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STEVEN

RUNCIMAN

A CIVILIZAÇÃO BIZANTINA

tradução de Waltensir Dutra

ZAHAR EDITÔRES

RIO DE JANEIRO
Titulo Original:

BYZANTINE CIVILIZATION

Publicado na Inglaterra por

Edward Arnold (Publishers) ltda

capa de Érico

1961

Direitos para a língua portuguesa adquiridos por

ZAHAR EDITORES

Rua México, 31 — Rio de Janeiro

que se reservam a propriedade desta tradução

Impresso no Brasil Printed, in Brazil


Impresso no Brasil Printed, in Brazil
PREFÁCIO

O objetivo deste livro é proporcionar ao leitor uma visão geral da civilização do


Império Romano, durante o período em que sua capital foi Constantinopla — ou
seja, daquela civilização greco-romana orientalizada, melhor conhecida como
“bizantina". É um período extenso, e durante seus onze séculos ocorreram
muitas transformações e modificações. Tentei, porém, concentrar-me de
preferência nas qualidades que caracterizaram a história bizantina em toda a sua
extensão. Num esforço para manter as proporções deste livro dentro dos limites
razoáveis, vários aspectos do assunto foram examinados com indevida
brevidade: o direito e a arte bizantinos, principalmente, receberam um
tratamento desproporcional à sua importância. Mas o primeiro, deixando de lado
as generalidades, é uma floresta de detalhes intrincados, e o segundo, um oceano
de gostos controversos e divergentes no qual até mesmo as generalidades são
muito arriscadas. Em ambos os casos, uma análise mais detalhada teria
demandado número maior de páginas do que seria possível conter este livro.
Realmente, devo pedir a meus críticos que sejam indulgentes quando
considerarem ter eu sido excessivamente breve em certos pontos, lembrando-se
de que maior generosidade ali teria significado cortes em outras partes.

As notas de pé de página têm a finalidade de indicar as fontes dos detalhes


ilustrativos e uma pequena bibliografia, no local adequado. Dispensei-as no
Capítulo II, onde trago, de modo geral e sem possibilidade de controvérsia, da
história do período. Na Nota bibliográfica, foram incluídas as indicações das
bibliografias gerais mais úteis e uma lista das abreviaturas usadas.

Quero assinalar meus agradecimentos à Srta R. F. Forbes, pelo auxílio que me


prestou na correção das provas.
S. R.

Trinity College. Cambridge.


NOTA BIBLIOGRÁFICA

As melhores bibliografias sobre a civilização bizantina encontram-se na


Cambridge Medieval History, vol. IV; no artigo de Leclercq, "Byzance”, no
Dictionnaire d’Archéologie Chrétienne et de Liturgie, de Cabrol; quanto aos
trabalhos modernos, ver especialmente a bibliografia da Yasiliev, na Histoire de
L’Empire Byzantin. Para o leitor médio, aconselhamos os vários trabalhos de
Diehl e Schlumberger. Para os estudantes do assunto, a Geschichte der
Byzantimschen Litteratur, de Krumbacher, a Histórical Geography of Ásia
Minor, de Ramsay, e os vários trabalhos de Bury são fundamentalmente
essenciais.

Foram utilizadas as seguintes abreviações:

A. S. Boll. para Acta Sanctorum Bollandiana.

B. G. M. ” Satlias, Bibliotheca Graeca Medii Aevi.

Byz. Arch. " Byzantinische Archiv.

B. Z. ” Byzantinische Zeitschrift.

J. H. S. ” Journal of Hellenic Studies.

H. Z. ” Historische Zeitschrift.

M. G. H. Ss. ” Monumento, Germaniae Histórica, scriptores.


M. P. G. ” Migne, Patrologiae cursus completas, series Graeco-Latim.

M. P. L. ” Migne, Patrologiae cursus completus, series Latina.

As datas e locais de edição dos vários livros citados podem ser encontrados nas
bibliografias acima mencionadas.
I. A FUNDAÇÃO DE
CONSTANTINOPLA

A cidade de Bizâncio foi fundada por marinheiros de Mégara no ano 657 a. C.,
num dos extremos da Europa, onde o Bósforo se abre para o Mar de Marmara.
Esse litoral não era desconhecido dos colonizadores gregos. Uns poucos anos
antes, outros megáricos haviam fundado a cidade de Calcedônia, na margem
asiática oposta, tornando-se proverbialmente conhecidos pela cegueira de não
perceber que o melhor local estava do outro lado do mar. Mesmo assim,
Calcedônia dispunha de vantagens que poucas cidades do Bósforo, em sua
situação, possuíam.

A Europa é separada da Ásia sul-ocidental por dois grandes lençóis de água, o


Mar Negro e o Mar Egeu; entre os dois, porém, entende-se a Trácia em direção
da Ásia Menor, até que os dois continentes fiquem separados apenas por dois
estreitos canais, o Bósforo e o Helesponto ou Dardanelos, e pelo mar interior de
Marmara. Desses dois canais de fácil travessia, o Bósforo é levemente mais
acessível do continente asiático, já que evita a subida sobre o Olimpo da Bitínia,
ou Ida, e muito mais acessível para quem parte da Europa, devido ao ângulo em
que se projeta o Quersoneso Trácio para formar o Helesponto. Homens e
mercadorias que viajem por terra de um continente para o outro passarão, quase
que inevitavelmente, por uma cidade do Bósforo, enquanto os navios navegando
entre o Mar Negro, o Egeu e o Mediterrâneo terão certamente de passar junto
dela. O Bósforo está situado no cruzamento de duas das maiores rotas
comerciais da História.

Calcedônia não está mal colocada, mas mesmo assim seus fundadores foram
curiosa mente cegos, pois a costa europeia dispunha de uma vantagem que
faltava à oriental. No ponto em que as águas do Bósforo passam para o Marmara
estende-se para o noroeste uma soberba baía de uns onze quilômetros de
extensão, curva como uma foice ou um chifre, e conhecida na História como o
Chifre de Ouro. Entre ela e o Marmara fica um promontório montanhoso, na
forma aproximada de um triângulo isósceles, cujo vértice rombudo está voltado
para a Ásia. Uma cidade fundada sobre tal promontório não só estaria provida de
um porto natural, onde uma grande armada poderia abrigar-se em perfeita
segurança, como também protegida pelo mar por quase todos os lados. A única
desvantagem era o clima. Durante todo o inverno e a primavera um vento norte
quase incessante sopra do Mar Negro, vindo das estepes geladas, enregelando o
colono habituado aos vales abrigados da Grécia e contrastando excessivamente
com os cálidos verões que so seguem. E esse vento norte, combinado com a forte
corrente do Bósforo no rumo sul, frequentemente impedia que os navios a vela
contornassem a ponta e chegassem ao Chifre de Ouro.

Foi possivelmente o clima que impediu Bizâncio de se tornar, por quase mil
anos, uma grande cidade. Além disso, nos grandes dias da Grécia, era mais fácil
e mais seguro para os mercadores asiáticos, devido ao estado bárbaro da Trácia,
passar à Europa através de Esmirna ou Éfeso. Sua importância como fortaleza,
porém, foi logo compreendida. Na guerra do Peloponeso foi louvada por sua
posição de comando sobre a entrada do Mar Negro, em cuja margem norte
estavam as plantações de cereais onde Atenas se alimentava. Filipe da
Macedônia e seu filho Alexandre reconheceram nela a principal porta para a
Ásia. Os imperadores romanos chegaram a considerar sua força estratégica como
uma ameaça. Vespasiano revogou seus privilégios; Severo, a cujas tropas resistiu
durante dois anos em defesa da causa perdida de Pescênio Niger, desmontou
todas as suas fortificações- Caracala, porém, reconstruiu-as. Galieno seguiu o
exemplo de Severo, e em consequência os piratas godos puderam velejar
impunemente pelos Estreitos, até o Egeu. Diocleciano foi, por isso, obrigado a
levantar as muralhas mais uma vez. Sua potencialidade total como fortaleza,
porém, não foi descoberta senão na segunda Guerra Licínia, de 322-3, quando
Licínio transformou-a no centro de toda sua campanha contra Constantino.
Licínio foi arruinado pela perda de sua frota no Helesponto, e seu exército caiu
finalmente em Crisópole; após sua rendição, não era necessário que a fortaleza
continuasse a resistir. A estratégia de Licínio foi observada por seu grande
adversário — Constantino viu possibilidades ainda maiores em Bizâncio. Mal
acabara a guerra e o imperador já levava arquitetos e agrimensores a visitar a
cidade e seus arredores, e as operações de construção tiveram início.

Nas últimas décadas, os imperadores romanos haviam sentido a necessidade de


um novo centro administrativo. A própria Roma tornava-se pouco adequada aos
imperadores, com suas tradições republicanas e senatoriais, e sua desconfiança
das novas concepções orientais da soberania. Além do mais, estava muito longe
das duas fronteiras para as quais se voltava cada vez mais sua atenção: a armeno-
síria e a do Danúbio. Maximiniano governara em Milão, Diocleciano mudara-se
para o Oriente, fazendo de Nicomédia a principal residência. Constantino
acalentara o plano sentimental de estabelecer em sua cidade natal, Naisso ou
Nissa, a capital, e mais tarde dedicara-se á reconstrução de Tróia. Mas quando
sua atenção se voltou para Bizâncio, as vantagens por esta oferecidas tornaram-
se manifestas. Não houve mais hesitação. As fortificações foram iniciadas em
novembro de 321, e cinco anos e meio depois a capital estava concluída. A 11 de
maio de 330 a cidade foi solenemente inaugurada pelo imperador, sob o nome de
Nova Roma. O povo, porém, preferiu chamá-la pelo nome de seu fundador,
Constantinopla.

O ano 330 é a melhor data para tomar como ponto de partida da história
bizantina (1). Mas a fundação de Constantinopla, embora a mais importante, foi
apenas uma das reformas e modificações que já haviam começado a transformar
gradualmente o império pagão de Roma naquilo que chamamos de Império
Bizantino. Ao término do século III A. D., o Império Romano ressentia-se da
necessidade de reformas. Não é este o momento de contar detalhadamente as
causas do desmoronamento do velho mundo romano (2). De uma forma
resumida, podemos dizer que elas foram principalmente o caos e a tibieza
administrativa e financeira, o poder excessivo nas mãos de soldados ambiciosos,
e uma nova série de perigos nas fronteiras. Roma havia conquistado seu império
territorial graças a um permanente senso de oportunidade. A província capturada
era pacificada o mais depressa possível, com a permissão de conservar muitos
dos direitos e costumes locais. Consequentemente, cada província demandava
um tipo diferente de administração. O estado em que se encontrava o governo
central aumentava tal diversidade. A Diarquia, tão anunciada por Augusto, e na
qual o Senado participava da soberania com o imperador e governava totalmente
certas províncias, apenas contribuiu para aumentar a confusão sem se constituir
num controle eficiente do poder do imperador. As finanças refletiam essa
desordem. Os impostos eram altos, mas variados e irregulares, e uma
considerável parte deles permanecia nas mãos dos cidadãos que compravam ao
governo o direito de recolhê-los. A riqueza tinha uma distribuição muito
desigual. Os milionários eram ainda numerosos, ao passo que províncias inteiras
mergulhavam na pobreza. O império vinha, além de tudo, sofrendo há muito de
uma posição adversa nas trocas comerciais. Já na época de Plínio as importações
da Índia excediam as exportações, anualmente, em cerca de 600.000 libras
esterlinas, e a desvantagem, com relação à China, era de 100.000 libras. Essa
deficiência não foi corrigida nunca. Durante o início do império, as emissões
imperiais se foram depreciando gradualmente, e a partir do reino de Caracala a
queda de valor foi rápida, até que, finalmente, só as moedas de cobre não
continham ligas, ao passo que as de prata chegaram a consistir de apenas 2%
desse metal.

Enfrentando uma confusão administrativa e uma constante inquietação


financeira, as autoridades civis não tinham poderes.

A única força realmente existente estava com os chefes do Exército. Roma não
podia viver sem suas legiões. Eram longas as fronteiras a guardar, necessária a
polícia nas províncias cuja rebeldia natural se inflamava pela exploração
econômica. Todos os governadores das grandes províncias tinham uma legião à
sua disposição e por vezes comandavam até mesmo exércitos maiores. Isso não
teria sido, talvez, perigoso, se existisse um governo central forte e uma norma de
sucessão fixa para o império. Poucas dinastias imperiais, porém, chegaram
sequer à terceira geração. O trono era, cada vez mais o prêmio a ser conquistado
pelo chefe militar mais forte, pelos generais ambiciosos que abundavam.
Durante o século III havia quase que invariavelmente alguma província nas
mãos de um usurpador e, na prática, o império dificilmente poderia ser
considerado como uma comunidade unida.

A desordem tornou-se muito mais séria no século III pelas novas pressões
surgidas nas fronteiras. Desde os primeiros dias do Império, a fronteira asiática,
que ia da Armênia à Arábia, suscitava problemas relativamente pequenos. O
reino parto dos Arsácidas entrara em lento declínio. Mas no início do século III
uma nova dinastia surgira na Pérsia, a dos Sassânidas, popular, nacionalista e
zoroastriana, que durante quatro séculos seria inimiga agressiva dos romanos. Os
Sassânidas derrotaram quatro imperadores no século III, chegando mesmo a
aprisionar o Imperador Valeriano. Sua força parecia crescer de ano para ano. Ao
mesmo tempo, a fronteira europeia necessitava de vigilância adicional. Desde os
dias de César, o governador da Gália tinha a seu cargo uma tarefa árdua, a de
guardar a fronteira do Reno contra as prolíficas tribos da Alemanha Ocidental,
que ansiavam por libertar-se de suas florestas constrangedoras. A pressão agora,
porém, era no Danúbio. Tribos da Alemanha Oriental, os godos em particular,
instalavam-se nas margens fronteiras, e qualquer novo movimento ou migração
nas Estepes provavelmente as incitara a atravessar o rio. O problema godo
constituía claramente uma ameaça e, apesar dos esforços de imperadores como
Cláudio II, não mostrava sinais de qualquer solução.

Era esse o ambiente político da vida no século III. Os padrões de civilização


eram ainda altos. Embora os pobres, os escravos e os homens livres pouco
tivessem melhorado em sua condição — a não ser pelo fato de que muitos deles
viviam da caridade do Estado — as classes mais ricas desfrutavam um conforto
material e um luxo que ultrapassavam qualquer coisa já vista pelo mundo. O
domínio romano representou sempre um eficiente programa de obras públicas:
banhos e templos, portos e estradas, tudo contribuía para a amenidade da vida.
As comunicações eram rápidas, fáceis e seguras. Mas todo esse conforto, toda
essa segurança, estavam sujeitos a súbitas e prolongadas interrupções, Nas
guerras civis frequentes, cidadãos pacíficos podiam ver-se, inesperadamente,
desgraçados, pilhados e até condenados à morte. A insegurança levou à
desilusão das coisas do mundo, que seria a característica principal da cultura da
época.

Culturalmente, o império eslava dividido em dois. Da Ilíria para o Oeste, as


províncias falavam o latim como língua universal; para o Leste, a língua era o
grego. A separação era, entretanto, mais aparente do que real: embora do
Ocidente viessem quase todos os homens de ação e os estadistas, os intelectuais
ocidentais seguiam a orientação do mundo de língua grega. Apenas na África e
na Gália teve a cultura latina um ímpeto próprio. Os latinos deixaram, entretanto,
obras públicas e um profundo sentido do Direito que marcou mesmo o Oriente, e
sobreviveu à desordem. A civilização do Leste era ainda a helênica, uma mistura
de concepções clássicas gregas com semitas e iranianas. A influência da Grécia,
porém, reduzira-se a uma forte tradição, ao invés de uma força vital. O
individualismo essencial à cultura helênica não podia resistir ao desaparecimento
da cidade-estado e à fusão até mesmo dos reinos macedônios num império
mundial de cuja direção os gregos não participavam. Mas a arte e as letras ainda
se mantinham fiéis aos velhos modelos gregos ou às suas magníficas
reproduções, surgidas na Roma augustiniana. Os artistas acrescentavam apenas
uma grande paixão pelo volume e pelos detalhes que evidenciassem a
competência de sua técnica. Templos, estátuas, poemas épicos, revestiam-se
todos de magnificência e rebuscamento. Conservavam a espontaneidade apenas
um ou outro poema lírico, ou um quadro, bem como a sátira, que é a expressão
natural de uma época sem ilusões. O mundo do Império Romano era bem
educado e estético, mas a grande civilização que admirava e copiava perdera sua
força vital. A salvação viria de outra região, do Oriente Sírio.
Já no século III a arquitetura começara a mostrar um novo esplendor, espontâneo
e oriental. Mas o Oriente venceria a tradição clássica não tanto por suas
concepções de majestade, mas principalmente por suas ideias mais puramente
espirituais. Uma época desiludida volta-se para n religião e foge das incertezas
do mundo. Mas as velhas religiões, a pagã alegria de viver do grego, o culto do
Estado de Roma, falharam quando a vida se ensombreceu com o medo e a
decadência do Estado era evidente. O Oriente tinha um consolo melhor a
oferecer. Desde o primeiro contato de Roma com o Leste, as misteriosas
religiões de Isis e da Grande Mãe começaram a divulgar-se pelo Ocidente, e seus
adeptos aumentavam gradualmente. No ritual secreto e na penitência ordenada
por essas deusas, o cansaço da vida se voltava para uma realidade mais alta. Esse
culto atraia principalmente os requintados e os desiludidos da sociedade. O
soldado e o homem de ação preferiam um culto de origem iraniana, o mitraísmo,
o culto do Apolo, o Sol Inconquistável. No século III o mitraísmo se havia
disseminado por todo o império, encerrando em sua poderosa organização a
esmagadora maioria do exército. Também ele ostentava pompa e cerimônia, mas
era menos quietista. Proporcionava, ao contrário, um senso de companheirismo e
de disciplina que se opunha à desesperança e a solidão do mundo. Mas o
mitraísmo teve de enfrentar um rival ainda maior, uma religião que se iniciara
obscuramente na Palestina, e era chamada cristianismo.

