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Arthur Cordeiro
IDENTIDADE EM POIESIS:
possibilidades de práticas de desenho
inovadoras no ambiente escolar
Rio de Janeiro
2018
Arthur Cordeiro
IDENTIDADE EM POIESIS:
possibilidades de práticas de desenho inovadoras no ambiente escolar
Rio de Janeiro
2018
COLÉGIO PEDRO II
CATALOGAÇÃO NA FONTE
IDENTIDADE EM POIESIS
possibilidades de práticas de desenho inovadoras no ambiente escolar
Banca Examinadora:
_________________________________________
Prof. Dr. Marco Antonio Santoro Salvador (Orientador)
Mestrado Profissional em Práticas da Educação Básica
MPPEB – CP2
_________________________________________
Prof. Dr. Rogério da Costa Neves
Mestrado Profissional em Práticas da Educação Básica
_________________________________________
Profª. Drª. Maya Suemi Lemos
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
_________________________________________
Profª. Drª. Aline Viégas
Mestrado Profissional em Práticas da Educação Básica
MPPEB – CP2
_________________________________________
Profª. Drª. Amparo Villa Cupolillo
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
2018
RESUMO
Esta é uma pesquisa a/r/tografica que investiga as manifestações estéticas das relações
integradas pós-modernas na escola. Ao se debruçar no objetivo curricular de Artes Visuais de
Identidade na Educação Básica, diante dos novos problemas do mundo líquido, a pesquisa
conclui a intrínseca relação da identidade com os novos modelos de vínculos pessoais. A
partir da criação de Objeto de Arte Inserido em Aula – OAIA1 – são analisadas as
performances dos alunos.
Sumário
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................. 12
2 CONTEXTO HISTÓRICO............................................................................................... 16
3 O AUTOR.......................................................................................................................... 28
5 O PRODUTO EDUCACIONAL....................................................................................... 48
5.1 As referências do Produto Educacional em POIESIS..............................................49
5.2 As referências do Produto Educacional em THEORIA............................................62
5.3 As referências do Produto Educacional em POIESIS/THEORIA...........................66
5.3.1 Cooperação, por quê?....................................................................................................... 72
5.3.2 Reafirmando a sensibilidade - o quebra cabeça do estar-com/ser-para
...................................................................................................................................................................................... 76
5.4 A abordagem...................................................................................................................... 81
5.5 O Produto Educacional em PRÁXIS............................................................................. 85
AULA 1..................................................................................................................................................... 86
AULA 2.................................................................................................................................................. 100
6 CONCLUSÃO.................................................................................................................. 121
REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 125
12
1 INTRODUÇÃO
Evidente, investigar a época em que a obra foi realizada nos trará informações
importantes em sua leitura (tanto na leitura histórica dos fatos quanto na apreciação estética
e seus desdobramentos reflexivos). Neste caso, falamos de 1929, o ano da queda da Bolsa
de Valores de Nova York1, falamos sobre o homem do final da década de 1920. Aquele
pertencente a geração que viu na virada do século XIX a consolidação do Estado Liberal e a
segunda Revolução Industrial2. Com a descoberta da eletricidade, do combustível fóssil e da
invenção de locomotivas, a velocidade de produção passou a ser o eixo condutor da
economia de potencias europeias e em seguida do norte da américa (HOBSBAWN, 1995).
1
Como explica Vicentino (2013) A queda da bolsa de valores em NY foi causada por uma
superprodução sem escoamento. Isso gerou uma grande estocagem que crescia devido ao
subconsumo. O trabalhador não detinha poder de compra, o consumo estava diminuindo e
levou a especulação financeira ao limite. Assim, o valor das ações ficou acima de seu valor
real, baseavam na confiança de que esses papéis (as ações) continuariam sendo
valorizados, e não baseavam nos lucros de suas vendas. Por sua vez, quando os valores
reais apareceram, e ações ficou acima de seu valor real, baseavam na confiança de que
esses papéis (as ações) continuariam sendo valorizados, e não baseavam nos lucros de
suas vendas. Por sua vez, quando os valores reais apareceram, e grandes empresários se
viram donos de papéis sem valor, a crise se espalhou. Ela afetou em cadeia todo o resto do
mundo. Pois os Estados Unidos era responsável pelo maior parque industrial existente e
responsável por cerca de 43% da produção. Com exceção da União Soviética, fechada em
si mesma e orientada segundo os planos quinquenais, sob o governo de Josef Stálin, todos
os outros países que mantinham relações de compra e venda de produtos com os EUA
sofreram economicamente.
2
Como a primeira revolução industrial estabeleceu a relação da nascente Burguesia
que explorava a força de trabalho do operário, na 2ª Revolução Industrial, temos
outro desenvolvimento. Como nos aponta Vicentino (2013), a especialização e
alienação do trabalhador sobre todo o processo industrial foi levada ao extremo.
Com o objetivo de obtenção de maiores lucros, surgiram as linhas de montagem,
esteiras rolantes e o transporte a vapor. Os EUA se tornaria o país com o maior
parque industrial do mundo, dada a sua expansão territorial e possibilidade de
transporte de material e produtos por via ferroviárias.
possibilidade de edificação de indústrias e o transporte de produtos pelas ferrovias,
entretanto, aqueles que trabalhariam precisavam ter conhecimento sobre conceitos basilares
do mundo do trabalho. Esse indivíduo nós não tínhamos.
Isto seria ainda mais incentivado na virada do século XIX para o XX e principalmente
a partir do ano de 1908, pois o vigoroso progresso da indústria Norte Americana, naquela
década, teria como responsável o modo do ensino de desenho no país, como nos diz
Barbosa (2010).
Cabe ressaltar, ainda, que já existia o ensino de artes no Brasil, mas esse era restrito
aos frequentadores de espaços como a Academia Imperial de Belas Artes (1926). Ou
destinada a classe social da aristocracia que, Barbosa (2010) afirma, na criação da imagem
burguesa, transformou a arte num oficio de luxo, uma prática como um “bibelô” de uma boa
imagem.
Os erros que as crianças cometiam nos desenhos foram encarados como próprios de
seu ser criança. E, naturalmente seriam corrigidos. Considerava-se, ainda, um padrão
estético a ser atingido. De forma que, através da repetição motora e observação cada vez
mais atenta da natureza, a criança seria capaz de desenvolver desenhos “melhores”.
Não sem intenção, nesse espaço imagético criado, a partir dessa inserção curricular
vemos o despertar de importantes defensores de Artes no currículo e percussores de outras
reformas, tais como Mario de Andrade.
O movimento modernista liderado por Andrade buscava uma reforma nas artes para
o nascimento de uma arte verdadeiramente brasileira.
[...]
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel
o burguês-burguês! A digestão bem-
feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os “Printemps” com as unhas!
[...]
O ódio à produtividade no ente que tem essa como sua única finalidade e definição
nos foi revelado com ironia na obra de Magritte (ARGAN. 1992); nos é colocado com revolta
e partidarismo em Andrade (1922), mas - apesar de estampada na arte e na literatura -
pareceu não ser levado em consideração nos caminhos das decisões curriculares da escola
e, ao que tange esse trabalho, a inserção de artes e seus objetivos atuais na escola.
Aos alunos era vetado que tomassem conhecimento de obras de artistas e outras
imagens que pudessem influenciar a sua espontaneidade e expressão. O ensino de artes
pretendia ensinar a ler imagens, sem mostrar imagens. Barbosa (2014) compara esse gesto
como o de querer ensinar crianças a ler, mas não as permitir o contato com obras literárias.
A atividade de expressão do eu era na verdade alienadora.
Esse conceito abordado por Freire é uma tentativa de se opor ao que ele mesmo
declara como o fatalismo (FREIRE. 1996). Os dois conceitos podem ser
vistos/experienciados em diversas situações do cotidiano, mas nos ateremos a vida escolar.
O sujeito fatalista declara que a condição social vigente, aquilo que está posto, o padrão
hegemônico, não pode ser mudado. Assim, essa atitude emancipará a pessoa de quaisquer
responsabilidades sociais. Pois, ao considerar que o status quo não pode ser alterado e
(com raras ocasiões alguém consegue ultrapassar a sua realidade e emergir a outra classe
social) ele de antemão desistirá de tentar movimentar quaisquer mudanças.
Esse sujeito fatalista, como docente, ministra aulas só para quem quer ouvir; “sabe”
que não faz diferença estar na escola e estudar; aceita as suas condições como destino
imutável, bem como as de seus alunos.
Na teoria crítica de Freire a escola tem o papel principal de formar sujeitos históricos.
Ela objetiva dar ao estudante a percepção de seu papel como aquele que constrói e
participa da história e não apenas como um personagem que assiste os acontecimentos.
Nesse aspecto, o fatalismo é uma prática inaceitável, já que nos põe em posição passiva
historicamente.
Ao contrário, a Justa Ira (FREIRE. 1996), como já visto, é a mesma indignação, mas
usada como força motora para exercício da cidadania. É a potência que moverá aulas que
conversam com a realidade do aluno. Aulas que irão propor ao aluno
perceber/sentir/entender a sua condição, suas qualidades e sua própria potência.
4
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base nacional
comum curricular. Brasília, DF, 2016. Disponível em: <
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio>.
