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UNIDADE 4
A sociedade capitalista e suas contradições – uma introdução
à sociologia de Karl Marx
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ----------------------------------------------------------------------------------------- 5
REFERÊNCIAS -------------------------------------------------------------------------------------------- 17
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Introdução
Sociologia. Até o momento, reconstruímos o percurso que vai desde o surgimento do pensamento
sociológico até a organização das primeiras teorias sobre a sociedade. Nessa trajetória, foi possí-
vel perceber que a realidade social em que vivemos pode ser analisada e concebida de diferentes
maneiras, cada uma delas enfatizando um elemento ou características específicas dessa realidade.
Abordamos o modelo proposto por Durkheim, no qual a sociedade se apresenta sendo mais do que
a soma de indivíduos, mas sim como uma estrutura constituída por normas, instituições e cultura
que formam uma consciência coletiva moral. Tal consciência atua de forma diferente e mais pode-
rosa que o mero agrupamento individual, determinando os modos de vida e pensamento das pes-
soas que a compõe. Passamos então por Weber, que por meio de uma perspectiva mais dinâmica e
interpretativa, explicou os fatos sociais à luz da história e da subjetividade da ação individual. Para
esse autor, a estrutura social não é apenas fonte de determinações sobre a vida individual. O agente
pode alterar a realidade que o cerca na medida em que interpreta as situações, interage com outras
O objetivo da unidade é apresentar aos leitores uma visão panorâmica da interpretação de Marx
sobre uma realidade social que, para o autor, é tensa, conflituosa e está sempre em movimento.
De acordo com Karl Marx, embora a sociedade seja o produto da ação recíproca entre os homens
ela não pode ser considerada uma obra que esses realizam segundo seus desejos particulares. Isso
ocorre porque a própria relação entre os indivíduos seria sempre reflexo das forças produtivas vi-
gentes em sua sociedade, ou seja, da maneira como são produzidas as riquezas e os bens materiais
nicas produtivas.
Para cada forma de organização das forças produtivas, há uma relação de produção corresponden-
te. Essas relações de produção nada mais são que as formas pelas quais os homens se organizam
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para executar as atividades produtivas, isto é, as maneiras pelas quais são apropriados e distribuídos
os trabalhadores e o próprio produto final. Forças produtivas e relações de produção são frutos das
condições naturais e históricas que perpassam a estrutura social e configuram um tipo de modo
de produção. É por essa razão que, ao longo da história humana, encontramos diferentes tipos de
sociedades, que seriam resultados de diferentes modos de produção, como, por exemplo, constata-
sociedade, pois diz respeito à maneira como os bens e riquezas são produzidos, orga-
nizados e distribuídos. Ou seja, diz respeito à força produtiva que move cada povo e
Percebam, portanto, que na visão de Marx a base de toda a estrutura social, ou seja, seus funda-
sociedade. Por isso, o estudo do modo de produção é essencial para compreender como funcionam
as instituições, as relações entre os indivíduos e a própria cultura. Marx entende que se a economia
é a base, todos os outros aspectos da vida em sociedade seriam superestruturas, ou seja, deriva-
ções do modo de produção. Assim, os modelos de família, as leis, a religião, as ideias políticas, os
valores sociais são dimensões dependentes e determinadas pela base econômica. Nosso autor não
deixa de analisar a existência de vários modos de produção ao longo da história e é esse estudo que
o fará constatar que a própria história humana é uma história de desenvolvimento e colapso dos
modos de produção, gerando assim a transformação social. Para ele, a passagem de um modo de
produção para outro é consequência da luta de classes, conceito que veremos a seguir.
Marx concebe a sociedade como uma composição entre o velho e o novo, entre forças contrárias que
se complementam, mas principalmente, que se enfrentam. O que nosso autor indica por meio dessa
ideia é o fato de que nenhum modo de produção é estático. As forças produtivas e as relações de
produção se transformam com o tempo e por isso dão origem a novas formas de organização social.
No entanto, quando um novo modo de produção nasce, inevitavelmente ele irá entrar em choque
com o modo de produção vigente. Esse embate dialético provoca uma série de mudanças na vida
em sociedade. Para Marx, a história da humanidade é a história desse embate constante entre os
interesses dos que já foram e dos que ainda estão por vir. Leiam o trecho escrito pelo próprio autor
sobre o assunto:
(MARX, Karl. Carta a Annenkov. In: Obras escogidas de Marx y Engels, Madrid: Fundamentos, 1975)
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Para cada novo modo de produção que emerge, aparecem também novos protagonistas, que terão
o domínio sobre os meios de produção e que, por isso, poderão exercer sua influência e hegemonia
sobre a estrutura social. O problema é que esses novos protagonistas ao conquistarem espaço e im-
portância entram em choque com os protagonistas do sistema anterior de produção, gerando assim
produção ao longo da história é chamado por Marx de materialismo histórico. E o conflito entre os
São as relações de propriedade que dão origem às diferentes classes sociais. Assim como não pode-
mos escolher quem serão nossos pais, não podemos escolher a priori a que classe iremos pertencer.
