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Pachukanis versus Lênin - Dois paradigmas da crítica marxista do

Estado
Ingo Elbe

- Traduzido por André Vaz Porto Silva e Luiz Felipe Brandão Osório
(primeira parte do texto publicado na revista Margem Esquerda nº 30 da Editora Boitempo – 1º Semestre de 2018)

Karl Marx sempre entendeu sua obra como crítica da política, e submeteu o
endeusamento do Estado, já em seu tempo disseminado no movimento dos trabalhadores,
a uma crítica impiedosa. Ele ainda pôde perguntar “Estado livre – o que é isso? ”(1)1, e
já depois o próprio marxismo dos partidos comunistas, e então o marxismo estatal oficial,
tanto no Oriente quanto no próprio Ocidente, tinham esquecido essa pergunta.
Marx não legou, todavia, uma elaborada teoria do Estado, uma que se encontrasse
exatamente ao nível de sua crítica à economia política. Dada a centralidade do direito
moderno e do Estado para um - ao menos segundo as próprias pretensões - movimento
de emancipação radical, a ausência de uma teoria marxiana de Estado levou, no marxismo,
a uma multiplicidade de concepções teóricas acerca do Estado, em parte,
significativamente contraditórias entre si.
A seguir, com as posições de V. I. Lenin e de E. B. Pachukanis, serão apresentados
dois paradigmas marxistas opostos de crítica do Estado e do Direito 2 . A escolha das
posições não é arbitrária: enquanto as concepções de Lênin sobre o Estado como
instrumento da classe dominante – de modo frequentemente atenuado e absolutamente
paradoxal(2)3 – elevaram-se ao fundamento de um marxismo estatal-oficial e ainda hoje
persistem em muitas mentes críticas à globalização, a abordagem analítico-formal de
Pachukanis pode ser tida como fonte teórica importante do heterodoxo assim chamado
“debate da derivação do Estado”, germinado, sobretudo na República Federal da
Alemanha4.

1
Cf. MEW 19, p. 27.
2
Em função da limitação espacial deste dossiê, o texto em sua íntegra será publicado no blog da Boitempo,
o que inclui, além do capítulo 2, ora aqui exposto, o primeiro capítulo, referente à crítica do Estado de
Lenin, intitulado “A crítica tradicionalista de Lenin do conteúdo de classe do direito e do Estado”. Para
mais, ver: https://www.boitempoeditorial.com.br.
3
Cf. ELBE, 2002, p. 26 e ss.
4
N.T.: Quanto ao tema, recomenda -se a leitura de: HIRSCH, Joachim; KANNANKULAM, John;
WISSEL, Jens. “A teoria do Estado do marxismo ocidental. Gramsci, Althusser e Poulantzas e a chamada
derivação do Estado”. Revista Direito e Praxis. Tradução de André Vaz Porto Silva. Revisão técnica de
Luiz Felipe Brandão Osório. Vol. 08, nº 1, Rio de Janeiro, 2017, p. 722-760.
1. A crítica tradicionalista de Lenin do conteúdo de classe do direito e do Estado

As considerações de Lênin sobre “Estado e Revolução” expressam de modo


paradigmático a posição de uma teoria marxista tradicional sobre o Estado.

Lênin compreende o Estado inicialmente como aparato de violência especializado,


dirigido por experts (3)5 em dominação, que “consiste em formações especiais de pessoas
armadas, que têm à sua disposição prisões e tudo o mais” (4)6. Para ele, são condições
históricas para a especialização de um aparato desse tipo, por um lado, um nível de
produtividade que possibilite um mais-produto (5)7 e, por outro, um “irreconciliável” (6)8
antagonismo de classes, que divide a sociedade “em grupos de pessoas, em que uns
podem permanentemente apropriar-se do trabalho dos outros” (7)9. A imprescindibilidade
de um domínio de classe estatalmente regulado é então fundamentada exclusivamente a
partir do “antagonismo irreconciliável de classes”. Isso parece, se seguirmos as vagas
insinuações de Lênin, levar permanentemente a “protesto e revolta” os subalternos (8)10,
o que, sem o monopólio estatal da violência, conduziria as classes a “automaticamente
armarem-se”, e finalmente à “luta armada” (9)11 entre si. O Estado é definido, assim,
como instrumento das classes economicamente dominantes para a opressão das
exploradas (10)12. Ele é, como formula Engels (o principal ponto de referência em teoria
do Estado para Lênin), “o Estado da classe mais poderosa, economicamente dominante,
que por meio dele também se torna classe politicamente dominante, e assim adquire novos
meios para a opressão e exploração das classes submissas” (11)13.
Aqui já chama atenção a orientação histórico-universal desse paradigma de teoria
do Estado, que permite que conceitos centrais sejam esvanecidos em seus contornos: em
especial, perde-se a diferença entre expropriação/apropriação do mais-produto e de sua
expropriação/apropriação especificamente econômica, e a função da violência
[Gewaltsamkeit] monopolizada. Embora Lenin também conheça diferenças formais no