5
No decorrer da redação desse projeto de pesquisa o texto da Base Nacional Comum
Curricular colocava Artes Visuais como um subcomponente da área de Linguagens já sofreu
alterações. A Medida Provisória 746/2016 após ter sido aprovada no início de 2017 sofreu
duras críticas de instituições e associações, tais como FAEB, ANPAP, UFPA, UFMS,
ANPED que podem ser encontradas em: https://www.faeb.com.br/notas-de-apoio-e-de-
repudio/
nova Identidade (BAUMAN, 2005) que é consequência direta das nossas novas formas de
relações humanas. Elaboraremos todos esses conceitos na Corporeidade (GONÇALVES,
1994), haja vista a necessidade emergente deles na prática de sala de aula na educação
básica.
Ou seja, um pintor, enquanto faz a sua obra, descobre ele mesmo técnicas,
conceitos. Os resultados finais, a ele são desconhecidos, mas ao leitor de sua obra pronta
parecem claros. Nessa pesquisa pretendemos uma metáfora para tal comportamento. Na
tentativa de encontrar manifestações da identidade líquida e da dialógica eu/outro,
ambicionamos descobrir técnicas e conceitos no decorrer prático. Assim, os resultados finais
que aspiramos, a nós, serão desconhecidos a priori, mas ao leitor da pesquisa, poderão
parecer notórios. Pois quem aqui lê já vê o resultado final do quadro, nós encaramos a tela
em branco.
No decorrer do preparo dessa tela que é nossa pesquisa, não isentaremos o leitor de
descobrir caminhos que deram errado, mudanças de sentidos e descobertas intuitivas. Tudo
isso faz parte de uma pesquisa que é da esfera das Artes (ZAMBONI, 1996). Algumas
teorias que julgávamos coerentes no início da pesquisa foram nos conduzindo a outros
autores e pesquisas, de modo que todas estarão presentes no percurso das páginas.
Entretanto, nem todas farão parte da tela ao final. Todos serão fragmentos de esboços
(hipóteses) descartados e/ou refeitos até encontrarmos a imagem final.
Ao explicar o que considera estilo, Ponty (1964) fala sobre como as imagens
ultrapassam tempo histórico, filosófico e simbólico. Destaca que o claro escuro do barroco,
os corpos das esculturas helenísticas e/ou um templo grego atingem-nos em nossa
sensibilidade. Na pintura, por exemplo, esse fator aparece na escolha das cores – da
tonalidade – de cada pintor.
Fonte: MICHELANGELO. A criação de Adão. 1508-1515. 1 original de arte, afresco, 280 x 570 cm.
Numa obra, um traço, “um gesto, nos entrega por inteiro a individualidade humana”
(HAAR, 2000, p. 110). O que se faz presente em formas, cores e traços é o autor
indissociável de seus conceitos/individualidade. Como as personagens que voam em
Chagall ou nos corpos maneiristas de Michelangelo. Essa presença se manifesta em uma
base mais profunda, não apenas figurativa. Ela está alicerçada, para o pintor, numa cor que
se repete na diversidade de matizes. Num fundo que não é base para as personagens, mas
também é forma, é informação, conceito e experiência.
Acreditamos que ao não o limitar de forma precisa, mas deixando aberto, futuros
professores poderão leva-lo às suas aulas. Essas aulas, apesar de terem o Objeto de Arte
Inserido em Aula podem (e devem) pesquisar outros conceitos, elaborar outras atividades e
tirar outras conclusões. E justamente por ser um objeto de arte em abertura com quem se
envolve, se replicadas as atividades, elas também podem trazer outras respostas, perguntas
e uma diversidade de caminhos.
Fonte: VELASQUEZ, Diego. Las Meninas. 1656, 1 obra original, óleo sobre tela. 318 x 276 cm.
O quadro Las Meninas (1656) do pintor Diego Velásquez narra uma cena que nos
demanda determinada atenção em sua lógica reflexiva. Há, é claro, um duplo sentido
quando falamos nas conotações de reflexão, posto que nossos apontamentos serão
conduzidos a partir não só dos movimentos que a luz realiza na pintura (o reflexo). A
estrutura de nossos pensamentos (a reflexão) abordará os possíveis caminhos dos reflexos.
Numa breve descrição da tela, vemos o aposento de Real Alcázar em Madrid e
alguns personagens da corte espanhola presentes, nele, de frente para nós. A principal, que
se encontra no meio da tela, nos encara. Ela é a jovem princesa Margarida Tereza. Um
pouco ao seu lado, à sua direita, observamos o próprio pintor/autor Diego Velásquez, numa
postura de curiosidade observando o que está a sua frente. Nesse caso, nós os leitores da
obra, somos postos como objetos da atenção do olhar dessa personagem do artista.
Também à sua frente, entre nós e o pintor há uma tela que não podemos ver nada se não o
seu suporte. Nessa troca de olhares, entretanto, uma pista: ao fundo da sala existe um
espelho.
Lá podemos identificar as figuras do Rei Filipe IV e da Rainha Maria Ana. Ora, nada
mais é refletido. Não vemos as costas do pintor, não a vemos nem em seu ângulo oposto,
não vemos as costas da infanta, nem mesmo alguma parte da sala ou vulto dela. Um único
detalhe nos é cedido ver: aquilo que para o olhar tão atento do pintor está se direcionando.
Somos os espectadores, somos o rei e a rainha, ao mesmo tempo também somos invisíveis
a nós.
O espetáculo que ele observa é, portanto, duas vezes invisível: uma vez que
não é representado no espaço do quadro e uma vez que se situa
precisamente nesse ponto cego, nesse esconderijo essencial onde nosso
olhar se furta a nós mesmos no momento em que olhamos. (FOUCALT,
1999, p. 20)
Ora, se o mundo do trabalho e da produtividade não são mais tão importantes como
foram no século passado, se eles foram substituídos pelo mundo do consumo, isso gera um
problema direto para um dos objetivos da escola brasileira. Já que uma de suas atribuições
(como instituição regida pela Lei de Diretrizes e Base 6 (BRASIL, 1996), em seu segundo
parágrafo) é “a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática
social.”. Desse modo, a escola está intrinsecamente comprometida com essa nova forma de
estar no mundo.
Não obstante, também somos cada vez menos sólidos em nossas relações sociais e
individuais. Conhecemos lugares, espaços e pessoas novas sem necessariamente estar
fisicamente presente. O conceito de presença ultrapassou a fisicalidade. Na mesma medida,
e dialogicamente proporcional, nada mais é imutável. Tudo se torna perene, veloz e fugaz.
Fonte: VELASQUEZ, Diego. Las Meninas. 1656, 1 obra original, óleo sobre tela. 318 x 276 cm.
Disponível em:
https://arthive.com/diegovelazquez/works/396794~Las_Meninas_Fragment_SelfPortrait_By_Diego_
Velzquez . Acesso em 6 de abril de 2019.
Nossa proposta é enxergar o aluno, e fazê-lo enxergar, como pintor de si. O que
exige do professor/pesquisador/artista não o entender como uma tábula rasa. Devemos nos
atentar de que não será possível abordar isso e desafiar a alienação e insensibilidade
refletida na escola com abordagens conteudistas e bancárias. Afinal, não podemos ser,
como salienta Freire (1986), alienadores de ignorância.
Tentaremos experienciar o que o aluno observa, como ele observa e como ele se
realiza em seus trabalhos. Caminharemos no sentido de orientar as nossas/suas
observações com o objetivo de construir um ser que consiga observar e fazer por si e com
os outros: um ente autônomo/cooperativo. Assim, trataremos a educação como eterno
processo de busca (FREIRE. 1986).
Não sendo um Objeto de Arte fechado, e tendo a principal finalidade estética, sua
inserção deve ser entendida na ótica da abertura à criatividade do professor/educador/artista
que o coloque em sala, bem como para o aluno. Assim, o Jogo Cooperativo 7 não se finda
nesse trabalho, nem os temas abordados e desenhos/pinturas/performances construídos se
fecham em uma aula. Ele se torna eterno devir em sua possibilidade de abertura a
modificações práticas/conceituais de outros professores-pesquisadores, apesar de sua
finitude formal.
7
JOGOS COOPERATIVOS é uma abordagem advinda da area da Educação Física. Ela
pretende estimular o desenvolvimento do aluno a partir de práticas que desafiem o aluno a
cooperar. De maneira que não sera possível chegar ao objetivo final sem a união de
capacidades entre eles. Ao contrario de práticas competitivas, nas quais existe um vencedor
e, logo, um perdedor, na alternativa do Jogos Cooperativos não há essa divisão. Ela oferece
uma prática de ação social transformadora, como aponta Darido (2003).
4 METODOLOGIA: AS BARRAS e o ENTRELUGAR
Como já revelado inicialmente pela obra de Magritte (1929), aqui a presença da barra
é o que servirá para compor o movimento de caligrama que se dá no espaço vazio da falta
de palavras e limites textuais de representação/apresentação do/no processo e/ou do/no
problema. Tal como Irwin (2007) explica sobre a ótica do conceito de rizoma em Deleuze, o
elemento gráfico “barra” (“/”) nos servirá em/no sentido de aproximação daquilo que já é ente
em sensibilidade, contudo não o atingimos em forma declarada.
