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ALMA SOBREVIVENTE NO CONTEXTO DA CRENÇA TRADICIONAL

LAKLÃNÕ (XOKLENG)

Nanblá Gakran

RESUMO

Este trabalho aborda as crenças e espiritualidade do povo Laklãnõ (Xokleng)


que atualmente vive na Terra Indígena Laklãnõ nós quatro municípios catarinense: José
Boiteux, Vitor Meireles, Itaiópolis e Doutor Pedrinho na região noroeste do estado.
Atualmente as crenças e espiritualidade desta sociedade na aldeia passam por uma
revitalização que ao logo da história de contato com a sociedade não indígena era deixada
de lado, hoje está sendo revivida de acordo com a realidade atual deste povo. O que era no
passado destinado para catequisar e assim integrar os indígenas à sociedade dominante.
Hoje as casas de oração na aldeia é considerada um lugar para expressar sua fé cristã e
assim reafirmar suas crenças tradicional e da mesma forma reafirmar sua identidade
enquanto povo. Da mesma forma as casas de oração faz parte das demandas e dos projetos
políticos do povo. Sob este olhar é reconhecido pelo povo como um espaço de interações e
também considerada como espaço de contato entre mundo distinto, entre forma de saber e
conhecimento distintos espiritual. Sob este olhar entre a crença e a espiritualidade, este
artigo objetivou trazer a luz algo que estava sempre por traz da cortina do tempo que é
sobre crenças tradicionais e espiritualidade do povo Laklãnõ (Xokleng) no passado antes
do contato e como está sendo agora. Assim buscou se apresentar um panorama geral sobre
o que é a crença e espiritualidade tradicional e a religiosidade dogmáticas sob o ponto de
vista do povo e no contexto desta sociedade. O presente trabalho retrata como era vista
pelos Laklãnõ (Xokleng) a cosmologia e o respeito pela natureza no passado distante e
suas lembranças e quais as suas perspectivas para as novas gerações e como é a luta para
manter seus costumes diante da invasão de diversas outras culturas.

PALAVRAS-CHAVE: índios Laklãnõ (Xokleng); Cultura; Crenças e Espiritualidade Tradicional.

INTRODUÇÃO

Esse artigo se ocupa de um tratamento descritivo das histórias sobre as crenças


e a espiritualidade do povo Laklãnõ (Xokleng), certamente com algumas exclusividade de
forma como esta sociedade acreditava numa “cosmologia” 1 de acordo com sua cultura
tradicional no passado distante. Quando estamos se referindo com alguma exclusividade,
estamos nos referindo que se trata de uma crença tradicional mas não há uma análise
aprofundada antropologicamente sobre o funcionamento das história em um contexto
antropológico ou mesmo linguístico, mas a intenção é colocar a disposição do publico

