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INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
CURSO DE DOUTORADO
Rio de Janeiro
Agosto/2007
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
CURSO DE DOUTORADO
Rio de Janeiro
Agosto/2007
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / CEH/A
CDU 159.922.8
DEDICATÓRIA
Aos Adolescentes,
aqueles que buscam realização de sonhos e felicidade para que
possam ter a esperança em um mundo melhor.
AGRADECIMENTOS
Aos professores da banca examinadora, pela atenção que dedicaram ao meu trabalho.
AGRADECIMENTO ESPECIAL
Ao Prof. Dr. Helmuth Krüger pela dedicação, pela presença, pelo amor ao ensinar e
transmitir sabedoria.
Mudar a si mesmo significa renascer maior que antes, crescer além de si próprio.
Capítulo 1 – Introdução 8
1.1 – Tema 8
1.2 – Objetivos 11
1.3 – Relevância 11
1.4 – Estrutura da Tese 12
Capítulo 4 – Pesquisa 98
4.1 – Problema 98
4.2 – Conjeturas 101
4.3 – Instrumento de Medida 101
4.4 – Participantes 107
4.5 – Desenvolvimento 109
4.6 – Análise dos Dados 112
Apêndices
8
CAPÍTULO 1
Introdução
1.1 Tema
O tema desta tese é o sentido de vida na adolescência. Neste âmbito, foi conduzida
uma pesquisa empírica, da qual participaram adolescentes matriculados em escolas públicas e
particulares, leigas e confessionais, todas elas do Ensino Médio, localizadas no município de
Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro.
A Psicologia Social contemporânea tem direcionado parte de seus estudos para a
questão da violência urbana, de condutas agressivas de adolescentes, processos de socialização,
crenças e valores. A socialização determina a organização de crenças e valores, que são
assimilados pelas pessoas, influenciando seus processos cognitivos, afetividade e sentido de
vida. Desta forma, condutas e comportamentos de adolescentes decorrem não só do tipo de
personalidade de cada um, como também, do sentido que dão às suas vidas no contexto
histórico e sociocultural em que estão a viver, devendo-se levar em conta que em nosso tempo
as sociedades experimentam grande insegurança, instabilidade e incertezas com relação ao
futuro, além de falta de nitidez com relação aos valores socialmente compartilhados. Este
trabalho está voltado para questões desta natureza, objeto de preocupações cotidianas de muitas
pessoas, que sentem alguma incerteza quanto ao valor ou sentido da sua própria existência. De
fato, há elementos de informação suficientes para se reconhecer que na atualidade há muita
carência de reflexão acerca de valores.
O assunto em pauta, considerado empiricamente, se insere nos estudos de
Psicologia Social relativos a crenças, sistemas de crenças e valores, pois o sentido de vida, sob
a perspectiva da cognição social, pode ser entendido como sistema de crenças que a pessoa
9
pode formular sobre a sua posição na sociedade e no mundo, sobre o seu valor pessoal e o que
ela pode fazer do seu existir. Portanto, crença passa a ser considerada idéia fundamental a
adotar na pesquisa dos conteúdos de pensamento, sendo essenciais não apenas na pesquisa da
elaboração pessoal do sentido de vida, mas na investigação de processos cognitivos, afetivos,
decisórios e comportamentais. Cabendo desde logo acrescentar que crenças também
influenciam condutas, definidas como ações sociais, dotadas de significado, como é o caso das
relacionadas ao sentido de vida.
A questão que está em foco é a da consciência moral, numa sociedade marcada por
uma crise caracterizada pelo individualismo, relativismo, grande apreço aos bens materiais,
relações interpessoais superficiais, sem profundidade, intensa e desordenada estimulação,
oriunda dos meios de comunicação e restrito poder crítico para selecioná-los,
irresponsabilidade e banalização da vida e até mesmo da morte. Como falar de consciência
moral num contexto tão adverso, como esperar um sentido para a vida que humanize o
Homem?
Estas questões tão significativas fazem parte da experiência humana, requerendo
muitos e diferentes estudos e pesquisas. No caso desta tese, pretendeu-se, através de
investigação empírica, relacionar adolescência e sentido de vida, supondo que a socialização
pode, dependendo da forma como for conduzida ou vivenciada, proporcionar ou não condições
suficientes para a elaboração do sentido de vida. No dizer de Viktor Frankl (2001a),
11
Não se deveria procurar um sentido abstrato da vida.|Cada qual tem sua própria
vocação ou missão específica na vida; cada um precisa executar uma tarefa concreta,
que está a exigir realização. Nisto a pessoa não pode ser substituída, nem pode sua
vida ser repetida. Assim, a tarefa de cada um é tão singular como a sua oportunidade
específica de levá-la a cabo. (p.98).
1.2 Objetivos
O interesse por este tema está baseado em observações cotidianas da autora, feitas
ao longo de sua experiência profissional em Psicologia Clínica, no exercício do magistério
superior, em depoimentos cotidianos, veiculados pela mídia ou não, que permitem entrever o
aumento da violência urbana, a falta de amor à vida e a sua banalização, os comportamentos
socialmente descomprometidos de pessoas, a falta de motivação pela vida, a depressão e a
desesperança em face do futuro, motivando o estudo do tema sentido de vida e sua relação com
motivações pessoais, sociais, comportamentos e condutas de adolescentes, de modo individual
ou coletivo.
Foi realizada uma pesquisa de campo, a partir de uma única medida do Logo-Teste
elaborado por Elizabeth Lukas (1996), aplicado a 230 adolescentes, sendo 91 do sexo
masculino e 139 do sexo feminino, na faixa etária de 16 a 18 anos, alunos de duas escolas
privadas confessionais, duas escolas privadas leigas, duas escolas públicas, uma municipal e
outra estadual.
1.3 Relevância
O adolescente é sujeito desta realidade, como todos nós, porém com a diferença
que ainda não está consolidando seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e, porque não dizer,
físico também, não dispondo, portanto, de condições claras para estabelecer juízos de valor e
lidar com seus sentimentos e emoções em relação à realidade da qual faz parte, carecendo de
valores e critérios sólidos, frutos da socialização e principalmente da educação, que possam
garantir-lhe melhor condição de realizar escolhas para encontrar sentidos de vida e tornar-se
pessoa.
13
O adolescente é percebido como sendo pessoa, cuja identidade encontra-se em
formação, mas que, desde logo, deve aparentar segurança e revelar coragem frente ao
desconhecido, capaz de experimentar paixões, quase mortais, pelas alternativas que a vida lhe
oferece, porém, desconhecedor do amor equilibrado que lhe permitiria construir, realizar,
viver. É preciso, conforme Erikson observou, conceder moratória à adolescência para que o
adolescente possa experimentar oportunidades de se desenvolver e amadurecer como tal, em
direção à vida adulta, desejando-a, mas protegido e respeitado como pessoa e não como sujeito
de uma época. Nesta visão, cabe às gerações mais velhas assumirem a sua responsabilidade
nesse processo, evitando enaltecer a juventude como idade demasiadamente desejável, tão
desejável, que se imaginaria ser condição ideal, porém irrealizável, mantê-la eternamente. A
crise de identidade, experimentada pelo adolescente, é uma crise vital que deve ser
compreendida e não ignorada ou criticada, como ocorre comumente em nossa sociedade, que
cultua a juventude, prolonga artificialmente seu tempo de existência cada vez mais, porém
desconhece na intimidade as razões que levam o adolescente ou o jovem a adotar
comportamentos considerados inadequados, segundo a ótica do mundo adulto.
O segundo capítulo desta tese aponta questões relativas ao desenvolvimento do ser
humano na atualidade, tendo sido reunidos, sob este ponto de vista, alguns estudos capazes de
contribuir para ampliar a compreensão desta fase evolutiva que, teoricamente, costuma ser
demarcada como uma fase de curta duração no desenvolvimento humano, mas que, em nossos
tempos, tende a se prolongar, sob a alegação da necessidade de melhor preparar o adolescente
para a entrada no mundo adulto. A questão que fica é, de que preparo se está falando, se o
próprio Homem contemporâneo sente-se solitário, tem dúvidas profundas acerca da razão de
seu viver, já que no mundo atual, conforme Giddens (1991, p. 95-102), experimentamos
incertezas com relação ao que denominou segurança ontológica, ou seja, “crença que a maioria
dos seres humanos têm na continuidade de sua auto-identidade e na constância dos ambientes
da ação social e material circundantes”. (op. cit., p. 95). Disto resulta uma dificuldade de “ser-
no-mundo”, decorrente da falta de sentido de vida, conforme Frankl, uma vez que o
desenvolvimento experimentado pelo adolescente contemporâneo, assim como pela criança,
em geral, não vem favorecendo a formação da “confiança básica”, segundo Erikson (apud,
GIDDENS, op. cit., p. 97), fator indispensável ao “reconhecimento da identidade clara de
objetos e pessoas”. (GIDDENS, op. cit., p.102).