Não é de surpreender que o cristianismo fosse a fé triunfante. Sua mensagem


tinha um poder de atração muito mais amplo do que qualquer outra. O oriental,
com sua aparente paciência, é na verdade muito impaciente. Incapaz de suportar
a dor e o sofrimento, refugia-se imediatamente na comunhão com coisas mais
altas e foge à esfera das sensações materiais. O ocidental odeia os espinhos
porque eles ferem. Seu consolo está na esperança e na crença de que os espinhos
desaparecerão um dia. O grego helênico estava a meio caminho entre ambos.
Atrás de seu misticismo do culto da Natureza, havia nele um amor inato do
simbolismo. Todos esses anseios podiam encontrar satisfação no cristianismo,
que encorajava o misticismo, pregava uma escatologia da esperança, era rico de
símbolos e tinha um ritual nobre. Além do mais, encenava um atrativo particular
para as classes inferiores, com sua afirmação de que aos olhos de Deus todos
eram iguais ao imperador, e ensinando a todos o amor fraternal. Essa mensagem
o recomendava aos filantropos, pois nenhuma outra religião dava à caridade um
sentido tão prático. A Igreja Cristã foi admiravelmente organizada. Desde os
dias de São Paulo, seus chefes haviam sido homens de tino administrativo. Teve
ainda duas vantagens imensas sobre seu rival, o mitraísmo. A primeira foi a de
permitir às mulheres um papel destacado. Os professores ortodoxos podiam na
realidade deplorar e denunciar a completa igualdade dos sexos ensinada pelos
heréticos montanistas (*) — as mulheres tiveram sempre um papel relevante na
história do cristianismo. Como diaconisas e mais recentemente, como abadessas
(3), podiam adquirir importância. O mitraísmo, porém, era uma religião
masculina. Não encontramos traços de mulheres entre seus adeptos. A segunda
grande força do cristianismo está na influência que, desde os primeiros anos,
recebera da filosofia grega. Essa influência deu à sua teologia um conteúdo
intelectual que a tornou aceitável a muitos dos melhores e mais profundos
pensadores da época. Nem o mitraísmo nem qualquer das religiões misteriosas
poderia ter produzido homens do calibre mental dos primeiros padres cristãos,
homens como Orígenes, Irineu, Tertuliano ou Clemente de Alexandria,
pensadores superados apenas por seus sucessores, os padres do século IV.
Apesar do cisma no Ocidente e das heresias no Oriente, a Igreja Cristã tornava-
se rapidamente a mais poderosa organização isolada do império. Nenhuma das
heresias era ainda perigosa. O gnosticismo, a mais séria delas, nunca teve grande
favor popular. Logo dividiu-se em seitas menores, e embora na época Mani já
estivesse produzindo uma estranha mistura de gnosticismo e do dualismo
zoroastriano, que teria certa voga nos séculos IV e V, o centro do maniqueísmo
achava-se na fronteira persa.

Em seu avanço gradual, o cristianismo foi sem dúvida auxiliado pela lenda de
seus santos e de seus comprovados milagres, pois aquela época era de
superstições, A idade da razão augustiniana teve vida curta. Os homens
voltavam a falar dos feitos maravilhosos de Apolônio de Tiana e acreditavam em
histórias com as que Apuleu narrara. A previsão do futuro e a magia tinham
grande desenvolvimento. A demonologia elevou-se a ciência. Todas as
superstições que fizeram da civilização bizantina objeto de ridículo para os
historiadores do século XVIII vieram dessa época do velho império, embora
muitas outras, ainda pagãs, tivessem sido transferidas para a Igreja Cristã. Até a
filosofia seguiu a tendência popular, No Ocidente, o estoicismo conseguiu
produzir Marco Aurélio antes de desaparecer, mas no Oriente já há algum tempo
apenas o neoplatonismo mantinha sua vitalidade. Nas mãos de Porfírio e
Jâmblico, o neoplatonismo recebia influxos de taumaturgia e magia, e de um
politeísmo geral. Na verdade, os ensinamentos dos apóstolos cristãos estavam
provavelmente mais próximos do platonismo do que as doutrinas criadas nas
escolas dos filósofos.

No ano 284 o poder imperial passou às mãos do primeiro grande estadista que
Roma produziu desde Augusto — Diocleciano, nascido na Ilíria. Tinha ele plena
consciência da situação do império e dedicou seu reinado a um programa de
reformas de longo alcance. Suas principais intenções eram a de centralizar e
introduzir uniformidade na administração, colocar o exército sob o controle do
governo, restaurar a situação financeira pela estabilizarão da moeda e consolidar
essa obra elevando a posição do imperador.

Em toda a história do império é manifesta a tendência para a uniformidade,


exemplificada na facilidade em conceder a cidadania romana a qualquer súdito
nascido homem livre, e no desaparecimento recente das últimas províncias
governadas pelo Senado. Mas o caos que precedeu à subida de Diocleciano
tornava necessário um sistema inteiramente novo. Diocleciano julgava o império
demasiado extenso para ser governado por um único imperador. Desde os
primeiros césares, fora considerada necessária a existência de um ministro do
Exterior grego e outro latino. Diocleciano levou mais além essa divisão básica.
Não criou dois impérios, mas determinou que ele deveria ter dois imperadores,
cada qual residindo numa metade de sua área. Para assegurar a continuidade
pacífica do governo, cada imperador deveria ser auxiliado por um césar que seria
seu herdeiro. As províncias foram novamente divididas e reorganizadas. O
império foi dividido em quatro grandes prefeituras, — a Gália, a Itália, a Ilíria e
o Oriente — governadas por quatro prefeitos pretorianos, que eram as
autoridades mais altas do Estado. As prefeituras foram subdivididas em grandes
províncias, chamadas dioceses, cujo governador habitualmente tinha o título de
vigário e estava subordinado ao prefeito. As províncias conhecidas como Ásia e
África conservavam, porém, seus procônsules, com o privilégio de despacharem
diretamente com o imperador. Para administrar o império reorganizado, foi
formada uma rede de funcionários civis, e novos poderes atribuídos à burocracia.

A principal característica dessa burocracia foi sua completa separação das


autoridades militares. Apenas em algumas fronteiras combinavam-se as duas
funções, embora a princípio o prefeito fosse uma autoridade tanto militar como
civil. Uma gigantesca organização militar foi montada lado a lado com a
organização civil, e esperava-se que tal separação de poderes serviria de freio às
ambições de generais desleais. Ao mesmo tempo, Diocleciano fundou um
exército imperial móvel que se podia transferir rapidamente a qualquer parte do
império, em caso de guerra ou insurreição.

A preservação do império reformado seria feita por um sistema rígido de castas.


Seguindo a ideia primeiramente lançada pelo Imperador Aureliano, Diocleciano
decretou que o filho teria, invariavelmente, de seguir a profissão do pai, qualquer
que fosse ela. As agitações sociais se haviam tornado tão frequentes, fortunas
faziam-se e perdiam-se tão rapidamente que ele julgou necessária tal rigidez para
manter a estabilidade e ser possível recolher uma renda regular. Constituía
também uma vantagem recrutar o exército entre as classes médias da sociedade.
Os membros da nobreza senatorial, perigosos por sua riqueza e suas tradições
oligárquicas, eram cuidadosamente excluídos das fileiras militares.

A tentativa de estabilizar a moeda teve menor êxito: foi impossível fazê-la voltar
à posição que desfrutara sob Augusto. As várias tentativas, feitas por
Diocleciano, de emitir uma moeda integral levou por fim, para sua surpresa, a
uma elevação dos preços. Para contrabalançar isso, o imperador promulgou o
famoso decreto de 301, que fixava os preços de todas as mercadorias. O decreto
não teve êxito, e coube a Constantino estabilizar a moeda do império numa base
permanente.

A mais duradoura das reformas de Diocleciano foi a menos tangível — a


intensificação da majestade imperial. O conceito da divindade do rei era
endêmico no Oriente e estivera em moda na época das monarquias helênicas.
Não desaparecera nunca nas províncias orientais do império: o imperador
herdava uma parte da divindade. Mas Roma, com seu tradicional ódio aos reis,
não aprovava isso. Augusto teve, portanto, cautela ao não dar mostras de
majestade. Era apenas o primeiro cidadão do império, um ser humano que,
embora importante, era acessível. Cedo considerou-se que seria bom para os
povos vassalos se os imperadores mortos fossem deificados; o verdadeiro
romano, porém, aprovou o discurso cínico de Vespasiano agonizante (4). Apesar
da adulação exigida por Domiciano ou por Heliogábalo, essa atitude persistiu no
Ocidente, e a possibilidade de uma morte súbita, que parecia parte da profissão
imperial, não contribuíra para aumentar o prestígio do imperador. Diocleciano
percebeu que a autoridade imperial seria maior, e a vida do imperador mais
segura, se ele fosse feito semideus.

Os recém-estabelecidos Sassânidas da Pérsia envolviam-se num espesso halo de


majestade. Diocleciano copiou-lhes muitos dos rituais. O imperador já não se
movia livremente entre os súditos. Vivia retirado, numa corte protocolar, e era
atendido pessoalmente por eunucos, raça antes desprezada e proibida. Os que
eram recebidos em audiência deviam prostrar-se e adorá-lo. Usava um diadema,
calçados escarlates e mantos de púrpura. De certa forma, isso constituía uma
evolução natural. A lei era quase divina aos olhos dos romanos, e o imperador
era, de há muito, a fonte da lei. Mas Roma sentiu-se ofendida pelas pompas
externas e orientais do despotismo. Foi entretanto Roma, e não o imperador, que
mais sofreu com isso. Diocleciano governou o Oriente em Nicomédia,
reconhecido como um semideus e Maximiano, seu colega ocidental, preferiu
residir em Milão.

Diocleciano procurou dar verossimilitude à sua divindade, proclamando-se


descendente de Júpiter, rei dos deuses, preparando dessa forma seu caminho para
o panteão. Maximiano preferiu ser mais popular, embora menos exaltado,
dizendo-se descendente de Hércules. Constantino, o césar do Ocidente, tentou
combinar sua religião pessoal, o mitraísmo, com o culto do imperador, tornando-
se descendente do Deus-Sol Apolo.

Mas havia uma grande parte da comunidade que não podia dar aos imperadores
a adoração que exigiam. Os cristãos, com sua distinção clara entre o que era de
César e o que era de Deus, portavam-se como bons cidadãos enquanto não
fossem obrigados a cultuar o Estado. Mas cultuar um ser humano, mesmo sendo
o imperador, era algo que certamente não podiam tolerar. Diocleciano viu que
não podia permitir à mais forte organização religiosa do império rejeitar sua
majestade. Procurou usar a coação, e encontrou uma resistência fanática:
começou então a Grande Perseguição. Os cristãos continuaram não-
conformistas. Foi o Imperador Constantino quem encontrou a solução para a
fusão de césar com Deus.

O império reformado por Diocleciano mal resistiu à sua abdicação em 305. Seus
vários aspectos permaneceram, mas com uma exceção fundamental. Diocleciano
fizera o império depender do imperador, mas o sistema de dois imperadores e
uma norma de sucessão ao trono só poderia perdurar se os candidatos imperiais
fossem homens de espírito elevado, isentos de ciúmes e suspeitas. O título de
césar era também perigoso, muito alto, mas ainda não bastante alto. Desapareceu
rapidamente. Em 311 havia quatro imperadores, Licínio e Maximino no Oriente,
Maxêncio e Constantino, filho de Constâncio, no Ocidente. A cena estava,
evidentemente, preparada para a guerra civil.

Ela irrompeu inicialmente no Ocidente. Uma rápida e brilhante campanha em


312, de Colmar ao campo de Saxa Rubra, pela ponte Milvius, fez de Constantino
o senhor do Ocidente. No ano seguinte, auxiliou Licínio a derrotar Maximino e
tornar-se, por sua vez, senhor do Oriente. Mas Constantino e Licínio eram
ambos muito ambiciosos para dividir entre si o império. Sua primeira guerra de
313 não foi decisiva, mas em 323 Licínio era esmagado em Crisópole, e
Constantino passava a ser o único imperador.

O Colégio Imperial de Diocleciano terminava, assim, num fracasso. Sob outros


aspectos, porém, sua obra perdurou. Constantino conservou-lhe o sistema
administrativo e conseguiu o que para Diocleciano foi impossível: a
estabilização da moeda. O velho sistema monetário romano não podia ser
recuperado, mas Constantino criou um padrão ouro, o soldo: uma peça de ouro
estampada com seu sinete, ao invés de uma moeda, em relação ao qual se faziam
as cunhagens. O sistema funcionou bem. O soldo imperial manteve seu valor e
prestígio firmemente por oito séculos.

Constantino secundou os esforços de Diocleciano na deificação da posição do


imperador. Na marcha que fez para o sul, ao encontro de Maxêncio, quando seu
futuro estava em jogo, Constantino e todo o seu exército tiveram uma visão.
Uma cruz brilhante surgiu no céu, à frente deles, com a inscrição “Hoc vinces”,
e na mesma noite Cristo confirmou a visão num sonho do imperador.
Profundamente impressionado, Constantino adotou aquele lábaro, a cruz com a
ponta torcida, e com ele levou suas tropas à vitória.

O milagre foi oportuno. O visionário mostrou senso político. Constantino


iniciara sua carreira política sob a égide de seu sogro, Maximíano, e fora
portanto da Casa de Hércules. Após sua ruptura com Maxêncio, voltou à fé
mitraíca de sua família, tornando-se filho de Apoio. Mas Maxêncio, tal como
Maximino no Oriente, adotou uma forte política anticristã. Seu adversário teve
por isso de cortejar a aliança dos cristãos, que constituíam provavelmente apenas
cerca de um quinto dos habitantes do Império, mas que eram, de longe, a religião
mais forte, e por isso aliados mais valiosos do que os adeptos do mitraísmo
embora o Lábaro fosse também um símbolo adequado aos mitraístas, o que não
deixava de ter certa utilidade.

Qualquer que fosse sua concepção pessoal, após a batalha de Saxa Rubra, parece
certo — por suas moedas e seus decretos — que Constantino estava
comprometido com o cristianismo. Esmagara Maxêncio corno campeão cristão,
lutara ao lado de Licínio como campeões contra o perseguidor Maximino, e
promulgara o famoso Edito de Milão, de 313, que pela primeira vez reconhecia
legalmente a comunidade cristã. Mas Licínio continuou pagão. Também ao
atacá-lo, Constantino era o soldado cristão. O cristianismo e Constantino tinham
dívidas entre si.
No ano 325 Constantino surgiu como patrono do cristianismo, de uma nova
maneira. A Igreja estava às voltas com a disputa entre Ario, sacerdote de
Alexandria, e seu bispo, sobre a natureza da divindade de Cristo. Constantino
tomou a si a incumbência de convocar os bispos da Igreja para uma reunião em
Nicéia, na grande assembléia conhecida na História como o Primeiro Concilio
Ecumênico, na qual, sob sua presidência, os bispos decidiram que Ario estava
errado. Esse primeiro concilio do Nicéia foi importante não apenas pela
formulação da doutrina cristã, mas como o primeiro exemplo de cesaropapismo.
Constantino pretendia que a Igreja Cristã fosse estatal, tendo como chefe o
imperador. Em sua gratidão, os cristãos não lhe fizeram objeção.