Esse pertencimento está ligado ao lugar que ocupamos na produção. O pertencimento de classe dá
origem a diferentes percepções políticas, éticas, filosóficas e religiosas. Quando um modo de produ-
ção começa a dar lugar a outro, consequentemente, as diferentes classes sociais ligadas a cada um
deles tenderão a entrar em conflito. A afirmação do “novo” modo de produção selará a hegemonia de
uma “nova” classe social, que passará a ter o status e o poder de classe dominante.
Esse processo de embate e transformação ocorreu em diversos momentos históricos que foram ana-
lisados por Marx, mas nenhum desses momentos para o autor traz em si o potencial tão latente de
luta de classes quanto o modo de produção capitalista. De fato, o capitalismo seria um sistema mar-
cado por profundas contradições que foram exaustivamente estudadas e explicitadas por Karl Marx.
Ao contrário do que nosso senso comum possa acreditar, é possível dizer que Marx olha para o ca-
pitalismo com significativa fascinação. Isso ocorre porque em nenhum outro momento da história
a humanidade foi capaz de realizar tanto, de produzir com tanta velocidade um número tão grande
tamanhos ganhos e progressos nosso autor não deixa de se assustar com a escalada de problemas
enorme desigualdade entre as classes sociais no interior do capitalismo são exemplos claros dessas
situações que permeiam a dinâmica das sociedades que se estruturam sobre esse modo de produção
na modernidade.
De acordo com Karl Marx o que diferencia o capitalismo de todos os outros modos de produção
anteriores é o fato de que nele, o grande objetivo da produção passa a ser a acumulação de lucros
por uma classe específica. Sendo assim, os bens materiais não são produzidos apenas com o objetivo
de garantir a sobrevivência social, mas são produzidos, especialmente, para promover o enriqueci-
mento do grupo econômico dominante. É assim que o autor compreende a origem das desigualdades
sociais: uma enorme quantidade de riquezas que se concentra, ao longo do tempo, nas mãos de pou-
cos indivíduos que têm o objetivo e as possibilidades de acumularem bens e obterem lucros cada vez
maiores. É necessário compreendermos, portanto, como é possível que apenas um grupo possa ter
Primeiramente, é importante saber que para existir qualquer produção de bens, são necessários
meios específicos para que essa produção ocorra - como as máquinas, as instalações, a energia, a
matéria prima, a terra, entre outros. Esses meios de produção, no capitalismo, não estão disponíveis
para a posse de todos os indivíduos. Notem que enquanto na Idade Média e no Renascimento a pro-
dução artesanal era aquela que imperava e o trabalhador era dono de sua própria oficina e dos ins-
trumentos de produção, na modernidade capitalista a produção passa a ser em larga escala e apenas
os indivíduos enriquecidos podem ter acesso à compra de grandes espaços e a um grande número de
instrumentos e de eficiente maquinário. Logo, a sociedade se torna dividida entre dois importantes
grupos: aqueles que são donos dos meios de produção e aqueles que não têm acesso a eles.
O grupo que é dono dos meios de produção é denominado por Marx de burguesia. Essas pessoas
larga escala que crie excedente e, por fim, vendendo esse excedente como mercadoria e consolidan-
uma produção em larga escala que cria excedente para ser vendido como mercadoria
e gerar lucro.
Porém, a classe burguesa sozinha não é suficiente para que esse sistema de produção sobreviva.
Isso ocorre porque são necessários aqueles indivíduos que coloquem em movimento a produção dos
bens. Dessa forma, seria o restante da população - aqueles que não têm acesso aos meios de produ-
ção e que por isso não têm acesso ao lucro e às riquezas produzidas – o grupo que compõe a força
de trabalho, para que tudo isso possa ser efetivamente produzido. Essas pessoas vendem sua mão
de obra em troca de um salário para que possam sobreviver. De acordo com Marx, essa é a classe do
proletariado e sua função no capitalismo é garantir que os meios de produção sejam postos em
movimento.