Estas questões ensejam o terceiro capítulo desta tese, Viktor Frankl e o Sentido de
Vida, no qual são discutidas questões fundamentais da Logoterapia, particularmente o conceito
de sentido de vida. Tais questões são significativas na fundamentação dos argumentos acerca
14
do problema central desta tese. Para Frankl, toda a vida se orienta para a busca de sentido, que
deve ser entendido como ações humanas direcionadas pelos ideais superiores ou valores éticos,
determinadas pela dimensão espiritual do Homem. Trata-se da capacidade humana de
autoderminar-se, de decidir, de fazer escolhas entre quais as ações que devem ser selecionadas
para serem realizadas, frente às várias opções que lhes são apresentadas. A contribuição de
Frankl para a Psicologia contemporânea, a nosso ver, é de grande significado, uma vez que
reúne conceitos e hipóteses de importância teórica e prática na Psicologia da Pessoa. Nesta
Psicologia, o Homem é dotado de liberdade responsável, de autonomia decisória independente
de circunstâncias externas que possam interferir em sua autonomia. Trata-se de um Homem
que determina o rumo de sua vida, a partir do momento em que encontra sentido para viver.
A falta de sentido, pode provocar o vazio e a frustração existencial, podendo
desencadear a neurose noogênica que seria um estado de enfermidade da dimensão psicológica
e existencial do ser humano e deveria ser tratada mediante técnicas da Logoterapia, com o
objetivo de criar condições ao paciente de reencontrar o sentido para o seu viver e quando esta
possibilidade parecesse intransponível, autotranscender o sofrimento em busca de sentido, na
tentativa de atribuir um significado diferente à experiência da dor.
No terceiro capítulo, põem-se em discussão questões relativas ao sentido de vida e
esperança, entendendo-as como conseqüência da vida direcionada por uma visão ética,
segundo a interpretação de Frankl. Somente com a consciência voltada intencionalmente para
metas, ideais ou utopias, podem-se ter condutas esperançosas frente à vida, incluindo
naturalmente a dimensão de futuro, como um tempo que pertence à existência humana. Numa
cultura caracterizada pelo homo faber, essa realidade parece inatingínvel pelo Homem, se não
estiver integrada à dimensão espiritual do homo patiens que busca a plenitude do ser, mesmo
frente ao sofrimento e desespero, pois acredita em sua capacidade de transcender, transitando
do sentido ao suprasentido.
Frankl fortalece assim a humanidade do Homem, libertando-o do determinismo
instintivo ou sociocultural que, muitas vezes, são eleitos para explicar condutas ou
comportamentos de pessoas, particularmente de adolescentes e jovens, ignorando o seu
potencial de liberdade subjetiva e autodeterminação e, conseqüentemente, de responsabilidade
pessoal.
O sentido de vida não é equivalente à felicidade, mas é condição para que ela
ocorra, pois o vazio existencial impede o Homem de assumir-se humano, coloca-o na condição
de robô e o submete a condições limitadoras de sua própria existência. Para Storck e
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Echevarria (2005, p. 236) “a felicidade se alcança na medida em que, o término da tarefa a que
nos tínhamos proposto, continua na região de tempo que vem depois”.
Por questões estruturais de organização da tese, descrevemos e discutimos o
problema e as conjeturas que nortearam a investigação empírica no quarto capítulo, em que
também são analisados o Logo-Teste, que foi o instrumento de medida utilizado, é apresentada
a descrição dos participantes, o desenvolvimento da pesquisa e a análise de dados.
As conclusões ficaram para o quinto capítulo.
16
CAPÍTULO 2
A Adolescência na Atualidade
(...) todas as tradições têm um conteúdo normativo ou moral que lhes proporciona
um caráter de vinculação. Sua natureza moral está intimamente relacionada aos
processos interpretativos por meio dos quais o passado e o presente estão
conectados. A tradição representa não apenas o que é feito em uma sociedade, mas
o que ‘deve ser’ feito. (p. 84).
Ainda para o autor (op. cit., p. 14), aos 14 anos, o jovem da Roma antiga recebia
a toga que era considerada privilégio dos adultos e, na Idade Média, também aos 14 anos, o
jovem tornava-se cavaleiro, e aos reis era conferida a maioridade. A análise à luz da História
nos permite conhecer o contexto social gerador das normas de conduta e comportamentos, o
que nos conduz a Erikson, segundo a interpretação de Sprinthall e Collins, op cit. 2003:
O aspecto genial de Erikson consiste na sua capacidade para perceber a relação
tríplice entre indivíduo, o ambiente imediato e as influências históricas. Nesta
perspectiva, cada ser humano é, parcialmente, modelado pelos acontecimentos
ambientais e históricos, porém, por seu turno, ele também modela o ambiente e
consegue alterar o curso da história (p. 194).
Max Scheller, refletindo sobre valores, destaca a essência dos mesmos, em que
se constituem e como se pode classificá-los, adotando uma abordagem eminentemente
filosófica. Para ele, os valores constituem entidades que resultam da intencionalidade das
pessoas, não necessariamente de caráter lógico, mas de um tipo sentimental. Leiamos
Scheller (op. cit.):
el asiento propio de todo a priori estimativo (y concretamente del moral) es el
conocimiento del valor, la intuición del valor que se cimenta en el percibir
sentimental, preferir y, en último término, en el amar y el odiar, así como la
intuición de las conexiones que existen entre los valores, entre su ser ‘altos’ y
‘bajos’, es decir, el conocimiento moral. Este conocimiento se efectúa, pues,
mediante funciones y actos específicos que son todos ellos distintos del percibir y
pensar, y que constituyen el único acceso posible al mundo de los valores. Los
valores y sus jerarquías no si manifiestan a través de la percepción interior o la
observación (en la cual es dado únicamente lo psíquico), sino en un intercambio
vivo y sentimental con el universo (bien sea éste psíquico o físico o cualquier
otro), en el amar y odiar mismos, es decir, en la trayectoria de la ejecución de
aquellos actos intencionales. Y el contenido apriórico reside en lo que de este modo
es dado. Un espíritu que tuviera limitado su horizonte a la percepción y al pensar,
sería enteramente ciego al valor, por muy capaz que fuera de ‘percepción íntima’,
es decir, de percibir lo psíquico. (p. 106-107).
47
A contribuição filosófica de Scheler (op. cit.) se refere à dimensão psíquica como
uma dimensão específica na abordagem ontológica do homem, direcionando suas reflexões
para o enfoque filosófico dos valores, permitindo classificá-los em duas grandes categorias
“superiores” e “inferiores”, a partir de uma escala hierárquica que se divide em quatro
instâncias:
1)valores técnicos para producción de cosas agradables y se reúnen en el concepto
de lo ‘útil’ (‘valores de civilización’); en parte sirven al goce de tales cosas y
llaman valores de lujo. (p. 129) [...] ; 2) valores vitais que se situam na esfera do
bem-estar (op. cit., p. 153). [...] ; 3) valores espirituais (op. cit., p. 154), que se
referem ao conhecimento, à arte, à justiça, ao Direito, são chamados “valores da
cultura”e [...] 4) valores “de lo santo y lo profano”(op. cit., p. 155),que
correspondem à fé, incredulidade, veneração, adoração e outras atitudes análogas.
(p. 129).
Outro aspecto, evidenciado por esses autores (op. cit. p. 201) relaciona-se à
percepção de incoerência e até mesmo de contradição que o jovem pode ter do
comportamento moral dos adultos, reforçado pelo relativismo, fazendo com que
comportamentos de adultos se apresentem de modo bastante diferente do estabelecido pelas
normas oficiais e pelos valores que a sociedade estabelece, permitindo que o certo e o errado
oscilem freqüentemente em função das circunstâncias momentâneas. Estas questões nos
direcionam para a responsabilidade dos processos educativos como alternativa para
minimizar ou, quem sabe, modificar, este estilo de desenvolvimento da moralidade, que
caminha para o distanciamento da ética, colocando a razão utilitariamente a serviço do
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individualismo e relativismo, desconsiderando a existência de uma estrutura exterior
objetiva, em que estamos contextualizados e que nos permite o desenvolvimento como
pessoas.
Klosinski (2006) também defende a idéia do longo período de formação que
compreende a adolescência nas sociedades contemporâneas, principalmente nos países
industrializados, caracterizando-a como um “estado de espera” para se tornar adulto (p. 45),
contrariando justamente uma época em que existe um grande desejo e motivação para a
realização, para ocupação de um espaço reconhecido na sociedade, de vivência de papéis
sociais e amadurecimento da identidade pessoal. Em países em desenvolvimento, o jovem
assume mais rapidamente a possibilidade de participar de todos os papéis sociais vivenciados
por um adulto, talvez porque as condições sócio-econômicas assim o exijam. No Brasil, em
virtude das políticas econômicas, educacionais e sociais, podemos perceber nas cidades, a
corrida dos jovens às universidades, como que buscando um passaporte para sua
profissionalização e, conseqüentemente, inserção no mercado de trabalho adulto, o que
descaracteriza muitas vezes a importância e o valor da profissão técnica ou de ocupações que
deveriam e poderiam também inserir este jovem numa atividade profissional remunerada,
favorecendo seu amadurecimento, seu engajamento participativo na sociedade - condições
essenciais para aprender a liberdade responsável e adquirir autonomia. O que vemos, no
entanto, é um apelo generalizado para a busca do ensino superior, que acaba se
transformando em ensino profissionalizante prioritariamente, fazendo das universidades
escolas formadoras de profissionais, onde o compromisso com a transmissão do
conhecimento e o desenvolvimento do espírito crítico ficam em segundo plano,
comparativamente ao compromisso de profissionalizar.
