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Rio de Janeiro
Maio/2009
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A cidade de Salvador: estrutura econômica, comércio de
escravos, grupo mercantil (c.1750 – c.1800)
2
A cidade de Salvador: estrutura econômica, comércio de escravos e grupo
mercantil (c.1750 – c.1800)
Aprovada por:
_________________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá de Sampaio (UFRJ)
________________________________________
Prof. Dr. João Luís Ribeiro Fragoso (UFRJ)
_________________________________________
Prof. Dr. Carlos Gabriel Guimarães (UFF)
_________________________________________
Prof. Dr. Carla Maria Carvalho Almeida (UFJF)
_________________________________________
Prof. Dr. Roberto Guedes Ferreira (UFRRJ)
Rio de Janeiro
Maio/2009
3
Ficha Catalográfica
4
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq que financiou o início da pesquisa e a CAPES que financiou o último ano
deste estudo.
Aos professores doutores João Fragoso, Carlos Gabriel, Carla Almeida e Roberto
história no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, bem como suas valiosas
quando da qualificação deste trabalho, mas sempre que solicitado por mim, que
Ao amigo Carlos Kelmer Mathias, com quem pude sempre travar um diálogo
documentais.
grupo de discussão ART, que sempre me incentivaram, muitas vezes contribuindo com
5
Ao meu amigo Daniel Barros Domingues da Silva, que mesmo a distância se fez
Aos meus amigos Samantha Quadrat, Leandro Malavota, Claudiane Torres, Denise
últimos quatro anos e que sempre foram grandes incentivadores desse trabalho.
A Juliana Beatriz, por ter estado sempre ao meu lado, mesmo nas horas mais
Por fim, a minha mãe, Eliana Vieira Ribeiro e meu pai, César A. da Fonseca
6
RESUMO
Esse estudo está focado na análise dos padrões de investimentos e formas de transmissão
de propriedades rurais, urbanas e mercantis na cidade de Salvador, bem como do sistema
de crédito disponível na cidade, na segunda metade do século XVIII. Buscamos, desta
forma, analisar o comportamento dos diversos agentes sociais residentes na cidade. Como
pano de fundo, trabalhamos a paisagem sócio-econômica da capital baiana desde sua
fundação até o limiar do século XIX, com destaque para a atividade comercial,
notadamente do tráfico de escravos, mecanismo fundamental para a reprodução física do
escravo na colônia e acumulação de capital. A renda obtida na atividade mercantil era
direcionada para diversos setores, mostrando o grau de complexidade atingido pela
sociedade soteropolitana. No mundo colonial, riqueza e prestígio eram requisitos
fundamentais para a obtenção de respeitabilidade e status, assim, num segundo momento,
procuramos analisar trajetórias individuas de alguns dos mais proeminentes homens de
negócio, em sua maioria traficantes de escravos, estabelecidos na cidade de Salvador na
segunda metade do Setecentos.
7
ABSTRACT
This dissertation analyzes the patterns of investment and forms of transmission of rural,
urban and mercantile properties in Salvador, Bahia, as well as the credit system available
in the city during the second half of the eighteenth century. It traces the behavior of several
social agents resident in Salvador, providing the socio-economic landscape of the city
since its foundation to the beginning of the nineteenth century, and focusing on its
commercial activity, notably the slave trade, the principal means for the reproduction of
the slave population and the accumulation of capital in Salvador. The revenue produced by
the mercantile activity was directed to several economic activities, showing the
sophistication achieved by the city’s society. In the colonial world, wealth and prestige
were prerequisites for individuals to achieve respect and status. As a consequence, this
dissertation also traced the individual trajectories of some of the most prominent
merchants, many of them notorious slave traders, established in Salvador during the second
half of the eighteenth century.
8
Sumário
Abreviaturas.....................................................................................7
Introdução.........................................................................................8
9
Capítulo 5 - Enobrecimento numa sociedade de Antigo Regime:
traficantes de escravos na Bahia, algumas trajetórias pessoais.....185
Preconceito sobre o comércio e os comerciantes.........................................187
As sociedades mercantis e o tráfico de escravos..........................................191
Escolhas matrimoniais.....................................................................................198
A conquista de honrarias..............................................................................207
Ser membro de uma irmandade.....................................................................218
Acesso a postos da governança local............................................................220
O investimento em terras...............................................................................225
Ocupação de postos de ordenança................................................................226
Considerações Finais.....................................................................231
Fontes e Bibliografias....................................................................234
Anexos..... .....................................................................................246
10
Relação de quadros
Quadro 2.2 – Valor médio dos bens arrolados nas escrituras de compra e
venda em Salvador, 1751-1800.......................................................................91
11
Quadro 2.3 - Participação das atividades econômicas (%) nos inventários
post-mortem de Salvador, 1760-1800.............................................................94
Quadro 3.4 – Soma total dos empréstimos efetuados pela Santa Casa de
Misericórdia de Salvador por década, 1751-1800.........................................128
Quadro 3.6 – Concentração total dos empréstimos nos 10% maiores, 1750-
1800...............................................................................................................152
.
12
Quadro 3.7 – Concentração total dos empréstimos nos 50% menores, 1750-
1800................................................................................................................15
2.
Quadro 4.1 – Formas de aquisição dos bens rurais vendidos em Salvador,
1751-1800......................................................................................................160
Quadro 4.2 - Formas de aquisição dos bens rurais vendidos no termo de Vila
do Carmo, capitania de Minas Gerais, 1711-1756........................................167
Relação de gráficos
Gráfico 2.1 – Média dos valores dos bens urbanos, Salvador, 1751-1800.....84
13
Gráfico 2.3 – Bens adquiridos pelos homens de negócios de Salvador, 1751-
1800...............................................................................................................108
14
Abreviaturas
LN = Livro de notas
N. E. = Número de escrituras
15
INTRODUÇÃO
16
Já há algum tempo, a praça mercantil de Salvador tem sido objeto de nossas
XVIII. Nesse momento, o nosso interesse foi entender a dinâmica desenvolvida nas formas
crédito. Buscamos analisar as esferas de atuação dos principais atores sociais, verificando o
peso da participação de cada grupo nas mutações surgidas nessa sociedade pré-industrial.
Elegemos como grupo principal a ser seguido os homens de negócio, pois estes a partir do
colonial.
economia de mercado no século XIX. Para tal autor, a partir da Revolução Industrial a
demandava-se igualmente altos graus de realização dos produtos resultantes, não sendo
possibilitar a sua aquisição por parte de qualquer pessoa disposta a por eles pagar. Por
certo, em se tratando de uma sociedade agrária, tais condições foram sendo criadas
passou a ser o lucro o norteador das ações dos membros da nova sociedade.1
1
POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000, pp.
59-60.
17
Em uma economia industrial, todas as trocas estariam relacionadas a negociações
monetárias. As rendas, por seu turno, derivariam de algum tipo de venda (realização),
análise, neste tipo de mercado a esfera econômica estaria separada da esfera sócio-
política.2
exigências sociais. Os bens materiais não seriam tomados como valores estritamente
paradigmas tais como dotes, alianças políticas, relações de parentesco, de compadrio, etc.4
Além disso, por não possuírem mecanismos de auto-regulação econômica, o homem (o seu
contínuo comprar e vender. Em suma, no quadro esboçado por Polanyi a venda da força de
trabalho não era considerada condição para que os indivíduos provessem a sua
subsistência, caracterizando uma frágil divisão social do trabalho. Isto implicava em uma
baixa circulação de numerário e bens, redundando numa fraca liquidez (crédito) nesta
organização econômica. Além disso, por serem bastante influenciadas por redes de
2
Ibidem, pp.59-62.
3
Ibidem, p. 65. Cf. também, a este respeito, as observações THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São
Paulo: Cia. das Letras, 2002.
4
Cf. KULA, Witold. Teoria econômica do sistema feudal. Lisboa: Ed. Presença, 1979.
18
relações sociais, e não somente por condições de mercado, em tais economias os
princípio desigual.5
podiam ser entendidas como estratégias dos indivíduos, que não se esgotavam em uma
mundo natural e social.6 Dessa forma, as flutuações dos preços da terra deveriam ser
lusas.8 Por estarmos trabalhando com uma sociedade regida pelos valores e práticas
arcaizantes, o dom9 adquire aqui toda sua importância. Nessas sociedades os mecanismos
5
Fernand Braudel aponta que em sociedades preocupadas com a manutenção de suas hierarquias, como a
européia entre os séculos XV-XVIII, nem sempre os excedentes econômicos tinham uma direção produtiva,
sendo estes, de modo recorrente, aplicados no sentido de adquirir status social. Exemplo disso seriam os
comerciantes atacadistas que, após acumularem grandes fortunas, compraram terras visando a promoção
social, muito embora esse tipo de investimento não lhes fornecesse o mesmo montante de capitais que as
atividades comerciais. Cf. BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo – séculos XV-
XVIII. Os Jogos das Trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1996, pp.125-128 e 215-218(Volume 2).
6
Sobre as idéias de estratégias, Levi foi influenciado pelas idéias do antropólogo Fredrik Barth. Para este as
ações individuais estavam calcadas em escolhas e cálculos. Os recursos que cada indivíduo possuía para
tomar suas decisões estavam atrelados a sua cultura, a sua percepção de mundo. Porém, cabe ressaltar que os
conhecimentos, as experiências e as orientações de cada sujeito variavam, por exemplo, devido a sua posição
social, do mesmo modo que eram diferenciados os resultados obtidos, muitas vezes não sendo àqueles
esperados, Cf. BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro:
Contra Capa Livraria, 2000.
7
LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte no século XVII. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, pp.131-172.
8
As estratégias não se referem somente à nobreza ou aos grandes comerciantes. As negociações ocorriam
nos diferentes segmentos das sociedades pré-industriais. Daí ser fundamental apreender os dons e os contra-
dons que entrelaçavam os diversos agentes sociais. Sobre dom e contradom cf. GODELIER, Maurice. O
enigma do Dom. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
9
Cf. MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU, 1974; GODELIER, op. cit., 2001.
19
trocas de favores entre os indivíduos, baseada na “economia moral do dom”. O
Funcionamento desta economia do dom, assentava-se em três valores básicos : dar, receber
e restituir, tríade que regia a natureza das relações sociais e por conseguinte, das relações
de poder. Como não podia deixar de ser, as trocas regidas por tal sistema eram
profundamente desiguais. Tal prática foi bastante exercida no âmbito do Império português
através do acesso dos súditos a cargos da governança e pela concessão de honras e mercês
aos mesmos, prática bastante difundida entre os principais homens de negócio de Salvador.
A concessão de mercês tinha início com o rei e ia sendo transmitida a pessoas de menor
no âmbito da negociação entre poder local e poder central, entre as redes pessoais e
institucionais de poder.11
estratégias – dentre as quais políticas de alianças, sistemas de mercês e luta pelos cargos de
“ganhos” e “perdas” para ambos os lados. Todavia ao estabelecerem tais ligações, esses
alto grau de refinamento na escolha de qual rede clientelar iriam se aliar. Dentre as
estratégias utilizadas pelas elites, a política de aliança foi amplamente empregada, como,
10
HESPANHA, Antônio Manuel & XAVIER, Ângela B. “As redes clientelares”. In: HESPANHA, Antônio
Manuel (org.). História de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editora Estampa, 1998, pp. 340-2.
11
Levi aponta que as escolhas individuais estavam baseadas na política de prestígio. Segundo ele, as
sociedades pré-industriais eram assimétricas e desiguais, contudo um camponês poderia usar sua dependência
frente a um senhor como cálculo econômico. Cf. LEVI, Giovanni. Centro e periferia di uno stato assoluto:
tre saggi su Piemònte e Liguria in età moderna. Rosenberg & Sellier, s/d. Transpondo a teoria de Levi para a
América portuguesa podemos supor que havia trocas desiguais entre senhor e escravo, onde ambos saíam
ganhando. Do mesmo modo é de se supor que os colonos mantivessem com a administração régia na colônia
esse sistema de trocas.
20
por exemplo, as constituídas no século XVIII via matrimônio entre os grandes
de Janeiro (c. 1790-c. 1840), assumem que a reprodução social se dava a partir de um
violência, implicando, pois, na apropriação social do trabalho alheio. Tal fato explica o
baixo preço dos cativos. Ao trabalho escravo, soma-se a existência de uma grande
e o campesinato, que garantiam uma oferta elástica de alimentos e insumos básicos a baixo
custo, além do fator terra, livre por definição.13 Portanto, as principais variáveis para se
entender o mercado atlântico colonial, são: o homem (escravo), alimentos e terras livres.
sistema atlântico) que nos ajudarão a apreender aspectos sócio-econômicos bem como a
do Brasil, com a mudança da capital para o Rio de Janeiro. Porém, a cidade portuária ainda
exercia um papel fundamental para a economia da América lusa. Seu porto era o segundo
12
FLORY, & SMITH, op. cit., 1978, pp. 576-7. Segundo Levi, o casamento era uma excelente oportunidade
para as escolhas individuais. LEVI, op. cit., s/d.
13
FRAGOSO e FLORENTINO, op. cit., 1998, p.28.
14
Ibidem, p. 28-29.
21
um caráter dinâmico no que tange ao fluxo comercial. Desta maneira, a capital baiana foi
um pólo que atraiu uma gama de homens ávidos a investirem nas atividades mercantis.
A história de Salvador tem sido apresentada sob diversas visões e discursos, como
registro de viajantes, narrativas com descrições de fatos ocorridos na cidade e ser entorno,
estudos se concentram nos séculos XIX e XX, períodos que ultrapassam nosso tema de
Sebastião da Rocha Pitta16 passou a tratar em seus textos com mais detalhamentos
governos e governantes, bem como de seus respectivos feitos na Bahia do período colonial
15
GANDAVO, Pero Magalhães. História da Província de Santa Cruz. São Paulo: Melhoramentos, 1971;
SOUSA, Gabriel Soares. Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Editora Nacional/
Editora da Usp, 1971; SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil: 1500-1627. São Paulo/Brasília:
Melhoramentos/INL, 1975; CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. São Paulo/Brasília:
Editora Nacional/INL, 1978.
16
PITTA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa. Belo Horizonte/ São Paulo: Itatiaia/Edusp,
1976.
22
características política, administrativa, econômica, jurídica e religiosa, apenas utilizando-se
Luís dos Santos Vilhena foi quem melhor descreveu e representou a cidade de
sociedade como o emitido por le sieur Gentil de la Barbinais sobre a presença de escravos
na cidade de Salvador,
17
CALDAS, Antônio José. Notícia geral desta capitania da Bahia desde o descobrimento até o seu presente
ano de 1759. Rio de Janeiro: IHGB, 1946.
18
VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, 3 vols., 1969.
19
FROGER, François. Relations du Voyage de M. de Gennes au detroit de Magellan, fait em 1695, 1696 et
1697 aux Cotes d’Afrique, Detroit de Magellan, Brésil, Cayenne e Isle Antilles. Paris: Michel Brunet, 1968;
FRÉZIER, Amedée François. Rélation du Voyage de la mer au sud des Côtes du Chili, duPerou et du Brésil,
faite pendant lês années 1712, 1713 2 1714, par M. Frézier, ingénieur ordinaire du Roy. Paris: P. Berger,
1967; DAMPIER, William. Voyages. Amestredã: (1a. edição 1705); LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma
viagem ao Brasil. São Paulo: cia. Ed. Nacional, 1969 (1a. Edição 1805).
23
escravos fazem muitas confusões nas cidades, e apesar de serem
São ladrões, traidores e capazes dos maiores crimes. (...) O Brasil é apenas
é elaborado por Teodoro Sampaio. Em sua obra, Sampaio, traçou um painel geográfico da
capitania da Bahia antes da constituição de sua capital no ano de 1549. Em sua abordagem
Outros autores focaram também seus estudos na fundação de Salvador, como Pedro
institucionais, uma vez que sua preocupação era demarcar a fundação da cidade de
território colonial. Não há análise sobre os agentes sociais nem mesmo de características
sócio-econômicas locais.22
20
BARBINAIS. “Voyages” apud VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do
Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, p. 85.
21
SAMPAIO, Teodoro. História da Fundação da cidade de Salvador. Salvador: Tipografia Beneditina,
1949.
22
CALMON, Pedro. História da fundação da Bahia. Salvador: Museu do Estado, 1949.
24
focando a atuação do trabalho diário de seus habitantes e o resultado produtivo dessas
atividades. Carneiro aponta que Salvador extrapolou a função para qual tinha sido criada.
De mero suporte para facilitar a colonização a uma das cidades mais importantes da
Walter Pinho, percorreu um caminho distinto. Seu estudo focaliza os séculos XVI e
contextualizá-la no âmbito do Império português. Não houve preocupação por parte desse
urbano.24
desse viés, recentemente, Avante Sousa elaborou seu trabalho, tendo como foco central a
clássico trabalho de Russell-Wood. A análise de seu estudo recaiu sobre uma das mais
23
CARNEIRO, Edison. A fundação da cidade de Salvador, 1549: uma reconstituição histórica; A conquista
da Amazônia. Rio de Janeiro/Brasília: Civilização Brasileira/INL, 1980.
24
PINHO, Walter. História Social da cidade do Salvador (1549-1650). Salvador: Beneditina, 1968.
25
AZEVEDO, Thales de. Povoamento da cidade de Salvador. Salvador: Itapuã, 1969.
26
RUY, Affonso. História da Câmara Municipal da cidade do Salvador. Salvador: Câmara Municipal, 1953.
27
SOUSA, Avanete Pereira. Poder local, cidade e atividades econômicas (Bahia, século XVIII). São Paulo:
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidade de São Paulo, 2003. Tese (doutorado).
25
importantes e respeitadas instituições da Bahia colonial: a Santa Casa de Misericórdia. O
período por ele analisado abrande todo o século XVII e primeira metade do XVIII.28
Embora o foco de seus trabalhos tenha sido o século XIX, Kátia Mattoso nos
deste trabalho recaiu sobre a constituição das grandes e médias propriedades inseridas na
estrutura agro-exportadora açucareira, bem como a atuação dos diversos agentes sociais
sociedade açucareira.31
foram o tema trabalhado por Rae Flory.32 Assim, a autora buscou analisar a constituição
28
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755.
Brasília: Ed. da UnB, 1981
29
MATTOSO, Kátia de Queirós. Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX. São
Paulo/Salvador: HUCITEC/Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 1978 & Da revolução dos Alfaiates
à riqueza dos baianos no século XIX: itinerário de uma historiadora. Salvador: Corrupio, 2004
30
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São
Paulo: Cia. das Letras, 1995.
31
FERLINI, Vera. Terra, trabalho e poder: o mundo dos engenhos no nordeste colonial. Bauru: EDUSC,
2003.
32
FLORY, Rae. Bahian Society in the mid-colonial period: the sugar platers, tobacco growers, merchants,
and artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Austin, The University of Texas, 1978, tese
(doutorado).
26
No que tange seu aspecto comercial, destacam-se os trabalhos de José Roberto do
Amaral Lapa e Pierre Verger. No primeiro, o enfoque recai sobre o comércio marítimo no
longo de toda a sua duração proporcionou um “fluxo e refluxo” entre sujeitos das duas
margens do Atlântico.34
David Smith buscou analisar a atuação dos comerciantes da praça de Salvador. Para
tanto sua investigação se deu a partir da comparação dos agentes mercantis da capital
lojas de varejo, até as grandes negociações marítimas. Da mesma maneira, buscou traçar
local. Em seu estudo percebemos que para além dos agentes proprietários de grandes
posses de terra, havia elementos do grupo mercantil, militar e da governança que faziam
parte do denominado grupo formador da elite de Salvador. Seus signos de distinção não só
33
LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a carreira da Índia. São Paulo: Hucitec, 2000.
34
VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os
Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987.
35
SMITH, David G. The mercantile class of Portugal and Brazil in the Seventeenth Century: a socio-
economic study of the merchants of Lisbon and bahia. 1620-1690. Austin: The University of Texas, tese
(doutorado) - 1975.
36
LUGAR, Catherine. The merchant community of Salvador, Bahia, 1780-1830. New York: State University
of New York at Stony Brook, 1980, tese (doutorado).
27
passavam pela riqueza que possuíam, como também pelo prestígio e status que adquiriam
Dentro dessa temática relacionada à riqueza, temos o estudo de Maria José Rapassi
social na qual estava embutida a riqueza. Da mesma forma, buscou apontar como esta
Nesse sentido, elegemos um corpo documental principal que pouco tinha sido trabalhado:
as escrituras públicas dos dois ofícios de notas que existiam na época na cidade de
Salvador.39 Rae Flory trabalhou com essa documentação entre os séculos XVII e XVIII,
mas precisamente entre 1698 e 1715. Esse corpus documental encontra-se arquivado no
fazer um levantamento sistemático de todo o período desde o ano de 1751 até 1800. De
todo modo, foi possível arrolar uma grande quantidade de informação, cuja análise será
cidade desde de sua fundação até o fim do século XVIII, focando nossa abordagem nos
37
KENNEDY, John Norman. “Bahian Elites, 1750-1822”. In: Hispanic American Historical Review, 53 (3),
1973, pp. 415-39
38
MASCARENHAS, Maria José Rapassi. Fortunas coloniais – elite riqueza em Salvador, 1760-1808. Tese
(doutorado) – curso Pós-Graduação em História Econômica, USP, São Paulo, 1998
39
APEB, judiciário, Livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador (livros 90 a 139).
28
Nesta parte do capítulo, trabalhamos de forma intensiva com as informações armazenadas
sociedade baiana, verificando o peso dos diversos setores na economia da cidade. Para
tanto, foram utilizadas as escrituras públicas de compra e venda. Buscamos fazer uma
análise comparativa com outras regiões e períodos, bem como a confrontação entre as
informações notariais e aquelas arroladas nos inventários post-mortem para uma melhor
Salvador. Esse foi o tema abordado no terceiro capítulo. Utilizamos para isso as escrituras
sistema creditício. Também aqui buscamos fazer comparações com perfis encontrados em
davam fora do mercado. Mas uma vez trabalhamos principalmente com as escrituras
públicas, focando a análise nos documentos de doação e dote, bem como no sistema de
transmissão de heranças.
Por fim, o último capítulo é uma tentativa de seguir as trajetórias de alguns homens
origens, estratégias pessoais e resultados obtidos ao longo de suas carreiras, que passaram
40
ELTIS, David; RICHARDSON, David; FLORENTINO, Manolo & BEHRENDT, Stephen. The
Transatlantic Slave Trade: a Dataset on-line. www.slavevoyages.org
29
baiana. Nesta parte do trabalho, foram utilizadas fundamentalmente fontes qualitativas de
documentação específica, o trabalho que ora se inicia tem como objetivo contribuir para
30
CAPÍTULO I
31
Aspectos sócio-econômicos da cidade de Salvador
império. A princípio, as conquistas do ultramar nada mais eram do que algumas feitorias
comerciais alocadas no litoral das novas posses territoriais. Posteriormente, passou a uma
política de divisão das terras em capitanias, prática bastante difundida na América e nas
ilhas atlânticas. A incursão de corsários e piratas de outras nações européias, bem como o
necessidade de tomar posse de fato das novas áreas, a partir da construção de estruturas
terras brasileiras para ser sua sede. Anteriormente, poucos núcleos urbanos tinham sido
criados na América portuguesa, a maioria por vontade dos próprios donatários das
capitanias, tais como: São Vicente (1532), Porto Seguro (1535), Olinda (1537), Ilhéus
(1536) e Santo Amaro (1538). Ainda na segunda metade do século XVI, foram criadas as
cidades do Rio de Janeiro (1565), Filipéia de Nossa Senhora das Neves, atual João Pessoa
(1584) e São Cristóvão de Sergipe (1590) e as vilas de Piratininga, atual São Paulo (1554),
Ao longo dos séculos XVII e mais fortemente no XVIII, essas novas organizações
núcleos urbanos foram erguidos não só como incentivo a um dinamismo econômico, mas
41
SILVA, Sílvio Bandeira de Mello e et. al. Urbanização e metropolização no Estado da Bahia: evolução e
dinâmica. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, 1989, pp. 43-53.
32
tributos por parte da Coroa. Assim foram construídas Belém do Pará (1616), São Luís do
naquelas de caráter comercial, como as de Salvador, Rio de Janeiro, São Luís, Recife,
Belém.
A cidade de Salvador
contemplou não apenas seus companheiros de viagem como também o antigo morador da
terra, o Caramuru, português de nome Diogo Álvares que habitava as terras baianas há
pelos menos 20 anos. Caramuru recebeu as sesmarias das terras que ocupava, legalizando-
se assim, dentro de uma nova estrutura, uma posse que, até então, tinha sido aceita pela
população autóctone.43
Pereira Coutinho não obteve sucesso na tentativa de colonizar as novas terras. Dez
anos após sua chegada, abandonou suas posses, em decorrência dos desentendimentos
entre os indígenas e seus homens que causaram mortes e destruição de bens de ambos os
lados.
42
MATTOSO, Kátia de Queirós. Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX. São
Paulo/Salvador: HUCITEC/Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 1978, p. 91.
43
Idem.
33
Os conflitos não ocorriam apenas entre os portugueses e os gentios da terra.
Disputas eram travadas entre os próprios colonos, representadas, por exemplo, na revolta
incitada pelo padre Bezerra contra o donatário Pereira Coutinho. Para escapar da fúria
No final da década de 1540, a região voltava à estaca zero. Após a fuga de Pereira
Restaram apenas ruínas queimadas e cerca de 50 pessoas de origem européia que passaram
a contar com a proteção de Caramuru e seus índios. Foi esse o cenário encontrado quando,
em 1549, forças metropolitanas lideradas por Tomé de Souza aportaram na baía de Todos
os Santos para estabelecer o governo geral. Esses remanescentes passaram a dar apoio aos
recém-chegados.45
Na época de sua criação, para ser sede do governo geral do Brasil, Salvador foi
descrita por cronistas coevos e por estudiosos de diferentes épocas como sendo uma cidade
construções bastante precárias, uma vez que os materiais utilizados nas edificações eram
44
CALMON, Pedro. História da fundação da Bahia. Salvador: Museu do Estado da Bahia, 1949, p. 95.
45
MATTOSO, op. cit., 1978, p. 92.
46
SOUSA, Gabriel Soares. Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Editora Nacional/
Editora da Usp, 1971; SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil: 1500-1627. São Paulo/Brasília:
Melhoramentos/INL, 1975; GANDAVO, Pero Magalhães. História da Província de Santa Cruz. São Paulo:
Melhoramentos, 1971; SAMPAIO, Teodoro. História da Fundação da cidade de Salvador. Salvador:
Tipografia Beneditina, 1949; CARNEIRO, Edison. A fundação da cidade de Salvador, 1549: uma
reconstituição histórica; A conquista da Amazônia. Rio de Janeiro/Brasília: Civilização Brasileira/INL,
1980;
CALMON, op. cit., 1949; AZEVEDO, Thales de. Povoamento da cidade de Salvador. Salvador: Itapuã,
1969.
34
cidade. Na parte baixa, localizava-se o porto e no seu entorno toda a vida comercial da
cidade com os seus armazéns, trapiches e lojas que vendiam produtos de diversas
naturezas, vindos de todos os cantos do império. A ligação entre as duas partes da cidade
se dava pelas ladeiras e pelo guindaste dos Padres, no colégio dos Jesuítas, por onde
ano de 1696, pelo fato da cidade ser dividida entre uma parte alta e baixa, “(...) os carros lá
as mais pesadas mercadorias; é também por essa mesma razão que é muito comum o uso
do palanquim”.48
Criada como cidade, Salvador recebeu um termo de grandes dimensões e foi dotada
municipal. Já o rossio era uma parte do termo demarcado junto ao núcleo urbano que era
utilizado para a pastagem de animais domésticos e para a coleta de lenha, fundamental nos
afazeres caseiros da época. Segundo Kátia Mattoso, o termo da cidade de Salvador, tal
como havia sido delimitado no século XVI, não sofreu nenhuma modificação até meados
do século XIX.49
Segundo dados apontados por Luís dos Santos Vilhena, em 1801, a cidade de
Salvador estava dividida em dez freguesias urbanas e nove suburbanas, como verificamos
47
MATTOSO, op. cit., 1978, p. 95.
48
FROGER. “Relations du Voyage de M. de Gennes au detroit de Magellan, fait em 1695, 1696 et 1697”
apud VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os
Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, p. 80.
49
MATTOSO, op. cit., 1978, p. 116.
35
Quadro 1.1 – Freguesia urbanas de Salvador, 1801
Sé 1552
Fonte: VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, vol.
2, 1969, pp. 460-1.
36
Santo Amaro de Itaparica Séc. XVIII
Fonte: VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, vol.
2, 1969, pp. 460-1.
suas fronteiras originais. Foram fundadas entre os anos de 1608 e 1609 novas freguesias
Praia passou a se destacar entre as demais devido ao aumento de seu papel comercial,
cidade eram “equipadas com muito menos despesas do que na Europa: o país fornece toda
a madeira em abundância e a melhor que se possa desejar para a construção de navios, não
somente para os mastros mais ainda as popas, forrações, curvas lemes, etc. É uma madeira
das mais importante de todo o reino no século XVIII. Segundo relatos de Vilhena, de 1801,
o arsenal existente na Bahia era o “mais regular que a América portuguesa conserva para
ocorrer às precisões da Marinha não só real, como mercantil, tanto nacional, como
foram erguidas, ruas foram traçadas, mas a configuração original foi preservada. O centro-
50
LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a carreira da Índia. São Paulo: Hucitec, 2000, p. 60.
51
BARBINAIS. “Voyages” apud VERGER, op. cit., 1987, p. 84.
52
VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, Vol. 1, 1969, p. 499.
37
de Jesus e no Cruzeiro de São Francisco. Foi melhorada e aperfeiçoada a ligação entre as
cidades alta e baixa, com a construção de novas ladeiras. A cidade se ampliava para além
das Portas do Carmo, onde se estendia a freguesia de Santo Antônio. Na direção das Portas
de São Bento, o traçado urbano atingia o forte de São Pedro, com a demarcação de novas
vias. A cidade baixa que antes se restringia a apenas uma rua, onde se localizavam
trapiches, armazéns e casas comerciais, passou por uma remodelação, com aterros,
urbana, Salvador não conseguiu se manter como o centro político da América portuguesa.
No ano de 1763, a sede administrativa do governo geral foi transferida para o Rio de
posição estratégica, o Rio de Janeiro poderia desempenhar bem a função de sede colonial.
Para além do fator geográfico, há muito o porto carioca se tornara a porta principal da
53
SOUSA, Avante Pereira. Poder local, cidade e atividades econômicas (Bahia, século XVIII). São Paulo:
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidade de São Paulo, 2003. Tese (doutorado), p.
58.
54
Ibidem, p. 59.
38
América lusa, no que Antônio Carlos Jucá de Sampaio bem denominou a “encruzilhada
A população de Salvador
físico-urbanísticas adquiridas ao longo do período colonial. Mas qual o tamanho real dessa
população?
viviam na cidade de Salvador cerca de 1.500 pessoas. Podemos considerá-la bem povoada
dentro dos padrões vigentes, uma vez que estava no mesmo patamar de núcleos urbanos
período giravam em torno de 1.000 a 1.6000 indivíduos.56 Segundo dados apontados por
cidade contava com três mil portugueses, oito mil índios cristianizados e entre três e quatro
55
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas
econômicas no Rio de Janeiro (c.1650 – c .1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.
56
SAMPAIO, op. cit., 1949, pp. 178, 199.
57
CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. São Paulo/Brasília: Editora Nacional/INL, 1978, p.
175.
39
Ao longo do século XVII, a cidade foi se desenvolvendo vinculada à produção e ao
comércio de açúcar. Novos prédios foram erguidos, ruas traçadas. Com medo de novas
cidade cerca de 20 mil pessoas, enquanto que no Rio de Janeiro habitavam menos de 12
mil indivíduos.58 Segundo relato do capitão William Dampier, que esteve na Bahia no ano
cidade. Novas áreas passaram a ser ocupadas. Contudo, não houve mudanças significativas
habitantes em 1706, saltara para 40 mil, em 1759. Em toda a capitania da Bahia viveriam
Por volta da década de 1770, surgem os primeiros dados que possibilitam estimar o
listas que foram elaboradas por comandantes de milícias locais e padres de paróquias, por
ordem da Coroa, cujo objetivo era determinar o número de homens capazes de usar armas
idade e sexo dos indivíduos. Nesses registros foram excluídas as crianças abaixo dos sete
Os mapas das paróquias eram enviados aos funcionários das comarcas, os quais,
por sua vez, endereçavam os relatórios de maneira condensada para seus superiores que
58
SOUSA, op. cit., 2003, p. 57.
59
DAMPIER, William. “Voyages” apud VERGER, op. cit., 1987, p. 83.
60
SOUSA, op. cit., 2003, pp. 57-8.
40
enviavam anualmente em forma de tabela para Lisboa. Contudo, segundo D. Alden, com
exceção da capitania de São Paulo, raramente esses registros foram remetidos com
população para as diversas áreas da América lusa, principalmente para os anos de 1776 e
1800. Conforme apontam seus dados, durante o século XVIII, em que pese o processo de
diversas partes do Brasil. Calcula-se que, no final da década de 1770, o número médio de
habitantes das 36 vilas da capitania do Rio de Janeiro, excluindo-se a capital, era de apenas
1.625. Em 1780, a cidade do Rio de Janeiro contava com 38.707 habitantes. No mesmo
ano a capitania da Bahia possuía 193.598 pessoas, sendo que dessas, 170.489 viviam na
capital, em seus subúrbios mais próximos e nas oito vilas que a cercavam na baía de Todos
os Santos.62 Cabe ressaltar, que as estimativas são baixas, uma vez que não foram
longo do século XVIII, que compilamos no quadro 1.3. Por volta da metade da década de
1770, a capital baiana possuía uma população maior que qualquer outra cidade no
continente, excetuando Filadélfia que na época contava com 40 mil pessoas.63 Desta forma,
Salvador constituía-se num dos mais importante núcleos urbanos da América lusa no
61
ALDEN, op. cit., p. 328-31.
62
Ibidem, p. 531.
63
Ibidem, p. 533.
41
XVIII, ocorreu um decréscimo progressivo da população. Talvez a explicação para este
fenômeno tenha sido a transferência da capital do Brasil para o Rio de Janeiro, em 1763,
que teria acarretado um processo de esvaziamento da cidade, que parece ter perdurado até
Salvador manteve o posto de cidade mais populosa do Brasil, posto que seria perdido para
Ano População
1706 21 601
1755 37 453
1757a 34 442
1757a 37 323
1759 40 263
1768 40 922
1775 33 635
1780 39 209
1805 45 600
cor das pessoas, nem ao menos a origem. Entretanto, alguns governadores exigiam essa
informação. Esse levantamento foi feito principalmente nas capitanias onde havia um
42
grande número de cativos. Mormente, a distinção era feita em quatro categorias: brancos;
pardos; pretos; e índios. Alguns outros relatórios apenas faziam a diferenciação social entre
homens livres e escravos. Pelo fato da escravidão indígena ter sido abolida oficialmente em
1750 (embora não na prática), todos os escravos numerados deviam ser considerados
africanos ou crioulos. Infelizmente, esses dados só são encontrados para a Bahia no ano de
1810, quando o ministro do Interior mandou elaborar censos nas principais capitanias, nos
reunidos e resultaram num relatório enviado pelo lorde Strangford, ministro inglês
estabelecido no Rio de Janeiro, para seu governo. Como demonstra o material censitário,
cerca de dois terços da população do Brasil na época eram compostos de negros e mulatos.
No caso da Bahia, cerca de 78,6% eram negros ou mulatos, 19,8%, brancos e 1,5%, índios.
modo geral baixa, “a mais baixa de todos os setores da sociedade em todos os tempos”.65
Alguns fatores contribuíam para essa assertiva, quais sejam: o baixo valor do preço do
escravo importado, as precárias condições de vida dos cativos, a baixa taxa de feminilidade
nos plantéis. Além desses fatores, como mencionado anteriormente, apostar na criação de
uma criança escrava por doze ou quatorze anos até esta atingir a idade de trabalho seria um
mercado de um escravo adulto. Desta maneira, a alta taxa da população de cor percebida
64
Ibidem, p. 535.