1
Para os Laklãnõ (Xokleng) existem duas história de geração: a primeira história é do grupo Vãjẽky, estes
emergiram da água. A segunda história é do grupo Klẽdo, estes emergiram da montanha. Ambos
emergiram em lugares distintos, mas são do mesmo clã, seus costumes e rituais são semelhantes.
como era tratada a espiritualidade desta sociedade e assim diferenciar um espaço
sobrenatural, afirmando que há uma dimensão superior que seria céu e uma dimensão
inferior que seria terra. Sobretudo no contexto dos Laklãnõ (Xokleng), no que ela se insere
para uma reflexão sobre todos os aspectos nos processos tanto educacionais como no
próprio ambiente nas casas de orações (igreja).
Ao longo da história dos povos indígenas, a finalidade do cristianismo era
destinado à catequizar em crença dogmáticas e assim ‘civilizar’ os nativos para assim
integrar a sociedade dominante. Mas o que se pode entender que as crenças e a
espiritualidade dos povos nativos já existiam desde inicio da criação da humanidade, pois
ali todos os saberes tradicionais culturais e crenças eram cultuados de acordo com a
realidade de cada povo, assim, a visões de mundo destes nativos estabelecia os símbolos
que relacionavam a humanidade com a espiritualidade e seus próprios valores morais de
acordo com cada especificidade de cada povo de acordo com sua realidade. O que não se
pode confundir é a conversão dos povos indígenas para uma determina crença religiosa
dogmática cristã e isso é vista pelos ‘intelectuais’ como uma transformação com finalidade
de fazer com que esses nativos deixam de praticar suas crenças e espiritualidade tradicional
de lado. Como pertencente de um povo nativo, considero que converter se a uma fé cristão,
é um complemento de uma crença que já existia ao longo da história de qualquer povos
nativos ou indígena.
Neste contexto, o universo próprio criado pelos Laklãnõ (Xokleng) e os elementos
da natureza são dotados de espírito e segundo suas crenças são seres passíveis de se
comunicarem e de se relacionarem com os próprios Laklãnõ (Xokleng), criando assim um
clima de compartilhamento do espaço, do tempo e da vida cotidiana. Em sua
espiritualidade eles estabelecem uma interação com o mundo criando uma realidade onde
pessoas são formadas e formam a natureza, compondo um todo indissociável. Este
contexto pode ser compreendido como a luz do saber tradicional que é forçada e sustentada
e faz mover o povo através de símbolos poderosos, de sonhos, de projetos e de visões,
estabelecendo uma relação de alteridade entre os seres da natureza e as pessoas. Por essa
razão, a conversão de qualquer sociedade indígena a uma fé Cristã não deve ser vista como
um intruso para a perda dos costumes e crenças de acordo com sua realidade, mas sim deve
ser vista como complemento do que já existia.
Sob este ponto de vista, de acordo com nossa análise, a capacidade de uma
sociedade indígena de se comunicarem com os espíritos de animais, de plantas e mesmo de
seres inanimados que por sua vez podem se manifestar na forma humana, sobretudo os
líderes espirituais como “kujá” (Pajés) para este povo é muito forte. Da mesma forma a
espiritualidade demonstra-se também de diferentes formas em outras nações indígenas de
acordo com a família linguística que pertence. Entre a sociedade Laklãnõ (Xokleng), nos
faz entender que há uma relação de alteridade e reverência a seres da natureza como
componentes fundamentais de sua cosmologia que estabelecem entre a natureza. Como
citamos anteriormente, pode se dizer que a espiritualidade indígena fundamenta-se na
unidade entre o natural e o social por meio da ligação a poderes atribuídos a determinados
seres naturais como animais, plantas e ou outros elementos.
Sob este entendimento, o objetivo deste artigo é apresentar ao leitor como é as
crenças e a espiritualidade na cultura desta sociedade através das histórias narradas pelos
anciãos e assim tentar demonstrar como era a realidade dos Laklãnõ (Xokleng) que
resistiram à invasão e disseminação de diversas culturas em seu território tradicional antes
e pós contato com a sociedade não indígena.
Da mesma forma queremos justificar que decidimos aceitar o convite para
publicação deste artigo para colocarmos a disposição do publico em geral, como era e
como está sendo as crenças e espiritualidade deste povo através das narrativas de alguns
anciãos considerados grandes narradores das histórias orais na época, hoje já falecidos. A
intenção é trazer a luz algo que estava sempre por traz da cortina do tempo que é sobre
crenças tradicionais e espiritualidade do povo Laklãnõ (Xokleng) no passado antes do
contato e como está sendo agora e assim tentar preservar o que sobrou das histórias
narradas oralmente desta sociedade.