Não sendo possível classificar, pois também seria limita-lo, a opção é por manifestar
em grandeza e singeleza, o todo e a parte, ao mesmo tempo. Tocaremos a existência do
problema/hipótese/pesquisa assumindo a carência de uma definição mais apurada sobre o
que se dará. Concebendo que nesse tratamento do inominável rizomático, pela tangente das
palavras entre barras, o aprendizado dos envolvidos com/nesse texto poderá ter maior
aproveitamento e desdobramentos ao que se propõe essa pesquisa de criação/estética.
A realização dessa postura na escritura não deve ser vista como um descaso, uma
forma menor e preguiçosa de representação, mas como um aspecto próprio da arte.
Evidente que exigirá de todos um mergulho e aprofundamento, bem como um
desprendimento do padrão da forma de pensamento que se dá na academia, bem como nas
escolas. Exige-se uma humildade em reconhecer o nosso modus operandi da estrutura de
pensamento cartesiano, em nossa padronização de pesquisas e no conflito do encontro com
o novo ao nos depararmos com outras formas de escrita.
Esse conflito é histórico e está ligado a nossa base cultural e formação escolar
eurocêntrica. Sua origem se relaciona quando, ainda na Grécia Antiga, o filósofo Aristóteles
articula a existência de três formas de pensamento/saber. São elas: a práxis (prática), a
teoria (teórica) e a poesis (a criação) (DIAS; IRWIN, 2013). Essa classificação na história do
ocidente foi utilizada para fundamentar uma separação entre as formas de pensamento.
Séculos mais tarde o saber teórico (theoria).
Percorrendo o caminho do desenvolvimento do nosso próprio conhecimento durante
a história, o saber valorizado foi aquele que se baseava em formas de controle, estabilidade
e ordem: o método científico cartesiano. Dessa maneira era possível validar e abranger o
conhecimento ao maior número de pessoas. O alcance dele, pela sua simplificação,
linearidade e fragmentação do pensamento poderia ser aprendido com maior facilidade. Em
compensação, tudo aquilo que era incontrolável, instável e desordenado foi sendo deixado
de fora (ZAMBONI, 1998)
8
O termo a/r/tografia é importado do original em ingles a/r/tography. As barras querem
ressaltar na palavra art (arte, em inglês) o acróstico Art Research Teacher, ou seja, numa
tradução mais literal seria algo como Professor-Pesquisador de Arte ou Professor
Pesquisador de Arte... No Brasil, o professor doutor Benedilson Dias utiliza o termo PEBA
(Pesquisa Educacional Baseada em Artes) emu ma publicação para se referir ao método.
Entretanto, dado o potencial semântico do termo escrito com as barras para o texto da
dissertação, tomou-se a opção por escrever o termo “a/r/tografia”.
A partir da concepção de que o caminho que traçamos, no contexto histórico-social
da inserção da disciplina de artes na escola brasileira, hoje precisa considerar o problema
pós-moderno da alienação relacionada com a nova identidade – através das recentes
maneiras de se relacionar (BAUMAN, 2011) e da mudança de finalidade do homem de ser
produtivo para ser consumo (BAUMAN, 2005) – e que, por sua vez, o saber identitário está
dialeticamente ligada na relação Eu e o Outro (IRWIN, 2009) - que pode se dar no
reconhecimento dialógico indivíduo/comunidade, professor/turma, aluno/turma - esse
trabalho escolhe, em forma de investigação e escrita, o processo da própria Arte.9
Isso será feito numa tríplice interação, ou seja, essa pesquisa tenta afastar-se da
dicotomia “práxis, theoria e poesis”, até mesmo da ideia de união “theoria e práxis” – como é
recorrente em Mestrados Profissionais – e ousa na aproximação de uma construção de
saber dialético “práxis/theoria/poesis”. Onde veremos os três corpos dançarem num
movimento constante e como um só corpo.
Como explicado por Telles (2006) há duas maneiras mais utilizadas para realização
de pesquisa artografica. São elas: 1) a vertente representacional: os participantes da
pesquisa se integram de todo o referencial teórico, compartilham dúvidas, soluções,
problemas e juntos constroem o(s) Objeto(s) de Arte que represente(m) e integre(m) os
conceitos estudados; 2) a vertente produtora de significados: Nessa, os participantes
9
Optamos por aprofundar os conceitos desse parágrafo nos capítulos dedicados a explicar
sobre o Produto Educacional. Essa escolha se valeu de que, sendo um Mestrado
Profissional, o OAIA1 terá uma encadernação a parte para consulta pública de como utiliza-
lo em aulas. Por esse motivo, ao professor que porventura só tenha acesso ao produto
(capítulo), as elucidações e o desenvolvimento estarão lá.
10
a/r/tografia é uma metodologia recente e ainda pouco difundida no Brasil. Não cabendo
nesse trabalho explorar as inúmeras variações de linguagens e modelos de apresentação
que ela permite, nem a história do seu desenvolvimento, indicamos o site
(http://artography.edcp.educ.ubc.ca/) como referência para trabalhos. Bem como a produção
acadêmica de autores como Rita Irwin (2009) e Marin Viadel (2011), ambos indicados por
Barbosa (2014) em seu livro Redesenhando o Desenho (vide bibliografia).
compartilham e constroem o(s) significado(s) ao entrarem em contato com o Objeto de Arte
que represente o referencial teórico, os conceitos e/ou os problemas da pesquisa.
Escolheu-se a 2ª vertente por perceber de que ela se adeque mais aos objetivos, ao
tempo hábil, a reprodutibilidade para nossos pares e aos participantes dessa pesquisa. Já
que o público alvo é uma turma de 8º ano da Educação Básica de uma escola municipal da
cidade do Rio de Janeiro não há como coloca-los, por exemplo, em contato com todo o
referencial teórico aqui desenvolvido. Pois o mesmo exige uma dedicação a leitura e
repertório que não é esperado de alunos nesse ano de escolaridade.
As várias Artes, por elas mesmas, já trazem seu poder educacional; ou seja,
a Arte, per se, educa – não somente os sentidos, mas o ser humano em sua
totalidade – o espírito e o corpo, ambos em relação dialética, o que
Clandinin e Connely (2000) chamam de embodied knowledge ou
conhecimento corporeificado. (TELLES, 2006, p. 515)
A construção do Objeto de Arte Inserido em Aula nº1 (OAIA1) terá maior explicação
no capítulo dedicado a construção do Produto Educacional. Cabe aqui ressaltar apenas que
este se baseou em obras de artes (de diversas linguagens) que também investigassem os
conceitos/problemas desse trabalho. Já a sua inserção – tendo objetivos de ensino-
aprendizagem – se baseou em três abordagens educacionais distintas. A primeira é
específica da Educação Física: Jogos Cooperativos (BROTTO, 1995); as outras, das Artes
Visuais: numa aproximação da Abordagem Triangular (BARBOSA, 2010) com as propostas
de atividade de Sampaio Dória (1923).
FIGURA 6 - Exemplo de Foto-Ensaio retirado do trabalho “uma nova lente para o professor:
potencialidade da fotografia como dispositivo de pesquisa para ações pedagógicas
Cabe ressaltar que as fotografias não serão exclusivamente retiradas pelo professor-
pesquisador e proponente dessa dissertação. Outros alunos poderão auxiliar na execução
dessa tarefa. Pois os dados coletados por esse instrumento, nessa pesquisa, estão mais
relacionados a montagem/criação/problematização que ficará sobre ofício do arte-educador.
Esse não pode ser considerado um viés, mas uma escolha estilística (PONTY. 1991). Pois o
referencial teórico, os objetivos da pesquisa, a elaboração do Produto Educacional e a
operação técnica de edição fotográfica estão intrinsicamente ligados ao domínio do
pesquisador. Sendo a linguagem, que é a montagem das imagens, para avaliação de dados
independente de quem fotografa, com poucas instruções estilísticas é possível que a tarefa
de capturar a cena seja realizada por outrem.
A análise será realizada tal qual a pesquisa desenvolvida por Galvani (2016)
intitulada “Uma nova lente para o professor: potencialidade da fotografia como dispositivo de
pesquisa para ações pedagógicas”. Desse modo, (1) os alunos serão fotografados durante a
atividade de criação de seus desenhos e, (2) após o registro, será realizada pelo
pesquisador Foto Ensaios (VIADEL, 2011) a partir desses registros, para (3) observar as
manifestações estéticas dos conceitos que cercam a Identidade pós-moderna (BAUMAN,
2005) que surgirem. Por tanto, a análise dos dados da pesquisa será qualitativa a partir das
fontes imagéticas realizadas.
Essa análise se dará em cima de dados visuais que pretendemos investigar. Tanto
no exercício desenvolvido e em sua forma pronta e acabada através do Objeto de Arte
Inserido em Aula nº1 (OAIA1), quanto no dado registro/criacional do imediato, do momento,
do ato. Ou seja, o incompleto e inacabado, a forma em seu desenvolvimento, antes de sua
finalização. Posto como afirma Sasso isso também é uma propriedade da metodologia
utilizada:
A turma escolhida para o trabalho de campo foi uma turma do 8º ano da Educação
Básica do Ensino Fundamental municipal na cidade do Rio de Janeiro. Essa escolha se
valeu primeiro da restrita possibilidade de turmas em que o professor-pesquisador lecionava
no ano corrente da pesquisa. Quando iniciada a pesquisa a turma em que se pensava
trabalhar tal proposta seria uma turma de 2º ano dos anos iniciais.