65
MARCÍLIO, Maria Luísa. “A população do Brasil colonial”. In: BETHELL, Leslie (org.). América Latina
Colonial. Vol.2, São Paulo: Edusp, s/d, p. 329.
43
relatou que “à exceção das pessoas da mais baixa classe, não há quase habitantes que não
uma dicotomia entre senhores e escravos. Em fins do século XVIII, Luís dos Santos
Jancsó, o corpo de funcionários é formado por altos membros da administração civil, como
comerciantes se dividiam entre aqueles que faziam o comércio a distância e aqueles locais.
possuíam. O povo nobre era em sua maioria formado por grandes lavradores, senhores de
composto por uma variedade de mestre de artes mecânica, tais como, ourives, alfaiates,
pedreiros, escultores, etc. O corpo eclesiástico era constituído por uma miríade de
especial da justiça. Por fim os escravos, que representavam cerca de 30% da população da
66
DAMPIER, William. “Voyages” apud VERGER, op. cit., 1987, p. 82
67
VILHENA, op. cit., 1978, pp. 55-7.
68
JANCSÓN, István. Na Bahia, contra o Império – história do ensaio de sedição de 1798. São Paulo/
Salvador: Hucitec/UFBA, 1996, pp. 77-86.
44
Açúcar, tabaco e farinha
Capitania da Bahia estava baseada na produção e venda de açúcar para o mercado externo,
exportação de produtos como açúcar, tabaco, algodão, couro e madeira, a cidade viu a
emersão de uma nova categoria social, como os homens de negócio, atrelados ao aumento
destaque.
Salvador como Pirajá, Matoim, Cotegipe, Itaparica e Paripe, de vilas como São Francisco
Ilhéus, Porto Seguro e Sergipe, o açúcar chegava ao porto da capital e era remetido para a
Europa.70
Por quase um século, foi o nativo a principal fonte de braços para impulsionar os
engenhos produtores de açúcar nas regiões mencionadas. Até a década de 1560, eram
obra indígena para a africana está atrelada à percepção positiva dos portugueses sobre o
trabalho destes. Essa familiaridade do colono luso era caudatária da experiência do cativo
áfrico na Península Ibérica e ilhas atlânticas como trabalhador doméstico, artesão urbano e
69
AZEVEDO, op. cit., 1969, p. 167.
70
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São
Paulo: Cia. das Letras, 1995, pp. 90-3.
45
escravo especializado. Muitos já dominavam as técnicas do fabrico do açúcar, habilidade
desenvolvida nas ilhas da Madeira e de São Tomé. Além disso, muitos desses escravos
sendo devastada por epidemias devido ao contato microbiano com as levas de imigrantes
pressionavam a Coroa para pôr fim à escravização dos índios. Em 1570, foi promulgada a
primeira lei contra a escravidão indígena. Posteriormente, mais duas foram editadas, em
1595 e 1609. Embora não tendo eliminado o trabalho dos nativos na América portuguesa, a
se consolidou em meados do século XVII. O padre Manoel Soares estimou que na Bahia
no ano de 1587, cerca de 60% dos cativos eram índios.71 Dados levantados por Schwartz
1572, apenas 7% dos 280 escravos adultos eram africanos. Já no ano de 1591, essa
população representava 37% dos 103 indivíduos. Em 1638, dos 81 escravos que havia no
O século XVII pode ser caracterizado como o período em que o colono na América
portuguesa fez a opção definitiva pela mão-de-obra africana, em que pese à diferença de
economia baiana, mesmo tendo problemas com a política fiscal e comercial portuguesa,
71
GOULART, Maurício. Escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. São Paulo: Alfa-
Ômega, 1975, p. 100.
72
SCHWARTZ, op. cit., 1995, p. 68.
46
teve um desempenho relativamente bom durante o século XVII, com os preços do açúcar
altos o bastante para permitirem que os lucros dos senhores de engenho pudessem
eximia de qualquer responsabilidade e que era item primordial nas despesas dos produtores
de açúcar.
população cativa, seja pelo desequilíbrio sexual entre os escravos (cerca de dois homens
para cada mulher), seja pela alta taxa de mortalidade de crianças e adolescentes. Tais
na criação de uma criança escrava por doze ou quatorze anos até esta atingir a idade de
década de 1630, cerca de 80% desse produto comerciado em Londres era de origem
brasileira, por volta de 1670, essa participação caiu para 40%, chegando, ao ano de 1690, a
brasileiros foram perdendo a sua capacidade de lidar com a queda do preço desse artigo no
mercado internacional.
73
Ibidem, p. 162.
47
Com o crescimento da produção de açúcar nas Antilhas, aumentou-se nesta região a
demanda por mão-de-obra escrava. Com efeito, o novo mercado para o braço africano
tendeu a elevar o preço do cativo tanto na África quanto na revenda no Brasil, espremendo
ainda mais os lucros dos plantadores. O valor do escravo, que já era alto devido à procura
interior da América portuguesa, região hoje conhecida como Minas Gerais, ocorrida por
de grandes lucros, uma vez que nas regiões mineradoras o preço do cativo era bem superior
ao de Salvador e à área do Recôncavo baiano. Além disso, recebiam em ouro pela venda
dos escravos, enquanto os senhores de engenho da Bahia pagavam a esses traficantes com
escravos que podiam ser remetidos para as áreas mineradoras com o alvará de 1701.75
comerciantes negreiros, argumentavam que alguns escravos não serviam para trabalhar na
lavoura e deveriam ser disponíveis para a venda às minas. Mais forte que o temor da lei era
empresa açucareira, o escravo. No ano de 1702, foram enviados para Portugal 507.609
74
Ibidem, p. 166.
75
APEB, coleção manuscritos., Ordens Régias de 20-1-1701. Este alvará estipulou que os paulistas só
podiam adquirir duzentos cativos de Angola por ano no porto do Rio de Janeiro.
48
arrobas de açúcar baiano, sendo de 249 produtores diferentes dos quais se calcula que 100
reino 507.500 arrobas de açúcares produzidos em 146 engenhos, segundo cálculos feitos
por Antonil, ao final do primeiro decênio do século XVIII.77 Em 1720, a produção caiu
para cerca de 420.000 arrobas. Portanto, podemos sugerir que o tráfico baiano procurava
costeando o rio São Francisco e o rio das Velhas, percorrendo uma distância de
aproximadamente 200 léguas (c. 1.200 km). Pelo menos até a segunda década do século
para as minas. Tal fato mudou com a abertura do “caminho novo”. Se, percorrendo o
“caminho velho”, que ligava o Rio de Janeiro à região mineradora via Paraty, gastava-se de
década de 1710, o percurso de 80 léguas (c.480 km), passa a ser feito em doze ou até dez
dias.78 Uma crônica da época relata que o recém-descoberto caminho foi importante para
comunicação por terra, que era realizada com grandes dificuldades, a partir da Bahia de
76
Ibidem, p. 149.
77
ANTONIL, André João, Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976, p.140. Segundo
Antonil, foram exportados para Portugal 14.000 caixas de açúcar.
78
ANTONIL, op. cit., 1976, p. 184-7.
79
PARSCAU, Guillaume François. “A invasão francesa de 1711”. In: FRANÇA, Jean Marcel Carvalho
(Org.). Outras visões do Rio de Janeiro Colonial: antologia de textos (1582-1808). Rio de Janeiro: José
Olympio, 2000, p.135.
49
terceira década do século XVIII, a Bahia exerceu um papel complementar para o
tratar do momento em que a produção aurífera atinge seu auge.80 Durante toda a segunda
expansão da produção de alguns gêneros básicos tradicionais, como açúcar e fumo, assim
Alguns estudiosos apontam que, entre 1750-1770, a América lusa passava por um
refletida na diminuição das rendas da Coroa portuguesa provenientes do Brasil, bem como,
pela queda da exportação de açúcar da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro para a Europa
devido aos baixos preços no velho continente, e do declínio da lavoura fumageira, por
mão-de-obra indígena, pela dificuldade de transporte e pelo baixo preço do produto. Para
esses mesmo autores, a recuperação se inicia por volta de 1780 como o “renascimento
agrícola”, principalmente nas regiões ligadas ao litoral. Esse ressurgimento seria uma
resposta de vários fatores, como as medidas adotadas por Pombal e seus sucessores;
50
importantes fornecedores de açúcar no Caribe (notadamente, a ilha de Saint-Domingue); e
o recrudescimento das hostilidades franco-inglesas, que acabaram por relegar suas colônias
ao segundo plano.81
agrícola na Bahia. Agora não havia mais a concorrência forte das regiões mineradoras.
cativos por ano para a capitania mineira, enquanto o Rio de Janeiro foi responsável pela
remessa de cerca de 3.900 cativos.82 Na década de 1760, foram enviados para Minas
Gerais cerca de 60% dos escravos despachados em Salvador (cerca de 920 por ano),
na demanda mineira por braços africanos. Dos escravos novos que chegavam à Bahia,
entre 1728 e 1748, período de grande produtividade mineral, calcula-se que 40% tenham
sido redirecionados para as Minas.84 Já entre os anos de 1760-70 houve uma queda
significativa nesses números. Apenas 18% dos novos que chegaram a Salvador foram
81
Cf. ALDEN, Dauril. “O Período final do Brasil Colônia: 1750-1808”. In: BETHELL, Leslie (org.).
América Latina Colonial. Vol.2, São Paulo: Edusp, s/d; SCHWARTZ, op. cit., 1995.
82
GOULART, op. cit., p. 170.
83
Sobre a redistribuição de escravos a partir da praça de Salvador cf. RIBEIRO, Alexandre V. “O comércio
de escravos e a elite baiana no período colonial” In: FRAGOSO, João; SAMPAIO, Antônio Carlos de Jucá;
ALMEIDA, Carla Maria (orgs.). Conquistadores e negociantes: histórias de elites no Antigo Regime nos
trópicos. América Lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, pp. 311-35.
84
GOULART, op. cit., 1975, p. 165.
51
remetidos para a região das Gerais, uma média anual de 882 escravos.85 A diminuição
desse fluxo para as lavras mineiras estava atrelada à redução da produção de minérios.
Muitos desses escravos não eram remetidos apenas para a mineração, ma, também, para
desempenho da economia mineira, ao longo do século XVIII, fez com que ela
O movimento de despachos de escravos da Bahia para outras regiões, que não a das
Gerais, aponta para a diversificação da economia colonial. Surgiram novas áreas que se
caíram cerca de 60% entre 1760 e 1776, mas o desempenho do tráfico atlântico, nas
últimas décadas do século XVIII, como veremos adiante, indica que à crise da mineração
fatores de produção.
possibilitou uma maior oferta de mão-de-obra nas áreas próximas à capital baiana,
nesse período. Se no ano de 1755 contavam-se 172 engenhos na capitania, em 1795, esse
85
RIBEIRO, op. cit., 2005, cap. 4
86
Sobre a mudança das atividades econômicas em Minas Gerais no final do século XVIII e início do XIX ver
MARTINS, Roberto. “Minas Gerais, século XIX: tráfico e o apego à escravidão numa economia não-exportadora”. In:
Estudos Econômicos, 13 (1), São Paulo: FIPE, 1983.
87
A segunda região que mais recebia escravos da Bahia era a Capitania de Goiás. Aproximadamente 13%
dos escravos despachados de Salvador destinavam-se para esta região. Em vilas, fazendas e veios de Goiás e
Mato Grosso, entre fins do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX os escravos provenientes da
África Ocidental eram maioria entre os africanos. Ver KARASCH, Mary. “Central Africans in Central
Brazil, 1780-1835”. In: HAYWOOD, Linda M. Central Africans and cultural transformations in the American
diaspora. New York/Cambridge: Cambridge University Press, 2002, passim.
52
número atingiu 353, pulando para 400 três anos mais tarde.88 No final do século, a zona
Com isso, a exportação anual de açúcar, que na década de 1770 foi estimada em 10 mil
caixas por ano (aproximadamente 440 mil arrobas), se elevaria no decênio seguinte para
cerca de 480 mil arrobas anuais, chegando, no final de década de 1790, a uma média de
11,5 mil caixas de quarenta arrobas (cerca de 760 mil arrobas por ano).90 Segundo
apontamentos feitos por D. Alden, entre 1757 e 1798, as exportações de açúcar baiano
subiram cerca de 55%. Como aproximadamente 10% do açúcar produzido na Bahia eram
consumidos localmente, a produção anual parece ter aumentado, entre 1759 e o início do
século XIX, de 360 mil arrobas para algo em torno de 880 mil, o que representa um ganho
de 69%.91
abolido (1765), medida bem aceita por toda a comunidade mercantil de Salvador, pois
implementar também uma reforma tributária, com a eliminação ou redução de várias taxas
– em 1776 os valores dos fretes foram reduzidos, visando à diminuição dos custos para os
88
BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano – açúcar, fumo mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-
1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, pp. 74-5. No ano de 1755 os dados englobam 126
engenhos na Bahia e 46 no Sergipe; em 1795, 221 engenhos eram da Bahia e 132 do Sergipe; em 1799, 260
eram baianos e 140 sergipanos.
89
ALDEN, op. cit., p. 557.
90
BARICKMAN, op. cit, 203, p. 346; ALDEN, op. cit., pp. 557-9; SCHWARTZ, op. cit., 1995.
91
ALDEN, op. cit., p. 558.
53
Domingues, em 1791. Essa colônia francesa nas Antilhas era a maior produtora de açúcar
do mundo. Durante aproximadamente uma década, travou-se nesta ilha uma intensa guerra
produção açucareira.
Mas não só do açúcar vivia a economia da Bahia. A capitania era responsável por
mais de 90% do fumo brasileiro comerciado para Europa, África e para o restante do
Brasil. Cerca de um terço da produção era consumida pelo mercado interno. O fumo de
rolo antes de ser exportado era armazenado em Salvador num único depósito, onde
fumo em folha era reservado para ser enviado a Goa. Menos da metade da produção anual
era reputado de boa qualidade para atender ao mercado europeu e de Goa. O que sobrava
era considerado refugo. A lavoura fumageira não teria como sobreviver se tivesse que
desperdiçar sempre mais da metade da sua produção. Contudo, esse refugo ou o fumo de
para o comércio de escravos feito pelos baianos na região da Costa da Mina. Enrolado em
melaço puro, o fumo destinado à África tornava-se adocicado. Esta forma de confeccionar
os rolos dava um aroma especial e o tornava muito apreciado pelos africanos da África
Ocidental.92
chegando até mesmo em localidades do agreste baiano como São José das Itapororocas
92
BARICKMAN, op. cit., 2003, p. 64; VERGER, op. cit., 1987, p. 21.
54
(atual Feira de Santana), Ipirá, São Gonçalo dos Campos, Inhambupe, Pedrão e Água
Fria.93 De todo modo, o local privilegiado para o cultivo do tabaco era a área do recôncavo
Barickman, a concentração dessa cultura em Cachoeira era estimulada pelo tipo de solo
arenoso e leve encontrado na região.94 De acordo com Schwartz, por volta de 1697, havia
em Cachoeira quatro armazéns, nos quais se guardava o fumo que era transportado em
pequenas embarcações até Salvador, de onde seguiam para diversas partes do Império.95
fazendas de tabaco responsáveis por uma produção de 35 mil rolos por ano. As
exportações anuais de fumo baiano parecem ter alcançado cerca de 320 mil arrobas no
período de 1750-66 e na década de 1780 chegou a 615 mil, conforme dados levantados por
D. Alden. É possível que, na década de 1790, tenha ocorrido o auge da produção de tabaco
na Bahia. Decerto, foi no último decênio do século XVIII que os preços atingiram o
patamar mais elevado do século, em média quase o dobro do início da década de 1750. 96
crescente fluxo de embarcações que partiam de Salvador para resgatar escravos na Costa
média, 10 navios por ano. Já no último decênio dos Setecentos, zarparam em média, 18
embarcações anuais, todas com grandes carregamentos de rolos de tabaco.97 Embora, tenha
aumentado a remessa de fumo para a África, o nível estimado das exportações na década
de 1790 foi acentuadamente inferior (cerca de 452 mil arrobas) ao observado para a década
93
MATTOSO, op. cit., 1978, p. 26; SCHWARTZ, op. cit., 1995, p. 85.
94
BARICKMAN, op. cit, 2003, p. 42.
95
SCHWARTZ, op. cit., 1995, p. 85.
96
ALDEN, op. cit., pp. 562-4.
97
Sobre o movimento de navios negreiros partindo de Salvador cf. RIBEIRO, op. cit. 2005, anexo 3.
55
de 1780 (615 mil).98 De todo modo, o fumo desempenhou papel preponderante para o
desenvolvimento da economia baiana, uma vez que era o item principal utilizado pelos
A maior parte da produção de farinha nos séculos XVII e XVIII provinha da vila de
Camamu, na capitania de Ilhéus. Esta e outras vilas da redondeza eram visitadas por
para ser revendida no Rio de Janeiro, em Pernambuco, em São Vicente e demais portos
coloniais. Na segunda metade dos Setecentos, café também passou a ser remetido de
Camamu para Salvador, enquanto a vila de Cairú passou a enviar farinha, café e arroz.99
Embora tivesse disponível uma vasta gama de alimentos, a dieta trivial do baiano
em amido, a farinha garantia aos habitantes uma alimentação repleta em calorias. Decerto,
os baianos comiam outros gêneros ricos em carboidratos e que eram produzidos localmente
diminuta, o pão feito com farinha de trigo importada complementava a dieta do baiano. Era
mais comum observá-lo, segundo crônicas de época, nas mesas dos moradores mais
56
grande consumo de arroz, feijão e milho, mas seu papel na alimentação cotidiana era
apenas a 12% de todos os gêneros que entraram no celeiro público de Salvador, sendo o
restante (88%) representado pela farinha. O consumo diário de farinha na cidade era de
567 gramas por pessoa. Essa era a porção distribuída aos presos pobres da cadeia, aos
escravos nas fazendas e nas roças deviam consumir uma parcela ainda maior de farinha,
por ser tratar junto com a carne-seca, do alimento básico nas áreas rurais. Sem dúvida, a
sua periferia.
Presente tanto nas mesas dos ricos quanto na dos pobres e nas cuias dos escravos, a
da farinha era quase que totalmente vendida localmente na segunda metade do século
XVIII.
época, a boa localização atrelada ao clima permitia o abastecimento da cidade durante todo
o ano de uma variedade de víveres, com abundantes tipos de hortaliças e frutas tropicais. O
fato de estar de frente ao mar tornava acessível a seus habitantes mariscos e carne de
baleia. Pelo porto chegavam o dendê da África ocidental; a carne-seca era importada do sul
do Brasil ou da região do Rio da Prata; alho, azeite de oliva, vinho, queijo, manteiga,
57
Do sul da Bahia, nas regiões de Caravelas e Rio das Contas também havia produção
Seguro, a lavoura de arroz se destacava. Sua produção embora não fosse grande, era
Dos sertões mais distantes eram enviadas grandes levas de reses que asseguravam,
Salvador.104 O gado não só servia de alimento, mas também era utilizado como força
Itapuã e Tatuapara.105 Mais tarde se expandiram sertão adentro, onde havia vastos campos
e proximidade de fontes d’água, como rios e lagos. Nesse sentido, o vale do rio São
Consumia-se uma grande quantidade de couro para se embalar os rolos de tabaco, que
depois eram exportado. Além de ser vendido no exterior, o couro era bastante consumido
outros produtos.107 Consumia-se uma grande quantidade de couro para se embalar os rolos
de tabaco, que depois eram exportados, além de servir como alimento. A carne também
102
BNRJ, sessão ms, II, 34,6,21.
103
SCHWWARTZ, op. cit., 1995, p. 86.
104
VILHENA, op. cit., 1969, pp. 57, 61, 126-7, 130; MATTOSO, op. cit., 1978, p. 53-4; 255-7; 301;
BARICKMAN, op. cit, 2003, p. 90.
105
AZEVEDO, op. cit., 1969, pp. 320-1.
106
ANTONIL, op. cit., 976, p. 199; AZEVEDO, op. cit., 1969, pp. 321-3.
107
SIMONSEN, Roberto. História econômica do Brasil 1500-1820. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978,
p. 168.
58
passara a ser bastante consumida pelos moradores da cidade, das vilas, engenhos e
Para a boa consecução da pecuária na região, foi constituída uma rede de serviços
que envolvia diferentes agentes sociais, como o criador, o negociante e o consumidor. Foi
preciso abrir novos caminhos e estradas que ligavam o sertão ao litoral. Os currais, os
comércio.109
gado da Bahia no século XVIII. Além da capital, abastecia a região do Recôncavo. Estima-
se que a média anual de gado comercializado, entre os anos de 1791 e 1811, era maior que
18 mil cabeças. De todo modo, havia muitas queixas dos soteropolitanos relacionadas à
Salvador. Os dois núcleos importantes de mineração na Bahia foram Rio das Contas e
Jacobina, localizados na região da Chapada Diamantina. Até meados do século XVIII, nas
minas existentes nessas áreas foram produzidas quantidades consideráveis de ouro. Assim
como os veios auríferos das Gerais, essas localidades demandavam constantemente o envio
de escravos, necessidade suprida pelo porto de Salvador que anualmente remetia levas de
108
AZEVEDO, op. cit., 1969, pp. 175; 201.
109
SOUSA, op. cit., 2003, p. 67.
110
Idem.
111
Sobre a remessa de escravos partindo do porto de Salvador para as diversas praças mercantis da América
portuguesa, cf. RIBEIRO, op. cit., 2007.
59
As estradas abertas na Bahia em função da mineração facilitaram a circulação de
dessas áreas chegavam a Salvador de onde eram exportados para as diversas partes do
Império. Entre esses gêneros destacavam-se o açúcar, fumo, couro, aguardente, melaço,
escravos e tecidos da Índia e trazendo farinha, milho feijão, arroz e toucinho. No século
XVIII, intensificou-se o comércio entre a Bahia e a capitania do Rio Grande de São Pedro,
que utilizava entre quarenta e cinqüenta navios115, transportando roupas, tecidos, sal,
açúcar, doces e escravos116 para serem trocados por farinha de trigo, couro, queijos, velas,
milho, sebo e, principalmente, carne seca e salgada, indispensável na dieta dos escravos.117
desempenhado, até o final do século XVII, pela capitania do Ceará que perdeu seu posto
devido às constantes secas. De todo modo, da região cearense continuaram sendo enviados
112
AHU, CA, Bahia, docs. 2320; 2321; 9724; 9725; 9730; 9731;13037; 13038; 13039; 13144; 13145;
13146;
113
AHUM, CA, Bahia, docs. 18296; 18298; 18299; 18300; 18301; 18302; 18305; 18306; 18307; 18308;
18309; 18310; 18312; 18313; 18315;
114
Sobre o comércio da Bahia com a Índia cf. LAPA, op. cit., 2000.
115
AHU, CA, Bahia, docs. 20521-26.
116
Sobre o comércio de escravos entre a Bahia e o Rio Grande do Sul, cf. RIBEIRO, op. cit., 2007.
117
VILHENA, op. cit., 1969, p. 57.
60
para Salvador diversos gêneros como farinha, couro e algodão, comercializados por
Brasil. Para São Paulo, além de escravos, partiam navios carregados com tecidos, roupas e
objetos de prata que eram trocados por farinha de trigo, milho, toucinho e uma variedade
de legumes. Para a região do rio da Prata, eram remetidos escravos, tabaco, tecidos,
farinha, feijão, arroz, legumes, porcos e galinhas. Gêneros alimentícios, como arroz e
legumes, eram os itens principais remetidos do Espírito Santo. Já com comarcas da própria
capitania, a capital baiana importava madeira, cacau, farinha, arroz e café de Ilhéus;
Mais eram os escravos que tornavam volumosas as transações entre o porto de Salvador e
as regiões mineradoras das Gerais. Desta localidade, partiam o ouro e pedras preciosas que
Todos os Santos e em Porto Seguro. Desta comarca chegavam cada semana em Salvador
Todos os Santos os pescadores se especializaram na caça à baleia que consistia, até o ano
118
Ibidem, p. 58.
119
Idem; sobre as remessas de escravos da Bahia para a Colônia do Sacramento cf. RIBEIRO, op. cit., 2007.
120
VILHENA, op. cit., 1969, p. 58.
61
de 1798, em monopólio real. Esta atividade envolvia diversos setores e pessoas,
responsáveis não só pela pesca como também pela fabricação do óleo, usado na
Bahia, durante o governo de Diogo Botelho (1602-8), sob o comando de Pedro Urecha que
trouxe de Biscaia barcos e pessoas experientes no ofício.121 Tal atividade foi facilitada e
consolidada devido à grande presença de baleias que sobejavam na águas da baía de Todos
os Santos.122
todos os moradores que viviam à margem da baía, tendo em vista o mar ser bastante
excedente era vendido pelas ruas de Salvador. Até chegar à mesa do consumidor final, o
pescado passava nas mãos de diversas pessoas, em sua maioria mulheres negras
conhecidas como ganhadeiras, o que acabava por elevar o preço da mercadoria e tornava
Lindley descrevia que o comércio na cidade era “espantoso”. Observou que mais de
121
SOUSA, op. cit., 2003, p. 76.
122
SOUSA, op. cit., 1971, p. 139.
123
VILHENA, op. cit., 1969, pp. 126-7.
62
interligada a diversas cidades banhadas pela baía de Todos os Santos, a vilas distantes, a
comerciais. Por esta razão, foi considerado por fontes coevas como “o porto do Brasil”,
durante o século XVII. Papel que Amaral Lapa designou, talvez exageradamente, como
Em 1723, o vice-rei do Brasil, Vasco César de Menezes, afirmou que eram poucos os
moradores que não faziam algum tipo de comércio, fosse pequeno ou grande, internamente
ou externamente à colônia.126
envergadura era o tráfico transatlântico de escravos, não só pelos valores envolvidos como
colonial, visto que era a partir do comércio internacional de africanos que os colonos
fluxo mercantil, além da carga humana, eram negociados panos da Costa, cera, tabaco,
ouro, azeite de palma, canela, sabão. Mas, sem dúvida, o foco estava no comércio de
africanos. O valor envolvido nas importações de produtos africanos, no ano de 1798, girou
124
LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil. São Paulo: cia. Ed. Nacional, 1969 (1a. Edição
1805), p. 171.
125
LAPA, op. cit., 2000, pp. 1-2.
126
APEB, provisões, v. 56, p. 127.
127
VILHENA, op. cit., 1978, p. 61.
63
O comércio de escravos brasileiro começou em meados do século XVI e
primeira metade do Quinhentos com a chegada dos primeiros colonos portugueses, uma
vez que no Reino já se importava braço africano desde meados do século XV.128
América portuguesa. Affonso E. Taunay apontou que os primeiros escravos áfricos vieram
para o Brasil com Martim Afonso de Sousa em 1525, apenas alguns anos antes de ele se
Todavia, há pouco fundamento histórico para isso. Embora existam relatos de cativos
de Sousa não chegou à América lusa antes de 1530, pois, neste ano, navegava pelo litoral
sugeriram que o primeiro navio negreiro teria chegado ao Brasil em 1516, vindo de
Angola, mas esta opinião também carece de fundamentação histórica, pois em 1516 a costa
angolana ainda era um território pouco conhecido dos portugueses para que eles tivessem
Europa onde eles trocavam de embarcação para fazer a travessia oceânica para as
Américas.130 Além do mais, neste período, o arquipélago de São Tomé e Príncipe, na baía
de Biafra, era um destino muito mais atraente para os navios negreiros vindos de Angola
128
TENREIRO, Francisco. A ilha de São Tomé. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar (Memórias, 24,
2.º série), 1961, p. 72.
129
Essas hipóteses foram resumidas em GOULART, op. cit., 1975, pp. 95-9.
130
ALMEIDA, António de Mendes, “The Foundations of the System: A Reassessment of the Slave Trade to
the Spanish Americas in the Sixteenth and Seventeenth Centuries”. In: ELTIS, David; RICHARDSON,
David. (Orgs.). Extending the Frontiers: Essays on the New Transatlantic Slave Trade Database. New
Haven: Yale University Press, 2008.
64
do que o Brasil, visto que a indústria de açúcar das ilhas tinha se expandido e ainda
serviam como um porto de parada para reabastecimento das embarcações da rota das
Índias Orientais.131
América portuguesa teria ocorrido na Bahia em 1538, com a chegada de Jorge Lopes
transatlântico.132 Já Gabriel Soares de Sousa menciona que o tráfico para a Bahia teria se
iniciado após 1549, quando Tomé de Sousa estabeleceu o Governo Geral do Brasil em
portuguesa enviou uma “partida” de africanos para nova cidade de São Salvador. Contudo,
escravos africanos. Para os anos de 1539, 1542 e 1555 há cartas para a Coroa de Duarte
cativos africanos. Em 1545, Pedro de Góes e Martin Ferreira, colonos em Paraíba do Sul,
na região sudeste, também demandavam por escravos africanos. Entretanto, a Coroa tratou
dessas questões apenas em 1559, expedindo um alvará ao governador de São Tomé no qual
tornava-se lícito que todo proprietário de engenho, munido com uma licença emitida pelo
governador do Brasil, pudesse comprar até 120 escravos na região do Congo.133 Esta
131
TENREIRO, Francisco. A ilha de São Tomé. Lisboa: s/d, 1961, p. 72.
132
TAUNAY, Affonso de E. “Subsídios para a história do tráfico africano no Brasil colonial”. In: Anais do
Terceiro Congresso de História Nacional - terceiro volume. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB)/Imprensa Nacional, 1941, p. 533.
133
GOULART, op. cit., 1975, pp. 95-9. Cf. também CARDOSO, Gerald. Negro Slavery in the Sugar
Plantations of Veracruz and Pernambuco, 1550-1680. Washington D.C, s/d, 1983, pp. 75-6. Agradeço a
Daniel Domingues da Silva por esta referência.
65
permanece sendo a referência mais antiga sobre o comércio de escravos direto entre África
e América portuguesa e sugere que, embora africanos pudessem ter estado presentes no
Brasil desde o início da colonização, o comércio brasileiro de escravos começou como uma
mão-de-obra, regulada pelo Estado português e calcada numa experiência de cem anos.
apenas sete registros de viagens, datados da segunda metade do século XVI, ligando o
Brasil à África.135 Quatro destas levaram escravos para regiões do nordeste brasileiro, duas
para o sudeste e uma para uma região não especificada. Todas embarcaram escravos no
litoral africano do atlântico sul, com as mais antigas embarcando escravos em São Tomé,
como sugerido pelo alvará real. Três viagens foram patrocinadas por comerciantes
portugueses e três por mercadores holandeses que também transportavam uma grande
quantidade de açúcar brasileiro para os mercados europeus.136 Uma das viagens não tem
financiaram as viagens mais antigas, em 1574, 1575 e 1582, importando 341 escravos para
1597, mas não há registro do número de escravos por eles importados e apenas duas
Obviamente, estas sete viagens não são representativas do comércio de escravos no Brasil
no século XVI. Por ora, comparada com as evidências históricas disponíveis, elas
134
Doravante Voyages.
135
ELTIS, David; RICHARDSON, David; FLORENTINO, Manolo & BEHRENDT, Stephen. The Trans-
Atlantic Slave Trade: a Dataset on-line. www.slavevoyages.org ; cf. viagens de números 1137, 11593,
11594, 40788, 40789, 4952 e 98835.
136
SCHWARTZ, Stuart “A Commonwealth within Itself: the Early Brazilian Sugar Industry, 1550-1670” In:
SCHWARTZ, Stuart (ed.). Tropical Babylons: Sugar and the Making of the Atlantic World, 1450-1680.
Chapel Hill: s/d, 2004, p. 166.
66
confirmam muito dos padrões posteriores desenvolvidos no tráfico de escravos do Brasil,
como uma atividade privada no atlântico sul, orientada para o fornecimento de mão-de-
obra.
baiano de escravos. Viana Filho calculou em vinte mil o número de africanos que entraram
na Bahia no século XVI e duzentos e cinco mil no século seguinte.137 Um outro cálculo
para o século XVII é fornecido por Maurício Goulart. Segundo este autor, dois mil
Setecentos.138 Goulart sugere que esta média tenha sido ligeiramente superior para os anos
seguintes até a descoberta dos primeiros veios auríferos na década de 1690, quando
Para o século XVIII e primeira metade do XIX, foram construídas várias séries
baseadas em documentação coeva. O quadro 1.4 nos informa os números obtidos por
valores encontrados em cada coluna. Isso se justifica pelo tipo de material utilizado por
137
VIANA FILHO, Luís. O negro na Bahia: um ensaio clássico sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1988, p. 158.
138
GOULART, op. cit., 1975, p. 113.
139
ELTIS, David. “The Volume and Structure of the Transatlantic Slave Trade: A Reassessment.” In: The
William and Mary Quarterly, vol. 58, Issue 1, 2001, p. 36.
67
Quadro 1.4 – Estimativas do volume de escravos desembarcados na Bahia, 1681-1855
Ano Alden Viana Goulart Verger Verger (por Eltis Santos Ribeiro
(por Filho Manning)
Schwartz)
1681-90 17 200 17 747 13 344
1691- 60 800 55 687 43 089
1700
1701-10 70 000 86 400 76 868 53 303
1711-20 70 000 67 200 85 993 67 240
1721-30 66 256 14 250 a 63 400 69 451 53 207
1731-40 47 520 47 500 49 000 32 712 38 517
1741-50 46 016 41 468 b 39 200 39 160 46 795
1751-60 63 500 38 416 24 615 c 34 400 33 913 36 421
1761-70 29 500 41 446 19 267 c 36 000 43 852 50 522
1771-80 31 500 29 816 15 554 c 30 000 34 506 47 032 57 435
1781-90 24 000 20 233 12 234 c 32 700 34 918 50 933 56 796
1791- 39 000 63 850 62 301 40 842 b 53 100 59 689 74 524 69 406
1800
1801-10 65 708 54 900 38 339 d 72 900 87 635 74 151 72 262
1811-20 50 975 55 000 55 352 59 000 70 700 71 951
1821-30 70 247 55 000 72 066 51 800 71 600 75 529
1831-40 120 000 55 000 1 675 e 54 800 32 500
1841-50 120 000 63 046 63 000 66 100
1851-55 785 e 1 900
OBS: a. dados para três anos;
b. dados para nove anos;
c. dados para seis anos;
d. dados para oito anos;
e. dado para apenas um ano.
Fontes: SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial,
1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 283; VIANA FILHO, Luís. O negro na Bahia: um
ensaio clássico sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, pp. 155 e 157;
GOULART, Maurício. Escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. São
Paulo: Alfa-Ômega, 1975, pp. 215, 216 e 272; VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de
escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo:
Corrupio, 1987, pp. 661-3; MANNING, Patrick. “The slave trade in the Bight of Benin, 1640-
1890”. In: GEREMY, Henry A. & HOGENDORN, Jan S. (eds.). The uncommon market. Essays in
the economic history of the Atlantic slave trade. New York, 1979, pp. 136-8; ELTIS, David. “The
Volume and Structure of the Transatlantic Slave Trade: A Reassessment.” In: The William and
Mary Quarterly, vol. 58, Issue 1, 2001, p. 36; SANTOS, Corcino Medeiros dos. “A Bahia no
comércio português da Costa da Mina e a concordância estrangeira”. In: SILVA, Maria Beatriz
Nizza da (org.). Brasil – colonização e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, pp. 236-
7; RIBEIRO, Alexandre. O tráfico de escravos e a Praça mercantil de Salvador (c. 1680-c. 1830).
Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS), Universidade Federal
do Rio de Janeiro, 2005 - dissertação (mestrado), anexo 2, pp. 114-8.
68
O banco de dados Voyages, entretanto, oferece estimativa fundamentada em
extensos arquivos documentais como também em bibliografias sobre o tema. Estes dados
foram construídos a partir de numa metodologia desenvolvida em 1969 por Philip Curtin e
ferramenta importante para nos auxiliar com esses números, uma vez que ele foi
Pandiá Calógeras calculou baseado no censo de 1820 que o volume de africanos chegados
ao Brasil seria de 13,5 milhões. Roberto Simonsen e Maurício Goulart decresceram essa
necessária para produzir cada item da pauta de exportação brasileira e também sobre a
obteve resultado similar aos apontados por Simonsen e Goulart, estimando o número de
estima esse volume em 4,9 milhões, algo próximo ao indicado por Arthur Ramos (5
milhões) e, posteriormente, por Luís Viana Filho (4,3 milhões), em seu estudo baseado no
140
CURTIN, Philip D. The Atlantic slave trade: a census. Madison: Wisconsin University Press, 1969.