Organização Social Antes do Contato com a Sociedade Não indígena

Antes do contato com a sociedade não indígena, segundo as histórias contadas


pelos anciãos, o território tradicional ocupado pelos Laklãnõ (Xokleng) se estendia do
planalto até o litoral, entre o Porto Alegre no estado de Rio Grande do Sul até os campos
de Curitiba e Guarapuava no Estado do Paraná, incluindo quase todo o centro-leste do
estado de Santa Catarina excetuando a orla marítima. Atualmente os Laklãnõ (Xokleng)
são tradicionais ocupantes das terras localizadas entre o litoral e o planalto mais
especificamente no Alto Vale do Itajaí. Em sua maioria a população são Laklãnõ
(Xokleng), falam a língua com o mesmo nome do povo. A língua falada é da família
linguística “Jê” meridional. Há também alguns descendentes do povo Kaingang trazida no
inicio do século passado para ajudar no contato dos Laklãnõ que ocorreu em 1914. O que
se deve deixar claro que na Terra Indígena Laklãnõ, não há família do povo Kaingang, mas
sim descendente e alguns casamento de mulheres Kaingang com homens Laklãnõ
(Xokleng), o que não deve ser considerado como famílias mas sim como descendentes.
Por outro lado há algumas famílias do povo Guarani Mbya migrada para o território dos
Laklãnõ e convive pacificamente este o povo Laklãnõ (Xokleng).
Segundo VEIGA, J. (2004), antes do contato oficial com a sociedade não
indígena, os Laklãnõ (Xokleng), além da caça e da coleta, praticavam a agricultura2 e com
isso viviam em aldeias permanentes. Diferente de outros autores afirmarem que a
sociedade Laklãnõ era nômade ou seminômade. O que a autora nos coloca, isso confirma
as história que ouvia dos anciãos como membro nativo deste povo e também como
pesquisador desta sociedade. As histórias que eu próprio ouvia dos anciãos Laklãnõ
(Xokleng) e principalmente do meu pai e do meu avô desde minha infância, antes do
contato com a sociedade não indígena, na medida da ocupação dos seus territórios pelos
colonizadores, deu se o início dos conflitos e também das perseguições e assim muitos
Laklãnõ (Xokleng) foram mortos por esses invares europeus. Esses conflitos fez com que o
povo se tornar seminômades, vivendo da caça e da coleta dos pinhões, “zág zy” (fruto da
Araucária ou pinhão). Por causa destes conflitos e perseguição dos colonizadores na região
onde viviam, os Laklãnõ não obtiveram mais acampamentos fixos e desta forma deixaram
de cultivar as terras.
De acordo com minha pesquisa para Dissertação (2005), os anciãos que foram
consultamos, afirmaram que no passado antes do contado com o não indígena, os Laklãnõ
(Xokleng) dividiam e organizavam seu tempo em dois períodos, verão “lõ” ou “plõg”
como chamava e inverno “kutxó”. Assim, passavam o inverno todinho no planalto em
época de pinhão, um dos principais fontes de alimentação desse povo. No verão, desciam
para o vale a onde se reuniam e construíam acampamento (ranchos) em semicírculo,
voltados para uma praça central onde faziam os rituais de preparação (iniciação),
casamentos, ritos funerários, confraternizavam se, caçavam e planejavam ataques aos
inimigos3. Terminada a estação cerimonial, a vila se desfazia e os grupos saíam para mais
uma jornada no planalto no inverno e se reencontravam novamente para outra cerimônia já
planejada no verão seguinte.

2
Segundo Veiga, J. (2004), os Laklãnõ viviam em aldeias permanentes. Ao longo do tempo, em função
dos conflitos e das perseguições dos brancos tornaram-se seminômades.
3
De acordo com Gakran as narrativas que foram gravadas junto as pessoas mais velhas nos anos 80, isso
confere que as aldeias eram circulares. Greg Urban (1978) sugere que fosse baseado em descrições de
pessoas mais velhas e informação sobre pesquisas arqueológicas.
Segundo os anciãos Laklãnõ (Xokleng) (2005), após o casamento o homem sai
da casa dos pais e passa morar juntos com os pais da esposa, sem que atenuar seus laços
com a família extensa de origem, pois davam grande valor às lealdades paternas. De
acordo com meus colaboradores (informante) e como membro desta sociedade afirmo que,
existia no passado antes do contato ‘poligamia’, mas não existia ‘poliandra’, ou seja, união
conjugal com mais de um homem. Greg Urban (1978) também afirma que além de
casamento monogâmico, mas também há casamento ‘poligamia’ entre os Laklãnõ
(Xokleng). Diferentemente do que Jules Henry (1935) afirmar que havia além de
casamentos ‘monogâmicos’ e ‘poligamia’ mas, também na forma de ‘poliandria’ e ainda
casamentos em grupo. Discordo desta informação de Jules Henry (1935), é informação
distorcida e não verdadeira. Atualmente a sociedade Laklãnõ (Xokleng) se sentem
humilhado e sente desconfortável com esta fonte, pois as informações que tenho como
membro deste povo ter me criado e vivido junto com grandes narradores ancião nos anos
80, lamentavelmente afirmo que é uma fonte não verdadeira. Quando falamos que
discordamos são discordância da própria comunidade Laklãnõ (Xokleng), os mesmos
argumentam que isso viola a imagem histórica e integridade desta sociedade.

