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Considerando-se a miríade de interpretações de Maio de 68 e a posição de C.

Lefort, como podemos


compreender a ideia segundo a qual Maio de 68 abriu uma brecha no tecido da experiência (seja
noo âmbito do pensamento, seja no âmbito da ação política)

Neste trabalho tentará se falar sobre o movimento de Maio de 68 ocorrido na França,


composto no começo pelos estudantes da Universidade de Nanterre, e depois pelo resto da
população, numa escala gigantesca, tendo todo esse aderimento por causa do reconhccimento,
destes, pelas reivindicações. No final, o movimento de Maio de 68 foi engolido pela ordem, a qual
tanto enfrentou e contrariou, porém isso não impediu que este causassse uma pequena ruptura, com
o processo político-cultural que havia sendo imposto já a um tempo. Essa ruptura, que Lefort
denominou como “brecha”, seria a obtenção da consciência infeliz de Marcuse, de se perceber
como fora do que está sendo dado e proposto pelo Sistema, de não se sentir parte dele. Mas, mesmo
com esse pequeno impacto causado por aquela ruptura, Maio de 68 modificou o jeito de pensar na
esfera política, destruindo a subjetividade em nome da individualidade contra esse mesmo sistema e
abrindo uma nova discussão sobre autonomia e heteronomia, segundo a questão de liberdade e
intersubjetividade; e na esfera do pensamento, o implemento ou afirmação de uma cultura hedonista
e narcisita. E essas modificações ainda que sendo postas, para um melhor estudo, em campos
separados, se entrelaçam para formar o pensamento que viria no pós-Maio de 68. A visão deste
trabalho se aproximará mais com a noção de heteronomia, entretanto discordando dela em certos
casos.
Durante e depois do movimento, e até mesmo anteriormente, tentou se entender o que estava
ocorrendo de diversas maneiras, assim o leque de interpretações se abriu. Antes do ocorrido, parece
que Marcuse pressentia o que haveria, pois segundo uma visão mais otimista, suas ideias freudianas
estavam presentes nos jovens enquanto protestavam e ocupavam os espaços públicos (esses atos são
exemplos de recusa da ordem instituída às pessoas). A espontaneidade de que o autor comentava
realmente ocorreu, afinal o movimento se deu numa aparição, no sentido de aparecer do nada, sem
uma causa que guiasse notadamente aqueles que participaram. Devido a esse sentimento de recusa,
os jovens serviram como uma vanguarda, como uma base teórica e, de certa forma artística, das
outras partes da população. Eles estavam sublimando não-repressivamente a libido, usando essas
suas energias criadoras, de maneira canalizada para criar cultura, para um gozo de si próprio, porém
ainda num campo erótico, estavam transformando a sexualidade em Eros. Nas imagens produzidas
nos cartazes e nas que os jovens estavam passando para a sociedade, no comportamento dos
estudantes, era nítido que sujeito já não era mais só consciência kantiana, ele era corpo, sentimento,
alma, consciência, inconsciência, desejo. Mas Marcuse não intuiu nada, somente apoiou seus
jovens, ansiando para que fizessem ou provocassem um tipo de mudança. E houve uma mudança.
Eles, essencialmente, durante um curto período, recusaram continuar do jeito que estava,
conseguiram em primeiro, antes da população, como vanguarda, passar ao resto, chegar a uma
consciência infeliz, se sentindo fora da ordem. Sentiram que a felicidade estava fora do Sistema, de
que aquilo que era oferecido os estava aprisionando, mesmo eles garantindo que com, por exemplo,
a liberdade sexual eram livres.

Enquanto estava ocorrendo Maio de 68, Lefort presenteou a todos com sua forma de ver.
Não sendo muito distante de Marcuse em relação à questão dos jovens comporem a criatividade que
rompe a com a continuidade histórica, e segundo a ortodoxia marxistas, esta criatividade fica
dissolvida na continuidade da história, e a classe trabalhadora seria o agente revolucionário sozinha.
Lefort também fala que o movimento se deu numa iniciação absoluta, isto é, do nada também, mas
ele explicou não como uma espontaneidade em si, e sim de que os jovens ao verem e sentirem que
era necessário uma mudança, a fizeram num sentido real. Enxergaram depois que agiram no campo
menor e tiveram êxito nessa pequena ação, que para fazer crescer o protesto, deveriam começar do
microcosmo e passar para o macrocosmo. Não separaram a teoria da prática. Usando o que haviam
aprendido nas universidades, conseguiram mudar e reivindicar os problemas de suas comunidades.
Isso foi impresso no inconsciente coletivo dos expectadores, que sentiram uma necessidade de
mimetismo, ou seja o que Lefort chama de ação exemplar. Com isso, a desordem cresceu
inusitadamente, sem liderança, sem hierarquias, sem leis próprias (pois o próprio ato de ocupar o
espaço público era ilegal). Assim é que o movimento de Maio de 68, para Lefort abriu uma brecha
para um futuro possível e indeterminado, ou seja, de que haverá algo, que quer alguma coisa, mas
os indivíduos entendendo o presente e o passado, vêem que não é necessário determinar o futuro,
que com esse entendimento se viverá o agora, e deixará o futuro aberto para o indeterminado e para
mudanças.

