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Parceria
Justificação
Lutar contra a exclusão social entendida como um processo que se inscreve no
coração do sistema económico, social, político e cultural, através do qual
pessoas, grupos e territórios se vêm afastados e inferiorizados relativamente aos
centros de poder, não é fácil. Mas, desde há várias décadas, instâncias
internacionais, regionais, redes transnacionais, governos e administrações
públicas, actores socioeconómicos, mundo associativo e milhares de acções à
escala local tentam combater a exclusão. Ao fazer isto, experimentaram
diferentes tipos de princípios estratégicos. Entre eles, a parceria aparece como
uma das mais úteis e válidas, especialmente, para as acções locais.
Isso acontece porque a exclusão social é pluridimensional e a parceria, como
orientação estratégica, encontra a sua razão de ser em redor deste fenómeno, de
uma ou outra forma, sobre todos e, mais particularmente, sobre os próprios
afectados e sobre os actores territoriais da cena económica, social e política.
Sem a colaboração de todos eles é muito difícil, para não dizer impossível, fazer
progressos substanciais, duradouros e sustentáveis.
Por outro lado, à escala local, a parceria costuma ter uma maior legitimidade e
ser mais eficaz que a outros níveis, porque pode conhecer e expressar melhor as
necessidades e exigências da população e distribuir de forma mais eficiente os
recursos, obtendo um maior compromisso dos actores, canalizando as
reivindicações e encontrando as soluções mais adequadas.
Sendo assim, esta palavra e a noção que lhe está associada têm várias acepções.
É por este motivo que é importante tentar defini-la e delimitá-la.
Definição
O termo parceria é, em simultâneo, velho, novo e polissémico. Velho, porque em
inglês já se utilizava no século XIV, no sentido de se associar a alguém ou como
"partaker" (o que toma parte) e, em França, está na origem de "partenaire", em
plena Revolução, dando-lhe o significado de aliança contra outros jogadores, de
partilhar uma dança, um desporto ou relações íntimas. É possível até referir o
seu sentido originário na Grécia clássica onde "hetaireia", que já aparece com
Homero, designava o amigo/a, os camaradas de armas, o discípulo de um
mestre filosófico ou religioso. O longo itinerário desta palavra vai-lhe dando
várias utilizações, mais relacionados com a vida mercantil, no mundo
anglófono, com a vida do trabalho agrícola, na península ibérica ("parceiro,
aparcero"), com o sistema de representação paritário, na Alemanha, para, nos
anos oitenta do século anterior, ser utilizada na perspectiva dos sócios que
cooperam em projectos transnacionais, adoptando assim um carácter mais
socioeconómico. Actualmente, é aplicado e implementado na grande maioria
das acções locais que, em todo o mundo, incluem a responsabilização de vários
agentes na erradicação da exclusão. Neste sentido, a sua utilização é
simultaneamente nova e pode ser um elemento de inovação.
A noção de parceria pode ter uma dimensão económica ou social, ou melhor,
pode ser uma ponte entre ambas as dimensões, embora não sendo
compreendida fora do contexto político e utilizada ainda no campo cultural. É
referida como um valor, como um princípio e até como um instrumento. Para
uns, é um fim, para outros, é um meio. Existe uma grande variedade de opções
políticas e ideológicas que a propõem e defendem e cada uma a reclama, até
certo ponto, como sua. Desta forma, existem muitas abordagens deste conceito.
Umas insistem na confluência de interesses, outras na necessidade de um
esquema formalizado e organizativo, outras ainda, referem a dinâmica que
produz. Entre as várias abordagens, pode ser útil referir a seguinte:
É possível dizer que a parceria é um processo, mais ou menos
formalizado, através do qual dois ou mais actores de diferente
natureza (públicos, privados,...) entram em acordo para realizar um
plano, um programa ou um projecto comum nas estratégias e
acções, e, neste caso, na luta contra a exclusão.
Através desta definição, pode-se dizer que a parceria é mais que interlocução
que não inclui uma acção conjunta, e menos do que participação, onde cada um
tem e faz parte de alguma coisa. É diferente de coordenação, onde o
compromisso é mais ligeiro e pressupõe uma ordenação orgânica, ou de
colaboração, onde não existe forçosamente uma implicação mútua. A diferente
natureza dos actores afastaria a parceria do conceito de cooperação que costuma
caracterizar uma relação entre iguais ou parecidos. Enquanto que uma menor
cristalização jurídica e formal, e por isso uma relação mais forte e duradoura,
faria a distinção entre parceria e associação.