141
FRAQUELLI, Jane Elizabeth Aita. “Métodos Usados para Avaliar o Volume do Tráfico de Africanos para
o Brasil,” In: Revista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vol. 5 (1977), pp. 305-318. Ver
também Curtin, p. 267 e o banco de dados www.slavevoyages.org.
69
A partir do banco de dados Voyages, montamos o quadro 1.5. Estima-se que
1.349.724 escravos africanos foram importados na Bahia desde o século XVI até 1850.142
Brasil foi o principal destino para os africanos que cruzaram o Atlântico, recebendo quase
Fonte: ELTIS, David; RICHARDSON, David; FLORENTINO, Manolo & BEHRENDT, Stephen.
The Trans-Atlantic Slave Trade: a Dataset on-line. (doravante www.slavevoyages.org )
negreiro ainda não havia se consolidado. O século XVII permanece como um dos mais
obscuros períodos do comércio transatlântico de escravos para a Bahia, uma vez que
142
Viana Filho em estudo pretérito se aproximou destes números. Segundo este autor, um milhão e trezentos
mil escravos teriam entrado na Bahia durante todo o período do tráfico cf. VIANA FILHO, op. cit., p. 159.
70
seguintes são mais completas. Um número maior de registros de viagens resistiu ao tempo
e pode ser coletado em arquivos no Brasil, Portugal e África, tendo sido extensivamente
incorporados no banco de dados Voyages. Para além disso, pesquisadores publicaram uma
quantidade considerável de material nos quais fornecem não apenas o número de escravos
desembarcados em uma dada região por período determinado, mas também documentos e
indígena para o africano verificamos que o fluxo de navios que ligavam as duas margens
Salvador. É preciso ressaltar, mais uma vez, que existem lacunas há serem preenchidas
143
Algumas dessas fontes estão disponíveis no Arquivo Histórico Municipal de Salvador, como os
documentos de relativos as inspeções de saúde feitas a bordo dos recém-chegados navios negreiros por
funcionários da Câmara Municipal, cf. códices 178.1 e 182.1; Os jornais são vários, mas para a Bahia ver
especialmente A Idade d’Ouro no Brasil arquivado na BNRJ; As licenças para navegar saindo da Bahia estão
localizadas no ANRJ, códice 141 (17 vols.) e no APEB, códices 439, 440, 443, 449, 456 e 626-3.
71
Quadro 1.6: Movimento de negreiros e volume de escravos desembarcados na Bahia,
1581-1700
1581-85 1 166
1606-10 1 356
1611-15 1 361
1646-50 6 2 134
1651-55 4 1 423
1661-65 4 1 428
1671-75 5 1 771
1676-80 13 4 626
1681-85 16 5 532
1686-90 33 11 734
1691-95 66 23 515
Fonte: www.slavevoyages.org
do final do século XVII, pois vislumbravam grandes lucros devido à descoberta dos
primeiros veios auríferos no interior da América portuguesa que gerariam uma demanda
72
atividade, papel que, a partir do final da década de 1720, passou a ser desempenhado pelo
Fonte: www.slavevoyages.org
O comércio de escravos para o Brasil era feito por navios à vela, sendo, portanto,
influenciados pelos ventos e correntes marítimas do Atlântico. O quadro 1.7 nos mostra as
principais regiões de partida dos navios negreiros que desembarcavam escravos africanos
na Bahia. Basicamente, as expedições eram feitas no sistema bilateral, no qual o navio saia
de 96% das embarcações atuavam nesse sistema.145 Este foi um padrão característico do
Atlântico sul e se distinguia da maioria das empresas de outras nacionalidades que atuavam
144
Sobre a concorrência entre Bahia e Rio de Janeiro para atender o mercado consumidor mineiro de
escravos cf. RIBEIRO, Alexandre V. O tráfico de escravos e a Praça mercantil de Salvador (c. 1680-c.
1830). Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS), Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 2005 - dissertação (mestrado), cap. 1.
145
Nos portos do Pará e Maranhão prevalecia o sistema triangular. Cerca de 80% de todos os cativos
introduzidos nestas localidades chegaram em navios saídos da Europa. Já Pernambuco operava no sistema
bilateral como a Bahia. Cerca de 85% dos escravos que desembarcaram em Pernambuco chegaram em navios
que haviam partido da própria capitania. Cf. RIBEIRO, Alexandre V. & SILVA, Daniel Domingues da.
“Amazônia e Nordeste do Brasil no comércio transatlântico de escravos: um recenseamento do tráfico
brasileiro ao norte do Rio de Janeiro”. Texto apresentado no V Colóquio Internacional Trabalho Forçado
Africano – Brasil, 120 anos da abolição. Salvador, 2008.
73
no comércio transatlântico de escravos, principalmente as que operavam no Atlântico
norte.146
movimentam-se no sentido horário o que forçava os navios que partiam da Europa para o
Caribe a descer primeiro em direção à Linha do Equador e depois navegar para o norte. No
primeiro que seguir a corrente marítima brasileira rumo ao sul para cruzar o oceano e
tomar a corrente de Benguela para navegar para o norte ao longo da costa africana. A
divisão das duas partes do oceano é feita pelas águas calmas na região do Equador, as
brasileiro importou cativos de cinco amplas regiões africanas: Senegâmbia, Costa da Mina,
costa entre os rios Senegal e Gâmbia e foi uma das primeiras regiões a fornecer escravos
Compreendia a área entre as atuais Libéria e Nigéria. Nessa região, os capitães portugueses
146
Sobre a instituição do comércio bilateral no Atlântico Sul cf. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos
viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul séculos XVI e XVII. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.
74
e brasileiros faziam majoritariamente o comércio na baía do Benin. Já a Baía de Biafra
corresponde à região entre aos atuais Nigéria e Camarões, onde os traficantes ingleses
tiveram grande atuação. Porém, essa localidade também forneceu escravos em grande
cativos para o Brasil. Compreendia a área atual que vai do Gabão até o sul de Angola, onde
Moçambique. A rota que conduzia ao sudeste africano era a mais longa de todas
envolvidas na atividade negreira e foi considerada apenas como uma alternativa às demais
fontes de escravos, exceção feita para as ilhas francesas situadas no oceano Índico.
Senegâmbia por quase toda a vigência do tráfico brasileiro. A Senegâmbia estava mais
tenha sido uma das primeiras fontes de escravos no comércio transatlântico, ela pouco
atuou no início dessa atividade na Bahia. O comércio de escravos começou como uma
atividade bem desenvolvida em meados do século XVI e, desde então, a região Centro-
permaneceu até fins do século XVII, quando um surto de varíola na região de Angola
147
Aqui Amazônia compreende a região onde se localizavam os portos de Belém do Pará e São Luís do
Maranhão.
75
obrigou os navios baianos e pernambucanos a buscar uma nova fonte alternativa de
Ocidental
1580-1600 - - - 100 -
1601-1625 - - - 100 -
Fonte: www.slavevoyages.org
africana para a Bahia por percentagem de escravos desembarcados. Nele podemos observar
da Costa da Mina, nas últimas décadas do século XVII. Os baianos tinham algumas
76
vantagens em relação aos demais comerciantes brasileiros para atuar nesta região africana,
como, por exemplo, o tabaco enrolado no melaço, muito apreciado pelos chefes africanos
Nos primeiros vinte e cinco anos do Setecentos, a Costa da Mina forneceu cerca de
Popó, Jaquin), passaram a ser atacados pelo reino do Daomé que iniciara sua expansão do
interior do continente para o litoral ainda nos primeiros anos do século XVIII. As guerras
locais desarticularam as redes mercantis que abasteciam a costa africana com levas de
escravos vindas do interior. Alguns dos mais importantes embarcadouros da região foram
alguns comerciantes foi negociar em outras áreas africanas. Como a região do Congo-
Angola era dominada por mercadores cariocas, restou aos baianos a opção de se
todo modo, por ser uma região nova, onde não havia vínculos comerciais preexistentes, as
negociações nessa área não foram tão frutíferas, como àquelas outrora realizadas na Costa
da Mina. Não à toa verificamos no gráfico 1.1 um período longo de decréscimo do fluxo de
148
VERGER, op. cit., 1987, pp. 19-31.
149
Sobre os conflitos na região africana da Costa da Mina cf. VERGER, op. cit., 1987; LAW, Robin. The
Slave Coast of West Africa, 1550-1750. Oxford: Oxford University Press, 1991; MANNING, Patrick.
Slavery, colonialism and economic growth in Dahomey, 1640-1960. Cambridge: Cambridge University
Press, African Studies Series # 30, 2004; RIBEIRO, “The Trans-Atlantic Slave Trade to Bahia (1582-1851)”.
In: ELTIS, David & RICHARDSON, David. (Orgs.). Extending the Frontiers: Essays on the New
Transatlantic Slave Trade Database. New Haven: Yale University Press, 2008, pp. 130-154.
77
africanos que desembarcavam na cidade de Salvador, o qual se inicia na década de 1720 e
perdura até a década de 1780, atingindo seu menor nível na década de 1760.
1582-1855
15
13
Desmbarques de escravos por mil
11
1
1676-1680
1686-1690
1696-1700
1706-1710
1716-1720
1726-1730
1736-1740
1746-1750
1756-1760
1766-1770
1776-1780
1786-1790
1796-1800
1806-1810
1816-1820
1826-1830
1836-1840
1846-1850
Fonte: www.slavevoyages.org
partir da abertura de novos portos para o trato negreiro no litoral da África Ocidental. Com
passaram a comercializar em portos mais a leste, na baía do Benin, tais como: Onim (atual
78
cidade nigeriana de Lagos), Porto Novo e Badagri. Desta forma, como observamos no
gráfico 1.1, o tráfico baiano de escravos foi revigorado, atingindo, a partir de então, novos
patamares, parecidos com aqueles das primeiras décadas do Setecentos. Não obstante, o
da produção no setor agrário da América portuguesa, nas últimas décadas do século XVIII,
No século XIX, a demanda por escravos da Bahia passou a se alimentar não apenas
da economia, mas igualmente da política. Houve pressão por parte dos ingleses pelo fim do
tráfico de escravos desde a primeira década do século. Várias embarcações baianas foram
apreendidas pela marinha britânica no litoral africano. Tais pressões resultaram em 1815,
muitas das regiões africanas fornecedoras de escravos passaram a estar fora do limite para
o comércio legal. Senegâmbia, Costa da Mina e Baía de Biafra estão localizadas ao norte
do Equador. A Costa da Mina em particular, como observamos no quadro 1.8 era a maior
abolicionismo. Para eles, a abolição violava leis naturais e estava sendo politicamente
imposta pelo poder da marinha britânica. Os traficantes baianos, por essa razão, também
de regiões africanas localizadas no Atlântico sul. O quadro 1.8 nos mostra que a
150
BETHELL, Leslie. The Abolition of the Brazilian Slave Trade: Britain, Brazil and the Slave Trade
Question, 1807-1869. Cambridge: University Press, 1970, capítulos 1 e 2.
79
importação de cativos oriundos da África Centro-Ocidental cresceu mais no século XIX,
como também o Sudeste Africano passou a ser mais visitado. Esta região já havia
abastecido alguns negreiros brasileiros com poucos escravos em períodos anteriores, mas
surgiu como uma importante fornecedora de cativos apenas no século XIX. Moçambique
forneceu alguns escravos para a Bahia no século XVII devido à ocupação de holandeses na
norte do Equador. O quadro 1.8 mostra também que a Bahia ainda estava engajada
britânicos nesta região. Os traficantes baianos também criaram mecanismos para frustrar a
para os portos de Ajudá, Lagos, Porto Novo e Badagri. O que comprova tal subterfúgio é
que das 54 embarcações capturadas na baía do Benin e julgadas em Serra Leoa, entre 1822
grande número de capitães de navios, carregados ou não com escravos, quando pegos pela
permissão que tinham para transitar pela rota de Molembo, na qual “sempre” incluía uma
escala estratégica nas ilhas de São Tomé e Príncipe. Com isso, muitos acabavam burlando
África Ocidental. Assim fez o comandante do navio Estrela que tinha permissão para tocar
151
VERGER, op. cit., 1987, p. 407.
80
nas ditas Ilhas a caminho de Molembo. Porém, acabou capturado quando carregava sua
escravos e outro para a Costa da Mina, objetivando o comércio de produtos legais. É o caso
de Anacleto José Barbosa, proprietário dos brigues Leal Portuense e “Furão”. Ambas as
licenças foram retiradas em 18 de julho de 1829. O primeiro navio, que nunca saiu de
Salvador, tinha licença para o comércio legal de azeite de palma na Costa da Mina. Já o
duas licenças dadas ao mesmo navio para se assegurar que se fosse vistoriado em águas
proibidas escaparia ileso, mostrando a licença que lhe garantia estar na região para fazer o
Costa da Mina. O plano só não funcionava quando a embarcação era vistoriada no retorno
tripulação eram arrastados pela marinha inglesa até Serra Leoa, Rio de Janeiro ou Londres
absolvição do comandante que era quase sempre negada. Pierre Verger conseguiu, a partir
com os nomes verdadeiros e os apelidos usados pelos donos das embarcações para driblar
152
www.slavevoyages.org
153
www.slavevoyages.org
154
RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para
o Brasil(1800-1850). Campinas: Ed. da Unicamp, 2000, p. 98.
81
o Tratado de 1815.155 Além do uso dessas artimanhas, os comerciantes de escravos
manteve-se com vigor, como observamos no gráfico 1.1. Apenas entre 1822-24, devido às
negreiro seria considerado ilegal para todos os súditos do imperador brasileiro. Mesmo
freqüência entre 1830-1850, sob a complacência das autoridades locais, nas ilhas de
Bahia nesse período é de 75.872.156 De forma geral, pairava a idéia de que a prosperidade
do Brasil ainda era depende do tráfico de africanos. Ao mesmo tempo em que crescia a
Pereira Marinho e José de Cerqueira Lima, dois dos maiores contrabandistas de escravos
desta época.157
Em fins dos anos 40 no século XIX a situação mudou. Pressões pelo fim do tráfico
negreiro partem desta vez do próprio Brasil. Parece que as sucessivas humilhações
impostas pela repressão inglesa, ao longo dos anos, estavam resultando numa mudança de
155
VERGER, op. cit., 1987, pp. 440-4.
156
www.slavevoyages.org
157
XIMENES, Cristina Ferreira Lyrio. Joaquim Pereira Marinho: perfil de um contrabandista de escravos
na Bahia, 1828-1887. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1999. Dissertação (mestrado).
82
pensamento acerca do comércio negreiro. Outro fator, e talvez mais decisivo na forma de
ocorresse no Brasil o que se passou no Haiti no início dos Oitocentos. Desta forma, em
1850, a Lei Eusébio de Queirós, pôs fim ao comércio transatlântico de escravos nos portos
brasileiros.158
e do meio rural. Essa atividade dependia sobre maneira do braço escravo importado do
continente africano. Cativos que eram negociados por ouro vindo das Gerais e rolos de
Setecentos, era em sua maioria composta por pessoas de cor, decorrência do peso do
158
Sobre o debate a cerca do fim do tráfico de escravos no Brasil cf. RODRIGUES, op. cit., 2000.
83
O trato negreiro estruturado de forma bilateral pôs em contato regiões das duas
da demanda por mão-de-obra, mas, também, devido às diferentes origens dos africanos
Muitos estudiosos tendem a ver o Rio de Janeiro como o centro do comércio de escravos e
diversidade nas origens dos escravos concentra-se, de fato, nas regiões ao norte do Rio,
principalmente na Bahia que recebeu, ao longo dos séculos, grandes levas de cativos
84
CAPÍTULO II
85
O mercado de compra e venda dos bens rurais, urbanos e comerciais
Salvador entre os anos de 1750 e 1800. Para tanto, utilizaremos as escrituras públicas
referentes aos dois ofícios que existiam neste período na cidade. Essa documentação se
foi feita por ofícios, mas sim por nome de tabelião o que nos impossibilita saber de qual
cartório provém cada livro analisado. Infelizmente, devido ao grau de degradação no qual
Sabemos que a análise a seguir não busca apontar a verdade numérica no que tange
à compra e venda da sociedade soteropolitana colonial. Isso ocorre não só pelo fato de não
de degradação ou pela perda do material ao longo dos anos, mas também por acreditarmos
que nem tudo que foi transacionado no período histórico foi registrado. Como nos foi
alertado por Antônio Carlos Sampaio, baseado nas Ordenações Filipinas, apenas os bens de
raiz com valor acima de 4$000 e os móveis acima de 60$000 tinham que ser registrados
em escrituras públicas.159 Além disso, é possível que muitas transações envolvendo bens de
maior monta não tivessem sido registrados pelo simples motivo de envolverem pessoas que
confiassem umas nas outras, como por exemplo, a venda de uma propriedade de pai para
alguns padrões de investimentos feitos pela sociedade da época. Além disso, ao longo da
159
SAMPAIO, Antônio C. J. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas no
Rio de Janeiro (c. 1650 – c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p. 54.
86
tese poderemos confrontar os números apurados nas escrituras com outros, obtidos em
fontes de natureza diversa, o que nos possibilitará uma maior acuidade com os dados e
heterogêneo. Tal diferenciação nos permite abordar diversos aspectos da vida cotidiana dos
doação no capítulo 4.
constituição de um banco de dados com tais informações, busquei separar esse material em
embarcações e outros.160
informações por décadas para uma melhor análise. Cabe mais uma vez lembrar que
por conseguinte, de sua reprodução não passam apenas no mercado. Existem outros
160
Foram extremamente pequenos os casos que classificamos como outros, como por exemplo, todo tipo de
objetos, escravos e pequenas manufaturas.
87
Quadro 2.1 – Participação percentual dos diversos tipos de vendas no valor total transacionado na cidade de Salvador entre 1751 e 1800 por
décadas (em mil-réis)
Período Negócios rurais Negócios urbanos Negócios comerciais Embarcações Outras vendas Valor total nos Empréstimos
negócios de compra e
venda
Valor N.E valor N.E Valor N.E valor N.E valor N.E valor N.E Valor N.E
1751-60 136:537$681 82 92:044$044 116 13:750$820 17 7:650$000 6 249:981$725 221 216:141$678 75
% 54,6 37,1 36,8 52,5 5,5 7,7 3,1 2,7 100 100 86,5 33,9
1761-70 70:271$079 69 49:727$990 127 37:964$000 14 6:400$000 10 107$290 1 164:470$359 220 79:569$291 91
% 42,7 31,4 30,2 57,7 23,1 6,4 3,9 4,5 0,6 0,4 100 100 48,4 41,4
1771-80 147:634$899 129 77:927$300 184 13:689$753 33 21:070$000 19 1:308$000 9 261:629$952 374 159:155$612 195
% 56,4 34,5 29,8 49,2 5,2 8,8 8,0 5,1 0,5 2,4 100 100 60,8 52,1
1781-90 103:822$146 121 126:248$115 191 46:503$073 63 17:212$200 20 3:411$115 13 297:196$649 408 205:202$486 185
% 34,9 29,6 42,5 46,8 15,6 15,4 5,8 4,9 1,1 3,2 100 100 69,0 45,4
1791-1800 154:657$007 169 171:581$011 258 102:100$022 96 32:364$980 32 5:113$865 15 465:816$885 570 303:622$507 237
% 33,2 29,6 36,8 45,3 21,9 16,8 6,9 5,6 1,1 2,6 100 100 65,2 41,6
Obs.: N.E = número de escrituras
Fonte: Anexo 1.
88
Se os inventários post-mortem funcionam como “fotografias” marcando um
permite ver o mesmo indivíduo atuando em diversos momentos ao longo de sua existência.
início, elaboramos a quadro 2.1 a partir de 1804 escrituras de “compra e venda” e 793
escrituras de “empréstimos”.
quitação, eram do setor rural ou de prédios urbanos, tendo esse último um peso maior no
bens urbanos são majoritários. O que pode explicar o peso da quantidade de transações
envolvendo negócios urbanos é o fato de estarmos trabalhando com uma área urbana (a
documentação analisada neste capítulo foi produzida nos dois cartórios que se encontram
tendo uma participação inferior no total da escrituras, nas décadas de 1750, 1760 e 1770, o
valor transacionado envolvendo bens rurais foi majoritário. Esses dados são derivados não
só do maior valor dos bens agrários frente aos demais como também refletem a expansão
da produção agrícola pela qual passava a capitania da Bahia no período analisado, como
proporção dos recursos investidos nesses bens. Contudo, eles continuaram a drenar cerca
Por seu turno, situação diferente é percebida quando analisamos os bens urbanos.
Como dito anteriormente, embora fossem majoritários em números de escrituras para todos
os períodos, isso não reflete no montante negociado. Somente nas duas últimas décadas do
246
século XVIII, os valores envolvendo negócios urbanos tornaram-se mais representativos
do que os rurais.
Um dado que nos chama atenção é o decréscimo dos valores dos negócios urbanos
ao longo dos anos. Se entre 1751-60 chegaram a representar 36,8% de todo o montante
negociado, no período de 1771-80 esse percentual cai para 29,8%, isso sem ter ocorrido
52,5% das escrituras envolviam bens urbanos. No decênio seguinte essa participação
aumentou para 57,7%, entretanto a representatividade dos recursos caiu de 36,8% para
30,2%. A explicação para esse decréscimo dos recursos alocados no mercado de compra e
sobrado e a casa térrea. Segundo, Nestor Reis Filho, além das dimensões, a diferença
principal estava no tipo de piso, assoalho no sobrado e “chão batido” na casa térrea. Assim,
definiam-se as relações entre os tipos de habitações e estratos sociais. Os pisos térreos dos
sobrados, também de terra batida, quando não eram usados como lojas, destinavam-se aos
animais, escravos ou permaneciam vazios, mas nunca eram utilizados pelo proprietário e
sua família.161
Na paisagem baiana, o mais comum era a presença de casas térreas. Havia também
as “casas nobres”. Diferente dos sobrados que eram estreitos e fundos, permitindo a
abertura de poucas janelas, a casa nobre, geralmente situadas nas cercanias do centro da
urbe, eram mais elegantes, possuíam um espaço maior , apresentando, assim um número
maior de janela e um maior espaço interior refletindo numa maior comodidade. As casas
mais ricas preservavam a intimidade, com salas e espaços definidos para as mulheres,
161
REIS FILHO, Nestor G. Quadro de arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1997, p.28.
247
hóspedes e escravos. Existiam também aposentos destinados às orações, repouso, lazer,
alimentação, etc.162
arrolados por Maria José Rapassi Mascarenhas, em cerca de 50% continham casas
Vejamos o gráfico 2.1. Nele, podemos visualizar o preço médio dos bens urbanos
arrolados nas escrituras públicas. Foi possível avaliar o preço de 876 imóveis, entre
sobrados (266) e casas térreas (570). Salta aos olhos a desvalorização que ocorreu no valor
das casas, cerca de 40% nos primeiros trinta anos da nossa amostragem, corroborando com
envolvendo as transações dos bens urbanos. A partir de 1780, notamos uma melhora nos
preços das casas, período no qual aumentaram percentualmente os investimentos nos bens
urbanos. Já os sobrados tiveram uma queda de 10% na década de 1760. Por volta de 1775
os valores desses imóveis voltaram a subir recuperando as perdas dos anos anteriores. Ao
que parece a diminuição dos valores dos imóveis deveu-se a fatores conjunturais.
No final da década teria ocorrido uma recuperação populacional, quando se estima que no
ano de 1780 a capital baiana contava com 39 209 pessoas. Apesar dessa recuperação, essas
162
ALGRANTI, Leila. “Famílias e vida doméstica.” In: NOVAIS, Fernando & SOUZA, Laura de Mello e
(org.) História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp. 101-103.
163
MASCARENHAS, Maria José Rapassi. Fortunas coloniais – elite riqueza em Salvador, 1760-1808. Tese
(doutorado) – curso Pós-Graduação em História Econômica, USP, São Paulo, 1998,p. 163.
248
estimativas nos mostram uma queda substancial no ritmo de crescimento populacional da
1200000
1100000
1000000
900000
800000
700000
600000
500000
400000
300000
200000
100000
0
1751-60 1761-70 1771-80 1781-90 1791-1800
sobrado casa
Fonte: Anexo 2.
principalmente do tráfico negreiro. Essa atividade era fundamental, visto que era a forma
249
recém desembarcados para as diversas áreas da América lusa gerava capital que adentrava
na cidade e fomentava o seu mercado. Nesse caso destacava-se o pagamento em ouro feito
pelos donos de lavras em áreas do interior da própria capitania da Bahia, de Minas Gerais,
Goiás e Mato Grosso, regiões que continuavam a ser abastecidas de cativos por
volume de dinheiro aplicado nas negociações caiu em todos os setores, assim como no
número de escrituras, com exceção das transações envolvendo bens comerciais, cuja
representatividade saltou de 5,5 para 23,1 %. Na verdade, esses números são fruto de uma
efetuada pelo alcaide-mor da cidade, José Pires de Carvalho e Albuquerque e sua esposa,
sua mulher, Ana Luíza de Queirós e Silva.165 De todo modo, como as demais categorias,
década de 1760.
anos de 1750-80. Ainda na década de 1770, alguns produtos tiveram seus valores
arrancada vai ocorrer conforme aponta Kátia Mattoso em meados da década de 1780, com
164
Sobre o comércio de escravos da Bahia para as demais regiões da América portuguesa, cf. RIBEIRO,
Alexandre V. “O comércio de escravos e a elite baiana no período colonial” In: FRAGOSO, João;
SAMPAIO, Antônio Carlos de Jucá; ALMEIDA, Carla Maria (orgs.). Conquistadores e negociantes:
histórias de elites no Antigo Regime nos trópicos. América Lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007, pp. 311-35.
165
APEB, judiciário, Livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador, livro 110, p. 39.
166
MATTOSO, Kátia. “Conjuntura e sociedade no Brasil no final do século XVIII: preços e salários às
vésperas da Revolução dos Alfaiates, Bahia, 1798”. In: MATTOSO, Kátia. Da revolução dos Alfaiates à
250
preço desse produto mostra-se como uma linha horizontal, apesar de ligeiras altas em 1756
e 1762.167
Dados levantados por D. Alden também nos mostram certa estabilidade do preço do
açúcar no período considerado. A média da arroba entre os anos de 1751-55 foi de 1$386.
1$583. Entre 1761-65, o valor médio voltou a diminuir (1$423), atingindo 1$327 anuais
entre 1766-68.168
150
açúcar
120
carne de vaca
90
farinha de
mandioca
60
galinhas
30
azeite de oliva
0
5
9
-4
-5
-5
-6
-6
-6
41
46
51
56
61
66
15
17
17
17
17
17
Fonte: ALDEN, Dauril. “Los movimentos de precios em Brasil antes, durante y después
del auge del oro, con referencia especial al mercado de Salvador, 1670-1769”. In:
JOHNSON, Lyman & TANDETER, Enrique (orgs.). Economías coloniales – precios e
salarios en America Latina, siglo XVIII. México: Fundo de Cultura Econômica, 1992, pp.
405-6.
riqueza dos baianos no século XIX: itinerário de uma historiadora. Salvador: Corrupio, 2004, p. 43.
167
Ibidem, p. 36.
168
ALDEN, Dauril. “Los movimentos de precios em Brasil antes, durante y después Del auge Del oro, con
referencia especial al mercado de Salvador, 1670-1769”. In: JOHNSON, Lyman & TANDETER, Enrique
(orgs.). Economías coloniales – precios e salarios en America Latina, siglo XVIII. México: Fundo de Cultura
Econômica, 1992, p. 376.
251
Para além do açúcar, D. Alden estipulou o índice de preços para outros gêneros
carne de boi, galinha e farinha de mandioca. Com tais informações, foi possível elaborar o
gráfico 2.2 estabelecendo médias qüinqüenais Nos limitamos a trabalhar com os dados
referentes aos anos de 1741 a 1769 (último ano com valores disponíveis).
de Portugal, que oscilou bastante durante todo o período, tendendo à alta no período final
da amostra. O preço deste produto em Salvador estava atrelado aos registrados em Lisboa e
embarques irregulares nos portos portugueses, situação que foi agravada com o terremoto
alimento verificada no início do século XVIII se dissipou com a permissão de se criar gado
dentro da faixa de 40km do litoral baiano. Mas sem dúvida, foi do interior do nordeste,
pecuária nas antigas áreas de mineração que garantiram ao mercado de Salvador preços
estáveis a partir de meados do século.170 Por volta do ano de 1772, inicia-se um período de
alta, ainda que de forma gradual, que se acelerou no ano de 1792 com a diminuição da
foram levadas ao abatedouro da capital baiana 21 044 cabeças de gado. No ano seguinte
esse número despencou para 15 698, voltando a se recuperar apenas na virada do século.
169
ALDEN, op. cit., 1992, pp. 396-7; MATTOSO, op. cit., 2004, p. 37.
170
ALDEN, op. cit., 1992, pp. 382-3.
252
Segundo Luís dos Santos Vilhena, essa era uma prática deliberada dos monopolistas que
diminuindo por conta própria a entrega de mercadoria objetivando o aumento dos lucros,
atrelada a uma onda de seca que atingiu a região entre 1790-3, seriam os motivos pela
A carne de galinha que fazia parte da dieta dos enfermos foi sempre mais cara do
que a carne bovina ao longo de todo o século XVIII. Segundo D. Alden, uma galinha
adulta pesando 900g valia de dez a vinte vezes mais que o mesmo peso de carne bovina.173
Os preços das aves permaneceram altos até 1730, quando começaram a baixar. Segundo o
gráfico 2.2, a carne de galinha manteve uma tendência de queda ao longo do período
analisado.
século XVII para o XVIII, o preço da farinha manteve em constante alta até a década de
crescente no mercado baiano.174 Segundo dados apontados por B. J. Barickman, após 1770,
comercializado em Salvador na década de 1850 não era mais alto em termos reais do que o
171
VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, vol. 1, 1969, p. 128.
172
MATTOSO, op. cit., 2004, pp. 39-40.
173
ALDEN, op. cit., 1992, p. 384.
174
ALDEN, op. cit., 1992, pp. 385-90; MATTOSO, op. cit., 2004, pp. 40-2; Sobre a cultura de mandioca e o
fabrico da farinha no Recôncavo baiano cf. BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano – açúcar, fumo
mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
175
BARICKMAN, op. cit., 2003, p. 159.
253
De maneira geral, os índices de preços tanto dos itens produzidos internamente
Lisboa. Depois de 1755, os produtos importados passaram a ter uma tendência de alta
enquanto que os produtos locais um viés de baixa. Em alguns casos mantiveram seus
89$000. Oito anos depois era avaliado em 114$000.176 Nas décadas de 1720 e 1730, os
escravos eram vendidos por cerca de 3,3 vezes mais do que os que se vendiam na cidade de
Salvador na década de 1690.177 Essa alta era reflexo da carência de braços que se sentia na
produtividade mineral, os preços dos escravos caíram na Bahia. Dados levantados por D.
Alden mostram que no ano de 1738 um escravo era negociado por 200$000. Já em 1743, o
valor de um cativo era de 120$000, caindo para 100$000 no ano de 1756, voltando a subir
para 163$000 em 1769. A partir da década de 1770, com o aumento do comércio baiano na
Costa da Mina, o preço do escravo manteve-se estável até o início das pressões inglesas
para por fim ao tráfico transatlântico de escravos, nas primeiras décadas do século XIX.178
século XVIII, mostravam uma certa estabilidade, não sendo caracterizado nenhum grande
surto “inflacionário”. Somente nos últimos anos dos Setecentos verificamos tendências de
alta, como a do açúcar e a da carne bovina. Portanto, o padrão observado na venda de casas
parece estar em conformidade com a estabilidade encontrada nos preços dos itens mais
176
ANTONIL, André João Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976, p. 272-3.
177
ALDEN, op. cit., 1992, pp. 377-8.
178
Ibidem, p. 378; BARICKMAN, op. cit., 2003, pp. 231-5; VERGER, op. cit., 1987.
254
importantes do cotidiano do soteropolitano, parecendo ser um fator conjuntural a queda
Antônio Carlos Sampaio trabalhou com as escrituras públicas dos cartórios do 1o. e
2o. ofícios de notas da cidade do Rio de Janeiro entre 1650-1750. Em suas análises,
Salvador, até fins da década de 1770, qual seja: o forte peso dos valores das transações
exceção feita à década de 1690, momento no qual representaram mais que a soma de todos
os outros negócios. Do mesmo modo, o autor chama atenção para o número significativo
total dos valores negociados. Para Sampaio, o peso do montante envolvido na aquisição de
bens rurais devia-se ao fato destes bens possuírem valores mais elevados do que aqueles
encontrados na urbe. Era no setor rural que se encontravam os bens de maior valor
Tal percepção também é válida para o caso de Salvador. No ano de 1779, por
exemplo, Antônio Gomes Ferrão Castelo Branco e sua mulher venderam um engenho com
Carvalho, homem de negócio da praça de Salvador.180 Por outro lado, nesse mesmo ano, a
soma de todos os bens urbanos negociados foi de 9:622$885, valor três vezes inferior a
negociação do engenho.181 O bem urbano de maior valor negociado em 1779 foi uma
morada de casa de sobrado vendida por Inocêncio José da Costa, capitão e homem de
179
SAMPAIO, op. cit., 2003, p. 74.
180
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 120, p. 326v.
181
Conferir anexo 1.
182
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 120, p. 334v.
255
o montante pago pelo engenho era possível comprar dezessete sobrados parecidos ao que o
Quadro 2.2 – Valor médio dos bens arrolados nas escrituras de compra e venda em
Salvador, 1751-1800
(610)
cana (38)
Gado (43)
Fonte: APEB, Livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador (livros 90 a 139).
OBS: 1- valores em mil réis
2 - os números em parênteses referem-se a quantidade de bens avaliados nas
escrituras.
O quadro 2.2 nos mostra dados relativos aos preços médios dos imóveis
nove engenhos, incluídos terras, benfeitorias e escravos. Numa amostragem de trinta e oito
256
com média 3:586$800. Já as fazendas de gado bovino e cavalar tinham preços variando de
quarenta e três fazendas. A comparação desses valores com os de sobrados e casas nos
equipamentos capazes de beneficiar o produto colhido. Era o caso dos engenhos, que por
estarem aptos a realizar a fabricação do açúcar. Segundo o quadro 2.4, um engenho valia
aproximadamente doze sobrados ou trinta e duas casas térreas. Não podia ser diferente,
pois ao contrário dos imóveis urbanos, os bens rurais tinham características produtivas,
ferramentas e, no caso dos engenhos, fábrica para a produção de açúcar. Cabe mais uma
vez ressaltar, que nesse momento a Bahia experimentava um desenvolvimento nas suas
atividades agrícolas, com o aumento da produção de açúcar, fumo e farinha, por exemplo,
Entre 1684-1725, período anterior ao analisado no quadro 2.2, Rae Flory constatou
15:200$000 a média dos preços.183 Ainda segundo a autora, o gasto se elevava quando se
trinta homens para executar as tarefas cotidianas de um engenho, o valor médio subiria
Flory não calculou os valores relativos aos bens localizados na urbe, o que nos impede de
183
FLORY, Rae. Bahian Society in the mid-colonial period: the sugar platers, tobacco growers, merchants,
and artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. The University of Texas at Austin, PH.D teses,
1978, pp. 63-4.