Tal acordo, no decorrer da pesquisa não pode ser realizado. Devido a problemas
administrativos decorrentes da entrada e saída de professores na escola e licenças, não foi
possível a compatibilidade de horário entre as partes envolvidas. Para evitar que esse
problema pudesse acontecer com alguma outra turma após a pesquisa de campo já ter sido
iniciada, optou-se por efetuar a pesquisa em uma das turmas de exercício do professor.
Pois, não só por conta do número de vozes terem aumentado no mundo líquido
(devido ao acesso à informação pela internet, redes sociais, tv e outras mídias) e
potencializados pelo consumismo, também não só por conta das escolhas terem aumentado
e, por consequência as angústias de um não acerto. O que nos levou a escolher a turma
nessa fase da vida foi a ausência de ritualização da transição criança/adulto que a
sociedade moderna (e pós-moderna) se abdicou.
Nossa pesquisa nos levou a identificar que o Problema Identidade sendo próprio de
uma era moderna pode estar criando conflitos com a Educação e o Ensino na pós-
modernidade. Pois, quando temos inserido num currículo a “construção de identidade” e
hoje não temos mais construtores dela, mas consumidores, é necessário que a escola saiba
lidar com tal circunstância. Nesse ponto, a Arte/Educação, por lidar com modelos internos,
criatividade, imaginação e autoria nos pareceu ser a área do conhecimento mais própria
para lidar com isso.
Por tanto, se a sua identidade poderia ser construída, nada mais pertinente do que o
ambiente escolar oriente desde de tenra o como o fazer. Findando a Modernidade, estamos
hoje diante da Pós Modernidade que desfaz tudo que é sólido e durável, tal qual a prática de
construção. Esta, alicerçada em habilidades duráveis (como memória, tradição, técnica) e
sacrifícios (resiliência, estudo, abdicação de prazer momentâneo) visando o futuro, hoje é
rápida, fugidia e líquida. A construção se tornou consumo. Consumo de identidade.
A obra, em questão, foi Intitulada Objeto de Arte Inserido em Aula nº1 (OAIA1) e ele
pretende ser ipsi litteris o seu título: um objeto de arte inserido em aula. Ou seja, é aberto e
amplo. Assim, cada professor, artista e/ou pesquisador que decidir inseri-lo em suas aulas
está convidado a elaborar outras atividades que não só as demonstradas abaixo. Bem como
novas formas de avaliar as manifestações que possam surgir.
Os primeiros passos para dar forma a ideia do jogo foram suscitados pela referência
da obra Las Meninas de Diego Velásquez. Já que, como abordado anteriormente, ela trazia
os conceitos desse trabalho elaborados de forma sensível (em pintura). Era fundamental
criarmos um jogo onde o movimento de ultrapassar a tela de pintura (a quarta parede) fosse
contemplado de alguma forma pelo aluno. Para tal, era importante também sobressair a
dialética pertencente ao conceito de identidade, onde o Eu e o Outro conversam e se
constroem mutuamente no encontro.
FIGURA 9: trecho do filme Le mystère Picasso
Fonte: trecho do filme LE MYSTÈRE Picasso. Diretor: Henri-Georges Clouzot avec Claude Renoir
avec Pablo Picasso. GAUMONT VIDÉO. 1956 (78 min)
Em 1956, o cineasta Clouzot (1956), na tentativa de entender o gênio por detrás das
figurações pictóricas de Pablo Picasso, se propôs desenvolver uma película intitulada Le
Mystère Picasso11. Os frames acima foram retirados desse filme. Eles compreendem os
minutos iniciais da película e tentam demonstrar imageticamente a forma que se deu essa
investigação.
Entre o artista e a câmera existiu uma tela de pintura, esta, ao ser filmada, não
permitia mais que câmera capturasse a imagem do artista. Entretanto, a execução do seu
11
O Mistério Picasso (tradução nossa)
ato artístico (Poiesis), a pintura, se mostraria durante seu desenvolvimento. Vemos
pinceladas, manchas e traços ritmados em diferentes compassos formarem, desformarem e
deformarem a nossa frente em composições imagéticas.
Como Clouzot (1956) afirma no início do filme, ele pensava que ver os quadros
sendo feitos traria explicações e compreensão sobre as pinturas do artista. Mas estava
enganado.
Como afirma Bazin (1991), o filme “não explica nada”. Mesmo que essa não fosse a
intenção primeira de Clouzot, esse fato dá caráter de importância maior ao que é exibido. As
imagens se impõem em outra ordem de entendimento (que não é racional ou que apenas
Theoria não é capaz de elucidar). A apreciar a projeção da película assistimos em narrativa
visual soluções e suspense de problemas que Picasso executa conforme eles acontecem.
Foram duas ideias principais, explicadas por Bazin (1991), que usamos como
referências imagéticas na hora da construção do Produto Educacional. Ambos são mote de
discussão em Um filme Bergsoniano: Le Mystère Picasso de André Bazin (1991):
Assim, precisávamos construir uma forma que colocasse o aluno frente o ato de
desenhar/pintar dele mesmo, bem como o do outro. Dentro desse desafio há a pretensão de
que os envolvidos possam tocar esteticamente o auto-reconhecimento em sua dialógica.
A busca desse movimento se traduz numa proposta que não é apenas técnica, ou
seja, de demonstrar esboços, caminhos e pré-projetos do que virá a ser o
quadro/pintura/desenho final. Numa espécie de construção do saber cronológico e gradual.
Até mesmo fora de uma hipótese que pode ser provada ou não ao final da pesquisa.
Como Bazin (1991) sanciona, a ideia é a de que um quadro dê lugar a outro, até
chegarmos ao resultado final. Assumindo termos passado pelo fim e recomeço de ideias que
dão lugar a novas propostas (imprevisíveis). Como diz Pablo Picasso ao tentar falar sobre
seu ato de criação: “ [para isso] é preciso mostrar os quadros que estão sobre os quadros”
(BAZIN, 1991, p. 181).;
Entretanto, a opacidade aqui proposta por Clouzot (1956), não nos agradava como
solução. O fato deles (os alunos) não verem uns aos outros, incomodava. Já que, ao
seguirmos o exemplo do modelo proposto por Clouzot (1956), o contato com o outro se daria
de modo passivo. Todos seríamos meros espectadores dos traços e das manchas uns dos
outros, sem interferências dialógica nelas.
Na busca da solução para esse problema, o filme Moacir Arte Bruta (WALTER
CARVALHO, 2005) nos pareceu um caminho.
FIGURA 10: trecho do filme Moacir Arte Bruta
Fonte: MOACIR Arte Bruta. Diretor: Walter Carvalho.VIDEOFILMES. 2005. DVD (73 min).
Como exemplo de atividade, um dos jogadores sortearia ao acaso uma cartela com
uma letra. Essa cartela seria posta no vão da chapa acrílica, de modo que a sua inscrição
seria vista em ambos os lados. Em seguida, os dois alunos seriam convidados a
completar/imaginar um desenho a partir e com aquela inscrição. O aluno teria que lidar com
o outro, sem poder interferir no que era realizado (pois o outro e seu desenho estariam do
outro lado da chapa acrílica).
Entretanto, o desafio inicial que aparece ilustrado (FIGURA 34) não nos era
suficiente aos questionamentos da pesquisa, pois parecia tocar apenas numa dialógica
e/outro sem o afeto direto. Ou seja, abordava a percepção da existência do outro e não suas
interferências no eu (e vice-versa).
Eu e o outro eram reconhecidos em distância segura, separados por uma tela acrílica
asséptica. Eu via/reconhecia o outro e ele me via/reconhecia, eu me manifestava e outro se
manifestava, sem que isso, necessariamente construísse – ou desafiasse à – a
completar/complementar o que eu e o outro faz. A possibilidade de ser apenas expectador
passivo e autor egoísta era grande e nos preocupava.
A tela acrílica não era um material de custo barato e seriam precisos duas de medida
igual para montar um jogo. Além disso, como ele pretendia ser desmontável, criavam-se
riscos a integridade física das crianças e um dispendioso tempo de aula.
Pensando ainda que cada jogo proporcionaria o brincar de duas a quatro crianças,
numa sala, por exemplo, com 30 alunos, seria necessário montar pelo menos 7 a 8 (para
trabalho em grupo). Se cada um deles demorava em torno de 2 a 4 minutos para ser
montado, era possível prever um tempo de 30 minutos gastos só nesse processo.
Para Bauman (2005) o corpo em sua liquidez deixava de ser o tal corpo produtivo - o
corpo máquina - para ser o corpo consumidor. Ou seja, na modernidade o corpo era
fundamental para produção, precisava ser educado para tal, aqui, na pós-modernidade,
estamos lidando com um corpo que não produz, ao contrário, é educado para consumir.
O homem na modernidade (ser produtivo) tinha elementos caros como valor para se
estar no mundo. Habilidades técnicas, memória e tradição são alguns que davam a ele a
segurança numa garantia de futuro acertada. Ser ente produtivo com projeção de uma vida
confortável na velhice também encorajava circunstâncias de abdicar de prazeres fugazes e
rápidos. No interesse de algo mais duradouro em um tempo a frente, os valores da
resistência, dedicação, resiliência se tornavam eficazes mecanismos de bem-estar.
