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Fonte: CIARIS

Parceria

Justificação
Lutar contra a exclusão social entendida como um processo que se inscreve no
coração do sistema económico, social, político e cultural, através do qual
pessoas, grupos e territórios se vêm afastados e inferiorizados relativamente aos
centros de poder, não é fácil. Mas, desde há várias décadas, instâncias
internacionais, regionais, redes transnacionais, governos e administrações
públicas, actores socioeconómicos, mundo associativo e milhares de acções à
escala local tentam combater a exclusão. Ao fazer isto, experimentaram
diferentes tipos de princípios estratégicos. Entre eles, a parceria aparece como
uma das mais úteis e válidas, especialmente, para as acções locais.
Isso acontece porque a exclusão social é pluridimensional e a parceria, como
orientação estratégica, encontra a sua razão de ser em redor deste fenómeno, de
uma ou outra forma, sobre todos e, mais particularmente, sobre os próprios
afectados e sobre os actores territoriais da cena económica, social e política.
Sem a colaboração de todos eles é muito difícil, para não dizer impossível, fazer
progressos substanciais, duradouros e sustentáveis.
Por outro lado, à escala local, a parceria costuma ter uma maior legitimidade e
ser mais eficaz que a outros níveis, porque pode conhecer e expressar melhor as
necessidades e exigências da população e distribuir de forma mais eficiente os
recursos, obtendo um maior compromisso dos actores, canalizando as
reivindicações e encontrando as soluções mais adequadas.
Sendo assim, esta palavra e a noção que lhe está associada têm várias acepções.
É por este motivo que é importante tentar defini-la e delimitá-la.

Definição
O termo parceria é, em simultâneo, velho, novo e polissémico. Velho, porque em
inglês já se utilizava no século XIV, no sentido de se associar a alguém ou como
"partaker" (o que toma parte) e, em França, está na origem de "partenaire", em
plena Revolução, dando-lhe o significado de aliança contra outros jogadores, de
partilhar uma dança, um desporto ou relações íntimas. É possível até referir o
seu sentido originário na Grécia clássica onde "hetaireia", que já aparece com
Homero, designava o amigo/a, os camaradas de armas, o discípulo de um
mestre filosófico ou religioso. O longo itinerário desta palavra vai-lhe dando
várias utilizações, mais relacionados com a vida mercantil, no mundo
anglófono, com a vida do trabalho agrícola, na península ibérica ("parceiro,
aparcero"), com o sistema de representação paritário, na Alemanha, para, nos
anos oitenta do século anterior, ser utilizada na perspectiva dos sócios que
cooperam em projectos transnacionais, adoptando assim um carácter mais
socioeconómico. Actualmente, é aplicado e implementado na grande maioria
das acções locais que, em todo o mundo, incluem a responsabilização de vários
agentes na erradicação da exclusão. Neste sentido, a sua utilização é
simultaneamente nova e pode ser um elemento de inovação.
A noção de parceria pode ter uma dimensão económica ou social, ou melhor,
pode ser uma ponte entre ambas as dimensões, embora não sendo
compreendida fora do contexto político e utilizada ainda no campo cultural. É
referida como um valor, como um princípio e até como um instrumento. Para
uns, é um fim, para outros, é um meio. Existe uma grande variedade de opções
políticas e ideológicas que a propõem e defendem e cada uma a reclama, até
certo ponto, como sua. Desta forma, existem muitas abordagens deste conceito.
Umas insistem na confluência de interesses, outras na necessidade de um
esquema formalizado e organizativo, outras ainda, referem a dinâmica que
produz. Entre as várias abordagens, pode ser útil referir a seguinte:
É possível dizer que a parceria é um processo, mais ou menos
formalizado, através do qual dois ou mais actores de diferente
natureza (públicos, privados,...) entram em acordo para realizar um
plano, um programa ou um projecto comum nas estratégias e
acções, e, neste caso, na luta contra a exclusão.
Através desta definição, pode-se dizer que a parceria é mais que interlocução
que não inclui uma acção conjunta, e menos do que participação, onde cada um
tem e faz parte de alguma coisa. É diferente de coordenação, onde o
compromisso é mais ligeiro e pressupõe uma ordenação orgânica, ou de
colaboração, onde não existe forçosamente uma implicação mútua. A diferente
natureza dos actores afastaria a parceria do conceito de cooperação que costuma
caracterizar uma relação entre iguais ou parecidos. Enquanto que uma menor
cristalização jurídica e formal, e por isso uma relação mais forte e duradoura,
faria a distinção entre parceria e associação.