257
Schwartz calculou em seu estudo que os engenhos da Bahia variavam de um valor
superior a soma dos escravos. Maria José Mascarenhas, verificou a partir dos inventários
sobrepunha ao da terra. Assim, confirma-se que a terra cultivada era mais valiosa do que a
escravaria.184
rurais. Mesmo com a queda verificada a partir da década de 1780, cerca de um terço dos
recursos continuavam a ser direcionados para o setor agrário. Grande parte do capital
A partir dos dados coletados em 178 inventários entre 1760 e 1800, por Maria José
Mascarenhas, montamos o quadro 2.3 que mostra o padrão de investimento dos indivíduos
na praça de Salvador.
entre 51,4 a 24,4% da riqueza dos baianos. O perfil disseminado do crédito nos inventários
nos demais setores. Logo abaixo do crédito, verificamos a forte presença do setor rural,
que representava entre 18,8 a 39,1% das aplicações. Essa informação corrobora o padrão
encontrado nas escrituras públicas de compra e venda, qual seja: a transferência de boa
184
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 118.
258
Quadro 2.3 – Participação das atividades econômicas (%) nos inventários post-
70
80
90
1800
Fonte: MASCARENHAS, Maria José Rapassi. Fortunas coloniais – elite riqueza em Salvador,
1760-1808. Tese (doutorado) – curso Pós-Graduação em História Econômica, USP, São Paulo,
1998, anexo 1.
fundamental para a obtenção de status e prestígio social. Assim, acreditamos que embora
XVIII, não havia uma distinção muito clara entre a elite mercantil e agrária da cidade. Tal
inventariada. Seu montemor foi avaliado em 304:156$594 sendo que 101:640$000 estava
259
usurário, e 18:000$000 referentes a propriedades urbanas e comerciais, como lojas, casas e
armazéns.185
Outro homem de negócio que possuía investimentos em bens agrários era Manoel
a bens urbanos e mercantis, como casas, lojas e embarcações. Assim como Custódio
plantéis de escravos.
engenho, fazendas de cana ou gado, sítios ou roças. Assim como verificado nas escrituras
públicas, os bens rurais de maior valor eram os engenhos. Estes por sua vez estavam
possuíam a moenda para beneficiar sua produção, por isso dependiam de um engenho. Este
por sua vez dependia de um grande número de lavradores de cana-de-açúcar para se manter
em funcionamento. Rae Flory calculou que para cada engenho havia a vinculação de
quinze plantadores de cana, que forneciam grande parte da colheita que era moída,
As maiores fazendas de cana eram bem parecidas com os engenhos, obviamente sem a
moenda.187 Segundo Schwartz, na segunda metade do século XVIII, havia entre setecentos
185
APEB, judiciário Inventário de Custódia Ferreira Dias, 1801,4/1741/221/5.
186
APEB, judiciário Inventário de Manoel Pereira de Andrade, 1793, 4/594/2063/7.
187
FLORY, Rae. Bahian Society in the mid-colonial period: the sugar platers, tobacco growers, merchants,
260
e oitocentos plantadores de cana no Recôncavo baiano.188 No Rio de Janeiro, em que pese
a o papel primordial dos engenhos no setor agrário, na segunda metade do século XVII, era
explicação para esse fato reside nas características específicas dos arrendamentos de
obrigados a entregar metade do açúcar produzido a partir da sua cana, e mais um terço ou
um quarto da parte que lhe cabia como pagamento pelo uso da terra.190 Muitos senhores de
engenho obtinham uma renda mediante arrendamento de parte de suas terras, visto que
desde o início do século XVII, toda a área canavieira do Recôncavo estava apropriada.
Sendo assim, as únicas formas de se ter acesso a terra era pela compra ou arrendamento.
arrendamento fosse feito em dinheiro. Tal prática, tornou-se uma importante fonte de renda
Segundo Rae Flory, a posse de bens vinculados à produção açucareira na Bahia era
bastante instável. Fazendas e engenhos trocavam de donos com muita freqüência. Isso
ocorria devido ao grau de endividamento dos senhores de engenho. Cerca de 60% desses
partir da constituição de laços matrimoniais entre membros do setor comercial com filhas
and artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Austin, The University of Texas, 1978, tese
(doutorado), p. 31.
188
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São
Paulo: Cia. das Letras, 1995,p. 177-8.
189
SAMPAIO, op. cit., 2001, p. 106.
190
FERLINI, Vera. Terra, trabalho e poder: o mundo dos engenhos no nordeste colonial. Bauru: EDUSC,
2003, pp. 171-7.
191
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A morfologia da escassez: crises de subsistência e política
econômica no Brasil colônia (Salvador e Rio de Janeiro, 1680-1790). Tese (doutorado) – curso Pós-
Graduação em História, UFF, Niterói, 1990, cf. cap. 8.
261
de senhores de engenho ou pela aquisição via mercado. Desta forma, muitos homens de
engenho.192
vinte e cinco fazendas de gado, sendo que destas, vinte e quatro eram exclusivamente
bovinas enquanto uma era mista, pois além da criação de gado, plantava-se tabaco. O tipo
inventários, o valor do gado era superior ao da terra, que estavam quase todas localizadas
venda de Salvador era a roça. Em geral esse termo significava a cultura e não a
propriedade da terra. Segundo M. J. Mascarenhas a maior parte desses cultivadores não era
sazonais aos donos da terra. Nos inventários analisados pela autora, verificou-se a
existência de mais de setenta famílias donas de roças, situadas em sua maioria no entorno
de Salvador.194
subsistência e quanto à produção voltada para a venda no mercado local. Muitas dessas
mandioca com gado, mandioca com frutas, mandioca com milho, mandioca com coqueiro,
192
FLORY, Rae. Bahian Society in the mid-colonial period: the sugar platers, tobacco growers, merchants,
and artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Austin, The University of Texas, 1978, tese
(doutorado)pp. 83-4; 97.
193
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 130.
194
Ibidem, p. 133.
262
dendezeiro com frutas variadas.195 A mesma diferenciação foi observada por Alice
quadro 2.1, houve um decréscimo significativo das cifras relacionadas a aquisição de bens
rurais. Se na década de 1750 essas transações respondiam por cerca de 55% de todo o
montante, no último decênio do século esse percentual cai para 33%. De todo modo, é
Desta forma, notamos o aumento das negociações envolvendo bens mercantis, que passam
a demandar mais investimentos. Assim recursos que até então eram direcionados
majoritariamente para o setor rural, passam a ser alocados em atividades comerciais, como
no mercado de compra e venda. Já na última década do século, cerca de 17% das escrituras
referiam-se a negociações de bens comerciais, respondendo por 22% da soma total dos
102:100$022.
195
Ibidem, p. 134.
196
CANABRAVA, Alice “Decadência e riqueza”. In: Revista de História. São Paulo: v. 50, n. 100, 1974. pp.
360-3
263
Os bens envolvidos nessas transações eram majoritariamente lojas, mas havia
também trapiches, armazéns, etc. Do número total de inventários levantados por Maria
José Mascarenhas, encontrou-se trinta e quatro propriedades de lojas abertas, sete donos de
armazéns e cinco de trapiches. Vendiam-se vários tipos de artigos nas lojas, como pano de
linho, de lã, estopa, bretanha, holanda, aninhagem, chapéus, fechaduras de portas, lenços,
papel, linha, enxadas, pregos, machados, cetim, seda, panos de algodão da terra, cobre,
corrobora essa análise: a negociação de embarcações. Entre 1751 e 1760, o valor referente
(seis) das escrituras. Já na última década, essa representatividade subiu para 5,6% (trinta e
quando a soma dessas duas categorias significava apenas 8,6% de todo o valor negociado
valor estipulado para cada tipo. Nas escrituras públicas de compra e venda, encontramos o
valor mínimo de 100$00 para uma alvarenga e o máximo de 4:800$000 para uma sumaca.
197
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 145.
264
propriedade da rica comerciante Maria Joaquina de Barros.198 A maioria dos armadores
o aumento da participação do crédito no dia a dia da população, após uma queda brusca na
quadro 2.1, observamos que a cada dez anos o percentual do montante disponibilizado para
soteropolitano. Depois de atingir o menor nível, 48,4% entre 1761-70, começou no decênio
sociedade. Como veremos no capítulo seguinte, no Antigo Regime, via de regra, eram os
indivíduos atuantes nas atividades comerciais que controlavam o sistema de crédito. Logo,
mercantil na cidade.
manufaturas, como a fábrica de sinos vendida junto com o escravo crioulo de nome Luís,
mestre da dita fábrica, no ano de 1793, por Manoel da Silva Teixeira a Antônio José, que
198
APEB, Judiciário, Inventário de Maria Joaquina de Barros, 1808,8/3299/3.
199
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 147.
200
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 133, p. 6v.
265
Na colônia as atividades manufatureiras reduziam-se a pequenas indústrias
O viajante Lindley constatou que teria iniciado uma fundição de bronze para canhões que
não teria deixado vestígios. Só eram permitidas a fabricação de couros e certas bugigangas.
Segundo relatos do viajante, um tecelão que tentara abrir uma tecelagem de algodão na
Bahia, fora preso e enviado para a Europa, tendo seu maquinário todo destruído.201
Segundo dados apontados por Maria José Mascarenhas, a partir da análise dos inventários,
em quatro inventários, curtume em três, olaria, construção civil e costura em dois, serraria,
investimentos com o passar dos anos. Essa matização das aplicações caracterizava o
1770.
segunda metade do século XVIII, é similar a observada por Antônio Carlos Jucá de
Sampaio, na praça do Rio de Janeiro, entre 1650 e 1750. Ainda no século XVII, percebe-se
201
LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil. São Paulo: cia. Ed. Nacional, 1969 (1a. Edição
1805), p. 173.
202
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 150.
266
um forte investimento no setor agrário presentes nas escrituras públicas de compra e venda.
De acordo com Antônio Carlos Sampaio, mesmo sendo uma importante praça portuária, o
capital mercantil da cidade carioca era pouco desenvolvido no Seiscentos. Desta maneira,
grande parte das rendas obtidas no comércio era direcionada para a agricultura. Essa forte
seja: não havia ainda uma clara distinção entre a elite mercantil e agrária. Esse padrão pode
Sampaio, esse comportamento estava atrelado a busca por status e reconhecimento social,
visto que no topo da hierarquia social colonial, em termos de prestígio localizava-se a elite
agrária. Assim, muitos que conseguiam acumular capital nas atividades mercantis
procuravam investir em terra (notadamente engenhos) para fazer parte da elite.203 Essa
busca por reconhecimento social e prestígio também foi observada na biografia dos
mercantil dessa sociedade. De acordo com Sampaio, no século XVII, predominava a forma
“de acumulação senhorial, baseada num conjunto de práticas que envolvem tanto as
antes eram destaque, passaram a perder peso relativo, embora continuassem com o maior
203
SAMPAIO, op. cit., 2001, pp. 76-8.
204
Ibidem, p. 78.
267
valor médio dos bens negociados. A razão para essa perda da participação dos bens rurais
nas transações de compra e venda é a expansão da população urbana na cidade carioca que
provocou um aumento na demanda por imóveis na urbe e por conseguinte elevou o valor
dos mesmos. Uma segunda razão foi o fortalecimento do capital mercantil na praça do Rio
embarcações, bem como dos valores negociados.205 Essa mudança é verificada na mudança
de direção dos investimentos realizados pela sociedade fluminense. O peso dos recursos
das transações envolvendo bens rurais cai para um terço. Na década de 1740, pela primeira
vez, o valor relativo às negociações de bens urbanos superou os negócios agrários. Todas
as vendas não-rurais têm sua participação aumentada, como embarcações e outras vendas.
Rio de Janeiro ao longo da primeira metade do século XVIII, ocorreu em Salvador apenas
João Fragoso analisou para os anos de 1800 a 1816 as escrituras de compra e venda
investimento que começou a ser traçado ainda na primeira metade do Setecentos, qual seja:
quase todos os anos, correspondem a pelo menos o dobro dos valores médios encontrados
no setor agrário, o que significa que, embora as atividades mercantis não gerassem valor à
205
Ibidem, pp. 84-5
268
produção social, tinham uma cotação de mercado superior à produção agrícola, esta sim
De início, esses dados podem indicar uma contradição, pois afinal trata-se de uma
economia regulada e reiterada quase que exclusivamente pela produção agrícola. Seria
Estas condições, segundo o autor, eram satisfeitas no espaço colonial a preços reduzidos,
devido à presença de três condições fundamentais: fronteira agrícola aberta; oferta elástica
manter as atividades agrícolas com baixo investimento, abria a possibilidade para o desvio
de capital para outras atividades não atreladas a geração de riqueza.207 Assim, no início do
século XIX, foi possível que na praça mercantil do Rio de Janeiro ocorresse uma distinção
clara entre o grupo mercantil e a elite agrária. Isso não significava que os membros do
grupo mercantil não investissem em terras. Mas apenas quando o faziam, era em menor
embarcações. Estes sim passaram a ser o foco dos investimentos do capital mercantil no
Rio de Janeiro.
cidade de Salvador na segunda metade do XVIII possuía uma capacidade menor para gerar
206
FRAGOSO, João. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de
Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 337.
207
Ibidem, pp. 340-1.
269
sociedade tornaram-se mais diversificados no último quarto do século, por conseguinte
houve uma redução percentual nos investimentos em bens agrários. Essa transformação no
classe mercantil.
A partir dos dados coletados por Maria José Mascarenhas nos inventários baianos
pudemos elaborar o quadro 2.4 que nos mostra os grupos sociais que se encontravam entre
os 10% maiores inventariados de Salvador entre os anos de 1760-1808. Esse conjunto era
de riqueza. Dos trinta e dois indivíduos arrolados nos inventários como sendo os
os senhores de engenho, como oito representantes. A categoria que unia as duas atividades
Quadro 2.4 – Categoria Social presente na maior faixa de fortuna (10%) observada
Ocupação Quantidade
Comerciantes 14
Senhores de engenho 9
Comerciantes/senhores de engenho 4
Fazendeiros 4
Outros 2
Fonte: MASCARENHAS, Maria José Rapassi. Fortunas coloniais – elite riqueza em Salvador,
1760-1808. Tese (doutorado) – curso Pós-Graduação em História Econômica, USP, São Paulo,
1998, anexo 1.
270
Devemos ressaltar que a elaboração desses inventários concentrou-se
principalmente entre os anos de 1791-1808, sendo que nove foram feitos na última década
Oitocentos. Desta forma, essa amostragem já reflete a transformação pela qual passava a
Segundo David Smith e Rae Flory durante o século XVII e na primeira metade do
XVIII, não havia na Bahia uma dicotomia entre os agentes dos setores rurais e
comerciais.208 O capital mercantil ainda não era forte o suficiente para fazer frente ao
poder agrário, sendo a classe mercantil pouco desenvolvida. Antônio Carlos Sampaio
acredita que esse era o motivo da diferença entre o padrão percebido por ele no mercado
carioca pré-1700 e por Fragoso já no início do século XIX. E mais, esse mesmo autor
acredita que parte das rendas obtidas no comércio era transferida para o setor rural e vice-
versa. Múltiplos investimentos feitos quase simultaneamente impediam que uma elite
Contudo, no caso baiano esse perfil parece ter se alterado no último quarto do
grupo mercantil não significa o início de um confronto com o grupo rural. Muitos homens
estratégia na obtenção de prestígio e status. Nesse sentido, o foco de seus investimentos era
208
FLORY, Rae & SMITH, David Grant. “Bahian Merchants and Planters in the Seventeenth and Early
Eighteenth Centuries”. In: Hispanic American Historical Review, 58 (4), 1978.
209
SAMPAIO, op. cit., 203, pp. 75-6.
271
direcionado a aquisição de engenhos de açúcar, denotando uma preocupação desses
pelos homens de negócio e elaborar o gráfico 2.3. Cabe aqui um comentário sobre a
“homens de negócio residentes nessa praça”, uma clara distinção desses sujeitos a
comunidade mercantil da cidade. É assim que aparece no ano de 1764, Joaquim José
Gomes, descrito como “homem de negócio dessa praça de Salvador” quando compra um
mercador, a designação na fonte era a seguinte: “mercador e morador desta cidade”, como
foi descrito Vicente de Oliveira Batista, quando comprou no ano de 1784, uma morada de
casas térreas de Clemente José da Silva, ao custo de 290$000.212 Antônio Carlos Sampaio
também verificou que essa designação ocorria nas escrituras públicas do Rio de Janeiro
Devemos ressaltar que não se trata de todo o universo de bens comprados por esses
indivíduos uma vez que, mesmo com o cruzamento de fontes não foi possível estabelecer a
forma, acreditamos que algumas compras envolvendo homens de negócios possam não ter
210
Sobre o comportamento na busca por prestígio social desses homens de negócio cf. capítulo 5.
211
APEB, judiciário, Livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador, livro 105, p. 214v.
212
APEB, judiciário, Livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador, livro 124, p. 291.
213
SAMPAIO, op. cit., 2001, p. 80.
272
Gráfico 2.3 – Bens adquiridos pelos homens de negócio de Salvador, 1751-1800
0,4
18,9
32,1
Rurais
Urbanos
Comerciais
18,3 Embarcações
outros
30,3
Fonte: APEB, judiciário, Livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador (livros 90 a 139).
gráfico 2.3 que a representatividade dos bens comerciais era de 18,3% e o de embarcações
segunda metade do século XVIII, parte da renda oriunda do setor mercantil ainda era
alocada no setor agrário, cerca de 30%, o que nos faz acreditar que, alguns homens de
negócios da Bahia, no limiar do século XIX, ainda tinham como estratégia à aquisição de
bens rurais como forma de obtenção de prestígio ou como opção de investimento para
diversificar seus negócios. Desta forma, aparecem figuras híbridas como Custódio Ferreira
Dias e Manoel Pereira de Andrade, considerados por nós como sendo comerciantes/senhor
273
de engenho, uma vez que, embora tivessem atuação no trato de longa distância, não se
rurais, 1751-1800
% 15,7
% 8,6
Fonte: APEB, judiciário, Livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador (livros 90 a 139).
OBS: (a) – valor das compras feitas pelos homens de negócios; (b) – número de compras feitas
pelos homens de negócios.
O quadro 2.5 nos mostra o peso dos investimentos dos homens de negócios no setor
rural. Nela fica bem marcado o montante aplicado por esses homens no agro baiano.
Embora tivessem participação de apenas 8,6% das compras envolvendo bens rurais, a
nessas aquisições. Tal volume de negócio pode ser explicado como uma estratégia própria
deste grupo, pois o investimento em terras e engenhos era tido como um mecanismo para a
propriedades para seus filhos, adicionando prestígio à sua família, enquanto o negociante
274
Leonor Sena da França Corte Real.214 Compra mais vultosa fez João da Silva Mourinho, no
ano de 1788 ao comprar por 29:000$000, um engenho com todas as suas benfeitorias, de
Não só engenho era adquirido pelos homens de negócio no setor rural. No ano de
1772, Francisco Bernardes do Vale, comprou uma fazenda de gado vacum e cavalar por
adquiriu, no ano de 1779, uma fazenda de cana de Francisco do Amaral, pelo valor de
800$000.217
alimentos. Sozinhos, responderam por mais de um quinto das compras, sendo o valor
Como verificamos no gráfico 2.4, as opções dos homens de negócio eram bastante
variadas no que tange a seus investimentos. Alguns, como Luís Gomes Coelho, atuavam
em atividades rentistas, comprando imóveis urbanos para alugar. No ano de 1755, Luís G.
Coelho aparece nas escrituras adquirindo um sobrado de Francisco Almeida Viana ao custo
de 987$340.219 Doze anos depois, o mesmo comerciante comprou duas moradas de casas
térreas de pedra e cal, a primeira da viúva de Diogo Pereira da Silva, dona Clara das
214
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 114, p. 170v.
215
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 128, p. 77v
216
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 114, p. 303.
217
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 120, p. 232.
218
SAMPAIO, op. cit., 2001, p. 127.
219
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 97, p. 77.
275
180$000.220 Por fim, no ano de 1774, Luís Gomes efetua mais duas compras de sobrados,
Muitas vezes o capital para a compra dos bens era obtido mediante empréstimos
realizados na praça de Salvador. Foi assim que o capitão Pedro Ferreira de Souza
conseguiu amealhar a quantia necessária para efetuar a compra desejada. No ano de 1755,
acumulado, Pedro Ferreira pode comprar no mesmo ano, do alferes Sebastião de Araújo
Braga precisou recorrer ao Convento de Nossa Senhora das Almas da cidade de Salvador
após comprar um engenho cujo valor foi 8:500$000.224 Junto à instituição religiosa
conseguiu o crédito de 400$000.225 Provavelmente, esse capital serviria para dar o impulso
inicial a produtividade do engenho uma vez que eram altas as despesas para se colocar e
venda, verificamos que houve um decréscimo do peso dos negócios rurais. Se até a década
de 1760 esse tipo de investimento se sobrepunha aos demais, a partir do último quarto do
século XVIII, sua participação declinou, embora continuasse a representar cerca de 30%
220
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 109, pp. 19v e 54.
221
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 115, pp. 175 e 261v.
222
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 106, p. 28v.
223
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 97, p. 99.
224
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 118, p. 110v
225
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 118, p. 280v.
276
dos recursos alocados no mercado de compra e venda. Desta forma, a aplicação de recursos
nos demais setores, como urbanos, comercial, de embarcações, bem como um aumento de
De todo modo, os homens de negócio, que faziam parte da elite comercial, buscavam a
diversificação de seus investimentos. Se grande parte das rendas obtidas nas negociações
era direcionada para o setor mercantil, também o era para o setor rural. A posse de um
contrário de ser uma sociedade monolítica, a Salvador da época colonial passava por
277
CAPÍTULO III
278
Crédito e empréstimos
de compra e venda de bens rurais, urbanos e mercantis . Para tanto, utilizamos as escrituras
públicas como fonte. Neste capítulo que se inicia, continuaremos traçando o perfil do
mercado da capital baiana, tentando buscar uma visão mais geral dessa sociedade, a partir
dessa análise. De forma alguma queremos que esses dados obtidos das escrituras públicas e
impossível sua captura por meio das escrituras públicas. O que desejamos é apenas apontar
ocorreu uma grave escassez monetária. No Brasil, a situação foi ainda mais difícil.
Embora no século XVI ainda não houvesse na colônia uma casa da moeda, o
acesso à prata peruana era conseguido por contrabando com Buenos Aires. Esse
226
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São
279
Para solucionar o problema, criou-se em 1698, no Rio de Janeiro a primeira Casa da
Moeda na colônia. Dezesseis anos depois, foi criada uma em Salvador. Ambas
no início do século XVII. Segundo este autor, a falta de moedas generalizou pela colônia a
século XVIII. Segundo dados levantados pela autora, na maioria dos inventários post-
mortem arrolados entre 1760 e 1808, havia falta de moedas. Mesmo nos inventariados mais
comum o pagamento das dívidas com produtos ou bens de famílias.229 De acordo com o
relato do viajante Thomas Lindley, no início do século XIX, o escambo ainda era a moeda
em espécie como açúcar, tabaco, tecidos, escravos e até mesmo imóveis. Caso parecido
280
encontramos na venda de uma fazenda de cana com suas benfeitorias efetuada por José
Antônio Viana e sua mulher, para Manoel Pinto Cardoso. Este realizou parte do pagamento
Ainda em seu estudo, Mascarenhas observa que embora faltassem moedas nos
inventários, era comum a presença de objetos de prata e ouro. Desta maneira, a explicação
de Schwartz não confere, uma vez que para este autor a escassez de moedas estaria atrelada
á ausência de metais preciosos na colônia. Poucos eram os indivíduos que não tinham
qualquer peça de prata em sua casa, pois este metal por possuir um valor considerável,
levantados por João Fragoso. A participação de moeda sonante era ínfima. Para os anos de
1797-99 correspondia a 4,4% do valor total dos bens arrolados. Em 1820, 3,4% e em 1840,
eram comuns utensílios de prata, por exemplo? A explicação para esta questão reside na
idéia de circulação social da moeda, concentrada nas mãos dos setores mercantis da
sociedade. Este perfil também foi observado por Roggiero Romano nas sociedades da
América espanhola. Segundo este autor, a carência de moedas de prata, ouro e cobre era
Antigo Regime, como forma de dirimir o problema ocasionado pela pequena circulação de
231
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 116, p. 195.
232
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 184.
233
FRAGOSO, João. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de
Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 308.
234
ROMANO, Roggiero. “Fundamentos del funcionamiento del sistema económico colonial”. In:
BONILLA, Heraclio (org.). El sistema colonial en la América española. Barcelona: Editorial Crítica, 1991,
passim.
281
moeda. De forma geral, nas sociedades pré-industriais o acesso ao dinheiro se dava
comumente via comerciantes, uma vez que eram eles que conseguiam de maneira rápida
fazer a rotação do capital e por conseguinte, detinham a liquidez do sistema.235 Com isso,
não é errôneo afirmar que era uma pequena elite mercantil que detinha o controle do fluxo
É o que observamos nos dados levantados por Mascarenhas nos inventários post-
mais altos desses bens pertenciam sempre aos comerciantes, que variava de cinco contos
de réis a dez mil réis, estes últimos referentes aos pequenos comerciantes.236 Tal fato
concentração do numerário nas mãos do grupo mercantil. Desta forma, o acesso ao crédito
em suas diversas formas era crucial para os distintos setores que compunham a sociedade
colonial, uma vez que era pequena a participação do dinheiro sonante no cotidiano das
pessoas.
agrícola, que era anual, e as necessidades que se fazia presentes no dia a dia das pessoas
235
FRAGOSO & FLORENTINO, O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite
mercantil no Rio de Janeiro, c. 1790 - c. 1840. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, passim.
236
MASCARENHAS, op. cit., 1998, anexo 1.
237
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. “O mercado carioca de crédito: da acumulação senhorial á acumulação
mercantil (1650 – 1750)”. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro: FGV, n. 9, 2002, p. 2.
282
Além disso, havia também o fator mão-de-obra que era obtida exclusivamente no
mercado. Isso acabava gerando um endividamento dos setores rurais frente aos mercantis.
a ser produzido pelo escravo para o comerciante responsável pela sua venda, o que acabava
por reduzir a capacidade de acumulação do senhor e contribuindo ainda mais para sua
etc., como abordaremos mais adiante. De forma geral, essa prática era disseminada nas
sociedades de Antigo Regime. Foi o que observou Peter Spufford ao analisar os inventários
da região de Kent, na Inglaterra, entre os anos de 1568 a 1740. Ele encontrou dívidas
passivas em 81% dos 13.586 inventários levantados, com uma média de três dívidas por
inventário.239
econômica e até mesmo para comprar bens que expusessem sua privilegiada condição
social. Desta forma, buscava-se crédito para quase tudo, da aplicação na produção à
ativas e passivas encontradas nos inventários post-mortem de Lisboa, entre 1780 e 1830,
verificou que a maior parte dos gêneros que circulavam entre a metrópole e os portos
238
Ibidem, pp. 2-3.
239
SPUFFORD, Peter. “Les liens du crédit au village dans l’Angleterre du XVIIe siècle.” In: Annales:
histoire, sciences sociales. Paris: Armand Colin, 49e année, n.6, 1994, p. 1359-73.
283
brasileiros foram comercializados de acordo a um sistema de compensação.240 Os
colônia e estes remetiam para a metrópole mercadorias brasileiras. O valor da transação era
contabilizado em contas-correntes dos dois lados do Atlântico, mas este não era pago.
Somente quando da abertura dos inventários portugueses dos homens de negócio, fazia-se
a apuração de todas as dívidas ativas e passivas. Essa era uma prática usada comumente no
distâncias dos homens de negócios, fossem portugueses, brasileiros ou até mesmo ingleses.
adiantamento de mercadorias para outros comerciantes que atuavam nas demais partes da
do Império português.241
sertanejos que se dirigiam ao interior. Por sua vez, essas mercadorias tinham sido
conseguidas antes pelos negociantes citadinos com os capitães dos navios negreiros,
240
ROCHA, Maria Manuela Ferreira. Crédito privado num contexto urbano, Lisboa 1770-1830. Florença,
tese (doutorado) - Departamento de História e Civilização do Instituto Universitário Europeu, 1996, passim.
241
FRAGOSO & FLORENTINO, op. cit., 2001, pp. 206-7.
242
FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997, pp. 133-4.
284
período colonial pelos homens de negócio. Um expoente dessa atividade foi Francisco
lusitano. Francisco Pinheiro vendia a crédito todo o tipo de mercadoria, desde escravos
Segundo Maria Bárbara Levy, os juros cobrados nas vendas a prazo por Francisco Pinheiro
na região de Minas Gerais chegavam a ser de 8 a 12% ao ano. Como aponta Levy, esse alto
percentual dos juros era justificado pelo fato de haver grandes possibilidades de o credor
sumir pelo sertão adentro ou pelos portos, esquivando-se assim de saldar suas dívidas.244
Ainda no universo mineiro, Cláudia Coimbra do Espírito Santo analisou as ações de almas
como práticas creditícias em Vila Rica no século XVIII. De acordo com a autora, o crédito
245
era obtido mediante juramento da alma. Num contexto impregnado pelo catolicismo,
onde a vida se pautava pela salvação pessoal e pelo medo do inferno, o empenho da
confiança que a sociedade depositava em sua pessoa. O juramento em falso em uma ação
danação da alma, o que gerava uma forte pressão social e íntima. A não execução de uma
ação desse tipo acarretava a má fama pública, repercutindo na perda do crédito. Sem
crédito na praça, o indivíduo não precisaria morrer para experimentar a danação de sua
alma.
243
Sobre a participação de Francisco Pinheiro no comércio de escravos na Costa da Mina, ver
GUIMARÃES, Carlos Gabriel. “O fidalgo-mercador: Francisco Pinheiro e o ‘Negócio da carne humana’,
1707-1715”. In: SOARES, Mariza Carvalho (org.). Rotas Atlânticas da diáspora africana: da Baía do Benim
ao Rio de Janeiro. Niterói: edUFF, 2007, pp. 35-64.
244
LEVY, Maria Bárbara. História financeira do Brasil colonial. Rio de Janeiro: IBMEC, 1979, p. 94.
245
ESPÍRITO SANTO, Cláudia Coimbra do. “Comprar, vender, emprestar, trocar, anotar... empenhar:
práticas creditícias no cotidiano do Antigo Regime”. In: VARELLA, Flávia Florentino; MATA, Sérgio
Ricardo da & ARAUJO, Valdei Lopes de (orgs.). Anais do I Seminário Nacional de História da
Historiografia: historiografia brasileira e modernidade. Mariana: UFOP, 2007, p. 10.
285
No início da ocupação territorial da América portuguesa no século XVI, segundo
século seguinte parece que esse padrão tornou-se menos importante, se não
uma das mais utilizadas as escrituras de empréstimos registradas nos cartórios da cidade de
Salvador.
comparação entre os dois modelos de escrituras é uma tentativa de perceber o peso que os
maior. Algo em torno de 40% do fluxo de dinheiro de Salvador estava atrelado ao crédito.
246
SCHWARTZ, op. cit., 1995, p. 179.
286
Quadro 3.1 - Participação do crédito frente ao percentual de vendas e do valor total
e venda
Fonte: Fonte: APEB, Judiciário, livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador (livros 90 a 139)
creditício, esse montante nunca foi maior do que a totalidade das transações de compra e
venda. Cabe ressaltar que o bom desempenho do mercado de compra e venda estava
forte presença do papel desempenhado pelos empréstimos. Era a partir da sua obtenção que
muitos compradores conseguiam gerar capital para efetuar o pagamento do bem adquirido.
Nesse sentido, encontramos no ano de 1755, o capitão Pedro Ferreira de Souza comprando
287
do alferes Sebastião de Araújo Góes um sobrado pelo valor de 300$000.247 Para tanto,
das Almas da cidade de Salvador após comprar um engenho cujo valor foi 8:000$000.249
serviria para dar o impulso inicial à produção do empreendimento uma vez que eram altas
de bens eram feitas com pagamentos a prazo, o que também caracteriza uma forma de
concessão de crédito.
quando chegou a representar quase a metade de todo o dinheiro que circulou na cidade e
anteriormente, essa foi uma década atípica, momento no qual Salvador deixou de ser a sede
política da colônia e quando a cidade enfrentava uma crise numa das suas principais
247
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador, livro 97, p. 99.
248
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador, livro 106, p. 28v.
249
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador, livro 114, p. 170v
250
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador, livro 114, p. 180v.
288
Quadro 3.2 – Tipos de credores em Salvador, 1751-1800 (valores em mil réis)
Credores
1800
Fonte: APEB, Judiciário, livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador (livros 90 a 139)
empréstimos, notamos que em meados do século XVIII, parte considerável desse capital
era disponibilizada por instituições coloniais como o Juízo de órfãos, as Ordens Terceiras,
Irmandades e a Santa Casa de Misericórdia. O quadro 3.2 nos indica o tipo de credores
foram responsáveis por 76,0% do montante total transacionado. Já nos decênios seguintes
houve uma queda brusca na participação das instituições frente ao peso do volume total de
empréstimos efetuados. Entre 1761-70, esse valor atinge 45,2. Na década seguinte, 20,4%.
Entre 1781-90 o percentual caiu para 10,2 e 3,1 na última década do Setecentos. A
diminuição da participação das instituições como credoras pode estar relacionado à crise de
caixa pela qual algumas passaram como também, ao processo de fortalecimento do grupo
mercantil que começou a atuar com mais força no mercado de crédito baiano na segunda
289
metade do século XVIII. De todo modo, apesar da diminuição da participação no mercado
século XVIII. Rae Flory estudou o acesso ao crédito de 1698 a 1715, período no qual o
troca, por exemplo, de um determinado número de missas que deveria ser realizado em
prol da alma do doador. Mas eram comuns também doações em vida. Esse montante
6,25% ao ano. Os mutuários favorecidos pela Santa Casa eram aqueles que de alguma
forma tinham ligação estreita com a Instituição, como os confrades e membros do conselho
de uma quantia alta, juros inferiores ao da praça, prazos maiores para a quitação. Muitas
vezes, o devedor acabava por pagar apenas os juros, jamais quitando a dívida. Obviamente,
251
FLORY, Rae. Bahian Society in the mid-colonial period: the sugar platers, tobacco growers, merchants,
and artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Tese (doutorado) - The University of Texas at
Austin, 1978, p.73.
252
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755.
Brasília: Ed. da UnB, 1981, passim.
290
este desleixo com a cobrança dos empréstimos ao longo dos anos, fruto da aproximação
resida neste ponto um dos motivos da queda brusca do peso das fontes institucionais de
suas dívidas com as instituições. Assim, criou-se um círculo vicioso, no qual sem os
dinheiro. No caso dos particulares isso não ocorreria porque mesmo que alguns sofressem
esse tipo de problema seriam facilmente substituídos por outros. É importante sublinhar
longo de toda a segunda metade do século. Isso tem a ver com os agentes envolvidos no
foram perdendo espaço no papel de credor ao longo dos anos. De todo modo, se tomarmos
escrituras.
Rae Flory observou que, no início do século XVIII, além da Santa Casa, havia
como o Convento de Santa Teresa, que logo depois da Misericórdia, foi a segunda fonte
institucional que mais emprestou dinheiro, 3,6% do total. Seguida a este, aparece um outro
convento, o de Santa Clara do Desterro (3,2%), a Ordem Terceira de São Francisco (2,3%),
291
de Santo Antônio e Conceição (1,6%) e por fim, a Irmandade de São Pedro dos Clérigos
(1,3%).
metade do século XVIII. A Santa Casa de Misericórdia aparece com uma participação de
34,8%, maior do que o período analisado por Rae Flory. A Ordem Terceira do Carmo
aumentou sua participação no sistema de crédito, sendo responsável pela oferta de 7,5% do
Ordem Terceira de São Francisco, o Convento de Santa Teresa e o Mosteiro de São Bento.
292
Este último, no ano de 1660, obteve um sexto de sua renda com a cobrança de juros sobre
253
empréstimos. O Convento de Santa Clara do Desterro era também uma dessas
por meio de legado. 254 Tais quantias depois eram redirecionadas ao mercado na forma de
crédito. Tal como a Santa Casa, o Desterro concedia créditos a mutuários escolhidos, com
juros inferiores aos cobrados na praça. Mesmo com todas as facilidades não foram poucas
às vezes em que tanto a Misericórdia quanto o Desterro tiveram dificuldades para receber o
que havia sido emprestado ou mesmo os juros cobrados sobre a quantia. Segundo Russell-
Wodd, isso ocorria porque as regras sobre as garantias dos empréstimos não eram
seguidas. Por diversas vezes essas instituições tiveram que entrar na justiça para reaver o
crédito.255 Muitos devedores buscavam ser eleitos para a Mesa da Santa Casa, pois
de crédito institucional. Diferente das demais, essa instituição não tinha um caráter
religioso. Flory não achou nenhum registro dessa instituição como fonte de empréstimo
heranças dos órfãos, conseguidos de forma geral, a partir da arrematação de seus bens em
praça pública.