Almeida (2003, p. 18) também aborda a questão do descompasso entre a
puberdade e a adolescência em muitas sociedades, onde os jovens, em virtude da melhoria
das condições de vida, relativa à nutrição das populações, costumam chegar à puberdade
mais cedo. Entretanto, vivenciam a adolescência e a juventude de modo prolongado devido a
exigências de formação mais especializada para o ingresso na vida adulta. Neste contexto,
onde os fatores econômicos e sociais são decisivos para a mobilidade do adolescente de um
ciclo a outro, o dinheiro assume uma função muito dimensionada de modo que, de um lado,
os adolescentes constituem um mercado com grande poder de compra e, portanto, uma
grande força econômica e, de outro, o dinheiro funciona como referência para muitas
interações não só materiais mas, principalmente, psicológicas e até mesmo existenciais -
busca de felicidade. Neste sentido, como ocorre em outras faixas etárias, “os jovens tornam-
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se, assim, objetos de consumo que consomem” (ALMEIDA, op. cit., p. 18) e um mercado
sofisticado coloca-se à disposição para vender alegrias, companhias, afetos, poder, prestígio,
identidade e até mesmo um sentido para a vida. Neste aspecto, objetos ou tipos de lazer que
podem ser comprados passam a ser supervalorizados, pois assumem o lugar de sentido de
vida e desta forma tornam-se preponderantes sobre outros valores ou necessidades cotidianas.
É o caso da música (que em si é um valor estético), as roupas, os tipos de lazer e outros
símbolos que a técnica de marketing se encarrega de transformar em necessidades de
consumo e de fidelidade. Almeida (op. cit., p. 19-20) faz referência a um episódio ocorrido
nos primeiros dias do ano de 1985, quando “um jovem brasileiro da cidade de São Paulo
matou os seus pais e três irmãos com tiros e navalhadas para “dar uma lição à mãe”, que
tinha ralhado com ele por ouvir música com o som no máximo.
O exemplo nos permite direcionar a análise para diferentes aspectos, dentre eles,
a escala de valores, a sanidade psíquica, a desestruturação familiar, a educação etc., mas,
neste caso, interessa-nos o deslocamento do significado dado à música, que seguramente
estaria ocupando um papel na vida deste jovem, não talvez como valor estético ou como
sentido para a vida no que diz respeito à dedicação à formação musical e desenvolvimento de
talentos, mas como objeto mediador de dificuldades internas no plano psicológico e
existencial. Outro aspecto, tratado por Almeida (op. cit., p. 21), diz respeito aos estilos de
relacionamento identificados pelo binômio facilidade-intensidade que se caracterizam pela
facilidade com que os jovens iniciam seus relacionamentos afetivos, porém vazios de
intensidade, o que lhes permitiria prolongar a relação mas, em muitos casos, parece não
haver esta intenção, pois relacionamentos prolongados implicam em comprometimento e
demandam uma estrutura emocional mais madura, amparada em valores sólidos e isso ainda
não costuma ser possível na adolescência e não se conta com um ambiente externo
favorecedor desta conquista. Razões econômicas, segundo Almeida (op. cit., p.5),
concorreram para estas modificações nas estruturas do relacionamento familiar e social dos
adolescentes, identificadas na passagem do estilo agrário das sociedades para o estilo
industrial, que levou as famílias a saírem de um modelo numeroso, sedentário e comunitário
para um modelo nuclear, instável e móvel, o que se relaciona às idéias de Bauman (op. cit.),
sobre comunidade, já que o mundo contemporâneo favoreceu que as grandes cidades e suas
periferias se transformassem em lugares despersonalizados, onde jovens, que antes
pertenciam a uma estrutura familiar rural, migrassem para zonas suburbanas, carecendo de
identidade pessoal e social. Nas palavras de Almeida (op. cit.),
A família industrial deixou de integrar os jovens longitudinalmente com as outras
gerações, e passou a um processo de massificação horizontal, do que resultou para a
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juventude uma consciência coletiva independente da das outras gerações, com as
suas regras e a sua força própria. (p. 5).
Lepoutre (apud MORIN, 2005, p. 447) analisa a cultura adolescente de rua nos
grandes conjuntos habitacionais suburbanos da França e caracteriza a imagem da juventude
que reside nestes bairros como sendo percebida “na maioria das vezes como pobre,
desocupada, vítima do fracasso na escola, desempregada, violenta e delinqüente, às vezes
drogada e até criminosa ou revoltada, cheia de ódio e tendendo à sublevação...”, percepção
esta que é fruto de uma análise exterior e distanciada. Neste sentido, seu ponto de vista vai ao
encontro de Pedrazzini (op. cit., 2006, p. 150-152), quando defende a idéia de que é
necessária uma etnografia do pesquisador para que possa buscar um outro referencial de
análise que, seguramente, seria diferente da visão global da sociedade. Para Lepoutre (op.
cit., 449-450), a análise da linguagem destes contextos revela uma forma de jogo ou
combate, onde insultos ou, mais precisamente besteiras, dão o tom no jogo das palavras,
que funcionam como armas ou instrumentos a serviço de manipulação do outro, favorecendo
o conflito ou até mesmo a violência como forma de vingança aos insultos daí provenientes.
Esta constatação nos permite estabelecer relações destes comportamentos de jovens
franceses, com os jovens brasileiros da periferia, como a mídia assim os refere, no que diz
respeito ao estilo e ao uso da linguagem.
Para analisar a adolescência na sociedade brasileira contemporânea, adotando
uma posição mais local, tomaremos como base as investigações empíricas realizadas por
Almeida e Tracy (2003), Chaves (1997) e Coelho (2002). Almeida e Tracy (2003)
realizaram estudos com grupos de jovens de classe média do Rio de Janeiro, no que diz
respeito ao lazer noturno e de suas investigações, podemos verificar muitos pontos comuns
com o comportamento de jovens de outras cidades contemporâneas, a despeito das diferenças
culturais. Uma das principais características consideradas foi o comportamento nômade
apresentado por estes jovens, ao longo da realização de programas de lazer noturnos que,
segundo Bauman (apud ALMEIDA e TRACY, 2003), é entendido como
‘retomada do nomadismo’. Isto significa que não há mais ‘fronteiras naturais’ nem
lugares óbvios a ocupar. Onde quer que estejamos em determinado momento, não
podemos ignorar que poderíamos estar em outra parte, de modo que há cada vez
menos razão para ficar em algum lugar específico. (P. 17).
Na night, a respeito do valor do corpo, além de ser seu cartão de visitas, ele é o seu
tudo. Porque ninguém tá indo pra te conhecer. É o shape, cara. Você vai aumentar
suas chances tremendamente de pegar mulher com um shape muito melhor que um
magrelo, saqualé? Mas também rola do magrela com o maior desenrolo do mundo,
vai lá e rateia tua mulher [risos]. Já vi isso várias vezes. Magrela acaba pegando a
mulher gata, que o todo bombado tomou toco, só porque este não chegou puxando,
agarrando, não sei o quê. (p. 82)
O sentido de vida é tema que tem sido estudado por filósofos, teólogos,
religiosos, poetas e psicólogos, dentre outros, constituindo assunto de interesse das pessoas
de um modo geral, pois é como se o próprio termo em si já trouxesse uma familiaridade de
entendimento, mesmo para as pessoas leigas, já que, de fato, refere-se ao que de mais íntimo
e profundo lhes diz respeito: a razão do seu viver, aquilo que dá significado à sua vida.
No âmbito da Filosofia as reflexões dividem-se entre os pessimistas e os
otimistas. A posição pessimista reduz o Homem à idéia de coisa, de objeto, de vazio, do
nada, pois pressupõe a vida como uma farsa, como uma eterna representação, onde o
Homem, de modo mais consciente ou menos consciente, ao deparar-se com sua limitação,
sua reduzida importância e sua conseqüente participação insignificante no âmbito maior do
universo, experimenta a angústia e o desespero ou a irresponsabilidade e a ironia diante da
vida. A razão sucumbe à falta de lógica e a dignidade humana perde seu sentido e sua força
diferenciadora, entre o Homem e os demais seres vivos, levando a que o Homem e o mundo
caminhem na direção do caos. Tudo é possível, nada vale a pena, tudo é relativo, pois, nesse
caso somente, o Homem é a única referência para si mesmo, a única e última medida de
todas as coisas e ao olhar a sua volta percebe-se só, vazio, restando como única companhia a
morte.