Proletariado: Representa o grupo daqueles que não têm a posse dos meios de pro-
dução e que, por isso, não têm acesso ao lucro. Participam da produção capitalista
Notem que a sociedade capitalista baseia-se nessa ideologia da igualdade e equilíbrio. No contexto
da divisão de classes estaria, de um lado, o trabalhador que oferece no mercado sua força de trabalho
e de outro, o empregador que a adquire por um salário. A ideia de equivalência nessa dinâmica é
crucial para a estabilidade do sistema. Porém, o que nosso autor aponta é que, na prática, a divisão
entre essas duas classes é completamente desigual na sociedade capitalista. Embora o discurso domi-
nante, que é o discurso burguês, procure fazer com que a sociedade acredite no ideal da igualdade, o
que ocorre na prática – de acordo com Marx – é uma prática completamente oposta, que se traduz
na dominação e exploração do trabalho da classe proletária. Mas como ocorreria tal exploração no
capitalismo? Na visão de Marx, a raiz da opressão do trabalhador está naquilo que ele denomina
como mais-valia . Esse conceito, expressa uma prática fundamental da classe burguesa na organi-
na diferença entre o que é produzido pelo trabalhador e o que é efetivamente pago a ele
como salário pelo burguês. Tal diferença é apropriada gratuitamente pela burguesia e
4.4 A mais-valia.
tenha uma jornada de trabalho de nove horas diárias e confeccione um par de sapatos a cada três
horas. Cada par de sapato produzido custa 150 reais. Ao final de um dia de expediente o trabalhador
produziu o equivalente a 450 reais. Porém, o salário do operário naquele dia equivale a 50 reais, ou
seja, corresponde a apenas uma hora trabalhada. Assim, como o burguês lhe paga o valor correspon-
dente a apenas uma parcela de sua força de trabalho, o restante da jornada, ou seja, oito horas de
trabalho diárias, o operário produz mais mercadorias, gerando um valor muito maior do que aquilo
que lhe é pago na forma de salário. Todo esse tempo restante da jornada de trabalho pode, assim, ser
apropriado gratuitamente pelo patrão como parte de seu próprio lucro (Imagem 3).
A mais-valia, portanto, é a diferença entre o que é produzido pelo trabalhador e o que é efetiva-
mente pago a ele. Tal diferença garante o lucro da burguesia desde o início da organização produ-
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tiva. Isso significa que mesmo que o consumo de mercado sofra redução por algum motivo, o lucro
dos burgueses continua assegurado. Ela se transforma, assim, em uma riqueza que é gerada à custa
do trabalho não remunerado da classe proletária. O capitalista pode obter mais-valia aumentando
constantemente a jornada de trabalho, porém, essa não é uma ação possível indefinidamente. Sen-
trabalhador. A tecnologia, por exemplo, pode fazer com que as nove horas de jornada de trabalho
sejam ainda mais produtivas. O processo descrito esclarece a dependência do capitalismo em rela-
ção ao desenvolvimento das tecnologias de produção. Mostra, ainda, como o trabalho, sob a lógica
De acordo com Marx, no livro O capital, o trabalho apropriado pelo capitalismo é “trabalho forçado,
ainda que possa parecer o resultado de uma convenção contratual livremente aceita”. Para nosso au-
tor, a raiz da exploração do trabalhador é a mais valia. O capitalismo faz com que o trabalho humano
não seja livre, passando a ser algo apenas ligado à sobrevivência. A existência humana degrada-se,
o miserável e o doente eram vistos como “fantasmas” inúteis para o capitalista. E o resultado disso
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(MARX, Karl. Manuscritos Econômicos Filosóficos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008).
temente explorada pela classe burguesa, então, por que é que o trabalhador aceita essa desigualdade
e exploração?
Para Marx, não existiria uma saída para a opressão sobre o trabalhador dentro do sistema do capi-
tal. A única possibilidade de ruptura vislumbrada por ele seria aquela da retirada completa da classe
Sendo assim, qual seria a razão que explica a permanência dos trabalhadores no próprio sistema que
os oprime?
A resposta a tal questão encontra-se no conceito de alienação. Na visão marxista, estar alienado
significa uma condição existencial, na qual o proletariado não consegue reconhecer as condições
que estruturam o modo de produção capitalista; não enxerga a reprodução da exploração perpe-
tuada sobre si próprio e é mesmo incapaz de se compreender como parte desse sistema. Isso ocorre
porque, desde cedo, o trabalhador nada mais é que força motriz e todo seu tempo disponível é tempo
de trabalho e pertence à valorização do capital. O processo de produção capitalista acaba por desumanizar o
trabalho, isolando os operários uns dos outros e deixando-os à exaustão de uma rotina que não os faz crescer
como indivíduos, não os deixa estabelecer laços entre si e nem serem livres.
parte desse sistema. O resultado da alienação é a facilidade de influência das ideias do-
minantes burguesas sobre os trabalhadores, que acabam por adotar um estilo de vida
da burguesia.