Assim, parecia chegar ao fim o velho antagonismo entre a Igreja e o Estado. O


imperador era o chefe da Comunidade Cristã. Não lhe era mais necessário
atribuir-se descendência de Hércules ou Apolo: tinha uma nova santidade que
redimiria todos os pecados. O sangue de seus rivais, de seu filho e até de sua
mulher, manchava-lhe as mãos, mas para o mundo ele era o Isapostolos, o igual
aos Apóstolos, o Décimo-Terceiro deles. Seu prestígio espiritual foi fortalecido
graças à energia exploradora de Helena, sua mãe, antiga concubina bitínia de
Constâncio, e que enviara a Jerusalém onde, com um auxilio miraculoso do que
hoje em dia não dispõem os arqueólogos, encontrou o sítio mesmo do Calvário,
desenterrou a Cruz Verdadeira e as cruzes dos ladrões, bem como a lança, a
esponja e a coroa de espinhos, e todas as relíquias da Paixão. A descoberta
entusiasmou a cristandade e redundou na glória eterna da mãe do imperador. Os
nomes de Constantino e Helena tornaram-se os mais reverenciados na história do
Império Cristão.

Faltava completar ainda um trabalho mais concreto para concluir a


transformação do império: a fundação de Constantinopla. O império devia ter
uma nova capital no Oriente, igual a Roma em tudo, exceto na antiguidade, e
superior a ela pelo fato de ser, desde o início, uma cidade cristã. O valor da nova
capital era evidente. A escolha do local foi uma demonstração de genialidade.
Ali todos os elementos que constituíam o império reformado fundir-se-iam
naturalmente — a Grécia, Roma e o Oriente Cristão.

Constantinopla foi fundada no litoral de língua grega e incorporou uma velha


cidade grega. Mas Constantino fez ainda mais para acentuar seu helenismo. Sua
capital deveria ser o centro da arte e da cultura. Construiu nela bibliotecas cheias
de manuscritos gregos e povoou as ruas, praças e museus com tesouros artísticos
vindos de todo o Oriente Grego. O cidadão de Constantinopla caminhando
diariamente pela cidade jamais poderia esquecer a glória de sua herança
helênica.

Mas era também uma cidade romana. Por mais de dois séculos a Corte e uma
grande proporção de seus habitantes falavam o latim, que era ainda a língua culta
do interior dos Balcãs. Em seu desejo de reunir uma população vinda de todo o
império, Constantino deu à ralé da cidade o privilégio de pão e circo livres,
desfrutado pelo populacho de Roma. As classes mais elevadas foram induzidas,
segundo a lenda, a se transportarem para o Bósforo graças às dádivas de palácios
que reproduziam exatamente suas casas romanas. Constantinopla deveria ser
uma outra Roma. “Nova Roma que é Constantinopla” foi seu título oficial até o
fim, e seus cidadãos eram também Rômaioi. A grande contribuição de Roma
para o novo império foram suas teorias administrativas, suas tradições militares e
o seu direito. Mas os habitantes de Constantinopla se consideravam romanos por
nacionalidade, ainda muito depois que o latim deixara de ser ouvido no Bósforo
e os vestígios de sangue italiano tornaram-se raros. Mesmo no século XII era
pretensão dos aristocratas ter ascendentes no séquito que acompanhou
Constantino à nova cidade.

O terceira elemento era o Oriente Cristão. Constantinopla devia ser uma cidade
cristã. Os templos da antiga Bizâncio puderam continuar por mais algum tempo,
e parece até que alguns deles foram erguidos pelos pagãos que construíam a
cidade. Uma vez concluído o trabalho, porém, nenhum outro foi levantado. O
Oriente e seu misticismo já tinham invadido o mundo romano e lhe ensinado a
considerar o monarca como divino. Constantino prestou homenagem a Tique, a
Fortuna da cidade, e fez construir uma grande coluna de Apolo, na qual o resto
da estátua fora alterado para representar o seu. E ali ficou ele, com todos os
atributos do Deus-Sol, para ser adorado pelos pagãos, mitraístas e cristãos, ao
mesmo tempo. O cristianismo era uma religião oriental. A filosofia grega dera-
lhe uma forma aceitável à Europa, mas fundamentalmente ele permanecia semita
em suas concepções. O cidadão de Constantinopla tinha plena consciência da
herança greco-romana, mas sua forma de ver a vida era, nos aspectos básicos,
diferente. Experimentava menor satisfação no mundo, detendo-se de preferência
nas coisas eternas. Esse estado de espirito tornava-o mais receptivo às ideias
vindas do Oriente do que as oriundas do Ocidente. E a história do Império
Bizantino é a história da infiltração das ideias orientais até colorirem as tradições
da Grécia e Roma e da reação periódica a essa Infiltração. A despeito dela, as
tradições greco-romanas perduraram até o final. Mesmo no século XV os
homens de Constantinopla discutiam a natureza de sua civilização; eram
Rômaioi: seriam também helenos? O último grande cidadão do império deu-lhes
a resposta: ‘‘Embora seja heleno pela fala, nunca diria que sou um heleno, pois
não acredito nas coisas em que os helenos acreditavam. Gostaria de tomar meu
nome na minha crença, e se alguém me perguntasse o que sou, responderia:
cristão. (...) Embora meu pai habitasse a Tessália, não me considero tessaliano,
mas sim bizantino, pois sou de Bizâncio.” (5)

Podemos seguir Jorge Genádio e chamar a civilização segundo os elementos


bizantinos que a fizeram, considerando como sua inauguração a cerimônia do dia
11 de maio de 330, quando o Imperador Constantino dedicou a grande cidade de
“Nova Roma que é Constantinopla” à Santíssima Trindade e à Mãe de Deus.
II. RESUMO HISTÓRICO (6)

O império reformado, instalado a II de maio de 330, durou 1.123 anos e 18 dias.


Em meio às constantes transformações da Europa daqueles séculos, um fato
permanecia imutável: um imperador romano reinava, Com majestade
autocrática, em Constantinopla. Nesse império, tudo dependia, em última
instância, do imperador. Sua história divide-se assim naturalmente pelas
dinastias que o governaram sucessivamente. A princípio, elas tinham vida curta.
Tal como em Roma, chegavam apenas à terceira geração. Os últimos oito
séculos, porém, são dominados quase que exclusivamente por cinco grandes
famílias: Heraclidas, Isáurios, Macedônios, Comnenos e Paleólogos.

O século IV é apenas um prelúdio à história bizantina. Constantinopla não era


ainda o centro indispensável de governo. Constâncio, embora tivesse contribuído
para sua construção, pouco parava ali, Joviano nunca a visitou. Nem estava o
cristianismo ortodoxo totalmente triunfante. Foi possível ainda a Juliano voltar
ao paganismo, embora a tentativa mostrasse que ele era uma força agonizante. E
apesar da reunião de Nicéia, foi um bispo ariano que balizou Constantino em seu
leito de morte, pois Constâncio e Valenciano favoreceram o arianismo.

Constantino, o Grande, morreu em 337. Seus últimos anos foram dedicados à


paz e à reorganização. Seus três filhos sucederam-no em conjunto —
Constantino II, Constâncio II e Constante I. Os irmãos não se entenderam muito,
mas em 350 Constantino e Constante estavam mortos, e Constâncio, após
derrotar o grande usurpador, Magnêncio, em 351, reinou sozinho até sua morte,
dez anos depois. Durante esses anos a situação externa do império tomava-se
cada vez mais séria. Perdurava a ameaça persa e a pressão das tribos germânicas
no Reno e no Danúbio intensificou-se, principalmente devido ao aparecimento,
nas distantes estepes, de um novo povo da Mongólia, os hunos. No Reno, o
primo de Constante, Juliano, derrotou uma invasão germânica, e seu exército
exultante, descontente então com Constante, aclamou-o imperador em 360.
Constante morreu antes que a revolta se disseminasse, e Juliano tomou o poder
sem derramamento de sangue.

Juliano conquistou fama imortal por sua apostasia, sua volta ao paganismo. O
movimento, contudo, foi um fracasso. O mundo não suportava o politeísmo
intelectualizado — o cristianismo servia-lhe melhor. Também nas atividades
militares Juliano foi infeliz. Tentou invadir a Pérsia, mas avançou demasiado e
morreu numa retirada penosa, no verão de 363. O exército apressou-se a escolher
um soldado cristão, Joviano, que fez com a Pérsia uma onerosa paz de trinta
anos, cedendo-lhe quatro satrapias e a suserania da Armênia. No princípio da
primavera seguinte Joviano morreu.

Com sua morte, o exército aclamou o General Valentiniano, que preferiu


governar no Ocidente e deixou seu subserviente irmão, Valente, como co-
imperador no Oriente. O reinado de Valente representa um marco na história
europeia. Embora ponderado e não destituído de competência, ele era impopular,
sendo considerado um herege ariano, e teve de enfrentar revoltas constantes. O
ponto crucial ocorreu quando os Visigodos, pressionados pelos hunos, obtiveram
permissão para se instalarem dentro do império, e toda a nação atravessou o
Danúbio. Foi o começo das invasões bárbaras. Os godos logo se desentenderam
com as autoridades imperiais e marcharam sobre Constantinopla. Valente saiu a
enfrentá-los, recusando-se a esperar o auxilio enviado pelo imperador ocidental,
Graciano, filho de Valentiniano, e encontrou a derrota e a morte em
Adrianópolis, em 378.

Esse desastre teve piores consequências para o Ocidente do que para o Oriente.
Graciano escolheu para sucessor de seu tio o espanhol Teodósio, a quem a
posteridade agradecida chamou Teodósio, o Grande. Com seu tato, pacificou os
godos, fazendo deles servos úteis do Estado. Ortodoxo entusiasta, impôs
restrições aos pagãos e heréticos, e no Segundo Concilio Ecumênico, em
Constantinopla, em 381, impôs a unidade ao mundo cristão. Em 387 celebrou
novo e satisfatório tratado com a Pérsia, dividindo a Armênia. Em 392 passou a
controlar o Ocidente, após a morte de Graciano, de seu irmão Valentiniano II e
de um usurpador, Eugênio, e pela última vez um homem governou o mundo, da
Bretanha ao Eufrates. Ao morrer, em 395, deixou o império a seus filhos — o
Oriente para Arcádio e o Ocidente para Honório. O reinado de Teodósio marcara
o começo de uma nova era para o Império Romano, que se tornara o Império
Ortodoxo. Com sua morte, Leste e Oeste separaram-se para sempre.
O século V viu o declínio do império no Ocidente, batido pelas invasões
bárbaras, e até a abdicação de Rômulo Augustulo em 476, e a morte de Júlio
Nepos em 480, ninguém no Ocidente teve o título de imperador. O império do
Oriente teve melhor sorte. Consolidado pela obra de Teodósio o Grande, e com
uma capital invencível, parecia aos bárbaros demasiado forte para ser atacado.
Visigodos, hunos e ostrogodos cruzaram sucessivamente o Danúbio, mas
acabaram preferindo buscar fortuna no Ocidente, sem que essas invasões
tivessem muito efeito sobre o bem-estar material do Oriente, até que em 439 os
vândalos se estabeleceram na África e lançaram, de Cartago, uma esquadra que
destruiu o monopólio romano do mar. Os portos do Mediterrâneo, habituados a
uma segurança que durara séculos, tiveram de construir fortificações, e
Constantinopla foi obrigada a enfrentar o problema dos vândalos,

Na dinastia de Teodósio, Arcádio (395-408), Teodósio II (408-450), durante


cujo longo reinado o poder foi exercido principalmente por sua irmã Pulquéria e
pelo marido nominal de Pulquéria, Marciano (450-457), os bárbaros foram,
apesar de muitos momentos de ansiedade, desviados para outros canais. Isso foi
possível em grande parte graças à diplomacia de Teodósio I, cuja paz com a
Pérsia mostrava-se duradoura. Mesmo assim, a segurança só foi conquistada a
um certo preço: a defesa do império contra os bárbaros foi feita por mercenários
e generais bárbaros. Quando Marciano morreu, um ariano, o General Áspar, era
a figura mais poderosa do império. Sua heresia e sua origem impediam-lhe o
acesso ao trono, e indicou como substituto um dos oficiais de seu exército, de
nome Leão. Leão I (457-474) só conseguiu libertar o império dos soldados
godos convocando as tropas asiáticas, principalmente isáurias, cujo comandante,
Tarasicodissa, fez batizar novamente com o nome de Zenão, dando-lhe como
esposa sua filha Ariadne. Com a morte de Leão subiu ao trono Leão II, filho de
Zenão e Ariadne, que faleceu após poucos meses de reinado, deixando o império
para o pai. Zenão (471-491) reinava ainda quando os imperadores ocidentais já
haviam desaparecido. Oficialmente, assumiu ele o controle de todo o império,
mas embora Odoacro e, após ele, Teodorico, o Ostrogodo, fossem nominalmente
seus vice-reis, nunca procurou exercer o domínio do Ocidente. Quando Zenão
morreu, sua viúva Ariadne nomeou para sucedê-lo um nobre rico, Anastásio
(491-518), cuja natureza ponderada muito contribuiu para restaurar as finanças,
que nos últimos anos haviam recebido pouca atenção.

No século V o império teve outras preocupações, além dos bárbaros. Foi um


período vital para a história do cristianismo ocidental. A rivalidade entre as
grandes sés de Alexandria e Antióquia já fazia sentir havia algum tempo, e
Alexandria mostrava-se muito enciumada pelo fato de que ao novo patriarcado
de Constantinopla fora dada precedência sobre o seu, no Segundo Concilio
Ecumênico. No início do século uma querela entre Teófilo de Alexandria e João
Crisóstomo de Constantinopla quase resultava num cisma. A vitória coube a
Teófilo, embora Crisóstomo tivesse sido mais tarde vingado. Na década que vai
de 130 a 440 Alexandria voltou ao ataque, sob a chefia do Patriarca Cirilo.
Nestório, patriarca antióquio de Constantinopla, caíra em heresia, segundo se
dizia, separando Deus e o Homem em Cristo. A família imperial e a Sé Romana
apoiaram Cirilo, e no Terceiro Concilio Ecumênico, em Éfeso, em 432, o
nestorianismo foi condenado. Seus adversários, porém, foram ainda mais longe,
promulgando uma doutrina da natureza una de Cristo por um obscuro
arquimandrita, Êutiques, e que foi aceita pela escola de Alexandria. Para resolver
a questão, o Imperador Marciano convocou o Quarto Concilio Ecumênico em
Calcedônia, em 451. Marciano ansiava por manter-se em bons termos políticos
com Roma, e o Papa Leão, o Grande, opunha-se fortemente ao movimento. Sob
a influência imperial, o eutiquianismo ou monofisismo foi condenado como
herético.

O concilio de Calcedônia constituiu o ponto-chave da história do império no


Egito e na Síria. O cristianismo monofisita adaptava-se ao temperamento
oriental, e logo igrejas monofisitas, unidas na oposição a Calcedônia,
espalhavam-se pelas províncias. Além disso, a heresia tornou-se o ponto de
contato entre muitos provincianos que tinham queixas contra a burocracia
imperial — ela representava a expressão do crescente sentimento de
nacionalismo e separatismo. Da dissensão semeada em Calcedônia resultou a
fácil conquista árabe da Síria e Egito, cerca de dois séculos mais tarde. A Igreja
Armênia também rejeitou os decretos de Calcedônia, embora suas objeções
fossem antes constitucionais do que orgânicas. E até mesmo na própria
Constantinopla os heréticos eram numerosos.

Os imperadores da dinastia leonina afastaram-se da posição de Calcedônia.


Zenão fez uma corajosa tentativa de concessão, em seu Henolicon, que não
satisfez a ninguém e provocou uma ruptura com Roma, que Anastásio, um
monofisita inconfesso, não procurou superar. O sudeste, porém, continuava
insatisfeito.