De todo modo, tal qual o período trabalhado por Flory, a Santa Casa se destaca
como sendo a principal instituição fornecedora de crédito da Bahia, responsável por 34,8%
253
SCHWARTZ, op. cit., 1995, p. 180.
254
Sobre os mecanismo para a inserção no convento de Santa Clara do Desterro cf. SOEIRO, Susan A. “The
social and economic role of the convent: women and nuns in Colonial Bahia, 1677-1800”. In: Hispanic
America History Review (HAHR), 1974.
255
RUSSELL-WOOD, op. cit., 1981, p.83; SOEIRO, op. cit., 1974, passim.
256
RUSSELL-WOOD, op. cit., 1981, p. 82.
293
do montante institucional ou 10% do volume total de empréstimos. Como já foi apontado,
esse dinheiro entrava na Misericórdia via doações de terras, prédios urbanos, dívidas
economia. Era um mecanismo eficaz para fazer circular o capital numa economia onde
Quadro 3.4 – Soma total dos empréstimos efetuados pela Santa Casa de
Fonte: APEB, Judiciário, livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador (livros 90 a 139).
representatividade da Santa Casa ocorreu ao longo do século XVIII, embora seu peso tenha
caído constantemente com o passar dos anos, como podemos observar no quadro 3.4. O
século XVIII, uma participação ínfima para aquela que até meados dos Setecentos
Salvador.
criados pelas sociedades coloniais para fazer frente à escassez de numerário, típico de
294
instituições, a origem do dinheiro não estava, ao menos de forma direta, atrelada à
atividade mercantil. Era no momento da morte de alguns indivíduos que parte dos bens
acumulados ao longo de uma vida era transferido para instituições religiosas ou laicas,
como no caso do Juízo de Órfãos. Esses bens eram transformados em capital e repassados
para outras pessoas interessadas em crédito. Esse mecanismo foi bastante eficiente para por
Santa Casa como instituição credora, por exemplo, foi praticamente inexpressiva na cidade
carioca. Não foi encontrado nenhum empréstimo feito pela Misericórdia entre os anos de
1650-80. No século XVIII, a Santa Casa respondeu por 3,4% dos valores transacionados.
Ainda assim, bastante limitado se comparado com os números encontrados para a Bahia
Segundo dados apontados por Antônio Carlos Sampaio, entre 1650-1700, o Juízo
de Órfãos destacou-se como instituição credora. Segundo o autor, essa instituição era a
transacionado no período.259
A partir da primeira metade do século XVIII, esse quadro sofre alterações. Embora
ainda apareça como agente credor na década de 1710, o Juízo de Órfãos desaparece das
crédito nos anos posteriores.260 Sampaio entende que essa mudança estava atrelada ao peso
257
SAMPAIO, op. cit., 2002, pp. 8-9.
258
SAMPAIO, Antônio C. J. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas no
Rio de Janeiro (c. 1650 – c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p. 195.
259
Ibidem, p. 193.
260
Ibidem, p. 194.
295
crescente que vinha ganhando a atividade mercantil do Rio de Janeiro. Tal
os homens de negócios.
principalmente de caráter religioso, como fonte de capital. Assim como suas congêneres
suas economias.261
vários signos monetários foram usados como moedas devido à escassez de numerário. Esse
promissoras.262
percebeu que as operações creditícias foram a segunda prática mais recorrente nas fontes
compulsadas, estando atrás somente das escrituras de representação. Como não havia
instituições oficiais fornecedoras de crédito, tal prática ficou a cargo das instituições
261
SAMPAIO, op. cit., 2002, p. 9.
262
GREENOW, Linda. “El credito em Nueva España” In: Hispanic American Historical Review, 81, 1, 2001,
p. 133.
296
impostos. Com o passar dos anos, esses grupos foram ganhando posição dominante na
concessão de crédito.263
Parte do ganhos auferidos pela prática do crédito era reinvestida pelos comerciantes
eram usadas para a ampliação de suas atividades comerciais, para o investimento em outro
principais fontes de financiamento da economia colonial, sendo uma das mais destacadas a
crédito se deu em outras áreas da América hispânica. Os que mais se beneficiavam desse
sistema eram indivíduos da elite local, por possuírem acesso privilegiado e condições
favoráveis para quitar suas dívidas. Kathryn Burns mostra a importância para as famílias
de Cuzco no século XVII em ter uma ou mais filhas fazendo parte de conventos, como
ocorria na Bahia, em relação ao Convento de Santa Clara do Desterro, por exemplo.267 Ter
263
Ibidem, p. 134.
264
Ibidem, p. 138.
265
KICZA, John. Empresários coloniales – famílias y negócios em la ciudad de México durante los
borbones. México: Fondo de Cultura Económica, 1986, pp. 71-2.
266
Ibidem, p. 76.
267
BURNS, Kathryn. “Nuns, Kurakas and credit: the spiritual economy of seventeenth-century Cuzco” In:
Colonial Latin Americab Review. Oxford: Carfax, v.6, n.2, 1997.
297
cargo de direção, tornava mais fácil o acesso ao crédito como também facilitava as formas
de pagamento.268
Segundo João Fragoso, este desempenho das instituições aponta para uma relativa
circulação de capital no âmbito colonial até o início do século XVIII no Rio de Janeiro e
meados da mesma centúria em Salvador, quando os homens de negócio ainda tinham uma
no perfil do sistema creditício ocorreu nos primeiro anos do século XVIII. Já na Bahia, a
Segundo dados apontados por Antônio Carlos Sampaio, entre 1711-20, os homens
de negócio cariocas foram responsáveis por 21,4% do valor total oferecido a juros. Nas
décadas seguintes, esse percentual passou a ser de 46,2%, 58,1% e 42,4%, para os períodos
268
Cabe ressaltar que no Peru ao longo do século XVII, não só as instituições religiosas tinham participação
no mercado de crédito. Segundo Margarita Suárez, o papel dessas instituições tem sido supradimensionado,
deixando-se de lado as funções exercidas pelos mercadores e banqueiros. Desde finais do século XVI alguns
mercadores de Lima começaram a receber depósitos e praticar operações creditícias em suas casas mercantis
que adquiriram o título de bancos públicos com o passar do tempo. Assim segundo Suárez, a partir da
primeira metade do século XVII, junto com a Igreja, os mercadores passaram a controlar o sistema de crédito
no vice-reinado do Peru. Ver, SUÁREZ, Margarita. Desafios transatlânticos – mercadores, banqueros y el
estado em el Peru virreinal, 1600-1700. Lima: PUC-Peru, Fondo de Cultura Econômica e Instituto Francés
de Estúdios Andinos, 2001, pp. 23-4.
269
FRAGOSO, João. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de
Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
270
SAMPAIO, op. cit., 2003, pp. 190-1.
298
transformação pela qual passava a economia carioca, qual seja, a distinção de homens
século XVII, não havia ainda uma esfera mercantil distinta das demais atividades
econômicas no Rio de Janeiro. Havia uma forte ligação entre a acumulação mercantil e a
atividade agrária, sendo que esta absorvia grande quantidade do capital obtido pelo
mercado. Desta maneira, até a última década do século XVII não havia uma elite mercantil
uma participação praticamente nula como fonte de numerários, passando a aparecer apenas
como devedores. A atuação dos senhores de engenho como credores, segundo Sampaio se
crédito entre 1690-1715, representando a segunda fonte mais ativa de capital, vindo logo
atrás das instituições. Outros profissionais residentes em Salvador e também atuantes como
esgotado.
271
SAMPAIO, op. cit., 2002, p. 12.
272
Idem.
273
FLORY, op. cit., 1978, pp. 72-4.
299
Dentro dessa perspectiva, Flory observou que havia uma forte dependência de
produtores agrários com uma grande variedade de credores. Muitos senhores de engenho
credores eram pessoas físicas. Isso representa 78,5% de todo o montante disponibilizado a
crédito nas escrituras coletadas. Montamos o quadro 3.5 distribuindo o volume de crédito
por cada grupo social. O universo de pessoas envolvidas no sistema de capital a risco era
bastante variado. É possível apontar que entre os credores físicos havia advogados,
indivíduos relatados como credores nas escrituras. De todo modo, o que podemos
apreender diante desses dados é que havia uma oferta variada de fontes de financiamento
na sociedade baiana colonial e uma autonomia relativa frente aos grupos metropolitanos.
274
Ibidem, p. 74.
300
Quadro 3.5 – Participação de cada grupo de credores no sistema de crédito em
privado
negócio
senhores de
engenho
citadinos²
engenho
Fonte: Fonte: APEB, Judiciário, livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador (livros 90 a 139).
Obs: 1 – O valor total de crédito transacionado no período foi 895:121$922.
2 – Neste grupamento incluímos: advogados, religiosos, agentes da governança, etc.
aproximadamente 34% das escrituras totalizando cerca de 45% dos fundos totais
301
Em comparação com dados levantados por Flory, fica evidenciado que ao
decréscimo das instituições como agentes ativos. Fato este percebido nos dados apontados
no quadro 3.2, onde fica perceptível que essa mudança no padrão foi se desenrolando ao
1760, período no qual a economia da cidade passava por dificuldades, como já alertamos
desses agentes deviam estar de alguma maneira envolvidos com atividades mercantis,
como o comércio de escravos. Por isso, mesmo se tornando majoritário frente aos
capital disponibilizado foram feitos por homens de negócio, enquanto este mesmo grupo
foi responsável por apenas 15,8% do montante total na década de 1750. Esses dados
comerciantes como agentes ativos de empréstimos tornou-se mais importante do que havia
sido até então. Isso ocorreu devido ao declínio financeiro de algumas instituições
algumas carreiras mercantis distintas de outras atividades. A mudança pela qual passava o
mercado de Salvador nesse momento, foi aquele vivenciado pela praça carioca no início
302
dos Setecentos. A circulação de numerários e o controle da liquidez da economia
soteropolitana passavam para as mãos dos comerciantes com o findar do século XVIII.
correspondendo esse valor a soma total dos bens e dívidas ativas.275 Comerciante de
escravos, Maria Joaquina era dona de três embarcações, um navio grande no valor de
comércio de escravos africanos, possuía uma loja de tecidos e várias casas de aluguel.
Embora fosse dona de vários bens, sua fortuna estava mesmo atrelada ao crédito. Cerca de
84% de seu montemor (aproximadamente 194:000$000) era constituído por dívidas ativas,
receber, Maria Joaquina de Barros aparecia como a maior credora da praça de Salvador em
sua época.
Já abordado por nós no capítulo anterior, o segundo maior credor que encontramos
nos inventário foi Custódio Ferreira Dias, que era o possuidor da maior fortuna pessoal de
escravos. Na capital baiana possuía uma loja aberta, dois armazéns e um trapiche. Mas não
só da atividade mercantil vivia Custódio. Ele era dono de quatro engenhos e uma grande
senhor de engenho que foi responsável pela oferta de 34% do crédito privado ou de
275
APEB, judiciário Inventário de Maria Joaquina de Barros, 1808, 8/3299/3.
276
APEB, judiciário Inventário de Custódia Dias Ferreira, 1801,4/1741/221/5.
303
aproximadamente de 27% do volume total de dinheiro disponibilizado para empréstimos
Esse grupo de homens com atividades bifurcadas entre o rural e o comercial ainda
era muito forte em Salvador em finais do século XVIII, bem como ainda o foram por boa
parte do século XIX. Embora houvesse um incremento de indivíduos que atuassem apenas
no setor mercantil, havia ainda aqueles que por estratégia de vida direcionavam grande
parte de seus rendimentos obtidos via comércio para atividades agrárias, pois percebiam na
carreira mercantil um mecanismo eficiente para angariar capital que pudesse ser investido
em atividades agrícolas. Outros misturavam suas atividades como forma de obter status e
prestígio. Muitos queriam legar para seus descendentes um modo de vida que os afastasse
O ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser
cabedal e governo, bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quando
Sendo assim, era comum a existência de outros indivíduos com o mesmo perfil e
partir da aquisição de propriedades rurais o status de “nobreza” que esse tipo de bem
oferecia.
e quinto maior credor particular. Seu montemor foi avaliado em 193:975$000, sendo cerca
de 21% ou 41:372$000 referentes à dívida ativas.278 Sua fortuna era composta por dois
engenhos, uma fazenda de gado, um alambique, uma loja aberta, um trapiche com
277
ANTONIL, André João Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976, p. 75.
278
APEB, judiciário Inventário de Manoel Pereira de Andrade, 1793, 4/594/2063/7.
304
equipamentos de descaroçar e prensar algodão, um barco grande e duas lanchas, uma
negociações em portos da África. Assim, como Custódio Ferreira Dias, Manoel Pereira de
O casal Maria Pereira Rangel e João Ribeiro da Silva aparecem como os terceiros
maiores credores privados de Salvador. Sua fortuna foi estimada em 77:120$000.280 Sua
longa distância, mantendo ligações com as cidades do Porto e de Lisboa, bem como com
portos africanos, onde faziam o comércio de escravos. Praticavam também comércio com
regiões do interior da América portuguesa como Piauí, Minas Gerais, Goiás, Cuiabá e
O quarto maior credor encontrado nos inventário foi Antônio Nunes Leitão, com
seu inventário.282 Assim sendo, Antônio Nunes Leitão exemplifica o papel desempenhado
uma escrituras como credores, responsáveis por 0,6% do dinheiro privado emprestado,
279
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 190.
280
APEB, judiciário Inventário de Maria Pereira Rangel e João Ribeiro da Silva, 1790, 4/1760/2230/4.
281
APEB, judiciário Inventário de Antônio Nunes Leitão, 1768, 4/1592/2061/9.
282
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 190.
305
fornecimento de capital. Na ausência de numerário, os comerciantes podiam fornecer
empréstimos sob outras formas que não fosse a monetária. De acordo com Schwartz, os
se dava mediante sacas de açúcar a um preço abaixo do mercado. Ainda segundo Schwartz,
Bahia.284
rural devido aos gastos constantes e à baixa lucratividade. De 1698 a 1715, senhores de
9,8% do volume total do capital disponibilizado na praça baiana.285 Isso significava que
mais da metade do dinheiro a risco era direcionado para a área rural, mais do que isso, para
a produção dos dois principais artigos da pauta de exportação baiana, o açúcar e o fumo.
Tal fato era decorrência da baixa lucratividade da atividade agrária o que acarretava em
endividamentos crônicos.
notabilizaram mais por serem tomadores de empréstimos. Contudo, eles também acabavam
283
SCHWARTZ, op. cit., 1999, p. 182.
284
Idem.
285
FLORY, op. cit., 1978, p. 75.
306
envolvidos na indústria açucareira. De acordo com Schwartz, um procedimento comum era
comprometia a moer seu produto no engenho credor.286 Ainda segundo o mesmo autor,
de escravos, equipamentos ou terras, com objetivo de obter a cana cativa. Assim, esses
crédito para além de gerar um forte vínculo e laços de dependência entre senhores de
e dono da terceira maior fortuna encontrada nos inventários, 200:937$000, foi um dos
senhores de engenho fornecedores de crédito. Possuía três engenhos, três fazendas de gado,
duas de cana. Sua dívida ativa girava em torno de 26:000$000, o que fazia dele o maior
25:082$488, cerca de 12,5% de seu montemor, o que o colocava na terceira posição como
maior devedor.288
Já Luís Carlos da Silva Pina de Melo, inventariado no ano de 1789, aparece como o
segundo maior credor entre os senhores de engenho, com dívida ativa de 8:200$000,
286
SCHWARTZ, op. cit., 1999, p. 183.
287
Ibidem, p. 184.
288
MASCARENHAS, op. cit., 1998, pp. 188-93.
289
Ibidem, pp. 188-92.
307
O terceiro maior credor dentro desse grupo social foi Sebastião Gago da Câmera,
8:000$000 ou 12,2% referentes a dívidas ativas. Era dono de quatro engenhos, alambique,
fazenda, uma casa e lojas alugadas. Sua dívida passiva era pequena se comparada à ativa,
71:000$000, constituída por um engenho, uma olaria e uma casa de farinhas. Sua dívida
ativa era de 5:323$000 ou 7,5% de sua fortuna. Embora tenha atuado como credor,
Antônio Marinho de Andrade não nega seu perfil de senhor de engenho atrelado ao crédito
como devedor. Sua dívida passiva representava 54% de seu montemor ou cerca de
Havia também aqueles que tinham uma dívida maior do que a soma total de sua
riqueza, como o caso de Antônio da Costa, que era senhor de engenho, cirurgião-mor e
boticário. Inventariado em 1779, sua fortuna foi avaliada em 15:324$000, mas sua dívida
endividou para iniciar seu empreendimento. Sua dívida foi feita com o intuito de comprar
seu engenho, que no momento de elaboração do inventário ainda não tinha sido totalmente
quitada.
ativas mais altas estavam, de algum modo, atrelados à atividade mercantil, mesmo que
esses credores não estivessem desvinculados da atividade agrária, como nos casos de
290
Idem.
291
Idem.
292
Ibidem, p. 193.
308
encontravam no grupo dos senhores de engenho. A analise dos inventários evidencia que
nas mãos do grupo mercantil estava a liquidez da economia de Salvador, logo, tornaram-se
a fonte principal do crédito, dinheiro este fundamental para os senhores de engenhos que
créditos muitas vezes podiam estar atreladas a relações sociais de outra natureza como a
engenho, por exemplo, estaria objetivando a aproximação das famílias. Desta relação
sociais. Talvez essa seja a explicação para que mesmo tendo dificuldade para tocar seus
negócios, alguns senhores de engenho tenham atuando como credores, mesmo sendo
grande tomadores de empréstimos, como nos casos apontados anteriormente. Era uma
Os dados baianos coincidem com os levantados por Antônio Carlos Sampaio para o
Rio de Janeiro na segunda metade do século XVII, quando os senhores de engenho eram os
grandes devedores. Eles foram responsáveis por adquirir cerca de dois terços de toda
dívida passiva na década de 1680. A participação desse grupo social diminuiu no século
XVIII, pois neste momento surgiram novos atores dispostos ao endividamento, como
senhores de engenho. Além disso, neste momento estava ocorrendo uma crise no setor
309
açucareiro fluminense que impôs a retirada desses indivíduos do mercado de capital a
risco.293
A garantia para o recebimento desses empréstimos na maioria das vezes era bens
imóveis como casas, sobrados, engenhos, fazendas, terras e canaviais. Muitas vezes um
mesmo bem acabava sendo empenhado em mais de um empréstimo, o que gerava muitas
perduravam por anos. Em alguns casos, os engenhos eram levados a leilão para saldar as
dívidas. O problema nessas situações era que os lances dados estavam muito aquém do
credores tinham que se contentar nessas situações com promessas de pagamento parcial ao
fim de cada safra. Nesse sentido, os credores se sujeitavam a uma espera adicional para ter
verificamos por exemplo na escritura pública de 1766 em que José de Sousa Pereira tomou
empréstimo a Joaquim José Gomes no valor de 500$000 e deu como garantia a hipoteca de
metade do século XVIII hipotecar bens era a principal forma de avalizar que o empréstimo
seria pago.
293
SAMPAIO, op. cit., 2003, pp. 199-201.
294
SCHWARTZ, op. cit., 1999, p. 179.
295
FERLINI, Vera. Terra, trabalho e poder: o mundo dos engenhos no nordeste colonial. Bauru: EDUSC,
2003, p. 282.
296
SCHWARTZ, op. cit., 1999, p. 182.
297
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 107, p. 238.
310
Em estudo sobre o sistema de crédito no Termo de Vila do Carmo, em Minas
Gerais, na primeira metade do século XVIII, Carlos Kelmer Mathias, observou que os
plantéis de escravos eram as principais garantias para a quitação das dívidas. Analisando
comparadas às ativas, o que poderia acarretar o não pagamento dos débitos. Contudo, o
autor observou que os cativos presentes na documentação seriam a garantia necessária para
saldar as dívidas, uma vez que a soma do valor do plantel superava o montante das
terra era barata e as dívidas ativas de baixo valor, o escravo surgia como o bem mais
valioso no qual investir, pois, dentre outros fatores, constituía-se na principal via de acesso
no final do Setecentos e início da centúria seguinte, como observou a partir da análise dos
inventários post-mortem.299 Vários tipos de bens eram hipotecados. Desde bens imóveis,
como terra fazendas e engenhos a escravos. Havia também hipotecas de peças de prata e
Sabe-se que as dívidas e os juros contraídos e não pagos em vida eram quitados
um leilão dos bens em praça pública pelo preço de avaliação ou com acréscimo de alguns
mil réis ao valor atribuído pelos avaliadores. Era comum ocorrer o seqüestro de bens, para
298
MATHIAS, Carlos L. Kelmer. “Considerações acerca do movimento do crédito no termo de Vila do
Carmo, 1713-1756”. In: VARELLA, Flávia Florentino; MATA, Sérgio Ricardo da & ARAUJO, Valdei
Lopes de (orgs.) Anais do I Seminário Nacional de História da Historiografia: historiografia brasileira e
modernidade. Mariana: EdUFOP, 2007, pp. 1-4.
299
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 203.
300
Analisando a sociedade da Nova Espanha, John Kicza observou que como regra geral as garantias para
empréstimos exigidos por instituições eclesiásticas ou particulares, era a propriedade rural, como fazendas
com suas terras cultivadas. Aqueles que não pudessem adquirir pela compra uma propriedade rural, deveria
faze-lo mediante casamento com alguém cuja família fosse dona de propriedades agrárias. Ver KICZA, op.
cit., 1986, pp. 34-5.
311
garantir a sobrevivência dos herdeiros quando estes fossem ainda menores e para o
empréstimos.
parte deles eram quitados e credores recebiam seu dinheiro. As pessoas que deviam aos
herdeiros do inventariado tinham que pagar suas dívidas, para que o montemor da partilha
que acarretava um rendimento através da cobrança dos mesmos para os credores. Assim, a
segundo Valentim Prada, os juros giravam em torno de 6,6 a 10% durante a primeira
tomadores de empréstimos. Contudo, havia uma gama variada de pessoas dispostas a pedir
301
Segundo Schwartz, as restrições da Igreja à usura restringiam a cobrança de juros a 6,25% ao ano. Esta
permaneceu nesse patamar até 1757, quando foi baixada para 5% numa tentativa de atender a demanda dos
senhores de engenho que constantemente reclamavam da elevada taxa de juros. Ver SCHWARTZ, op. cit.,
1999, p. 179.
302
PRADA, Valentim. História econômica mundial. Das origens à revolução Industrial. Porto: Livraria
Civilização Editora, 1972, p. 323.
312
negócios. Estes últimos não apresentavam dívidas tão altas quanto os senhores de
inventários. O fato de ela possuir 84% de seu montemor atrelado à dívida ativa não a
produção agrícola e arrematação de contratos de dízimos, era natural que Manoel fizesse
uso intensivo do crédito para desenvolver seus empreendimentos. Para Mascarenhas, que
referir aos donativos não pagos à Fazenda real, uma vez que era comum encontrar casos de
Mascarenhas observou que quanto maior a faixa de valor da fortuna, mais débito
existia.306 Esse tipo de transação encontrava-se em todos os níveis de riqueza, desde aquele
que possuía centenas de contos de réis aos que tinham apenas dezenas de mil réis. Em
linhas gerais, quem se encontrava no nível de riqueza de até 2:000$000 era credor.307 O
acesso ao crédito, desta forma, era uma prática extremamente usual em sociedades pré-
303
APEB, judiciário Inventário de Maria Joaquina de Barros, 1808,8/3299/3.
304
APEB, judiciário Inventário de Manoel Pereira de Andrade, 1793, 4/594/2063/7.
305
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 194.
306
Idem.
307
Ibidem, p. 191.
313
Ainda segundo dados levantados por Mascarenhas, os comerciantes tendiam tanto
os grupos sociais bastante próximos. A diferença reside nos valores de dinheiro obtido,
Rae Flory ao analisar os dados das escrituras de 1698 a 1715, observou que o
percentual de senhores de engenho que recorria ao crédito era bem maior que o do
cidade de Salvador.
eram inferiores às dívidas passivas dos inventariados. Entre esses havia indivíduos
presentes nas mais diversas categorias sociais e níveis de riqueza, como um dono de
escravos, dono de loja aberta de tecido e outras mercadorias, possuía uma fortuna avaliada
débitos menores que a soma de todos os seus bens arrolados nos inventários. Isso mostra
que a situação das dívidas em Salvador não chegou a representar um problema, pois os
débitos eram contornáveis na medida em que a soma de capital presente na fortuna dos
baianos na segunda metade do século XVIII era suficiente para efetuar o pagamento dos
empréstimos efetuados
308
Ibidem, pp. 194-5.
309
FLORY, op, cit., 1978, p. 75.
310
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 195
311
Ibidem, p. 193.
314
Observando as escrituras de crédito, nos chama atenção o número expressivo de
sua maioria eram viúvas, como Teresa Ferreira de Sousa, viúva do mestre-de-campo
Caetano Lopes Vilasboas, que tomou junto ao Convento de Santa Clara do Desterro, no
essas mulheres se viam em situação de penúria, tendo que muitas vezes recorrer aos
credores para sobreviver. Algumas delas, como dona Inácia de Araújo Pereira, recorriam
aos usurários apenas em último caso. Viúva do coronel Garcia de Ávila Pereira, ela se viu
imersa em dívidas. Começou a se desfazer de seus bens em 1755, com a venda de um sítio.
Ao longo dos anos, foram vendidos mais seis sítios e duas fazendas, arrecadando um
volume de 3:522$000. Ao que tudo indica, essa quantia não foi suficiente para resolver
seus problemas financeiros, pois em 1772 no ano que vendeu três sítios, dona Inácia
com a situação de penúria na qual se encontrava dona Inácia.313 Mas é provável também
que a importância e a projeção social de dona Inácia, pertencente a uma das famílias mais
poderosas e antigas da Bahia, justifiquem a não-cobrança de juros por parte das irmãs do
Muitas mulheres recorriam ao crédito não apenas para suprir suas necessidades de
subsistência, mas sim para manter sua vida luxuosa. O gasto com vestuários, jóias, prataria,
mobílias, casa nobre eram bastante dispendiosos. Esses bens eram necessários para se
manter um padrão de vida, para marcar a distinção social, o prestígio e o status tão
312
APEB, Judiciário, livros de notas do 1., 2. e 3. ofícios de Salvador, livro 110, p. 89.
313
APEB, Judiciário, livros de notas do 1., 2. e 3. ofícios de Salvador, livro 114, p. 424v.
315
importantes numa sociedade de Antigo Regime, como bem nos alerta Norbert Elias.
camadas mais altas constituem uma necessidade de que não se pode fugir. Trata-se
[...] todos os participantes estão envolvidos numa batalha ou competição por status
e prestígio.314
Nas sociedades de Antigo Regime, ter crédito na praça significava possuir prestígio
social. Numa sociedade onde era escassa a moeda, tornava-se vital a presença do crédito.
Ninguém conseguiria ser verdadeiramente rico sem possuir dívidas e créditos. Como
sociais. Segundo o viajante Lindley, no início dos Oitocentos, no Brasil, uns concediam
sociedade tal prática.315 Tal percepção foi bem resumida nas palavras de Alice Canabrava,
‘papéis que nunca se hão de arrecadar’, são práticas consagradas que põe
Se por um lado era grande a procura por empréstimo por parte das pessoas físicas,
314
ELIAS, Norbert. A sociedade de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 83.
315
LINDLEY, op. cit., 1969, pp. 172-3.
316
CANABRAVA, Alice “Decadência e riqueza”. In: Revista de História. São Paulo: v. 50, n. 100, 1974, p.
358.
316
situação diferente do que foi observado quando analisamos os tipo de credores. Apenas 18
período estudado. Curiosamente, dois desses empréstimos foram feitos por outras
instituições religiosas, a saber: no ano de 1751 a Irmandade das Santas Almas emprestou a
Conceição da Praia; também no ano de 1751, outro empréstimo foi efetuado pela
como devedoras. Seus dados indicam que apenas 1,1% da soma total do dinheiro a risco
foi captado por essas instituições.318 Ao que parece, os mecanismos utilizados por essas
os quadros 3.6 e 3.7 que nos indicam os 10% maiores valores fornecidos a crédito nas
317
APEB, Judiciário, livros de notas do 1., 2. e 3. ofícios de Salvador, livro 90, pp. 153; 244.
318
FLORY, op. cit., 1978, p. 75.
317
Quadro 3.6 – Concentração total dos empréstimos nos 10% maiores, 1750-1800
NE % Valor %
Quadro 3.7 – Concentração total dos empréstimos nos 50% menores, 1750-1800
NE % Valor %
A primeira conclusão que tiramos ao observar os quadros 3.6 e 3.7 é o alto grau de
empréstimos mais vultosos foram sempre muito superiores ao de menor volume. Esta
quinto do total dos menores. Na década de 1751-60 essa diferença mostrou-se mais
expressiva, quando os 10% mais altos empréstimos representaram uma fatia de 60,8% do
318
montante total, enquanto os 50% menores juntos contabilizaram apenas 8,3%, uma
diferença superior a 700%. Há uma explicação para essa altíssima concentração expressa
sistema. Tal monta significou 31% de todo o capital posto ao crédito nesta década. A
média dos empréstimos nesse período era de aproximadamente 2:900$000. O valor tomado
pelo Provedor, portanto, excedeu em mais de vinte e três vezes a média. Se fizermos os
cálculos sem esse registro teríamos a seguinte situação: os oito maiores empréstimos
crédito na década. Já o peso das 50% menores (vinte e três escrituras) somaria 27:928$821
representando 18,7% do montante. Ainda que essa diferença fosse de mais de 200%, esses
Nos períodos seguintes as taxas dos maiores continuam muito superiores aos
montantes dos menores. Entre 1761-70 essa diferença era superior a 100%,mais de 300%
para os anos de 1771-80 e superiores a 200% nas duas últimas décadas do século XVIII.
Tal grau de concentração mostra que eram poucos aqueles que tinham acesso a quantias
vultosas no mercado de crédito baiano. O que pode explicar tal fato é que dos 10% maiores
empréstimos efetuados para todo o período (setenta e nove no total), vinte e oito foram
conseguiam uma quantidade significativa de numerário. Para tanto, era necessário possuir
status e prestígios, muitas vezes ter vínculos com essas instituições, como, por exemplo,
319
APEB, Judiciário, livros de notas do 1., 2. e 3. ofícios de Salvador, livro 103, p. 115v.
319
ser um membro da Santa Casa de Misericórdia ou possuir um parente feminino
permanecer. As médias aproximadas dos maiores empréstimos nas décadas de 1750, 1760,
5:400$000. Já as médias dos volumes dos menores eram de 490$000, 318$000, 245$000,
de Salvador estava atrelado a uma maior pulverização das quantias, mas não significou
Talvez a explicação para este panorama esteja na saída ao longo da segunda metade
25% das escrituras públicas no período de 1751-1800, sendo que essa participação caiu de
76,0% nos anos de 1750 para 2,4% na década de 1790. Neste momento, a opção de
confiança, que oferecessem menos riscos na hora de quitar seus débitos. Parece ser uma
estratégia para garantir com mais segurança o retorno do montante. Por seu turno, esses
dados acarretaram numa maior atuação dos credores físicos. São eles que passam a atuar
Isso indica uma mudança pela qual estava passando o mercado baiano, como o crescimento
economia.
320
Mas não só na Bahia essa concentração se fazia presente. Dados trabalhados por
Antônio Carlos Sampaio apontam perfil similar no sistema de crédito da praça do Rio de
passou a ser de 44,4% e dos menores de 13,7%.321 Sampaio aponta a saída do sistema no
século XVIII do principal credor do Seiscentos, o Juízo de Órfãos, que atuava como um
dispersor dos valores de pequeno e médio porte, o que é bem diferente do que acontece na
Bahia, onde as instituições fazem os maiores empréstimos. Conjugado a este dado ocorreu
Setecentos, a elite comercial passou a ser responsável não só pela concentração dos valores
totais dos empréstimos como também por aqueles de maior monta.322 Isso demonstra a
sistema de crédito na sociedade baiana colonial. A partir da análise das escrituras públicas
ao longo do século XVIII, principalmente até a década de 1760, com destaque particular
que parece, a dependência frente a essas instituições se por um lado demonstra uma
fragilidade do capital mercantil local, ainda não sendo capaz de controlar o mercado de
320
SAMPAIO, op. cit., 2003, p. 204.
321
Idem, p. 205.
322
Segundo Sampaio, dos 38 maiores empréstimos da primeira metade dos Setecentos, 20 (52,6%) tinham
como credores homens de negócios, responsáveis por 60,5% do valor toal. Cf. SAMPAIO, op. cit., 2003, p.
205.
321
crédito e, por conseguinte, a sua liquidez, por outro demonstra autonomia desta economia
creditício de Salvador, isso porque esses agentes sociais, ao terem o controle da liquidez da
estreitos foram firmados entre agentes mercantis e proprietários rurais, uma vez que os
não é errôneo afirmar que boa parte dos capitais envolvidos na produção açucareira
direcionado aos plantadores de cana. Isso fazia parte da estratégia de terem esses pequenos
proprietários rurais subordinados a sua pessoa, mantendo assim a hierarquia rural sem
322
Portanto, o crédito desempenhava diferentes papéis numa sociedade de Antigo Regime.
Sua principal função, sem dúvida, era gerar capital para por em funcionamento atividades
industriais. Mas não podemos deixar de salientar que o acesso ao crédito estava interligado
Muitas das dívidas passivas adquiridas pelos indivíduos visavam atender a uma
imprescindível ter acesso ao crédito, para se poder atender as exigências de gastos que
sociedade colonial, averiguada não só nas escrituras públicas como também nos
inventários em todas as faixas de fortuna, sendo as dívidas mais vultosas encontradas entre
as maiores fortunas. Ter crédito e contrair grandes dívidas numa sociedade de Antigo
Regime, como a de Salvador da segunda metade do século XVIII, era uma clara
323
CAPÍTULO IV
324
Formas de aquisição e transmissão de bens e riquezas
O caminho que estamos trilhando ao longo desse trabalho está calcado na análise
pesquisa de caráter notarial, baseada nas escrituras públicas entre os anos de 1751-1800.
como parentesco, alianças, compadrios, etc. que envolvem muitas vezes compradores e
vendedores; credores e devedores. Desta maneira, muitos dos bens obtidos nessas
mercado de compra e venda. Posteriormente faremos o mesmo tipo de análise dos bens
aquisição desses bens. Para tanto, utilizaremos as escrituras públicas notariasi dos dois
cartórios de Salvador.
323
SAMPAIO, Antônio C. J. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas no
Rio de Janeiro (c. 1650 – c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p. 273.
325
A opção por esse corpo documental se dá pelo fato de ser apenas a partir desse tipo
levantamento dos dados nas escrituras de compra e venda fazer uma análise sobre os
mecanismos não-mercantis de acumulação, uma vez que poderemos absorver de que modo
que estiveram no mercado no período analisado, não sendo, portanto, a totalidade daquelas
presentes nas escrituras, bem como a inexistência de melhor material documental que
optamos por explorar esses dados. De todo modo, não negamos a distorção que pode haver
em tais números agregados. Mas acreditamos poder dirimi-la através da análise num
elaboramos o quadro 4.1. O período de 1750 a 1800 foi dividido em décadas, pois
compra, herança, dote e doação. A primeira informação que nos salta aos olhos é a
participação das aquisições por compra no decorrer dos anos. Esse era o principal
326
mecanismo durante o período colonial de se conseguir um bem mediante mercado. Se nas
primeiras duas décadas da nossa série (1751-60, 1761-70) esse tipo de aquisição não
respectivamente), tal quadro foi se alterando, tornando- majoritária ao longo dos decênios
seguintes.