5
Cf. LENIN, 1963a, p. 464-465.
6
LENIN, 1960, p. 401.
7
Cf. LENIN, 1960, p. 469
8
LENIN, 1960, p. 402.
9
LENIN, 1960, p. 465.
10
LENIN, 1960, p. 476.
11
Para ambas as citações: LENIN, 1960, p. 402.
12
Cf. LENIN, 1960, p. 399, 403-404.
13
Engels citado conforme LENIN, 1960, p. 404.
domínio de classe (12) 14 e assinale a igualdade, típica do capitalismo, de todos os
cidadãos perante a lei (sem de algum modo esclarecer esse ponto!), parece-lhe, no entanto,
ser a liberdade no modo de produção capitalista “sempre mais ou menos idêntica à
existente nas repúblicas gregas antigas: liberdade para os donos de escravos” (13)15. A
forma especificamente mediada de exploração no modo de produção capitalista, em que
a coerção física exerce um papel totalmente diferente do que na Antiguidade, é assim
eliminada por decreto, e a liberdade burguesa é desmentida como “preconcepção” (14)16.
Por fim, o conceito de Estado ou de violência pública, que Lênin extrai de Engels, é muito
problemático na referência a formas antigas e feudais de domínio, já que lá, apesar da
parcial separação de funcionários e aparatos de dominação, vigora o princípio do domínio
pessoal (15) 17 , assim como o da unidade entre violência/ameaça física e
apropriação/expropriação de produtos do trabalho alheio. Não se pode falar de um
monopólio “estatal” da violência que se contraporia a uma “sociedade” despolitizada
(16)18. A relação de domínio sobre os subalternos permanece, na concepção de Lenin
vinculada a uma “hipótese-repressiva” (17) 19 , puramente externa e sob a forma de
violência (18) 20 . Os subalternos são, com isso, invariavelmente imaginados como
inimigos mais ou menos abertos do ordenamento sustentado pela violência (19) 21 . O
próprio domínio é pensado de modo extremamente personalista, como “poder de uns
poucos milionários sobre toda a sociedade” (20)22, como o poder de disposição, por parte
de uma minoria, sobre o mais-trabalho das massas e sobre a violência estatal. Não há,
nessa forma de raciocínio, lugar sistemático para a coerção estrutural e o domínio