As reflexões filosóficas sobre o sentido de vida pressupõem a necessidade de
considerarmos a questão da natureza humana, pois à luz de estudos científicos
contemporâneos, esta não é uma posição pacífica de entendimento. O desenvolvimento da
Primatologia, Paleontologia, Inteligência Artificial, bem como da Genética e das concepções
evolucionistas atualizadas, produzem, inevitavelmente, contínuas revisões de crenças e
teorias acerca da natureza humana. Portanto, o estatuto tradicional relativo à humanidade tem
sido objeto de reflexão e de mudança tanto em razão de argumentos filosóficos e religiosos
quanto devido a teorias científicas, as quais, observando o padrão que lhes é próprio,
ressaltam a dimensão objetiva da natureza humana, negligenciando a possível transcendência
de sua dimensão subjetiva. Nesta linha de análise, insere-se a obra de Fernández-Armesto
(2007), onde são encontrados argumentos e descrições de nossa natureza e condição,
admitidas e influentes em distintas culturas e épocas. O autor põe em questão a necessidade
de se repensar o conceito de natureza humana e de humanidade, argumentando que as
fronteiras, com base nas características que foram estabelecidas para designar os humanos,
68
quando aplicadas a outras espécies animais (para não se falar em seres vivos) são tênues, pois
nem as características físicas, nem as mentais e até mesmos as sociais são convincentes, para
diferenciar o Homem dos animais. Defende as posições de Swift (apud FERNÁNDEZ-
ARMESTO, 2007, p. 92), de que “o humano é o que o homem faz”, de Peter Singer (apud
FERNÁNDEZ-ARMESTO, 2007, p. 11), que “denuncia o ‘especiesismo’ dos humanos e
prega a ‘igualdade além da humanidade’”. Admite a necessidade inevitável de repensarmos o
que é humano, pois para ele “talvez fosse útil descartar ou pôr de lado o problema de definir
a natureza do ser humano e voltar-se, em vez disso, para o de ‘ser humano’: definir a
humanidade em termos de cultura humana, e não de natureza humana”. (FERNÁNDEZ-
ARMESTO, 2007, p. 93). Esta questão não constitui o ponto central desta tese, porém
convém considerá-la, pois não estamos diante de uma reflexão de fácil aceitação.
Dentre os que adotam posição pessimista frente à vida, encontramos vários
filósofos modernos e contemporâneos, dentre os quais, segundo Edwards (1972, p. 467-
470), podemos citar Schopenhauer, Darow e Tolstoi. Schopenhauer (op. cit., p. 467) declara
que o mundo não devia existir e que na verdade não teríamos nada para nos regozijamos e
sim para nos lamentarmos. Admite que a não existência seria preferível, já que a maior parte
das pessoas na humanidade não é feliz, pois tende a falhar no alcance de seus planos, fica
desapontada com as metas que traçou e por não conseguir se realizar, tende a traçar outras
metas secundárias para manter a ilusão a respeito desta possibilidade.
Entendemos que a posição de Schopenhauer, embora admita alguma
possibilidade de realização humana, vê na infelicidade uma ameaça à vida, aos seus planos, e
o Homem, apesar de inteligente e criativo, não transcende à morte e, por isso, aborta a vida,
quando poderia vivê-la, abrindo mão do controle do futuro. Nesse caso, a visão de mundo e
de Homem, admitida por Schopenhauer, é de um ser em constante movimento que não se
deixa enraizar no mundo e na vida, que se frustra frente à constatação de sua imperfeição e
por isso sofre, não conseguindo ser feliz. A idéia de aperfeiçoamento e aprimoramento do
Homem não parece condizente com essa posição existencial, impedindo-o de se realizar, de
ter esperança e ser feliz, pelas conquistas que possa vir a fazer em busca de seu
desenvolvimento.
Outro filósofo do grupo dos pessimistas é Darrow que, segundo Edwards (op.
cit., p. 468), concebe a vida como um navio sem rumo, desorientado, sem leme nem bússola,
nem comandante, simplesmente, flutuando por um tempo, perdido nas ondas. Para ele, a
morte é o maior sinalizador da falta de sentido para a vida , tornando-se pior se a pessoa é
presa às coisas do mundo. Conclui-se que a posição de Darrow supõe a vida uma
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experiência desordenada, sendo a única certeza a da morte, que poderia pôr fim ao caos, mas
que, no entanto, acabaria com o próprio Homem. Neste sentido, resta ao Homem
experimentar de maneira sofrida a sua própria limitação, a natureza precária, frágil e
contingente de seu existir.
Tolstoi, tal como Darrow (apud Edwards, op. cit, p. 469- 470), preocupava-se
com as questões relativas à sua própria morte e a dos seres humanos de modo geral. Em face
da natureza transitória de todas as realizações humanas, questionava a validade da vida,
frente à morte. Para este escritor russo, a vida é uma estupidez que não possui nenhum
significado razoável e o ser humano teria quatro alternativas para enfrentar esta experiência:
uma delas é a da ignorância; a segunda é a busca do prazer, quando estiver a seu alcance
conseguí-lo; a terceira é o suicídio; e a quarta é a fraqueza, condição em que a pessoa, diante
da verdade terrível que a vida lhe apresenta, numa luta constante, tentando evitar a morte,
sente-se fraca para agir racionalmente. Para Tolstoi, segundo Edwards (op.cit., p. 470) a vida
valeria a pena se fosse seguida da felicidade eterna, porém permanece a angústia em face da
dúvida relativa à existência de uma vida posterior à morte.
Tem-se aqui a consciência da inexorabilidade do tempo em nossa vida, pois
como seres conscientes de nossa precária e fugaz posição no tempo e no cosmos,
manifestamos temor em face do desconhecido e do inexplicável; desconhecemos a razão do
nosso existir e não sabemos a que estamos destinados. Afinal, para que existimos se teremos
de morrer? Há respostas diversas para estas questões, principalmente religiosas, mas sua
aceitação, de modo geral, requer mais do que a razão. De resto, a ciência não pode responder
por questões de valor e de sentido de vida.
Outros filósofos também adotaram posições pessimistas frente à vida e ao
sentido que a ela se poderia atribuir, como Thomas Nagel (2001), que se angustia com a
finitude humana e o esvaziamento de sentido que daí decorre. Para Nagel, as reflexões sobre
o sentido de vida podem ser feitas a partir de uma posição mais ampla, como experiência
ontológica, ou como experiência mais subjetiva. “Se você pensar no todo, parece não haver
nenhum sentido nele. Vendo-o de fora, não faria diferença se você nunca tivesse existido. E,
depois que deixar de existir, não fará diferença, que tenha existido.” (op. cit. p. 102). Admite,
no entanto, que existem algumas atitudes que podem dar um significado maior à vida e
dependem, a nosso ver, dos valores que conduzem o Homem a ideais superiores, como é o
caso de Frankl (2001a). Frankl (op. cit.) refere os seguintes ideais: aderir a uma causa que
mude o mundo para melhor, supondo um futuro mais promissor às gerações futuras (que
poderia ser através da adesão a alguma utopia defensável); fazer algo para garantir uma vida
70
de qualidade aos filhos e descendentes; ou admitir uma dimensão de religiosidade, que nos
conecte a Deus, admitindo que nossa vida neste mundo visa a um preparo para transcendê-la
e encontrar a Deus na eternidade. Nagel (op. cit., p. 105), por sua vez, admite que, mesmo
considerando a idéia de Deus como “algo que pode explicar tudo, sem precisar ele próprio de
explicação”, permanece a dúvida sobre se tudo isso é verdade e se é inteligível essa
explicação. Os teólogos direcionariam essas dúvidas para a questão da fé, que segundo a
doutrina católica não é apartada da razão. O documento pontifício de autoria do Papa João
Paulo II - Carta Encíclica Fides et Ratio - escrita aos Bispos da Igreja Católica sobre as
relações entre fé e razão no ano de 1998, explica que não há porque separar a fé da razão,
fato decorrente dos sistemas de pensamento filosófico da era moderna. Segundo o Sumo
Pontífice (op. cit., 1998, p. 64-65), o pensamento excessivamente racionalista do mundo
moderno, com o advento das universidades e o apogeu do desenvolvimento científico,
influenciou de maneira decisiva a Teologia e a Filosofia, que passaram a se constituir de
maneira “absolutamente autônoma dos conteúdos da fé” (op. cit., 1998, p. 64). O mesmo se
deu no plano do conhecimento científico, fortemente influenciado pelo pensamento
positivista, que desencadeou o
Afastamento de toda a referência à visão cristã do mundo, mas sobretudo deixou
cair qualquer alusão à visão metafísica e moral. Por causa disso, certos cientistas,
privados de qualquer referimento ético, correm o risco de não manter, ao centro do
seu interesse, a pessoa e a globalidade de sua vida. (op. cit. 1998, p. 65)
Segundo João Paulo II (op. cit., p. 65-66), a crise do pensamento racionalista deu
origem ao niilismo ou filosofia do nada. Nessa perspectiva, a angústia frente ao efêmero
resulta numa percepção de que tudo é transitório e fugaz e onde a contemplação da verdade e
a busca do fim último e do sentido de vida, que sempre foi preocupação da Filosofia, deu
lugar a fins utilitaristas, de prazer e de poder no pensamento contemporâneo. Isso, segundo o
Papa João Paulo II (op. cit., p. 66-67) faz com que o Homem de hoje pareça
Estar sempre ameaçado por aquilo mesmo que produz, ou seja, pelo resultado do
trabalho de suas mãos e, mais ainda, pelo resultado do trabalho de sua inteligência e
das tendências de sua vontade. Os frutos dessa multiforme atividade do homem,
com grande rapidez e de modo muitas vezes imprevisível, passam a ser não tanto
objeto de ‘alienação’, no sentido de que são simplesmente tirados àqueles que os
produzem, como sobretudo, pelo menos parcialmente, num círculo conseqüente e
indireto dos seus efeitos, tais frutos voltam-se contra o próprio homem. Eles são de
fato dirigidos, ou podem sê-lo, contra o homem. Nisso parece consistir o ato
principal do drama da existência humana contemporânea, na sua dimensão mais
ampla e universal. Assim, o homem vive mergulhado cada vez mais no medo.