Quadro 4.1 – Formas de aquisição dos bens rurais vendidos em Salvador, 1751-1800
de
aquisição
Anos N % N % N % N % N %
1800
Fonte: Anexo 3
Esta mudança no perfil das aquisições dos bens rurais pode estar atrelada às
327
Já a participação da herança no acesso às propriedades rurais apresentou ligeira
queda ao longo do tempo. Nos primeiros três decênios sua participação oscilou em torno
de 50%. Já nas duas últimas décadas sua representatividade atingiu a média de 44%.
familiar atingiu sua maior marca, 51,8. Cabe aqui uma análise, pois foi justamente nesse
período que a cidade de Salvador conheceu sua pior situação econômica, marcada pelo
fazer girar a economia da capital baiana. Não à toa, os níveis de compra e venda, como
também de crédito se mostraram extremamente retraídos nesses anos. Tais fatos refletiram-
se nos preços de venda dos bens negociados no período. Atrelado a isso, Salvador deixou
populacional nos anos seguintes. Não é de se estranhar, portanto, que num momento de
legado familiar, seja pela falta de interesse em vender um bem a preços baixos, seja pela
falta de moedas circulando na economia. Cabe ainda ressaltar que foi este o último período
no qual a participação das aquisições conseguidas mediante herança aparecem como forma
principal de obtenção dos bens. Após a década de 1760, essa forma de transmissão de
propriedade tornou-se secundária na cidade de Salvador sem, no entanto, ver diminuída sua
participação de imediato.
1650-1750, Antônio Carlos Sampaio percebeu que a participação das heranças era
partir da década de 1730, o peso das propriedades herdadas em relação ao total tendeu a
cair, mas segundo o autor, não dá para afirmar se essa era uma transformação definitiva ou
apenas uma situação conjuntural, uma vez que ele encerrou sua análise na década de 1750.
328
Ao longo dos cem anos examinados pelo autor, as aquisições por herança representaram
de terras ocorresse via herança. Foi o que observou Helen Osório em estudo sobre a
capitania do Rio Grande de São Pedro. No ano de 1784, 18,2% do acesso a terra se deu
mecanismo, destaca-se a herança, que representou apenas 5% dos casos. Mas de todo
modo, como bem nos chama atenção a autora, tratava-se de uma novidade na maneira de
Para o Rio de Janeiro, Antônio Carlos Sampaio encontrou algumas aquisições por
meio de sesmarias, fato não observado nas escrituras de Salvador.326 A obtenção de uma
Salvador e seu entorno, visto que a ocupação dessa região tinha se dado praticamente
duzentos anos antes do inicio de nossa análise. Desta maneira, no findar do processo de
dessas novas posses eram colocadas à venda logo após sua obtenção, reduzindo, assim, sua
importância no sistema agrário. Com isso, foi possível criar um mercado de terras como
sesmarias. É possível observar pelos dados do Rio de Janeiro um crescimento desse tipo de
XVIII. A explicação para tal aumento está na ocupação de novas terras, principalmente
324
Ibidem, p. 277.
325
OSÓRIO, Helen. O Império português no sul da América – estancieiros, lavradores e comerciantes. Porto
Alegre: ed. UFRGS, 2007, p. 91.
326
SAMPAIO, op. cit., p. 279.
329
próximas ao Caminho Novo, segundo afirma Sampaio.327 De acordo a este mesmo autor, a
está atrelada também ao fato de que boa parte das concessões de sesmarias a partir do
século XVII no Rio de Janeiro destinaram-se às ordens religiosas, que optavam por possuir
imensas propriedades de onde podiam retirar seu sustento. Desta forma, eram raras as
formação patrimonial. Por isso, muitas delas eram legadas aos herdeiros da família do
sesmeiro original, tornando-se quase impossível a sua detecção nas escrituras públicas. De
todo modo, acreditamos serem inexistentes ou quase, a aquisição por meio de sesmarias de
territorial da região.
Nos dados relativos à capitania do Rio Grande dos Setecentos trabalhados por
as datas na região correspondendo a cerca de 29%. Uma outra modalidade bastante comum
primárias de terra. Esse era um tipo de despacho estatal que concedia terra. Dependendo do
somarmos esse volume aos referentes às datas e as sesmarias, veremos que esses tipos de
327
Ibidem, p. 280.
328
Idem.
329
OSÓRIO, op. cit., pp. 88-9.
330
Ao analisar a posse no ano de 1784, Helen Osório percebeu uma mudança
dados por imaginarmos que o Rio Grande ainda era uma região de fronteira aberta em fins
do século XVIII. Mas é a própria autora que soluciona a questão, uma vez que,
(...) a fronteira agrícola não é uma situação dada, não é uma característica inerente
Nesse sentido, quando a fronteira está fechada, com as terras monopolizadas, aos
pretendentes à posse da terra resta apenas se submeter a gastos monetários para comprarem
sancionadas pelo Estado, como sesmarias e despachos. Muitas propriedades eram vendidas
no mercado logo após sua obtenção. Segundo dados levantados pela autora, dos quarenta e
nove despachos concedidos entre 1780 e 1781, vinte e três já tinham sido vendidos em
1784.331 Fato este já observado por Francisco Carlos Teixeira da Silva para o Rio de
eram vendidas logo após a sua concessão sem nunca antes terem sido cultivadas. Para
330
Ibidem, p. 92.
331
Ibidem, p. 96.
331
Teixeira da Silva, esse era um ingrediente mercantil, especulativo, típico de sociedades de
Antigo Regime.332
obtenção de propriedades. Tal fato foi verificado também por Antônio Carlos Sampaio em
seu estudo sobre o Rio de Janeiro. O autor encontrou apenas uma referência de aquisição
quando observamos dados para o século XIX, momento no qual a posse era a forma mais
entre 1822 – quando ocorre o fim do sistema de sesmarias - e a assinatura da Lei de Terras,
em 1850.333
Dados referentes a áreas do Rio Grande apontam que apenas 12,5% da totalidade
das aquisições das propriedades rurais num primeiro momento tinham ocorrido por meio
da posse, segundo nos aponta Helen Osório. Contudo, a essas posses declaradas a autora
total não possuíam título algum ou sanção legal. Esse percentual no ano de 1784, atingiu o
patamar de 15%, o que caracteriza um grande declínio desse tipo de mecanismo para
Conforme aponta Angelo Carrara, ao longo do Setecentos a forma mais usual de aquisição
de propriedade rural era a posse. A explicação de tal fato reside, segundo o autor, na
332
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A morfologia da escassez: crises de subsistência e política
econômica no Brasil colônia (Salvador e Rio de Janeiro, 1680-1790). Tese (doutorado) – curso Pós-
Graduação em História, UFF, Niterói, 1990, p. 33.
333
MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista – Brasil,
século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995, capítulo 4.
334
OSÓRIO, op. cit., pp. 91-3.
332
constante necessidade do sistema agrário mineiro de se expandir ocupando novas áreas,
para atender uma demanda contínua por terras, demanda esta de pessoas que vinham de
envolvendo propriedades rurais foi encontrada aquisição mediante posse. Como podemos
observar no quadro 4.2 a forma mais usual de aquisição de bens rurais era a arrematação
pode explicar a diferença nos números encontrados nas escrituras de Vila do Carmo com
não trabalhou com livros de notas, onde se torna quase impossível menção a aquisição de
posse, uma vez que não era uma prática legalizada e de difícil comprovação devido à
proprietário requerer sesmaria para legalizar uma terra conquistada mediante posse, para
que assim pudesse por seu bem à venda. Além disso, na primeira metade do século XVIII,
diferenças entre si, o que dificulta o estabelecimento de um padrão único para toda a
região.
Quadro 4.2 - Formas de aquisição dos bens rurais vendidos no termo de Vila do Carmo,
335
CARRARA, Ângelo. Agricultura e pecuária na capitania de Minas Gerais (1674-1807). Tese
(doutorado) – curso Pós-Graduação em História, UFRJ, Rio de Janeiro, 1997, pp. 138-41.
336
Os dados apresentados no quadro 4.2 referem-se apenas as escrituras em que foi possível encontrar
informação sobre a forma que o bem foi adquirido, não contemplando, portanto, o conjunto total das
escrituras de bens rurais dos livros de notas.
337
Agradeço a generosidade de Carlos Kelmer Mathias por ter me cedido as informações para a elaboração
deste quadro.
333
Formas de Arremataçã Herança Dote Doação Sesmaria “Haver Outros Total
N % N % N % N % N % N % N % N %
1711-56 420 83,7 1 0,2 4 0,8 3 0,6 17 3,4 54 10,7 3 0,6 502 100
De todo modo, em nossa amostra, é possível que o silêncio das fontes em relação
ao sistema de posse esteja atrelado não só ao fato da região de Salvador localizar-se numa
área de fronteira quase fechada, mas também ao costume de no Brasil colonial serem feitas
valores superiores aos permitidos nas Ordenações Filipinas, como nos alerta Antônio
Carlos Sampaio.338 Desta forma, é possível que tenha nos escapado aquisições de terras
não é impossível que muitas das transações de terras existente nas escrituras no qual não
encontramos informação sobre sua aquisição tenha se dado mediante sistema de posse. Isso
Também por isso, ressaltamos que os dados por nós trabalhados apenas apontam uma
Os dotes e as doações têm importância relativa entre a aquisição dos bens rurais na
cidade de Salvador. De todo modo, apesar de pequena a participação desses dois itens, eles
aparecem ao longo de todo o período de análise, o que caracteriza tais práticas como
338
SAMPAIO, op. cit., p. 278.
334
O dote procurava garantir ao novo casal meios necessários para o início de uma
nova etapa de vida. Muitas vezes o dote englobava em seu valor parte da herança a ser
recebida para quem era dotado. Encontramos um exemplo desse tipo de dote no ano de
1769. Maria Isabel Pereira recebeu de sua mãe, Bernardina de Jesus Maria José, viúva de
Antônio José Pereira, um dote que incluía terras com cabeças de bois e três escravos, além
Essa aproximação entre o dote e a herança também foi percebida por Sampaio em
sua análise sobre a sociedade fluminense. Segundo o mesmo autor, o dote nem sempre
tende a se reduzir com o passar dos anos no século XVIII. Se em meados do século XVIII,
correspondia a cerca de 4%, em finais do mesmo século passa a representar menos de 1%,
chegando mesmo em alguns anos a “desaparecer”. Cabe lembrar que bens urbanos também
eram oferecidos em dote, análise que faremos mais adiante, mas no caso de Salvador, eram
Gerais, demonstra também a pequena participação do dote como forma de aquisição das
dote na região mineira de Vila do Carmo possuía uma diminuta importância entre as
diversas possibilidades para aqueles que buscavam adquirir uma propriedade rural. Uma
explicação para essa pequena participação da prática do dote nas escrituras de compra e
venda é que por estar destinado à formação de patrimônio, o dote acabasse por ser herdado
339
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 107, p. 145v.
340
SAMPAIO, op. cit., p. 282.
335
pelos filhos dos dotados, não aparecendo, portanto, no mercado de compra e venda. Assim,
a maior parte das propriedades rurais conquistadas mediante dote estaria fora do mercado.
Porém, não acreditamos ser essa a razão para a diminuta presença de dotes na
XVIII, período no qual focamos nossa análise, os dotes mais do que servir como meio para
oportunidade para iniciar uma nova unidade familiar, preparada para os percalços que por
pela qual vinha passando a cidade de Salvador, mostrava-se oportuna para a ascensão
social, não sendo forçoso a obrigatoriedade de se dotar filhas com grande quantidade de
bens, principalmente, aqueles de caráter produtivo. Além disso, seria natural por estarmos
trabalhando com cartórios situadas numa área urbana, que o número de dotes envolvendo
bens rurais fosse pequeno. Contudo, o peso de dotes envolvendo bens urbanos é menor do
Dados levantados por Sampaio para o Rio de Janeiro entre 1650-1750 mostram
uma participação mais robusta da prática do dote presente nas escrituras de compra e venda
de bens rurais se comparada aos dados de Salvador e Vila do Carmo. De todo modo, em
sua análise o dote aparece apenas como a terceira forma mais comum de se obter um bem
propriedade alcançou apenas nos anos de 1661-1690 o nível de 10%.341 Como aponta
341
Ibidem, p. 281.
342
Ibidem, p. 282.
336
É importante ressaltar que o dote possuía importância que variava de acordo com a
região e época considerados. Nesse aspecto há que se destacar o estudo de Muriel Nazzari,
que analisou a prática do dote em São Paulo de 1600 a 1900 e suas transformações sofridas
proprietários ia para o casamento sem uma contribuição em bens para o sustento do novo
casal. Quase todas as nubentes recebiam um dote. Aquelas que se casavam sem dote
provavelmente já eram órfãs de algum dos genitores, portanto levavam consigo sua
deixavam que suas filhas se casassem sem um dote e sem herança. Eram geralmente
das noivas iam para o casamento de mãos abanando, sem nenhuma contribuição para o
sustento inicial de sua nova família. Esse declínio, de acordo como Muriel Nazzari se deu
em todos os estratos sociais, pois metade das famílias mais ricas deixou que suas filhas se
casassem sem dote. Mesmo as famílias que concediam dotes, não o faziam para todas as
localizada no meio rural. É de se imaginar que essa perda de importância do dote tenha
ocorrido de forma mais acentuada nos meios urbanos, como a cidade de Salvador ou
nas formas de aquisição das propriedades listadas no ano de 1784, cerca de 3%, com
quarenta e oito casos levantados. Na sua maioria, os dotados eram criadores. Isso segundo
a autora, está ligado ao fato de que eles faziam parte dos grupos das famílias mais antigas
343
NAZZARI, Muriel. O desaparecimento do dote. Mulheres, famílias e mudança social em São Paulo,
Brasil, 1600-1900. São Paulo: Cia. das Letras, 2001, pp. 263-64.
337
da região. Da mesma forma, foram os criadores que também mais utilizaram o sistema de
sesmarias e de outras formas interpessoais, como herança para ter acesso a terras.344
além de objetos para a casa que entendemos se tratar do enxoval. Mas em todos os dotes
rurais há o item escravo. É o que observamos por exemplo no dote feito por João Ferreira
Lisboa e sua esposa, à sua filha Joana, no ano de 1755. Foram entregues à nubente 10
pois além de servirem como mão-de-obra, podiam também ser vendidos gerando renda ao
No caso fluminense, é grande a presença de escravos como um dos itens dos dotes
(incluindo rurais e urbanos). No período de 1650-1700, cerca de 60% dos dotes contavam
com escravos em sua composição. No século seguinte, essa participação dos cativos caiu
para perto de 40%.346 Na capitania de São Paulo, a presença de escravos nos dotes era
muito mais expressiva do que no Rio de Janeiro. Segundo dados apontados por Muriel
Nazzari, no século XVII, dos vinte dotes levantados em dezenove havia a presença de
cativos (95% dos casos). No Setecentos, esse percentual continuou alto, pois dos quarenta
e um dotes apurados em trinta e três havia escravos, representando uma taxa de 80%.347 O
grande peso da quantidade de cativos envolvidos nos dotes paulistas está atrelado ao perfil
acumulação de riqueza.
Salvador, as doações rurais eram muito mais significativas que os dotes. No primeiro
344
OSÓRIO, op. cit., pp. 93, 98-9.
345
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 96, p. 178.
346
SAMPAIO, op. cit., p. 287.
347
NAZZARRI, op. cit.,pp. 199.
338
período de nossa amostragem (1751-60) esse tipo de aquisição representou 8,3% do total,
como podemos observar no quadro 4.1. No findar do século, houve até mesmo um
incremento do número de doações, embora seu peso relativo tenha declinado frente aos
apenas informação sobre a doação da propriedade, sem no entanto haver menção se houve
alguma contrapartida ou não, como no caso de Manoel Álvares do Couto que doou para
Doações como a feita por José Cardoso de Morais no ano de 1760 a sua sobrinha,
dote.349 O que o difere é que esse tipo de benesse não estava atrelado a um contrato de
casamento específico. De todo modo, a doação deixa clara que o doador pretendia ajudar
agraciados. No ano de 1762 temos a informação de que Pedro de Miranda vendia um sítio,
sendo que parte dele havia sido obtido anteriormente por doação de seus sogros.350
das doações ocorria entre irmãos. Tais números redefiniam a distribuição da riqueza no
interior das famílias, bens esses que em sua maioria eram herdados ou por herdar.351
348
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 93, p. 185.
349
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 102, p. 236.
350
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 104, p. 200.
351
SAMPAIO, op. cit., p. 294.
339
transmitidos num número menor de herdeiros, ele ainda estabelecia uma diferenciação
final entre os próprios beneficiados.”352 Não à toa, Sampaio anotou que os doadores em sua
seus bens herdados ou que haveria de herdar, o irmão doador evitava que houvesse uma
com aqueles que teriam condição de reproduzi-la. Essa era uma estratégia comumente
Do mesmo modo, deve ser entendida a doação de tios para sobrinhos, que visava a
também casos como o padronizado no Rio de Janeiro. Temos o caso de José Miguel do
Espírito Santo, religioso que doou a seu irmão Pedro Luís uma fazenda com bois e
escravos, em 1750 e que o mesmo Pedro colocou à venda no ano de 1759.354 Situação
parecida a de Luís de Souza Lima que recebeu de seu irmão, o religioso Antônio de Souza
Lima, oito braças de terra no ano de 1753.355 Desta forma, nos parece nítida a opção por
manter nas mãos de alguns indivíduos o patrimônio da família, evitando que o mesmo se
fragmentasse. Contudo, os poucos casos capturados nas escrituras, mostram que pelo
menos para essas famílias, essa estratégia fracassou, pois foram bens que se encontravam
Passemos agora para a análise da forma de aquisição dos bens urbanos na cidade de
Salvador. Para tanto, montamos o quadro 4.3. Numa primeira comparação com as
aquisições das propriedades rurais, notamos um peso muito mais significativo da compra
352
Ibidem, p. 295.
353
Ibidem, pp. 295-6.
354
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 103, p. 145v.
355
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 93, p. 19.
340
como mecanismo de acesso aos bens. Essa participação majoritária do mercado nas
processo pelo qual a cidade vinha passando desde meados do século XVIII: o aumento da
acesso aos bens urbanos se deu de forma semelhante à aquisição de bens rurais, uma
Quadro 4.3 – formas de aquisição dos bens urbanos vendidos em Salvador, 1751-1800
de
aquisição
N % N % N % N % N %
1800
Fonte: Anexo 4.
tornando majoritárias nas três últimas décadas do século XVIII. Tal fato encontraria
Salvador. Em contrapartida, o peso percentual das heranças como forma de se ter acesso às
mercado. O último decênio é bastante ilustrativo nessa mudança que ocorreu no cenário
341
soteropolitano. Cerca de 60% de todos os bens adquiridos foram feitos mediante transações
comerciais.
ligeiramente diferente daquela observada para o meio rural. Sua mudança se deu de
atuação do mercado como meio de se ter acesso aos bens no período inicial (1751-60)
eram parecidos, representando cerca de 40% da totalidade. Esse percentual vai aumentar
era praticamente a mesma, girando em torno de 54%. A partir deste período as aquisições
via mercado intensificaram-se mais no meio urbano do que no rural. Na última década do
século XVIII, enquanto no meio urbano o acesso via mercado aos bens correspondia a
cerca de 60%, no meio rural essa cifra era de aproximadamente 51%. Isso demonstra que o
setor urbano conseguiu se recuperar de maneira mais rápida da crise enfrentada em anos
anteriores.
Essa transformação ocorrida nos últimos trinta anos do século XVIII pode ser
desempenhado pelo tráfico de escravos africanos, que foi revigorado a partir dos anos de
1770, com aberturas de novas rotas e portos no continente africano. Salvador nessa época
Obviamente, isso irá gerar um maior dinamismo de sua economia com o aumento do fluxo
de capital na cidade.
Atrelado a isso, podemos sugerir que a aquisição desses bens urbanos via mercado
passa a ser parte da estratégia das famílias como forma de acumular capital. Notamos isso
342
dote tem participação quase insignificante, não tendo sido encontrado registro algum dessa
do século XVIII.
Ao mesmo tempo em que percebemos uma maior participação dos bens urbanos
comprados, notamos uma queda na proporção dos herdados, marcando um caráter mais
volátil desse tipo de propriedade. Ao longo de sua existência, qualquer tipo de bem, fosse
rural, urbano ou comercial, seria legado para algum herdeiro. Nesse sentido, um
circulação mais rápida desses bens, uma vez que ocorre uma menor dependência do ciclo
impossibilidade de haver posses ou sesmarias, uma vez que nesse período a urbe de
Salvador encontrava-se totalmente ocupada, com suas referentes titulações. De todo modo,
isso não marca uma distinção com as aquisições rurais de Salvador, pois como
transmissão nos serve para reafirmar o caráter mercantil das propriedades localizadas na
urbe soteropolitana.
343
Quadro 4.4 - Formas de aquisição dos bens urbanos vendidos no termo de Vila do Carmo,
N % N % N % N % N % N % N %
1711-56 299 83,5 4 1,1 1 0,3 3 0,8 50 14,0 1 0,2 358 100
como forma de se ter acesso às propriedades urbanas, como podemos observar no quadro
apenas 1% via herança. Não é de esse estranhar o peso considerável do mercado na forma
de aquisição dessas propriedades por se tratar de uma região bastante dinâmica, fruto
Do mesmo modo, por se tratar de uma região de ocupação ainda recente no período
analisado, pouco mais de 50 anos, nos parece que o sistema de herança ainda estaria por
por sesmarias ou posses. Diferentes de outras áreas de ocupação mais antiga, como Rio de
Janeiro e Salvador, onde esse tipo de aquisição encontrava-se virtualmente bloqueado pelo
simples fato de toda a territorialidades dessas urbes já se encontrarem ocupadas com suas
respectivas titulações. Mas no caso de regiões mineiras que ainda estavam sendo
Talvez o que possa explicar tal situação seja a natureza dos bens vendidos: casas, sobrados
e lojas. Não há registro de venda de terrenos, pois, como o bem vendido era o imóvel já
344
construído, o vendedor declarava apenas que havia adquirido o referido bem, e não o
terreno.
urbana nas formas de aquisição era “haver fabricado”. Essa categoria significa que um
sujeito poderia ter adquirido o terreno por sesmaria, onde teria construído um imóvel com
seus escravos. Como a venda era do imóvel, e não do terreno onde fora erguido, o
vendedor declarava “haver fabricado” o dito bem. Desta forma, em meio urbano, tanto de
sociedades já consolidadas como as recém estabelecidas, não aparecem nas fontes notarias
semelhanças com o que ocorria no cenário baiano. A primeira delas é o incremento que
mercado tornou-se preponderante no acesso aos bens urbanos no século XVIII. Segundo
cidade do Rio de Janeiro nos eixos mercantis do Império português.356 Dinamismo esse
Tal como em Salvador, o peso dos bens urbanos herdados diminui no Rio de
Janeiro. A representatividade dos legados era de um terço no século XVII. Cai para um
quarto na primeira metade do século seguinte. Tal fato marca mais cedo na sociedade
localizadas na urbe.357
A preponderância das aquisições via mercado no que tange aos bens urbanos no
345
fluminense, apontado por Sampaio, desde fins do século XVII. O espaço urbano fornecia
negócios imperiais. Com isso, o crescimento da urbe carioca estaria condicionado desde
dos bens que conseguimos apurar a forma pela qual haviam sido adquiridos se deu via
Esses dados reafirmam o caráter mercantil dessas propriedades, bem como mostra que com
o avançar do século XVIII, a cidade de Salvador foi se tornando cada vez mais dinâmica
aumento das transações envolvendo bens de natureza comercial, como lojas, trapiches e
Salvador, 1751-1800
N % N % N % N %
1800
Fonte: Anexo 5
358
Ibidem, pp. 284-5.
346
Os mecanismos de acesso não-mercantis a bens de caráter comercial praticamente
são irrelevantes dentro do conjunto total de aquisições. De todo modo, ainda encontramos
para todo o período seis legados e três doações. Todas as heranças foram deixadas por
comerciantes para seus filhos numa aposta de manter o negócio em mãos familiares, que
comerciais sendo vendidos oriundos de herança, acreditamos que a estratégia de legar para
seus descendentes a boa consecução dos negócios familiares tenha surtido efeito, pois
senão, seria possível de se imaginar que um número maior de bens mercantis recebidos em
partilhas acabasse por retornar ao mercado para serem postos à venda, o que
Segundo Catherine Lugar, era comum que o principal membro de uma empresa
mercantil de caráter familiar sem filho deixasse seu legado para os seus sobrinhos,
tomando o cuidado para que a posse dos bens não caísse nas mãos dos cunhados. Temia-se
que os bens da família fossem apropriados por outros indivíduos que desvirtuassem os
comerciante Francisco Martins da Costa, que foi bem explícito ao excluir os seus cunhados
por exemplo com José do Barbosa Leal que no ano de 1777 pôs à venda uma loja que
359
LUGAR, Catherine. The merchant community of Salvador, Bahia, 1780-1830. New York: State
University of New York at Stony Brook, 1980, tese (doutorado), p. 231.
347
360
havia herdado de seu pai. Vários motivos poderiam ter motivado essa conduta de se
outro negócio mais vantajoso. Outro motivo poderia ser a redivisão do bem adquirido na
partilha, como no caso dos irmãos Antônio da Costa Lima e João da Costa Lima que
venderam a loja herdada de seu pai Caetano Lima, no ano de 1783, no valor de 300$000,
uma loja com sobrados por 800$000, que o padre Manoel Gonçalves de Moraes efetuou no
ano de 1787, propriedade que havia sido herdada de seu pai.362 É possível imaginar
ao seu caráter de ajuda inicial para a constituição de uma unidade produtiva, as doações
bens comerciais, percebemos que não houve uma alteração na quantidade de bens doados
relativa dessa modalidade de aquisição como verificamos no quadro 4.3. De todo modo,
dentro da perspectiva de doações que funcionavam como uma espécie de dote, sem haver
ter sido esse o intento de José da Silva Cruz e sua esposa, que doaram para sua filha
360
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 118, p. 205.
361
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 124, p.127.
362
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 127, p. 22.
348
Vitória Maria de Jesus e seu falecido marido, uma morada de casas de pedra e cal e que no
urbano e mercantil postos a venda é que houve uma modificação com o caminhar do
século XVIII. Se em meados do setecentos havia uma predominância nas formas não-
com o passar dos anos tal quadro foi se modificando. Tal fato estaria coadunando à própria
mudança pela qual passava a sociedade soteropolitana, com o incremento de sua atividade
as escolhas e estratégias passaram a se pautar cada vez mais pelas conjunturas do mercado.
Não à toa, o peso das aquisições que se davam mediante arrematação e compra
suplantaram a soma de todas as demais tanto no que se refere aos bens rurais como aos
bens urbanos, sem falar na quase totalidade dos bens comerciais e embarcações. Ao
mesmo os bens de natureza rural estavam destinados a passar pelo mercado, tornando-se
entanto, o que os dados trabalhados nesse capítulo nos apontam é que o mercado passou a
com o findar do século XVIII. Nesse sentido, os aspectos sócio-econômicos passam a ser
cada vez mais levados em consideração nas estratégias dos diversos grupos sociais.
363
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o.e 2o. ofícios de Salvador, livro 131, p. 62.
364
Sobre uma melhor análise de Polanyi, cf. Introdução.
349
CAPÍTULO V
350
Enobrecimento numa sociedade de Antigo Regime: traficantes de
maior participação desses agentes mercantis nas transações econômicas que pautavam o
riqueza para a aquisição de bens rurais, urbanos e comercias, bem como passaram a
sociedade de Antigo Regime, determinados mecanismos estavam disponíveis para que eles
alcançassem tal intento. Assim, buscaremos mostrar, neste capítulo, como na colônia foi
baiano, uma vez que esta atividade era inerente a vida profissional dos grandes negociantes
de Salvador.
papel-chave nas relações sociais. Quase todos os habitantes livres da cidade de Salvador se
365
Aqui tomo como base as considerações do antropólogo Fredrik Barth, para quem as ações individuais
estavam assentadas em escolhas e cálculos. Os recursos que cada indivíduo possuía para tomar suas decisões
estavam atrelados a sua cultura, a sua percepção de mundo. Obviamente não se trata de uma racionalidade
ilimitada, na qual o indivíduo conhece todos os aspectos do mundo que o cerca. Cabe ressaltar também que
os conhecimentos, as experiências e as orientações de cada sujeito variavam, do mesmo modo que eram
diferenciados os resultados obtidos, muitas vezes não sendo àqueles esperados (Cf. BARTH, Fredrik. O guru,
o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000).
351
dedicavam a alguma forma de comércio, fosse os de miudezas nas ruas da cidade; em
lojas ou tabernas. Havia, assim, uma grande variedade entre os diversos tipos de
comerciantes, sendo que a principal distinção feita pelos contemporâneos era entre os
feito em lojas na cidade de Salvador, e eram conhecidos como “mercadores de loja aberta”,
distância, direcionado para o Reino, África e Ásia, interligando, desta forma, o porto de
loja de varejo, mas diferentemente dos mercadores de loja aberta, nomeavam assistentes,
366
VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, Vol. 1, 1969; FLORY, Rae.
Bahian Society in the mid-colonial period: the sugar platers, tobacco growers, merchants, and artisans of
Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Austin, The University of Texas, 1978, tese (doutorado), p. 218;
MATTOSO, Kátia. “Bahia opulenta: uma capital portuguesa no Novo Mundo (1549 – 1763)”. In:
MATTOSO, Kátia. Da revolução dos Alfaiates à riqueza dos baianos no século XIX: itinerário de uma
historiadora. Salvador: Corrupio, 2004, p. 292.
352
Diversos estudos historiográficos já abordaram a idéia de preconceito que recaía
teve como base a obra de Charles Boxer, na qual é destacada a existência de um forte
visão negativa originou-se dentro de uma perspectiva de hierarquia cristã medieval que
situava o mercador num nível inferior aos das sete “artes mecânicas” (camponeses,
David Smith, em seu estudo sobre a classe mercantil de Portugal e Brasil do século
permaneciam sem direitos políticos e socialmente eram desprezados. Para atenuar esse
indivíduos o enobrecimento. Essa possibilidade de ascensão social era dada apenas àqueles
que fossem bem-sucedidos em sua carreira mercantil. Assim, segundo Smith, o Estado
Dentro dessa perspectiva abordada por Smith, Carl Hanson, situou os comerciantes
367
BOXER, Charles. O império marítimo português, 1415 – 1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002,
p. 311.
368
SMITH, David G. The mercantile class of Portugal and Brazil in the Seventeenth Century: a socio-
economic study of the merchants of Lisbon and bahia. 1620-1690. Austin: The University of Texas, tese
(doutorado) - 1975, pp. 178-80.
353
por parte daqueles mais diligentes e bem relacionados socialmente. Para Hanson, o
preconceito não impedia a ascensão social individual, mas, sim, do conjunto do grupo
mercantil.369
intermediário como apontado por Hanson, mas, sim, num estágio transitório entre
“mecânico” e fidalgo. Magalhães não se refere a todo o grupo mercantil, mas apenas
aqueles que se destacavam em sua atividade, que tinham possibilidade de adquirir bens
vida nobre.370
Antônio Carlos Jucá de Sampaio critica essa visão hegemônica de uma elite
não da visão negativa sobre os mercadores, mas no caráter geral desse preconceito e no seu
para tais opiniões residiria na idéia de travamento pelo qual passou o grupo mercantil,
uma alternativa viável ao poder da nobreza.371 Ainda nas palavras de Sampaio, “essa visão
[hegemônica na historiografia] traz em si uma concepção clara, marcada por uma forte
tautologia, de qual seria o papel dessa ‘burguesia’: destruir o Antigo Regime e fazer a
Revolução Industrial.”372
369
HANSON, Carl. Apud SAMPAIO, op. cit., 2006, p. 78.
370
MAGALHÃES, Joaquim Romero. “A sociedade”. In: MAGALHÃES, Joaquim Romero (org.). História
de Portugal. Lisboa: Estampa, 1997, v.3, p. 409.
371
SAMPAIO, op. cit., 2006, pp. 79-81.
372
Ibidem, pp. 81-2.
354
eram aqueles que tinham a possibilidade concreta de se enobrecer, de ver diminuída a
distância que os separava da nobreza titulada. Para este autor, o fato de se tornarem nobres
não significava trair-se, mas, sim, de se inserir no grupo que, de fato, controlava a
sociedade portuguesa do período.373 Desta maneira, esses homens não tinham o desejo de
expoentes dessa visão é Laima Mesgravis que defendia a idéia de uma sociedade colonial
comercial e ao grupo mercantil não foi um impedimento para a ascensão social dos homens
de negócio no âmbito colonial. Segundo Rae Flory, o comércio foi a principal forma de
promoção social na Bahia.376 Contribui para isso, também, o fato de não haver uma
373
PEDREIRA, Jorge. Os homens de negócio na praça de Lisboa de Pombal ao Vintismo (1755-1822) –
diferenciação, reprodução e identificação de um grupo social. Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1995.
Tese (doutorado) , p. 98.
374
Em outras sociedades de Antigo Regime encontramos comportamentos parecidos. Segundo David
Hancock, membros da elite comercial inglesa buscavam adquirir hábitos aristocráticos a fim de garantirem
respeitabilidade e adquirir status. Um dos mecanismos utilizados por esses indivíduos era a compra de
imponentes moradias com imensos jardins e obras de artes. Cf.: HANCOCK, David. Citizens of the world –
London merchants and the integration of the British Atlantic community, 1735 – 1785. Cambridge:
Cambridge University Press, 1995, cap(s): 9 e 10. Essa também era a postura desempenhada pelos
comerciantes na América hispânica, como o grupo mercantil da Cidade do México, estudo por John Kicza.
Segundo este autor, membros da elite comercial mexicana usaram diversas estratégias com o objetivo de
ganharem prestígio e status, tais como formação de aliança com membros da elite local a partir de
matrimônios, alianças com a governança local mediante fornecimento de crédito e compra de postos
governamentais; inserção nas instituições de caridade; acesso de familiares às principais instituições
religiosas; e compra de bens agrários, principalmente de terras cultiváveis. Cf.: KICZA, John. Empresários
coloniales – famílias y negócios em la ciudad de México durante los borbones. México: Fondo de Cultura
Económica, 1986, cap VII.
375
MESGRAVIS, Laima. Apud SAMPAIO, op. cit., 2006, p. 84.
376
FLORY, op. cit., 1978, p. 256-8.
355
No Rio de Janeiro do século XVII, o preconceito, se havia contra o comércio ou o
grupo mercantil, não era explícito. Segundo Sampaio, isso acontecia pelo fato dos
comerciantes não representarem uma ameaça à nobreza da terra, uma vez que os bem-
sucedidos eram assimilados pelos nobres locais ou apenas excluídos das decisões políticas.
famílias da terra, tornado-se assim uma verdadeira ameaça ao poder tradicional local.377
Desta forma, se existia uma visão negativa sobre o comércio e o grupo mercantil na
não tornou impossível que membros dessa mesma categoria social galgassem posições
sociais superiores. Nesse sentido, devemos entender as estratégias usadas pelos homens de
Segundo Jorge Pedreira, houve uma progressiva distinção entre o comércio por
homens de negócio tornou-se mais marcante. Quanto mais se aproximava da nobreza, mais
comerciantes.378 Assim, esta era uma forma de distinção em relação aos demais
comerciantes que tinham contra si a idéia pejorativa do “defeito mecânico”, qual seja, a de
que usavam suas próprias mãos para ganhar seu próprio sustento. Essa diferenciação,
significava estar atrelado à “arte mercantil”, e não mais ao exercício mecânico diário do
377
SAMPAIO, op. cit., 2006, p. 91.
378
PEDREIRA, op. cit., 1995, pp. 65-71.
