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CARTA AOS ROMANOS

-Texto para uso dos alunos e alunas de teologia da PUCPR – Londrina, Ano
2020.

- Autor: Dr.VICENTE ARTUSO –Professor: Mestrado e Doutorado

1) Contexto histórico: A cidade de Roma.

Roma como capital do império, de grande prestigio, era um centro para


onde convergiam as riquezas de todos os pontos do império. Mas pela atmosfera
moral, catálogo de vícios do paganismo, assemelhava-se muito a Corinto (Rm
1,24.32). Quando a epístola foi escrita em 57-58, vivia-se uma época feliz em que
Nero, aconselhado por Sêneca, assegurava ao império sábia administração. A
população de Roma, contava cêrca de um milhão de habitantes. Muitos eram plebeus
e libertos e sobretudo uma massa enorme de escravos que viviam das distribuições
habituais. A cidade era super-povoada com um fluxo de aventureiros que chegavam
de todas as partes do império, conduzidos pela ambição de cargos públicos, sede de
prazeres e desejo de fortuna. Os cristãos eram classificados na classe inferior dos
estrangeiros que afluiam de todas as provincias. Os judeus eram numerosos (R.
Feuillet p 363 34)
As condições sócio-econômicas não eram boas, havia fortes desníveis
sociais e culturais conforme a própria carta nos informa (Rm 1,14; 12,8) (Cf.
Estudos biblicos 25, p.46ss).

2) A comunidade cristã de Roma.

a) O início da comunidade.
O primeiro testemunho a respeito de Roma é de 139 AC: Como dissemos era
uma cidade populosa, com uma forte comunidade judaica (cerca de 50.000).
Conhece-se o nome de mais de dez sinagogas. Havia o anti-semitismo pois os judeus
passavam por humilhações, e sofriam medidas restritivas. A religião judaica era
chamada: "superstição bárbara" (G.Barbaglio, Cartas II,p.117). Não temos notícias
seguras sobre a origem e função da comunidade cristã de Roma. Paulo nunca visitou
esta comunidade antes de lhe escrever a carta. Paulo apenas teve contato indireto com
Roma mediante a colaboração de Prisca e Áquila com quem fundou a comunidade de
Corinto (At 18) ((.Wilckens, p.49).
Temos poucas informações na carta sobre a existência da Igreja de Roma.
Em Rm 15,22-24, Paulo escreve que há muito tempo ele tinha a intenção de visitar os
cristãos de Roma. A base desta passagem podemos concluir que pelo ano 50 DC,
havia cristãos em Roma. A observação do escritor romano Suetônio em sua vida de
Claudio, sugere uma data mais antiga: Claudio expulsou os judeus de Roma por
causarem frequentes distúrbios, sendo Chrestus o instigador deles. "Sendo Chrestus",
é uma referência não a um agitador judeu qualquer, mas ao proprio Jesus Cristo cujo
evangelho trouxe muitos problemas em Roma. As autoridades não viam com bons
olhos estas agitações nos meios judaicos. Por ocasião das pregações de Paulo estas
agitações eram frequentes: Antioquia da Pisídia (At 13,50), Listra (14,49),
Tessalônica (At 17,5-8), Beréia (At 17,13), Corinto (At 18,12), Éfeso (At p7 3
19,23ss). Estas perturbações deram ocasião à Claudio decretar a expulsão dos judeus
da capital. Pouco antes deste edito, ( ano 49), já havia cristãos misturados com judeus
causando tais intrigas (Cf.Kummel p.399; M.Carrez p.146). É provável que as obras
de evangelização em Roma provêm dos judeus convertidos, que devido ao grande
intercâmbio comercial da Siria e Palestina com a capital do império levaram a fé até
Roma.
Uma antiga tradição coloca Pedro como fundador do cristianismo em
Roma. É certa a presença de Pedro na capital do império. Seu martírio e sepultura,
conforme provam as escavações de 1950 ordenadas por Pio XII. Porém é incerta a
presença de Pedro antes do Ano 50, pois tais notícias são do sec.III DC, e ainda
baseadas na lenda de Simão Mago que tem pouco valor histórico. At 12,18-19
menciona que Pedro ao fugir da prisão saiu para um território que não estava sob a
jurisdição de Herodes, e em At 15,7 aparece novamente em Jerusalém.
Paulo dirige-se a uma comunidade não dirigida por ele, mas não faz
nenhuma menção das pessoas, que trouxeram o evangelho a esta comunidade cristã,
embora o poderia ter feito tranquilamente (Rm 1,8-10). Com isso é provável que o
cristianismo entrou em Roma não por meio de um missionario ou apóstolo, mas por
meio de uma pessoa particular pelos caminhos do comércio internacional, ou da
diáspora judaica. Tudo faz crer que a comunidade já tinha uma longa experiência de
vivência cristã quando Paulo escreveu.

b) Fisionomia da comunidade: conflitos religiosos.

Era uma comunidade não isenta de conflitos, especialmente entre os judeus


cristãos com os étnicos cristãos. Somente os primeiros, julgando-se donos da verdade
frequentavam a sinagoga e excluiam a participação dos étnico-cristãos julgados
contrários á lei. Após a morte de Claudio, o decreto de expulsão dos judeus por causa
das frequentes intrigas, foi revogado. Em 54, com o imperador Nero os judeu-cristãos
puderam voltar a Roma. Enquanto Claudio manteve o decreto de expulsão dos judeu-
cristãos, os étnico-cristãos constituiam a maioria da comunidade cristã. Voltando os
outros que estavam dispersos, encontraram uma comunidade organizada com cristãos
vindos do paganismo. Com isso voltaram as tensões de antigamente. Mas agora os
étnico-cristãos formavam uma comunidade bem constituida. Excluidos da sinagoga
formavam pequenos grupos nas casas para as suas celebrações. Sua doutrina e
missão entre os gentios se baseava na convicção que pela morte expiatória de Cristo
foi abolida a lei cultual, juntamente com o Templo. E através da fé em Jesus Cristo e
não através da observância da lei cultual que se tem acesso á salvação. Esta doutrina
nova, facilitava a entrada dos gentios na comunidade cristã.
Com esta prática era eliminada a diferenciação que tinha significado
fundamental para o judaismo: a distinção entre prosélitos (pagãos que pela
circuncisão e plena prática das leis se faziam judeus) e "temerosos de Deus" (pagãos
convertidos que observavam os mandamentos, tinham fé no Deus único, guardavam o
sábado e as prescrições morais, mas não tinham a circuncisão).
Em outras palavras era a distinção entre circuncisos e incircuncisos, judeus
verdadeiros e pecadores da gentilidade (Gl 2,15). Esta distinção jamais foi superada
como tal pois os temerosos de Deus" estritamente não eram considerados judeus por
não aceitarem o rito da circuncisão. Nesse clima era natural que os missionários
cristãos conquistassem grande número de temerosos de Deus para o cristianismo, pois
aceitando o cristianismo tinham participação plena da salvação sem passar pela
circuncisão e pela observância plena das prescrições da Torah.
As sinagogas judaicas locais consideravam isso uma afronta. Estavam
perdendo o fruto de seus esforços de conseguir adeptos entre os gentios, o apoio
financeiro (pagamento do impôsto sagrado do templo) e a reputação social. Por sua
vez os missionários cristãos com os temerosos de Deus, chamavam tambem os judeus
a converter-se a esta nova fé no messias Jesus. Com isso colocavam os "justos" fiéis á
lei, no mesmo plano com os "pecadores da gentilidade" (Gl 2,15) (U.Wilckens, pp.
53-55).

c) Membros da comunidade.