14
Cf. LENIN, 1960, p. 473.
15
LENIN, 1960, p. 474.
16
LENIN, 1963a, p. 478.
17
Cf. HOFFMANN, 1996, p. 532: “domínio pessoal significa uma relação direta de domínio entre pessoas,
mantida pela violência – em contraste com uma relação de domínio mediada economicamente (venda de
força de trabalho) ou juridicamente (domínio da lei)”. Gerstenberger (1990, p. 500) constata que, por
exemplo, no feudalismo “ainda não havia uma esfera de domínio que existisse independentemente das
relações pessoais concretas”.
18
Cf. KOSTEDE, 1980, p. 38 e ss., assim como GERSTENBERGER, 1990, p. 497-532.
19
Michel Foucault entende, sob essa expressão, uma interpretação específica do modo de agir do poder,
pela qual este é concebido no sentido de um “regime de proibição” sustentado no aparato central de força,
regime este que se contrapõe aos dominados externamente como instância limitadora e geradora de
impotência. Cf. FOUCAULT, 1983.
20
Cf. LENIN, 1960, p. 477.
21
Cf. LENIN, 1963a, p. 472.
22
Cf. LENIN, 1963a, p. 477. O que inicialmente soa como uma virada no sentido da agitação ganha
consagração teórica na abordagem do capitalismo monopolista de Estado, por Lenin simultaneamente
inaugurada: substituição da dominação anônima da lei do valor pelo domínio pessoal de “um punhado de
capitalistas-monopolistas” sobre toda a sociedade”. Cf., criticamente quanto a isso, ALTVATER et. al.,
1976.
impessoal do capital, em cujas balizas também os “dominantes” podem apenas exercer
uma dominância heterônoma.
Em especial por conta de seu esclarecimento teórico-manipulatório do caráter de
classe da violência do Estado democrático-burguês, fica claro que Lenin compreende o
Estado burguês não como Estado do capital, mas dos capitalistas. Já que Lenin em lugar
algum tenta esclarecer a forma específica do domínio de classe regulado pelo Estado no
modo de produção capitalista, deve-lhe escapar também a relação imanente do conteúdo
de classe com essa forma – a da violência coerciva pública, extraeconômica, que domina
por meio de leis gerais e abstratas. O caráter de classe da estatalidade e da normatividade
burguesa, por conseguinte, também é insinuado ou, melhor, pensado de modo
personalista: o Estado seria “vinculado à burguesia por milhares de fios” (21) 23 .
Sobretudo a corrupção, mecanismos de exclusão, oportunidades parciais de participação
formal, empobrecimento do proletariado e as “experiências de cada trabalhador” (22)24
com a repressão pública do Estado diante de greves e revoltas do proletariado devem
tornar isso plausível (23)|25.
Como esse conteúdo de classe assume a forma (eventualmente até mesmo
democrática) do Estado de Direito permanece obscuro. Essa pura concentração no
conteúdo de classe (24)26 deve-se, entre outros fatores, à completa ignorância quanto às
implicações da crítica econômica marxiana para a teoria do Estado.
A concentração no conteúdo de classe da dominação burguesa, supostamente
único em essência e que também segue ao lado de sua caracterização como “ditadura da
burguesia”, passa a ter consequências para a avaliação de Lenin sobre o papel do direito
e do Estado no socialismo.
No quadro de seu modelo bifásico da emancipação social, amplamente orientado
pela descrição de Marx na “Crítica do Programa de Gotha” (“socialismo” como sociedade
de transição para o “comunismo”), Lenin fundamenta uma “ditadura do proletariado” no
socialismo a partir de suas necessidades políticas e econômicas: “O proletariado precisa
do poder estatal, uma organização central do poder, uma organização da força, tanto para
reprimir a resistência dos exploradores quanto para a condução da enorme massa da

23
LENIN, 1960, S. 419.
24
LENIN, 1960, S. 419.
25
Comparar, quanto a esse ponto, LENIN, 1959c, p. 245-246; LENIN, 1960, p. 404-405, 419, 437, 473 e
ss., assim como LENIN, 1963a, p. 473-474, 477-478.
26
Que corresponde, no campo econômico, à incapacidade dos primeiros ricardianos de esquerda de
conciliar a relação entre o conteúdo de classe da exploração com sua forma específica – a troca de
equivalentes.
população, para ‘colocar em marcha’ a economia socialista” (25)27. Com isso, cabe ao
partido comunista, uma organização de quadros construída segundo o princípio do
“centralismo democrático”(26) 28 , o papel dirigente no conceito de desenvolvimento
hierárquico-educacional-ditatorial de Lenin: a vanguarda “educa” o proletariado, e este,
a parte não proletária da população (27)29.
Ainda não é, com isso, revelada muita coisa a respeito da forma dessa dominação.
“Ditadura” deve inicialmente expressar apenas algo sobre o próprio conteúdo de classe,
a saber, tanto quanto algo como: uma dominação em favor do proletariado, com a
finalidade última da supressão de todas as classes. O “conceito material” da ditadura
(28) 30 , pretendido em termos socioeconômicos, é por Lenin a partir daí, no entanto,
tendencialmente confundido com o conceito político de ditadura, que se refere a uma
forma de governo específica, uma vez que ele define ditadura como “um poder por nada
limitado, não restrito por lei alguma nem por absolutamente nenhuma regra,
imediatamente sustentado pela força” (29) 31 . Esse conceito deve valer expressamente
também para a ditadura proletária (30)32, que todavia é simultaneamente qualificada como
“democracia proletária” (31)33, “democracia para as massas”. Uma vez que Lenin entende
liberdade e direitos democráticos de liberdade na sociedade burguesa fundamentalmente
como liberdade para a classe dominante, ele consegue formular também sem problemas
para a sociedade socialista o seguinte: “Ditadura significa não necessariamente a
supressão da democracia para a classe que exerce essa ditadura sobre as outras classes;
mas ela significa necessariamente a supressão da democracia (...) para a classe sobre a
qual a ditadura é exercida” (32) 34 . Mas a ditadura/democracia proletária não
simplesmente lança mão do aparato estatal burguês – mais precisamente, este é
modificado ou, nas palavras de Lenin, “destruído” (33)35. Ele deve ser substituído pelo
mandato imperativo dos legisladores, pela possibilidade de substituição de todos os
funcionários públicos e juízes, por educação gratuita, pela igualdade de vencimentos, pela
eliminação da divisão entre Executivo e Legislativo, pelo armamento geral do povo, pela

