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considerações acerca da
abordagem teórica
Jonas Balbinot*
Resumo Abstract
O presente artigo pretende fazer um The present article aims to search out
levantamento da discussão sobre a the discussion about Political History,
História Política, apresentando os di- presenting the many ways of interpre-
versos vieses de interpretação sobre tation on this field.By setting the so
este campo. Situando a chamada Histó- called Traditional Political History, we
ria Política Tradicional, passamos a apre- now present the new forms of exposi-
sentar as novas formas de abordagens, tion purposed by a renewed political
propostas por uma história política history in its methods, techniques and
renovada, em seus métodos, técnicas e problems, which goal is to treat the
problemas, cuja finalidade é tratar os same objects from a new point of
mesmos objetos a partir de um novo view, a new approach.
ângulo, um novo prisma
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A História política: considerações acerca da abordagem teórica
esses grandes homens. A história tinha ano, dia agente político não é mais o único centro das
e hora marcada, as datas e os acontecimen- atenções. O indivíduo passa a ser encarado
tos suplantavam a conjuntura que os envol- como capaz de mudar os rumos da história,
via. A grande série de campos a serem estu- entretanto, tal sujeito ou agente político,
dados, surgidos juntamente com a Escola passa a ser entendido como condicionado
dos Annales, deixou por muito tempo a His- por uma série de fatores conjunturais.
tória Política de lado, no cenário historiográ- Além desses fatores, é necessário que
fico. Contrariando esse panorama Julliard se perceba que a Nova História Política alargou
escreve que: seus horizontes, em direção a novas pro-
blemáticas deixadas de lado pela história
No entanto, digamo-lo logo, essa situação metódica. Isso fica claro para Rémond:
não pode perdurar. Em primeiro lugar,
porque não se ganharia nada em continu- a política se apoderou de toda a espécie
ar a confundir as insuficiências de um mé- de problemas que não lhe diziam respeito
todo com os objetos a que se aplica. Ou inicialmente, e com os quais a história po-
bem existe, com efeito, uma natureza lítica jamais tivera antes, portanto, de se
própria dos fenômenos políticos, que os preocupar. À medida que os poderes pú-
limita à categoria dos fatos – simples es- blicos eram levados a legislar, regularmen-
puma das coisas, espuma que se pode te, subvencionar, controlar a produção, a
deixar de lado sem prejuízo –; ou bem, ao construção de moradias, a assistência so-
contrário, o político, como econômico, o cial, a saúde pública, a difusão da cultura,
social, o cultural, o religioso, acomoda-se esses setores passaram, uns após os ou-
aos métodos os mais diversos, inclusive tros, para os domínios da história política.
os mais modernos. 12 Com isso desabou a principal objeção a
esse tipo de história: como sustentar ainda que
O autor diz que não há mais espaço o político não se refere às verdadeiras realidades,
para a manutenção desse boicote aplicado à quando ele tem por objeto geri-las?14
História Política, que deve ser estudada e
adaptada aos novos métodos, como ocorre Outro aspecto de grande importância
com o social, o cultural e os demais campos. são as novas companhias com que a História
Impulsionada por esses autores, a Política passou a se relacionar e com isso
partir de década de 1970 e 1980 à História tornar possível a interdisciplinaridade. Nessa
Política ressurgiu, chamada de Nova História nova fase, a política trouxe para junto de si
Política, porém não da mesma forma como idéias da sociologia, do direito público, da
era estudada e escrita anteriormente. Volta psicologia social, da psicanálise, da lingüísti-
ao cenário com um novo figurino, no qual ca, da matemática, da informática, da carto-
os grandes heróis deixam de ser as únicas grafia, o que contribuiu - e muito - para a
estrelas e passam a dividir o palco e as res- renovação da História Política. Conforme
ponsabilidades com o contexto histórico em afirma Rémond:
que estão inseridos. Da mesma forma, passa
a exigir uma problemática na pesquisa da [...] a renovação da história política foi
História Política conforme afirma Julliard: grandemente estimulada pelo contato
“A História Política como a sociologia polí- com outras ciências sociais e pelas trocas
tica, tem [agora] a necessidade de uma pro- com outras disciplinas. É uma verdade
blemática...”.13 A partir desse momento, o geral a utilidade, para todo ramo do saber,
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A História política: considerações acerca da abordagem teórica
mória, reabriu o debate sobre o valor biografado soubesse tudo o que iria lhe a-
do método biográfico. 17 contecer. Portanto, a biografia aponta alguns
elementos da vida de um determinado ho-
Conforme Schmidt: “Esta volta da mem, jamais fala tudo sobre ele.