Teme que os seus produtos, naturalmente não todos nem a maior parte, mas alguns
e precisamente aqueles que encerram uma especial porção de sua genialidade e da
sua iniciativa, possam ser voltados de maneira radical contra si mesmo. (Encíclica
Redemptor hominis, p. 15; AAS 71, p. 286).
71
Para o pensamento católico, fé e razão, apesar das reflexões feitas acima sobre
características do pensamento filosófico contemporâneo, não precisam caminhar separadas,
pois a Filosofia e a Teologia podem zelar pela manutenção da razão como vínculo entre estes
dois discursos. Segundo o Papa João Paulo II (op. cit., 1998, p.51), “um dos maiores
cuidados que tiveram os filósofos do pensamento clássico foi purificar de formas mitológicas
a concepção que os homens tinham de Deus”. No entanto, é necessário, para compreender o
pensamento católico, que o intelecto admita que o desejo de verdade não pode esgotar o
entendimento total das coisas e do ser, logo “a razão é capaz de descobrir onde está o termo
do seu caminho” (op. cit., p. 59), sem que isso desencadeie um rompimento entre fé e razão.
Por fim, Santo Tomás, segundo o Papa João Paulo II (op. cit., 1998, p. 63), fala de duas
formas de sabedoria: a filosófica, que se baseia no intelecto e a teológica, que se fundamenta
na Revelação. Para o Papa João Paulo II (op. cit.):
A razão privada do contributo da Revelação, percorreu sendas marginais com o
risco de perder de vista sua meta final. A fé, privada da razão, pôs em maior
evidência o sentimento e a experiência, correndo o risco de deixar de ser uma
proposta universal. (p. 68).
Dalai Lama (op. cit., p.27-28) também acredita que o sentido de vida está
relacionado à determinação de busca dos ideais superiores e que todos os problemas
72
contemporâneos esbarram na falta da dimensão ética e de apreço à religiosidade e à dimensão
espiritual do Homem, que ele denominou dimensão interior. Entendemos, correlacionando as
contribuições teóricas apresentadas, que a excessiva valorização das coisas materiais e as
dificuldades em lidar com a afetividade pelo forte apreço à racionalidade, dificultam a
obtenção da dimensão interior, o que impede o Homem de entrar em contato consigo mesmo,
tornando-o uma companhia estranha a si próprio, podendo então experimentar o vazio
interior. Por sentir-se vazio, o tempo e o espaço são entendidos abstratamente, deixam de ser
sentidos.
Os filósofos classificados como otimistas, de um modo geral, atribuem aos
valores de inspiração ética as razões para valorização da vida e de seu sentido. Eles admitem
a existência de uma força superior, divina, e de uma outra vida, que possa dar ao ser humano
a dimensão da transcendência e do sentido para o viver. Segundo Fackenheim (apud
Edwards, op.cit. p., 472) “whatever meaning life acquires, it derives from the encounter
between God and man”; Baier (apud Edwards, op. cit., p. 472) “the Christian view
guarantees a meaning (in one sense) to every life, the scientific view [ what we have simply
been calling the unbeliever’s ] does not in any sense”. Outro autor que adota posição
otimista frente à vida (apud Edwards, op cit., p. 474) é Reiner, que entende diferirem os
homens dos animais, porque são indivíduos morais, isto é, indivíduos que integram a
comunidade humana e estão preocupados ativamente com a vida de outros seres humanos; o
valor moral inspirado na direção ética é que dá significado à vida . Para Reiner, é importante
ressaltar que o indivíduo moral é o homem que pratica o bem como uma convicção interior,
cuja atitude não depende tanto assim da vida exterior, pois o bem tem valor eterno,
comparado à felicidade que é de natureza subjetiva e transitória. Kant (apud Edwards, op.cit.,
p. 474) entende que o bem é fator decisivo para nortear a atitude moral que vai garantir o
significado existencial da vida, admitindo que a existência moralmente apoiada no bem seja
melhor do que a não existência. As posições adotadas por Reiner e Kant podem ser
comparadas à de Frankl (2001a), que também admite estar o sentido de vida orientado para
os ideais superiores, decorrentes de uma posição ética frente à vida, estabelecendo diferença
entre vontade de êxito e vontade de sentido, pois o indivíduo pode atingir o êxito em sua
vida, sem que nele encontre sentido para o viver. Spinoza e Nietzsche, segundo Edwards (op.
cit., p.,475-476), apesar de admitirem a miséria humana e a infelicidade que dela decorre,
também adotam a posição de valorização da vida, entendendo Spinoza que a forma mais
miserável de existência é preferível do que a não existência, sendo que para Nietzsche,
73
embora a infelicidade seja mais prevalente que a felicidade, a existência da vida é, não
obstante, melhor do que a sua não existência.
Ainda no campo da Filosofia, Ferry (2007, p. 10) reflete sobre o sentido de vida e
a finitude do Homem, admitindo que “o único elemento eterno é a própria ‘impermanência’,
a característica flutuante e mortal de toda coisa. Quem for louco o bastante para ignorar isso
se expõe aos piores sofrimentos”. Para o autor, o sentido de vida do Homem contemporâneo
deve se organizar em torno das relações e trocas que estabelecemos com as pessoas e com o
mundo e não em torno das “ilusões de um eu que se prende a suas ‘posses’ enquanto a lei do
mundo é a das trocas. [...] Essa é a sabedoria.” (Op. cit., p.,10). O autor analisa o cotidiano
das pessoas, afirmando que existimos por meio de projetos (op. cit., p. 16) e que é em torno
deles que vamos dando sentido a nossas vidas, organizando nossa relação com a incerteza do
futuro, tal qual propõe Heidegger (apud FERRY, op. cit., p. 17), ao refletir que cada ação que
realizamos desencadeia outra e mais outra sem que tenhamos plena consciência do processo
e que, enquanto não pensamos nele, tudo vai tendo sentido e vamos nos apropriando do
futuro, porém, se algo interrompe este ciclo dinâmico, pode nos ocorrer a angústia, que
Frankl (2001a) chamaria de vazio existencial. As análises de Ferry também caminham na
direção de buscar correlação entre o sentido de vida e a fé, entendendo que as religiões,
durante um longo tempo, ocuparam o lugar de expressão coletiva de sentido, mas que, com a
modernidade, a laicidade foi ocupando um espaço de maior referência para direcionar as
relações entre os homens e influenciar os rumos da humanidade. Disso decorre o sentimento
de vazio, o individualismo e o relativismo. No entendimento de Ferry (op. cit.),
O cidadão moderno [...] sem ficar atraído, além das medidas – a laicidade não
permite – por motivos religiosos ou místicos, ele se dá conta de não ter vindo à
terra para se entregar indefinidamente à compra de automóveis ou aparelhos
eletrônicos cada vez mais aprimorados. O dinheiro, a notoriedade, o poder, a
sedução lhe parecem certamente valores desejáveis, mas relativos. Ele preferiria
outros, de bom grado, julgados mais profundos, como os do amor ou da amizade.
(p. 18).
Na adolescência, o futuro costuma ser vivido como um tempo sem fim, onde a
energia do presente se projeta para a busca de realizações e o temor da morte parece algo tão
longínquo, que não entra nas cogitações existenciais do jovem. Já na vida adulta e madura,
essa perspectiva pode se ampliar com a consciência mais nítida da finitude, aceitando-a,
fazendo com que o sentido de vida ganhe novas dimensões, pois frente a um passado denso
de realizações, próprio de quem já viveu mais tempo, torna-se necessário redimensionar o
tempo do futuro e viver com intensidade o presente. Lukas (op.cit., p. 159) expressa essa
78
experiência humana, afirmando que, “somos ativos participantes no ‘criar coisas do nada’.