Em suma, o operário não se reconhece no produto que criou, nem vê no trabalho que realiza qual-
quer finalidade que não seja a de garantir sua sobrevivência. E o pior: por não se darem conta dessas
valores da burguesia. Assim, o trabalhador acaba aplicando seu próprio salário no consumo de mer-
cadorias que ele mesmo produziu, devolvendo seu escasso capital aos donos dos meios de produção,
Imagem 4: A charge revela a dimensão da alienação do trabalhador discutida por Karl Marx.
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Sendo assim, ao invés de compreenderem que fazem parte de uma mesma classe explorada, os pro-
lógica da desigualdade e opressão. Não buscam, portanto, a derrubada do sistema que os subjuga,
Para Karl Marx, se não houver a ruptura desse ciclo alienante, as injustiças e mazelas sociais do
capitalismo não poderão ser superadas. O que o autor propõe é que as capacidades de produção
e inovação trazidas pelo próprio contexto do capital sejam reorganizadas em favor não apenas de
uma única classe social, mas do conjunto de toda a sociedade. O livre desenvolvimento de cada um
seria a condição para o livre desenvolvimento de todos. Mas para chegar a esse ponto de superação
do sistema o proletariado precisaria se unir enquanto classe. Essa tomada de consciência represen-
ta o reconhecimento dos trabalhadores quanto à sua posição social, suas lutas e suas expectativas
em comum. Voltando ao movimento dialético da história visualizado por Marx, é possível apontar
que a ruptura com a “velha ordem”, ou seja, com a opressão capitalista, só poderá ocorrer quando
o proletariado compreender seu papel coletivo no modo de produção e a exploração sob a qual está
submetido enquanto grupo, fundando assim uma “nova ordem” produtiva capaz de transformar a
realidade social através de parâmetros de justiça e redistribuição. A famosa frase de Marx que fecha
seu famoso livro O manifesto do partido comunista sintetiza essa dimensão tão almejada pelo pen-
Referências Bibliográficas
BOMENY, Helena; FREIRE-MEDEIROS, Bianca (coord.) (2010). Tempos modernos, tempo de so-
COSTA, C. (2010). Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 3ª edição. Editora Moderna, São
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MARX, Karl. Manuscritos Econômicos Filosóficos. (Tradução e Notas Jesus Ranieri). São Paulo:
MARX, Karl. Carta a Annenkov. In: Obras escogidas de Marx y Engels, Madrid: Fundamentos,
1975
MARX, Karl. O Capital. Vol. 2. 3ª edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988.
MARX, K.; ENGELS F. Manifesto do partido comunista. In: Obras escogidas de Marx y Engels,
1975.
QUINTANEIRO, T.; BARBOSA, M.; OLIVEIRA, M. (2003). Um toque de clássicos: Marx, Durkheim
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Glossário
Idade Média: A Idade Média na Europa foi um período compreendido entre os séculos V e XV, que
se estendeu por mil anos na história. Tal época se divide da seguinte forma: Alta Idade Média e Bai-
xa Idade Média; a primeira com início marcado pelas invasões germânicas (bárbaras), e a segunda
Relatos históricos e renascentistas definiam o mundo medieval como a “idade das trevas”, ou seja,
para a ciência. Essa perspectiva foi corroborada pelo domínio ideológico empregado pela Igreja Ca-
tólica, deixando a sociedade passível de manipulação, pelo poder da informação. Entretanto, a Idade
Média possui avanços artísticos e científicos que proporcionaram conhecimentos para os dias atuais.
científica que se deflagrou na passagem da Idade Média para a Moderna. Em um quadro de sensíveis
transformações que não mais correspondiam ao conjunto de valores apregoados pelo pensamento
medieval, o renascimento apresentou um novo conjunto de temas e interesses aos meios científicos
e culturais de sua época. Ao contrário do que possa parecer, o renascimento não pode ser visto como
uma radical ruptura com o mundo medieval.
Essa valorização das ações humanas abriu um diálogo com a burguesia que floresceu desde a Baixa
Idade Média. Suas ações pelo mundo, a circulação por diferentes espaços e seu ímpeto individualista
ganharam atenção dos homens que viveram todo esse processo de transformação privilegiado pelo
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temáticas do Renascimento, financiavam muitos artistas e cientistas surgidos entre os séculos XIV
e XVI. Além disso, podemos ainda destacar a busca por prazeres (hedonismo) como outro aspecto
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