A comunidade era composta por judeu-cristãos, pois a carta aos Romanos é


um diálogo entre o evangelho paulino e o judaismo. Por outro lado existiam os
gentios cristãos em grande numero (Cf.Rm 1,5-6. 13-15; 11,11-13; 15,14-16),
principalmente após o edito de Claudio (ano 49-50) que baniu os judeus da capital.
Esta tese sustentada por Lyonnet pelo fato de não existir intenções polêmicas contra
os judaizantes, os quais já estavam presentes em Roma. Há contudo indícios de
influências judaizantes: "Rogo-vos, irmãos, que estejais alertas contra os que
provocam dissenções e escândalos, pondo-vos em contradição com a doutrina que
aprendeste. Podemos dizer que Paulo se dirige tanto aos cristãos de origem judaica
como os de origem gentílica. Ele prega a união e o mútuo acolhimento: Acolhei-vos,
portanto, uns aos outros, como tambem Cristo vos acolheu" (Rm 15,7)

3) Data e ambiente de composição da carta.

A carta aos Romanos ditada por Paulo à Tércio (Rm 16,22) foi escrita em
Corinto no fim de sua terceira viagem apostólica, pelos anos 57-58 (Il Messagio della
Salvezza, vol.7,p.374).
Repassemos a trajetória missionária de Paulo. Na ocasião ele terminava sua
terceira viagem missionária iniciada pelo ano 51Á54, a qual o tinha levado de
Antioquia (Siria) a Éfeso, onde permanecera tres anos (At 20,31). De Éfeso foi à
Macedônia, Acaia, Corinto onde permaneceu tres meses (At 20,3).
Em Corinto ele considerou sua terceira missão terminada pelo ano 58. Paulo
já tinha escrito a epístola aos Filipenses, decidiu escrever uma carta á Roma, que sem
dúvida foi levada pela diaconisa Febe (Rm 16,1) que morava em Cencréia, pôrto de
Corinto.
Para Paulo o oriente estava evangelizado (no sentido que Paulo entendia
este termo cf. Rm 15,19), pensava então evangelizar o p7 3 ocidente e ir até a
Espanha (Rm 15,24). Nesta viagem devia passar para Roma: "Passarei por vos a
caminho da Espanha" (Rm 15,28). Não se tratava pois de fundar uma comunidade em
Roma que já fôra fundada por outros (Rm 15,20). Sua permanencia em Roma seria
uma visita, uma escalada na rota para a Espanha. Antes de empreender esta viagem
ao ocidente, o apóstolo ainda tinha uma missão a cumprir (Rm 15,25-28): levar a
Jerusalém a coleta que ele tinha organizado nas Igrejas da gentilidade e da qual ele
fala longamente em 2Cor 8-9. Tendo em mente tôdas estas preocupações Paulo
escreveu a carta á uma comunidade florescente e virtuosa (Rm 1,8; 16,19) (Carrez,
p.143s).

4) Objetivo da carta.

A carta é um amplo e sólido tratado dos pontos centrais da mensagem


cristã, especialmente com referência entre a Antiga e Nova Aliança, judaismo e
cristianismo (Rm 4,7. 9-11).
Com seu escrito o apóstolo deseja fortalecer e esclarecer a fé dos Romanos
propondo uma visão de conjunto de seu evangelho que ele desejava anunciar ao
mundo ocidental a partir de Roma.
Parece claro na cara que Paulo desejava a reconciliação ou ao menos atitudes
de benevolência entre étnico-cristãos com os judeu-cristãos. Este objetivo de união e
entendimento parece claro nos cap.14-15 onde os "fortes" são os étnico-cristãos e os
"fracos" são os judeu-cristãos. Outro objetivo da carta seria neutralizar uma possível
subversão dos judaizantes. O sucesso da propaganda de falsos doutores teria
provocado a ruptura da unidade e harmonia na comunidade. Esta intenção
pacificadora parece clara na sua preocupação de fazer chegar até Jerusalem as coletas
feitas entre os cristãos da Europa. Com êsses objetivos Paulo preparava o ânimo dos
cristãos de Roma para a sua visita. Seu zelo apostólico, o move a anunciar o
Evangelho e a escrever á comunidade: O empenho que há em mim de vos anunciar o
Evangelho a vós que estais em Roma" (Rm 1,1-7,8-15).

5) estrutura.

A proposta de E.Osty:

1- Parte dogmática ( Rm 1,18-11,36): a justificação pela fé.


sua necessidade (Rm 1,18-4,25).
sua excelência (Rm 5,1-8,39).
O problema da rejeição de Israel (Rm 9-11).

2- Parte Moral ou parenética (12,1-15,13).


A proposta de Lyonnet:

Saudação:Rm 1,1-7.
Ação de graças e oração: Rm 1,8-15.

1- A salvação pela fé: Rm 1,16- 11,36.


A) A justificação: Rm 1,16-4,25.
-Gentios e Judeus sob a cólera de Deus: 1,18-3,20.
-A justiça de Deus e a fé: 3,21-31.
-O exemplo de Abraão: 4,1-25.

B) A salvação (5,l - 11,36).


- A justificação penhor da salvacão (5,1-11)
- Libertação do pecado, da morte e da lei (5,12-7,21)
- A vida dos cristõs no Espírito (8,1-39)
- A situação de Israel (9-11).

2- Parênese 12,1-15,13;
Epílogo 15,14-16,27.

Esses dois planos são muito semelhantes, embora E.Osty renuncia a fazer a
distinção entre justificação e salvação, como o faz Lyonnet, com muitos outros
comentadores. Tanto um como outro mantêm a divisão clássica entre parte dogmática
(1-11) e parte parenética (12-15).
Quanto ao cap.16, exceto a doxologia (16,25-27), seria um acréscimo, um
bilhete enviado não aos romanos mas aos Efésios, pois Paulo não poderia conhecer
aqueles nomes. Ele não esteve em Roma antes de escrever a carta. Porém as
argumentações dos que aceitam o capitulo 16 como parte integrante da epístola aos
romanos são mais fortes (James D. Dunn, Romans 9-16, p.884).
Para uma pista de leitura para Rm 1-11 convem seguir o esquema de
M.Carrez,p.163 que nos oferece um ótimo esquema de leitura.