O paganismo, enquanto isso, desaparecera. Em 431 Teodósio II impôs restrições


ainda maiores aos pagãos, e em 438 ele afirmava não haver mais um pagão no
Império.
Durante todo o século, Constantinopla cresceu em tamanho e riqueza. A cidade
estendera-se além dos muros de Constantino, a tal ponto que em 413 o regente
Antêmio, no reinado de Teodósio II, levantou novas muralhas do Marmara até o
Chifre de Ouro, cerca de três quilômetros a oeste das antigas, para proteger esses
subúrbios; em 439 o prefeito Ciro construiu muralhas junto ao mar, unindo-as às
muralhas que defendiam dos ataques por terra. Toda essa fortificação foi
reformada após um terremoto, em 447. O trabalho fez-se em 60 dias, pelo temor
de uma invasão dos hunos. Ciro, poeta egípcio, teve ainda a distinção de ser o
primeiro prefeito da cidade a baixar ordens em grego, e não em latim.

O século VI é dominado pela figura de Justiniano. Com a morte de Anastásio,


uma intriga sutil e vergonhosa colocou no trono um soldado ilírio analfabeto,
Justino, que levou para a corte seu sobrinho Justiniano — e dentro em pouco
este desempenhava virtualmente o papel de regente. Com a morte de Justino em
527, Justiniano tomou-se imperador. Seu reinado (527-565) constituiu o auge do
Império Romano Cristão. Os reinos bárbaros no Ocidente, com exceção da Gália
Franca, haviam mergulhado numa decadência prematura. Justiniano chamou a si
a tarefa de retomar a África aos vândalos, a Itália aos ostrogodos e até a Espanha
aos visigodos. A guerra com a Pérsia irrompeu novamente, e seus exércitos
tinham de concentrar se continuamente no Leste. Mas, graças ao gênio de seus
generais Belisário e Narses, e à habilidade de seus diplomatas, a fronteira
oriental foi mantida, a África e parte da Espanha foram conquistadas e a longa
resistência dos ostrogodos na Itália, desmoronou. Mais uma vez, o Mediterrâneo
era um lago romano e Justiniano dedicou sua atenção também nos assuntos
internos. A administração foi reformada, e sua eficiência como legislador foi
ainda maior. No princípio de seu reinado, comparou e reviu os códigos de
Direito Romano e baixou seu grande Código, em 533, monumento de
jurisprudência. E, durante todo o seu reinado, ocupou-se em acrescentar-lhe
novas leis (Novellae) para suprir quaisquer deficiências, Mas o imperador além
de ser um conquistador e uma fonte de leis, devia ser também a personificação
da majestade. Por isso, Justiniano empenhou-se em embelezar e fazer mais
suntuosa a sua capital. Foi um construtor infatigável, tendo erguido o maior
triunfo da arquitetura no mundo, Santa Sofia, a Igreja da Sagrada Sabedoria, o
templo que levou Justiniano a gabar-se de ter sobrepujado um outro rei-
legislador, Salomão.

Em toda essa obra Justiniano teve, até 548, o auxílio da mais notável mulher da
época — sua esposa, a antiga atriz Teodora. Sua coragem, visão e falta de
escrúpulos foram de grande valia para ele, e o poder por ela desfrutado era maior
mesmo do que o de seu marido. Divergiam, porém, numa questão política:
Teodora era monofisita e usou de sua influência para obter o triunfo da heresia.
Não teve êxito, mas enquanto viveu os monofisitas tiveram a segurança de sua
proteção e estímulo. Se lhe tivessem feito a vontade, Egito e Síria poderiam ter
continuado como províncias leais ao império. Mas Justiniano, com suas
ambições ocidentais, temia desagradar o Oeste ortodoxo. Além disso,
considerava-se um teólogo, e o monofisismo não o convencera. Esperava,
porém, encontrar uma fórmula intermediária que lhe fosse possível impor a toda
a cristandade. Ele e Teodora concordavam em que todos, mesmo patriarcas e
papas, deviam seguir a teologia imperial. O Papa Vigílio, que ousou considerar-
se como o repositório da ortodoxia, foi punido por uma longa prisão em
Constantinopla, durante a qual acedeu às ordens de Teodora, primeiramente, e
mais tarde, às de Justiniano. Mas foi somente após a morte de Teodora que
Justiniano deu toda a rédea à sua paixão pela teologia e elaborou uma fórmula
que podia satisfazer aos monofisitas sem infringir os decretos do Concilio de
Calcedônia. Em 553 o Quinto Concilio Ecumênico condenou, por ordem de
Justiniano, a abstrusa heresia dos Três Capítulos, que ele próprio criara
artificialmente alguns anos antes, e completou a humilhação do papado. Mas
suas tentativas de aproximação com os heréticos não foram bem recebidas —
eles não modificavam sua heresia, preferindo a perseguição. Mergulhou ainda
mais nas sutilezas cristológicas, em busca de uma solução, convencendo-se cada
vez mais da inteligência da política de Teodora, quando não de sua fé.
Finalmente, em 565 chegava a uma heterodoxia inegável, morrendo naquele
mesmo ano considerado pela grande maioria de seus súditos como um herege
aftartocatártico (*).

A política religiosa de Justiniano conseguiu, pelo menus por algum tempo,


colocar o imperador como um ditador teológico, abrindo o precedente de cesaro-
papismo para outros imperadores teólogos. Falhou, porém, em seu objetivo
principal. As províncias orientais continuavam insatisfeitas e o Ocidente
suspeitava dele. Esse descontentamento poderia não ter sido perigoso se os
provincianos, e na verdade todos os cidadãos do império, não tivessem um
motivo maior de queixa. Os impostos chegavam a limites intoleráveis. As glórias
do reinado de Justiniano, as conquistas externas, os grandes edifícios, eram
extremamente custosos e financeiramente pouco produtivos. O que Anastásio
poupara desapareceu rapidamente, e Juliano teve de aceitar como ministros os
que se mostravam mais competentes na extorsão, por mais desonestos que seus
métodos fossem. Já em 532 a habilidade sinistra de seus favoritos, o advogado
Tribônio e João, o Capadócio, provocara os famosos levantes de Nica, em que a
cidade foi incendiada e que só não custou ao imperador o trono pela firmeza da
imperatriz. O odiado João permaneceu no poder até 541, quando Teodoro já não
o podia mais suportar. Seus sucessores, porém, foram igualmente prepotentes.
Mais tarde, também a natureza contribuiu para aumentar as dificuldades do
governo de Justiniano: terremotos, uma série de fomes e a grande peste de 544
reduziram ainda mais as rendas. Houve um renascimento da prosperidade
comercial durante as primeiras décadas do século, e o próprio Justiniano muito
contribuiu para estimular o comércio. Faltava, porém, base, e os lucros não
podiam frutificar: os coletores de impostos estavam sempre a postos. Os súditos
do império se foram cansando e ressentindo.

Justiniano realizou muito. Embelezou o mundo e deu-lhe um excelente código


de leis. Suas conquistas reviveram a civilização romana no Ocidente, seu cesaro-
papismo salvou seus sucessores orientais de uma Canossa. Encerrou, porém,
uma amarga lição moral: a de que o Oriente e o Ocidente não se podiam
reconciliar e que as boas finanças representam a base de um governo bem
sucedido. Por ignorar essas duas leis, Justiniano prejudicou irreparavelmente o
império.

Seu reinado marcou também, incidentalmente, o fim do latim, embora fosse esta
a língua de Justiniano, e nela tivesse deixado seu grande código. Mas nenhuma
outra literatura latina, além disso, se produziu na corte, e as últimas Novelas
foram promulgadas em grego.

Justiniano teve como sucessor seu sobrinho Justino II, que se casara com a
sobrinha de Teodora, Sofia. Procuraram imitar, sem êxito, seus grandes
predecessores. No leste, as guerras persas foram um desastre, no norte uma nova
tribo bárbara, os avaros, faziam pressão; no oeste, outra tribo, a dos lombardos,
invadiu uma Itália gasta e apática. Sofia comprou a paz com a Pérsia e escolheu
um general, Tibério, para suceder ao seu marido. Em 547, num breve intervalo
de lucidez, Justino adotou Tibério como filho e coroou-o césar. Em 578 Tibério
o sucedia como imperador (7).

Uma nova era começou com Tibério. O imperialismo da Casa de Justino


desmoronara-se, Tibério compreendeu que o Oriente é que devia ser salvo do
naufrágio. A maior parte da Itália foi abandonada aos lombardos. O vice-rei
retirou-se para além dos pantanais invioláveis que cercavam sua capital, Ravena,
e o litoral do sul foi mantido. Roma conquistou sob os papas uma semi-
independência, embora um comissário imperial ainda residisse no palácio dos
Césares. Nesse ínterim, sem que o percebessem, a Espanha Imperial voltava às
mãos dos Visigodos. Tibério foi tolerante para com os hereges e concentrou-se
na expulsão dos persas e dos avaros. Numa corajosa tentativa de restaurar o
ânimo do povo, suspendeu os impostos por um ano e parece que tentou usar o
apoio popular contra a aristocracia imperialista romana. Em 582, porém, falecia,
deixando inacabada sua obra, com os avaros triunfantes na fronteira do Danúbio
e os eslavos penetrando com eles. Seu sucessor e genro Maurício (582-602)
adotou a mesma política. Manteve distantes os avaros e triunfou sobre a Pérsia.
Tentou colocar o império em melhores condições de defesa, dando aos militares
maior poder na administração provincial, e com uma economia rígida conseguiu
reparar, até certo ponto, as finanças. Seu realismo austero, porém, exigia muito
dos súditos. Os soldados, com soldos reduzidos, não podiam suportar o peso das
exigências que lhes eram feitas. Em 602 o exército revoltou-se. Maurício foi
morto e o líder militar Focas tornou-se, por sua vez, imperador.

O reinado de Focas (602-610) foi um pesadelo de anarquia destruidora e de


tirania, invasões externas e levantes internos, até que finalmente Heráclio, filho
do governador da África, fez-se ao mar para Constantinopla como um salvador,
fundando uma dinastia que durou cinco gerações.

Com o reinado de Heráclio, o Império Romano ingressa no bizantinismo.


Predominou naquele período uma longa guerra total contra os persas, guerra que
foi uma verdadeira cruzada, e durante a qual os persas saquearam Jerusalém e
invadiram o Egito, e com auxílio dos avaros quase capturaram a própria
Constantinopla. No final, porém, o reino dos Sassânidas foi esmagado para
sempre, no ano 628. Mais ou menos na mesma época o reino dos avaros
começou a oscilar, e Heráclio estabeleceu suserania sobre os eslavos que, já
então, eram numerosos na península balcânica. As guerras, porém, haviam sido
custosas e exaustivas, particularmente para as províncias monofisitas. Como
seus predecessores, Heráclio procurou conquistar a amizade dos monofisitas
com uma concessão teológica, adotando a ideia de que Cristo tinha apenas uma
energia, ou de qualquer modo apenas uma vontade. Mas esse monoteletismo,
embora tivesse obtido certo sucesso em Constantinopla, e mesmo o apoio do
Papa Honório I, não satisfazia aos monofisitas. Suas queixas políticas e o leal
ódio que mantinham pelos decretos de Calcedônia traziam-nos num
descontentamento permanente. De qualquer forma, a concessão vinha muito
tarde. Em 636, o ano no qual o imperador assinou a Ekthesis, documento que
corporificava a nova crença, travara-se uma batalha na Síria que resultará na
perda daquela província para sempre.
No início do século, as tribos da Arábia Central haviam conseguido unidade
política e inspiração religiosa de um certo Maomé. A aridez do clima forçava os
árabes a expansões periódicas, e alentados por essa nova força e fervor atiraram-
se sobre o mundo civilizado. Em 634 invadiram, primeiramente, a Palestina. Em
636 numa batalha no rio Yarmak derrotaram o grande exército que Heráclio
conseguira reunir em seu cansado império, e toda a Síria ficou à mercê deles. Em
637, em Kadisaya, superaram as tropas dos Sassânidas, liquidando finalmente o
reino persa na batalha de Nihawand, quatro anos mais tarde. Em 633 capturaram
Jerusalém. Em 641 invadiram o Egito. Os heréticos, explorados e perseguidos,
nada fizeram para preservar o domínio imperial. Na Síria e Egito saudaram a
troca de senhor, considerando a teologia do Islã mais próxima da sua do que a
teologia de Calcedônia. Somente Alexandria resistiu. Mas em 647 aquela
fortaleza do helenismo caiu finalmente e suas bibliotecas foram entregues às
chamas. Na época da morte de Heráclio, em 611, o império estava reduzido, com
uns poucos postos avançados isolados, à Ásia Menor e à costa balcânica, à
província da África e Sicília. Com exceção da África, constituía ele uma
entidade de língua grega e uma unidade religiosa dependente do patriarcado de
Constantinopla. A amputação das grandes províncias heréticas constituiu, no
final das contas, um alívio para os problemas do império. Mas as perspectivas
pareciam então bastante negras.

As décadas que se seguiram à morte de Heráclio são as mais sombrias da história


bizantina (8). A ameaça árabe parecia não ter fim. Toda a energia do império foi
necessária para conservar as montanhas Tauro, limite norte da expansão árabe.
Frequentemente, eles as atravessavam e atacavam a Ásia Menor. Construíram
também uma frota, e em 673 se estabeleceram no Mar de Marmara e
anualmente, até 677, atacavam as muralhas de Constantinopla. No princípio do
século seguinte, planejavam uma grande expedição para dar o coup de grâce ao
império, pela captura de sua capital. Enquanto isso não acontecia, expandiam-se
para oeste. Em 670 começaram a atacar a província da África, e em 607 Cartago
caía em suas mãos. Dali passaram à Espanha. Nos Balcãs, os eslavos causavam
uma desordem permanente. São Demétrio teve, mais de uma vez, de salvar
milagrosamente sua cidade de Tessalônica das investidas eslavas. Em 679
surgira um novo elemento de desordem, com a invasão e o estabelecimento, ao
sul do Danúbio, de uma tribo guerreira huna, conhecida como búlgaros. No
terreno religioso os imperadores heraclidas apoiaram durante certo tempo o
monoteletismo, mudando depois de orientação e convocando o Sexto Concilio
Ecumênico, em Constantinopla, em 680, para condenar aquela heresia. Um
apêndice desse Concilio, o Sinodo In Trullo, estabeleceu o que deveria ser a
constituição e norma da Igreja Bizantina.

Os imperadores da dinastia heraclida, embora fossem todos homens dotados, não


estavam à altura da difícil tarefa de governar, naqueles tempos. Heráclio deixou
o trono a seus filhos Constantino III e Heracleonas, mas a tentativa de governar,
feita pela mãe desse último, Martina (sobrinha do marido), constituiu um
fracasso. Constantino morreu após alguns meses e Heracleonas caía pouco
depois, sendo sucedido pelo filho do primeiro, Constante II (641-668), A maior
parte do reinado de Constante foi dedicada à guerra contra os árabes.
Finalmente, desesperou-se de salvar o Oriente e foi viver na Sicília,
aparentemente com a intenção de restabelecer o domínio imperial na Itália e
fazer de Roma sua capital. Foi, porém, assassinado em Siracusa antes que seus
planos se consubstanciassem. O reinado de seu filho Constantino IV, Pogonato
ou o Barbado, (668-685) foi igualmente cheio de guerras. Manteve ele as defesas
do império, embora tivesse permitido, devido a um ataque de gota, a invasão dos
búlgaros. O sucessor de Constantino foi seu filho, o jovem Justiniano II, tirano
brilhante em quem não se podia confiar, amante de sangue. Após dez anos de
opressão, Constantinopla levantou-se contra ele, cortou-lhe o nariz e baniu-o
para Quersônia na Crimeia. Conseguiu, porém, fugir da prisão e após dez anos
de aventuras entre os bárbaros voltou a Constantinopla com ajuda dos búlgaros.
Nesse meio tempo, um soldado, Leôncio, reinara de 615 a 698, sendo substituído
por um marinheiro, Apsimar, rebatizado como Tibério III, que caiu com o
reaparecimento de Justiniano, cuja tirania passou então a não ter limites. Os
quersonitas, seus antigos carcereiros, temendo vingança, revoltaram-se sob a
chefia do General Bardano, ou Filípico, que em 711 conseguiu destronar
Justiniano e condenar à morte sua família. Filípico, porém, era indolente sob
todos os aspectos, menos um, o religioso — era monotelita fervoroso. Após dois
anos de governo foi derrubado por uma conspiração palaciana, sendo sucedido
por um servidor civil, Artêmio, que tomou o nome de Anastásio II. O império
havia mergulhado no caos e os árabes estavam dominando a Ásia Menor. As
tentativas de Anastásio para restaurar a energia do exército custaram-lhe a
popularidade. A revolta de um regimento levou ao trono em 716 um coletor de
impostos provinciais, obscuro e sem ambições, Teodósio III, que evidentemente
não pôde controlar a situação. No ano seguinte, frente à ameaça, o maior general
do império, Leão, cognominado o Isáurio, sem encontrar quase oposição, tomou
o governo.