27
LENIN, 1960, p. 416.
28
Cf., quanto ao conceito, LENIN, 1959b, assim como JOHNSTONE, 1995.
29
Cf. LENIN, 1960, p. 416. Para o conceito leniniano de partido, conferir LENIN, 1958 e, criticamente,
SCHNEIDER, 1996, p. 105-110.
30
Cf. LENIN, 1959c, p. 236.
31
LENIN, 1959a, p. 244; Cf. também LENIN, 1959c, p. 234; LENIN, 1960, p. 416, 425, 467.
32
Cf. LENIN, 1959c, p. 234.
33
LENIN, 1959c, p. 247.
34
LENIN, 1959c, p. 233.
35
LENIN, 1960, p. 427.
publicação de todos os decretos do governo e da administração, e pelo direito de voto
para a maioria da população (34)36.
Com isso, a respeito do desenvolvimento subsequente da discussão soviética
acerca do Estado, são significativas, sobretudo duas avaliações de Lenin:
 O “Estado proletário”, a ditadura da classe trabalhadora, é um fenômeno de
transição, que “começará a definhar imediatamente após sua vitória”(35) 37 . A
finalidade do período de transição é suprimir a divisão de classes economicamente
condicionada, e colocar órgãos de autorrepresentação (conselhos) no lugar de
aparelhos especiais de administração e coerção. Politicamente, a ditadura
proletária deve mesmo já não consistir num aparelho especial de coerção, porque
a “maioria do povo” conseguiria diretamente, sem embaraços, pressionar a
minoria dos arregimentados pela contrarrevolução (36) 38 . Uma vez que Lenin
funde democracia com sua forma política (37) 39 e a coloca em relação com a
violência estatal, a igualdade formal do Estado burguês, a divisão dos poderes e
o princípio parlamentar-representativo (sobretudo mandato livre) (38)40, também
a democracia – dela não são per se assinalados o princípio da maioria e os órgãos
representativos (39)41 – é descrita como forma em definhamento (40)42. Enquanto
aspectos da Comuna de Paris representam “politicamente” o ideal da socialização
socialista de Lenin, naturalmente com a decisiva diferença consistente num
conceito de partido centralista em relativa tensão com a noção dos conselhos,
persegue ele “economicamente” outro paradigma. Porque Lenin tendencialmente
equivale estatização a socialização dos meios de produção (41)43, e para ele o
“capitalismo monopolista” é o período de dissolução da dominação da lei do valor,
economicamente as instituições do “capitalismo monopolista de Estado”,
sobretudo o “comunismo de guerra” do Império alemão e a produção em massa
taylorista, apresentam-se-lhe como ideais da economia socialista: amplo
planejamento estatal e uma forma de divisão social do trabalho direta, não mais