Dia a dia, do poço do futuro, do que-ainda-não-é, colhemos possibilidades e as levamos à
realização, ao passado, ao eternizado, ao que permanece verdadeiro para sempre”. Em outras
palavras: a todo instante fazemos escolhas na nossa vida, mas somente algumas escolhas
fazem a diferença na doação de sentido, destacando-se a escolha ética , pois é ela que
garantirá a qualidade do que há de ser.
Giddens at al. (op. cit., p. 75) analisam a sociedade contemporânea como uma
época identificada com sentimentos de desorientação e mal-estar, em que o Homem sente-se
desconfortável com o presente e experimenta o futuro como um risco, isto é, “um mundo em
que a oportunidade e o perigo estão equilibrados em igual medida”. Num tempo sem
perspectiva de futuro, a vida pode adotar uma posição pessimista dificultando o encontro do
sentido para o viver, propiciando ações predominantemente materialistas e utilitárias,
distanciando o ser humano do apreço aos ideais superiores de natureza ética que são capazes
de dar sentido à vida. O aumento do conhecimento humano sobre o mundo natural e social
que poderia, segundo Max Weber (apud GIDDENS et al., op. cit., p. 75), condenar a
humanidade a viver um futuro previsível, não se confirmou na sociedade contemporânea. De
fato, o uso do conhecimento científico, quando não estiver subordinado a uma visão ética,
acaba produzindo efeitos indesejáveis. Na história encontramos exemplos de aplicações
eticamente condenáveis da ciência.
Giddens et al. (1995, op. cit. p. 81) valorizam a tradição como experiência
humana coletiva que envolve ritual e tem “uma força de união que combina conteúdo moral e
emocional”, permitindo a vinculação entre o passado e o presente, favorecendo a percepção
de um futuro mais nítido e dotado de sentido, como ocorreu em sociedades pré-modernas, em
que a tradição lhes proporcionou um horizonte mais seguro.
Um outro aspecto que pode ser levantado em relação ao sentido de vida e
futuro pessoal diz respeito à felicidade que, segundo Stork e Echevarria (2005), pode ser
analisada sob a perspectiva de vivência e expectativa, já que o Homem é um ser no tempo e
no espaço e assim, inevitavelmente, projetará sua vida, temerá a finitude e sonhará com a
eternidade. Para Marías (apud STORK e ECHEVARRIA, 2005),
A felicidade afeta primariamente o futuro [...] ser feliz quer dizer, primariamente,
que será feliz; já sendo feliz agora, continuará sendo depois. É mais importante a
antecipação do que a felicidade atual; se sou feliz, mas vejo que vou deixar de sê-
lo, estou mais distante da felicidade, do que se não estou feliz, mas sinto que vou
ser depois. (p. 228).
Felicidade não pode ser confundida com sentido de vida e bem estar; ambos
são condições para a felicidade e se definem a partir das escolhas que fazemos e de decisões
conscientes que tomamos em nossas vidas. Para Frankl (2001a, p. 92), “o ser humano é capaz
de viver e até morrer por seus ideais e valores”, e isso dá sentido à vida e nos permite
estabelecer uma relação de intimidade, conforto e segurança em relação ao futuro pessoal,
pois neste mundo a vida é uma seqüência de ciclos onde o passado e o presente dão
sustentação ao futuro desde que tenhamos um sentido pelo qual viver.
O estudo de valores e crenças tem estreita relação com as reflexões sobre o tema
deste trabalho, uma vez que a percepção daquilo que dá sentido às nossas vidas depende do
que valorizamos e acreditamos, como determinantes para o nosso agir. No capítulo dois
discutimos a formação de valores na adolescência e verificamos como a presença ou a
ausência de valores influencia as condutas das pessoas de um modo geral e, particularmente,
de adolescentes. Neste capítulo, focalizaremos de forma mais direta a questão das crenças,
buscando correlacionar crenças, valores e sentido de vida.
Retomando as idéias de Krüger, sobre o conceito de ação, vimos que ações são
condutas intencionais, planejadas e orientadas de acordo com crenças que “operam como
‘significados’ que orientam e dão sentido à ação” (1993, p. 55). A dimensão de
intencionalidade que caracteriza a ação, segundo Krüger (op. cit., p.59), supõe um
direcionamento para o futuro e portanto uma projeção para uma situação ou estado que ainda
não foi atingido. Esta reflexão é extremamente útil para analisarmos a influência do sentido
de vida das pessoas e, particularmente, dos adolescentes, sobre as condutas por eles
apresentadas, ou seja, se as condutas supõem uma intencionalidade, inevitavelmente
80
projetada no futuro, esta intenção é traduzida pelas crenças e valores alocados no sentido que
damos às nossas vidas. Sendo assim, ao analisarmos as condutas de pessoas, provavelmente
poderemos depreender o sentido atribuído por elas às suas vidas e, conseqüentemente, o
sistema de crenças e valores que o orientam. Segundo o autor (op. cit., p. 60) é necessário
ressaltar nesta experiência o papel da socialização como mediadora do aprendizado social de
crenças e valores relativos ao futuro. Uma sociedade, carente de perspectivas claras, apoiada
em valores sólidos que possam nortear a formação de novas gerações e garantir o futuro das
pessoas, pode favorecer a formação de crenças que dificultam a construção de sentidos de
vida, numa perspectiva de valores éticos e, desta forma, propiciar condutas carentes de
intencionalidade e de planejamentos conseqüentes, que possam permitir um desenvolvimento
harmonioso, saudável e equilibrado de adolescentes e jovens, de um modo geral. Disso pode
resultar um comprometimento na motivação das pessoas, uma desvalorização das
experiências individuais ou mesmo coletivas, supondo que sejam destituídas de valor,
instalando-se um sentimento de vazio existencial, no dizer de Viktor Frankl. Crenças
influenciam condutas individuais e ações coletivas, sendo determinantes no direcionamento
de pessoas e coletividades em relação ao futuro pessoal e coletivo.
A concepção de Frankl sobre sentido da vida pressupõe a admissibilidade de que
sejam os valores éticos os orientadores de ações humanas para a realização de sentido.
Assim, a questão do desenvolvimento da moralidade deveria constituir a preocupação central
do desenvolvimento de adolescentes e jovens na sociedade contemporânea, uma vez que é
nesta fase da vida que o ser humano desperta para a consciência de sua existência, busca
encontrar sua identidade em direção à maturidade e questiona o significado da própria vida,
como da vida em geral. Admitindo que os valores constituam, segundo Krüger (1986, p. 38),
“uma orientação preferencial, afetivamente positiva em relação a um conjunto de objetos,
pessoas, situações, condutas e estados finais”, admitimos a concepção do ser humano auto-
determinante, proposta por Frankl (2001), isto é, um ser capaz de determinar as suas ações a
partir de escolhas que podem ser orientadas por valores ou contra-valores, conforme o caso,
determinando suas atitudes. Valores e crenças decorrem da aprendizagem social que as
pessoas realizam nos contextos socioculturais, onde vivem, sendo que crenças são
“proposições que na sua formulação mais simples afirmam ou negam uma relação entre dois
objetos concretos ou abstratos, ou entre um objeto e algum possível atributo deste”
(KRÜGER, 1986, p. 32). Crenças influem decisivamente sobre comportamentos e condutas,
pois determinam as formas como as pessoas estabelecem relações entre as situações sobre as
quais interagem, dando-lhes o convencimento para justificarem, por exemplo, a maneira
81
como se comportam. Segundo Fishbein e Ajzen (apud RODRIGUES, 2000, p. 36), a
intenção de comportar-se desta ou daquela maneira decorre das crenças que se tenha sobre os
objetos, desencadeando atitudes positivas ou negativas em relação ao mesmos. Sendo assim,
na opinião de Rodrigues (2000):
A fim de lograr-se uma mudança de intenção de comportamentos devemos, de
acordo com o modelo de Fishbein e Ajzen, tentar modificar crenças que
substanciam as atitudes e a posição dos outros significantes (pais, amigos,
namorados, professores, etc.) acerca do objeto. (p. 41).
Xausa (1986, p. 165 – 167), referindo-se à posição adotada por Frankl, descrita
em suas obras, assevera que não se pode falar de sofrimento, dor e sentido de vida sem falar
na esperança. Nesta perspectiva, propõe duas idéias que se associam ao termo, sendo a
primeira a que decorre da própria vivência existencial do Homem como Homo patiens, isto é,
que revela o “poder de resistência do espírito vinculado com a esperança”. Para Frankl (apud
XAUSA, op. cit.):
Partindo do suposto que o Homo sapiens se pode decompor no Homo faber, o
homem que consuma o sentido de sua existência por meio da atividade criadora; no
Homo amans, o homem que enriquece sua vida de sentido por meio de suas
vivências, seu encontro com outro homem e por seu amor, e finalmente o Homo
patiens. [...] O Homo patiens é de outra maneira: suas categorias são muito distintas
do êxito e do fracasso, são plenitude e desesperação. (p.164).