12
Cabe ressaltar que essa conversa se deu em reuniões dentro do atelier de luthieria dos
técnicos mencionados. Ambos com formação universitária em Artes Visuais e desenvolvem
trabalhos com marcenaria, confecção e construção de instrumentos musicais.
anteriormente citados já não são mais relevantes para o bem-estar. Ao mesmo tempo em
que as possibilidades de escolhas e alternativas de futuro aumentam, há a angústia em não
ter mais certeza em nenhuma delas.
Se pensarmos no modelo do jogo, não seria a tela acrílica uma Vitrine? E ela não o é
nem no movimento metafórico, o é em comparação simples e literal. E a vitrine, por sua vez,
não é um símbolo do consumismo? Uma "ilusão de intimidade" (BAUMAN, 2005), uma falsa
interação com o outro, com(o) o produto. Mais uma vez, esse trabalho quer se opor isso.
Dias e Irwin (2013) coloca o corpo como parte fundamental das pesquisas
a/r/tográficas quando constrói sua conceituação sob a fenomenologia. O método em si tenta
retomar o modo de saber sensível para além do campo da visão. Dado que na
contemporaneidade o sentido de ver passou a ser conhecido como saber (DIDI
HUBERMAN, 2013; DIAS; IRWIN, 2013; PONTY, 1991) e é o sentido mais explorado no
campo do consumo (BAUMAN. 2005). A frase “eu vejo” é frequentemente utilizada como
sinônimo de “ eu sei” e vice-eversa.
Ao mesmo tempo em que o Estado Moderno vai sendo construído, a inércia corporal
que a tecnologia promove, ao facilitar movimentos, tornar cômodas as tarefas corporais ou
até anula-las (!), inumaniza. Em consequência o homem passa a sofrer de doenças
psicossomáticas geradas pela falta de movimento, de ação (GONÇALVES, 1994).
Até agora temos os problemas de ordem conceitual: (1) a estrutura de vitrine que
remetia ao consumismo; (2) a não utilização do corpo fora do espaço predominantemente
visual; e quanto aos problemas de ordem concretização: (3) a dificuldade de reprodução
pelo material utilizado para montagem; (4) o processo de montagem demorado; (6) a
dependência da estrutura da mesa;
2019.
Embora fosse possível já tornar a aplicação da pesquisa realizável nesse ponto, bem
como os resultados e apontamentos dessa proposta já trariam uma amostragem da
possibilidade de multiplicação dessa atividade e desses problemas de estudo para outros
pares, decidimos nos aprofundar ainda mais e remontar a estrutura do OAIA1. Essa decisão
foi encorajada principalmente pela responsabilidade com a pesquisa.
O capitalismo foi se desenvolvendo e deixando mais claro que a questão não era
apenas a exploração do operário. Mas a forma como sua desigualdade de distribuição de
renda gera lixo humano (BAUMAN. 2011). Nesse processo, durante os séculos, aqueles que
não conseguiam adentrar e adequar com e nas classes mais ricas da sociedade, foram
13
(tradução nossa)
excluídas e estereotipadas. Ao não se equilibrarem com o padrão esperado, elas têm suas
identidades impostas por outros, não são úteis ao processo geral do desenvolvimento de
capital e lucro. Assim, são descartadas num sistema de isolamento social. São eles os
imigrantes, mulheres, negros, pobres... um grupo composto por marginalizados e rejeitados
socialmente de modo geral.
Tudo isso foi amplificado, nos últimos 50 anos, quando o aspecto de poder/status
deixou de ser ter a posse de algo. Hoje, o poder/status está conectado a capacidade de
consumir algo. De maneira que após a revolução digital, com o advento da internet e a
liquefação das fronteiras internacionais, levamos à condenação social aqueles que não
detêm poder de compra ou não parecem o ter. Pois, para terem permissão para participar
dessas novas relações, se faz necessário ser ente que consome ou ser ente que demonstra
consumo. Em contrapartida, há o paradoxo desse modus operandi: ao buscar por relações
sociais na sociedade de consumo, procurando pertencer a algum lugar, ter algo que nos
preencha e encontrar afetos, cada vez mais não pertencemos a lugar algum, nunca temos
suficiente e estamos carentes.
O consumo a que nos referimos não pode ser resumido a itens de compra. Como
também já foi citado, ele perpassa pelo comportamento social, pela alimentação, pelo modo
de se vestir e pela imagem. Enquanto os afetos também se virtualizaram e são
(des)encontrados em likes e/ou o quão rápido somos respondidos em mensagens. A
angústia e o medo são sentimentos comuns (BAUMAN, 2005) que geram o sentimento de
insegurança.
É no segundo capítulo desse livro que Bauman (2008) elabora três formas de
comportamentos nas relações sociais do mundo líquido que podem clarificar nossas ideias e
apontar para possíveis caminhos na solução do formato da vitrine do nosso trabalho. As
percepções do sociólogo, como pretendemos exemplificar, acontecem não só fora, mas
também no âmbito escolar. Podemos até inferir a dúvida: ensinamos assim? As concepções
são três: Estar-ao-lado; Estar-com e Ser-para.
Apesar disso, a presença do outro não pode ser plenamente ignorada nessa
modalidade. Pois, de alguma forma o que o outro faz, ou deixa de fazer, interfere
indiretamente na viabilidade dos fins e nas possibilidades de se chegar nele.
Já que estamos fadados a nos encontrar, então, criamos estratégias de não sermos
afetados. De uma bolsa colocada em um banco para ocupar o assento de maneira a
ninguém se aproximar, à análise fugaz de figuras em revistas para não trocar olhares, até a
infinita verificação de atualizações do meu perfil na rede social em um celular. Na escola
esses comportamentos também são replicados (mais uma vez, me questiono: ensinados?).
Cadeiras enfileiradas ou móveis que não permitem encaixe para trabalhos se não os
individuais. Lugares marcados como estratégia de afastar os alunos que mais interagem e
atrapalham a preservação do contrato de “cumplicidade de silêncio” (BAUMAN, 2013, p.69).
E, ainda quando as interações são permitidas e exigidas curricularmente, tais como em
áreas do conhecimento como Educação Física, elas promovem a coletividade em
competitividade.
E foram nessas circunstâncias que nos fizeram encontrar em Broto (1995) e na ideia
de Jogos Cooperativos uma possível alternativa de saída. Aplicamos ao suporte (na sua
materialidade e mobilidade) a ideia de cooperação. Em si, ela se diferencia da competição
quando não cria um objetivo a ser conquistado apenas por uma pessoa ou grupo, gerando o
vitorioso e o derrotado. Ela é a busca para alcançar um objetivo em comum com a
necessidade intrínseca do outro, ou seja, sem o outro não é possível concluir a tarefa.
Nenhum dos dois (nem o eu, nem o outro) irão chegar ao final se não cooperarem.
Nesse ponto, mais uma vez, problematizamos o nosso Objeto de Arte, pois aqui nos
parece que os encontros e integrações a serem promovidas por ele serão do tipo estar-com.
Mesmo ao replanejar os suportes e aumentar a interação entre os entes participantes,
racionalmente nos parece que eles estarão dependentes da/pela circunstância e limitados
temporalmente por ela. Enfrentando tal conjuntura, nos perguntamos o que seria preciso
para ultrapassarmos também esse encontro superficial e alcançarmos o ser-para (último
grau de relação descrito por Bauman e o único em que os entes estão completos).
Apesar de Bauman não nos dar um caminho possível para realização da transição
do estar-com ao ser-para, ele consegue definir o que é o ente ser-para. Acreditamos que
nessa descrição poderemos encontrar pistas de como elaborar nosso OAIA1 para que
possa tocar o ser-para.
O próprio autor já consegue observar em sua definição um dos motivos para nos
afastar dessa integração e seu acontecimento existir mais como uma exceção
contemporânea do que como norma. A causa relatada reside na fundamentação do
entendimento do que é ético. Pois no campo do discurso, sua base é a compreensão de um
bem maior. Ou seja, o sujeito, ao entender os alicerces de uma vida em comunidade
equilibrada e sadia, ele se autorregulará em um comportamento que beneficie o todo.
Entretanto, no campo prático, ela é entendida como o comportamento que devemos ter para
não ser punido (BAUMAN, 2011).
O dever ético na pós modernidade sofre com a liquidez de seus entendimentos que
distam no discurso e na prática dele. Logo, o medo se torna o motivador para o exercício do
dever ético e faz com que os entes tomem decisões de comportamento. De tal maneira que
para Bauman (2011), ao analisar através de citações de Vetlesen, a interpretação do caso
Eichmann, também se opõe a conclusão de Hanna Arendt.
Aqui, uma questão central ainda não resolvida em nossa análise precisa ser
colocada. Posto que já conseguimos alcançar o reconhecimento de exemplos ser-para e
perceber que há a necessidade de promoção desse comportamento em ambiente escolar
(que nos parece realizar-se e ratificar-se em justo oposto na sua construção histórica e
modus operandis): é possível promover esse comportamento espontâneo artificialmente? Se
sim, como coloca-lo em nosso modelo de Objeto de Arte Inserido em Aula?