36
Cf. LENIN, 1960, p. 419, 412, 427, 430.
37
LENIN, 1960, p. 419.
38
Cf. LENIN, 1960, p. 432, 477.
39
Cf. SCHÄFER, 1994, p. 73.
40
Conferir, quanto a tais pontos, a sequência segundo LENIN, 1960, p. 469, 486, 436 e 435 e ss.
41
Cf. LENIN 1960, p. 437, 469.
42
Cf. LENIN 1960, p. 469.
43
Cf., entre outros, LENIN, 1963b, p. 459-460. Ver também, criticamente quanto ao ponto, SCHNEIDER,
1996, p. 152-161.
mediada pelo valor, assim como uma simplificação de funções administrativas e
de setores dispositivos de atividade seriam constatáveis já no capitalismo (42)44.
O direito (burguês) definha no socialismo inicialmente apenas no que toca à
propriedade privada dos meios de produção. Para que supostamente já possa, pela
própria estatização, ser materializada a igualdade social de todos os atores quanto
à propriedade dos meios de produção (43) 45 , deve, em razão de um nível de
desenvolvimento das forças produtivas ainda insuficiente (44)46 e aos hábitos das
pessoas vinculados à sociedade anterior (45) 47 , ser mantido um princípio de
igualdade formal e desigualdade material (46) 48 – o princípio do mérito, que
informa a remuneração segundo o desempenho individual no trabalho – no que se
refere à distribuição dos meios de consumo entre os membros da sociedade. Essa
norma de distribuição estatal, que deve se orientar pelo princípio especificamente
econômico da retribuição equivalente, denomina Lenin, em referência à “Crítica
do programa de Gotha” de Marx, “direito burguês” ou, melhor dizendo,
“horizonte do direito burguês”.

Por conta disso, tal princípio burguês torna-se agora, segundo Lenin, um princípio
“socialista” (47) 49 , que seria a) estendido a todos os cidadãos capazes de trabalhar
(“conversão de todos os cidadãos em trabalhadores e empregados de um grande sindicato,
a saber, o Estado”) (48) 50 e b) conscientemente aplicado pelo Estado na forma da
verificação do tempo de trabalho pré-monetário e da supervisão da troca entre ele e seus
empregados, de acordo com tais quantidades (“direção contábil e controle” quanto a
“todos trabalharem igualmente, observarem corretamente a medida de trabalho e
receberem salários uniformes”) (49)51. O que Lenin descreve aqui não é algo diferente da
visão paradoxal de Proudhon dos vales de tempo, que necessariamente implica um

44
Cf. LENIN, 1960, p. 433, 439, 456 e 488. Cf. já ENGELS, que antecipa as teses do capitalismo
monopolista de Estado (MEW 22, p. 232-233). Crítico a Engels: KITTSTEINER, 1977, p. 44 e ss.
45
Cf. LENIN, 1960, p. 476, 481, 486.
46
Cf. LENIN, 1960, p. 481.
47
Cf. LENIN, 1960, p. 481 e 483: as pessoas ainda seriam “marcadas pelo coração duro de um Shylock
(...), não terei eu trabalhado meia hora a mais que o outro?”
48
Cf. LENIN, 1960, p. 479.
49
Cf. LENIN, 1960, p. 481: “’para a mesma quantidade de trabalho, a mesma quantidade de produtos’ –
também esse princípio socialista já é realizado”.
50
LENIN, 1960, p. 484; cf. também p. 488.
51
LENIN, 1960, p. 488.
planejamento central pelo Estado – o “governo despótico da produção e administração da
distribuição” criticada por Marx (50)52.
O princípio da distribuição na sociedade de transição é, portanto, como Lenin
expressamente sublinha, burguês mas, por meio de sua universalização, é
simultaneamente socialista. Ele pronuncia com isso, involuntariamente, a radicalização
de princípios burgueses como a essência de seu conceito de socialismo (51) 53 . Esse
paradoxo também tem validade para na definição de Lenin do caráter da violência estatal
no socialismo: a permanência do direito burguês não é nada sem um aparato que estivesse
em condições de coagir ao cumprimento das normas jurídicas” (52)54. Assim, não apenas
o direito burguês é perpetuado no socialismo, “mas até mesmo o Estado burguês – sem
burguesia!” (53)55
A meta desse Estado e direito “proletário-burguês” é, todavia, segundo Lenin, sua
própria revogação, a supressão de toda normatividade coerciva do comportamento social,
não apenas no que se refere à produção e distribuição de bens (54)56. Certamente no
comunismo também se chegaria ainda a decisões coletivas que resultariam do princípio
da maioria. Lenin também não cai na crença em uma estrutura totalmente homogênea de
interesses dos indivíduos emancipados do Estado e do capital. A subordinação da vontade
da minoria à da maioria, implícita em tais métodos de tomada de decisão, deve no entanto,
relativamente àquela, suceder de modo rotineiro, espontâneo e livre de coação (55)57.
“Abusos por parte de pessoas isoladas” (56) 58, violações ocasionais às normas sociais
fundamentais, existiriam certamente no comunismo, e devem, segundo o princípio da
autodefesa da sociedade (57)59, ser contidos, ou, melhor dizendo, punidos. “Mas para isso,
em primeiro lugar, não se necessita (...) de um aparelho especial de repressão; isso será
realizado pela própria população em armas, com a mesma naturalidade e facilidade com
que um grupo qualquer de pessoas civilizadas, até mesmo na sociedade atual, separa quem
está em briga ou defende uma mulher de ser violentada” (58)60. Ademais, com a supressão