6) Exegese.

a)Rm 1,16-17: Enunciação da tese da justificação.


Em Rm 1,16 Paulo afirma que não se envergonha da mensagem da Salvação
contida no Evangelho. Esta vergonha, trata-se de um possível sentimento psicologico
do impacto da sua pregação com a capital do império, grande força política e centro
da cultura grega. A afirmação conforme esta hipótese seria esclarecida por 1Cor 1,23
onde o tema da pregação da cruz de Cristo, para os gregos é expressão de tolice e
loucura. Porém a expressão de Paulo se refere á sua consciência apostólica
manifestada em Rm 1,14 com as palavras: "Eu me sinto devedor dos gregos e dos
bárbaros, dos sábios e dos incultos" . Paulo é apóstolo consciente de sua causa á qual
se entregou totalmente. O primeiro enunciado é "força de Deus". O Evangelho não é
apenas son de voz. É palavra e alegre anúncio de Deus, tem fôrça criadora, realiza o
que anuncia e faz existir o que afirma. A passagem paralela é 1Cor 6,14; 2Cor 13,4; e
especialmente 1Cor 1,18: A pregação da cruz é força de Deus". A palavra é
comunicação, proposta, decisão voluntária cheia de eficácia operativa. A salvação é
"para todo aquele que crê". A iniciativa de Deus deve corresponder a adesão livre e
responsavel do homem. A salvação torna-se realidade justamente neste encontro
pessoal, na aceitação da poderosa palavra de Deus (G. Barbaglio, As cartas de Paulo
II,p.144). O evangelho pregado por Paulo, com coragem e sem se envergonhar, é o
próprio Cristo (Rm 1,1; Gl 1,6; 1Ts 2,1.8-9). Pela fé que "é prestar ao Deus que se
revela um obséquio pleno da inteligência e da vontade" (DV); o ser humano alcança a
Salvação.
A salvação em primeiro lugar do judeu e depois do pagão". A expressão
sublinha a universalidade da salvação afirmada antes "de todo aquele que crê" . A
afirmação tem um tom polêmico. Por força do Evangelho, as barreiras são derrubadas
para sempre, o mundo dos incircuncisos (pagãos) é também campo da manifestação
da força salvífica... Por outro lado Paulo atribui aos judeus uma precedência em
relação aos pagãos. A precedência dos judeus vista á luz de Rm 3,1-2 e dos cap.9-10,
é qualitativa: Antes de tudo porque a eles foram confiadas as palavras de Deus" (Rm
3,2). Nesta frase muitos vêem uma intenção polêmica de Paulo, desta vez voltada
contra os cristãos ex-pagãos de Roma, que desprezavam os irmãos circuncisos e
descuravam da ligação da fé cristã com a revelação divina feita a Israel.

v.17: "Porque nele a justiça de Deus se revela da fé para a fé, conforme está
escrito: o justo viverá da fé" A formulação do v.17 explicita ainda mais o primeiro
enunciado do v.16. Como compreender o alcance salvífico do alegre anúncio? Paulo
apela para a justiça divina que nele se revela e atua. Em S.Paulo a noção "justiça de
Deus" encontra-se práticamente só em Rm 1,17 e Rm 3,5.21.22.25.26; 10,3, pois em
2Cor 5,21 tem evidentemente um sentido derivado (Cf. Dicionário Enciclopédico da
Bíblia, col.859). Em Rm 1,17 a dificuldade de captar seu sentido está na definição do
genitivo "de Deus" . Para Lutero, trata-se da justiça divina "não pela qual Deus é
justo, mas pela qual ele nos torna justos". Ele a compreendia como realidade
antropológica, ainda que originada em Deus. Segundo R.Bultmann, trata-se de um
genitivo de autor; neste caso trata-se da "justiça" que Deus doa ao homem. Portanto
uma justiça que o homem recebe de Deus, seja como uma justiça meramente
imputada por Deus (para muitos Evangélicos); seja uma verdadeira santificação
interna do homem por deus que torna o homem capaz de praticar obras boas (para os
católicos).
Mas hoje em dia uma forte corrente exegetica entende o genitivo da
expressão Paulina em sentido subjetivo. trata-se pois da justiça própria de Deus. Não
é uma qualidade fora do tempo, significa mesmo a sua ação na historia. Deus é o
protagonista que se revela no anúncio do Evangelho (Rm 1,17), e sua revelação agora
acontece independente da lei Rm 3,21; Deus a manifestou na morte de Jesus (Rm
3,25-26). Em resumo tem seu tempo na presença de Cristo e no perdão e salvação que
recebemos gratuitamente pelos seus merecimentos.
Deve-se qualifica-la como uma atividade salvífica benéfica em favor do
homem. Diferencia-se da justiça divina que pune e condena os maus, ou da justiça
retributiva pela qual Deus julga os homens conforme suas obras. A justiça de Deus é
sempre benéfica para os seres humanos. Ela encarna a invencível fidelidade divina ao
povo da aliança, mesmo quando este se torna culpavel e infiel, Deus é "justo" em si
mesmo, ou seja é fiel e como tal age.
O debate continua com respeito ao verbo correspondente; dikaióo- eu
justifico. Paulo entendía como sentença judiciária, seria então uma sentença graciosa
de perdão para o homem pecador? ou o vocábulo por uma evolução semântica foi
perdendo sua p7 3 conotação jurídica passando a indicar um gesto de Salvação?
Sem dúvida esta segunda opinião bastante aceita, esclarece a distinção entre "justiça"
de Deus e juízo divino. Mas talvez Paulo seja menos preciso do que nós o somos e
gostariamos que ele fosse. O termo "justiça" de Deus vem da tradição de Isaias (Is
45,21; 46,13; 51,5) que já expressava o significado de Salvação (soteria) para o futuro
último. O apóstolo, á luz da fé em Cristo morto e ressuscitado, vê a salvação
manifestar-se já no presente. Hoje é o dia da salvação realizada pelo Pai. Só no fim
havera o julgamento. O verbo grego apokalyptô significa revelar no tempo presente,
portanto os tempos decisivos já começaram. "E hoje o dia da Salvação"
(G.Barbaglio, As cartas de Paulo II, p.147)
Na tradição bíblica a justiça é um conceito de relação. Não diz respeito a
uma norma como retidão de comportamento medida pelo metro de uma medida
universal. Ao contrário "justo" e "justiça" se definem com base na fidelidade á
lógica da Aliança que liga as pessoas entre si e com Deus. Deus é justo porque é diel.
Porém é uma fidelidade exigente, porque chama os homens a serem
coerentes com a Aliança estabelecida com Deus. Esta Aliança tem dois aspéctos
inseparáveis: a observância e a gratuidade. Deus continua agindo e conta conosco. A
justiça de Deus é força que cria espaços novos de obediência, rejeitando qualquer
outro Senhorio mundano.
Mas sob quais condições subjetivas para o homem a salvação acontece?
Paulo responde "da fé para a fé". Alguns unem diretamente a frase com a "justiça de
Deus" e são os que entendem justiça como dom dado ao homen ou seja a graça
habitual. Outros que a consideram como atividade de Deus, unem a frase com o verbo
revelar, o que parece ser mais razoável. Realmente a revelação divina supõe a fé.
Deus não se achega salvíficamente ao homem, a não ser pela abertura livre
do ser humano acolhendo Deus e reconhecendo a própria insuficiencia (Cf.Mauro
Dorissio, Curso sobre a carta aos Romanos)
Há várias interpretações das preposições "de...para..": a) Valor de
movimento para um lugar "figurado" como acontece no Sl 83,8; falando dos Israelitas
que caminhavam com ânimo redobrado para Jerusalém, iam de vigor em vigor. Com
isso se entende no texto de Paulo uma variação do primeiro termo em relação ao
segundo: de uma fé menor para uma fé maior (Clemente Alexandrino); b) Da fé dos
pregadores para a fé dos crentes (Leenhardt); c) Trata-se de um semitismo que indica
uma totalidade mediante os seus extremos como a expressão "de Dan a Bersabea"
para indicar todo Israel (1Sm 3,20; 1Re 5,5). Em 2Cor 2,16 temos um semitismo bem
conhecido "...para uns, odor de morte para a morte: para outros odor de vida para a
vida". A expressão tem um valor reduplicativo. Paulo quer dizer que é apenas morte e
apenas vida aquilo que é produzido, respectivamente, pelo odor de que fala (Cf. Le
Lettere di San Paolo,p.277). Do mesmo modo em nosso texto, toda a ação da
justificação é imersa na fé, e acontece no âmbito da fé em sentido exclusivo. Pela fé
somente ajustiça salvífica de Deus acontece em nossa história (G.Barbaglio, As cartas
de Paulo II,p.148).
No texto se subentende que estão excluídas "as obras da lei"
como vem explicitado no texto paralelo de Rm 3,21-31. Paulo tem em
mira a posição dos judeus e dos cristãos judaizantes, para os quais o homem se
beneficia da "justiça" de Deus com a condição de observar a lei mosaica.
Testemunha-o a carta aos Gálatas como vimos. Fazendo do fiel o único beneficiário
da atividade salvífica de Deus, Paulo pretende sublinhar, por um lado, a livre decisão
do homem, em resposta á iniciativa divina, e por outro, a renúncia á sua auto-
suficiência de autocrata religioso, para acolher o dom gratuito que lhe é oferecido.

