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-Texto para uso dos alunos e alunas de teologia da PUCPR – Londrina, Ano
2020.
a) O início da comunidade.
O primeiro testemunho a respeito de Roma é de 139 AC: Como dissemos era
uma cidade populosa, com uma forte comunidade judaica (cerca de 50.000).
Conhece-se o nome de mais de dez sinagogas. Havia o anti-semitismo pois os judeus
passavam por humilhações, e sofriam medidas restritivas. A religião judaica era
chamada: "superstição bárbara" (G.Barbaglio, Cartas II,p.117). Não temos notícias
seguras sobre a origem e função da comunidade cristã de Roma. Paulo nunca visitou
esta comunidade antes de lhe escrever a carta. Paulo apenas teve contato indireto com
Roma mediante a colaboração de Prisca e Áquila com quem fundou a comunidade de
Corinto (At 18) ((.Wilckens, p.49).
Temos poucas informações na carta sobre a existência da Igreja de Roma.
Em Rm 15,22-24, Paulo escreve que há muito tempo ele tinha a intenção de visitar os
cristãos de Roma. A base desta passagem podemos concluir que pelo ano 50 DC,
havia cristãos em Roma. A observação do escritor romano Suetônio em sua vida de
Claudio, sugere uma data mais antiga: Claudio expulsou os judeus de Roma por
causarem frequentes distúrbios, sendo Chrestus o instigador deles. "Sendo Chrestus",
é uma referência não a um agitador judeu qualquer, mas ao proprio Jesus Cristo cujo
evangelho trouxe muitos problemas em Roma. As autoridades não viam com bons
olhos estas agitações nos meios judaicos. Por ocasião das pregações de Paulo estas
agitações eram frequentes: Antioquia da Pisídia (At 13,50), Listra (14,49),
Tessalônica (At 17,5-8), Beréia (At 17,13), Corinto (At 18,12), Éfeso (At p7 3
19,23ss). Estas perturbações deram ocasião à Claudio decretar a expulsão dos judeus
da capital. Pouco antes deste edito, ( ano 49), já havia cristãos misturados com judeus
causando tais intrigas (Cf.Kummel p.399; M.Carrez p.146). É provável que as obras
de evangelização em Roma provêm dos judeus convertidos, que devido ao grande
intercâmbio comercial da Siria e Palestina com a capital do império levaram a fé até
Roma.
Uma antiga tradição coloca Pedro como fundador do cristianismo em
Roma. É certa a presença de Pedro na capital do império. Seu martírio e sepultura,
conforme provam as escavações de 1950 ordenadas por Pio XII. Porém é incerta a
presença de Pedro antes do Ano 50, pois tais notícias são do sec.III DC, e ainda
baseadas na lenda de Simão Mago que tem pouco valor histórico. At 12,18-19
menciona que Pedro ao fugir da prisão saiu para um território que não estava sob a
jurisdição de Herodes, e em At 15,7 aparece novamente em Jerusalém.
Paulo dirige-se a uma comunidade não dirigida por ele, mas não faz
nenhuma menção das pessoas, que trouxeram o evangelho a esta comunidade cristã,
embora o poderia ter feito tranquilamente (Rm 1,8-10). Com isso é provável que o
cristianismo entrou em Roma não por meio de um missionario ou apóstolo, mas por
meio de uma pessoa particular pelos caminhos do comércio internacional, ou da
diáspora judaica. Tudo faz crer que a comunidade já tinha uma longa experiência de
vivência cristã quando Paulo escreveu.
c) Membros da comunidade.
A carta aos Romanos ditada por Paulo à Tércio (Rm 16,22) foi escrita em
Corinto no fim de sua terceira viagem apostólica, pelos anos 57-58 (Il Messagio della
Salvezza, vol.7,p.374).
Repassemos a trajetória missionária de Paulo. Na ocasião ele terminava sua
terceira viagem missionária iniciada pelo ano 51Á54, a qual o tinha levado de
Antioquia (Siria) a Éfeso, onde permanecera tres anos (At 20,31). De Éfeso foi à
Macedônia, Acaia, Corinto onde permaneceu tres meses (At 20,3).
Em Corinto ele considerou sua terceira missão terminada pelo ano 58. Paulo
já tinha escrito a epístola aos Filipenses, decidiu escrever uma carta á Roma, que sem
dúvida foi levada pela diaconisa Febe (Rm 16,1) que morava em Cencréia, pôrto de
Corinto.