52
MEW 42, p. 89.
53
Marx critica essa concepção já em 1844, como “comunismo bruto” (MEW 40, p. 534): “A comunidade
é apenas uma comunidade do trabalho e da igualdade de salários, que é paga pelo capital comunitário, a
comunidade como o capitalista geral” (MEW 40, p. 535).
54
LENIN, 1960, p. 485.
55
LENIN, 1960, p. 485.
56
Cf. LENIN, 1960, p. 481, 483.
57
Cf. LENIN, 1960, p. 469f.
58
LENIN, 1960, p. 478.
59
Cf. MEW 8, p. 508.
60
LENIN, 1960, p. 478.
dos antagonismos de classes e da miséria, as causas principais desses “abusos” seriam
eliminadas.
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Paschukanis, Eugen (1969): Allgemeine Rechtslehre und Marxismus. Versuch einer
Kritik der juristischen Grundbegriffe, 2. Aufl., Frankfurt/ Main.
Schäfer, Gert (1994): Lenin. Bürokratie und Bürokratismus. In: ders.: Gewalt, Ideologie
und Bürokratismus. Das Scheitern eines Jahrhundertexperiments, Mainz, S. 48-80
Schneider, Michael (1996): Das Ende eines Jahrhundertmythos. Eine Bilanz des
Staatssozialismus, Köln
Stutschka, Petr I. (1969): Die revolutionäre Rolle von Recht und Staat, Frankfurt/ Main

Notas finais:
Traduzido de:
ELBE, Ingo. Paschukanis versus Lenin. Zwei Paradigmen marxistischer Staatskritik.
IN: HERTZFELDT, Hella; SCHÄFGEN, Katrin; THIEME, Sandra (HRSG.) Recht im
Diskurs. Rechtstheoretische und rechtspraktische Untersuchungen, dargestellt an
internationalen Beispielen. Sechstes DoktorandInnenseminar der Rosa-Luxemburg-
Stiftung. Manuskripte 65. Berlin: Karl Dietz Verlag GMBH, 2006, p. 55-70.

Sobre o autor: Ingo Elbe é filósofo e cientista político, professor de Filosofia Política da
Universidade Carl von Ossietzky, de Oldenburgo, na Alemanha. É autor do livro Marx
im Westen. Die neue Marx-Lektüre in der Bundesrepublik, publicado pela Akademie
Verlag, em 2010.

Traduzido por:
André Vaz Porto e Silva- Possui graduação em Direito pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (2009) e Mestrado em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela UFRJ
(2016). É doutorando em Direito Penal pela UERJ e Juiz de Direito do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro.
Luiz Felipe Brandão Osório- Professor de Direito e Relações Internacionais da UFRRJ.
É autor do livro Imperialismo, Estado e Relações Internacionais pela Editora Ideia e
Letras.

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