biografia está relacionada com a crise do
paradigma estruturalista”.18 A biografia
volta de cara nova, buscando dar uma História Política Renovada:
visão não somente da ação do indivíduo, o poder em todos os lugares.
mas também de seu engajamento na
estrutura social em que vive. Tanto as Os historiadores, já há algum tem-
biografias escritas por historiadores co- po, vêm trabalhando com conceitos dife-
mo as escritas por jornalistas, de acordo renciados de poder. Esses conceitos
com Schmidt, vêm sofrendo cada vez fogem da visão estatal, ou seja, o poder
mais a influência da Literatura, princi- exercido somente pelo Estado e seus
palmente em sua forma narrativa. Vale mecanismos de coação. Diversos autores
ressaltar que os historiadores buscam um são trazidos para o centro das discussões
grau de plausibilidade científica, enquan- historiográficas quando se aborda a pro-
to os jornalistas buscam um texto mais blemática do poder. Destacamos aqui,
leve, que interesse a todo tipo de públi- Pierre Bourdieu e Michel Foucault.
co.18 Foucault em sua obra, Microfísica do
Sabina Loriga nos lembra, entre- Poder, apresenta a nova visão de poder,
tanto que mesmo tendo sido deixado de em que este se desprende das questões
lado à figura do herói, o homem deve políticas tracidionais, ou seja, o poder
continuar sendo o centro da história – o dos grandes reis. Passando neste mo-
homem comum neste caso: mento para um domínio de classe.
[...]os homens que fazem a história, Isto me parece ser a característica das
não são mais convincentes, e talvez sociedades que se instauram no século
nem mesmo sejam mais críveis. A XIX. O poder não é substancialmente
morte do herói não eliminou contudo identificado com um indivíduo que o
a exigência de se estudar os indiví- possuiria ou que o exerceria devido a
duos. Hoje a aposta não é mais no seu nascimento; ele torna-se uma ma-
grande homem [...] e sim no homem quinaria de que ninguém é titular. Lo-
comum. Este último é o objetivo gicamente, nesta máquina ninguém
principal dos estudos sobre a cultura ocupa o mesmo lugar; alguns lugares
popular.19 são preponderantes e permitem pro-
duzir efeitos de supremacia. De modo
Essa nova biografia pode ser feita que eles podem assegurar uma domi-
com sucesso, porém é ingenuidade afirmar nação de classe, na medida em que
dissociam o poder do domínio indivi-
que uma biografia alcança todos os aspectos dual.20
da vida de um homem, é preciso que sejam
feitos recortes temporais e temáticos. Tam- Segundo as visões de poder apre-
bém não é possível que escrever a biografia sentadas por Foucault, os marxistas e os
com uma linearidade automática, como se o seguidores da “direita” baseavam todas
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A História política: considerações acerca da abordagem teórica
entre sujeitos e deles com instituições, bólico é, com efeito, esse poder invisível
oficiais ou não. o qual só pode ser exercido com a cum-
Bourdieu, em sua obra O Poder plicidade daqueles que não querem saber
Simbólico, trabalha uma forma diferente que lhe estão sujeitos ou mesmo que o
de poder, o poder exercido através da exercem.”27 O poder simbólico é cons-
simbologia sem força material, segundo truído através de um jogo de representa-
ele: ções e de simbologias, em torno de de-
terminada pessoa ou instituição. Cria-se
O poder simbólico com poder de uma aureola de poder em torno do man-
constituir o dado pela enunciação, de tenedor deste domínio. Depois de efeti-
fazer ver e fazer crer, de confirmar ou vada essa construção o poder tem a for-
de transformar a visão do mundo e,
ça da ação apenas pela coação psicológi-
deste modo, a ação sobre o mundo,
portanto o mundo; poder quase má- ca ou moral, não necessitando do uso da
gico que permite obter o equivalente força ou de outros métodos.