Para Paulo o oriente estava evangelizado (no sentido que Paulo entendia
este termo cf. Rm 15,19), pensava então evangelizar o p7 3 ocidente e ir até a
Espanha (Rm 15,24). Nesta viagem devia passar para Roma: "Passarei por vos a
caminho da Espanha" (Rm 15,28). Não se tratava pois de fundar uma comunidade em
Roma que já fôra fundada por outros (Rm 15,20). Sua permanencia em Roma seria
uma visita, uma escalada na rota para a Espanha. Antes de empreender esta viagem
ao ocidente, o apóstolo ainda tinha uma missão a cumprir (Rm 15,25-28): levar a
Jerusalém a coleta que ele tinha organizado nas Igrejas da gentilidade e da qual ele
fala longamente em 2Cor 8-9. Tendo em mente tôdas estas preocupações Paulo
escreveu a carta á uma comunidade florescente e virtuosa (Rm 1,8; 16,19) (Carrez,
p.143s).
4) Objetivo da carta.
5) estrutura.
A proposta de E.Osty:
Saudação:Rm 1,1-7.
Ação de graças e oração: Rm 1,8-15.
2- Parênese 12,1-15,13;
Epílogo 15,14-16,27.
Esses dois planos são muito semelhantes, embora E.Osty renuncia a fazer a
distinção entre justificação e salvação, como o faz Lyonnet, com muitos outros
comentadores. Tanto um como outro mantêm a divisão clássica entre parte dogmática
(1-11) e parte parenética (12-15).
Quanto ao cap.16, exceto a doxologia (16,25-27), seria um acréscimo, um
bilhete enviado não aos romanos mas aos Efésios, pois Paulo não poderia conhecer
aqueles nomes. Ele não esteve em Roma antes de escrever a carta. Porém as
argumentações dos que aceitam o capitulo 16 como parte integrante da epístola aos
romanos são mais fortes (James D. Dunn, Romans 9-16, p.884).
Para uma pista de leitura para Rm 1-11 convem seguir o esquema de
M.Carrez,p.163 que nos oferece um ótimo esquema de leitura.
6) Exegese.
v.17: "Porque nele a justiça de Deus se revela da fé para a fé, conforme está
escrito: o justo viverá da fé" A formulação do v.17 explicita ainda mais o primeiro
enunciado do v.16. Como compreender o alcance salvífico do alegre anúncio? Paulo
apela para a justiça divina que nele se revela e atua. Em S.Paulo a noção "justiça de
Deus" encontra-se práticamente só em Rm 1,17 e Rm 3,5.21.22.25.26; 10,3, pois em
2Cor 5,21 tem evidentemente um sentido derivado (Cf. Dicionário Enciclopédico da
Bíblia, col.859). Em Rm 1,17 a dificuldade de captar seu sentido está na definição do
genitivo "de Deus" . Para Lutero, trata-se da justiça divina "não pela qual Deus é
justo, mas pela qual ele nos torna justos". Ele a compreendia como realidade
antropológica, ainda que originada em Deus. Segundo R.Bultmann, trata-se de um
genitivo de autor; neste caso trata-se da "justiça" que Deus doa ao homem. Portanto
uma justiça que o homem recebe de Deus, seja como uma justiça meramente
imputada por Deus (para muitos Evangélicos); seja uma verdadeira santificação
interna do homem por deus que torna o homem capaz de praticar obras boas (para os
católicos).
Mas hoje em dia uma forte corrente exegetica entende o genitivo da
expressão Paulina em sentido subjetivo. trata-se pois da justiça própria de Deus. Não
é uma qualidade fora do tempo, significa mesmo a sua ação na historia. Deus é o
protagonista que se revela no anúncio do Evangelho (Rm 1,17), e sua revelação agora
acontece independente da lei Rm 3,21; Deus a manifestou na morte de Jesus (Rm
3,25-26). Em resumo tem seu tempo na presença de Cristo e no perdão e salvação que
recebemos gratuitamente pelos seus merecimentos.
Deve-se qualifica-la como uma atividade salvífica benéfica em favor do
homem. Diferencia-se da justiça divina que pune e condena os maus, ou da justiça
retributiva pela qual Deus julga os homens conforme suas obras. A justiça de Deus é
sempre benéfica para os seres humanos. Ela encarna a invencível fidelidade divina ao
povo da aliança, mesmo quando este se torna culpavel e infiel, Deus é "justo" em si
mesmo, ou seja é fiel e como tal age.