O destino dos imperadores isáurios foi salvar o império dos sarracenos e


transformá-lo na melhor organização defensiva que a cristandade já conheceu.
Leão III (717-740) preservou triunfalmente a capital durante o grande sítio árabe
de 717-718, e nas últimas guerras levou os infiéis de volta à fronteira das Tauro.
Dedicou-se então à administração, reparou as finanças e desenvolveu um sistema
de “temas” — cada “tema” ou província foi colocado sob um governo militar,
bem supervisionado de Constantinopla, porém. Seu filho Constantino V, a quem
deram os ásperos cognomes de Cabalino ou Coprônimo (9) (740-775), foi um
homem ainda mais notável. Sua habilidade militar e diplomática esmagou
temporariamente os búlgaros e repetiu o êxito de seu pai contra os árabes, no que
foi auxiliado pelo declínio do califado omíada. Com energia financeira e
administrativa completou a obra de seu pai. Mas tanto o pai como o filho
tornaram-se os vilões da história bizantina, graças à sua política religiosa.

Em 726 Leão III promulgou um decreto proibindo o culto das imagens ao qual
se seguiu uma destruição geral de ícones representando Cristo e os santos. Sua
razão original era, provavelmente, teológica, mas o movimento adquiriu logo
uma base política, como um ataque à Igreja — particularmente aos mosteiros,
cujo crescente poder aumentava pelo fato de possuírem quadros e imagens
sagrados. Sob Constantino V, ele mesmo teólogo com tendências unitárias
heréticas, esse aspecto antimonástico tornou-se bastante acentuado. Os monges
estavam na linha de frente dos iconódulos, os adoradores de imagem. O
iconoclasmo teve certo êxito na Ásia Menor e entre os soldados, que em sua
maioria eram asiáticos. Encontrou, porém, uma resistência apaixonada,
especialmente na Europa. Motins e levantes ocorreram em Constantinopla, e
uma grande rebelião com a subida de Constantino V. Na Itália, o movimento foi
tão impopular que pouca resistência encontraram os lombardos, ao invadirem
Ravena e os últimos distritos imperiais, até que em 751 nada restava ao
imperador, ao norte da Calábria. Provocou, ainda, um rompimento com o
papado, de consequências profundas. Os papas procuraram novos aliados nos
francos, enquanto o império perdia seus últimos vínculos latinos e se tornava
uma unidade exclusivamente de língua grega.

A Constantino V sucedeu seu filho Leão IV, chamado o Cazar, por ter sido sua
mãe princesa daquela raça turca. Reinou apenas cinco anos (775-780), sendo
substituído pelo filho de apenas dez anos, Constantino VI, sob a regência da
imperatriz-mãe, a ateniense Irene, que, como europeia, era iconódula. Em 787
fez ela a paz com Roma e convocou o Sexto Concilio Ecumênico em Nicéia,
para restaurar o culto das imagens. Essa restauração agradou à Igreja e ao povo
comum, mas desagradou aos soldados asiáticos, que se ressentiam do governo de
uma mulher, particularmente quando o poderio árabe começava a reviver, sob os
califas Abácidas de Bagdá. Mas o jovem imperador não tinha habilidade para
resistir à mãe, e seu caráter não inspirava respeito. Em 7117, após uma longa
sequência de querelas, Irene finalmente aprisionou seu filho, cegou-o e reinou
sozinha por cinco anos (797-802). Foi durante esse reinado feminino que o Papa
Leão coroou Carlos, o Grande, imperador do Ocidente.

A dinastia isáuria foi seguida por um período de reinos breves, pontilhado de


rebeliões, e quando a facção militar retomou o poder o iconoclasmo foi
restaurado, Irene foi destronada por seu ministro do tesouro, Nicéforo I (802-
811), excelente financista mas medíocre soldado amador, que perdeu Creta para
os piratas árabes e teve de enfrentar uma súbita renovação da força búlgara, bem
como as guerras sarracenas. Nicéforo morreu numa batalha contra o príncipe
búlgaro Krum, e seu filho e herdeiro Estaurácio ficou tão seriamente ferido que
morreu poucos meses depois, sendo sucedido pelo cunhado, o rico civil Miguel I
Rangabé (811-813). Miguel I foi derrubado por uma revolta militar organizada
por um de seus generais, o armênio Leão. Durante o reinado de Leão V (813-
820) o iconoclasmo foi restabelecido, mais como um movimento político e
anticlerical do que como uma concepção teológica. Em 820 Leão era assassinado
por outro soldado, Miguel, frígio natural de Amório.

A dinastia amória, ou frigia, fundada por Miguel II, durou quase meio século.
Miguel II (820-829) era um iconoclasta apaixonado, e irritou ainda mais a Igreja
casando-se pela segunda vez com uma monja, Eufrosina, filha de Constantino
VI. A ele sucedeu seu filho, Teófilo (329-842), iconoclasta como o pai, mas
menos ardoroso. Foi bom administrador e patrono da cultura, e seu reinado
presenciou a renascença da cultura secular e da magnificência artística,
grandemente influenciadas pela civilização dos Abácidas de Bagdá. Suas guerras
contra os árabes, porém, nem sempre tiveram o mesmo êxito. Após sua morte
em 842, a viúva, Teodora, tornou-se regente do filho, Miguel III. Tal como a
última imperatriz regente, Irene, Teodora era iconódula, e em 843 restaurou o
culto da imagem, para a satisfação da grande maioria de seus súditos. A paz
religiosa, associada à reconstrução política dos isáurios e de Teófilo, trouxe ao
Império um novo período de prosperidade. Mas o prudente governo de Teodora
foi seguido, em 856, pela extravagância de Miguel, que graças a seus hábitos
recebeu o nome de Beberrão. Soube, porém, escolher conselheiros capazes,
como seu tio Bardas e um escravo chamado Basílio, que após provocar a morte
de Bardas, em 867, assassinou o imperador e assumiu o poder imperial. Durante
o reinado de Miguel III houve novo rompimento com Roma, provocado pelas
ambições em conflito do Papa Nicolau, o Grande, e do Patriarca Fócio, luta essa
intensificada pela conversão dos búlgaros e dos eslavos da Europa Central.

No reinado de Basílio I e seus descendentes, conhecidos habitualmente sob o


nome incorreto de dinastia macedônia (10) (867-1057), o império atingiu o
zênite de sua glória medieval. A organização interna era bastante forte para
permitir aos imperadores um programa de expansão, enquanto a situação mais
estável de todo o mundo ocidental provocava um crescimento do comércio, do
qual Constantinopla se beneficiou rapidamente. Basílio I (867-886) era um
general capaz: sob seu comando, as ondas de invasões sarracenas passaram a ter
resultados favoráveis para o império, embora estes fossem a princípio,
reduzidos. No Ocidente, os árabes haviam assolado recentemente a Sicília e o sul
da Itália. Basílio deixou a Sicília entregue à própria sorte, mas seu general
Nicéforo Focas restaurou o poder imperial na Itália do sul com uma energia
desconhecida nos três últimos séculos. Sob seu filho Leão VI (11) (886-912),
cognominado o Sábio, tais êxitos militares não continuaram. Houve uma guerra
sem sucesso contra os búlgaros, e um desastre ainda maior com o saque de
Tessalônica, a segunda cidade do império, pelos piratas árabes de Creta, em 901.
Tanto Basílio como Leão seguiram a mesma política interna, que visava ao
fortalecimento das prerrogativas reais e se opunha às tendências independentes
dos Patriarcas Fócio e Nicolau, o Místico. Para se afastarem dos odiados
iconoclastas, Basílio iniciou e Leão completou uma nova codificação das leis,
promulgando um código, a Basílica, que perdurou até o fim do império. Leão
criou dificuldades para si ao casar o dobro de vezes permitidas pelas leis
religiosas, em busca de um herdeiro homem. Somente sua quarta esposa deu-lhe
um filho. Leão conseguiu estabelecer a legitimidade desse filho, apesar da
oposição eclesiástica, e, após sua morte, a prodigalidade matrimonial que havia
mostrado foi condenada.

Seguiu-se no trono Alexandre (912-913), irmão de Leão e co-imperador desde a


juventude, que passou a reinar em conjunto com o filho de Leão, Constantino
VII, conhecido como Porfirogêneto, “nascido na Câmara Purpúrea”. Com a
morte de Alexandre, após um ano de mau governo, e após outro ano de mau
governo sob um conselho de regência dominado pelo Patriarca Nicolau, o
Místico, o governo passou às mãos da mãe de Constantino, Zoé (914-9191.
Nessa época, os búlgaros, chefiados pelo Tzar Simeão, invadiram o império. As
vigorosas tentativas de Zoé para derrotá-los acabaram num desastre que
provocou sua queda. Substituiu-a o Almirante Romano Lecapeno, que se
aproximou do trono e logo passou a controlar Constantino, a quem casou com
sua filha. Romano I (919-944) governou bem o império. Fez uma paz satisfatória
com os búlgaros e seu general, João Curcuas, iniciou a conquista espetacular do
Ocidente que marcou os cem anos seguintes. A tentativa de Romano em fundar
uma dinastia falhou, embora ele tivesse coroado três de seus filhos. Estes por fim
o destronaram, mas um mês após sua queda Constantino VII controlava sozinho
o império.

Sob o governo de Constantino VII (945-959) e o de seu filho Romano II (959-


903) continuaram as conquistas orientais. Creta foi recuperada e mesmo Alepo
foi tomada por algum tempo, pelo General Nicéforo Focas, neto do general do
mesmo nome que servira a Basílio I. Quando Romano II morreu, deixando dois
filhos jovens, Basílio II (963-1025) e Constantino VIII (963- 1928), a viúva, a
regente temporária Teófano, casou-se com Nicéforo Focas, que tomou a coroa.
O reinado de Nicéforo II foi glorioso, com a retomada da Cicília, Chipre e a
grande cidade de Antióquia, mas em 969 foi ele assassinado, com a aquiescência
da esposa, pelo primo João Tzimices, que o substituiu. João I (969-976) foi um
general igualmente hábil, que conquistou metade da Bulgária, derrotou uma
invasão russa e levou seus exércitos até as cercanias de Jerusalém e Bagdá. Sua
morte deixou Basílio II como imperador supremo.

O império fora organizado pelos isáurios como unidade defensiva e,


consequentemente, os militares dispunham de grandes poderes. Durante as
recentes guerras, os líderes do exército vinham da aristocracia latifundiária. A
segurança cada vez maior do império dava às terras um novo valor, como fonte
de riqueza. A força que usufruíam as grandes famílias, primeiramente como
latifundiárias, e em segundo lugar como militares, começou a constituir uma
ameaça ao governo central. Tanto Romano I como Constantino VII haviam
previsto isso e legislado, insuficientemente, contra o acúmulo de terras. No
reinado de João I, a revolta dos Focas mostrara os problemas que uma grande
família podia criar ao imperador. Durante a primeira década do governo pessoal
de Basílio II as revoltas interligadas de Bardas Focas e Bardas Esclero
evidenciaram ainda mais claramente esse perigo. A vitória de Basílio foi devida,
em grande parte, à sorte, mas ele soube aproveitar-se dela para golpear
fortemente a aristocracia. Graças à sua energia, os aristocratas ficaram durante
algum tempo sob controle. Após tal vitória, Basílio dedicou grande parte do
resto de sua carreira lutando nos Balcãs, embora tivesse realizado algumas
campanhas para ampliar as fronteiras do império, no Oriente, Os búlgaros se
haviam fortalecido durante as revoltas dos Bardas, e seu Tzar Samuel governava,
das inconquistadas montanhas macedônias, um império que ia novamente até o
Mar Negro. Em 981 Basílio tentara, inutilmente, barrar-lhes o caminho. De 996
a 1018, combateu-os quase que permanentemente, até que foram totalmente
conquistados. Toda a península, do Danúbio para o sul, obedecia ao imperador,
mais uma vez, e seus súditos agradecidos deram-lhe o nome de Basílio
Bulgaróctono, ou seja, matador de búlgaros. Enquanto isso, sua austeridade e seu
apaixonado espírito de economia enchiam as arcas do tesouro imperial, mais ou
menos esvaziadas pelas custosas guerras em que se empenharam seus
predecessores. No fim do reinado de Basílio o império atingira uma extensão e
uma prosperidade que não conhecia desde os dias de Heráclio.

Com a morte de Basílio começou o declínio. Seu irmão Constantino VIII reinou
sem eficiência durante três anos (1025-1028), após os quais morreu, deixando
três irmãs de meia-idade: Eudócia, monja marcada pela varíola, Zoé e Teodora.
Nas décadas que se seguiram, os maridos e protegidos de Zoé governaram o
império. O primeiro deles, Romano III Argiro (1028-1034), era um homem de
valor, mas extravagante, ocioso e fraco. Após sua morte em circunstâncias
suspeitas, Zoé apressou-se a casar com um jovem e belo paflagônio, que
governou por sete anos (1034-1041), como Miguel IV, Era um homem capaz e
vigoroso, que conseguiu dominar uma séria rebelião dos búlgaros, mas sofria de
epilepsia. A falta de saúde obrigou-o a ser um mero oportunista. Quando morreu,
Zoé foi induzida a adotar seu sobrinho Miguel, cognominado o Calafate, ou
fabricante de velas, devido à profissão de seu pai. Miguel V tinha esquemas de
reformas que implicavam a queda de sua benfeitora, Zoé. A dinastia, porém, era
muito amada para que um simples fabricante de velas pudesse destroná-la. Um
levante popular em Constantinopla derrubou Miguel, colocando como únicas
soberanas Zoé e sua irmã Teodora, em 1012. Mas as irmãs tinham ciúmes
mútuos, e, para reduzir o poder de Teodora, Zoé casou-se, outra vez, com um
velho devasso, Constantino Monômaco. Constantino IX (10-12-1054) não era
incompetente, mas preguiçoso e corrupto, e nada fez para deter o crescente poder
da Igreja e da aristocracia. O Patriarca Miguel Cerulário comportava-se quase
que como um papa oriental e em 1054 provocava o cisma final entre as Igrejas
Orientais e Roma. Sob Constantino a área do império foi aumentada com a
anexação da Armênia independente, mas ao mesmo tempo aventureiros
normandos a assolar a Itália bizantina, e a Sicília (12), e as tentativas do exército
imperial de defender tais províncias constituíram um fracasso. Com a morte de
Constantino em 1054 (Zoé morrera em 1050), a envelhecida Teodora assumiu o
controle e governou por dois anos com surpreendente firmeza. Em 1036 a
dinastia macedônia extinguia-se.

Durante aqueles anos, a cultura bizantina elevara-se a uma altura sem


precedente. Na pessoa de Psellos, historiador, filósofo e político da corte, culto,
inquisitivo, inteligente, sem escrúpulos, cínico e ao mesmo tempo religioso,
podemos vê-la no que tem de mais característico. Mas ao mesmo tempo a
prosperidade havia rompido o equilíbrio da organização militarista do império,
firmemente centralizada. O fim da grande dinastia liberou os elementos
destrutivos. De 1056 a 1031 houve um período de caos no qual a Igreja e a
burocracia civil lutaram pelo poder contra os aristocratas militares latifundiários.
Infelizmente esse caos coincidiu com os ataques dos novos inimigos, nas
fronteiras orientais e ocidentais. Os normandos completaram a conquista do sul
da Itália, com a captura de Bari, em 1071, atravessando em seguida o Adriático,
para o litoral balcânico. Os turcos seljuques reuniram-se nas fronteiras da
Armênia, preparando uma invasão da Ásia Menor. E nesse meio tempo, o
crescimento das repúblicas marítimas italianas dava início à revolução na
geografia comercial que seria consumada pelas Cruzadas e golpeava fortemente
a hegemonia financeira de Constantinopla.

Teodora nomeara seu sucessor um civil já de idade, Miguel Estratiótico, que


após um ano de governo sob o nome de Miguel VI era destronado pelos
militaristas, chefiados pelo nobre Isaac Comneno. Isaac I reinou dois anos e
abdicou inesperadamente em favor de seu ministro das finanças, Constantino
Ducas, aristocrata aliado à Igreja e à burocracia civil, e não aos militares. Uma
política de economia e o receio de revoltas militares fizeram que Constantino X
(1059-1067) reduzisse e desorganizasse o exército num momento inoportuno.
Morreu deixando um filho ainda jovem, Miguel VII, e sua viúva, Eudócia
Macrembolitissa, modificou a política de governo, dando o trono e sua mão a um
chefe militar, Romano IV Diógenes, que restaurou a ordem no exército e em
1071 saiu a campo para enfrentar uma invasão dos seljuques na Armênia.
Devido a sua displicência, o império sofreu em Manziquerte uma derrota da qual
jamais se recuperou. O ano da queda de Bari e da batalha de Manziquerte, 1071,
é um dos marcos da história bizantina.