356
comércio. Desta maneira, uma provável origem mecânica poderia ser perdoada desde que
Não havia uma homogeneidade mesmo entre os mais destacados mercadores que
atuavam no comércio por atacado e de longa distância. Em seu estudo Jorge Pedreira
negociante fosse aberta a qualquer um que possuísse talento para os negócios e um cabedal
mínimo para investir, havia certas atividades que não estavam disponíveis a todos, como o
comércio por atacado. Diversos fatores como redes de correspondentes, acesso ao crédito e
mercantil. Mesmo após atingir o topo, era necessário continuar a fazer uso desses
instrumentos, pois não era fácil manter-se entre os melhores.380 A vida mercantil
escravos. Embora muitos negociantes participassem do trato negreiro, atraídos pela alta
praça de Salvador era bastante seletiva – cerca de 10% das empresas que mais fizeram
viagens à África foram responsáveis por aproximadamente 40% do total de viagens. Tal
379
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. “Comércio, riqueza e nobreza: elites mercantis e hierarquização
social no Antigo Regime português.” In: FRAGOSO, João et al. (orgs.). Nas rotas do Império: eixos
mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português. Vitória: Edufes; Lisboa: IICT, 2006, p. 90.
380
PEDREIRA, op. cit., 1995, p. 150.
357
aventurar numa expedição de longa jornada, pois essas empreitadas envolviam uma série
de riscos tais como pirataria, mortes, naufrágios, etc, que redundavam sempre em grandes
participação em sociedades, por exemplo. Entre 1678 e 1815, das 2.277 expedições saídas
eram constituídas por parcerias.382 Um tipo bastante comum era a sociedade binária entre
um sócio que ficava no local sede dos negócios e um que embarca no navio e tomava a
negreiros encarregados das expedições à África. Geralmente tal sociedade era acertada
para apenas uma viagem e serviam para dividir os custos empreendidos entre os diversos
sócios envolvidos, reduzindo o montante com o qual cada um deveria contribuir. Atitude
conservadora dos homens de negócio que é melhor apreendida quando notamos que a
sociedade era também uma forma de se minimizar possíveis perdas, caso o negócio não
correspondentes. É o caso de Francisco Pinheiro Neto que mantinha uma verdadeira rede
de comissários pelas principais regiões da América lusa e portos africanos.384 Seu irmão,
381
Sobre o grau de concentração nos negócios negreiros transoceânicos na praça de Salvador cf. RIBEIRO,
Alexandre Vieira. O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador (c. 1680 – c. 1830).
Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS) – UFRJ,
2005, capítulo 3.
382
ELTIS, David & RICHARDSON, David. Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database.
www.slavevoyages.org
383
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo – Séculos XV-XVIII. Os Jogos das
Trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1996 (Volume 2), p. 383.
384
DONOVAN, William. Commercial enterprise and Luso-Brasilian society during the Brazilian gold rush:
the mercantile house of Francisco Pinheiro and the Lisbon to Brazil trade, 1695-1750. Baltimore: The Johns
358
Antônio Pinheiro Neto era o responsável pelos negócios no Rio de Janeiro. Em Salvador,
Francisco Pinheiro contava com o apoio de Baltazar Álvares de Araújo. Além dessas duas
América lusa.385
estabelecendo uma sociedade comandita. Na base da relação entre esses indivíduos estava
embarque de escravos no continente africano, como José Narciso Soares que tinha como
sócio, em Quilimane, João Bonifácio Alves da Silva e Manoel José de Magalhães, cujo
apreciado pelo povo de Benguela - e a oferta de créditos feita por seus comissários.388
Exemplo de baiano que possuía familiaridade no trato de escravos em Benguela foi José de
359
Assunção Melo.389
África e constituindo uma vasta rede mercantil, como o mulato Joaquim José de Andrade e
Souza Meneses que constituiu sociedades no Rio de Janeiro e Lisboa. A maior parte desses
formaram também associações com traficantes de outras praças mercantis no Brasil, como
João Ferreira Guedes, sócio de José Soares, comerciante do Recife; José Antônio
Rodrigues Viana, sócio da família carioca Ferreira dos Santos; e José Ricardo da Silva que
era sócio da família Velho da Silva, também do Rio de Janeiro. As duas famílias cariocas
era altamente rentável. O traficante baiano lucrava do lado africano por se apropriar
389
Ibidem, pp. 127-8.
390
Ibidem, pp. 129-31.
391
BNRJ, Idade d’Ouro do Brasil – BA; FLORENTINO Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico
de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, p. 243.
392
BRADEUL, op. cit., 1996, p. 353.
360
socialmente do trabalho alheio, uma vez que a produção da mão-de-obra escrava na África
margem do Atlântico ganhava sobre a crescente demanda, cada vez mais ávida e disposta a
pagar um alto preço pelo cativo. Em meados do século XVIII, enquanto na costa da África
o cativo era resgatado por 6$000 a 12$000, seu valor no mercado de Salvador muitas vezes
A diversificação dos negócios era uma marca dos agentes comerciais. Por atuarem
buscavam investir de forma a mais diversificada possível, para garantir segurança às suas
responsáveis pelo envio dessas remessas de escravos para áreas interioranas encontramos
Em agosto de 1761, Gomes Caldeira mandou para Minas Gerais 100 cativos novos
e, em julho de 1763, outros 118.395 É possível aventar a hipótese de serem escravos recém-
desembarcados de um de seus navios, uma vez que este homem de negócio, desde a década
de 1730, já atuava no comércio negreiro. Começou como mestre de navios que percorriam
393
BNRJ, Anais – 1906; cf. também a discussão sobre o preço dos escravos feita no capítulo 2.
394
Trabalhamos com a idéia de mercado pré-industrial apreendida em Karl Polanyi para analisar a sociedade
escravista colonial. Segundo este autor, nas sociedades pré-industriais a venda da força de trabalho não era
considerada condição para que os indivíduos provessem a sua subsistência, caracterizando uma frágil divisão
social do trabalho. Isto implicava em uma baixa circulação de numerário e bens, redundando numa fraca
liquidez (crédito) nesta organização econômica, o que reduziria a opção de investimentos. Cf. POLANYI,
Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000, pp. 59-65.
395
APEB, códice 249.
361
Casa da Moeda da Bahia.396 No ano de 1755, o encontramos como senhorio de seu próprio
navio.397 Não há dúvidas de que fora favorecido pela atuação numa atividade altamente
rentável, o tráfico internacional de escravos. Mas nos parece, sobretudo, que o traficante
não se deu por satisfeito. Após se firmar como proprietário de embarcações, procurou
ampliar seu leque de possibilidades atuando também na terceira perna do tráfico, passando
a fazer grandes remessas de cativos para a região das Gerais. Pedro Gomes Caldeira sabia
que ao dispor grande quantidade de escravos para as Minas e demais localidades tinha
centros receptores.
ocorria quando se transacionava com os agentes nos portos coloniais ou na própria África
que, ávidos por fecharem os negócios rapidamente, para aumentar a velocidade de seu giro
de capital, viam-se frente aos únicos agentes coloniais de quem podiam receber com garantia
de liquidez. Isto conferia aos negreiros uma nova condição, permitindo-lhes redefinir as suas
relações tanto com o mercado interno quanto com o internacional. Podemos postular,
1798, contendo em cada uma vinte nomes dos maiores comerciantes de Salvador que
comerciantes eram traficantes de escravos. Já no ano de 1798, oito dos vintes comerciantes
arrolados eram negreiros, sendo que três ocupavam a lista nas primeiras colocações,
396
AHU, Bahia, docs. 8055.
397
www.slavevoyages.org
362
explicitando o lugar destes comerciantes de almas no interior da elite mercantil, o topo.398
Desta maneira, o tráfico negreiro destacava-se como sendo uma atividade importante no
Uma lista elabora em 1757 por José Antônio Caldas relaciona 120 “homens de
negócio, mercadores, traficantes e todas as mais pessoas que na cidade da Bahia vivem de
período e com o banco de dados Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database400
Escolhas matrimoniais
Como mencionado no início deste capítulo, o grupo mercantil de Salvador era composto
por indivíduos que atuavam nas mais variadas formas de comércio, desde o vendedor de
quitutes até o grande traficante de escravos. Dados levantados por David Smith e Rae
Flory apontam que esta comunidade entre os anos de 1680 e 1740 era composta de 83% de
provinham da região do Entre Douro e Minho, norte de Portugal, região pobre onde
398
LUGAR, Catherine. The merchant community of Salvador, Bahia, 1780-1830. Stony Brook, 1980.
Doutoramento - State University of New York, pp. 165-9.
399
CALDAS, Antônio José. Notícia geral desta capitania da Bahia desde o descobrimento até o seu presente
ano de 1759. Rio de Janeiro: IHGB, 1946, pp. 317-21.
400
www.slavevoyages.org
363
sobrava gente e faltava terra.401 A maioria dos portugueses que emigrava para a Bahia
embora o comércio com a África fosse menos dependente das finanças e conexões do
mostram que era pouco comum filhos de negociantes estabelecidos na Bahia seguirem a
carreira do pai. O grupo mercantil, nesse sentido, estava sendo constantemente renovado a
partir da inserção de novos membros, muitos dos quais vindos de fora da colônia. Isso
ocorria apesar de um filho de comerciante contar com enormes vantagens quando decidia
seguir a mesma carreira de seu pai, devido à acumulação prévia de capital, aos
preestabelecidas.
caixeiro de alguma casa comercial importante, fosse na sede ou nas demais áreas do
Império português. Entre os homens de negócio que atuavam na praça de Lisboa de 1755 a
401
Do restante 4% (5) provinham das ilhas atlânticas e 7% (9) de outras nações européias. Cf. FLORY, Rae
& SMITH, David Grant. “Bahian Merchants and Planters in the Seventeenth and Early Eighteenth
Centuries”. In: Hispanic American Historical Review, 58 (4), 1978, p. 575.
402
Smith aponta que no século XVII, na Bahia, o imigrante português que se estabelecia como mercador era
oriundo do norte de Portugal cujo pai era agricultor. Esta emigração teria sido gerada pela possibilidade que
muitos vislumbravam de ocupar as vastas terras disponíveis na Bahia, onde poderiam obter rapidamente o
sucesso almejado. Contudo, nos parece que esta hipótese não faz sentido, uma vez que estes homens ao
chegarem à Bahia, se estabeleciam na cidade e passavam a atuar na atividade mercantil e não na atividade
agrária. Acreditamos, portanto, que o fator primordial de dispersão da população norte portuguesa seria a
extrema pobreza e a falta de opções para se manter na região. Cf. SMITH, op. cit., 1975, pp. 286-7. Júnia
Furtado observou que os comerciantes que se estabeleciam em Minas Gerais no século XVIII provinham
também do norte de Portugal, principalmente das províncias do Minho e Douro. Chegavam solteiros às
Gerais. Não possuíam vínculos familiares na nova terra. Na sua maioria, eram descendentes de cristãos-
novos e, por já estarem habituados, buscavam no comércio uma maneira rápida de enriquecimento. Cf.
FURTADO, Júnia. Homens de negócio: a interiorização da Metrópole e do comércio nas Minas
Setecentistas. São Paulo: Hucitec, 1999, p. 275.
403
FLORY, op. cit., 1978, p. 228.
364
1822, aproximadamente 40% teriam iniciado sua trajetória mercantil em outras regiões de
Rae Flory e David Smith levantaram o local de nascimento de 101 esposas de homens de
constataram que aproximadamente 90% delas eram mulheres nascidas na Bahia. Foi
senhores de terra.405 Tais números indicam as opções preferenciais dos negociantes por
elite agrária.406
existente entre esses dois grupos.407 Membros da elite local viam nessas alianças a
404
PEDREIRA, op. cit., 1995, pp. 218-21.
405
FLORY & SMITH, op. cit., 1978, pp. 576-8.
406
Este padrão de matrimônio também foi verificado por Peter Burke na sociedade de Veneza do século
XVII, onde os comerciantes buscavam constituir casamento com membros da aristocracia local. Cf. BURKE,
Peter. Veneza e Amsterdã: um estudo das elites do século XVII. São Paulo: Brasiliense, 1991, passim.
407
Sobre as idéias de conflitos entre os grupos rurais e mercantis cf. RUSSELL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e
Filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755. Brasília: Ed. da UnB, 1981.
408
FLORY & SMITH, op. cit., 1978, p. 577; KENNEDY, John Norman. “Bahian Elites, 1750-1822”. In:
365
rivalidade entre os setores da elite agrária e os grandes homens de negócio, mas, sim, de
cooperação.409
Segundo dados apontados por Sampaio, cerca de um quarto eram homens de negócio
Em relação aos homens de negócio, o percentual caracteriza uma endogamia de grupo que
fica mais latente quando são coadunados os demais grupos de comerciantes: contratadores,
mercadores e trapicheiros. O percentual nesse caso sobe para 50%. Assim, num conjunto
herdeiros. Como observado anteriormente, em Salvador não era comum a transmissão dos
negócios mercantis para um filho, tendo em vista que a maioria dos negociantes provinha
de fora. Desta forma, o cálculo matrimonial relativo a seus filhos legava aos homens de
negócio duas escolhas a serem feitas: o afastamento da atividade mercantil na sua segunda
negócio casavam-se com comerciantes, mesmo que esses ainda não estivessem no topo de
sua carreira. Desta forma, garantia-se a perpetuação da família nas atividades comerciais,
mesmo que os filhos homens optassem por um novo estilo de vida. O matrimônio
envolvidas no comércio.
366
Vejamos agora os caminhos escolhidos por dois dos mais bem sucedidos traficantes
ano de 1709, Pedro Rodrigues Bandeira (“o pai”, falecido em Salvador no ano de 1778),
possuidor de várias embarcações que faziam comércio para cidades da Europa, Ásia e
África. Pedro R. Bandeira aparece na listagem elaborada por José Antônio Caldas como
um dos “homens de negócio estabelecidos na Bahia que possuía maior inteligência nos
No início da década de 1760, casou-se com a viúva Dona Ana Maria de Jesus
filha do abastado proprietário de terras e dos Ofícios de Tabelião e Escrivão dos Órfãos,
coronel Lourenço Correia Lisboa com Dona Maria dos Santos Magalhães.412 Deste
casamento, Pedro Rodrigues Bandeira teve quatro filhos: Joaquina Josefa de Santana
escrivão dos órfãos da Câmara e Donativos da Vila de São Francisco do Sergipe do Conde,
Contador Geral da Fazenda da Bahia. Foi capitão do Regimento dos Úteis em Salvador e
411
CALDAS, op. cit., 1946, p. 317.
412
BULCÃO SOBRINHO Antônio de Aragão. Famílias bahianas. Salvador: Imprensa Oficial, v. 3, 1946,
pp. 3-4.
413
BULCÃO SOBRINHO, op. cit., 1946, p. 3; LUGAR, op. cit., 1980, p. 236; AHU, Bahia, docs. 8904;
9240; 9250; 10225.
367
Os matrimônios de suas filhas enquadram-se no padrão de alianças verificado entre
escravo e caixeiro de Pedro Rodrigues Bandeira. Sua segunda filha, Clara Caetana do
Sacramento Bandeira constituiu núpcias em 1795 com 1.º Barão do Rio das Contas,
rurais Frutuoso Vicente Viana com Dona Teresa de Jesus Gonçalves da Costa. Ainda
jovem, Francisco Vicente Viana foi enviado para Coimbra onde terminou seus estudos no
ano de 1773. De volta à Bahia, foi indicado no ano de 1775 para o cargo de Juiz de Órfãos
terceira filha, Maria da Encarnação permaneceu solteira assim como o quarto e único filho,
Pedro Rodrigues Bandeira.415 O casamento de Clara Caetana possibilitou a seu pai, Pedro
Rodrigues Bandeira, a formação de uma aliança com Frutuoso Vicente Viana também
considerado como um “dos homens de negócio da Bahia que possuíam maior inteligência
conseguiu, ao longo de sua vida, amealhar uma fortuna. Era considerado um dos homens
mais ricos e influentes do Brasil, no início do século XIX. Foi um dos maiores
africanos. Também possuía embarcações que faziam o comércio para a Europa e Ásia. Foi
414
KENNEDY, op. cit., 1973, p. 423; BULCÃO SOBRINHO, op. cit., 1945 e 1946, pp. 98-100 e p. 29;
AHU, Bahia, docs. 12857; 13284.
415
BULCÃO SOBRINHO, op. cit., 1946, p. 30.
416
CALDAS, op. cit., 1946, p. 317. Frutuoso Vicente Viana nasceu na cidade de Viana do Castelo, no
Minho, no ano de 1711. Foi o primeiro da família a fixar residência na Bahia, no ano de 1725 com 14 anos de
idade. Em 1750, casou-se com Teresa de Jesus Gonçalves da Costa, nascida na cidade de Braga, no Minho.
Frutuoso faleceu em Salvador no ano de 1787, tendo sido em vida familiar do Santo Ofício, capitão do
regimento dos úteis e vereador do Senado da Câmara, proprietários de prédios urbanos e de navios, que
faziam o comércio marítimo com praças européias e asiáticas. Tornou-se um rico negociante, proprietário de
engenhos de açúcar no atual município de São Francisco do Conde. Cf. BULCÃO SOBRINHO, Antônio de
Aragão. Famílias bahianas. Salvador: Imprensa Oficial, v. 1, 1945, p. 97.
368
proprietário de diversos prédios em Salvador, de seis engenhos de açúcar (Vitória, Buraco,
Pilar, Moinho, Conceição e Subaré) nas vilas de Cachoeira e Santo Amaro no Recôncavo
Baiano e de grandes fazendas de criação de gado no sertão. Devido à sua vultosa fortuna,
foi um dos homens mais respeitados de seu tempo, sendo um grande provedor da Fazenda
Geral da Província da Bahia, entre 1828-34. Foi também Deputado representando a Bahia
nas “Cortes Gerais” em Lisboa, no ano de 1821. Como seu pai, foi membro da Santa Casa
Salvador aos 68 anos, em 1835, solteiro e sem filhos, deixando uma verdadeira fortuna
como herança.418
Os casamentos das filhas de Pedro Rodrigues Bandeira indicam assim a opção pela
endogamia mercantil, uma vez que uma delas constituiu matrimônio com um homem de
negócio e outra com um filho de um proeminente negociante. Esse tipo de matrimônio era
bastante comum entre os filhos de comerciantes baianos. Desta forma, Pedro Rodrigues
negociantes. É bem provável que esse tipo de opção matrimonial tenha se tornando
Salvador, uma vez que com o desenrolar do século XVIII, a elite do grupo mercantil
417
As comendas foram mais disputadas do que os hábitos, pois eram propriedades territoriais com
rendimentos que variavam de 49$000 a 1:000$000 de réis. Na colônia, apenas heróis de guerra foram dignos
de merecer tamanha honraria. Somente com a chegada da família real em 1808, a comenda se tornou
difundida entre os coloniais. Cf. SILVA, op. cit., 2005, p. 99.
418
BULCÃO SOBRINHO, op. cit., 1946, pp. 30-2; LUGAR, op. cit., 1980, p. 236.
369
distanciando-se da elite agrária. Contudo, acreditamos que esse deslocamento de interesse
estratégia utilizada pelos comerciantes portenhos era a de se casar com as filhas dos mais
antigos e bem situados negociantes, como uma estratégia para fortalecer os laços pessoais.
comunidade mercantil. Dos 77 novos comerciantes (homens que não apareciam numa
estabelecidos. A endogamia funcionava também como uma forma de atrair novos homens
e perpetuar a posição social e econômica de sua família por intermédio da linha feminina,
uma vez que o sistema de transmissão de bens dos comerciantes portenhos acabava por
fragmentar toda a riqueza amealhada ao longo de uma carreira profissional. Por isso,
tornou-se difícil que um filho equiparasse seu pai na sucessão de seus negócios, muitas
O perfil de casamentos endogâmicos foi verificado também por John Kicza em seu
estudo sobre a Cidade do México colonial, como sendo o mais usual entre membros do
grupo mercantil. Um grande número de filhos e sobrinhos dos comerciantes casava-se com
corporações dos comerciantes era possível encontrar familiares ligados por laços
419
SOKOLOW, Susan. “Marriage, birth and inheritance: the merchants of Eighteen-Century Buenos Aires”.
In: Hispanic American Historical Review, 60 (3), 1980.
420
KICZA, op. cit., 1986, pp. 171-8.
370
conjunto por seus interesses num formidável agrupamento político que tinha como base a
família.
Havia ainda a opção pelo não casamento. Muitos pais direcionavam seus filhos para
familiar numa determinada ordem religiosa. Para além disso, haveria um outro motivo: não
ver a fortuna da família dispersada. Por isso, nessa época, era muito comum a presença de
vida deixavam a parte que lhes cabia da herança para seus sobrinhos. Nesta perspectiva
deve ser entendido o caso da filha solteira de Pedro Rodrigues Bandeira, bem como de seu
único filho que, ao morrer, deixou para seus sobrinhos uma das maiores fortunas já
cada vez mais riqueza. Foi assim, que o viajante inglês Thomas Lindley retratou o
século XIX.421 A opção pelo celibato está relacionada ao cálculo econômico estipulado
pela família. Esses homens acumulavam capitais, resultado da poupança de toda uma vida
fortuna pessoal e o talento para mercadejar para jovens parentes, freqüentemente sobrinhos
Para além do caso de Pedro Rodrigues Bandeira, a outros que ilustram bem essa
371
Braga, Domingos era descendente de uma importante família de negociantes estabelecida
em Salvador. Antes dele, vieram do reino tios, primos e irmãos. Recém-chegado no Brasil,
trabalhou como auxiliar nos negócios de seus familiares. Aos poucos, inseriu-se no trato
deixou como herdeiro de seus bens e da administração de seus negócios, seu sobrinho,
sobrinhos, mesmo quando esses fossem tão jovens, estava ligado ao desejo dos
nesse sentido era proposital, a fim de encorajá-los à inserção nos mundos do negócio.
A conquista de honrarias
Bandeira. O fato de estar no topo do grupo mercantil não era suficiente para muitos desses
honoríficos, galgando o status de nobre colonial. Segundo Nizza da Silva, ser nobre na
colônia significava a obtenção de honras pelo foro de fidalgo da Casa Real, hábitos de
422
KENNEDY, op. cit., 1973, pp. 421-2; RUY, Affonso. História da Câmara Municipal da cidade do
Salvador. Salvador: Câmara Municipal, 1953, pp. 364-5.; AHU, Bahia, docs. 1777; 8806; 9625;
423
APEB, Judiciário, inventário de Domingos da Costa Braga, 1793, 04/1575/2044/02; AHU, Bahia, doc.
8.875.
372
ordens militares, instituição de morgados, ocupação de cargos nas Câmaras ou postos da
Esse foi o caminho trilhado por Agostinho Gomes, também citado na lista elaborada
por José Antônio Caldas como um dos mais respeitados negociantes da praça de Salvador.425
Natural da província de Traz-os-Montes, filho de pais lavradores, partiu para Salvador, após
Bahia, foi também caixeiro e estabeleceu-se com uma loja que, posteriormente, entregou aos
Costa da Mina. Após alguns anos em terras baianas, constituiu núpcias com Isabel Maria
Maciel. Mais tarde, atuou como moedeiro da Casa da Moeda na Bahia. Na década de 1760,
recebeu o hábito da Ordem de Cristo. Nesta altura da vida, Agostinho Gomes já era familiar
do Santo Ofício. Em 1765, foi admitido como membro da Santa Casa de Misericórdia. No
ano de sua morte, 1793, Agostinho Gomes ostentava os títulos de cavaleiro professo da
Ordem de Cristo e familiar do Santo Ofício, suficientes para lhe dar áurea de nobre.426
proporcionado pela posse dos mesmos, que perfaziam um número de três: Ordem de Avis,
Ordem de Santiago e a mais prestigiosa, Ordem de Cristo. De acordo com Nizza da Silva,
os hábitos das ordens militares eram as mercês mais pedidas e concedidas na colônia e na
metrópole. Cabia ao rei conceder tal distinção. Os pedidos dos coloniais, antes de
424
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: Ed. Unesp, 2005, p. 132. Para uma
melhor compreensão sobre as Ordens Militares cf. OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado
Moderno: honras, mercês e venalidades em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar, 2001.
425
CALDAS, op. cit., 1946, p. 317.
426
ALVES, Marieta. “O comércio marítimo e alguns armadores do século XVIII, na Bahia”. In: Revista de
História de São Paulo, São Paulo, n.º 86, 1971, pp. 475-6; SILVA, op. cit., 2005, pp. 184-5; BARROS,
Francisco Borges de. Novos documentos para a História Colonial. Salvador, s/d; AHU, Bahia, docs. 12054 e
12190.
373
a benesse, o processo era encaminhado para a Mesa da Consciência e Ordens, onde eram
ouvidas diversas pessoas que testemunhavam sobre o modo de vida do solicitante, bem
como sobre seus ascendentes.427 Às vezes, esses autos se arrastavam por muitos anos,
uma ou duas questões a serem reparadas face às rígidas regras. Nesses casos, as
habilitações só eram aprovadas caso houvesse a dispensa desses impedimentos, o que não
era fácil de ocorrer. Assim, muitos acabavam desistindo ou morriam antes de verem
As exigências eram grandes para aqueles que buscavam a conquista de uma Ordem
escudeiros, ter o sangue “limpo”, sem mácula, nem qualquer tipo de impedimento por
defeito mecânico ou de qualidade, não ser herege e nem ter cometido crime de lesa-
majestade, sendo casado, saber se a mulher não se opunha à sua entrada na Ordem
filho de pais lavradores receberia tal mercê. Para alcançar o título almejado teria que contar
períodos de guerra, havia mais tolerância com os defeitos de qualidades dos solicitantes.
No século XVII, há exemplos de índios condecorados com hábitos das ordens militares por
terem lutado ao lado dos portugueses. De todo modo, ser aceito como um membro destas
ordens era, por vezes, mais difícil do que ser fidalgo da Casa Real, pois como verificamos
nas palavras de Nizza da Silva, “enquanto o ser fidalgo da Casa Real dependia apenas da
427
SILVA, op. cit., 2005, pp. 98-9.
428
OLIVAL, op. cit., 2001, p. 164.
429
Idem.
374
vontade do rei, para receber os hábitos das ordens militares era preciso passar por toda uma
engrenagem com suas regras próprias que, no século XVII, permaneciam ainda muito
obtenção do hábito em uma ordem militar, como a revogação em 1773 do item “limpeza
do sangue” para se entrar na Ordem de Cristo, medida que estava atrelada ao fim da
Fazenda tornaram-se o desejo de muitos homens de negócio por toda a colônia, não só
como uma forma de distinção social, mas, também, para a boa consecução de seus
com a idéia de nobreza. Exemplo da mudança de postura pode ser percebida com o
Paraíba, para as quais o governo português procurou atrair acionistas garantindo aos
liberdade do comércio com a região concedida pelo decreto real de 30 de março de 1756.
No ano seguinte, doze dos principais homens de negócios de Salvador, membros da Mesa
430
SILVA, op. cit., 2005, p. 106.
431
Ibidem, p. 100.
432
Ibidem, p. 103.
375
seria chamada de Companhia Geral da Guiné, entre eles encontramos Luís Coelho Ferreira
Cardoso dos Santos, Manoel Álvares de Carvalho, Frutuoso Vicente Viana (na época, era
Inspeção).433
baianos teriam também a permissão de ir traficar em outros portos da costa africana, como
Costa da Mina para a defesa de ataques dos rivais europeus e do descalabro dos africanos.
Parece-nos que a proposta de uma companhia de comércio estaria também vinculada a uma
praça carioca.
baianos buscavam garantir acesso ao status de nobreza para os acionistas. Aos olhos do
governo português, o pleito dos traficantes de Salvador pareceu um despautério, uma vez
que, em 1743, eles haviam rejeitado uma proposta da Coroa para a criação de uma
companhia de comércio para por ordem nos descaminhos do trato negreiro. Além disso, as
insistentes críticas à liberdade do comércio, advindas com o decreto de 1756, não foram
bem vistas pelo Primeiro Ministro. A resposta de Lisboa foi dura, bloqueando a criação da
companhia. Além disso, a Coroa pôs fim a Mesa do Bem Comum dos Homens de
Negócios da Bahia, o que ocorreu em todas as áreas do Império, passando a ser a Mesa de
433
AHU, CA, Bahia, doc. 2804.
376
Inspeção a única encarregada de resolver questões relativas à atividade mercantil,
impossibilitou que os principais homens de negócios da Bahia tivessem acesso aos hábitos
das ordens militares. É o que verificamos seguindo a trajetória de Antônio Cardoso dos
Santos, tido como um dos homens de negócio mais ricos, possuidor de inteligência acerca
dos preceitos mercantis e capacidade para freqüentar o comércio. Era dono na cidade de
Domingues e de Antônia Francisca, Antônio Cardoso dos Santos emigrou para a Bahia na
solo baiano no ano de 1739. Trabalhou na companhia de um tio e, depois, foi caixeiro da
casa comercial de José Francisco da Cruz Alagoa, amealhando cabedal para se inserir no
comércio transatlântico de africanos. Seus navios foram responsáveis por diversas viagens
à África para o resgate de escravos. Formou sociedade com dois outros ricos comerciantes
de cativos, Clemente José da Costa e Frutuoso Vicente Viana, que juntos, no ano de 1768,
Era natural que Antônio Cardoso dos Santos ambicionasse o reconhecimento social.
sucesso não se encerra aqui. No ano de 1767, ele estava à frente dos desígnios da Ordem
434
VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os
Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, pp. 101-8 e 119-20; SILVA, op. cit., 2005, pp.
179-80; AHU, CA, Bahia, docs. 2804, 2805.
435
CALDAS, op. cit, 1946, pp. 316-7.
377
Misericórdia (nesta época o escrivão da Santa Casa era o seu sócio Frutuoso Vicente
na década de 1770, quando se aproximava dos 60 anos de idade, enquanto sua noiva, Ana
Joaquina de São Miguel tinha apenas 19 anos. Ela era filha do traficante de escravos
Francisco Barroso Marinho de Castro e de Ana Quitéria do Nascimento que, quando se viu
viúva, tomou as rédeas dos negócios da família, tornando-se uma ativa comerciante de
cativos africanos. Antônio Cardoso dos Santos morreu em 1786, na Bahia. Teve dois filhos
“enobrecimento” conquistado com a Ordem Militar não afastou Antônio Cardoso dos
Santos dos negócios negreiros. Até um ano antes de sua morte, verificamos que navios de
reconhecimento para aqueles que atuavam outrora numa atividade não muito bem vista,
mercantil”, ao invés das atividades comerciais “vis” do dia-a-dia. Mesmo após sua morte,
coube a jovem viúva, dona Ana Joaquina, seguindo o exemplo de sua mãe, cuidar dos
negócios do falecido marido.439 Mãe e filha estavam entre os poucos exemplos de mulheres
436
O Regimento da Gente Escolhida e Útil ao Estado (Regimento dos Úteis) foi instituído em 1774, pelo
governador Manuel da Cunha Menezes. Tratava-se de uma tropa urbana composta pelos principais
comerciantes de Salvador. O posto de comando era o de Tenente-coronel. Cf. VILHENA, Luís dos Santos. A
Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, Vol. 1, 1969, pp. 244-7.
437
KENNEDY, op. cit., 1973, p. 421; SILVA, op. cit., 2005, p. 186; AHU, CA, Bahia, docs. 2804, 2805.,
www.slavevoyages.org
438
www.slavevoyages.org
439
Idem.
378
Em 1799, Ana Joaquina constituiu novas núpcias, dessa vez com um oficial do
casamento, José Inácio tomou a frente dos negócios empreendidos por Ana Joaquina. Em
seguida sua filha Ana, casou-se com Felisberto Caldeira Brant Pontes, nascido em
Mariana, Minas Gerais, pertencente a uma das melhores famílias mineira. Caldeira Brant
seu pai as prerrogativas oficiais e soube tirar proveito do casamento de sua irmã. Em
conjunto com seu cunhado, o futuro marquês de Barbacena e com o expoente negociante,
Pedro Rodrigues Bandeira, atuou em vários projetos, como a introdução em seus engenhos
na ilha de Itaparica dos primeiros moinhos a vapor e o serviço de navegação a vapor pelo
rio Paraguaçu. Ao morrer, Pedro Antônio não havia tido um filho legítimo. Toda sua
chamado Rodozinho. Pelo fato de ainda ser criança, sua mãe, uma mulher negra,
caminho era pleitear e se contentar com um título de menor prestígio, como o de familiar
do Santo Ofício que não era visto como sinal de nobreza, diferente do pertencimento a uma
das três ordens militares. Aos que solicitavam tal honra, era necessária a prova da pureza
com os antecedentes “mecânicos”. Uma condição importante para ser agraciado com a
familiatura era possuir um grande cabedal, pois havia altos gastos com deslocamento para
440
José Inácio Accioli Vasconcelos Brandão nasceu em Sergipe no ano de 1751, filho do capitão José Barros
Pimentel e sobrinho do Vigário Geral da Arquidiocese Baiana. Cf. LUGAR, op. cit, 1980, p. 238.
441
LUGAR, op. cit., 1980, p. 238.
442
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador, livro 139, p. 375v.
379
as diligências exigidas pela ocupação do cargo.443 Esta exigência era perfeitamente
atendida pelos ricos homens de negócio. Para estes, tornar-se membro do Santo Ofício
de sua família. Era um passo importante para posteriormente se obter honrarias maiores
que lhe conferisse o status de nobre. Na América portuguesa, entre 1570 a 1820, foram
concedidas 3.114 habilitações de familiares, dos quais mais da metade (1.813) foram para
mercantil galgavam por reconhecimento social, eles foram agraciados com 1.114 dos 1.687
ofertados.444
Um desses títulos foi obtido por David de Oliveira Lopes, um dos maiores homens
Luís Coelho Ferreira, de quem foi sócio, montou uma expedição para o resgate de escravos
Lopes para conseguir sua nobilitação parece ter seguido o percurso apontado no parágrafo
anterior. Após ser reconhecido como familiar do Santo Ofício, tornou-se cavaleiro da
Ordem de Cristo. No ano de 1771, teve seu pedido aceito para se tornar membro da Santa
Casa de Misericórdia. Estava também incluído no Regimento dos Úteis quando da sua
constituição, em 1774.
Tal como seu par, Antônio Cardoso dos Santos, David de Oliveira Lopes se
manteve atuante no trato de africanos até pouco antes de sua morte, ocorrida em 1782.447
Sem dúvida, a obtenção do título de cavaleiro em uma dessas ordens era uma das formas
443
SILVA, op. cit., 2005, pp. 159-61.
444
Ibidem, pp.163-5.
445
CALDAS, op. cit., 1946, pp. 317-21; www.slavevoyages.org
446
www.slavevoyages.org
447
ALVES, Marieta. “O comércio marítimo e alguns armadores do século XVIII, na Bahia”. In: Revista de
História de São Paulo, São Paulo, n.º 81, 1970, p. 182.
380
de nobilitação mais almejadas pelos homens de negócios, mas isso não significava o
Alguns traficantes tinham que se contentar com apenas o título de familiar do Santo
Ofício, como no caso de Teodósio Gonçalves da Silva, que Catherine Lugar classificou
como sendo um típico “mercador benfeitor sem filho”.448 Português, natural da província do
Minho, nascido em 1725,449 era filho de pais lavradores, donos de suas próprias terras.450
Emigrou para a Bahia ainda na primeira metade do século XVIII, se inserindo na atividade
mercantil. Dez anos depois sua chegada, tornou-se administrador do trapiche de açúcar
Pinto de Queiroz, português oriundo da região do Douro.451 Casou-se, em 1760, com Ana de
Sousa Queiroz e Silva, filha do seu patrão. Em sociedade com seu irmão, José Gonçalves da
Silva, e sobrinho, Antônio Dias de Castro Mascarenhas, constituíram uma grande fortuna
com o comércio para Portugal, Ásia, África e de cabotagem na América portuguesa, sendo
cidade de Salvador.452
Seu sobrinho soube se aproveitar das relações desenvolvidas previamente por ele,
pois constituiu matrimônio, casando-se com outra filha de Simão Pinto Queirós, Maria
Vitória de Jesus. Quando da morte de Simão Pinto Queirós, Antônio Dias Mascarenhas
448
Catherine Lugar estipulou três categorias de comerciantes existentes em Salvador entre 1780 e 1830: o
mercador benfeitor sem filhos; o comerciante-senhor de engenhos; o comerciante solteiro. Acreditamos não
ser uma boa divisão para marcar os diversos perfis de mercador porque muitos deles podiam ser enquadrados
nas três categorias mencionadas, como, por exemplo, Pedro Rodrigues Bandeira, filho. Cf. LUGAR, op. cit.,
1980, pp. 226-47.