Modalidades de aplicação
Não existe um modelo único e ideal de parceria aplicável em
qualquer circunstância. Mais, é possível afirmar que o contexto geral e as
coordenadas espaço e tempo têm uma grande influência sobre as modalidades
adoptadas pela parceria local. Assim, nos países onde o campo social foi
dominado principalmente apenas por um actor, a administração pública ou o
sector privado, é mais difícil encontrar parcerias com uma grande diversidade
de agentes. Ou nos países onde as colectividades locais tiveram pouco peso e
competências limitadas, dificilmente se conseguem converter no eixo principal
da parceria local. Enquanto que nas sociedades onde as relações primárias são
fundamentais, e continuam a assegurar as condições de sobrevivência,
reprodução e autoprotecção, a parceria é mais frequentemente um
processo contínuo, através do qual, as relações dos grupos se auto-organizam
e se articulam, originando uma concertação formal entre actores. Neste caso, o
tipo de parceria que se cria na luta local contra a exclusão está relacionado com
uma obrigação moral e de coesão social interna, juntamente com uma situação
de diferenciação com outras comunidades e territórios, enquanto que, noutros
casos, a parceria adopta formas organizativas mais estruturadas,
constituindo-se em Comités ou Conselhos, chegando mesmo a adoptar fórmulas
jurídicas (fundações, associações, consórcios, corporações, etc.) de acordo com
os padrões legais existentes.
Outro aspecto que incide nos modos de parceria é o grau de concentração
das actividades económicas, o nível de polarização territorial e a
intensidade com que se manifesta a exclusão no âmbito local. Quando
existe localização e concentração produtiva (apenas um sector, uma função de
serviços, etc.) é mais fácil que a parceria tenda a organizar-se à volta dos
interesses presentes, ao contrário do que acontece quando a estrutura
económica é mais diversificada e as manifestações de exclusão são mais difusas.
Nas primeiras circunstâncias, a parceria habitua-se a constituir-se e a
desenvolver-se para compensar as desvantagens e defender os parcos recursos
de um território, orientando uma parte dos seus esforços para o exterior e
adoptando, frequentemente, planificações de carácter mais reivindicativo.
Também, quanto mais forte for a identidade territorial (cultural,
linguística, desportiva, festiva) e houver uma correspondência desta com as
divisões políticas, administrativas, judiciais, religiosas, menos dificuldades
serão sentidas para encontrar fórmulas de parceria legitimadas, formalizadas e
duradouras. Mas, se pelo contrário, o território local não tem características
comuns e, além disso, não existe uma correspondência com as demarcações
institucionais, é mais difícil criar e madurar o processo de parceria.
A parceria não costuma nascer por geração espontânea. É raro que, a partir de
um grupo ou de um território cronicamente excluídos, surja a energia e a
capacidade para promover processos de parceria. Por isso, é preciso ter em
consideração que, muitas vezes, os impulsos iniciais podem proceder do
exterior, mas isto não deve ser um obstáculo para que estes esforços não se
possam articular com os actores locais. Daí que, os momentos iniciais sejam
delicados e exijam uma boa capacidade de negociação capaz de gerar muitos
consensos e denominadores comuns que possam sustentar as fases seguintes de
implementação da parceria.
A parceria é um ponto equidistante entre o consenso total e o conflito
sistemático. Não se pode instalar nos dois extremos. Mas se a aproximação é
feita ao primeiro, adopta formas de negociação mais informais, os acordos são
mais estáveis e a distribuição dos recursos é mais fácil. Se oscila para o segundo,
com toda a certeza vai ter de recorrer a regulamentação interna, os primeiros
passos serão mais lentos, os pactos devem ser mais claros e o seu avanço mais
difícil.
Assim, existem muitas modalidades de aplicação da parceria que pode e deve
ser integrada nos diversos ciclos de uma acção local. Tanto o diagnóstico, como
a planificação, a execução, a avaliação e a retroalimentação podem ser levadas a
cabo, implicando e levando os diversos actores a agir.
Em termos de organigrama e funcionamento organizativo da parceria,
distinguem-se duas grandes modalidades.
A primeira adopta a forma radial, como um chapéu-de-chuva, visto de cima,
na qual um ou vários actores são os promotores da acção local de luta contra a
pobreza e a exclusão, e que assumem a responsabilidade inicial, obtém os
primeiros fundos e responsabilizam-se pelo projecto a nível financeiro e
administrativo, convocando os restantes actores que, juntos, elaboram,
planificam e depois desenvolvem o projecto. Em redor deste eixo de articulação
(o varão do chapéu-de-chuva), reúnem-se outros actores e, em função do seu
maior ou menor interesse e compromisso, implicam-se nesse projecto. O maior
perigo deste modelo é o excessivo protagonismo dos parceiros promotores. É
um risco que pode levar, facilmente, a uma espécie de despotismo vertical, onde
o actor principal toma as decisões importantes e o resto dos actores perde o
interesse, provocando o desaparecimento da parceria ou simplesmente restará
apenas a sua sobrevivência formal. O que de acordo com a imagem do chapéu-
de-chuva pode significar que, no primeiro caso, quando a chuva não é
produtiva, o chapéu fecha-se e do instrumento protector resta apenas um varão,
ou, no segundo caso, só serve para dar bom aspecto e parecer bem e continua,
inutilmente, aberto mesmo quando está sol, ou ainda quando o vendaval é
demasiado forte, porque os ventos sopram em direcções diferentes, e as varetas
se partem inutilizando o chapéu.