Modalidades de aplicação
Não existe um modelo único e ideal de parceria aplicável em
qualquer circunstância. Mais, é possível afirmar que o contexto geral e as
coordenadas espaço e tempo têm uma grande influência sobre as modalidades
adoptadas pela parceria local. Assim, nos países onde o campo social foi
dominado principalmente apenas por um actor, a administração pública ou o
sector privado, é mais difícil encontrar parcerias com uma grande diversidade
de agentes. Ou nos países onde as colectividades locais tiveram pouco peso e
competências limitadas, dificilmente se conseguem converter no eixo principal
da parceria local. Enquanto que nas sociedades onde as relações primárias são
fundamentais, e continuam a assegurar as condições de sobrevivência,
reprodução e autoprotecção, a parceria é mais frequentemente um
processo contínuo, através do qual, as relações dos grupos se auto-organizam
e se articulam, originando uma concertação formal entre actores. Neste caso, o
tipo de parceria que se cria na luta local contra a exclusão está relacionado com
uma obrigação moral e de coesão social interna, juntamente com uma situação
de diferenciação com outras comunidades e territórios, enquanto que, noutros
casos, a parceria adopta formas organizativas mais estruturadas,
constituindo-se em Comités ou Conselhos, chegando mesmo a adoptar fórmulas
jurídicas (fundações, associações, consórcios, corporações, etc.) de acordo com
os padrões legais existentes.
Outro aspecto que incide nos modos de parceria é o grau de concentração
das actividades económicas, o nível de polarização territorial e a
intensidade com que se manifesta a exclusão no âmbito local. Quando
existe localização e concentração produtiva (apenas um sector, uma função de
serviços, etc.) é mais fácil que a parceria tenda a organizar-se à volta dos
interesses presentes, ao contrário do que acontece quando a estrutura
económica é mais diversificada e as manifestações de exclusão são mais difusas.
Nas primeiras circunstâncias, a parceria habitua-se a constituir-se e a
desenvolver-se para compensar as desvantagens e defender os parcos recursos
de um território, orientando uma parte dos seus esforços para o exterior e
adoptando, frequentemente, planificações de carácter mais reivindicativo.
Também, quanto mais forte for a identidade territorial (cultural,
linguística, desportiva, festiva) e houver uma correspondência desta com as
divisões políticas, administrativas, judiciais, religiosas, menos dificuldades
serão sentidas para encontrar fórmulas de parceria legitimadas, formalizadas e
duradouras. Mas, se pelo contrário, o território local não tem características
comuns e, além disso, não existe uma correspondência com as demarcações
institucionais, é mais difícil criar e madurar o processo de parceria.
A parceria não costuma nascer por geração espontânea. É raro que, a partir de
um grupo ou de um território cronicamente excluídos, surja a energia e a
capacidade para promover processos de parceria. Por isso, é preciso ter em
consideração que, muitas vezes, os impulsos iniciais podem proceder do
exterior, mas isto não deve ser um obstáculo para que estes esforços não se
possam articular com os actores locais. Daí que, os momentos iniciais sejam
delicados e exijam uma boa capacidade de negociação capaz de gerar muitos
consensos e denominadores comuns que possam sustentar as fases seguintes de
implementação da parceria.
A parceria é um ponto equidistante entre o consenso total e o conflito
sistemático. Não se pode instalar nos dois extremos. Mas se a aproximação é
feita ao primeiro, adopta formas de negociação mais informais, os acordos são
mais estáveis e a distribuição dos recursos é mais fácil. Se oscila para o segundo,
com toda a certeza vai ter de recorrer a regulamentação interna, os primeiros
passos serão mais lentos, os pactos devem ser mais claros e o seu avanço mais
difícil.
Assim, existem muitas modalidades de aplicação da parceria que pode e deve
ser integrada nos diversos ciclos de uma acção local. Tanto o diagnóstico, como
a planificação, a execução, a avaliação e a retroalimentação podem ser levadas a
cabo, implicando e levando os diversos actores a agir.
Em termos de organigrama e funcionamento organizativo da parceria,
distinguem-se duas grandes modalidades.
A primeira adopta a forma radial, como um chapéu-de-chuva, visto de cima,
na qual um ou vários actores são os promotores da acção local de luta contra a
pobreza e a exclusão, e que assumem a responsabilidade inicial, obtém os
primeiros fundos e responsabilizam-se pelo projecto a nível financeiro e
administrativo, convocando os restantes actores que, juntos, elaboram,
planificam e depois desenvolvem o projecto. Em redor deste eixo de articulação
(o varão do chapéu-de-chuva), reúnem-se outros actores e, em função do seu
maior ou menor interesse e compromisso, implicam-se nesse projecto. O maior
perigo deste modelo é o excessivo protagonismo dos parceiros promotores. É
um risco que pode levar, facilmente, a uma espécie de despotismo vertical, onde
o actor principal toma as decisões importantes e o resto dos actores perde o
interesse, provocando o desaparecimento da parceria ou simplesmente restará
apenas a sua sobrevivência formal. O que de acordo com a imagem do chapéu-
de-chuva pode significar que, no primeiro caso, quando a chuva não é
produtiva, o chapéu fecha-se e do instrumento protector resta apenas um varão,
ou, no segundo caso, só serve para dar bom aspecto e parecer bem e continua,
inutilmente, aberto mesmo quando está sol, ou ainda quando o vendaval é
demasiado forte, porque os ventos sopram em direcções diferentes, e as varetas
se partem inutilizando o chapéu.
