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Ponto de Vista

COMPRE SEMPRE À VISTA

A tradição das religiões não permite incorporar algumas modernidades, situações novas com as quais os antigos não conviviam.
Infelizmente não podemos criar mandamentos que eliminariam imenso sofrimento humano, que reduziriam inúmeros conflitos familiares
modernos, que devolveriam paz de espírito a muitos seres humanos. Se pudéssemos, eu proporia um décimo primeiro mandamento: “Jamais
comprarás a prazo”.

O endividamento pessoal, o crediário sem fim e as compras a prazo deturpam a condição humana. O trabalho se torna uma obrigação, a de
saldar as dívidas do consumo, em vez do contrário. O consumo deveria ser a recompensa merecida pelo trabalho bem feito.

“Curta hoje, pague depois” tornou-se o novo lema do consumismo mundial, uma inversão da ética milenar de colocar o sacrifício antes do
prazer. Talvez por isso sejamos um povo eternamente endividado, pendurado. Poupamos pouco, investimos menos ainda. Não é à toa que para
muitos trabalhar é um fardo. O prazer veio antes.

A desculpa de “se eu não comprar a prazo, jamais comprarei algo” não convence, porque comprando a prazo você estará pagando muito
mais pelo mesmo produto, acrescido de juros e inúmeros outros custos adicionais.

Se você depositar todo mês numa aplicação de renda fixa o valor equivalente ao que seria o da prestação, depois de dezoito meses terá
entre 50% e 100% de rendimento a seu dispor, dependendo das taxas de juros do momento.

A questão nunca está entre comprar e não comprar, mas entre receber a mercadoria já, pagando prestações e juros no futuro, e poupar e
comprar no futuro, à vista, com desconto e tudo mais. Não são os pobres que compram a prazo, é a compra a prazo que os deixa mais pobres.
Compre a prazo e você ficará eternamente pendurado. Compre à vista e estará eternamente livre dos juros do crediário.

Quando se compra a prazo, paga-se por muitos custos adicionais, além dos juros, algo que nossos professores não ensinam. Comprando à
vista, uma série de despesas se torna desnecessária, barateando o custo do produto.

Comprando em dez prestações, você está pagando por dez notas promissórias e dez lançamentos que precisam ser contabilizados e
registrados. Cada vez que você paga uma prestação, um funcionário tem de receber e contar o dinheiro, um contador precisará dar baixa na
prestação, um recibo deverá ser emitido e assinado. Tudo isso tem um custo. Além do mais, há o custo do centro de atendimento de crediário.
Nada disso é necessário quando você compra à vista.

Existe ainda o custo da pesquisa de crédito: alguém tem de telefonar para seu empregador, seus antigos credores, para o serviço de
proteção ao crédito e assim por diante. Chamam a isso custo de abertura de crédito. E quem paga é você.

Muita gente acaba não saldando as prestações, e o pior da compra a prazo é que você terá de pagar por esses caloteiros. De 3% a 8% dos
devedores nunca quitam suas dívidas, e quem paga é você. Isso é uma enorme injustiça, os bons pagadores acabam pagando pelos maus
pagadores. Como nunca se sabe de antemão quem vai dar o calote ou não, não há outro remédio a não ser incluir o custo no preço pago por
todos.

Inadimplência não é o único custo que se tem quando se compra a prazo, existem ainda milhares de devedores que atrasam o pagamento.
Embora não sejam exatamente caloteiros, acabam incorrendo em outros custos, dos cobradores, dos advogados, das cartas de aviso, e quem paga
novamente é você, pagador pontual.

Todos esses custos estão embutidos nos juros cobrados, o que gera algumas conclusões equivocadas por parte de certos economistas,
jornalistas e políticos que acusam o comércio, os bancos e os cartões de crédito de cobrar juros abusivos. Esquecem que os “juros” são na
realidade a soma de juros mais todas essas despesas.

Além de tudo isso, a compra a prazo provoca um senso de superioridade incompatível com sua produtividade, uma ostentação acima de
sua capacidade de produção. Na compra de um imóvel não há alternativa a não ser o plano a prazo, mas na compra de um eletrodoméstico há.
Para sua felicidade e de sua família, incorpore mais um lema em sua vida: compre à vista! (KANITZ, Stephen. Compre sempre à vista. Veja, São
Paulo, ano 35, n. 10, ed. 1742, 13 mar. 2020. Ponto de Vista, p. 20).

Stephen Charles Kanitz é um consultor de empresas e conferencista brasileiro, mestre em


Administração de Empresas da Harvard Business School e bacharel em Contabilidade pela
Universidade de São Paulo.

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