O ritual de Iniciação das Crianças

A maior festa dos Laklãnõ acontecia por ocasião da furação dos lábios dos
meninos “glókózyn”, onde vários grupos se reuniam comemorando com danças “ãgglan” e
muita bebida feita à base de mel, água e xaxim e depois de pronta chamada de “mõg”. O
povo considerava que com três a cinco anos de idade os meninos tinham que ter botoques
inseridos no lábio inferior. Já as meninas, com a mesma idade, recebiam ‘tatuagens’ ou
marcas na perna esquerda, abaixo da rótula. Os padrinhos responsáveis pela perfuração
labial e também pelas tatuagens eram os mesmos que enterravam o cordão umbilical da
criança ao nascer e que mais tarde, acompanhariam o desenvolvimento e socialização das
crianças até a fase adulta. Normalmente, os afilhados eram os incumbidos da cremação de
seus padrinhos quando morriam.
Atualmente não há mais cerimônias de iniciação tradicionais entre o povo
Laklãnõ (Xokleng), nem para meninos e nem para meninas, apenas isso está vivo em suas
memorias, mas deixado de ser praticada.
A Crença e Cosmologia dos Laklãnõ (Xokleng)

O povo Laklãnõ (Xokleng), historicamente era religiosidade4, ou seja, desde o


passado remoto já acreditavam que existe céu e terra, para os mesmo no lado de cima
considerava que há céu e também acreditava que existia seres “ãggaplẽg” (espíritos)
morando lá, também acreditava que há uma vida após a morte pois segundo suas crenças a
vida continua no lado de lá 5 após a morte e continuam praticar suas atividade que
praticavam antes de seu falecimento. Os Laklãnõ (Xokleng) como quaisquer outros povos
nativos, acreditavam em espíritos ‘gyjun 6’ e ‘kuplẽg7’, que habita entre as árvores, nas
montanhas, nas cavernas ou paredão de pedras, correntezas d’água, ventos, para esta
sociedade todos os animais pequenos ou grandes tem espíritos. Acreditavam também que
encontrar “gyjyn” (espírito) poderia ser perigoso, mas também poderia ser bom se
oferecessem uma ajuda em seu cotidiano. Acreditavam também que os animais tinham
espírito que os controla e protegia, permitindo ou não aos homens matá-los. Ou seja, o
povo Laklãnõ (Xokleng) acreditava na natureza. De acordo com suas crenças, se
desobedecerem aos espíritos de animais ou da própria natureza, eles também poderia
matar. Como foi citada anteriormente, os Laklãnõ por serem um povo muito religioso,
também acreditavam que existia um ser superior que está acima de nós “Ãgglẽnẽ”.
Em março de 1984 a junho de 1985, dei início à pesquisa para registrar as
histórias do povo Laklãnõ (Xokleng), a intenção inicial não era registrar em livro ou fazer
uma análise linguística, mas documentá-las em fitas-cassete para preservação das histórias
e cultura do povo a qual pertencia, tendo permanecido como acervo pessoal, e, sem
orientação, transcrevi todas as fitas para a escrita Laklãnõ da forma como entendia. Na
época da coleta das histórias, utilizei gravador com simples fita K7 e depois transcrevia de
próprio punho tudo em caderno, sem imaginar que num futuro próximo este corpus serviria
como o maior tesouro da história do povo Laklãnõ (Xokleng). Hoje é um grande tesouro,
reconhecido pelo povo, pois todos os grandes narradores Laklãnõ, autores das histórias
deste corpus, já faleceram. Da mesma forma, sem imaginar que num futuro próximo todo
esse material serviria como material de leitura e também como base para a elaboração de
uma gramática de referência desta língua, que está hoje a cargo do meu doutoramento.