Modalidade 1 (chapéu-de-chuva)
Uma segunda modalidade, cada vez mais alargada é trabalhar em forma de
rede. O seu funcionamento é horizontal e cada actor da trama oferece uma
cooperação parecida e, assim, vai esticando o conjunto da rede. Não existem
protagonismos especialmente dominantes e cada parceiro encontra uma
gratificação proporcional à sua intervenção. Mas este modelo também não está
isento de riscos. O primeiro pode ocorrer como resultado da tensão excessiva de
cada actor na procura do seu interesse particular, não se encontrando
denominadores comuns, fazendo com que a rede acabe por se romper e a acção
local se desfaça em mil pedaços. O segundo risco, que resulta da não existência
de um centro concreto, pode levar a rede a entrelaçar-se de tal forma que se
converta num embaralhado nó sem qualquer utilidade, onde a intervenção não
obtém resultados e deixa de ter sentido. O terceiro risco é que a rede se vá
ampliando de tal forma que, no final, acabe por se perder toda a orientação e a
estratégia comum.
Modalidade 2 (Rede)
Potencialidades e riscos
Qual o sentido de adoptar a parceria como um princípio estratégico nas acções
locais de luta contra a exclusão, tendo em conta as definições adoptadas que
insistem nas suas dimensões estruturais, dinâmicas, pluridimensionais e
acumulativas.
Para as acções locais, a parceria dispõe das seguintes potencialidades:
- implicar o conjunto dos actores económicos, políticos e sociais, também
geradores da exclusão, em acções para erradicar este fenómeno.
- quebrar o isolamento individual e a exclusão dos indivíduos, dos grupos e das
pequenas comunidades, convidando-os a trabalhar mais em conjunto, e entre
eles, aproveitando melhor os seus recursos e coordenando as suas actuações.
- definir e partilhar outras regras do jogo que permitam desvanecer a separação
das lógicas económicas, sociais e políticas e a compartimentação das diferentes
políticas sectoriais (emprego, saúde, habitação, educação, protecção social,
cultura, etc.) tentando integrá-las.
- criar uma nova orientação de relacionamento e de colaboração entre a
administração pública, o mundo associativo, as redes sociais primárias, a
economia social e a empresa mercantil, na procura do interesse geral.
- convidar os responsáveis políticos, peritos, operadores de terreno, excluídos e
cidadãos para encontrarem espaços de expressão, interlocução, decisão e
actuação.
- experimentar novas alianças e estratégias nas acções locais que permitam uma
maior sensibilidade e visibilidade em relação às necessidades e exigências, uma
melhor expressão dos movimentos sociais emergentes e uma racionalização das
iniciativas e respostas.
- articular o local com o global, o processo de baixo para cima (bottom-up) e
vice-versa (top-down), ajudando a consciencializar sobre as mútuas implicações
e consequências que têm sobre a exclusão e ajudando a tentar eliminar os
obstáculos que se opõem às intervenções.
- converter-se no canalizador e catalizador do conjunto das exigências e
interesses de um determinado território.
- atrair recursos externos e criar sinergias e economias internas dos recursos
locais.
- ajudar a socializar e aproximar o poder, dado que este tende a concentrar-se e
distanciar-se dos cidadãos e, desta forma, permitir que se aprofundem e se
ampliem os processos democráticos e as decisões colectivas. No banquete do
poder da parceria, todos são convidados a ser anfitriões e comensais.
- limitar o corporativismo crescente de algumas grandes organizações que
tendem, sobretudo, a velar pelos seus interesses, obrigando-as a criar relações
de ponte entre elas, dando lugar a pactos e concertações, que podem ter
consequências locais positivas.
A parceria não é o remédio universal nem uma varinha mágica e, por isso, é
preciso descrever os riscos que comporta. Alguns deles são:
- o bloqueio que pode criar nas acções locais quando os actores não conseguem
entrar em acordo, ou, noutros casos, atrasar as decisões e/ou provocar a tomada
de decisões fora do tempo, e mesmo depois das circunstâncias terem mudado.
- a transformação da realidade para um cenário onde apenas se expressam, sem
resolvê-las, as tensões entre uma visão mais tradicional e outra mais inovadora.
- a sua utilização ser convertida numa arena política, onde prima, o
protagonismo e a interferência de umas opções e/ou pessoas em benefício
próprio, ou serem transferidos para esta arena outros conflitos que nada ou
muito pouco têm que ver com a luta contra a pobreza e a exclusão.
- a projecção sobre a parceria local de interesses alheios e extra locais,
nomeadamente de organizações de âmbito superior, que distorcem a situação
local.
- a criação de uma representação teatral, de uma peça já conhecida, onde os
actores representam o seu papel e o público assiste passivamente, sem que isso
se traduza em aplicações práticas. As populações pobres e excluídas nem sequer
podem entrar no teatro.
- a hegemonia de um único actor, que se destaque dos restantes, e não permita a
expressão dos mais frágeis e pequenos.
- uma má selecção do território onde se pretende actuar, o que pode implicar
uma falta de correspondência e de legitimidade dos componentes da parceria.
- a falta de implicação dos actores e/ou desequilíbrio entre eles no seu nível de
compromisso.
- a incapacidade de ir mais além de uma parceria pontual e específica, não
criando as condições da sua sustentabilidade e duração.