa o mesmo lugar; alguns lugares
popular.19 são preponderantes e permitem pro-
duzir efeitos de supremacia. De modo
Essa nova biografia pode ser feita que eles podem assegurar uma domi-
com sucesso, porém é ingenuidade afirmar nação de classe, na medida em que
dissociam o poder do domínio indivi-
que uma biografia alcança todos os aspectos dual.20
da vida de um homem, é preciso que sejam
feitos recortes temporais e temáticos. Tam- Segundo as visões de poder apre-
bém não é possível que escrever a biografia sentadas por Foucault, os marxistas e os
com uma linearidade automática, como se o seguidores da “direita” baseavam todas
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A História política: considerações acerca da abordagem teórica

as suas considerações e seus estudos, no Portanto para Foucault “o poder é


tema relacionado, a estrutura do poder, o poder concreto que cada indivíduo
deixando de lado suas formas de repre- detém e que cederia, total ou parcialmen-
sentação na sociedade e as maneiras des- te, para constituir um poder político,
te poder ser exercido. uma soberania política” 23. Dessa manei-
ra a força política advém da concessão
Pela direita, estava somente colocado de poder feita, através do voto, pelo
em termos de constituição, de sobe- eleitor ao seu representante, que sendo
rania, etc., portanto em termos jurídi- eleito passa a ter o poder político repre-
cos; e, pelo marxismo, em termos de
sentativo das diversas parcelas de poder
aparelho do Estado. Ninguém se preocu-
pava com a forma como ele se exercia concre-
recebidas de seus eleitores.
tamente e em detalhe, com sua especificidade, Foucault coloca a questão do po-
suas técnicas e suas táticas. Contentava-se der em dois sistemas de análises, contrato-
em denunciá-lo no "outro", no adver- opressão, sistema baseado na esfera jurídi-
sário, de uma maneira ao mesmo ca, e dominação-repressão ou guerra-repressão,
tempo polêmica e global. 21 baseado na questão das guerras, pondo
em evidência agora não a legitimidade do
Em seguida Foucault afirma que o poder, mas sim o assunto da luta e da
poder, mesmo exercido pelas classes não submissão. Em seguida o autor propõe
fica definido, pois as classes não têm que:
definições concretas, e os seus dirigentes
mudam. Propõe também que o poder O que faz com que o poder se man-
não tem um titular. tenha e que seja aceito é simplesmen-
te que ele não pesa só como uma for-
Sabe-se muito bem que não são os ça que diz não, mas que de fato ele
governantes que o detêm. Mas a no- permeia, produz coisas, induz ao pra-
ção de "classe dirigente" nem é muito zer, forma saber, produz discurso.
clara nem muito elaborada. "Domi- Deve-se considerá-lo como uma rede
nar", "dirigir",' "governar", "grupo no produtiva que atravessa todo o corpo
poder", "aparelho de Estado", etc.. é social muito mais do que uma instân-
todo um conjunto de noções que exi- cia negativa que tem por função re-
ge análise. Além disso, seria necessá- primir. 24
rio saber até onde se exerce o poder,
através de que revezamentos e até que O poder, só obtêm seus resulta-
instâncias, freqüentemente ínfimas, de dos, quando não for imposto pela força
controle, de vigilância, de proibições, que reprime, mas sim como uma relação
de coerções. Onde há poder, ele se em que o poder é conseguido através de
exerce. Ninguém é, propriamente fa- troca e de submissão, mas não pela for-
lando, seu titular; e, no entanto, ele ça. Para Foucault o poder nesse estágio
sempre se exerce em determinada di-
se distância da visão política estatal, e se
reção, com uns de um lado e outros
do outro; não se sabe ao certo quem aproxima das questões particulares do
o detém; mas se sabe quem não o dia-a-dia. O poder é exercido em hospi-
possui. 22 tais, em escolas, em hospícios, em presí-
dios, nas famílias e em todas as relações
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entre sujeitos e deles com instituições, bólico é, com efeito, esse poder invisível
oficiais ou não. o qual só pode ser exercido com a cum-
Bourdieu, em sua obra O Poder plicidade daqueles que não querem saber
Simbólico, trabalha uma forma diferente que lhe estão sujeitos ou mesmo que o
de poder, o poder exercido através da exercem.”27 O poder simbólico é cons-
simbologia sem força material, segundo truído através de um jogo de representa-
ele: ções e de simbologias, em torno de de-
terminada pessoa ou instituição. Cria-se
O poder simbólico com poder de uma aureola de poder em torno do man-
constituir o dado pela enunciação, de tenedor deste domínio. Depois de efeti-
fazer ver e fazer crer, de confirmar ou vada essa construção o poder tem a for-
de transformar a visão do mundo e,
ça da ação apenas pela coação psicológi-
deste modo, a ação sobre o mundo,
portanto o mundo; poder quase má- ca ou moral, não necessitando do uso da
gico que permite obter o equivalente força ou de outros métodos.
daquilo que é obtido pela força (física
ou econômica), graças ao efeito espe-
cífico de mobilização, só se exerce se
for reconhecido, quer dizer, ignorado Finalizando.
como arbitrário. 25
Discutir os assuntos relacionados à
E segue apontando que: História Política é entrar em um campo
de muitas dúvidas, pois apesar de exten-
Isto significa que o poder simbólico sos trabalhos relacionados a este assunto
não reside nos sistemas simbólicos
em forma de uma “illocutionary for-
há ainda muito a se pesquisar no que
ce” mas que se define numa relação tange a este campo de conhecimento.
determinada – e, por meio desta – en- Este trabalho tem a pretensão de apre-
tre os que exercem o poder e os que sentar alguns elementos que possam ser
lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é na úteis no desenvolvimento de um projeto
própria estrutura do campo em que se na área de História Política.
produz e se reproduz a crença. O que O essencial neste momento é per-
faz o poder das palavras e das pala- ceber que a história política hoje não se
vras de ordem, poder de manter a or- dedica mais aos grandes homens, aos
dem ou de a subverter, é a crença na indivíduos com influência, e nem ao
legitimidade das palavras e daquele Estado, mas abrange uma infinidade de
que as pronuncia, crença cuja produ-
ção não é da competência das pala-
setores, já que tanto o campo político
vras. 26 quanto o poder estão disseminados pela
sociedade. Nestas abordagens diferenci-
O autor deixa claro, que o poder é adas, propostas para a História Política,
uma construção simbólica, na qual há os homens comuns agem juntamente
uma relação entre quem o detêm e quem com os homens de Estado. Portanto
sofre a ação do poder, sem necessaria- para se fazer História Política é necessá-
mente ambos saberem que papel estão rio estudar não somente o Estado e seus
exercendo. Dessa forma “o poder sim- ícones, mas o povo, os homens comuns
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A História política: considerações acerca da abordagem teórica