Hab 2,4b tem especial significado para a sua polêmica anti- judaica. A
passagem é citada ainda em Gl 3,11; Hb 10,38. Para alguns a citação é arbitrária e
fora de sentido. Citando este texto o apóstolo incorre em tres equivocos:
Habacuc: justiça legal Paulo: justiça gratuita.
fidelidade á lei fé em Cristo
vida temporal vida eterna.

A passagem pode ser encontrada em formulações diferentes: T.M: O justo


vive de sua fé; LXX: O justo vive de minha fé (códigos BS); LXX: O meu justo vive
da fé (código A).
Hb 10,38 está segundo esta última apresentação. A significação conforme as
diversas apresentações não variam muito a não ser no T.M e nos LXX por causa do
adjetivo possessivo. A expressão "da fé" provávelmente se refere ao verbo "viver"
(Hab 2,4b), enquanto em Romanos e gálatas por se referir ou depender da palavra
"justo". Muitos acham que Paulo omitiu o adjetivo possessivo pra facilitar a leitura
"justo na fé", isto é, o que é justificado na fé. Não parece ser necessário esta alteração
no texto. Para Paulo, tanto a justificação como a vida dependem somente da fé. A
compreensão de Hab 2,4b exige que observe a ausência de justificação do ímpio. Hab
1,2 questiona Javé ante o perigo dos Caldeus. Estes são tidos os que confiam apenas
em si mesmos (Hab 1,11). A confiança dos judeus estava em Javé. Então a salvação é
prometida aos judeus, não por guardarem os preceitos da lei e sim pela fé que os
animava. Esta fé inclue a confiança, a humildade em oposição á soberba, á auto-
suficiência.

Hab 2,4b promete igualmente vida temporal, não eterna. Todavia a vida
temporal do povo eleito é o protótipo da vida messiânica, é o início da salvação.
Paulo aprofunda o texto oferecido pelo profeta; com a difereça que a fé apresentada
pelo Apóstolo está na pessoa de Cristo Salvador (U.Wilckens, La carta a los
Romanos,p.116). O justo relacionamento do homem com Deus e sua situação
existencial de liberdade do domínio da morte dependem do confiante abandono nas
mãos da graça salvadora. Concluindo podemos sintetizar o tema da carta nestas
proposições: a) o Evangelho é alegre anúncio em Cristo (Rm 1,2-4); b) ao mesmo
tempo é anúncio feito por Deus, o Evangelho de Deus (Rm 1,1); c) é força de Deus
Rm 1,16; d) porque aí se revela sua atividade salvífica; e) com a condição de que se
creia (Rm 1,16-17); f) para todos tanto judeus como pagãos.

b) Rm 1,18: A ira de Deus.


O anúncio cristão constitui para a humanidade a única possibilidade de
Salvação. Excluir-se dele significa, submeter-se ao juízo da perdição. E isso vale
tanto para os judeus como para os pagãos. p7 3 É nesta perspectiva que devemos
entender a ligação entre os vv.17 e 18. Eis os dois textos: "Sim, porque no evangelho
se revela a justiça de Deus por força da fé" (v.17); "De fato, do alto do céu se revela a
cólera de Deus" (v.18). A partícula grega gar, (de fato) dá continuidade ao
pensamento de Paulo. É claro no texto o esquema da antítese: a oposição no campo
teologico entre salvação e perdição, justiça de Deus e ira divina, obediência ao
Evangelho e regeição. Se a revelação da justiça divina como salvação de Deus está
unicamente no Evangelho, logicamente fora dele vamos ver a revelação da ira divina.
Nos dois versículos esta dupla revelação é contemporânea pois vem expressa com o
verbo no presente (apocalyptetai revela-se, ou na voz passiva, é revelada).
O que vem a ser a ira de Deus"? No AT ocorrem várias palavras traduzidas
para o grego com thymós. Embora Javé seja amor (Es 34,6ss) assim mesmo ele se
irrita. A ira de Deus é uma metáfora que descreve a repugnância absoluta entre Deus
e o pecado. Quando o homem se estabelece definitivamente no pecado esta ira se
torna juízo escatológico. No NT aparece como justiça vindicativa, ou também
medicinal. Em nosso texto a ira de Deus vinda do céu, indica o estado miserável dos
pecadores. As duas palavras: impiedade e injustiça enfatizam a oposição á
justificação de Deus. Em grego Katechonto significa recuzar, reter, impedir o acesso.
Em 1Ts 5,21, tem o sentido de reter um bem possuído. Então a injustiça sería como
corrente á reter a verdade. No contexto da polêmica anti-judaica, o zêlo excessivo
pelas prescrições judaicas, fechado em si mesmo e não aberto a vida, tornava-se uma
injustiça que aprisionava a verdade, isto é o Evangelho do reino, destinado á salvação
de todo aquele que crê.