4
Para os Laklãnõ tudo era sagrado, acreditava na natureza, acreditava na existência de um ser supremo.
5
Informação das historia e narrativas do povo Laklãnõ (Xokleng) que gravamos nos anos 80. Os ancião que
informaram era considerados os mais sábio da comunidade na época, hoje já falecidos.
6
‘gyjun Espírito familiar, espírito que dá poderes.
7
‘kuplẽg’ Espírito dos mortos, almas.
Considerando como membro desta sociedade, quero deixar registrado, que
nada acontece por um acaso, tudo isso estava escrito pelo grande criador supremo
“Ãgglẽnẽ”, que em algum momento estes corpus estaria sendo utilizada para revitalizar a
história do povo Laklãnõ (Xokleng) e assim reafirmar a identidade étnica desta sociedade.
Como mencionada anteriormente, em uma das histórias narradas pelos anciãos
que gravamos, a história fala que depois do contato em 1914, por volta de 1927, um pouco
mais de dez anos de contato, um dos últimos maior “kujá”, seu nome era Kámlẽn, antes de
sua morte, ele falou para as pessoas que estavam junto dele, apontou com a mão para o
céu, dizendo que o buraco ou porta do céu ficava ali naquela direção, “no sentido oeste”. O
mesmo afirmou que, por aquela porta estava subindo com um "Ser" com o nome "JUN,
JUJU8" para morar junto com ele no além (céu), lá estaria intercedendo por eles e tudo eles
precisar é só pedir que ele próprio estaria os ajudando com isso.
Diante da fala do ‘kujá’ Kámlẽn, observamos também que nas outras histórias
gravada também afirma esta versão de existir um céu e uma terra já desde os tempos dos
seus ancestrais, antes do contato com a sociedade não indígena.
Considera se relevante destacar que por volta de 1927, quando o grande ‘kujá’
Kámlẽn falou isso antes de sua morte, o cristianismo não havia sido penetrado na Terra
Indígena. Ou seja, o cristianismo foi implantado entre a comunidade Laklãnõ (Xokleng)
somente em 1948, ou seja, aproximadamente vinte anos após.
Diante deste contexto, observa-se que o povo Laklãnõ (Xokleng) acreditava e
fazia esta diferença de existir um céu e uma terra. Também diante desta fala do Kámlẽn ,
nos mostra claramente de que o povo acreditava que há seres no céu como na terra. Esta
fala nos afirma que o povo não só acreditava nos espíritos de animais, mas sim, num "Ser"
superior que está acima de nós.
Reforçando esta mesma fala, em outra história que foi gravado na mesma
época, também afirma da existência de um céu e uma terra, mas de outra forma. Observe
na integra a tradução desta história: “...no passado distante, havia um gavião igual a onça
que comias as pessoas. Para comer o ser humano, a onça gavião levava para o céu a
pessoa. Raptava as pessoas e leva para o céu e lá comia com os demais outros gaviões...
Um dia ‘Kujánhkág’ e seu irmão ‘Nãnbág’ foram caçar e a onça gavião raptou
‘Kujánhkág’ naquele dia. Seu irmão ‘Nãnbág’, passado tempo, subiu atrás lá céu para
buscar seus ossos... Mas antes deste acontecimento os dois iam caçar juntos, eles sempre