Romano IV fora aprisionado em Manziquerte. Quando as notícias da batalha


chegaram à capital, Miguel VII, apenas saído da adolescência, assumiu o
governo e tentou, em vão, restabelecer a ordem, conter os nobres e expulsar os
turcos, que assolavam a Ásia Menor, mostrando-se dispostos a permanecer ali.
Eram um povo primitivo, dilapidador, pastoral e não agrícola. Onde quer que se
estabelecesse, cessava o cultivo da terra, as estradas e aquedutos entravam em
decadência. O consequente e rápido declínio da Ásia Menor, que se
transformava num deserto, tomou mais difícil a recuperação pelo império, ao
mesmo tempo que a perda daquela província o privava de sua principal fonte de
abastecimento de cereais e de homens para o exército. O abastecimento teve de
ser reorganizado, e as forças militares passaram a depender cada vez mais dos
mercenários estrangeiros. A pressão econômica também aumentava.

Em 1078 Miguel VII foi obrigado a abdicar em favor de um soldado, Nicéforo


III Botoniato (1078-1081), que por sua vez foi destronado por outro soldado,
muito mais capaz, Aleixo Comneno, sobrinho de Isaac I, que conseguira a
aliança do partido do civil Ducas, graças a um casamento oportuno. Aleixo I
(1081-1118) salvou o império. Teve de lutar continuamente em todas as frentes,
mas suas guerras e sua diplomacia sutil mantiveram os normandos fora dos
Balcãs, expulsaram os invasores bárbaros do norte e mantiveram sob controle os
seljuques. Em 1096 o movimento conhecido como Cruzadas criou novos
problemas para o imperador. Os cruzados, embora principalmente inspirados
pela religião, eram conduzidos por políticos que ambicionavam Constantinopla
tanto quanto o Santo Sepulcro. A situação foi bem manejada por Aleixo. Serviu-
se dos exércitos das Cruzadas para reconquistar terras tomadas pelos seljuques,
notadamente sua capital, Nicéia, e em seguida mandou os ocidentais ameaçar o
Islã, pelo flanco. No final as Cruzadas, abrindo uma nova rota comercial direta
entre a Síria e o Ocidente, causariam ao império um dano comercial irreparável.
Por outro lado, a diplomacia maneirosa em que se empenhavam os dois lados
exacerbou ao extremo o atrito entre o império e o Ocidente latino, já agravado
pelo cisma religioso. Momentaneamente, porém, as Cruzadas serviram aos
objetos de Aleixo. A salvação tivera, entretanto, seu preço, e o ônus financeiro
foi superior às possibilidades do império. O auxílio dos navios venezianos foi
comprado com concessões comerciais, os impostos foram elevados, constituindo
um peso tão grande que o domínio dos seljuques quase parecia menos opressor.
E além disso, Aleixo foi levado a especular um pouco com a moeda. Após
manter seu valor em todas as perturbações de sete séculos, ela perdeu sua
posição como o único meio firme de troca. Constantinopla já não era o centro
financeiro do mundo.

Sob a eficiente administração do filho de Aleixo, João II (1118-1143), essa


decadência foi pouco evidente. As expedições militares de João conquistaram
mais terras aos seljuques e fizerem medo aos cruzados; mas, embora as
concessões aos estrangeiros tivessem sido canceladas, as despesas do governo
não podiam ser reduzidas. Sob a superfície brilhante do reinado do filho de João,
Manuel I (1143-1180), uma desintegração ainda pior começou. Manuel tinha
atração pelas ideias ocidentais, e começou a confiar nas armas do Ocidente,
particularmente nos navios das repúblicas italianas. Mas esse apoio naval
significava mais concessões comerciais, e as dadas a Veneza foram exigidas e
concedidas a Gênova e Pisa. Constantinopla permaneceu até o fim a grande
produtora de artigos supérfluos para o mundo, mas a renda de suas alfândegas
reduzia-se e seu comércio de além-mar desaparecia. Por outro lado, parecera
durante o reinado de João, e os primeiros anos de Manuel, que a Ásia Menor
poderia ser integralmente recuperada aos seljuques; entretanto, a grande derrota
de Manuel em Miriocéfalo em 1176 — desastre que ele mesmo acertadamente
comparava ao de Manziquerte — significava que os turcos se haviam instalado
ali para sempre.

A regência da viúva de Manuel, a latina Maria de Antióquia (1180-1183),


durante a infância de seu filho Aleixo II representou o caos. Em 1183 seu primo
Andronico Comneno tomou o poder e organizou sem demora o assassinato do
jovem imperador. O reinado de Andronico I (1183-1185) foi uma reação contra
os latinos. Sua ascensão foi assinalada por um grande massacre dos negociantes
italianos em Constantinopla, e todas as concessões foram cassadas. Sua
administração das províncias marcou-se pela eficiência e pela justiça exemplar,
mas em Constantinopla seu despotismo arbitrário criou-lhe inimigos, e a ameaça
de vingança dos ocidentais aumentava suas dificuldades. Em 1185 foi derrubado
por motins na capital, sendo substituído por um parente distante, Isaac Ângelo.

O governo dos Angeles, Isaac II (1185-1195) e seu irmão Aleixo III, que o
derrubou e sucedeu (1195-1203), é uma história de melancólica fraqueza, de
maiores desordens e pobreza no império, e de novas concessões aos italianos. A
Bulgária conquistou a independência, Chipre revoltou-se. Finalmente em 1203
uma Cruzada do Oriente, que deveria dirigir-se à Terra Santa, foi desviada para
Constantinopla pela cobiça veneziana. Seu aparecimento recolocou efetivamente
no tronco Isaac II e seu filho Aleixo IV, durante algum tempo, mas em 1204
irrompeu um motim que deu aos cruzados o pretexto para a captura e saque da
cidade.

Será difícil exagerar o mal que causou à civilização europeia o saque de


Constantinopla. Os tesouros da cidade, os livros e obras de arte preservados de
séculos distantes foram dispersos e destruídos em sua maioria. O império, o
grande bastião oriental do cristianismo, foi anulado como potência. Sua
organização centralizada caiu em ruínas. As províncias, para se salvarem, foram
forçadas a aceitar a sujeição. As conquistas dos otomanos foram possíveis graças
ao crime dos cruzados,
Veneza e os príncipes latinos dividiram o espólio. Um imperador latino foi
colocado em Constantinopla, senhores latinos invadiram a península grega,
difundindo um romantismo inquieto pela província há muito tranquila. Veneza
tomou ilhas e construiu colônias ao longo do litoral, obtendo concessões que lhe
asseguravam todo o comércio oriental. Mas a tentativa de tomar todo o império
falhou. A Ásia Menor imperial continuava na esfera da língua grega. Em Nicéia,
o genro de Aleixo III, Teodoro Lascáris, estabeleceu uma corte que logo se
tornou a sede do império no exílio. Em Trebizonda, um Comneno declarou sua
independência e em Épiro um Ângelo fez o mesmo, tomando pouco depois a
Tessalônica dos senhores latinos. Esses três diferentes impérios disputavam a
pretensão de ser o Império Romano no exílio, mas Nicéia era geralmente que
predominava, e no fim acabou triunfando. O império da Tessalônica caiu frente
ao de Nicéia em 1246, e os Ângelos ficaram reduzidos ao domínio de Épiro, que
acabou reconhecendo a suserania do imperador. O império da Trebizonda
continuou inconquistado até ser extinto pelos otomanos. Entretanto, isolado a
Leste por Nicéia e pelos seljuques, o Grande Comneno jamais pôde pretender,
convincentemente, ser o imperador ecumênico.

Nessa luta de rivalidades, a vitória de Nicéia se deve á grande habilidade de seus


imperadores. Teodoro I Lascáris (1204-1222) e seu genro João III Vatatzes
(1222-1254) organizaram o império como uma empresa eficiente e lucrativa,
sendo ambos bons soldados e diplomatas consumados. Sob o filho de João III,
Teodoro II (1254-1258), um intelectual mórbido e doente, o império continuou
crescendo, apesar do descontentamento da aristocracia, a quem ele perseguia.
Quando seu filho ainda criança, João IV (1238-1259), sucedeu-o, a aristocracia
levantou-se e matou Jorge Muzalão, regente de origem humilde, a quem ele
nomeara em testamento, e deu o poder ao mais destacado dos aristocratas,
Miguel Paleólogo. Mas isso foi apenas uma troca de senhores. No primeiro dia
do ano de 1259 Miguel sentou-se ao trono e pouco depois o menino imperador
era cegado.

Enquanto isso, em Constantinopla o Império Latino ‘‘da România” afundava na


pobreza e decadência. Balduino de Flandres, o primeiro imperador, não estava
preparado para a tarefa. O império foi organizado em bases estritamente formais,
e ele pouco passou de um barão. Poderia, entretanto, ter conseguido apoio de
seus súditos contra os vassalos, se não os tivesse afastado querendo impor-lhes a
odiada Igreja Latina. Em 1205 Balduino foi morto numa guerra contra os
búlgaros. Seu sucessor e irmão, Henrique (1205-1216), adotou política mais
conciliadora para com os gregos, e sob seu reinado parecia que o Império Latino
poderia surgir como uma potência. Mas era tarde demais: os gregos haviam
aprendido a buscar a liberdade religiosa em Nicéia. Os senhores latinos e os
venezianos, interessados apenas nos lucros, eram inúteis como pontos de apoio
do império, e após a morte de Henrique o declínio foi rápido. Foi ele sucedido
pela irmã, Iolanda, e seu marido Pedro de Courtenay, morto em Épiro antes
mesmo de chegar a Constantinopla. Iolanda governou por dois anos (1217-
1219), abdicando do poder em favor de seu segundo filho Roberto (o mais velho
prudentemente recusou o posto). Roberto foi deposto como incompetente em
1228 e sucedeu-o o irmão Balduino II, sob a regência do ex-rei de Jerusalém,
João de Brienne (1225-1237), um velho mais galante do que inteligente.
Sugerira-se que a regência fosse oferecida ao rei búlgaro, para assegurar seu
auxílio contra os gregos, mas o clero latino não pôde tolerar a ideia de um
regente cismático e impediu o plano. Sob Balduino II, a sorte do Império da
România piorou. Passou ele a maior parte de seu reinado viajando pelo Ocidente
em busca de auxílio. Não tinha dinheiro e empenhou palácios, relíquias e o
próprio filho aos venezianos. Constantinopla despovoava-se devido à fome e
pobreza. A entrada das tropas de Miguel Paleólogo na cidade, em 1261, foi um
ato de misericórdia, e Balduino, o patriarca latino e o podestade veneziano
fugiram para o porto e fizeram-se ao mar para o ocidente.

O mal, porém, era irreparável. Miguel entrou numa cidade despovoada e meio
em ruínas. Foi uma retomada compensadora, pois ninguém no Oriente Próximo
podia permitir a seus inimigos a posse de Constantinopla, e foi um ato glorioso
para o prestígio do império. Trouxe, porém, problemas e gastos que estavam
acima de suas posses. Os genoveses tinham sido seus aliados, e era necessário
pagar-lhes com privilégios comerciais que reduziram as rendas do império. Os
latinos tiveram um campeão e provável vingador em Carlos de Anjou, então rei
das Duas Sicílias. Teve ele de ser envolvido por um movimento de União com a
Igreja Latina, movimento esse que enfureceu os súditos do imperador sem
arrastar Carlos. A moeda imperial, estabilizada pela economia dos imperadores
de Nicéia, começou a oscilar novamente, e Miguel, incapaz de manter o sistema
de pagar a suas tropas de fronteira com doações de terras livres de impostos,
aboliu as posições na Ásia, enfraquecendo assim as defesas. Com a morte de
Miguel em 1282, o império evidenciou a impossibilidade de sua renascença
política. A única realização positiva do reino, além da tomada da capital, fora no
Peloponeso, onde a vitória de Pelagônia em 1259 colocara nas mãos do
imperador as importantes fortalezas de Mistra, Monenvásia e Maina.

O longo reinado de seu filho Andronico II (1282-1328) mostrou um declínio


lento. Às Vésperas Sicilianas tinham, em 1282, arruinado o poder de Carlos de
Anjou, e Andronico pôde romper, sem receio, as negociações para a união da
Igreja. Mas uma nova ameaça crescia no Oriente. As invasões mongólicas da
Ásia Menor, no século XIII, haviam trazido consigo novas tribos turcas, uma das
quais se estabeleceu na fronteira imperial e organizou-se, durante as últimas
décadas do século, numa forte potência militarista chefiada por Osmã, sendo por
isso conhecida como osmanis, ou turcos otomanos. Após a abolição, por Miguel,
das tropas de fronteiras, as forças militares de Andronico não foram bastantes
para contê-los. Teve de confiar em mercenários estrangeiros e, num momento de
inconsciência, contratou um bando de aventureiros, conhecidos como o Grande
Grupo de Catalães (1302), que logo se voltaram contra seus empregadores,
sitiaram Constantinopla durante dois anos (1305- 1307), levaram os turcos para a
Europa (1308), retirando-se finalmente para devastar a Macedônia e a Grécia
franca. Enquanto isso, na Europa, o Império Búlgaro de Asen e o Império Sérvio
de Uros eram fontes permanentes de perigo. Internamente, o reinado de
Andronico II, embora culturalmente ativo, foi uma história de dificuldades
financeiras e revoltas. De 1321 a 1328, combateu seu neto e herdeiro, Andronico
III, e só a morte do velho imperador trouxe a paz.

A história continuou, com o reinado de Andronico III (1328-1341). Os turcos


otomanos capturaram Brussa em 1326, em 1329 tomaram Nicéia e em 1337,
Nicomédia. Sob Estêvão Dusan (1331-1355) o Império Sérvio atingiu seu zênite
e ameaçou Constantinopla, A morte de Andronico, deixando como imperador
uma criança, João V, provocou a guerra civil pela regência, entre a imperatriz-
mãe, Ana de Saboia, e o usurpador João VI Cantacuzeno, homem brilhante que
as circunstâncias forçaram a ser oportunista, e que venceu a luta em 1347, mas
caiu em 1355 frente ao filho de João V, Andronico IV. João V voltou ao poder
em 1379, foi exilado durante certo tempo por seu neto João VII em 1390, mas
morreu no trono, em 1391. A situação continuava piorando. No Peloponeso, os
imperialistas gradualmente reconquistaram toda a península aos francos, mas nos
demais lugares ocorria o contrário. Era evidente, já então, que a destruição viria
dos turcos. Em 1356 começaram eles a instalar-se na Europa. Em 1357 tomaram
Adrianópolis e dela fizeram sua capital. As batalhas de Mariza em 1371 e de
Kosovo em 1389 colocaram a Bulgária e a Servia em suas mãos. Em 1390 seu
poder chegava ao Danúbio, e o império conservava apenas Constantinopla,
Tessalônica e o Peloponeso, além do despotato de Mistra.

João V viajava pela Itália inutilmente em busca de auxilio, sendo aprisionado em


Veneza como devedor. Mas sob seu jovem filho e sucessor, Manuel II, a Europa
Ocidental começou a tomar consciência do perigo e enviou um exército aos
Balcãs, exército esse que foi destruído em Nicópolis em 1396. Em 1397 os
turcos sitiaram Constantinopla, mas a hora ainda não era chegada. Foram eles
atacados do Oriente, por Tamerlão, o Tártaro, e em 1402 o sultão foi derrotado e
aprisionado pelos mongóis, em Angora. Era a oportunidade para expulsar os
turcos da Europa. Mas o império não tinha para isso força bastante, os servos
eram uns traidores e o Ocidente não cooperaria. Em 1413 o império de Tamerlão
havia desmoronado e os turcos já se tinham recuperado. Enquanto isso, Manuel,
como seu pai, procurou aliados no Ocidente, viajando até Paris e Londres — e
igualmente em vão.