Modalidade 1 (chapéu-de-chuva)
Uma segunda modalidade, cada vez mais alargada é trabalhar em forma de
rede. O seu funcionamento é horizontal e cada actor da trama oferece uma
cooperação parecida e, assim, vai esticando o conjunto da rede. Não existem
protagonismos especialmente dominantes e cada parceiro encontra uma
gratificação proporcional à sua intervenção. Mas este modelo também não está
isento de riscos. O primeiro pode ocorrer como resultado da tensão excessiva de
cada actor na procura do seu interesse particular, não se encontrando
denominadores comuns, fazendo com que a rede acabe por se romper e a acção
local se desfaça em mil pedaços. O segundo risco, que resulta da não existência
de um centro concreto, pode levar a rede a entrelaçar-se de tal forma que se
converta num embaralhado nó sem qualquer utilidade, onde a intervenção não
obtém resultados e deixa de ter sentido. O terceiro risco é que a rede se vá
ampliando de tal forma que, no final, acabe por se perder toda a orientação e a
estratégia comum.

Modalidade 2 (Rede)
Potencialidades e riscos
Qual o sentido de adoptar a parceria como um princípio estratégico nas acções
locais de luta contra a exclusão, tendo em conta as definições adoptadas que
insistem nas suas dimensões estruturais, dinâmicas, pluridimensionais e
acumulativas.
Para as acções locais, a parceria dispõe das seguintes potencialidades:
- implicar o conjunto dos actores económicos, políticos e sociais, também
geradores da exclusão, em acções para erradicar este fenómeno.
- quebrar o isolamento individual e a exclusão dos indivíduos, dos grupos e das
pequenas comunidades, convidando-os a trabalhar mais em conjunto, e entre
eles, aproveitando melhor os seus recursos e coordenando as suas actuações.
- definir e partilhar outras regras do jogo que permitam desvanecer a separação
das lógicas económicas, sociais e políticas e a compartimentação das diferentes
políticas sectoriais (emprego, saúde, habitação, educação, protecção social,
cultura, etc.) tentando integrá-las.
- criar uma nova orientação de relacionamento e de colaboração entre a
administração pública, o mundo associativo, as redes sociais primárias, a
economia social e a empresa mercantil, na procura do interesse geral.
- convidar os responsáveis políticos, peritos, operadores de terreno, excluídos e
cidadãos para encontrarem espaços de expressão, interlocução, decisão e
actuação.
- experimentar novas alianças e estratégias nas acções locais que permitam uma
maior sensibilidade e visibilidade em relação às necessidades e exigências, uma
melhor expressão dos movimentos sociais emergentes e uma racionalização das
iniciativas e respostas.
- articular o local com o global, o processo de baixo para cima (bottom-up) e
vice-versa (top-down), ajudando a consciencializar sobre as mútuas implicações
e consequências que têm sobre a exclusão e ajudando a tentar eliminar os
obstáculos que se opõem às intervenções.
- converter-se no canalizador e catalizador do conjunto das exigências e
interesses de um determinado território.
- atrair recursos externos e criar sinergias e economias internas dos recursos
locais.
- ajudar a socializar e aproximar o poder, dado que este tende a concentrar-se e
distanciar-se dos cidadãos e, desta forma, permitir que se aprofundem e se
ampliem os processos democráticos e as decisões colectivas. No banquete do
poder da parceria, todos são convidados a ser anfitriões e comensais.
- limitar o corporativismo crescente de algumas grandes organizações que
tendem, sobretudo, a velar pelos seus interesses, obrigando-as a criar relações
de ponte entre elas, dando lugar a pactos e concertações, que podem ter
consequências locais positivas.
A parceria não é o remédio universal nem uma varinha mágica e, por isso, é
preciso descrever os riscos que comporta. Alguns deles são:
- o bloqueio que pode criar nas acções locais quando os actores não conseguem
entrar em acordo, ou, noutros casos, atrasar as decisões e/ou provocar a tomada
de decisões fora do tempo, e mesmo depois das circunstâncias terem mudado.
- a transformação da realidade para um cenário onde apenas se expressam, sem
resolvê-las, as tensões entre uma visão mais tradicional e outra mais inovadora.
- a sua utilização ser convertida numa arena política, onde prima, o
protagonismo e a interferência de umas opções e/ou pessoas em benefício
próprio, ou serem transferidos para esta arena outros conflitos que nada ou
muito pouco têm que ver com a luta contra a pobreza e a exclusão.
- a projecção sobre a parceria local de interesses alheios e extra locais,
nomeadamente de organizações de âmbito superior, que distorcem a situação
local.
- a criação de uma representação teatral, de uma peça já conhecida, onde os
actores representam o seu papel e o público assiste passivamente, sem que isso
se traduza em aplicações práticas. As populações pobres e excluídas nem sequer
podem entrar no teatro.
- a hegemonia de um único actor, que se destaque dos restantes, e não permita a
expressão dos mais frágeis e pequenos.
- uma má selecção do território onde se pretende actuar, o que pode implicar
uma falta de correspondência e de legitimidade dos componentes da parceria.
- a falta de implicação dos actores e/ou desequilíbrio entre eles no seu nível de
compromisso.
- a incapacidade de ir mais além de uma parceria pontual e específica, não
criando as condições da sua sustentabilidade e duração.