Essas foram as perspectivas de apenas dois pensadores muito capazes, que apresentaram o
seu modo otimista e de certa forma ilusório, ou seja, com esperança além da que podia se ter nos
jovens e no movimento. De outra maneira J. Luc-Ferry e A. Renault entenderam Maio de 68 sob
uma outra perspectiva. Talvez uma mais crítica e menos esperançosa. Entendendo que para os
autores agora citados, o movimento de Maio de 68 foi uma continuidade mudada, mas neste
trabalho aqui apresentado, se afirma que houve uma descontinuidade, pois, mesmo concordando de
que já estava vindo uma onda de destruição do sujeito, o movimento recusou a ordem, num sentido,
por exemplo, da quantidade de pessoas que aderiram e da proporção que tomou. Portanto o
otimismo perde seu lugar aqui para uma ideia de tentativa de compreender como se deu a pequena
brecha.

P. Bénéton e J. Touchard citam uma heterogeneidade de interpretações, falando de oito


delas. Mas antes de falar dessas, uma visão que dá luz à outra perspectiva não otimista, é a de
sujeito. Esse é o ponto gravitacional. Seriam três modo de ver o sujeito: 1) sujeito (finito) prático,
ou seja, àquele que toma iniciativa, por consciência de suas ações faz a revolução; 2) sujeito
(absoluto) como Sistema imanente à história, a saber, como se ele fosse um espectador, uma mera
marionete da história que o usou querendo uma revolução, essa é a marxista-ortodoxa; 3)
volatização de toda subjetividade, este refletindo a visão heteronômica. Nessa discussão o terceiro
caso seria o que mais demonstra a realidade. A definição desse terceiro caso é dado como, devido a
negação dos estudantes, e depois do resto da população, de seguirem a ordem, eles negam o sujeito
kantiano, negam o sujeito somente como consciência, e fazem surgir o indivíduo como prazer, alma,
corpo, sentimento, consciência e inconsciência. Seria essa a heteronomia. Marcuse e Lefort, no livro
entitulado "Pensamento de 68" de Ferry e Renault, são colocados como se suas visões de sujeito
fossem o de heteronomia. Mas parece que são também sujeitos no qual, são espectadores, visto que,
por exemplo, o entendimento de possível indeterminado, recusando a ordem e não colocando algo
que servisse como ela para organizar a sociedade, para dar base do que seria benéfico ou não para
todos fazerem, esse mesma seria desfeito. E também, quando eles querem juntos lutar, por exemplo,
pela recusa da ordem, como autores, e pensam algo em comum que os lidera, já os põe também
como um outro tipo de sujeito, porque se todos pensassem de coisas diferentes e nada os unisse, não
estariam juntos. Logo, essa separação líder, guia, mas não possui tanta distinção, mas é necessária
para discutir a sobre seus novos princípios de realidade.

Indiferentemente, Maio fez transformações, a destruição da subjetividade (heteronomia), a


negação da racionalidade na sociedade industrial avançada, seria uma escapatória de toda opressão.
A vontade potência de Nietzsche, libido de Freud até pode ter causado uma fissura, porém foi
limitado àqueles meses e àqueles novos indivíduos, pois fora disso, o efeito foi de não haver mais
fatos, de nada deve ser impor ao jogo do desejo, um neo-niilismo, dissolução das normas, uma
recusa da ordem sem olhar para uma outra que a substituiria. A imaturidade fez os indivíduos se
perderem, já que, depois de conseguindo fazer as pessoas aderirem e movimentar, deixaram o
prazer ser soberano da razão, o inconsciente ser supremo, e enquanto estavam sob embriaguez
dionística, o narcisismo egoísta de cada um fez a ideia se desfazer, o calor abaixar, e assim, foram
todos engolidos pelo sistema que usou essa a embriaguez a seu favor e fez do desequilíbrio de
Apolo e Dionísio mais uma arma para produzir e manter o status quo.
Outro problema causado pelo não sucesso, é a nova visão de liberdade e de
intersubjetividade. O advento do indivíduo heteronômico é um fato, seu papel como opositor é
necessário, entretanto, ele precisa de novas normas, não no sentido daquelas dogmáticas e
sistemáticas que se recusavam, mas algo que substitua a anterior dando base para melhor se
compreender, agir e conviver em sociedade com esse novo ser humano. Já que a própria falha de ser
engolido pela continuidade, de quando teve chance não pode ir além de si, mostra que uma
autonomia num sentido de domínio sobre si, em si, ainda parece distante, acarretando uma
discussão para as próximas décadas e entendendo que o que se está usando como critério de verdade
já não basta mais.

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