Fon
te: trecho do filme MARINA ABRAMOVIC – A Artista Está Presente. Diretor: Matthew Akers. SHOW
OF FORCE. 2012 (106 min)
A performance apresentada pela artista Marina Abramovic em 2010, intitulada “A
artista está presente”, registrada no documentário de Matthew Akers (2012), pode nos trazer
mais pistas sobre um modelo de promoção do ser-para e, tão logo, as atividades a serem
preparadas para os alunos. Nessa performance foi pedido pela artista que se
disponibilizassem uma mesa e duas cadeiras em um dos salões do MOMA. Ela se
posicionaria sentada em uma das cadeiras durante o período da exposição (3 meses) todos
os dias. Por sua vez, o público, um a um, sentaria na outra cadeira a sua frente e seria
convidado a olhar para a artista. A proposta inicial era a de que ela nada falaria, nem
mesmo com a expressão facial. Seria entregue a quem sentasse na cadeira, um olhar
direto, um olhar “olho no olho”
Reflexos do olhar. Foto ensaio composto por fragmentos do filme MARINA ABRAMOVIC – A Artista
Está Presente (AKERS. 2012) e detalhes da pintura Las Meninas (VELÁSQUEZ. 1656). Fonte: o
autor (2018)
Ora, não nos parece que essa é a nossa busca desde o início? É o próprio
movimento caligramático de Magritte acontecendo no eu/outro em Abramovic/Público; a
reflexibilidade - em todos os sentidos - de Las Meninas onde o autor da obra é
pintor/rei/público e, enfim, o movimento rizomático estar-com/ser-para, que buscamos
alcançar, acontecendo.
Como já esperado por uma pesquisa em arte, nosso OAIA1 pretende diversificar as
suas formas de afetar eu/outro. De forma que será avaliada, como em “A artista está
presente” a sua abrangência, amplitude e diversidade em registrar as integrações. Com o
foco em encontrar estar-com/ser-para, mas sem restringir outras possibilidades.
Entretanto, não vemos menos potência nisso. Apenas uma possibilidade diferente de
encontrar a experiência estética dos conceitos de sentar-se à mesa e de olho no olho que
são, no final, sinônimos de compromisso e vínculo. No âmbito prático, quando estivermos
em campo, teremos diante de nós o momento de avaliar se essa estrutura (em sua
materialidade e atividades) favorece o despertar dessa qualidade. Assim, a elaboração das
atividades de desenho e pintura, pretendem incentivar o mesmo compromisso e vínculo.
5.4 A abordagem
Não devendo ser compreendida como etapas estanques, as aulas de artes devem
contemplar essas três vertentes para construir o ensino de artes como um diálogo
(BARBOSA, 2011). Na sua primeira elaboração tais etapas em diálogo, sempre giravam em
ordem. Uma década depois, revisitando a própria teoria, já se falava em um aspecto zigue-
zague, onde de um dos vértices pode se caminhar qualquer um dos outros dois e, por sua
vez, retornar ou seguir adiante - se preciso o for.
Tal objetivo estará presente durante as atividades. Estas serão desenvolvidas para
acontecerem em turnos, pois, pretendemos mesclar o fazer e o apreciar. Enquanto um dos
alunos desenha e aprecia o que é feito pelo outro (por ser transparência), aquele que
aprecia o desenho que está sendo execução também elabora o seu fazer do próximo turno.
Ao mesmo tempo em que o repertório individual e coletivo será compartilhado e integrado
em uma obra só (tanto pela orientação do arte-educador quanto pelo eu/outro envolvidos
diretamente no processo performático). Pretendemos, assim, ter o
fazer/apreciar/contextualizar como uma nova ação.
A partir disso, procuramos nos basear em uma abordagem anterior a triangular, uma
em que ainda não tivéssemos a divisão dessas ações.
Entendemos que as etapas de “a” a “e” são partes inerentes a qualquer aula que se
mantenha aberta ao diálogo constante com o aluno e fazem parte assim, do cotidiano do
professor-pesquisador que tem prioridade de desenvolver a autonomia do aluno. Daremos
ênfase, então, em “f” que, a priori, nos parece ser a etapa que pertence diretamente ao
pensamento estético.
ATIVIDADES PROPOSTAS
AULA 1
Após a explanação, com as duplas posicionadas e prontas para o desafio, foi pedido
que eles realizassem um desenho na transparência, de modo que o trabalho pertenceria aos
dois e seria feito em turno e rodadas, de modo que:
Uma rodada teria dois turnos. No primeiro turno um dos lados deveria desenhar uma
forma geométrica à mão livre. Por sua vez, no segundo turno o outro lado deveria utilizar
aquela informação para desenhar “algo que não pode viver sem”.
Le Mystère Casa. Série Estilo composto por duas fotografias digitais. Fonte: o autor (2018)
FIGURA 18 - Triângulo-Fronteira-Casa
Triângulo-Fronteira-Casa. Foto-ensaio composto por duas fotografias digitais. Fonte: o autor (2018)
FIGURA 19 - Le Mystère Pizza
Le Mystère Pizza. Série estilo composto por uma fotografia digital. Fonte: o autor (2018)
Isso se deveu por alguns fatores que só puderam ser avaliados no decorrer da aula.
O primeiro deles foi a quantidade de duplas e o outro foi realização simultânea de todos os
trabalhos. Sendo o pesquisador apenas um, alguns trabalhos não tiveram a possibilidade de
ter, ao menos, uma foto em cada etapa. Nesse sentido, o instrumento do registro de
algumas falas dos alunos veio a acrescentar na análise.
Nessa primeira avaliação, decidimos reunir na sequência de fotos (Figura 17 a 19)
trabalhos que dialogassem com o comportamento estar-com. Na sequência acima, Le
Mystère Casa (FIGURA 17), a casa foi realizada - a primeira vista - com independência do
triângulo. Atitude que se repetiu também no desenho em vermelho, Le Mystère Pizza
(FIGURA 19), quando a fatia de pizza foi desenhada sem utilização gráfica do círculo.
Entretanto, todos os alunos envolvidos demonstraram pensamento estético sobre a
circunstância imposta pelo desafio.
O que nos trouxe a dúvida, a ser testada numa próxima aplicação, se isto se deve a
condição própria da materialidade. Já que a dobra do saco pode ter sugerido uma fronteira e
colaborou para esse posicionamento na realização da imagem.
Já, a imagem de vermelho abaixo, Le Mystère Pizza (FIGURA 19), mantém o mesmo
diálogo com os conceitos de estar-ao-lado e estar-com. Apenas com uma pequena variação.
Quando no primeiro turno do desafio, a imagem do círculo é colocada no centro da folha.
Vê-se nisso uma atitude gráfica de diálogo com a linha divisória do plástico. Diferente do
desenho anteriormente analisado, o aluno desse primeiro turno faz a sua imagem maior
conceitualmente que o conceito da linha/divisão. Ou seja, não será esta linha (própria do
material que é a dobra do saco plástico) o guia para realização do desenho. Este, será
conduzido pela autoria imposta pelo elemento recém pintado.
Ainda não temos a dependência mútua que é propriedade do estar-com, mas não
podemos situar essa manifestação numa relação de estar-ao-lado. Pois o vínculo existe, só
não é completo, nem mútuo.
A fatia de pizza existe isenta do círculo. Logo, ela dá significado ao círculo e altera o
desenho como um todo, direcionando-o. Na mesma medida e inversamente proporcional,
ela não permite que o círculo faça o mesmo com ela. A fatia interage de forma egoísta e
independente. É elemento que não constrói significado, mas o traz pronto e o impõe como
se o anterior nada tivesse a lhe oferecer. Desse ponto de vista, o comportamento estético
pode ser comparado a uma prática bancária pedagógica (FREIRE. 1996). Criticada
exatamente pelo professor-fatia se comportar dessa maneira quando com o aluno-círculo.
Essa relação, como já referida, não nos parece poder ser alocarmos no estar-ao-
lado, como a anterior. Pois, diferente, existe uma interação mútua - apesar de não ser
dialógica. Entendemos estar diante do movimento estar-ao-lado/estar-com.
Abaixo (FIGURA 20), podemos observar nas fotos das obras finais desses alunos
que, diferente das anteriores, a integração com os elementos formais foi muito mais intensa.
Criando imagens que, apesar de difusas, demonstraram compromisso e confiança entre os
pares.
FIGURA 20 - Le Mystère Casa e Sol
Le Mystère Casa e Sol. Série estilo composto por duas fotografias digitais. Fonte: o autor (2018)
Já Le Mystère Casa e Sol nos dá um vislumbre da manifestação que podemos
nomear como estar-com/ser-para. Observamos, esteticamente, que além da integração total
do triângulo para elaboração da casa, há um segundo gesto de relação manifesto no círculo.
Após ter desenhado a casa, quando agora se encontrava na vez de realizar a forma, a
escolha foi a de um círculo posicionado ao alto. A intenção que é o desejo do seu par
continuar o desenho planejado e elaborasse um sol comporta uma das qualidades do ser-
para: confiança. Esta é correspondida.
A ação do autor do círculo não pode ser enquadrada plenamente no ser-para, pois
como autor da casa e modificador do triângulo, ele passou a ser o condutor do desenho. Já,
a ação de correspondência na confecção do sol é uma resposta positiva de aceite e de
entrega. O que nos sugere que estávamos, nessa segunda rodada, a caminho de sair da
integração estar-com e talvez irmos ao ser-para. Mas infelizmente esse anseio não pode ser
apurado. O tempo de aula foi interrompido. O trabalho se encerrou no segundo turno da
segunda rodada. Ficamos sem uma possível resposta estética se a dialógica de
compromisso aconteceria.
Recordações da Casa Amarela. Série Fragmento composto por uma fotografia digital. Fonte: o autor
(2018)
Em mais uma análise dos trabalhos nessa primeira inserção do Produto Educacional,
mostraremos um trabalho ímpar as demais relatadas.