Condições para o progresso


A parceria como orientação estratégica para as acções locais é como um barco
que parte de um porto mais ou menos seguro e se lança à aventura para tentar
combater o tormentoso mar da exclusão.
A primeira consideração salienta o facto de que, embora a parceria seja uma
orientação estratégica válida, não é a única e é complementar das outras.
Ou seja, mais vale sair do porto acompanhado por outros barcos (participação,
integralidade, territorialidade) no meio de uma frota.
A segunda é que em doca seca, os barcos não avançam e para se lançarem ao
mar alto precisam de antecipar-se e conhecer as condições meteorológicas
previstas. A embarcação da parceria tem que analisar previamente o
contexto onde vai navegar. Qual é a cultura de negociação e conflito existente,
quais são os actores institucionais, emergentes e potenciais, quais são os seus
papéis históricos e actuais, quais são as características socioeconómicas do
território e da sua identidade, etc. É por estas razões que é importante que na
fase de diagnóstico se tenham em conta estas questões e que esta fase alimente a
organização prévia da parceria.
Este é um processo e, como tal, é preciso distinguir uma fase de preparação,
outra de início, outra de desenvolvimento e outra de maturação, sendo
normalmente cumulativas e sucessivas. Não se podem queimar etapas. O tempo
bem planificado e doseado pode ser um recurso que joga a favor da acção local
ou, pelo contrário, converter-se numa corrida contra-relógio cheia de
obstáculos. As primeiras etapas são fundamentais. É necessário preparar o
barco, equipá-lo com todos os instrumentos de navegação, com uma tripulação
de marinheiros convictos, uma boa equipa de oficiais, víveres para todos, etc., e
é preciso traçar a rota e conhecer o mar. É fundamental dedicar tempo e
energias a estes momentos iniciais onde os actores devem juntar-se ou ser
seleccionados, devem aprender a conhecer-se, fazer uma leitura conjunta da
realidade, criar as regras do jogo da parceria e definir a articulação entre o jogo
e a acção a realizar. Para que tudo isto se possa realizar, é necessário tempo,
capacidade e imaginação. Para alguns projectos calcula-se uma duração média
entre um a dois anos para atingir a velocidade média de navegação. Mas é
preciso fugir da tentação perfeccionista que exige que tudo esteja preparado e
previsto para entrar no mar alto, porque o maior risco do perfeccionismo é o
barco ficar encalhado no porto. É preciso assumir que qualquer viagem inclui,
também, a incerteza da sorte. Também é necessário prever a sua duração, os
indicadores que marcam as transições entre as fases e definir se a continuidade
impõe as necessárias condições para a sustentabilidade.
A quarta condição consiste em criar boas relações entre os actores e as suas
funções. Convém evitar as posições voluntaristas e militantes, através das quais
se exige muito e se consegue pouco. A parceria não se concretiza
automaticamente a partir da soma de vontades. É normal que seja um
complicado jogo de bilhar com muitas tabelas onde é preciso criar confiança,
reciprocidade e colaboração, ou seja, uma espécie de capital social da parceria.
Isso obriga a alterar as posições hierárquicas, dominantes e corporativas e
instalar a negociação, como método constante para tomar decisões. É necessário
implementar uma pedagogia e uma qualificação em conjunto com todos os
actores e, muito especialmente, dirigida às expressões organizadas dos grupos
excluídos e pobres, numa perspectiva de "empowerment" destes grupos. Os
diversos actores aceitam riscos e contribuem com recursos (técnicos, humanos,
financeiros, políticos, culturais, etc.), mas devem obter gratificações, retornos e
resultados através das intervenções que realizam contra a exclusão, tendo em
conta que o avanço neste campo é a sua principal finalidade e marca os seus
resultados. Existem muitos métodos para motivar, implicar e dinamizar a
parceria.
Outro elemento que condiciona a dinâmica da parceria é precisamente a
obtenção e a distribuição dos recursos. A transparência e a equidade são
fundamentais, indiferentemente se os recursos vêm de fora ou são obtidos no
interior da própria parceria. Se isto não acontecer pode provocar uma
dificuldade insuperável ou originar numerosos equívocos que neutralizam a
intervenção e até podem transformá-la. Os mares por onde navegam as