c) Rm 3,24-25: Revelação da justiça de Deus.

v.24. Existe uma ligação com o v.23, pois a temática central é a ação
reveladora da justiça de Deus, que tem seu lugar porque todos pecaram e o pecado os
excluiu da glória de Deus (v.23). O efeito da justiça de Deus que é a justificação
sucede gratuitamente, mediante a eficácia da graça de Deus como poder contrário ao
pecado. Paulo prefere o termo Charis (graça) onde a tradição judaica fala de
compaixão, bondade, longanimidade, paciência de Deus. A graça é muito mais
poderosa e radical e sua eficácia do que a compaixão que os pecadores invocavam no
AT. A graça é o poder salvador escatológico pelo qual Deus eliminou o pecado de
todos e sua condenação pela lei. O lugar da eficácia da graça é a realidade do pecado
de todos (Rm 5,20). Seu meio de atuação é a redenção em Jesus Cristo (U.Wilckens,
p. 234).
A redenção, ou literalmente resgate é a tradução do grego apolytrosis. No
sentido profano é a libertação por meio de um pagamento, ou preço pago por alguém
ou pelo proprio escravo. Na terminologia do NT a redenção é expressa em termos
comerciais de compra e venda (Cf. 1Cor 6,20; 7,23; Gl 5,13; ap 5,9; 1Tm 2,6). Trata-
se de uma metáfora e uma imagem, não de uma descrição realística. Os termos
indicam a ligação entre a justificação do homem e a obra redentora de Cristo.
Portanto o acento está no empenho que Cristo e Deus colocaram na nossa salvação
(Ugo Vanni, p7 3 Le Lettere di Paolo, p.290). Sem dúvida o "custo" da redenção
humana foi alto. Ele nos salvou não atravéz de vítimas mas pelo próprio sangue (Rm
3,25); ou então, não por ouro ou prata, mas pelo sangue precioso (1Pe l,18s). Porém
não é um preço pago a alguém. A redenção operada por Cristo foi um ato de amor
supremo (Ef 5,2). Não parece necessáriamente forçar a metáfora perguntando (como
fizeram alguns Stos Padres) para quem foi pago o prêço do resgate. É grotesco falar
de um preço pago ao demônio; é antropomórfico falar de um preço pago á Deus. A lei
da redenção está longe da lei da justiça comutativa, quando o rei libertava os cativos
por meio da recompensa que recebia. Deus não nos liberta como mercador, mas
porque nos ama (Mauro Dorissio, comentário á carta aos romanos,p.12).
A noção de redenção, (apolytrosis) exprime-se no hebraico pelos temas
gahal e padah. O verbo gahal foi traduzido pela LXX, 90 vezes por resgatar; 45 vezes
por "por em liberdade", 41 vezes por "libertar, salvar". A palavra gahal, nunca foi
traduzida com o sentido de libertar com pagamento de resgate. "Com frequência na
bíblia Deus vem apresentado como aquele que liberta, o goél, o amigo e o parente que
intervêm pela libertação de seu povo, no primeiro êxodo (Ex 6,6-7; Dt 7,6-8; 9,26) e
no novo êxodo (Is 41,14; 43,14; 46,6; 51,5-8; 52,3-9). Trata-se sempre de uma
libertação potente e eficaz pela ação de Deus, de modo que não se fala de prêço de
resgate (Is 52,3-9). Mais tarde a libertação torna-se objeto da esperança escatológica,
quando virá a redenção plena e definitiva (Is 59,20; Sl 130,7-8) (Rinaldo Fabris,
Introduzione alla lettura di Paolo, p.182). Esta significação escatológica de
apolytrosis é frequente no NT (Lc 24,21; Rm 8,23; Ef 1,14; 4,30). Como no Deutero-
Isaias a redenção está unida ao perdão dos pecados (Is 43,22-28; 44,21s; 48,9s; 50,1-
3; 54,6-8;), assim a redenção num contexto litúrgico do NT, a libertação dos pecados
pela conversão. Especialmente Cl 1,14, a redenção coresponde a remissão dos
pecados. Em Ef 1,7; Rm 3,25 se menciona o sangue de Cristo como meio de
redenção. Por este motivo em lCor 1,30 Paulo diz que Jesus Cristo se tornou para nós
justiça, santificação e redenção. Parece então claro que em Rm 3,24 o cristianismo
primitivo entende a experiência do perdão e da conversão como realização
escatológica da redenção- êxodo em Cristo Jesus.
v.25: "Deus o expôs" outra tradução é "destinou a ser". Nos LXX é o termo
cultual para a exposição pública dos pães da proposição (Ex 29,23; Lv 24,8; 2Mac
1,8.15). No contexto cultual de Rm 3,25 é o termo adequado para denominar Cristo
como Instrumento de propiciação. O termo grego traduzido como propiciação é
hilastérion. Propiciatorio entre os gregos quando se refere aos homens significa a
gorja (propina) para corromper e conseguir algum favor. Quando se refere á Deuses
era a oferta de sacrifícios para aplacar a ira. Muitas vezes até mesmo entre os judeus,
Deus era tido como alguém ofendido e que devia ser aplacado com sacrifícios
expiatorios. Devemos interpretar o termo hilastérion á luz do AT onde o verbo Kipper
Expiar" não se refere a ação do homem para aplacar a divindade, mas no uso comum
significa: perdoar, cancelar (Ml 1,9; Zc 7,2; 8,22). Deus sempre é o sujeito (Sl 77,38;
Ez 16,63). Mesmo que no uso litúrgico quando o sujeito era um mediador (sacerdote)
que mediante o rito do sangue procurava aplacar ou tornar favorável; no fundo o rito
da expiação (yon hakkippur: dia das expiações) visava perdoar o pecado ou purificar
algum lugar (Lv.9,7; 16,20; Dn 9,24). Deus sempre era o sujeito da ação.
Cristo expôsto publicamente ao ser crucificado como propiciação
(hilastérion - tradução: propiciatório), retoma seja o ritual do grande dia da expiação,
como o proprio propiciatorio que no AT era a cobertura da arca, sobre a qual no dia
da expiação era derramado o sangue dos bodes. Se chamava propiciatorio (Hebraico:
Kappóret; Grego: hilastérion) tambem o lugar vazio que conteria a arca que faltava no
templo ideal de Ezequiel (Ez 43,14.17.20. Ex 25,17-22; Lv 16,2. 12-16).
O lugar da arca era chamado casa da propiciação, ou santo dos santos (1Cr
28,11). Era considerado trono de Deus (1Sm 4,4: Sl 98,1). Apenas o sacerdote uma
vez por ano podia entrar para o rito do sangue (Lv.16,2.12). Para os judeus o
propiciatorio era o lugar onde Deus perdoava os pecados. O ritual do sangue não
acontecia somente no dia das expiações, mas tambem nas demais celebrações. Havia
a aspersão do sangue, ou diretamente, sobre o propiciatório, ou indiretamente sobre o
véu que o isolava no santo dos santos do santuario (lugar secretíssimo da arca). O
propiciatorio foi aspergido com o sangue das vítimas e o Senhor o foi com o proprio
sangue. A oferta do sangue era o ponto de encontro entre o homem e Deus, no qual
eram destruidas as culpas e pecados do povo. Paulo aplica com sabedoria esta
concepção ao Cristo crucificado. Em Cristo crucificado dá-se o encontro entre Deus e
o povo da nova aliança. Os pecados dos homens que aderem á Cristo através da fé são
destruidos; isto acontece no sangue de Cristo. O sangue na mentalidade biblica é sinal
de vida, implica o conceito de vida em Cristo. Ele tomando sobre si os pecados dos
homens, até o ponto de quase identificar-se com eles (Cf. 1Cor 5,21), destroi os
pecados destruindo a si mesmo, dando o seu sangue, isto é a sua vida em sacrifício
(Ugo Vanni, Le Lettere di San Paolo, p.291). É uma libertação que acontece mediante
o máximo gesto de fidelidade e solidariedade. Jesus foi apresentado por Deus como o
espaço definitivo "da expiação", isto é do perdão e da reconciliação. Isto acontece
mediante a fé, isto é o livre acolhimento da iniciativa salvífica histórica de Deus em
Jesus Cristo.
O objetivo desta redenção definitiva e plena "é da manifestação da sua
justiça" (Rm 3,25b), pela remissão dos pecados cometidos na primeira Aliança. Paulo
diz "pelo fato de ter deixado sem punição os pecados". O termo grego no texto é
paresis que pode ser tomado no sentido de remandar, reenviar. Por isso a BJ sugere
também a tradução: Em vista de perdoar os pecados". Então o sentido do termo
paresis no v.25 seria: para que Deus manifesta-se no tempo messiânico sua justiça,
porque reenviou os pecados cometidos no tempo da paciência divina. Isto é, omitiu
não de punir mas dilatou, reenviou para o cumprimento da restauração messiânica
prometida. Se antes Paulo acreditava no perdão dos pecados por ocasião do Kippur,
agora sabia que isto se dava só pelo sacrificio de Cristo. "Cristo crucificado foi
constituido publicamente por Deus como propiciatorio da festa da reconciliação,
substituindo este com sua morte e ressurreição, p7 3 como o lugar da presença da
sua justiça salvífica" (U.Wilckens, p.240). Os ritos do passado estavam ordenados á
redenção universal de Cristo. Paulo distingue tres tempos no processo salvífico: a) a
ira de Deus, pelo qual o gênero humano multiplicando seus pecados mais se separava
de Deus; b) o tempo da justiça de Deus quando cumpria a restauração prometida; c) o
tempo da paciência de Deus. Os pecados do povo eram suportados com grande
longanimidade em vista da futura redenção. Não que estes tempos se sucedam
necessáriamente e que sejam distinguidos cronológicamente. Pela esperada redenção
o tempo da espera do messias não era de ira de Deus. Enquanto futura redenção nele
já se preparava o tempo chamado tempo da paciência de Deus (Rm 3,26a). A
paciência que mantêm aberto o caminho da conversão dos pecadores. Agora a justiça
de Deus se manifestou (nuni, dé: agora, porém, Rm 3,21), Justiça que é misericordia e
perdão completo. Portanto é a justificação que acontece a qual não
requer as obras da lei, mas a fé viva que cumpre as obras próprias de
justificados" (Lutero).