O tato de Manuel e sua popularidade entre os súditos e na corte turca


preservaram o império enquanto ele reinou, mas em 1420 passou o governo a
seu filho João VIII, vindo a falecer cinco anos mais tarde. Em 1422 João
provocou os turcos a uma nova investida contra Constantinopla, mas uma revolta
fez com que o sultão levantasse o sítio. Em 1423 o governador da Tessalônica,
receando um ataque turco, vendeu a cidade aos venezianos. O ataque ocorrer
sete anos depois, com êxito. João VIII, seguindo a tradição da família, dirigiu-se
esperançosamente à Itália, onde, em 1139, no Concilio de Florença,
comprometeu sua autoridade imperial com a União das Igrejas, união repudiada
pela grande maioria de seus súditos. Em retribuição, uma nova expedição
ocidental invadiu os Balcãs, sendo esmagada pelos turcos em Varna, em 1444.

João morreu em 14411, e seu irmão Constantino XI sucedeu-o no império já


condenado. O fim ocorreu em 1453. Após uma desesperada e heroica defesa de
sete semanas, a 29 de maio a cidade caía nas mãos do Infiel. Em 1460 os turcos
devastavam o Peloponeso. Em 1461 extinguiam o Império dos Comnenos em
Trebizonda. A união entre a Roma Imperial e a Grécia Cristã tornou-se
irreparavelmente algo do passado.
III. A CONSTITUIÇÃO IMPERIAL
E O REINO DO DIREITO

O Império Bizantino sobreviveu por 1.100 anos graças exclusivamente às


virtudes de sua constituição e administração. Poucos Estados foram organizados
de modo tão bem adequado à época e visando cuidadosamente a impedir que o
poder permanecesse em mãos incompetentes. Essa organização não foi obra
consciente e deliberada de um único homem ou de um único período.
Fundamentalmente, foi uma herança do passado romano, adaptada
continuamente e suplementada no decorrer dos séculos, para atender a
exigências várias.

O império era uma autocracia absoluta, A diarquia que Augusto estabelecera


tendo o Senado como parte não durou muito. Seu último traço só desapareceu, é
certo, em fins do século IX: desde a época de Diocleciano, porém, o imperador
reinava, de fato, sozinho. Era a autoridade absoluta no império. Podia nomear e
demitir todos os ministros a seu bel-prazer; dispunha de um controle financeiro
completo; a legislação estava apenas em suas mãos; era o comandante-chefe de
todas as forças imperiais, Era, além do mais, chefe da Igreja, alto sacerdote do
império. Sua política e seus caprichos moldavam o destino de milhões de
súditos, No princípio do império, seu título fora de Imperador, ou Augusto,
Augusto continuou a ser usado como título até o fim do império, mas Imperador,
com sua sugestão militar, foi gradualmente dando lugar, à medida que o império
se orientalizava, a Autocrata, com sua implicação mais absoluta. Mas, a partir da
época de Heráclio, o nome habitualmente dado ao imperador era Basileus, o
velho nome grego para rei, e que nos anos mais recentes só havia sido dado ao
rei da Abissínia, quando lembrado, e ao grande rival do imperador e seu modelo
como autocrata, o rei Sassânida da Pérsia. E é significativo que o título de
Basileus comece a ser usado pelo imperador em 629, exatamente após a derrota
final dos persas. (13)
Embora não houvesse qualquer restrição constitucional ao seu poder, a
autocracia do rei era limitada. Reconhecia sempre sua obrigação de respeitar as
leis fundamentais do povo romano e, no fundo, flutuava a ideia de que a
soberania era do povo, que apenas delegara poderes ao imperador. Justiniano, na
Lex De Império afirma expressamente que o povo transferiu sua soberania para
o imperador. É improvável que tal lei fosse conhecida em séculos mais recentes,
mas a ideia perdurava. Em 811 o agonizante imperador Estaurácio, atormentado
pela luta que sua mulher e sua irmã travavam pela sucessão, ameaçou devolver o
império ao povo — fundando uma democracia cristã —- mas seu esquema foi
considerado impraticável. Todavia a soberania final do povo conseguia
expressar-se. Em primeiro lugar, o trono era eletivo, em segundo lugar havia o
que Mommsen chamou de “direito legal de revolução”, direito esse que o
Patriarca Nicolau, o Místico, não teve medo de expressar, no século X.

Os eleitores do império eram o Senado, o Exército e o Povo de Constantinopla.


Todo imperador tinha de ser aclamado por essas três entidades, antes do rito da
coroação. Passava, então, a ser absoluto enquanto seu governo se mostrasse
satisfatório; se fosse incompetente, qualquer uma daquelas três entidades poderia
proclamar um novo imperador. Habitualmente, era o exército, ou parte dele, que
assim fazia, tal como no caso de Focas, Leão o Isáurio, Leão o Armênio, e
muitos outros em toda a história bizantina. Se o imperador assim escolhido
pudesse convencer o Senado e o povo de Constantinopla a aceitá-lo, sua
usurpação se legitimava. Por vezes, porém, o imperador era destronado em
consequência de uma conspiração palaciana. Nesse caso, o usurpador tecia suas
intrigas para surgir como candidato do Senado e se fazia aclamar, logo que
possível, pelas tropas residentes em Constantinopla, como no caso de Nicéforo I
ou Miguel I. Se o trono se tornava vago em épocas de paz, era habitualmente
uma proclamação do Senado que anunciava o novo imperador, mas o Senado
agia, em tais casos, invariavelmente como um instrumento de algum general ou
facção, tal como em 457, ao proclamar Leão I, sob a imposição de Áspar.
Ocasionalmente, porém, o povo de Constantinopla tomava a si a questão. Em
944 foi o clamor popular que colocou no trono Constantino VII. Em 1042 foi o
povo que arrastou Teodora de seu convento para reinar ao lado de sua irmã Zoé.
Em 1185 foram os levantes populares que derrubaram Andronico I e colocaram
Isaac Ângelo em seu lugar.

Mas o princípio eletivo tinha, na prática, uma grande modificação. Era parte da
soberania do imperador o direito de escolher outro imperador. Assim, não
haveria nunca uma interrupção no governo do império. Os eleitores tinham,
apenas, de dar seu consentimento formal pela aclamação, que nunca foi negado.
A grande maioria dos imperadores subiram ao trono por já terem sidos coroados
ainda em vida de seu predecessor; a sequência era ainda mais preservada pelo
fato de que na ausência do imperador a imperatriz podia dispor do trono. Não
havia limites para o número de imperadores que podiam coexistir. Sob Romano
I, houve cinco. Sob Constantino IV, o exército exigiu três, pensando, com uma
religiosidade admirável, que o imperador devia seguir o exemplo de seu
protótipo, a Deidade. Mas só um Imperador exercia o poder, o Autocrator
Basileus (14). Os outros nada faziam, mas com a morte do autocrata, o
imperador mais antigo automaticamente assumia o poder imperial. Era possível
dessa forma estabelecer dinastia que perduravam enquanto seu representante
fosse competente — e até mesmo por mais tempo, O caso da Imperatriz Zoé
mostra como o sentimento dinástico podia medrar nessa monarquia eletiva,
mesmo quando despertado por um rei evidentemente indigno.

Depois de ter sido eleito ou escolhido como co-imperador, restava-lhe ainda ser
coroado, o que dava uma sanção religiosa à sua autoridade, para que pudesse
realmente executar as funções de vice-rei de Deus na Terra. A ideia de um
diadema e de uma coroação veio dos persas, cujo rei era coroado pelo Sumo
Sacerdote Mago. Mas quando Diocleciano adotou o costume, já sendo Pontífice
Máximo, dispensou o auxílio de outro sacerdote, e seus sucessores cristãos
seguiram-lhe o exemplo. A coroação era executada por um destacado
representante dos eleitores. Valentiano I foi coroado pelo prefeito da cidade. Aos
poucos, predominou o sentimento de que o patriarca de Constantinopla era a
figura representativa mais adequada, pois ocupava o posto mais alto sob a Coroa.
Marciano provavelmente foi coroado pelo patriarca, e Leão I certamente o foi.
Daí para o futuro, passou essa a ser a regra. A única exceção foi o último
imperador, Constantino XI, mas seu caso é inteiramente excepcional, por ter sido
coroado em Mistra. Em todas as esferas, o patriarca agia como o cidadão mais
importante do império, não como um sacerdote. Focas, foi, realmente, o primeiro
imperador a ser coroado numa igreja. Consequentemente, quando se coroava um
co-imperador, o imperador já existente perfazia a Cerimônia, embora o patriarca
pudesse ajudar, particularmente quando o imperador titular era um menor. O
patriarca podia ocasionalmente exigir concessões do imperador, antes de
consentir em coroá-lo, e nesse caso agia oficialmente como representante do
povo. Sua única arma legítima contra o imperador era a ameaça de excomunhão,
e até mesmo essa era posta em dúvida. Por vezes, porém, exigiam-se certas
promessas de um imperador, antes de sua coroação. Anastásio, cuja ortodoxia
era suspeita, teve de garantir por escrito a manutenção da organização
eclesiástica existente e a isenção de ressentimentos contra seus antigos inimigos;
outros imperadores, posteriores, que gozavam fama de heterodoxos, foram
obrigados a declarações semelhantes. No governo dos Psicólogos houve um
juramento de coroação regulamentar, no qual os imperadores prometiam
observar os decretos dos Concílios Ecumênicos e as várias doutrinas e direitos
aceitos pela Igreja, a legislar com justiça e moderação, e a reprovar tudo o que
fosse anatematizado pela Igreja. Após o século V, teria sido impossível a um
herege declarado tornar-se imperador-

A coroação realizava-se desde o século VII em Santa Sofia; era presenciada pelo
Senado e representantes do exército e do povo que aclamavam o novo
imperador, na igreja e nas suas imediações. Antes, realizava-se no Hebdomon,
fora da cidade. A cerimônia, detalhadamente descrita por Constantino VII, foi
seguida, com pequenas alterações, pelos Paleólogos, que introduziram o hábito
ocidental da unção (15). Realizavam-se, por vezes, cerimônias adicionais para
fortalecer os direitos dos menores. Governadores de “temas”, ministros, e todas
as pessoas de certa importância, bem como todos os soldados da capital e
representantes de todas as classes de cidadãos, especialmente das corporações,
tiveram de prestar um juramento solene de fidelidade ao menino-imperador,
Constantino VI, na véspera de sua coroação.

Entendia-se que a coroação dava ao imperador sua posição como semideus,


como vice-rei do Todo-Poderoso. O imperador tinha em grande conta sua
posição de chefe da Igreja Cristã. “Sou imperador e sacerdote”, escreveu Leão, o
Isáurio, ao papa, que pretendia ser o representante “a quem Deus ordenara cuidar
do rebanho como Pedro, príncipe dos Apóstolos”, com que o papa concordou,
desde que o imperador permanecesse ortodoxo. Na época de Basílio I era
costume tonsurar o filho e herdeiro do imperador pouco depois de seu
nascimento, como se o fossem ordenar. Justiniano I conquistou para o imperador
o direito de formular pronunciamentos doutrinários, e já fazia parte de suas
funções presidir os Concílios da Igreja ou designar um presidente, em seu lugar.
O patriarca era, na prática, indicado por ele. Até mesmo os papas, enquanto
durou o Exarcado de Ravena, só eram eleitos depois de obtida a permissão do
vice-rei imperial. Essa posição teocrática levou o imperador a julgar que recebia
seu império de Deus. “Recebeste a coroa de Deus, pelas minhas mãos”, disse
Basílio I a seu herdeiro Leão VI. Isso não significava, porém, o esquecimento da
Lex De Império. O povo era ainda o eleitor e podia tomar o império das mãos do
governante; mas o povo era a comunidade cristã. O imperador obtinha o poder
como representante da comunidade cristã e era pela coroação indicado como
Sumo Sacerdote. Podia, portanto, pretender com razão estar em relação direta
com Deus, a fonte de todo o poder. A ideia coadunava-se com o misticismo da
época, e ninguém a teria contestado, no império. Nessas circunstâncias, era
necessário ao imperador manter um prestígio muito elevado. Era sua presença
todos deviam prostrar-se, até mesmo os embaixadores estrangeiros. Podia vir a
ser destronado, mas até que isso acontecesse, a lesa-majestade constituía crime
muito sério. A criada que acidentalmente cuspiu, do alto de uma janela, no
caixão da Imperatriz Eudóxia, quando este era levado do Palácio para o sepulcro,
foi condenada à morte na própria tumba da imperatriz, em 412. Para intensificar
esse prestigio, idealizaram-se as numerosas cerimônias formais descritas por
Constantino VII, e imperadores inventivos como Teófilo demandavam a
cooperação da arte e da ciência, sentando-se num trono que ia até o teto,
cercados de pássaros canoros e leões rugidores, todos de ouro.

Todas essas cerimônias e o trabalho que devia superintender como chefe da


Igreja e do Estado ocupavam integralmente o tempo do imperador, exigindo dele
atenção e atividade. Os eunucos não podiam ser imperadores, e os cegos eram
considerados incapazes de reinar, embora Isaac Ângelo tivesse voltado ao trono
sem a visão. Uma criança podia tornar-se o imperador único, mas nesse caso
haveria um regente. É possível que as mulheres não fossem consideradas como
capazes para a tarefa imperial, especialmente pelo fato de que, teoricamente, não
podiam ser sacerdotes e nem conduzir, na prática, um exército. Não obstante,
nenhum impedimento constitucional havia ao exercício da autocracia pela
mulher. A posição de imperatriz, a Augusta, (16) era excepcional, segundo as
nossas noções modernas. A existência de uma correspondência feminina para o
imperador era considerada necessária para fins cerimoniais, mas a imperatriz não
era necessariamente a mulher do imperador. Tinha ela de ser especialmente
coroada e aclamada, embora a cerimônia se realizasse no Palácio, e não na igreja
— exceto quando era coroada simultaneamente com o imperador. Quase
invariavelmente, a mulher do imperador era elevada a imperatriz com o
casamento, ou com a ascensão de seu marido, mas o número de imperatrizes era
ilimitado, e o posto podia ser estendido a outros parentes imperiais. Pulquéria, a
irmã de Teodósio II, foi coroada no início do reino de seu irmão, Teófilo e Leão
VI coroaram suas filhas, e Aleixo I, sua mãe. (17) A coroação dava à imperatriz
uma participação na soberania, que chegava mesmo à participação no governo.
Teodora comparecia às reuniões do Conselho de Justiniano, embora se
desculpasse por usar da palavra. Se o imperador desaparecia, todo o Imperium
recaía sobre ela, que podia escolher o sucessor ao trono. Foi assim que Pulquéria
indicou Marciano e Ariadne indicou Anastásio, e pelo mesmo princípio subiram
ao trono os sucessivos maridos de Zoé. A soberania da imperatriz também se
evidenciava no caso de uma regência. Se o imperador era incapaz de governar,
por ser muito jovem ou doente, e não havia outro imperador, a imperatriz exercia
integralmente a soberania como uma consequência natural do impedimento.
Pulquéria governou por seu irmão mais moço, Sofia o fez por seu marido louco,
Justino II, até a nomeação de um César. E, em toda a história do império, vemos
que a imperatriz-mãe, quando existia, agia como regente durante parte, quando
não toda, a menoridade dos meninos-imperadores. Mas o que acontecia, quando
não havia imperador e a imperatriz não se animava a indicar outro? A situação
tornava-se incerta. Irene, depois de ter afastado e cegado seu filho, decidiu reinar
sozinha, o que constituía mais ou menos uma inovação, e nos documentos
oficiais ela foi chamada de Irene, o imperador. Não havia nenhuma restrição
constitucional a isso, e ela acabou sendo derrubada não devido ao sexo, mas
devido à sua má saúde. Sua prima, Teófano, mulher de Estaurácio, pretendeu
suceder o marido, mas falhou. Em 1042, porém, encontramos duas imperatrizes,
Zoé e Teodora, exercendo conjuntamente a soberania — o único momento em
que a autocracia foi dividida. Mas, quando Zoé nomeou um imperador, as duas
mulheres lhe cederam, automaticamente, o lugar. Quando ele morreu, porém,
Teodora reassumiu integralmente o poder e indicou, no leito de morte, seu
sucessor. Nunca se considerou que esses reinados femininos fossem ilegais.