embarcações da parceria estão repletos de piratas ferozes e de sereias
encantadoras e, muitas vezes, é preciso lutar contra eles ou tapar os ouvidos
para não ouvir os seus cânticos. Além disso, os meios costumam ser escassos e
se alguns conseguem enriquecer com a pobreza, difícil, para não dizer
impossível, é, na luta contra a pobreza e a exclusão, sair com uma piroga e
regressar com um transatlântico. Por isso, uma das regras de ouro da parceria é
determinar quem faz o quê e, de acordo com isso, distribuir os rendimentos e
despesas e gerir a utilização do orçamento. Convém lembrar que a constituição
de uma parceria muito grande é uma ocasião para obter fundos externos,
oferecendo maiores garantias para os financiadores. Por fim, embora estes
fundos sejam necessários e ao mesmo tempo objecto das apetências, quase
sempre são os recursos humanos os que fazem avançar as acções locais.
Não podemos esquecer as dimensões políticas da parceria. Delas depende,
em grande parte, o êxito da parceria. As parcerias não são instâncias neutras,
embora possa existir uma visão tecnocrática sobre este assunto que tenta
eliminar as iniludíveis questões que giram em redor do poder.
Um dos aspectos diz respeito à liderança, com que é preciso contar, que pode
ser mais ou menos personalizada, institucional, aberta, e que se pode ir
construindo, modificando, ampliando de acordo com a dinâmica da parceria.
Esta depende, em grande parte, do seu reconhecimento e da sua legitimação,
dado que nem a reunião informal nem a autocracia convêm à embarcação da
parceria. Diz-se que onde manda o capitão, não manda o marinheiro, mas isto
só é verdade em parte já que embora a implicação dos responsáveis políticos
seja importante, o que se pode repercutir favoravelmente na acção, isso não
deve significar ou possibilitar uma interferência partidária. Além disso, nunca se
viu um barco navegar sem a contribuição de timoneiros, caldeireiros, grumetes
e outros membros da tripulação.
A parceria não pode alhear-se ou desconhecer as interferências e mediações
políticas, mas, ao mesmo tempo, não se pode converter na arena política
principal, nem "ser o criado de todos os amos", nem o único lugar onde se
deposita a carga reivindicativa. Se assim fosse, corria o risco de passar a
substituir as instituições democráticas tradicionais. Para os grupos excluídos
e/ou para os que não se conseguem expressar através delas, os processos de
parceria podem surgir como um meio alternativo de fazer ouvir as vozes
minoritárias. Desta forma, é importante aplicar a regra de uma pessoa, uma
organização, um voto, mas complementando esta metodologia com a ideia de
reforçar o elo mais fraco. No entanto, pode ser um problema entrar no jogo de
maiorias e minorias, sendo mais aconselhável propor estratégias, como a de
"minimax" e a de "maximin". Ou seja, evitar o pior resultado colectivo possível,
antes de maximizar a própria expectativa e conseguir o melhor resultado para
cada um, com base num mínimo de resultados colectivos.
De qualquer forma, não é possível, nem sequer conveniente, imaginar
candidamente uma parceria isenta de conflitos, como se fosse uma jangada em
azeite, onde não existem ondas nem tempestades. Até certo ponto, a parceria é e
deve ser uma forma de resolução dos problemas. Por vezes, converte-se
numa forma de apaziguá-los, outras vezes de acelerá-los, umas vezes é um
detonador, outras vezes é um catalisador. Mas isso é apenas a expressão das
contradições que ocorrem na realidade, na luta contra a exclusão e pelos
interesses e lógicas, por vezes antagónicas dos actores.
Por fim, na dimensão política, é preciso fazer referência aos mecanismos de
representação e de delegação e ao seu carácter simbólico implicado em
qualquer parceria. Aqui, não é preciso procurar uma representatividade
estatística, mas é útil que a maioria das organizações locais esteja presente e que
os seus representantes tenham mandatos alargados para poder negociar e
decidir tendo em consideração que é possível conjugar momentos informais e
formais e que estes têm o seu valor, não só pela aplicação posterior, como
também pelo simbolismo e visibilidade interna e externa, o que é crucial no
processo de reconhecimento da exclusão.
Se estas condições estiverem todas reunidas é possível, e até provável, que a
embarcação da parceria encontre bons ventos, evite as tempestades e chegue a
bom porto. Ou seja, que contribua para a erradicação da exclusão.