d) Rm 5,12-21: A libertação da escravidão da morte.

Depois da apresentação da experiência cristã, como justificação e paz com


Deus (tema da justificação pela fé retomada em Rm 5,1), Paulo apresenta as fazes
progressivas da libertação: o mal vem estirpado nas suas raízes profundas: morte,
pecado e lei. Para isso o apóstolo remonta até Adão para dizer que pela decisão livre e
pessoal do ser humano, entrou no mundo o pecado e a morte. Porém em
contraposição á universalidade do pecado, está a universalidade da redenção em
Cristo. Em outras palavras a universalidade do pecado por força da solidariedade de
todos os homens desde o início com Adão, é afirmada de forma subordinada á
universalidade da salvação por força da solidariedade de todos os homens com Cristo.
Em Rm 5,12 aparecem os protagonistas do drama histórico-salvífico. O homem
Adam, ao qual corresponde o futuro homem perfeito, Jesus Cristo. O pecado
(hamartia) é uma força hostil personificada e oposta a Deus, que conduz o ser
humano a ruina total. a morte (thanatos) é biologica mas enquanto sinal e antecipação
da morte total ou eterna, como separação de Deus (Cf Sb 2,24; 1Cor 15,56). O pecado
é a porta pela qual a morte como ruina total do homem, entra no mundo. Portanto
nesta releitura do Gênesis, há uma aliança indissoluvel entre pecado e morte. Isto vale
para todos os homens "pelo fato que todos pecaram", isto é realizaram a mesma
condição de Adão, em uma historia de solidariedade com o primeiro pecado que
acabou sendo institucionalizado" (Puebla).
A expressão de Paulo "porque todos pecaram", traduz o texto grego: _efh' o
pantes hêmarton" (v.12) que foi diversamente interpretado na historia da exegese.
"No qual todos pecaram", é a versão da vulgata (latina) da Igreja ocidental em geral.
Neste caso o significado é "na qual morte ou em base da qual todos pecaram.
Considerando o modo de exprimir-se de Paulo nas cartas, a tradução "pelo fato que
todos pecaram" exprime a solidariedade entre o pecado de Adão e a situação do
pecado de todos os homens, qualquer que seja a explicação desta solidariedade. Paulo
não explicita o tipo de solidariedade existente entre os homens e p7 3 Adão. Ele
interpreta na forma que os judeus interpretavam naquele tempo, onde Adão não é
tanto um personagem historico mas um protótipo que inclui toda humanidade. Por
isso Paulo vê em Adão uma figura, gr.typos, de Cristo (Rm 5,14).
Portanto o apóstolo afirma que por causa do pecado a morte tomou conta da
humanidade. Por isso deve provar que na realidade todos pecaram e receberam o
salário do pecado: a morte. Em cada período histórico, de Adão á Moisés (lei), de
Moisés até cristo, Paulo faz esta constatação: a situação de pecado e morte foram
crescendo sempre mais. Vemos nesta reeleitura de Paulo a polêmica contra a
pretensão dos judeus de propor a observância da lei como instrumento de salvação. A
lei não só não liberta o ser humano do trágico binômio pecado-morte, mas multiplica
os pecados e amplia o reino da morte (Rm 5,20).
Em síntese esta retomada histórica de Paulo ajuda a provar o ponto principal
de sua tese: somente em Cristo a humanidade encontra o caminho para sair da
escravidão da morte. Por outro lado o contraste Adão-Cristo (duas histórias
alternativas para a humanidade) que aparece no texto (Rm 5,16-17) na contraposição
de termos; tem como objetivo único de exaltar e engrandecer a missão salvífica de
Cristo. (Cf. r.Fabris, 184-189). Todos precisam da redenção de Cristo. Esta afirmação
condiciona o cristianismo; se alguém acha que não precisa de redenção, Cristo se
torna inútil.