FIGURA 22 - Como eu vou desenhar deus de um quadrado?
Como eu vou desenhar deus de um quadrado?. Foto ensaio composto por duas fotografias digitais.
Fonte: o autor (2018)
Ao se ver diante do quadrado desenhado pela sua dupla no primeiro turno e
ponderando sobre a resposta que daria ao desafio de “algo que você não possa viver sem”,
a aluna fez essa pergunta retórica.
Entretanto, do ponto de vista do aluno que fez o quadrado, no primeiro turno, não foi
demonstrado repúdio e reclamação diante disso. Ao contrário, se teve certa acomodação
em não precisar elaborar nenhum trabalho de criatividade e imaginação enquanto sua dupla
o fazia. Se permitiu que a entrega da aluna na segunda rodada acontecesse dessa forma
numa acomodação de interesses mútuos, ou como estamos chamando nessa pesquisa,
num estar-com: ”ela gosta de desenhar e eu só preciso segurar” somado “eu posso
desenhar à vontade porque ela só vai querer segurar”
É notado, através desses exemplos, que para uma investigação acerca das
possibilidades de manifestação do estar-com/ser-para dentro dessa atividade, se faz
necessário maior tempo de imersão, para a execução de, ao menos, duas rodadas. Nessa
circunstância, com a fotografia sequencial dos trabalhos somada a documentação
pedagógica, seria mais possível fazer ponderações mais abrangentes.
AULA 2
Quanto a abordagem, (1) o problema da ruga no plástico foi resolvido com a troca do
material. Passando a ser utilizadas as mesmas sacolas próprias de frutas e legumes, mas
dessa vez sem amassados; (2) A entrada do pesquisador para o trabalho aconteceu em
uma aula em que a grade permitisse mais tempo de dedicação (para ser preciso, essa
segunda entrada foi realizada com o dobro do tempo da primeira. Pois foi arranjado que os
dois tempos não consecutivos de artes, 50 minutos cada, se organizassem juntos); (3) Os
dois turnos terão trabalhos de criatividade, mesmo o primeiro. Assim, pretendemos evitar
ações de acomodação com o trabalho da dupla; (4) seria disponibilizado para as duplas uma
maior quantidade de cores espalhadas em diversos pontos pela sala, desse modo se
esperava tanto incentivar a criatividade quanto a movimentação pelo espaço na busca de
outras cores; (5) por fim, uma aluna foi instruída a também fotografar os trabalhos em
desenvolvimento na tentativa de capturar mais etapas.
Le Mystère traço de sentimento. Série estilo composta por duas fotografias digitais. Fonte: o autor
(2018)
FIGURA 25 - Duplas e Complementos
Duplas e Complementos. Série fragmento composto por uma fotografia digital. Fonte: o autor (2018)
Durante a análise dos dados sobre a aula, a série fragmento Le Mystère traço de
sentimento (FIGURA 24) foi primeira imagem realizada. Ela investiga as manifestações
estéticas e a corporeidade que, supomos, estar intrínseca ao desenvolvimento do desafio.
De modo que a nossa investigação para encontrar a possibilidade de estar-com/estar-para,
nesse trabalho, nos pareceu não ser alcançada.
Mais uma vez, observamos como, mesmo a propósito de criar uma circunstância do
estar-com, a partir do vínculo com os braços e a interação de dependência mútua (tanto no
suporte quanto na confecção do desenho), é plenamente possível agir com insensibilidade e
transformar a situação em estar-ao-lado.
Existiram duas pequenas variações nesse comportamento dos turnos. De modo que
a manifestação estética se apresentou como uma pequena variação do estar-ao-lado para o
estar-com.
É preciso primeiro tomar nota da ordem sequencial das obras. Sendo realizadas na
primeira dupla a ordem: (em verde) celular, celular, (em azul) nuvem, nuvem e, finalmente
(em vermelho) coração. Aqui se fez um caminho do concreto e racional até o abstrato
emocional, de modo que a transição esteve num elemento simbólico. Em outras palavras, o
racional foi exposto pelo item - celular - em dobro, o pensamento simbólico de refrescar
representado em dobro na sombra/nuvem (estava um dia de calor, de fato), e o abstrato
emocional no coração.
De alguma forma, ao evocar o desejo por emoção de forma estética, fica claro para a
dupla que esta necessidade é mútua, dialógica e cooperativa.
FIGURA 26 - descorporelizadas
descorporelizadas. Foto ensaio composto por cinco fotografias digitais. Fonte: o autor (2018)
Se tratando do descorporelizadas (FIGURA 26) acima, a análise foi feita no processo
de descorporeificação que foi diagnosticado. As personagens aqui representadas
apresentaram a performance do trabalho sem um corpo interessado. É possível perceber a
quebra do vínculo dos braços e a utilização da mesa como suporte/apoio. Bem como a
desatenção dada ao processo de autoria da própria dupla em alguns turnos. Enquanto uma
elabora de forma gráfica um de seus desejos, a outra manipula seu smartphone enquanto
aguarda sua vez. Não existindo vínculo e/ou troca de olhar, a relação dos corpos estão
plenamente em estar-ao-lado. Ademais, quando relacionamos com o Recordações da Casa
Amarela (FIGURA 44), começamos a perceber a resposta estética em uma sintonia
dialógica com a resposta da corporeificação.
Isto é, começou a ficar mais claro para nós que o processo de entrega performático -
a corporeificação do desafio estético - está conectado à resposta gráfica da manifestação de
integração no desenho. Seja no estar-ao-lado, estar-com ou ser-para (bem como seus
respectivos movimentos de um para a outro), o corpo age vinculado ao que está sendo
esboçado. Nesse sentido, nos parece que o suporte é o responsável por essa ação e que
realizar a tarefa na sala pode ser um fator que gera a acomodação dos corpos. Se não gera,
ao menos, em alguma medida, inibe essa corporeificação.
FIGURA 27 - Cor tátil
Cor tátil. Série Fragmento composta por duas fotografias digitais. Fonte: o autor (2018)
Aqui, mais uma vez, não vamos fazer uma análise psicológica do gesto
(característico, novamente, da infância), nos deteremos na circunstância da ação
performática da experiência corporeificada do saber estético sobre a cor. A expressão de
repetição do gesto de manchar as mãos pelas alunas, aqui, por ser contida aquelas duas
duplas, nos suscitou o pertencimento de Bauman.
A priori, não há relação nenhuma entre o desenho da primeira rodada com o que
acabou de ser realizado. As imagens, literalmente, pertencem ao estar-ao-lado quando se
fazem presentes na condição do local, mas no contrato silencioso não se atrapalham, nem
cooperam entre si. Tão pouco se afetando ou tocando, elas se mantem em distanciamento
seguro através do vazio transparente entre elas.
O elemento da emoção é evocado como um desejo por uma das partes, mas já
sendo apresentado completo. Ainda na segunda rodada, o segundo turno toma uma ação
de quebra. A alteração proposta é o traço que refaz o significado do coração de paixão à
decepção amorosa.
Entretanto, apesar das decepções que ocupam a maior parte da imagem, temos um
vislumbre de uma boa relação ao final. Após a sequência de rodadas, onde foram feitos os
seguintes desenhos: 3) cesta de basquete, meteoro destruindo; 4) prato de macarrão, mofo;
5) prancha de surf, prancha quebrada; no limiar de término da tarefa (pelo tempo) e com
pouco espaço para realização de outras manifestações, na sexta rodada o primeiro turno faz
o desenho de um homem posando como forte. Ao que o segundo turno, aquele que tinha
sido responsável pela destruição do coração, dá ao traçado mais corpo (uma representação
de massa muscular) e coloca um halter sendo levantado.
Quando agora, no limite de espaço da folha (já que o suporte traz dificuldade na
realização da tarefa por muito tempo e em traçar na parte inferior da folha) na sétima rodada
o primeiro turno desenha um hamburger e o segundo fritas e refrigerante.
Há dois aspectos de conexão nesses dois últimos turnos de trabalho que tocam a
teoria abordada. O primeiro deles é sobre o ser que deixou de ser produtivo e passou a ser
consumidor. No que tange ao novo ser, na pós-modernidade, ele também é consumidor do
corpo. Vemos o aluno demonstrando o desejo em ter o corpo apto, forte e considerado
padrão de beleza. Tal ação é endossada no segundo turno quando a alteração não só
compactua com o desejo, mas o intensifica (dando músculos e peso). A série de
interferências negativas é interrompida justamente quando aquilo que você deseja pertence
a esfera do que é consideravelmente aceito na pós-modernidade.
Essa reflexão pode ser mais aprofundada quando separamos os episódios e vemos
que toda a destruição dos desejos do outro começou na evocação de um anseio emocional.
Ao coração, simbolizando no desenho uma relação estável, de vínculos de confiança e
responsabilidade mútuas (o ser-para), é dado o corte que gera todas as outras ações de
interferência. Assim, a relação entre as imagens passa de estar-com a estar-ao-lado, bem
como a relação entre os turnos.
Isso nos chama atenção para o fluxo de movimento de escolhas em cada rodada
que hora é cooperativa, hora é destrutiva. E, inegavelmente, elas, de um movimento ao
outro, por mais que pareçam independentes e difusas na forma, geram consequências
diretas ao seguinte.