Qual é a utilidade da parceria para os grupos excluídos?


A parceria nem sempre é útil para os grupos que se encontram em situação de
exclusão. Por vezes, a sua criação pode servir para a reprodução dos poderes
existentes (oligarquias, clãs, chefes locais), dando uma aparência de abertura
sem que isso signifique uma mudança real. Mas de forma mais frequente, a sua
implantação significa abrir espaços de expressão, de articulação, de co-decisão.
No entanto, é preciso saber aproveitá-los e isso não é fácil. É preciso preparação
e qualificação para compreender os mecanismos e as regras que foram criadas, é
necessário uma preparação para estar representado, é inevitável estar vigilante e
saber controlar e, sobretudo, é importante saber entender que as decisões são o
resultado do conjunto dos actores e, por isso, nem sempre vão ser as esperadas e
até podem, por vezes, a curto prazo, serem contrárias. Mas, um passo atrás
agora, pode representar dois passos à frente mais tarde. Isso depende da relação
de forças que se cria em cada momento.
A criação de regras mais claras e explícitas decorrentes das dinâmicas de
parceria pode significar, para os grupos excluídos o limitar da arbitrariedade e a
redução dos efeitos mais negativos.
Em qualquer caso, a utilidade de constituir e participar no processo de parceria,
precisa de ser avaliada em função dos resultados concretos e simbólicos que se
obtêm com este processo.

Quando começa e quando termina a parceria?


Formalmente, a parceria começa quando todos os actores implicados se sentam
à volta de uma mesa e estabelecem as regras do seu funcionamento colectivo.
Mas antes disso, existe uma complexa e, por vezes, longa fase mais informal de
contactos iniciais, informação, interesse e pré-selecção dos actores.
A decisão sobre a sua duração é importante. Logicamente, se só está relacionada
com a acção local, terminará quando esta acabar, mas se o objectivo é dar
continuidade a este processo é necessário analisar, desde o início, a questão da
sustentabilidade da parceria. Pode ser que existam actores interessados apenas
em comprometerem-se durante um determinado tempo ou em ciclos específicos
do projecto. É importante que isso fique explícito e não permita equívocos.

Quantos actores devem participar na parceria?


Só um consegue fazer alguma coisa, dois conseguem mais, vários ainda mais e
todos em princípio deveriam poder fazer tudo. Mas isso é uma meia verdade,
porque, como toda a gente sabe, os actores não são iguais e o somatório das
soluções não dá a solução global.
A priori, quantos mais actores presentes melhor já que mais representativa,
legitimada e forte será a parceria. Embora, e em algumas ocasiões, valha mais a
pena sacrificar alguma presença no interesse da coesão interna, tendo
consciência do custo que isso poderá representar, do que incluir todos por
questões meramente formais ou institucionais. A experiência mostra que o
aumento paulatino das parcerias é um bom indicador da maturação, enquanto
as grandes oscilações (muitos entram e muitos saem) pode ser um sinal de que a
parceria não funciona bem. Também é preciso ter em conta que quantos mais
actores estiverem presentes mais complexa e mais lenta vai ser a tomada de
decisões e mais dificuldades surgirão para obter o consenso entre todos.