Nesse particular, reportamo-nos mais uma vez a Ferry (2007), quando se refere
aos projetos como forma de conviver com o futuro, mas por igual a Frankl (2001a), quando
analisa a necessidade vital do Homem encontrar sentidos para o seu viver e realizá-los no
mundo, “1. criando um trabalho ou praticando um ato; 2. experimentando algo ou
encontrando alguém; 3. pela atitude que tomamos frente ao sofrimento inevitável” (p.100).
Entralgo (apud OLIVEIRA, p. 80) refere-se a crenças esperançosas, que derivam
de perguntas que o Homem faz a si próprio e produzem um estado anímico de confiança e se
apresentam sob quatro formas: crença na obtenção da resposta; crença na realidade de seu
próprio ser e na do outro a quem se dirige a pergunta; crença na ocorrência do diálogo,
possibilitado pela segurança de que os interlocutores da pergunta continuarão a existir; e,
crença na veracidade da resposta que será dada. Assim, podemos falar que na concepção de
esperança de Entralgo (apud OLIVEIRA, op. cit., p. 88), “sobressaem como elementos
básicos a espera e a confiança. A confiança é crença de que nos é possível alcançar o que
nossa espera vital deseja e pretende”.
Infelizmente, nos dias atuais, muitos carecem de esperança, de luzes
encaminhadas na direção dos valores, de utopias que possam orientar o sentido de vida,
afirmativa que vale para seres humanos de modo geral, incluindo adolescentes e jovens. Para
Klosinski (2005, p. 55), “a meta de todo desenvolvimento psíquico e espiritual na
adolescência é atribuição integral de sentido, a experiência de sentido na vida pessoal”. A
dimensão atribuída por Entralgo à esperança, ontologicamente falando, permite direcionar
nossas reflexões para a importância desta consciência na vida das pessoas, particularmente na
de adolescentes e jovens de nossos tempos, pois partimos do pressuposto de que havendo
percepção e consciência de sentido para o viver, haverá mais esperança e, conseqüentemente,
saúde, bem-estar e encontro de uma vida feliz.
91
3.4 Sentido de Vida e Logoterapia
Concebe, portanto, uma imagem de Homem que se distingue dos enfoques dados
comumente nas Ciências Sociais e Humanas que adotam, em parte, bases naturalistas. No
sentido da Logoterapia, distingue-se o espírito como dimensão responsável pelo sentido de
vida, estabelecendo assim uma união entre Psicologia e Filosofia. A dimensão espiritual deve
ser considerada de modo inseparável da dimensão física e psicológica do Homem, pois, para
ele, esta dimensão é essencial, para que possamos compreender a importância do sentido de
vida como condição que distingue os seres humanos dos demais seres animais. O Homem
não se distingue dos animais somente pela sua racionalidade, pois de alguma forma os
animais, principalmente os que pertencem a níveis mais evoluídos de desenvolvimento,
também possuem algum grau de cognição; por igual também não seria a forma física o fator
diferenciador, posição esta que se assemelha a de Fernández-Armesto (2007). O mesmo, no
entanto, não se pode dizer da dimensão espiritual, uma vez que para Frankl (1994, p. 210),
“el ser humano es realmente humano en la medida en que se disuelve en el servicio a una
causa o en el amor a una persona”, isto é, só o Homem é capaz de atribuir sentido ao que faz
e para o que faz.
O conceito de espírito, para Viktor Frankl (1994), está diretamente relacionado
ao conceito de sentido de vida, pois o problema do sentido não seria algo relacionado
meramente à dimensão psicológica do Homem e muito menos biológica, mas seria uma
dimensão pessoal, que atua no plano intelectual, emocional e sentimental. Tal dimensão é
aberta aos valores e, por isso, capacitada ao encontro do sentido, independentemente das
circunstâncias externas à pessoa. Neste particular, Frankl (op. cit.) declarou o seguinte:
92
Hemos visto, sin embargo, que el hombre es más que el cuerpo y que el alma;
hemos visto que es um ser espiritual. El hombre es algo más que el organismo
psicofísico; es uma persona. Como tal, es livre y responsable – libre ‘de’ lo
psicofísico y ‘para’ la realización de valores y el cumplimiento del sentido de su
existência. Es um ser que se esfuerza en esa realización de valores y en esse
cumplimiento del sentido, No vemos solo su ‘lucha por la vida’, sino también su
lucha por el contenido de su vida. (p. 191).
Ao admitir o Homem como um ser livre, responsável pela direção que dá à sua
vida, Frankl fala de um Homem que faz escolhas e que é capaz de beneficiar-se de um
processo educativo que o prepare de modo consistente para a vida, capacitando-o a
distinguir, a partir da percepção consciente, os elementos que constituem a realidade que o
cerca e, atribuindo a eles valores inspirados na dimensão ética. Para isso, é necessária a
educação. Segundo Peter (1999, p. 12), pode-se falar em quatro assertivas que constituem o
sistema frankliano:
1. O Homem é um ser espiritual-pessoal;
2. É capaz de se autodeterminar;
3. Orienta-se, primariamente, para o significado e os valores; e
4. A autotranscendência pertence de maneira essencial ao ser do Homem.
4.1 Problema
4.2 Conjeturas
Tendo em vista que o ponto central desta tese é conhecer o sentido de vida de
adolescentes, numa perspectiva objetiva, decorrente da quantificação da intensidade do
sentido de vida, possibilitada pelo instrumento de coleta de dados utilizado, optamos pela
realização de uma pesquisa ex post facto, quantitativa, com uma única medida, realizada com
o Logo-Teste da Dra. Elisabeth Lukas (1996). Esta pesquisa de campo foi conduzida em
diferentes escolas do Ensino Médio, tendo sido elas escolas privadas, leiga e confessional, e
escolas públicas, municipal e estadual, freqüentadas por adolescentes que integraram a
amostra. Nesta pesquisa, tomando por base os fundamentos teóricos supomos que:
4.4 Participantes
16 17 18
COLÉGIO
ANOS ANOS ANOS TOTAL
Leigo 20 16 33 69
Confessional 27 32 13 72
Público 32 41 16 89
Total 79 89 62 230
Não se fez a triagem dos participantes a partir de outros critérios de seleção, tais
como religião, origem étnica, estrutura familiar (número de pessoas que integram as famílias
dos participantes, pais casados ou separados), bem como razões psicossociais.
Quanto à variável religião, não foi feita uma seleção prévia dos participantes
mediante este critério, pois isso dificultaria a realização da pesquisa em termos de
desdobramento de etapas. Assim, partimos do pressuposto de que mesmo não tendo religião,
o aluno, por estudar numa escola confessional, estaria mais propenso a receber alguma
influência na formação de crenças de natureza religiosa e a religião, de alguma forma,
contribui para a realização interior de sentido. Nas escolas leigas pesquisadas, não há aulas
de religião e nas escolas públicas estaduais, no Estado do Rio de Janeiro, o ensino religioso
por determinação de lei estadual, é de oferta obrigatória, mas de matrícula facultativa, sendo
que, no caso da escola pública estadual pesquisada, o Ensino Médio oferece aulas de religião
cujo conteúdo programático é composto, segundo a escola, de temas relacionados a valores
éticos, cidadania e visão ecumênica de assuntos relacionados a Deus ou religiosidade. Nessa
escola, as aulas de religião são assistidas por praticamente todos os alunos, com anotação de
freqüência e avaliação do rendimento na disciplina, por matricula automática dos alunos e,
somente nos casos em que algum aluno ou família questione este procedimento, são
apresentadas ao interessado informações acerca da disciplina. Persistindo a recusa em
participar dessas aulas, o aluno ficará delas liberado, sem prejuízo de seu rendimento global.
109
4.5 Desenvolvimento
Terceira conjetura: Alunos de escolas públicas não diferem dos alunos de escolas
particulares leigas, quanto ao sentido de vida.
Quarta conjetura: Alunos da terceira série do nível médio apresentam um nível mais
elevado de sentido de vida, comparativamente aos da segunda série.
Tabela 3: Aferição do Logo-Teste com a população brasileira * - Valores inexistentes por falta de sujeitos
Fonte: Henríquez, 1990, p. 38 (apud REINHOLD, 2004)
O sentido de vida constituiu o tema central desta pesquisa, que objetivou analisar
questões relativas à adolescência e à Logoterapia, mediante a realização de uma pesquisa
empírica sobre o sentido de vida na adolescência.
A adolescência em sociedades contemporâneas tem sido analisada, não só por
especialistas, mas também por leigos, sendo considerada, de modo geral, como um ciclo de
vida de significativas mudanças físicas, psíquicas e sociais, de tal ordem que, no Brasil, em
linguagem coloquial, costuma-se usar o termo ‘aborrecentes’ para referir-se a jovens em
desenvolvimento, revelando esta palavra o sentimento de estranheza, crítica e dificuldade dos
pais para lidar com pessoas que estão vivendo este período de sua vida. Convém ressaltar,
como analisamos, que a adolescência, ao longo dos últimos anos, tem se alargado para idades
mais avançadas, incluindo faixas etárias em torno de até, aproximadamente, vinte anos de
idade, idade que em outras épocas da história da humanidade era considerada idade adulta,
caracterizada pelos indicadores de atividade laboral definida, independência pessoal e
econômica, além da responsabilidade social e familiar.