Mais uma vez o tempo da aula e o limite da folha não nos permitem avaliar se esse
ciclo se repetiria. Entretanto, como uma pesquisa de artes, intuitivamente, vemos uma pista
de solucionar (ou amenizar) as angústias e medos pós-modernos: possibilitar a cooperação.
FIGURA 29 - Le Mystère Brincar de Pipa
Le Mystère Brincar de Pipa. Série estilo composta por quatro fotografias digitais. Fonte: o autor
(2018)
Em nossa última análise separamos Le Mystère Brincar de Pipa (FIGURA 29) que
conta a sequência de realização desses quadros, bem como a atitude inédita - até aquele
momento - de se preocupar em guarda-lo. A principal característica que nos chama atenção
em análise é a unicidade na composição.
Essa composição não tem uma diversidade de elementos em uma relação episódica
e fragmentada uns com os outros, tampouco tem poucos elementos. Esses que habitam e
configuram a obra foram pensados e realizados em turnos, lados e por pessoas diferentes.
Mas, apesar disso, comunicam desejo claro e complexo: brincar de pipa em um lugar
bucólico, perto de casa e num dia ensolarado.
Os dois autores da imagem elaboraram tudo que viria a ser o cenário final em cima
da convergência de um mesmo desejo/consumo. Tal objetivo se torna ainda mais elaborado
quando entendemos que os mesmos não se colocaram no quadro. Optaram por um ente
ontológico que, sem uma identidade definida, pudesse representar os dois (ou qualquer um
que tivesse tal anseio). O desenho da pessoa não tem características restritivas, mas é
volátil e aberto na sua simplicidade.
Tal qualidade, é preciso observar, não pertence somente ao personagem. Ela faz
parte de toda a obra e se fez presente desde o início. Ao investigarmos a primeira
composição é possível perceber que logo no primeiro turno todo o suporte foi utilizado
graficamente. Em cima, em baixo, no centro, nos lados. O primeiro aluno já marcou o
domínio de sua manifestação estética organizando e objetivando o caminho que o trabalho
seguiria. Mas ele não o fez num formato de caráter fechado e restrito.
Há espaços vazios, tal como em todas as obras aqui analisadas. Ainda não é o
espaço de movimento rizomático de magritte, já que a permissão do movimento do nosso
olhar, aqui, não remonta nada externo/interno a obra. Nossos olhos passeiam entre os
espaços na simples função de capturar e entender a gestalt. Tão pouco eles falam sobre o
movimento da autoria em Velásquez, pois não há assinatura/estilo, nem uma característica
fundamental de individualidade. Muito menos, o da segurança pós-moderna. Pois o vázio
não está ali como ente de afastamento, que pretende a criação de uma limitação invisível e
impenetrável a outro elemento. O espaço da transparência não é demarcação individualista
e inibitória.
Ao desenhar (tudo isso no segundo turno) o aluno preenche um espaço que estava
em desequilíbrio em um dos lados. Sendo a personagem com a pipa um elemento central,
somente em um dos seus lados nós tivemos a inserção de outros entes por parte do aluno
responsável pelo primeiro turno. De modo que o sol e a árvore ocupavam de cima a baixo
todo o lado esquerdo/direito da obra, a nuvem e a pipa fechavam a imagem da tela criando
um circuito quadrado (com as arestas dessa forma geométrica posicionadas mais ou menos
no sol, na raíz da árvore, no fim da rabiola da pipa até a nuvem).
Ressaltando o ponto “e”, devemos perceber que o sol se inscreve numa distância de
infinitude com o chão, por ser elemento flutuante (celeste). Apesar de abrir o espaço infinito,
ele era elemento de uma configuração cíclica quadrada, vertical/horizontal. A casa, por sua
vez, abre essa configuração não só em seu posicionamento e peso, mas por (f) ser o maior
de todos os elementos (imageticamente: no peso, na cor quente, na ocupação do espaço),
ela não se inscreve em seu tamanho total. Ela brinca com a lógica racional.
Nós sabemos que a pipa, a personagem, as maçãs e até a árvore cabem na casa. E
mesmo assim ela é diminuta. Sua “maioridade” não pretende ocupar mais que o necessário,
nem se vale disso. Mais uma vez ela quer ocupar o lugar dela, sem brigar com o elemento
central. Ela, por poder o ser, escolhe equilíbrio ao invés de imposição quando opta por fazer
parte e ser independente sem ser mais do que o que já estava ali.
frente/verso/raso/profundo/grande/pequena/longe/perto/movimento/estático/aberta/f
echada… e é também só uma casa naif: singela/complexa
Por fim, o espaço vazio é adotado como pertencente e pertinente a obra. Não há
segunda rodada, a confecção da obra acabou. A pintura está tão completa e segura que
nenhum dos dois autores está sensibilizado à dúvida de que falta algo. Não falta. O vazio
faz tanta parte da obra quanto qualquer um dos outros elementos. Diferente da angústia da
pós modernidade, não se opta em preencher o vazio ocupando espaços com qualquer
coisa. O vazio também tem o seu valor e este é dado a ele.
FIGURA 30 - Varal
Varal. Série fragmentos composta por duas fotografias digitais. Fonte: o autor (2018)
A solução foi pendurar a obra como num varal. O trabalho é significativo para os dois
em tal escala que a referência deles é mola motriz para que outros alunos também desejem
pendurar suas respectivas obras. Eles também querem fazer parte daquilo, eles têm essa
possibilidade e interagem com o desejo dos primeiros autores.
Afinal, nos resta algumas dúvidas. Dentre elas: se todo esse movimento inspiratório
e dinâmico teve embrião na convergência do desejo (de soltar pipa) entre os alunos, estaria
o movimento estar-com/ser-para sendo possível na união cooperativa entre o desejo de dois
entes? É possível dirigir os desejos/consumo em um bem-estar social e não em egoísmo
individualista? Estaria no aprendizado da cooperação a possível chave para as angústias do
mundo líquido?
Após toda a pesquisa em campo, a análise dos dados e avaliação do produto, esse
último capítulo da dissertação pretende indicar como conclusões os possíveis novos
caminhos de pesquisa. Estes puderam ser realizados por nós através de questionamentos
que surgiram durante o processo, bem como pelos leitores dela.
Este demonstrou ser uma ferramenta com uma característica própria, pois, ao
trabalhar esteticamente os dados, permitiu que a pesquisa se intensificasse e criaram-se
novas ramificações temáticas. De maneira que foi necessário, após uma diversidade de
realizações e projetos de possíveis foto ensaios como dado, selecionar os que se tornaram
mais representativos ao tema central. Pois o tempo de trabalho para realização da pesquisa
exigiu do artista-pesquisador-educador a cruel tarefa de seleção.
As aulas que vieram a posteriori das aqui analisadas seguiram com o modelo do
produto educacional OAIA1 com outras dinâmicas de criação e possibilidades de trabalho
cooperativo (em trios e grupos com 4 a 5 alunos). Assim como na primeira aula a dobra do
plástico – vista como uma interferência - nos levou a modificações para pensar uma
segunda aula, nas aulas seguintes dois pontos foram modificados: observação de modelo
vivo e espaços da escola fora da sala de aula. Isso se mostrou eficaz na aprendizagem de
objetos de estudo específicos do ano letivo, bem como surgiram novos conflitos e outras
novas possibilidades.
Entretanto, pela demanda de trabalho em realizar uma análise de dados com foto
ensaio semanalmente, de uma aula para a outra a dedicação exclusiva a uma turma se
mostrou cansativa.
O que nos leva a falar sobre a valorização desse profissional. Já que o tempo
disponibilizado para trabalho extraclasse (correção de provas, planejamento de aulas e
pesquisa), legitimado pela Lei Federal nº 11738/200 e que é equivalente a no mínimo ⅓ de
sua jornada total de trabalho, não foi respeitado pela Secretaria Municipal de Educação na
época dessa pesquisa. Sendo assim, algumas escolhas aqui tomadas estiveram atreladas
diretamente com o fato dela acontecer além do período de trabalho. Inclusive o
encerramento da pesquisa com análise de duas aulas.
Esperamos que futuras pesquisas possam utilizar os dados aqui levantados para
desdobramentos do tema. Pois os alunos que chegam todos os dias às escolas já nascem
na pós-modernidade, já se encontram enfrentando os problemas angustiantes da sociedade
contemporânea.
No que compete aos escritos utilizados para costurar e construir esta pesquisa,
Bauman se mostra um autor complexo e que ainda trará grandes contribuições a futuras
pesquisas ao tema. Esse texto tentou se aprofundar em algumas poucas obras do autor e
artigos de base para complementarem a investigação. Mas queremos ressaltar o valor
contributivo principalmente do capitulo dois do livro Vidas em Fragmentos e do livro
Identidade.
Enfim, sobre esse trabalho, entendemos que todas as atividades em dupla, trio ou
grupo possibilita aprendizagem nas questões aqui abordadas como temática – independente
da área de conhecimento. Por esse reconhecimento não vemos essa investigação
acadêmica como um movimento de ineditismo. A educação afetiva, a cooperatividade e a
necessidade de uma educação e ensino menos fragmentado já é discutido e trabalhado em
âmbito escolar há décadas. O diferencial aqui foi tentar alocar a relação/integração como
exigência intrínseca a ser (auto)avaliada para construção do saber, em nosso caso, estético.
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