Todos os actores podem participar numa parceria local?


Em princípio não existe uma tipologia fechada e exclusiva dos actores que
podem participar nas parcerias, mas podem ser distinguidos se forem
agrupados da seguinte forma:
- delegações dos departamentos e serviços estatais;
- delegações dos departamentos e serviços regionais;
- conjunto dos serviços e departamentos das colectividades e instâncias públicas
locais;
- outras agências públicas ou semipúblicas com presença local;
- empresas públicas;
- organizações de empregadores;
- câmaras de Comércio, Indústria;
- organizações gremiais, comerciantes e artesanais;
- organizações de agricultores, rancheiros, criadores de gado, etc.;
- empresas de base local, regional, nacional, multinacional;
- entidades financeiras e de poupança;
- organizações de trabalhadores;
- organizações voluntárias e comunitárias;
- empresas sociais, cooperativas, mutualidades, fundações;
- associações benéficas, culturais, de ócio;
- organizações de profissionais;
- federações de voluntários;
- organizações não governamentais;
- grupos de auto-ajuda;
- associações e assembleias de vizinhos ou cidadãos;
- agrupamentos de utilizadores;
- iniciativas e grupos de excluídos da base territorial ou por grupos ;
- plataformas e redes de expressão e de reivindicação;
- etc.
Como é lógico, a maior ou menor presença de actores de um determinado tipo
fará oscilar a parceria para essa dimensão. Se a exclusão e a acção que se
pretende realizar estão mais relacionadas com a dimensão económica, é preciso
procurar uma maior participação e implicação dos actores económicos,
financeiros, empresariais, sindicais. Mas não podemos esquecer que uma das
características da parceria para lutar contra uma exclusão multidimensional é a
natureza distinta de cada um dos actores que participa no processo, sendo por
isso útil potenciar esta heterogeneidade.

Deve haver coerência entre o território seleccionado para


a intervenção e a implantação geográfica dos actores?
Em princípio a resposta é afirmativa, o que dá lugar a uma parceria horizontal
onde se expressam melhor, através dos actores locais, as necessidades,
exigências e interesses locais e é mais fácil encontrar os acordos que permitem a
intervenção. Mas não podemos esquecer a existência, à escala local, de agências,
instituições, delegações, serviços de âmbito territorial mais vasto, o que cria
eixos verticais com a introdução de decisões que se tomam fora do território.
Isto pode ser prejudicial, quando as decisões vão contra o território, ou desviam
a atenção, ou querem manipular os actores locais, normalmente mais débeis.
Mas também pode ser benéfico, quando uma parte das soluções locais depende
das medidas e recursos que se tomam em níveis superiores e podem influenciar
as organizações que actuam no processo. É por isso que é necessário tentar
conseguir uma coerência entre o território, a localização dos actores e a parceria
horizontal e vertical, com o intuito de influenciar as políticas globais a partir do
local.

Como se articulam as várias modalidades da parceria com


a acção territorial?
Existem muitas modalidades de parceria. Umas mais afastadas e outras mais
próximas da acção. Por vezes, adopta a forma de um Comité Director que toma
as decisões estratégicas; outras vezes, exerce uma função de patronato, ou então
faz o acompanhamento da vida quotidiana da intervenção; noutras ocasiões,
pode falar-se de multiparceria, quando dois ou mais actores colaboram com esta
perspectiva em subprojectos específicos da acção local, ou quando a acção se
organiza por subdivisões territoriais, onde existem comités de parceria (para
cada bairro ou para cada área específica).
Em qualquer caso é conveniente que exista um canal ou vários, reconhecidos e
explícitos que relacionem a acção com os mecanismos de representação e
decisão inscritos na parceria. Estes podem ser directos, indirectos, mais ou
menos formalizados, mas é fundamental que os fluxos informativos funcionem
com transparência, fluidez e rapidez.