O debate continua com respeito ao verbo correspondente; dikaióo- eu
justifico. Paulo entendía como sentença judiciária, seria então uma sentença graciosa
de perdão para o homem pecador? ou o vocábulo por uma evolução semântica foi
perdendo sua p7 3 conotação jurídica passando a indicar um gesto de Salvação?
Sem dúvida esta segunda opinião bastante aceita, esclarece a distinção entre "justiça"
de Deus e juízo divino. Mas talvez Paulo seja menos preciso do que nós o somos e
gostariamos que ele fosse. O termo "justiça" de Deus vem da tradição de Isaias (Is
45,21; 46,13; 51,5) que já expressava o significado de Salvação (soteria) para o futuro
último. O apóstolo, á luz da fé em Cristo morto e ressuscitado, vê a salvação
manifestar-se já no presente. Hoje é o dia da salvação realizada pelo Pai. Só no fim
havera o julgamento. O verbo grego apokalyptô significa revelar no tempo presente,
portanto os tempos decisivos já começaram. "E hoje o dia da Salvação"
(G.Barbaglio, As cartas de Paulo II, p.147)
Na tradição bíblica a justiça é um conceito de relação. Não diz respeito a
uma norma como retidão de comportamento medida pelo metro de uma medida
universal. Ao contrário "justo" e "justiça" se definem com base na fidelidade á
lógica da Aliança que liga as pessoas entre si e com Deus. Deus é justo porque é diel.
Porém é uma fidelidade exigente, porque chama os homens a serem
coerentes com a Aliança estabelecida com Deus. Esta Aliança tem dois aspéctos
inseparáveis: a observância e a gratuidade. Deus continua agindo e conta conosco. A
justiça de Deus é força que cria espaços novos de obediência, rejeitando qualquer
outro Senhorio mundano.
Mas sob quais condições subjetivas para o homem a salvação acontece?
Paulo responde "da fé para a fé". Alguns unem diretamente a frase com a "justiça de
Deus" e são os que entendem justiça como dom dado ao homen ou seja a graça
habitual. Outros que a consideram como atividade de Deus, unem a frase com o verbo
revelar, o que parece ser mais razoável. Realmente a revelação divina supõe a fé.
Deus não se achega salvíficamente ao homem, a não ser pela abertura livre
do ser humano acolhendo Deus e reconhecendo a própria insuficiencia (Cf.Mauro
Dorissio, Curso sobre a carta aos Romanos)
Há várias interpretações das preposições "de...para..": a) Valor de
movimento para um lugar "figurado" como acontece no Sl 83,8; falando dos Israelitas
que caminhavam com ânimo redobrado para Jerusalém, iam de vigor em vigor. Com
isso se entende no texto de Paulo uma variação do primeiro termo em relação ao
segundo: de uma fé menor para uma fé maior (Clemente Alexandrino); b) Da fé dos
pregadores para a fé dos crentes (Leenhardt); c) Trata-se de um semitismo que indica
uma totalidade mediante os seus extremos como a expressão "de Dan a Bersabea"
para indicar todo Israel (1Sm 3,20; 1Re 5,5). Em 2Cor 2,16 temos um semitismo bem
conhecido "...para uns, odor de morte para a morte: para outros odor de vida para a
vida". A expressão tem um valor reduplicativo. Paulo quer dizer que é apenas morte e
apenas vida aquilo que é produzido, respectivamente, pelo odor de que fala (Cf. Le
Lettere di San Paolo,p.277). Do mesmo modo em nosso texto, toda a ação da
justificação é imersa na fé, e acontece no âmbito da fé em sentido exclusivo. Pela fé
somente ajustiça salvífica de Deus acontece em nossa história (G.Barbaglio, As cartas
de Paulo II,p.148).
No texto se subentende que estão excluídas "as obras da lei"
como vem explicitado no texto paralelo de Rm 3,21-31. Paulo tem em
mira a posição dos judeus e dos cristãos judaizantes, para os quais o homem se
beneficia da "justiça" de Deus com a condição de observar a lei mosaica.
Testemunha-o a carta aos Gálatas como vimos. Fazendo do fiel o único beneficiário
da atividade salvífica de Deus, Paulo pretende sublinhar, por um lado, a livre decisão
do homem, em resposta á iniciativa divina, e por outro, a renúncia á sua auto-
suficiência de autocrata religioso, para acolher o dom gratuito que lhe é oferecido.