O Homem está vivendo por mais tempo, em decorrência do desenvolvimento da
ciência, da tecnologia, da economia e da sociedade. Assim, vem ocorrendo um processo
natural de expansão da duração do ciclo vital, o que, se por um lado, amplia o tempo de vida
útil de uma pessoa, por outro, nem sempre viver mais tempo significa “Viver” mais. Esta é
uma grave questão a considerar, ou seja, o que fazer com o tempo de vida acrescentado, que
sentido conceder à vida, que vem sendo prolongada devido aos múltiplos cuidados que
reservamos à nossa saúde. Porém, cabe observar que o conforto, a segurança e a
disponibilidade mais elevada de recursos materiais, não estão necessariamente
correlacionados ao aumento da qualidade de vida, pois este conceito está associado ao
sentido de vida, experimentado sob a forma de felicidade interior.
As pessoas parecem estar mais preocupadas com o ‘ter’ do que com o ‘ser’, a tal
ponto que não raro encontramos algumas delas, falando de serem felizes, de ser bem
sucedida na vida, ressaltando o ‘ter’ como condição para a felicidade humana. Parece haver
uma distância significativa entre valores materiais e valores éticos no mundo contemporâneo,
fato observado no dia a dia da convivência social. Este é um importante tema da Teologia, da
Filosofia e das religiões. Na pesquisa científica, este problema vem à tona em diversas
oportunidades, tais como em pesquisas relacionadas à clonagem, aos transplantes, à
eutanásia, ao uso de células tronco e ao controle da vida.
117
A Logoterapia, proposta teórica e clínica, cuja questão principal é o sentido de
vida, tem o mérito de tentar aproximar as questões éticas do foco principal das reflexões
sobre o Homem e o seu adoecer, recuperando a dimensão espiritual do Homem, abrindo
assim caminho para uma análise mais abrangente do ser humano. Quanto a essa contribuição,
observamos que ela deveria ser mais divulgada nos Cursos de Psicologia no Brasil, uma vez
que os conceitos que a fundamentam podem revelar sua utilidade na pesquisa, uma vez que a
experiência de busca de sentido, assim como experiências religiosas que podem ou não estar
associadas à anterior, são objetivamente constatadas. Quer dizer, o ser humano, em razão da
consciência que chegou a desenvolver, busca um entendimento ou uma compreensão que vai
além de simples manifestações reativas de comportamento.
Baseados na Logoterapia, realizamos uma pesquisa de campo, sob a perspectiva
de cinco conjeturas. Dessas conjeturas, duas foram corroboradas: a que admite não haver
diferença significativa no sentido de vida entre adolescentes do sexo masculino e do sexo
feminino, comparados entre si; e a de que não há diferença significativa na variável “sentido
de vida” entre alunos da terceira série e da segunda série, matriculados em escolas de nível
médio. Porém, observamos que estes resultados devem ser acolhidos com certa reserva, uma
vez que as informações, oriundas do conjunto da pesquisa indicam ser provável que na
formação do sentido de vida na adolescência, outros fatores devem estar a influir, além da
escola e do ensino por ela proporcionado. Esses possíveis aspectos, tais como variáveis
socioculturais, familiares e as do desenvolvimento cognitivo e da consciência moral,
poderiam ser objeto de futuras pesquisas.
Assim, sugerimos que seja ampliada a pesquisa sobre o tema, sugestão que
entendemos poder ser suficientemente justificada, se for considerada a relevância das
questões envolvidas para o bem estar humano. De outro lado, os resultados de pesquisas
psicológicas sobre o sentido de vida também podem contribuir na análise filosófica da
condição humana, bem como na interpretação da experiência religiosa de muitos. Em
particular, essas possíveis pesquisas futuras poderiam por igual contribuir na compreensão de
adolescentes, podendo-se prevenir a ocorrência de dificuldades de relacionamento entre
adultos e jovens, cujas características não são suficientemente conhecidas.
Finalmente, ressaltamos a necessidade de se prosseguir na validação da versão
em português do Logo-Teste, processo iniciado por Reinhold e Henríquez (1990), no Rio
Grande do Sul. Tal esforço é aceitável, considerando que o Logo-Teste revelou apresentar
características muito importantes para o diagnóstico psicológico. Cabe ainda observar que o
118
Logo-Teste não foi incluído nos anexos desta tese em razão da necessidade de preservação
do sigilo com que instrumentos de medida psicológica devem ser utilizados.
119
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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York: The New York Academy of Sciences, 1997.
DALAI LAMA. Uma Ética para o Novo Milênio. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
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GOUVEIA, L.; CAMINO, C.; RIBEIRO, J.; RIQUE, J. Ansiedade, Socialização, Delinqüência
e Trabalho em Adolescentes. Cadernos de Psicologia - UFMG. v.13 Belo Horizonte: Fafich,
2003.
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Titular do Departamento de Psicologia Social e Institucional). Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 1995. 144 p.
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LIGHTFOOT, C.; VALSINER, J. Parental Belief Systems Under the Influence: Social
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122
REINHOLD, H. H. Tentativa de Adaptação do Logo-Test de E. Lukas à População Brasileira
e os Valores Inerentes [mensagem pessoal].
Mensagem recebida por guarnido@compuland.com.br em 14 de maio de 2007.
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Cognition Understanding Others in the First Months of Life. London: LEA, 1999.
XAUSA, I. A. M. A Presença de Deus em Viktor Frankl. n. 108, p. 40-46. Cultura e Fé. Porto
Alegre: Instituto de Desenvolvimento Cultural, 2005.
APÊNDICE A
Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido
Declaro estar ciente dos objetivos da pesquisa que está sendo realizada pela psicóloga
Cleia Zanatta Clavery Guarnido Duarte, CRP 05/3672, estudante do curso de Doutorado do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Matrícula DO312457) sobre o tema Conduta Social e Sentido de Vida, e concordo em
participar da mesma ou autorizo a participação de meu (minha) filho (a)
____________________________________________________, respondendo às questões
propostas num teste de investigação sobre o sentido da vida, denominado LOGO-TEST,
elaborado pela doutora Elisabeth S. Lukas.
Estou ciente de que esta participação não implicará em qualquer prejuízo à minha
pessoa ou à sociedade e que minhas respostas serão mantidas em sigilo, sabendo ainda que
poderei desistir da pesquisa a qualquer momento sem ônus pessoal, financeiro ou de qualquer
outra ordem.
Estou ciente também de que poderei entrar em contato com a pesquisadora Cleia
Zanatta Clavery Guarnido Duarte através do telefone (24) 2243-9988 ou do e-mail
guarnido@compuland.com.br quando desejar e inclusive posteriormente para obter
informações acerca dos resultados desta pesquisa, cujo prazo de conclusão é o mês de abril de
2007.
Quanto aos resultados da pesquisa estou ciente de que os mesmos poderão ser
divulgados em artigos e publicações científicas, sendo minha identidade mantida em sigilo.
___________________________________________________
Assinatura do participante (18 anos completos ou mais)
CI nº ____________________
___________________________________________________
Assinatura do responsável (cujo filho seja menor de 18 anos)
CI nº ____________________
APÊNDICE B
Carta de Apresentação
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
CARTA DE APRESENTAÇÃO
Pós-graduação, cuja tese de doutoramento sobre Conduta Social e Sentido de Vida, envolve
Helmuth Krüger
Professor Titular do Departamento de
Psicologia Social e Institucional
Programa de Pós-graduação em Psicologia Social
APÊNDICE C
Atenciosamente,
______________________________________________
Cleia Zanatta Clavery Guarnido Duarte
CRP – 05/3672
Matric/UERJ – DO 312457
APÊNDICE D
Tabela 4: 1ª Conjectura
∑ X1 = 1062 ∑ X2 = 1382
X1 = 14,75 X2 = 15,52809
t = 1,088836
APÊNDICE E
Tabela 5: 2ª Conjectura
∑ X1 = 1062 ∑ X2 = 1071
X1 = 14,75 X2 = 15,52174
t = 1,130402
APÊNDICE F
Tabela 6: 3ª Conjectura
∑ X1 = 1382 ∑ X2 = 1071
X1 = 15,52809 X2 = 15,52174
t = 0,009023
APÊNDICE G
Tabela 7: 4ª Conjectura
∑ X1 = 1748 ∑ X2 = 1767
X1 = 15,46903 X2 = 15,10256
t = 0,641205
APÊNDICE H
Tabela 8: 5ª Conjectura
∑ X1 = 1346 ∑ X2 = 2169
X1 = 14,79121 X2 = 15,60432
t = 1,39627
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