e) Rm 6,1-23: Libertação da escravidão do pecado.

A passagem da morte para a vida, a justificação, acontece pela experiência


batismal. Ela inaugura uma nova condição de vida, que deve prolongar-se em um
processo de santificação até a salvação plena e definitiva que inclui a ressurreição.
No início do discurso Paulo reevoca a afirmação paradoxal que fechava o
capítulo precedente: A lei interveio para que avultassem as faltas; mas onde avultou o
pecado, a graça superabundou" (Rm 5,20). Deste texto alguns poderiam tirar estas
conclusões: "devemos permanecer no pecado a fim de que a graça ainja a sua
plenitude" (Rm 6,1). Com efeito Paulo fora acusado de propor este modo de vida
absurdo: "deveríamos fazer o mal para que venha o bem" (Rm 3,8). Porém Paulo
refuta esta conclusão escandalosa. Neste contexto de polêmica ao estilo estóico de
diatriba (perguntas-respostas aos adversários), Paulo aproveita para desenvolver sua
reflexão sobre o batismo cristão. O batismo é ruptura radical com a situação de
pecado como potência de morte. Somos de fato inseridos mediante o batismo na
morte e ressurreição de Cristo. Crucificados com Cristo, ressuscitamos com Ele.
Paulo é consciente do desenvolvimento histórico do processo de libertação e salvação
Por isso fala da imersão na morte de Cristo com os verbos passados, enquanto adota o
futuro para os verbos que designam a vida e ressurreição (Rm 6,4-5).

Este dinamismo que vai da mote para a vida, da escravidão do pecado para a
liberdade, torna-se real possibilidade de amadurecimento espiritual, mas também
urgente empenho e compromisso. A expressão "corpo de pecado" (Rm 6,6) reevoca a
expressão seguinte: "corpo mortal" (Rm 7,24). Com o termo "corpo" se entende a
personalidade humana na sua totalidade, condicionada pelo pecado e pela morte.
Mediante o batismo desaparece esta ligação com o pecado. O homem velho dá lugar
ao homem novo pela inserção no mistério pascal da morte e ressurreição de Jesus
Cristo. A realidade do passado é evocada com os termos: pecado, morte, injustiça, lei
escravidão, iniquidade. Por outrolado a realidade nova e futura que se vive na relação
com Cristo é expressa com os termos: vida, ressurreição, justiça, amor, graça,
santidade, liberdade. As imagens utilizadas pelo apóstolo para descrever esta
realidade, são tiradas do ambiente. São principalmente os do serviço militar: As
armas da justiça à injustiça; e do modelo social: patrão à escravo (Rm 6,13-14.16-
18). Parece claro neste texto a dimensão teológica do batismo como uma nova
realidade de vida com Cristo. Outros aspectos da teologia batismal são: a dimensão
comunitária como entrada e pertença ao povo de Deus que é a Igreja; a dimensão do
novo relacionamento com deus, pois o batismo nos torna filhos de Deus e herdeiros.
É porque recebemos o espírito de filhos adotivos podemos chamar Deus: Abba, Pai
(Rm 8,15) (Cf.Doc.CNBB- 19, Batismo de crianças).

f) Rm 7,1-25: Libertação da lei.

Na teologia paulina, se o cristão é livre do pecado deve ser livre também da


lei: "E o pecado não vos dominará, porque não estais debaixo da lei, mas sob a lei: "E
o pecado não vos dominará, porque não estais debaixo da lei, mas sob a graça" (Rm
6,14). Para evitar equívocos vejamos o significado da lei (nomos):
a) A lei sem qualquer especificação é a lei mosaica, cujo conteúdo são os
dez mandamentos. Esta lei é considerada como norma moral dada por deus, mas
exterior ao homem. Ela indica o bem a ser feito e o mal a ser evitado, mas não dá a
força para pôr em prática a vontade de Deus.

b) A lei do pecado (Rm 7,22-23.25) é o dinamismo presente no ser humano


que o impulsiona ao mal. Esta lei se opõe á lei do Espírito (Rm 8,2).
c) A lei da minha mente (Rm 7,23; Cf 2,12-15) É o estatuto moral que
ilumina interiormente ou condena, mas deixa o homem na incapacidade de fazer o
bem e evitar o mal.

Como vimos, pela morte de Cristo o cristão é intimamente associado através


do batismo, no mesmo mistério de Cristo. A partir do batismo o cristão é morto para
o pecado e pertence á Cristo (Rm 7,14). Em força desta participação no destino de
Jesus, o cristão tras em si um dinamismo novo, a força interior do espírito que o faz
produzir frutos. Este dinamismo se opõe áquele do pecado, o qual se servia da lei para
produzir frutos para a morte. As três estruturas de escravidão humana formam uma
unidade: pecado, lei, morte.
Com esta frase: _ gora, porém estamos livres da lei, tendo morrido para o
que nos mantinha cativos, e assim podermos servir em novidade de espírito e não na
caducidade da letra" (Rm 7,6). Paulo prepara a oposição entre Espírito" e "letra" que
é a lei externa. O espírito é um novo dinamismo interior dado por deus, a letra-lei é
aquela escrita por Moisés sobre as tábuas de pedra, incapaz de comunicar vida. Daqui
parte a objeção: porque então Deus deu a lei moral, os mandamentos? Paulo responde
dizendo que a lei não é pecado (Rm 7,7-8), mas está em estreita ligação com o
pecado. O pecado instrumentaliza também a lei em função de sua tendência radical
para a morte. Em tal situação a lei torna-se instrumento de morte. "Se a lei não tivesse
dito: Não cobiçarás", Paulo não teria conhecido a concupiscência (Rm 7,7). (James
D.G. Dun, Roman 9-16,Word biblical commentary).