e sua relação com a política e com o RÉMOND, René (org.). Por uma história
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por eles. ro: Editora FGV, 2003.
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2 Idem, p.63.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder.
3 Ibid.
3.ed. trad. Roberto Machado. Rio de
Janeiro: Graal, 1982. 4 Idem,p.65.

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JULLIARD, Jacques. A Política. In: LE 265-271. 1992. p.265.
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1976. 9 RÉMOND, René (org.). Por uma história política.

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Escalas: A experiência da Microanálise. Trad. construído muitas vezes pela necessidade de
Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora FGV. afirmação e manutenção dos regimes recém
1998. criados, conforme José Murilo De Carvalho:
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“Heróis são símbolos poderosos, encarnações


de idéias e aspirações, pontos de referência,
fulcros de identificação coletiva [...] instrumen-
tos eficazes para atingir a cabeça e o coração
dos cidadãos a serviço da legitimação de regi-
mes políticos. Não há regime que não promova
o culto de seus heróis e não possua seu panteão
cívico.” (CARVALHO, 1990, p.55.)
11 JULLIARD, p.181-182.

12 Idem, p.190.

13 RÉMOND, p.24 (grifo nosso).

14 Idem, p.29.

15 Idem, p.443-444.

16 LORIGA, Sabina. A biografia como problema. In:

REVEL, Jacques. (org.) Jogos de Escalas: A experiência


da Microanálise. Trad. Dora Rocha. Rio de Janeiro:
Editora FGV. 1998. p.225.
17 SCHMIDT, Benito Bisso. Construindo Bio-

grafias... Historiadores e Jornalistas: Aproxima-


ções e Afastamentos. Estudos Históricos – Indivi-
duo, Biografia, História. Rio de Janeiro, nº19.
1997. Disponível em
http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq240.pdf.
Consulta dia 02/11/2005. p.2.
18 LORIGA, p.225.

19 FOUCAULT, 1982, p.121

20 Idem, p.7 (grifo nosso)

21 Idem, p.44

22 Idem, p.98

23 Idem, p.98

24 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de

Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p.14.


25 Ibid.

26 Idem, p.7-8

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