8
Esta história gravada pelos anciãos nos anos 80 permanece ainda na integra.
falava um para outro dizendo: “ Se um dia um de nós for raptado pelo onça gavião, aquele
que ficar vai atrás buscar os ossos lá no céu e quando trouxer, loca num lugar distante
num cesto que depois de algum tempo, vai se transformar num homem e assim vai retornar
novamente”... Alguns dia depois aconteceu oque os dois previam, o ‘Kujánhkág’ de fato
foi raptado pela onça gavião. Como seu irão irmão ‘Nãnbág’ tinha contato com os espíritos
de gavião lembrou o que haviam combinado com seu irmão e então ele pegou as penas e
fez suas asas e o rabo, depois de pronta, antes de subiu voando até ao céu buscar os osso do
seu irmão conforme oque havia combinado. Mas antes de subir falou para seus parentes
dizendo: “ ... Eu vou subir no céu buscar os ossos daquele homem que foi raptado pela
onça gavião! Quando eu subir buscar, vocês me esperam aqui! Por ali fica o buraco
(porta) do céu! Então vocês ficam de olho naquele buraco, vou entrar ali, para vocês me
ver, fica de olho lá! Ao Falar isso para os parentes, ele apontava para o céu no sentido
oeste como o “Kámlẽn” maior pajé Laklãnõ (Xokleng) falou antes de sua morte em 1927.
Conforme a história, quando Nãnbág chegou lá no céu, ele viu e teve contato com seres
vivente do sexo masculino e feminino. De acordo com a história há uma vida lá no além-
semelhante à vida aqui na terra, ou seja, há um céu e uma terra. Isso reforça nitidamente
que a vinda do cristianismo entre o povo na aldeia, veio para complementar a sua crença,
que já existia ao longo de toda sua história desde o passado remoto até os tempos atuais.
Pode se observar claramente na história relatada acima que a sociedade Laklãnõ
(Xokleng) no passado distante acreditava numa reencarnação após a morte.
Em outra terceira história também gravada na mesma época nos anos 80,
complementou oque foi falada nas outras duas história citada anteriormente, mas de forma
diferente. A ler esta terceira história, confirma a ideia de que no passado distante a crença e
espiritualidade do povo Laklãnõ (Xokleng) era conforme seus costumes e suas tradições.
Veja esta terceira história sobre a existência da continuação da vida a pós a morte no outro
lado da dimensão.
O povo acreditava que poderia adotar espírito de criança e colocá-lo no ventre
de sua mulher ou da filha, para que a criança pudesse renascer, isso se a criança já é
falecido. Nesta história na época um dos maiores “kujá” (pajé) seu nome era ‘Ulol’,
quando morria um filho ou um neto, ele buscava o espírito dessa pessoa seja adulta ou
criança, mas trazia e colocava no ventre da mãe ou da filha e assim renascia o filho ou o
neto novamente com as mesmas características física. Esses costumes e crenças estendeu
se até os anos 60 e com a imposição do cristianismo foi deixada de lado mesmo que no
fundo ainda até os dias atuais se acredita ainda. Segundo a história no lugar a onde ele
buscava o espirito da pessoa falecida, havia lugar separado para as crianças e também para
os adultos e que a vida no lado de lá após a morte continua como antes de sua morte. Essa
versão reforça ainda mais o que foi citada anteriormente que o povo Laklãnõ (Xokleng) no
passado distante acreditava numa reencarnação após a morte.
Da mesma forma o “kujá” (pajé) Ulol segundo a história, por ter contatos com
vários espíritos, ao ver necessidade dos seus parentes, ele chamava os bicho de caça como:
anta, porco do mato (queixada), tateto entre outros animais de caça ele chamava para eles
matarem e assim comer carne.
No passado entre os Laklãnõ (Xokleng), os mortos adultos eram cremados
conformes seus costumes e seus restos mortais eram colocados em um cesto e enterrados.
Já as crianças eram enterradas, pois acreditava se que seu espírito retornaria ao ventre da
mãe e renasceriam novamente. Para isso acontecer, os pais tinham que ir todos os dias no
final da tarde ao lugar onde foi enterrada a criança para chamar seu espírito e assim
segundo suas crenças, o espírito retornaria junto com os pais para casa e a mãe ficava
grávida novamente e com isso a nova criança que nascia recebia o nome do já falecido (a).
Atualmente no fundo entre os Laklãnõ mais velhos mantém-se ainda viva essa a crença de
que o espírito da criança, depois de morta, retorna para os pais mesmo que a igreja condena
está crença tradicional.
Sob esta imposição da igreja também, grande parte das plantas medicinais
utilizada no passado pelos “kujá” para as curas de doenças corporais e as praticas do
exorcismo tradicional, foram deixadas de lado e assim todos esses papel foi ocupado pelos
pastores evangélicos. Assim, os mesmos fazem orações, lembram assim as técnicas de cura
utilizadas pelos antigos “kujá”.