Em si mesmo a lei é santa, e santo, justo e bom é o preceito"


(Rm 7,12, pois no projeto de Deus, a lei é um dom feito ao homem para
revelar sua vontade e manter a aliança com a humanidade.
"Foi o pecado que para se revelar pecado produziu a morte através do que é
bom" (Rm 7,13).
Paulo apresenta pois o homem numa situação histórica, privada
hipotéticamente da ação salvífica de Deus, isto é fóra da perspectiva cristológica (Rm
7,15-25). O ser humano com a própria razão, reconhece que a lei de Deus é boa e
corresponde ao seu projeto de realização e maturidade humana segundo os valores
éticos, mas descobre na sua vida uma outra força contrária que o mantem prisioneiro
(Rm 7,22-23) do pecado e o arrasta para a morte (7,24). Sob este quadro sombrio da
existência humana Paulo nos faz reconhecer a esperança de libertação que ilumina a
segunda parte da sua carta. Em oposição á tríplice escravidão (pecado, morte, lei) nos
vem a libertação através da solidariedade de Deus, reveladas e atuadas na morte de
Jesus. É este dinamismo de amor imenso e permanente, que oferece a possibilidade
áqueles que o acolhem na fé de viver não segundo a carne, mas segundo o espírito.
Uma vez libertados Paulo destaca, com o imperativo presente o viver a nova
realidade comunicada pelo Espírito (Rm 8,5-13). De fato Rm 8 é dedicado a
apresentação da experiência nova inaugurada pelo Espírito, dom de Jesus ressuscitado
(o termo pneuma aparece 34 vezes na carta, das quais 18 vezes no cap.8).

g) Rm 13,8-10: O amor como plenitude da Lei (Cf. J. Dunn, p.776).


Este texto recapitula todas as exigências divinas no amor ao próximo, e
caracteriza-se por uma avaliação positiva da lei do Sinai. São citados alguns
mandamentos da segunda tábua do decálogo (Ex 20,13-17; Dt 5,17-21) e
principalmente o mandamento do amor ao proximo (Lv 19,18), como resumo de tudo
o que Deus prescreveu no campo ético. Se pensarmos na dura crítica Paulina á lei em
Rm 7, ésta constatação pode causar admiração e espanto. Afinal Paulo esclui ou
aceita a lei do Sinai? O contexto da carta nos mostra que Paulo esclui a lei como via
de salvação, mas a aceita como manifestação da vontade de Deus. A fé exclui o culto
da lei como fonte salvífica, mas a confirma em todo seu valor de indicação objetiva
do que se deve fazer. Em Rm 8,1-4 havia falado do Espírito como dinamismo de
graça capaz de fazer que a "justa exigência da lei se cumprisse em nós" (v.4).

É comum na tradição bíblica a unificação de todos os mandamentos em um


só. Isso tanto na judaísmo tardio como na tradição sinótica (Mc 12,28-34). Este tema
do ágape como plenitude da lei aparece no início e no final da nossa perícope em
forma de inclusão. Paulo ainda acrescenta duas outras características: a) o amor é
único débito que os cristãos devem contrair uns com os outros; b) o amor não faz
nenhum mal para o p7 3 próximo (Rm 12,17-21).

BIBLIOGRAFIA.

JAMES D.G. DUNN, Romans 1-8 vol.38a; Romans 9-16 vol.38, Word
Biblical commentary, General Editors, Texas,1988.
RINALDO FABRIS, Introduzione Alla lettura di Paolo, Istituto superiore di scienze
religiose, Roma, 1988.
AA.VV, Nuovíssima Versione della Bíbbia, Le Lettere di Paolo, Roma
1986.
AA.VV, Il messaggio della Salvezza, vol.7, Elle di Ci, Roma l990.
ULRICH WILCKENS, La carta a los Romanos, 1-5, Siegme, Barcelona
l985,
MAURO DORISSIO, Comentário da Carta aos Romanos, curso no Paulo VI
ano l989.
GIUSEPPE BARBAGLIO, As cartas de Paulo, vol.II, Loyola l99O.
GOTTFRIED BRAKEMEIER, Carta aos Romanos l-6, Faculdade de
Teologia de S.Leopoldo, 1982.
DOUTRINA DA JUSTIFICAÇÃO. Declaração conjunta, Católica e
Luterana. Edições PUCRS, e CEBI, 1998.

Sugestão de Estudo

1) Descreva a situação sócio-econômica da comunidade de Roma (Estudos


bíblicos n. 25)
2) Que informações temos sobre os primórdios da comunidade cristã de
Roma?
3) Qual a data e circunstâncias de composição da carta?
4) Qual o objetivo da carta?
5) Explique porque o Evangelho é força de Deus para todo aquele que crê.
6) O que significa "em primeiro lugar o judeu, mas também o grego"
7) Como vem interpretada pelos exegetas a justiça de Deus?
8) Explique porque na tradição bíblica a justiça inclui üm conceito de
relação.
9) Como explicar a inserção de hab. 2,4b na tese da justificação (Rm 1,17)?

10) Explique a origem da palavra redenção e porque a redenção está unida


ao perdão dos pecados?
11) O que significa a palavra propiciar entre os gregos?
12) O que realmente Paulo quis dizer com a expressão: "Cristo instrumento
de propiciação?" Existe uma relação entre Cristo e o propiciatório?
13) Explique a comparação de Cristo como segundo Adão em Rm 5. (Carrez
p. 172)
14 ) O que é a fé e qual o seu papél? (Carrez p.172)
15) Qual o significado do Batismo em Rm 6?
16) Para sua espiritualidade leia Rm 7,1-8,39; 8,1-39 e relate algumas frases
que revelam a experiência humana da fraqueza e o resultado da vida no espírito.
17)- Na declaração conjunta sobre a doutrina da justificação: a) relate os
pontos essenciais da mensagem bíblica da justificação; b) a compreensão comum da
justificação; c) o desdobramento da compreensão comum da justificação (Declaração,
p.7-20)
18)- Pontos de destaque sobre a doutrina bíblica da justificação, destacados
por Dom Aloísio Lorscheider (Declaração Luterano-Católica. Em vasos de argila,
p.22-28)
p7 3

UM TRUNFO SEGURO: VIS_ O CRIADA E ENFOQUE

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