daquilo que é obtido pela força (física
ou econômica), graças ao efeito espe-
cífico de mobilização, só se exerce se
for reconhecido, quer dizer, ignorado Finalizando.
como arbitrário. 25
Discutir os assuntos relacionados à
E segue apontando que: História Política é entrar em um campo
de muitas dúvidas, pois apesar de exten-
Isto significa que o poder simbólico sos trabalhos relacionados a este assunto
não reside nos sistemas simbólicos
em forma de uma “illocutionary for-
há ainda muito a se pesquisar no que
ce” mas que se define numa relação tange a este campo de conhecimento.
determinada – e, por meio desta – en- Este trabalho tem a pretensão de apre-
tre os que exercem o poder e os que sentar alguns elementos que possam ser
lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é na úteis no desenvolvimento de um projeto
própria estrutura do campo em que se na área de História Política.
produz e se reproduz a crença. O que O essencial neste momento é per-
faz o poder das palavras e das pala- ceber que a história política hoje não se
vras de ordem, poder de manter a or- dedica mais aos grandes homens, aos
dem ou de a subverter, é a crença na indivíduos com influência, e nem ao
legitimidade das palavras e daquele Estado, mas abrange uma infinidade de
que as pronuncia, crença cuja produ-
ção não é da competência das pala-
setores, já que tanto o campo político
vras. 26 quanto o poder estão disseminados pela
sociedade. Nestas abordagens diferenci-
O autor deixa claro, que o poder é adas, propostas para a História Política,
uma construção simbólica, na qual há os homens comuns agem juntamente
uma relação entre quem o detêm e quem com os homens de Estado. Portanto
sofre a ação do poder, sem necessaria- para se fazer História Política é necessá-
mente ambos saberem que papel estão rio estudar não somente o Estado e seus
exercendo. Dessa forma “o poder sim- ícones, mas o povo, os homens comuns
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A História política: considerações acerca da abordagem teórica
e sua relação com a política e com o RÉMOND, René (org.). Por uma história
Estado, ou até mesmo o seu desinteresse política. Trad. Dora Rocha 2.ed. Rio de Janei-
por eles. ro: Editora FGV, 2003.
SCHMIDT, Benito Bisso. Construindo
Biografias... Historiadores e Jornalistas:
Aproximações e Afastamentos. Estudos
Históricos – Individuo, Biografia, História.
Rio de Janeiro, nº19. 1997. Disponível
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FERREIRA, Marieta de Moraes. A nova so Fundo.
1 FALCON, Francisco. História e poder. In
“velha história”: O Retorno da História
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ro-
Política. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. naldo (orgs.) Domínios da História. Rio de Janei-
5, n . 10, p. 265-271. 1992. ro: Campus, 1997. p.62.
2 Idem, p.63.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder.
3 Ibid.
3.ed. trad. Roberto Machado. Rio de
Janeiro: Graal, 1982. 4 Idem,p.65.
LORIGA, Sabina. A biografia como pro- Trad. Dora Rocha 2.ed. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2003. p.15-16 (grifo nosso).
blema. In: REVEL, Jacques. (org.) Jogos de 10 É importante entendermos, que o herói, era
Escalas: A experiência da Microanálise. Trad. construído muitas vezes pela necessidade de
Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora FGV. afirmação e manutenção dos regimes recém
1998. criados, conforme José Murilo De Carvalho:
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SEMINA - V. 5 - Nº 1 – 2007
12 Idem, p.190.
14 Idem, p.29.
15 Idem, p.443-444.
21 Idem, p.44
22 Idem, p.98
23 Idem, p.98
26 Idem, p.7-8
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