Comentário sobre Alma Vivente no Contexto Cristão, Filosófico e Laklãnõ (Xokleng)

No contexto das histórias tradicionais contada de geração a geração entre os


Laklãnõ (Xokleng) que foi citada na integra anteriormente, se fará um breve comentário
sobre o meu ponto de vista como membro nativo desta sociedade.
Desde o inicio da humanidade acredita se que existe outra vida após a morte.
Que a morte é uma passagem da vida terrena para o outro lado da vida, para o convívio
com os deuses. Sobre esta ideia de ‘alma sobrevivente’ após a morte, interpreto que tudo o
que vemos no mundo são imitações das ideias perfeitas do mundo das ideias, que
consistem em varia ideia sobre a mesma teologia conforme suas representações nas
variadas culturas e cada um com crença tradicional diferente uma de outras.
Sob este olhar, o que está no mundo é cópia daquele seu modelo interpretada
de diferentes formas. Neste aspecto interpreto o que considero adequado para cada cultura
que considera correto sobre a ideia da alma sobrevivente.
Levando em consideração que para os cristãos, a alma do homem, após sua
morte, vai para um lugar preparado chamada ‘paraíso’, para esperar o dia do juízo final,
onde será julgada conforme suas obras aqui terrenas. Assim, uns ganharão galardão e
outros a condenação eterna. Quase com a mesma interpretação, os católicos e apostólicos
pregam que a alma do homem após sua morte fica num lugar chamada de ‘purgatório’,
para se purificar e depois serem perdoados no dia do juízo final, assim uns serões julgados
conforme suas obras terrenas e assim ganhar seu perdão e outros a condenação eterna. O
filósofo Platão (428 a.C. - 347 a.C), acreditava que as almas migram de um corpo para
outro após a morte. Assim, uma alma transmigra para vários corpos antes que o seu ciclo
de perfeição chegue ao fim. Mas, conforme a suas obras, elas poderá ter uma punição de
formas diferentes. Para Platão, as almas que tiverem praticado a virtude comum, não
filosófica, poderão reencarnar em animais mansos e sociáveis ou em homens honestos e
virtuosos. Para ele, as almas que cometeram crimes gravíssimos e irreparáveis a punição é
longa. De acordo com o Platão, por ter praticado a injustiça, será passada pela dor e pelo
sofrimento, tanto na terra como no ‘Hades’, que é o lugar para onde irão as almas após a
morte.
Com o mesmo ponto de vista dos cristãos e do filósofo Platão, o povo Laklãnõ
(Xokleng) interpreta desde o passado remoto até os dias atuais sobre a vida terrena e sua
alma após a morte terrena. Como se pode ver nitidamente nas histórias acima que os
Laklãnõ (Xokleng) acreditam que existe uma vida após a morte. Para o Laklãnõ nessa
percepção, o homem é um ser de duas dimensões, composta de corpo e alma. Isto confirma
o que Platão afirmava sobre a ideia de duas dimensões humana. De acordo com os meus
colaboradores anciãos, a história do “kujá” Ulol citada anteriormente, o mesmo afirma que
há um lugar preparado para as almas daqueles que se foram desta vida terrena e que neste
lugar todas as almas, tanto adultos como crianças, ficam esperando seus entes queridos que
um dia vá encontrar. Enquanto espera seus entes queridos, eles continuam fazendo seus
afazeres do dia a dia que fazia na vida terrena. Assim para os Laklãnõ (Xokleng), a vida
continua no mesmo ritmo depois da morte, isto significa para eles é uma passagem da vida
terrena para uma vida nova.
Sobre esta ideia de alma sobrevivente, interpreto que independente das etnias e
crenças religiosas ou filosóficas, a ideia sobre a ‘alma’ ou vida após a morte, seguem o
mesmo raciocínio e com a mesma ideologia, ou seja, cópia do modelo que já está no
mundo com interpretações de diferentes formas.

Considerações Finais.

Este pequeno trabalho não teve grandes pretensões, mas sim, objetivou trazer a
luz algo que estava sempre por traz da cortina do tempo que é sobre crenças tradicionais e
religiosidade entre os Laklãnõ (Xokleng). Busquei apresentar um panorama geral sobre a
como é ponto de vista do povo e no contexto desta sociedade.
Esperamos que este trabalho possa contribuir para despertar maior interesse no
meio acadêmico sobre a importância das crenças tradicionais e da espiritualidade entre os
Laklãnõ (Xokleng) e os demais povos nativos ou indígenas no Brasil. Da mesma forma,
esperamos que este trabalho possa ser uma ferramenta de pesquisa entre os professores
indígenas Laklãnõ (Xokleng) e assim ampliar suas pesquisas referente a historia das
crenças tradicional da sociedade em que pertence.

Referencias Bibliográfico

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