Hab 2,4b tem especial significado para a sua polêmica anti- judaica. A
passagem é citada ainda em Gl 3,11; Hb 10,38. Para alguns a citação é arbitrária e
fora de sentido. Citando este texto o apóstolo incorre em tres equivocos:
Habacuc: justiça legal Paulo: justiça gratuita.
fidelidade á lei fé em Cristo
vida temporal vida eterna.
Hab 2,4b promete igualmente vida temporal, não eterna. Todavia a vida
temporal do povo eleito é o protótipo da vida messiânica, é o início da salvação.
Paulo aprofunda o texto oferecido pelo profeta; com a difereça que a fé apresentada
pelo Apóstolo está na pessoa de Cristo Salvador (U.Wilckens, La carta a los
Romanos,p.116). O justo relacionamento do homem com Deus e sua situação
existencial de liberdade do domínio da morte dependem do confiante abandono nas
mãos da graça salvadora. Concluindo podemos sintetizar o tema da carta nestas
proposições: a) o Evangelho é alegre anúncio em Cristo (Rm 1,2-4); b) ao mesmo
tempo é anúncio feito por Deus, o Evangelho de Deus (Rm 1,1); c) é força de Deus
Rm 1,16; d) porque aí se revela sua atividade salvífica; e) com a condição de que se
creia (Rm 1,16-17); f) para todos tanto judeus como pagãos.
v.24. Existe uma ligação com o v.23, pois a temática central é a ação
reveladora da justiça de Deus, que tem seu lugar porque todos pecaram e o pecado os
excluiu da glória de Deus (v.23). O efeito da justiça de Deus que é a justificação
sucede gratuitamente, mediante a eficácia da graça de Deus como poder contrário ao
pecado. Paulo prefere o termo Charis (graça) onde a tradição judaica fala de
compaixão, bondade, longanimidade, paciência de Deus. A graça é muito mais
poderosa e radical e sua eficácia do que a compaixão que os pecadores invocavam no
AT. A graça é o poder salvador escatológico pelo qual Deus eliminou o pecado de
todos e sua condenação pela lei. O lugar da eficácia da graça é a realidade do pecado
de todos (Rm 5,20). Seu meio de atuação é a redenção em Jesus Cristo (U.Wilckens,
p. 234).
A redenção, ou literalmente resgate é a tradução do grego apolytrosis. No
sentido profano é a libertação por meio de um pagamento, ou preço pago por alguém
ou pelo proprio escravo. Na terminologia do NT a redenção é expressa em termos
comerciais de compra e venda (Cf. 1Cor 6,20; 7,23; Gl 5,13; ap 5,9; 1Tm 2,6). Trata-
se de uma metáfora e uma imagem, não de uma descrição realística. Os termos
indicam a ligação entre a justificação do homem e a obra redentora de Cristo.
Portanto o acento está no empenho que Cristo e Deus colocaram na nossa salvação
(Ugo Vanni, p7 3 Le Lettere di Paolo, p.290). Sem dúvida o "custo" da redenção
humana foi alto. Ele nos salvou não atravéz de vítimas mas pelo próprio sangue (Rm
3,25); ou então, não por ouro ou prata, mas pelo sangue precioso (1Pe l,18s). Porém
não é um preço pago a alguém. A redenção operada por Cristo foi um ato de amor
supremo (Ef 5,2). Não parece necessáriamente forçar a metáfora perguntando (como
fizeram alguns Stos Padres) para quem foi pago o prêço do resgate. É grotesco falar
de um preço pago ao demônio; é antropomórfico falar de um preço pago á Deus. A lei
da redenção está longe da lei da justiça comutativa, quando o rei libertava os cativos
por meio da recompensa que recebia. Deus não nos liberta como mercador, mas
porque nos ama (Mauro Dorissio, comentário á carta aos romanos,p.12).