Como é que a parceria pode ter em consideração os


aspectos simbólicos da exclusão?
Não é fácil para a parceria ter em consideração os aspectos simbólicos da
exclusão, já que mais facilmente se passa para as dimensões económicas e
sociais que costumam constituir as tarefas mais urgentes. A exclusão e a
pobreza materiais são as primeiras que saltam à vista e também os
financiadores e as práticas mais correntes tendem a sublinhar estas prioridades.
Mas não é preciso minimizar nem eliminar a importância da relegação
simbólica dos estereótipos, das estigmatizações, da xenofobia, da opacidade,
através das quais se oculta e disfarça a exclusão.
Por isso, o primeiro elemento que há que ter em conta é que a própria parceria
ou a instância criada tem um valor simbólico. A presença da população excluída
e/ou das suas organizações, a regulamentação aplicada, a terminologia que
utiliza, a estratégia que define, também são elementos simbólicos que precisam
de ser cultivados e integrados na cultura local e nas suas manifestações. Existe
uma "liturgia" de parceria que se pode desenvolver.
O segundo aspecto a ter em conta é que o diagnóstico da exclusão deverá
incorporar estes aspectos simbólicos, evidenciando as imagens e representações
negativas que circulam sobre os grupos excluídos. O objectivo é romper com
estas imagens negativas, mostrando as suas acções e manifestações positivas,
para as poder incluir e promover na planificação, e na estratégia de actuação
que se medeia. Pode ser importante que esta estratégia englobe acções
concretas, alcançáveis, modestas e a curto prazo que possam adquirir um valor
emblemático, e que, se tiverem sucesso, deverão ser divulgadas e alvo de
visibilidade.
Por fim, pode ser frutífero ter bem presente a visibilidade da parceria, utilizando
todos os meios de comunicação, desde o mais humilde boletim, até à mais
sofisticada rede informática, transmitindo para os meios de comunicação
externos (rádio, imprensa, televisão, etc.), desenvolvendo uma pedagogia visual,
etc.

Como se resolvem os conflitos no seio da parceria?


Nem todos os conflitos têm a mesma origem, nem se manifestam da mesma
forma. É importante distinguir aqueles que são externos daqueles que foram
criados na própria dinâmica de parceria. Em qualquer caso, é fundamental
detectá-los, conhecê-los e reconhecê-los. No primeiro caso, é necessário ver
quais são as possibilidades da estrutura da parceria para resolvê-los. Se isso não
é possível, não podem ser assumidos e é preciso ter a força necessária para
devolvê-los à origem das suas causas. A parceria não tem uma vocação universal
de dar solução a tudo. Ao contrário, a parceria deverá combater e tentar gerir os
problemas que ela própria provoca.
Fazer um bom diagnóstico do conflito e partilhá-lo com todos é começar a
anular esse conflito. Evitar as acusações, situar as responsabilidades e definir os
meios e vias para resolvê-lo podem ser algumas pistas, às quais é preciso
adicionar a capacidade de imprimir uma dinâmica colectiva que ajude a superar
o conflito.
Convém recordar que a parceria não resolve todos os antagonismos e, como em
qualquer processo de negociação, cada actor deve estar disposto a ceder algo e
que, por vezes, é indispensável a mediação externa.

Pode-se avaliar a parceria?


Sim. A dinâmica da parceria pode ser avaliada, mas não é fácil, porque é preciso
que todos os actores estejam de acordo, que sejam fixados objectivos próprios,
resultados previstos e é ainda preciso estar atento ao processo interno e às suas
várias fases. Por vezes, não é fácil distinguir tais fases, tal como é difícil
diferenciar os resultados que se devem ao processo ou às acções que se
desenrolam fora do processo.
De qualquer forma, é possível realizar uma avaliação prévia sobre a
possibilidade da formulação da parceria, o contexto, favorável ou desfavorável,
as condições da sua implantação, a dinâmica e as relações entre os actores e, por
fim, avaliar o impacto e os resultados tentando fazer um balanço das causas.
Para a dinâmica de parceria é importante estabelecer momentos precisos e
explícitos, nos quais se realiza uma auto-avaliação dos avanços e retrocessos que
vão sendo conseguidos. Por vezes, pode ser útil que alguém do exterior ajude na
realização destes balanços de auto-avaliação do processo. Igualmente, é possível
estabelecer um sistema de indicadores mais formais e quantitativos (número de
actores, número de reuniões, quantidade e tipo das decisões tomadas, etc.) e
outros mais qualitativos (opiniões, atitudes, tipologia de avanços e retrocessos,
etc.). De qualquer forma, é importante pensar que é preciso dedicar recursos e
tempo à avaliação, e que esta fase pode ser um processo de acompanhamento,
pedagógico e de balanço, do conjunto da comunidade sobre a parceria que, no
final, deve enriquecer a fase de retroalimentação.

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