449
BARROS, op. cit., s/d, passim.
450
SILVA, op. cit., 2005, p. 185.
451
AHU, Bahia, docs. 4.467, 4.468, 5522, 5523, 5551.
452
AHU, Bahia, docs. 11651; 11652; 11653; 11654; 11792; 11793; 11794; KENNEDY, op. cit., 1973, p.
420.
453
APEB, Judiciário, livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador, livro 106, p. 65.
381
Familiar do Santo Ofício desde 1753, Teodósio Gonçalves da Silva foi nomeado
mestre-de-campo no ano de 1796. Mas seu desejo era o de conseguir um hábito de ordem
militar. Prerrogativas não lhe faltavam. Em busca de seu sonho, chegou a ocupar o cargo de
Provedor da Santa Casa de Misericórdia na Bahia.454 Por volta de 1782, ele e sua esposa
48:000$000.455 Para seu sobrinho legou bens no valor de 105:000$000.456 O rico traficante
morreu no ano de 1803, sem ver o seu desejo de tornar-se membro de uma ordem militar
realizado. Sua esposa, D. Ana de Sousa Queirós e Silva, faleceu um ano depois.457
associações de irmandades e ordens religiosas era mais um caminho a ser seguido para se
obter status na sociedade colonial baiana. A mais prestigiosa dessas instituições foi a Santa
Casa de Misericórdia, fundada na Bahia, em meados do século XVI.458 Para David Smith,
a entrada de homens de negócios na Santa Casa se deu desde o século XVII, contrapondo-
se ao estudo de Russel-Wood que defende que esse movimento se iniciou apenas no início
proprietários rurais.459 Segundo Smith, entre 1663 e 1685, 33 dos 223 homens admitidos na
classe superior da Misericórdia eram homens de negócio.460 Corroborando esta tese, Rae
454
BARROS, op. cit., s/d.
455
LUGAR, op. cit., 1980, p. 243.
456
APEB, judiciário Inventário do casal Teodósio Gonçaves Dias e Ana de Sousa Queirós, 1804.
457
ALVES, Marieta. “O comércio marítimo e alguns armadores do século XVIII, na Bahia”. In: Revista de
História de São Paulo, São Paulo, n.º 70, 1967, pp. 542-3.
458
Sobre a história da Santa Casa de Misericórdia na Bahia cf. RUSSELL-WOOD, op. cit., 1981.
459
SMITH, op. cit., 1975, pp. 386-7; RUSSELL-WOOD, op. cit., 1981.
460
Idem.
382
Flory aponta que entre 1673 e 1700, pelo menos 54 dos 324 homens admitidos como
que dos 34 Provedores da Santa Casa que foram eleitos, pelo menos sete destes homens
contabilizou ser negociantes 27% dos irmãos de alta posição e os de menor envergadura, a
volta de meados do século XVIII, ganhava cada vez mais relevo. Assim, preteridos de ter
acesso as mais prestigiosas irmandades coloniais, resolveram eles próprios criar a sua
Salvador, primeiro convento fundado na América portuguesa, em 1677. Para lá, eram
enviadas as filhas das melhores famílias baianas. Ao pleitear uma vaga, o pai tinha que
contribuir com um vultoso dote, provar a idade da filha, que a mesma era batizada e tinha
“sangue puro”.466 Ter o “sangue puro ou limpo” significava não ter nenhum resquício da
presença de judeu, mouro ou negro na sua ascendência familiar. A maior preocupação das
461
FLORY, op. cit., 1978, p. 262.
462
São eles: Pedro Barbosa Leal (1703; 1704), José de Araújo Rocha (1716), Antônio Ferrão Castelo Branco
(1718), Antônio Gonçalves da Rocha (1725), Francisco Lopes Vilas Boas (1726), André Marques (1739,
1749), Custódio da Silva Guimarães (1743); RUSSELL-WOOD, op. cit., 1981, pp. 115 e 295-8;
www.slavevoyages.org
463
LUGAR, op. cit., 1980, p. 225.
464
RUSSELL-WOOD, op. cit., 1981, p. 50
465
LUGAR, op. cit., 1980, p. 222.
466
SOEIRO, Susan. “The Social and economic role of convent: women and nuns in Colonial Bahia, 1677-
1800”. In: Hispanic American Historical Review(HAHR), 1974, p. 214.
383
Embora tivessem um peso menor na comunidade dos homens de negócio em
possibilidade de ser membro da Santa Casa de Misericórdia ou de ter algum familiar como
parte do Desterro. Ser aceito por uma irmandade religiosa, como a Santa Casa ou o
Desterro, era a chance de provar que o sangue de sua família era imaculado. Porém, nos
parece que muitos comerciantes cristãos-novos podem ter pertencido a essas irmandades
como nos alerta David Smith.468 De todo modo, não sendo aceito na Misericórdia, o
cristão-novo poderia optar por entrar na Ordem Terceira dos Carmelitas, onde não havia a
necessidade de provar que o sangue de sua família estava “limpo”. Não nos surpreende,
parcela dos membros da Ordem Terceira das Carmelitas, desde o século XVII.469
nobreza ou, pelos menos, da afirmação da condição de nobre. Sendo assim, segundo Maria
467
FLORY & SMITH, op. cit., 1978, pp. 585-6.
468
Segundo este autor não havia na época colonial uma metodologia confiável e eficiente para determinar a
ascendência judaica de um sujeito. A fonte mais utilizada pelos contemporâneos era o pertencimento à Santa
Casa de Misericórdia, que comprovaria o sangue imaculado do indivíduo. De todo modo, mesmo após ser
aceito pela Misericórdia, sobre alguns ainda pairavam dúvidas acerca de sua ascendência, principalmente
sobre os homens de negócio, por possuírem uma associação pretérita com o povo judeu. A principal
estratégia utilizada por esses homens era deixar fortunas de herança para a Santa Casa quando de sua morte.
Desta forma, acreditavam que dissipariam qualquer resto de dúvida que ainda persistissem sobre a pureza do
sangue de sua família. Cf. SMITH, op. cit., 1975, p. 281; 388.
469
Ibidem, pp. 389-90. Sobre a atividade profissional dos irmãos das Ordens Terceiras de Salvador cf.
MARTINEZ, Socorro Targino. Ordens Terceiras: ideologia e arquitetura. Salvador: Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, 1979, dissertação (mestrado), pp. 125-30.
384
Fernanda Bicalho, a participação da administração local via Câmara foi um dos mais
Para além do reconhecimento social, propiciava aos ocupantes vantagens financeiras com o
recebimento de emolumentos.
penalizar, todas outorgadas aos seus ocupantes.471 Os preços também eram estipulados pela
Se, por um lado, era grande a abrangência de atuação da Câmara, por outro, eram
poucos aqueles que tinham competência para exercer tais funções. Segundo Avanete
Sousa, no século XVIII, o poder local em Salvador encontrava-se nas mãos de um seleto
grupo de indivíduos, destacados por suas origens nobiliárquicas, por sua situação social,
riqueza e ascendência familiar. Essas pessoas eram identificadas como principais da terra,
Até o ano de 1740, os ocupantes desses cargos camarários eram oriundos do setor
agrário. A partir desta data, a configuração do estatuto social desses oficiais sofreu
alterações, devido à ordem real de D. João V que possibilitou aos homens de negócio fazer
parte das listas eleitorais, concorrendo para o posto de conselheiros municipais, tornando-
470
BICALHO, Maria Fernanda. “As câmaras ultramarinas e o governo do Império.” In: FRAGOSO, João;
BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a
dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 207.
471
SOUSA, Avante Pereira. “Poder local e autonomia camarária no Antigo Regime: o Senado da Câmara da
Bahia (século XVIII).” In: BICALHO, Maria Fernanda & FERLINI, Vera Lúcia (orgs.). Modos de governar:
idéias e práticas políticas no Império português, séculos XVI a XIX. São Paulo: Alameda, 2005, p. 318.
472
SOUSA, Avanete Pereira. Poder local, cidade e atividades econômicas (Bahia, século XVIII). São Paulo:
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidade de São Paulo, 2003, tese (doutorado), p.
348
385
os capazes de desempenhar cargos públicos.473 Sem dúvida, a Coroa com essa medida
Essa medida rapidamente se refletiu no perfil dos homens que tinham acesso aos
cargos da Câmara. Analisando o século XVIII, como um todo, do ponto de vista das
origens econômico-sociais, Avanete Sousa verificou que havia uma certa heterogeneidade
engenho, o que reafirma a idéia de que ainda não havia uma distinção clara entre essas
oficiais da Câmara formavam um grupo composto por indivíduos que detinham condições
cargos.
Luís Coelho Ferreira, Familiar do Santo Ofício, foi um dos negociantes mais
atuantes tanto no comércio atlântico de escravos quanto na sua redistribuição para as áreas
mineradoras da América portuguesa. Era também tido por José Antônio Caldas como um
dos “(...) homens de negócios em que na cidade da Bahia se considera maior inteligência
escravos na Costa da Mina, proposta essa que se mostrou infrutífera. Entre 1760-70, Luís
473
RUSSELL-WOOD, op. cit., 1981, p. 50.
474
SOUSA, op. cit., 2005, p. 319.
475
CALDAS, op. cit., 1946.
386
remeteu para as Gerais e Goiás 17 levas de escravos.476 Atuou como procurador da
Coelho Ferreira do Vale Faria, então Desembargador da Relação da Bahia. Este cargo
Câmara de Salvador, Luís Coelho Ferreira do Vale Faria, renunciou ao posto devido a
Luísa Francisca Severim, casou-se, em 1769, com Antônio Moniz Barreto de Sousa e
Aragão, sargento-mor, fidalgo cavaleiro da Casa Real e membro de uma das principais
famílias baianas ligadas à terra, os Moniz Barreto,478 marcando a relação que existia entre
administrativos como Clemente José da Costa, natural de Lisboa, que antecedeu o próprio
Luís no cargo de Guarda-mor, arrematado no ano de 1757 por um período de três anos ao
custo de 750$000.479 Este traficante, que fora membro da Mesa do Bem Comum extinta em
1757, recebeu a honra de pertencer à família do Santo Ofício. Ocupou outros cargos de
476
APEB, Códice 249; www.slavevoyages.org
477
KENNEDY, op. cit., 1973, p. 421; AHU, Bahia, docs. 6530; 11537; 13054; 13641; 13673; 13792; 15011.
478
JABOATÃO, Fr. Antônio de S. Maria (adaptado por Afonso Costa). Genealogia baiana ou o catálogo
genealógico de Fr. Antônio de S. Maria Jaboatão, adaptado e desenvolvido por Afonso Costa. RIHGB, Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, vol. 191, abril-junho 1946, p. 39.
479
AHU, Bahia, doc. 10229.
387
da Santa Casa (1772).480 No trato negreiro, constituiu sociedade com grandes homens de
Trajetória parecida teve seu irmão, Inocêncio José da Costa, também natural de
Regimento dos Úteis no ano de sua fundação em 1774 juntamente com os principais
Rodrigues Bandeira (pai), Luís Coelho Ferreira, David de Oliveira Lopes, Antônio
Cardoso dos Santos e Manuel do Ó Freire. Em 1796, Inocêncio José da Costa foi agraciado
grupo mercantil, como também da elite administrativa, da qual faziam parte muitos
mesmo tempo, essas conexões garantiam ao mercador proteção aos seus negócios, muitas
até mesmo, tolerância de atividades ilegais como o contrabando de ouro para a África.
480
ALVES Marieta. “O comércio marítimo e alguns armadores do século XVIII, na Bahia”. In: Revista de
História de São Paulo, São Paulo, n.º 67, 1969, p. 98.
481
KENNEDY, op. cit., 1973, p. 421; www.slavevoyages.org
482
AHU, Bahia, docs. 14436, 14564.
388
Cabe ressaltar mais uma vez que tanto as alianças com a elite agrária quanto com a elite
O investimento em terras
participado em apenas 8,6% das transações, o montante aplicado por eles no agro
africanos.
A posse de bens rurais tinha outra finalidade econômica. Servia também para
garantir o pagamento de empréstimos efetuados na praça. Esse artifício foi observado por
John Kicza na Cidade do México colonial. Aqueles que possuíssem uma propriedade rural
Muitas vezes eram os filhos desses mercadores que comandavam os negócios da família no
meio rural. Essa era uma estratégia na qual os maiores homens de negócio baianos
utilizavam para desviar seus filhos das práticas mercantis, estabelecendo-os como senhores
famílias.485
483
Cf. capítulo 2.
484
KICZA, op. cit., 1986, pp. 34-5.
485
KENNEDY, op. cit., 1973, pp. 423-4; FLORY & SMITH, op. cit., 1978, pp. 576-82. Fernand Braudel
389
Foi o que fez o capitão e homem de negócio Bernardo da Rocha e Sousa. No ano de
1779, comprou de Francisco do Amaral pela quantia de 800$000 uma fazenda de plantar
cana numa freguesia rural de Salvador.486 A posse de terras não significava o abandono da
carreira mercantil. Contudo, era uma tentativa de direcionar sua família para atividades
Segundo Alice Canabrava, na colônia sem terra ninguém era considerado de fato
“rico”. Assim, na fortuna de muitos homens de negócio, em sua maior parte mobiliária,
existia um grande percentual de componentes agrários, uma vez que a posse da terra era
base indispensável para o prestígio social.487 Não por acaso, havia uma disseminação nos
num senhor de engenho. Essa busca por um novo estilo de vida estava ligada às aspirações
honra e privilégios. Desta forma, buscavam na aquisição de bens rurais a realização desses
aponta que em sociedades preocupadas com a manutenção de hierarquia excludentes, como a européia entre
os séculos XV-XVIII, nem sempre os excedentes econômicos tinham uma direção produtiva, sendo estes, de
modo recorrente, aplicados no sentido de adquirir status social. Exemplo disso seriam os comerciantes
atacadistas que, após acumularem grandes fortunas, compraram terras visando a promoção social, muito
embora esse tipo de investimento não lhes fornecesse o mesmo montante de capitais que as atividades
comerciais. Cf. BRAUDEL, op. cit., 1996, pp.125-128 e 215-218.
486
APEB, Judiciário, livros de notas do 1., 2. e 3. ofícios de Salvador, livro 120, p. 232.
487
CANABRAVA, Alice “Decadência e riqueza”. In: Revista de História. São Paulo: v. 50, n. 100, 1974. pp.
365-6.
488
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 121.
390
Ocupação de postos de ordenança
Uma outra estratégia no acúmulo de prestígio e reconhecimento social por parte dos
como pudemos observar nos diversos exemplos de carreiras citadas anteriormente. Muitos
mais alta) das forças regulares organizadas nas paróquias e distritos de Salvador. Já na
década de 1680, quatro dos oito postos de capitão da cidade de Salvador eram ocupados
de capitão de companhias sendo que mais de um terço eram comerciantes. Muitos foram
Cardoso Pereira Ribeiro que ganhou o título de capitão de companhia no ano de 1716 e o
mais cobiçado, pois tinha como primazia o controle de tropas de um terço. Um mestre-de-
período. Ser possuidor de um desses títulos não era necessariamente indicativo de façanhas
militares, mas, sim, de prestígio e poder. Isso era mais evidente nas localidades para além
da cidade, onde um oficial militar poderia representar a única autoridade institucional. Até
1709, os postos das ordenanças eram controlados pelas famílias mais tradicionais, uma vez
que eram as câmaras, compostas em sua maioria pela aristocracia agrária, as responsáveis
pelas indicações. Tal panorama começou a mudar com a crescente inserção de homens de
489
SMITH & FLORY, op. cit., 1978, pp. 587-8.
490
SILVA, op. cit., 2005, p. 153.
391
negócio nos cargos camarários. Em 1709, o processo de indicação foi alterado. A partir
desta data, as câmaras junto com o ouvidor da comarca teriam que indicar três nomes ao
rei que escolheria, baseado em consultas ao Conselho de Guerra, o nome mais apropriado.
também ocorria a partir de uma lista tríplice indicada pelo governador da província. Após
uma consulta ao Conselho Ultramarino, o monarca fazia sua escolha. Ao longo do século
XVIII e primeiras décadas do século XIX, pelo menos dez comerciantes de escravos
da sociedade baiana colonial. Muitos negociantes tiveram insucessos nas suas investidas
comerciais devido ao risco inerente ao tráfico de escravos – mortes, fugas, raptos, etc.
Outros, talvez por escolha, ou uso de uma estratégia que se mostrou equivocada não
homem de negócio da Bahia que vivenciou altos e baixos na sua vida social. Devido à
Freire fora admitido como irmão da Santa Casa de Misericórdia no ano de 1776. Foi
listado juntamente com outros importantes homens de negócios como sendo possuidor de
grande inteligência para atividades mercantis.493 Mantinha negócios com Portugal e África.
Contudo, sua sorte mudou com o apresamento de um de seus navios no litoral da Costa da
491
São eles: Antônio Cardoso dos Santos, Antônio de Almeida Viana, Inácio Antunes Guimarães, Inocêncio
José da Costa, José Inácio Aviaivoli Vasconcelos Brandão, José Pinheiro de Queirós, Luís Coelho Ferreira,
Pedro Barbosa Leal, Teodósio Gonçalves da Silva e Teodósio Gonçalves Dias. Cf. www.slavevoyages.org
492
Mais uma vez me apoio nas análises do atropólogo Fredrik Barth sobre as opções de escolhas individuais.
Cf. BARTH, op .cit., 2000.
493
CALDAS, op. cit., 1946, p. 317.
392
Mina, que lhe gerou vultosos prejuízos.494 Manoel procurou reverter sua situação cobrando
de seus devedores dívidas antigas. No ano de 1785, confiscou o engenho Boca do Rio,
localizado na paróquia do Paripe, em Salvador. Não foi a primeira tentativa de arresto por
baseado nas leis de 1663 e 1723, que vedava a execução da hipoteca quando estava em
jogo um engenho. Manoel do Ó Freire conseguiu executar a dívida porque seu mutuário
deixou de pagar as prestações anuais. Contudo, o caso não se encerrou. O devedor entrou
na justiça e a disputa se desenrolou por mais de nove anos. Durante todo o tempo o
engenho. Sua situação econômica em 1800 (ano de sua morte) era descrita como precária
por contemporâneos.496
mercantil de Salvador. Nesta cidade, são inúmeros os casos bem sucedidos de traficantes,
na sua maioria portugueses oriundos de uma região pobre, no norte de Portugal, que
interior da elite baiana, durante o período colonial, muitas vezes atingindo status de nobre.
494
www.slavevoyages.org
495
AHU, Bahia, doc 25395.
496
BARROS, op. cit..; CALDAS, op. cit., 1946.
393
agentes econômicos que detinham liquidez suficiente para por em funcionamento os
mecanismos econômicos para além de esferas locais, motivo pelo qual a circulação de
bem visto pela sociedade, não mais como indivíduos ligados a uma atividade mecânica,
mas, sim, como aqueles que dominam a “arte mercantil”. Puderam, desta forma, fazer
alguns cálculos econômicos que lhes garantissem uma projeção social com o intuito de se
aproximar e até mesmo se inserir entre a elite local. A busca por prestígio e status social
guiou a carreira de muitos dos comerciantes de escravos baianos, utilizando-se para isso
diversos mecanismos de enobrecimento que estavam disponíveis. Nem sempre foram bem-
sucedidos. Havia o elemento imponderável, uma vez que, esses homens de negócio não
dominavam racionalmente todos os aspectos do mundo que o cercava. O fracasso era uma
possibilidade factível.
Bahia colonial obtiveram sucesso almejado, mas apenas indicar que a estes homens,
394
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
395
Em um período de cinqüenta anos pudemos verificar as transformações pelas quais
passou a cidade de Salvador. Assim, diferente do que alguns clássicos costumam apontar, a
época colonial não era estática.497 Muitas foram as alterações observadas na sociedade
baiana por nós analisada, rompendo com a idéia de que a história colonial foi homogênea
por nós apontados e analisados com àqueles trabalhados por Rae Flory.498 A autora
XVII e XVIII. Contudo, exceção feita a um aumento da atuação dos homens de negócio,
Flory não apontou modificações pelas quais passava a sociedade colonial da época. Assim,
percebidas nessa sociedade, não só do fortalecimento dos homens de negócio, mas também
primordial no acesso aos bens; nas transformações verificadas no agro, com a expansão da
agentes mercantis no setor rural mediante aquisição de terras pelo mercado. Aqui cabe
observar que Vera Ferlini em seu estudo sobre as conjunturas pela qual passava o agro
baiano, termina sua análise sem perceber grandes alterações, como se a “sociedade do
497
NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo:
HUCITEC, 1983; PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1977.
498
FLORY, Rae. Bahian Society in the mid-colonial period: the sugar platers, tobacco growers, merchants,
and artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Austin, The University of Texas, 1978, tese
(doutorado).
396
açúcar” do início do século XVII fosse igual àquela verificada na segunda metade do
século XVIII.499
Não é de se estranhar, pois, que esses indivíduos buscassem com mais vigor a inserção no
estruturado de forma bilateral pôs em contato regiões das duas margens do Atlântico. Pelo
creditício de Salvador, isso porque esses agentes sociais, ao terem o controle da liquidez da
397
mercantis de acesso às propriedades, padrão que foi modificado com o incremento da
atividade comercial. O acesso aos bens passa a ser feitos majoritariamente pelo mercado.
Desta forma, o peso das aquisições que se davam mediante arrematação e compra
suplantaram a soma de todas as demais tanto no que se refere aos bens rurais como aos
bens urbanos, sem falar na quase totalidade dos bens comerciais e embarcações. Mesmo os
bens de natureza rural estavam destinados a passar pelo mercado, tornando-se junto com os
estratégias de reprodução de hierarquias sociais passaram a se pautar cada vez mais pelas
conjunturas mercantis.
venda de bens, ganhando destaque àqueles associados à urbe e ao comércio. Embora, tenha
atraindo cerca de um terço dos investimentos, marcando dessa maneira um traço estrutural
da sociedade. Essa era uma característica dos homens de negócio, qual seja: a busca pela
diversificação de seus investimentos e nela, ainda que de forma menos expressiva residia a
opção por bens agrários. Assim, no fim do Setecentos, ao falarmos de elite colonial em
Salvador, devemos observar que estamos lidando com um grupo cada vez mais
como aquela de meados do mesmo século. Havia mudado. Tornara-se mais dinâmica.
398
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E
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411
ANEXOS
412
Anexo 1 – Participação percentual dos diversos tipos de vendas no valor total transacionado na cidade de Salvador entre 1751 e 1780 por ano
(em mil-réis)
Ano Negócios rurais Negócios Negócios Embarcações Outras vendas Valor total Empréstimos
urbanos comerciais
Valor N.E valor N.E Valor N.E valor N.E valor N.E valor N.E valor N.E
1751 5:579$860 7 6:660$000 9 3:880$000 4 16:119$860 20 5:600$000 7
% 34,6 35,0 41,3 45,0 24,1 20,0 100 100 34,7 36,4
1752 1:190$000 3 2:240$000 7 800$000 1 850$000 1 5:080$000 12 14:918$321 9
% 23,4 25,0 44,1 58,3 15,7 8,3 16,7 8,3 100 100 293,6 75,0
1753 2:774$096 7 3:790$000 7 6:564$096 14 8:750$000 3
% 42,3 50,0 57,7 50,0 100 100 133,3 25,0
1754 5:599$000 7 8:785$000 8 14:384$000 15 18:525$804 6
% 38,9 46,7 61,1 53,3 100 100 128,8 40,0
1755 12:988$000 9 8:552$340 10 21:540$340 19 8:568$000 7
% 60,3 47,4 39,7 52,6 100 100 39,8 36,8
1756 3:380$000 6 4:987$000 11 1:162$420 2 9:529$420 19 30:377$349 7
% 35,5 31,6 52,3 57,9 12,2 10,5 100 100 318,8 38,5
1757 15:781$019 7 17:861$020 20 1:100$000 2 1:500$000 1 36:242$039 30 20:092$204 9
% 43,5 23,3 49,3 66,7 3,0 6,7 4,1 3,3 100 100 55,4 31,2
1758 7:169$920 10 3:080$080 5 10:250$000 15 1:380$000 5
% 70,7 66,7 29,3 33,3 100 100 13,5 33,3
1759 17:410$416 9 18:997$212 20 3:208$400 6 2:600$000 2 42:216$028 37 3:600$000 5
% 41,2 24,3 45,0 54,0 7,6 16,2 6,1 5,4 100 100 8,5 14,3
1760 64:665$370 17 17:091$392 19 3:600$000 2 2:700$000 2 88:056$762 40 104:330$000 17
% 73,4 42,5 19,4 47,5 4,1 5,0 3,1 5,0 100 100 118,5 42,9
1761 9:777$736 11 8:317$161 15 994$000 2 1:200$000 2 20:288$897 30 14:040$000 13
% 48,2 36,7 41,0 50 4,9 6,7 5,9 6,7 100 100 69,2 43,3
1762 13:452$685 14 3:011$263 15 550$000 1 900$000 2 17:913$948 32 9:694$469 3
% 75,0 43,7 16,9 46,9 3,1 3,1 5,0 6,2 100 100 54,4 9,4
1763 3:086$165 3 4:809$787 15 550$000 1 1:000$000 1 9:445$952 20 6:500$000 7
246
% 32,7 15,0 50,9 75,0 5,8 5,0 10,6 5,0 100 100 68,8 35,0
1764 4:663$353 3 6:914$497 8 800$000 1 12:377$850 12 9:050$000 12
% 37,7 25,0 55,9 66,7 6,5 8,3 100 100 73,1 100
1765 5:574$720 3 1:989$120 8 580$000 1 8:143$840 12 17:324$436 21
% 68,4 25,0 24,4 66,7 7,1 8,3 100 100 212,7 175,0
1766 3:900$000 2 2:710$000 8 6:610$000 10 4:650$000 5
% 59,0 20,0 41,0 80,0 100 100 70,3 50,0
1767 7:771$364 14 5:570$442 13 900$000 1 14:241$806 28 4:679$066 8
% 54,6 50,0 39,1 46,4 6,3 3,3 100 100 32,8 28,6
1768 4:526$739 3 2:195$694 9 800$000 1 7:522$433 13 2:700$000 3
% 60,2 23,1 29,2 69,2 10,6 7,7 100 100 35,9 23,1
1769 9:997$357 11 7:496$036 17 31:870$000 4 700$000 1 50:063$393 34 7:970$410 14
% 20,0 32,3 15,0 50,0 63,6 11,8 1,4 2,9 100 100 15,9 41,2
1770 7:520$960 5 6:713$990 19 1:720$000 3 1:800$000 3 107$290 1 17:862$240 31 2:960$910 5
% 42,1 16,1 37,6 61,3 9,6 9,7 10,1 9,7 0,6 3,2 100 100 16,6 16,1
1771 25:645$506 18 12:779$868 15 1:700$000 2 2:400$000 2 360$000 3 42:885$374 40 16:109$509 19
% 59,8 45,0 29,8 35,0 4,0 5,0 5,6 5,0 0,8 7,5 100 100 37,6 47,5
1772 8:028$160 15 6:489$830 25 1:500$000 4 16:017$990 44 8:085$260 15
% 50,1 34,1 40,5 56,8 9,4 9,1 100 100 50,5 34,1
1773 12:538$224 12 9:847$836 19 1:200$000 3 1:800$000 1 25:386$060 35 21:091$664 34
% 49,4 34,3 38,8 54,3 4,7 8,6 7,1 2,8 100 100 83,1 100
1774 4:223$834 10 5:686$415 24 980$000 3 1:720$000 3 12:610$249 40 12:224$426 17
% 33,5 25,0 45,1 60,0 7,8 7,5 13,6 7,5 100 100 96,9 42,5
1775 2:822$342 7 3:195$967 10 1:044$327 2 2:100$000 3 9:162$636 20 21:183$503 20
% 30,8 35,0 34,9 50,0 11,4 10,0 22,9 15,0 100 100 231,2 100
1776 3:678$440 5 1:663$600 5 980$766 2 2:200$000 2 8:522$806 14 10:988$324 15
% 43,1 35,7 19,5 35,7 11,5 14,3 25,8 14,3 100 100 128,9 107,1
1777 1:867$884 4 5:410$423 8 875$642 2 1:050$000 1 9:203$949 15 15:098$724 17
% 20,3 26,7 58,8 53,3 9,5 13,3 11,4 6,7 100 100 164,0 113,3
1778 4:905$221 15 9:657$154 20 1:322$110 5 3:000$000 3 298$000 3 19:182$485 43 14:298$420 20
% 25,6 34,9 50,4 46,5 6,9 11,6 15,6 7,0 1,5 7,0 100 100 74,5 46,5
247
1779 74:119$132 24 9:733$437 28 1:080$000 1 4:800$000 1 89:732$605 54 20:410$455 18
% 82,6 44,4 10,8 51,8 1,2 1,8 5,3 1,8 100 100 22,7 33,3
1780 9:806$156 19 13:462$770 30 3:006$908 9 2:000$000 3 650$000 3 29:925$834 64 19:655$327 20
% 32,8 29,7 45,0 46,9 10,0 14,1 6,7 4,7 2,1 4,7 100 100 65,7 31,2
1781 10:511$568 15 17:038$394 27 4:400$000 9 2:100$000 4 700$000 2 35:749$962 57 25:335$388 22
% 29,4 26,3 47,6 47,4 12,3 15,8 5,8 7,0 1,9 3,5 100 100 70,9 38,6
1782 10:379$910 19 16:429$925 25 4:550$630 6 2:200$000 2 150$965 1 33:711$430 53 22:438$987 25
% 30,8 35,8 48,7 47,2 13,5 11,3 6,5 3,8 0,4 1,9 100 100 66,6 47,2
1783 9:833$500 14 14:420$472 19 3:932$000 6 1:800$000 2 29:985$972 41 20:412$655 19
% 32,8 34,1 48,1 46,3 13,1 14,6 6,0 4,9 100 100 68,1 46,3
1784 8:778$682 12 11:581$640 17 3:800$000 5 900$000 1 549$830 2 25:610$152 37 19:549$888 16
% 34,3 32,4 45,2 45,9 14,8 13,5 3,5 2,7 2,1 5,4 100 100 76,3 43,2
1785 15:086$801 11 11:496$275 16 5:237$555 6 1:120$000 1 32:940$631 34 16:432$281 13
% 45,8 32,3 34,9 47,0 15,9 17,6 3,4 2,9 100 100 49,9 38,2
1786 8:258$873 7 7:087$687 11 3:202$270 5 750$000 1 898$230 3 20:197$060 27 10:513$830 12
% 40,9 25,9 35,1 40,7 15,8 18,5 3,7 3,7 4,4 11,1 100 100 52,0 44,4
1787 10:766$852 8 11:380$507 18 3:918$300 6 1:850$000 2 27:915$660 34 18:726$623 20
% 38,6 23,5 40,8 52,9 14,0 17,6 6,6 5,9 100 100 67,1 58,8
1788 9:714$027 10 13:988$804 18 4:260$754 7 1:692$200 2 562$320 3 30:218$120 40 23:685$755 20
% 32,1 25,0 46,3 45,0 14,1 17,5 5,6 5,0 1,8 7,5 100 100 78,4 50,0
1789 13:028$203 12 8:772$647 20 5:672$648 7 1:800$000 3 29:273$498 42 24:430$980 19
% 44,5 28,6 30,0 47,6 19,3 16,7 6,1 7,1 100 100 83,4 45,2
1790 7:463$730 13 14:051$764 20 7:528$916 6 3:000$000 2 549$770 2 32:594$180 43 23:676$099 19
% 22,9 30,2 43,1 46,5 23,1 13,9 9,2 4,6 1,7 4,6 100 100 72,6 44,2
1791 9:730$883 20 7:183$874 23 9:422$560 9 5:550$380 4 780$000 2 32:667$697 58 30:730$443 23
% 29,8 34,5 22,0 39,6 28,8 15,5 17,0 6,9 2,4 3,4 100 100 94,1 39,6
1792 10:738$677 16 22:079$076 29 6:680$933 8 1:200$000 2 300$000 2 40:998$686 60 27:988$022 22
% 26,2 26,7 53,8 48,3 16,3 13,3 2,9 3,3 0,7 3,3 100 100 68,3 36,7
1793 14:454$531 19 19:424$239 25 6:856$980 9 1:400$000 2 734$900 3 42:870$650 58 24:876$292 20
% 33,7 32,7 45,3 43,1 16,0 15,1 3,3 3,4 1,7 5,2 100 100 58,0 34,5
1794 15:324$593 16 15:939$333 30 9:222$409 10 3:430$000 3 43:916$335 59 34:653$298 28
248
% 34,9 27,1 36,3 50,8 21,0 16,9 7,8 5,1 100 100 78,9 47,4
1795 15:990$486 18 8:890$327 22 12:042$710 8 2:980$000 3 39:903$523 51 32:760$109 27
% 40,1 35,3 22,3 43,1 30,2 15,7 7,4 5,9 100 100 82,1 52,9
1796 11:137$303 12 15:676$094 24 8:987$886 10 3:100$000 3 980$545 3 39:881$828 52 25:655$831 23
% 27,9 23,1 39,3 46,1 22,5 19,2 7,8 5,8 2,4 5,8 100 100 64,3 44,2
1797 19:930$293 19 16:311$664 24 11:870$400 12 7:560$800 6 55:673$157 61 38:672$219 29
% 35,8 31,1 29,3 39,3 21,3 19,7 13,6 9,8 100 100 69,5 47,5
1798 19:143$906 17 18:060$999 27 11:350$387 10 2:060$800 2 1:000$000 1 51:616$092 57 26:781$741 25
% 37,1 29,8 35,0 47,4 22,0 17,5 4,0 3,5 1,9 1,7 100 100 51,9 43,8
1799 18:551$761 18 25:682$405 28 14:382$147 9 1:813$000 3 60:429$313 59 27:701$800 24
% 30,7 30,5 42,5 47,4 23,8 15,2 3,0 5,1 100 100 45,8 40,7
1800 19:654$574 14 22:333$000 26 11:283$610 11 3:270$000 4 1:318$420 4 57:859$992 59 33:802$752 26
% 34,0 23,7 38,6 44,1 19,5 18,6 5,6 6,8 2,3 6,8 100 100 58,4 44,1
Fonte: APEB, judiciário, Livros de notas do 1o. e 2o. ofícios de Salvador (livros 90 a 139).
Obs.: 1 - N.E = número de escrituras
2 – O número de escrituras refere-se àquele que conseguimos levantar e já analisadas a partir do banco de dados.
249
Anexo 2 - Valor médio dos bens arrolados nas escrituras de compra e venda em Salvador
por qüinqüênios, 1751-80
250
Anexo 3 - Formas de aquisição dos bens rurais vendidos na cidade de Salvador entre 1750-
1800
251
1794 14 63,6 7 31,8 1 4,5 22 100
1795 10 55,5 8 44,4 18 100
1796 6 50,0 6 50,0 12 100
1797 16 69,6 6 26,1 1 4,3 23 100
1798 13 52,0 11 44,0 1 4,0 25 100
1799 15 71,4 6 28,6 21 100
1800 12 60,0 8 40,0 20 100
Fonte: as mesmas do anexo 1.
252
Anexo 4 - Formas de aquisição dos bens urbanos vendidos na cidade de Salvador entre
1750-1800
253
1793 13 61,9 8 38,1 21 100
1794 15 60 9 36 1 4 25 100
1795 11 55 9 45 20 100
1796 13 59,1 9 40,9 22 100
1797 13 56,5 9 39,1 1 4,4 23 100
1798 14 63,6 8 36,4 1 4,5 22 100
1799 15 62,5 9 37,5 24 100
1800 13 61,9 8 38,1 21 100
Fonte: as mesmas do anexo 1
254
Anexo 5 - Formas de aquisição dos bens comerciais e embarcações vendidos na cidade de
Salvador entre 1750-1800
255
1793 4 100 6 100
1794 7 100 7 100
1795 5 100 5 100
1796 5 100 5 100
1797 4 80,0 1 20,0 5 100
1798 5 100 5 100
1799 5 83,3 1 16,7 6 100
1800 5 100 5 100
Fonte: as mesmas do anexo 1
256
Livros Grátis
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