A noção de redenção, (apolytrosis) exprime-se no hebraico pelos temas
gahal e padah. O verbo gahal foi traduzido pela LXX, 90 vezes por resgatar; 45 vezes
por "por em liberdade", 41 vezes por "libertar, salvar". A palavra gahal, nunca foi
traduzida com o sentido de libertar com pagamento de resgate. "Com frequência na
bíblia Deus vem apresentado como aquele que liberta, o goél, o amigo e o parente que
intervêm pela libertação de seu povo, no primeiro êxodo (Ex 6,6-7; Dt 7,6-8; 9,26) e
no novo êxodo (Is 41,14; 43,14; 46,6; 51,5-8; 52,3-9). Trata-se sempre de uma
libertação potente e eficaz pela ação de Deus, de modo que não se fala de prêço de
resgate (Is 52,3-9). Mais tarde a libertação torna-se objeto da esperança escatológica,
quando virá a redenção plena e definitiva (Is 59,20; Sl 130,7-8) (Rinaldo Fabris,
Introduzione alla lettura di Paolo, p.182). Esta significação escatológica de
apolytrosis é frequente no NT (Lc 24,21; Rm 8,23; Ef 1,14; 4,30). Como no Deutero-
Isaias a redenção está unida ao perdão dos pecados (Is 43,22-28; 44,21s; 48,9s; 50,1-
3; 54,6-8;), assim a redenção num contexto litúrgico do NT, a libertação dos pecados
pela conversão. Especialmente Cl 1,14, a redenção coresponde a remissão dos
pecados. Em Ef 1,7; Rm 3,25 se menciona o sangue de Cristo como meio de
redenção. Por este motivo em lCor 1,30 Paulo diz que Jesus Cristo se tornou para nós
justiça, santificação e redenção. Parece então claro que em Rm 3,24 o cristianismo
primitivo entende a experiência do perdão e da conversão como realização
escatológica da redenção- êxodo em Cristo Jesus.
v.25: "Deus o expôs" outra tradução é "destinou a ser". Nos LXX é o termo
cultual para a exposição pública dos pães da proposição (Ex 29,23; Lv 24,8; 2Mac
1,8.15). No contexto cultual de Rm 3,25 é o termo adequado para denominar Cristo
como Instrumento de propiciação. O termo grego traduzido como propiciação é
hilastérion. Propiciatorio entre os gregos quando se refere aos homens significa a
gorja (propina) para corromper e conseguir algum favor. Quando se refere á Deuses
era a oferta de sacrifícios para aplacar a ira. Muitas vezes até mesmo entre os judeus,
Deus era tido como alguém ofendido e que devia ser aplacado com sacrifícios
expiatorios. Devemos interpretar o termo hilastérion á luz do AT onde o verbo Kipper
Expiar" não se refere a ação do homem para aplacar a divindade, mas no uso comum
significa: perdoar, cancelar (Ml 1,9; Zc 7,2; 8,22). Deus sempre é o sujeito (Sl 77,38;
Ez 16,63). Mesmo que no uso litúrgico quando o sujeito era um mediador (sacerdote)
que mediante o rito do sangue procurava aplacar ou tornar favorável; no fundo o rito
da expiação (yon hakkippur: dia das expiações) visava perdoar o pecado ou purificar
algum lugar (Lv.9,7; 16,20; Dn 9,24). Deus sempre era o sujeito da ação.
Cristo expôsto publicamente ao ser crucificado como propiciação
(hilastérion - tradução: propiciatório), retoma seja o ritual do grande dia da expiação,
como o proprio propiciatorio que no AT era a cobertura da arca, sobre a qual no dia
da expiação era derramado o sangue dos bodes. Se chamava propiciatorio (Hebraico:
Kappóret; Grego: hilastérion) tambem o lugar vazio que conteria a arca que faltava no
templo ideal de Ezequiel (Ez 43,14.17.20. Ex 25,17-22; Lv 16,2. 12-16).
O lugar da arca era chamado casa da propiciação, ou santo dos santos (1Cr
28,11). Era considerado trono de Deus (1Sm 4,4: Sl 98,1). Apenas o sacerdote uma
vez por ano podia entrar para o rito do sangue (Lv.16,2.12). Para os judeus o
propiciatorio era o lugar onde Deus perdoava os pecados. O ritual do sangue não
acontecia somente no dia das expiações, mas tambem nas demais celebrações. Havia
a aspersão do sangue, ou diretamente, sobre o propiciatório, ou indiretamente sobre o
véu que o isolava no santo dos santos do santuario (lugar secretíssimo da arca). O
propiciatorio foi aspergido com o sangue das vítimas e o Senhor o foi com o proprio
sangue. A oferta do sangue era o ponto de encontro entre o homem e Deus, no qual
eram destruidas as culpas e pecados do povo. Paulo aplica com sabedoria esta
concepção ao Cristo crucificado. Em Cristo crucificado dá-se o encontro entre Deus e
o povo da nova aliança. Os pecados dos homens que aderem á Cristo através da fé são
destruidos; isto acontece no sangue de Cristo. O sangue na mentalidade biblica é sinal
de vida, implica o conceito de vida em Cristo. Ele tomando sobre si os pecados dos
homens, até o ponto de quase identificar-se com eles (Cf. 1Cor 5,21), destroi os
pecados destruindo a si mesmo, dando o seu sangue, isto é a sua vida em sacrifício
(Ugo Vanni, Le Lettere di San Paolo, p.291). É uma libertação que acontece mediante
o máximo gesto de fidelidade e solidariedade. Jesus foi apresentado por Deus como o
espaço definitivo "da expiação", isto é do perdão e da reconciliação. Isto acontece
mediante a fé, isto é o livre acolhimento da iniciativa salvífica histórica de Deus em
Jesus Cristo.
O objetivo desta redenção definitiva e plena "é da manifestação da sua
justiça" (Rm 3,25b), pela remissão dos pecados cometidos na primeira Aliança. Paulo
diz "pelo fato de ter deixado sem punição os pecados". O termo grego no texto é
paresis que pode ser tomado no sentido de remandar, reenviar. Por isso a BJ sugere
também a tradução: Em vista de perdoar os pecados". Então o sentido do termo
paresis no v.25 seria: para que Deus manifesta-se no tempo messiânico sua justiça,
porque reenviou os pecados cometidos no tempo da paciência divina. Isto é, omitiu
não de punir mas dilatou, reenviou para o cumprimento da restauração messiânica
prometida. Se antes Paulo acreditava no perdão dos pecados por ocasião do Kippur,
agora sabia que isto se dava só pelo sacrificio de Cristo. "Cristo crucificado foi
constituido publicamente por Deus como propiciatorio da festa da reconciliação,
substituindo este com sua morte e ressurreição, p7 3 como o lugar da presença da
sua justiça salvífica" (U.Wilckens, p.240). Os ritos do passado estavam ordenados á
redenção universal de Cristo. Paulo distingue tres tempos no processo salvífico: a) a
ira de Deus, pelo qual o gênero humano multiplicando seus pecados mais se separava
de Deus; b) o tempo da justiça de Deus quando cumpria a restauração prometida; c) o
tempo da paciência de Deus. Os pecados do povo eram suportados com grande
longanimidade em vista da futura redenção. Não que estes tempos se sucedam
necessáriamente e que sejam distinguidos cronológicamente. Pela esperada redenção
o tempo da espera do messias não era de ira de Deus. Enquanto futura redenção nele
já se preparava o tempo chamado tempo da paciência de Deus (Rm 3,26a). A
paciência que mantêm aberto o caminho da conversão dos pecadores. Agora a justiça
de Deus se manifestou (nuni, dé: agora, porém, Rm 3,21), Justiça que é misericordia e
perdão completo. Portanto é a justificação que acontece a qual não
requer as obras da lei, mas a fé viva que cumpre as obras próprias de
justificados" (Lutero).
Este dinamismo que vai da mote para a vida, da escravidão do pecado para a
liberdade, torna-se real possibilidade de amadurecimento espiritual, mas também
urgente empenho e compromisso. A expressão "corpo de pecado" (Rm 6,6) reevoca a
expressão seguinte: "corpo mortal" (Rm 7,24). Com o termo "corpo" se entende a
personalidade humana na sua totalidade, condicionada pelo pecado e pela morte.
Mediante o batismo desaparece esta ligação com o pecado. O homem velho dá lugar
ao homem novo pela inserção no mistério pascal da morte e ressurreição de Jesus
Cristo. A realidade do passado é evocada com os termos: pecado, morte, injustiça, lei
escravidão, iniquidade. Por outrolado a realidade nova e futura que se vive na relação
com Cristo é expressa com os termos: vida, ressurreição, justiça, amor, graça,
santidade, liberdade. As imagens utilizadas pelo apóstolo para descrever esta
realidade, são tiradas do ambiente. São principalmente os do serviço militar: As
armas da justiça à injustiça; e do modelo social: patrão à escravo (Rm 6,13-14.16-
18). Parece claro neste texto a dimensão teológica do batismo como uma nova
realidade de vida com Cristo. Outros aspectos da teologia batismal são: a dimensão
comunitária como entrada e pertença ao povo de Deus que é a Igreja; a dimensão do
novo relacionamento com deus, pois o batismo nos torna filhos de Deus e herdeiros.
É porque recebemos o espírito de filhos adotivos podemos chamar Deus: Abba, Pai
(Rm 8,15) (Cf.Doc.CNBB- 19, Batismo de crianças).
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Sugestão de Estudo