Se, porém, a imperatriz-reinante ou regente se mostrasse incompetente, uma


revolução daria fim a ela. Irene caiu quando não pôde mais controlar seus
ministros, a regente Zoé Carbopsina quando sua orientação política findou num
desastre. Para um caso como o último, quando ocorria uma emergência durante
uma menoridade, encontrava-se solução engenhosa. Certos imperadores
nomeavam, no leito de morte, conselhos de regência. Teófilo designou duas
pessoas para trabalhar com Teodora, e Alexandre indicou sete regentes sobre a
presidência do patriarca. Mas tais conselhos não eram satisfatórios. A partir do
século X, tornou-se hábito frequente, durante um reinado de menor, que um
general ou almirante de prestigio ocupasse o trono como imperador-regente,
desfrutando a autocracia total, mas preservando os direitos de legitimidade do
imperador. O imperador-regente habitualmente legitimava sua posição casando-
se na família imperial. Romano Lecapeno, o primeiro deles, casou sua filha com
o imperador, exemplo seguido por João Cantacuzeno. Nicéforo Focas e Romano
Diógenes casaram-se com as viúvas de seus predecessores e com o auxílio delas
obtiveram o trono. João Tzimices pretendia fazer o mesmo, mas a Igreja
protestou — a mulher era Teófano, sua cúmplice no assassinato de Nicéforo
Focas — e por isso ele se casou com a tia do imperador. Essas usurpações eram
aceitas, mas em caráter temporário. Quando os Lecapenos e os Cantacuzenos
tentaram fundar dinastia, a desaprovação pública destruiu-lhes os projetos. O
imperador legítimo, o Porfirogêneto, nascido na Câmara Purpúrea, onde ocorreu
o parto da imperatriz, teve seu direito reconhecido. Os poderes constitucionais
dos eleitores do império, o Senado, o exército e o povo não desapareciam
inteiramente com a escolha do imperador. O exército mantinha, necessariamente,
uma grande influência prática. Mas tanto, o Senado como o povo haviam
herdado do passado vagos direitos teóricos, que nos primeiros séculos do
império encontraram uma expressão definida.

O povo de Constantinopla fora organizado, em época que não conhecemos, em


quatro divisões, ou demes (18), chamados Azul, Verde, Branco e Vermelho, e
gradualmente os dois últimos se fundiram com os primeiros. Tais divisões
podem ser descritas como entidades municipais com governo próprio,
subdivididas ainda em entidades civis e militares, as primeiras chamadas
Políticas e governadas por um demarca, e as segundas, Peráticas, governadas por
um democrata. As Políticas provavelmente se ocupavam de obrigações civis,
como a manutenção dos jardins públicos ou as precauções contra incêndios; as
Peráticas tinham certamente a incumbência de agir como guarnição territorial da
cidade. O Circo de Constantinopla esteve, durante algum tempo, nas mãos dos
demes, e todos os acontecimentos circenses se resumiram na competição entre
partidários dos Azuis e dos Verdes, ambos dotados de enormes organizações de
espetáculos, tendo cada qual a seu lado uma parte da população que apreciava o
circo. Os demes, como as entidades pelas quais a cidade se expressava,
tornaram-se muito poderosos em fins do século V, e durante o século VI
ameaçaram frequentemente o Estado. Afortunadamente, os Azuis e os Verdes
tinham ciúmes mútuos e adotavam sempre posições antagônicas. Os Verdes, por
exemplo, favoreciam o monofisismo, em oposição à ortodoxia dos Azuis. Isso
possibilitou ao imperador, ansioso por eliminar as organizações que não podia
controlar, jogar um grupo contra o outro.

Por vezes, não obstante, eles entravam em acordo. Juntamente com o exército,
insistiram para que Justino I fosse levado ao trono. Em 532 os pesados impostos
e taxas urbanas de Justiniano levou-os a se unirem contra ele nos levantes de
Nica. Justino II, controlado pelos aristocratas, tentou limitá-los, mas Tibério
julgou mais prudente dar-lhes força e lançá-los contra a aristocracia. Maurício
caiu em grande parte por tê-los ofendido, tentando impor às Peráticas novos
deveres militares. A posição constitucional desses grupos se evidencia pelo
modo com que Justiniano teve de parlamentar com eles e ouvir sua opinião no
Hipódromo. Durante o século VII a força dos demes feneceu, e após a ascensão
dos isáurios, as Políticas tornaram-se organizações puramente nominais, que
representavam o povo nas ocasiões solenes. Os demarcas dos Azuis e dos
Verdes tinham na corte a posição de titulares de sinecuras. As Peráticas, por sua
vez, tornaram-se o núcleo dos guardas palacianos e da guarnição da cidade, que
formavam o exército imperial, em oposição ao exército provincial. Com o
declínio dos demes, o povo de Constantinopla perdeu seu meio constitucional de
expressão. Seus desejos só se podiam expressar, a partir de então, pela agitação e
pelo motim.

O Senado, por outro lado, não desapareceu nunca, embora seus dias gloriosos
tivessem sido os dos séculos VI e VII. (19) O Senado de Constantinopla jamais
foi como o velho Senado Romano. Mesmo quando em 359 passou a gozar dos
mesmos privilégios desfrutados pelo Senado de Roma — tornando-se assim um
eleitor oficial — sua composição permaneceu diversa e destituída da tradição do
outro. Até mesmo seu nome era menos venerável — no grego, foi traduzido não
como gerousia, mas sim sugklétos, a assembléia. O Senado de Constantinopla
era formado de pessoas que ocupavam, ou tinham ocupado, cargos de certo nível
e situação social e por seus descendentes. Era, portanto, um amplo organismo
amorfo, incluindo gente de destaque, de riqueza e de responsabilidade no
império.

Os verdadeiros poderes do Senado não eram bem definidos. Os senadores


gozavam de certos direitos e vantagens, concedidos pelo velho direito romano e
em sua maioria confirmados por Justiniano. Numa tentativa de manter a
respeitabilidade, os senadores estavam proibidos de se casarem com atrizes, até
que Justiniano, comprometido com a comediante Teodora, fez com que seu tio
Justino I repelisse a medida. Mas na prática o poder do Senado estava no fato de
ser uma organização semiconstitucional que expressava o pensamento das
camadas afortunadas e mais influentes do Estado. Assim, quando o imperador
era fraco, o Senado parecia a autoridade mais séria do império. Durante o fim do
século VI e o século VII, teve destaque particular. Justino II era um instrumento
em suas mãos. Heráclio, que conquistou o trono como seu candidato, tratou-o
com grande deferência. Quando partiu para as Guerras Persas, deixou como
regente seu filho de dez anos, sob a tutela do patriarca e de um senador, que, na
verdade, era também magister officiorum; em 614 uma embaixada imperial foi
enviada à Pérsia em nome do Senado, na suposição de que isso lhe dava maior
importância do que o nome do imperador. Alguns anos mais tarde, Constante
agradeceu formalmente ao Senado por seu auxílio contra a Imperatriz Martin a e
pediu-lhe cooperação no futuro. Mas em fins do século VII a força do Senado
declinou. A tirania de Justiniano II exerceu-se, em grande parte, sobre ele; e,
embora o triunfo de Leão, o Isáurio, representasse a vitória da aristocracia, ele
mesmo, como imperador, não tolerava qualquer interferência do Senado. Os
poderes senatoriais foram diminuindo até que Leão VI os aboliu, e ao fazê-lo
tão-somente consagrou um estado de coisas já existente. O Senado continuou
apenas como um órgão que o imperador podia convocar como testemunha
respeitável de seus atos. Assim, quando Teodora abdicou à regência, em 856,
convocou-o para comprovar como deixava repleto o Tesouro, e Basílio I, ao
assumir o governo onze anos mais tarde, abriu o Tesouro novamente em
presença do Senado, para mostrar como estava vazio. Até o fim do império,
esteve presente praticamente a todas as cerimônias importantes em
Constantinopla, como, por exemplo, na entrevista de Romano I com Simeão da
Bulgária. Aleixo I consultava-o em questões de política, e sua autorização
formal era necessária para a cerimônia de coroação. A expressão “ingressar nas
fileiras senatoriais” era usada para os nobres que envelheciam. Sua importância
política, porém, jamais reergueu-se. A nova aristocracia do século XI tinha
espírito mais militar e preferia agir através do exército.

Havia, porém, uma restrição à autoridade constitucional do imperador muito


mais poderosa e duradoura do que o Senado ou os demes. Era o Direito (20). O
imperador era a fonte de todo o Direito, mas no entanto, paradoxalmente, o
Direito permanecia como algo acima dele. Porque nenhuma autoridade poderia
pedir-lhe contas, Justiniano recebeu de Agapeto a solicitação de ser mais
cauteloso e respeitar as leis. Leão, o Isáurio, declarou que era dever do
imperador manter os ensinamentos das Escrituras, dos atos dos Sínodos da Igreja
e do Direito Romano. Basílio I reconheceu a soberania do Direito com
expressões ainda mais firmes.

Tendo o Direito uma posição tão reverenciada, era essencial que fosse
codificado de modo claro e cuidadoso. A era da codificação iniciou-se com
Diocleciano. Cerca do ano 300 dois advogados, Gregório e Hermogeniano,
realizaram compilações sucessivas da legislação do último século. Cem anos
mais tarde, Teodósio II iniciava um esquema de codificação geral de todo o
Direito Romano, embora não tivesse ido além de uma série de constituições
imperiais, que abrangiam apenas uma limitada área do campo. Por fim
Justiniano, irritado pelas repetições e contradições, obscuridades e
desatualização de grande parte do Direito existente, determinou a reorganização
de toda a sua estrutura. Eficientemente auxiliado por seu Questor, o advogado
Tribônio, nomeou dez pessoas para esboçarem, com a maior rapidez possível,
um código que consubstanciasse a legislação existente, e que foi baixado em
529. Em seguida, dezesseis peritos foram nomeados para compilar, das duas mil
obras de grandes juristas do passado, todas as passagens ainda relevantes e úteis
no presente, ao mesmo tempo preservando para a posteridade as opiniões das
melhores autoridades sobre as bases legais em que se firmava o Estado Romano.
Essa enorme compilação, conhecida como o Digesto, foi publicada em 533,
constituindo a autoridade final sobre todas as questões legais. Ao mesmo tempo,
preparou-se um manual para os estudantes, naquele mesmo ano, incluindo os
aspectos mais recentes da legislação imperial. E em 534 fez-se uma nova edição
melhorada do código de Justiniano. Apesar de tudo isso, sua atividade no setor
da legislação não estava concluída. A partir de 534 até o fim do reinado,
publicou uma longa série de leis suplementares, as Novellae. Quando deixou o
trono, havia atualizado e revisto todo o Direito Romano.

As leis que Justiniano promulgava estavam ainda dentro do Direito Romano.


Mesmo os adendos e emendas enquadravam-se melhor no espírito desse direito
do que no espírito cristão. Apesar da oposição da Igreja, foram mantidos o
divórcio e a escravidão. Justiniano considerava-se orientado por um espírito de
“humanidade, bom senso e utilidade pública”, e sua “humanidade” era
essencialmente prática. Justiniano aboliu o noxae deditio, segundo o qual as
crianças podiam ser vendidas como escravas pelos país como compensação por
qualquer dano que tivessem provocado, e para abolir tal uso alegou que “de
acordo com a opinião justa de nossa sociedade moderna, crueldades desse tipo
devem ser eliminadas”. Os direitos das mulheres foram por Justiniano muito
melhorados, como, por exemplo, o de ter a esposa bens proporcionais ao seu
dote e o de ficar a viúva como guardiã dos filhos, muito mais no espírito da
Imperatriz Teodora do que no dos ensinamentos de São Paulo. Um dos tributos
notáveis que o respeito pelo Direito Romano recebeu dos bizantinos foi o fato de
ter sido necessário muito tempo para que os desejos da Igreja Cristã influíssem
nas leis, por mais religiosos que fossem os bizantinos.

Justiniano fortaleceu ainda mais sua obra jurídica reformando as escolas de


Direito. Muitas foram fechadas. Somente concentrando o ensino das leis nas
Universidades de Constantinopla, Beirute e Alexandria podiam as autoridades
manter em bom nível o conhecimento exigido para obter o diploma. Poucas
décadas mais tarde as conquistas árabes fizeram com que o conhecimento
jurídico se limitasse, no império, apenas à Capital, praticamente.
Justiniano pretendia que suas reformas jurídicas fossem tão completas que não
demandassem quaisquer comentários posteriores. Sua ambição não se realizou
porém, e muitas obras jurídicas foram escritas no decorrer do século seguinte.
Seu código civil, entretanto, permaneceu em vigor até o reinado de Leão, o
Isáurio, homem pio, e cuja piedade o levou, na esfera da teologia, à heresia
iconoclasta, e, na esfera no direito, à humanização de todo o código. Durante o
agitado século VII o estudo do Direito decaíra e o momento se prestava a um
novo código. Em 739 Leão promulgou sua Ecloga, destinada, segundo disse, a
introduzir no Direito os princípios cristãos.

Nas leis criminais, o cristianismo se fez sentir pela restrição da pena de morte e
sua substituição pela mutilação. No Direito Civil, sua influência evidenciou-se
pela legislação do casamento. Só o casamento cristão passou a ser reconhecido,
os motivos para divórcios foram reduzidos a quatro (21), embora não tivessem
sido inteiramente abolidos, tal como desejava a Igreja. Os graus de parentesco
proibidos foram aumentados de quatro para seis: foi proibido o casamento de
primos em segundo grau. A Ecloga melhorou ainda mais a posição das
mulheres: a esposa tinha participação igual à do marido nos bens do casal e na
guarda dos filhos, que por sua vez foram emancipados do Patria Potestas. A
Igreja obteve o controle da guarda dos órfãos.

Mais ou menos na mesma época surgiram três manuais não oficiais, abrangendo
ramos suplementares do Direito: o Código Militar, o Código Náutico ou Rodiano
e o Código Agrícola, cada um deles ilustrando os hábitos e costumes da época.

O grande período de atividade legislativa seguinte ocorreu após a ascensão de


Basílio, o Macedônio, que, para desfazer a obra dos odiados isáurios e ao mesmo
tempo enfraquecer a Igreja, preparou-se para retornar ao direito justiniano. Logo
no início de seu reinado, publicou um manual, o Procheiros Nomos, para
substituir a Ecloga, até que seus peritos preparassem um código inteiramente
novo. Pouco mais tarde, compilou um manual revisto, a Epanagoge, que não
chegou nunca a ser completado ou promulgado. Coube a seu filho Leão VI
promulgar todo o direito emendado, na Basílica, que passou a ser uma obra de
autoridade sobre o Direito Imperial e foi suplementada por Leão com várias
Novellae.

A legislação macedônica foi um retorno consciente ao justinianismo. Na


verdade, porém, grande parte da obra isáuria perdurou. O código criminal levou
mais longe a brandura relativa. No Direito Civil, embora a ascendência do pai e
do marido tivesse revivido um pouco, na prática conservaram-se as disposições
da Ecloga relativas à família. Basílio foi menos acomodatício para com a Igreja,
de cuja guarda retirou os órfãos, e cujo cavalo de batalha, o divórcio, foi
facilitado.

Depois da Basílica, nenhum novo código foi promulgado. A tarefa dos


advogados era auxiliada apenas por uma série de epítomes, começada com a
interessante Ecloga Legum, publicada em 920, e culminando com a confusa e
mal compilada Hesabiblion, de Harmenópulo, publicada em cerca de 1345. As
atividades legislativas dos imperadores consistiram de medidas isoladas,
dirigidas principalmente contra os grandes proprietários de terra, ou a favor ou
contra a Igreja, que começava finalmente a influir no Direito. Mesmo no reinado
de Leão VI, ela pôde derrotá-lo na questão da repetição do casamento, (22)
Constantino VII concedeu-lhe um terço das propriedades dos espólios sem
herdeiros. Nicéforo II tentou, sem êxito, restringir seus direitos legais. Sob os
Comnenos conquistou o direito de tratar de um número superior de processos, e
intensificou-se a tendência de ampliar a jurisdição eclesiástica. Em
consequência, o Direito Canônico começou a ser mais estudado. Já havia surgido
o Synlagma, compilação do Direito Canônico atribuída a Fócio, mas a grande
obra sobre o assunto foi a Exegesis Canonum de Balsamão, Patriarca de
Antióquia, publicada em cerca de 1175. Esse trabalho, como a Basílica,
permaneceu — e ainda permanece — como uma autoridade no Oriente. Foi ele
seguido de uma série de epítomes, nenhum deles de grande importância, exceto
o Synlagma Canonum do monge Mateus Blastares, escrito em 1335.

O conhecimento do Direito era considerado essencial para as autoridades


imperiais. Nem sempre, porém, existiam facilidades para a sua aquisição. Não se
sabe por quanto tempo funcionaram as escolas de Direito criadas por Justiniano,
nem que papel tinha ele na Universidade fundada por Bardas no século IX.
Quando a cultura bizantina estava em seu apogeu, no século XI, o Imperador
Constantino Monômaco achou que o ensino jurídico era tão ruim que fundou em
1045 uma escola especial de Direito, que proporcionava uma excelente educação
e que provavelmente durou até 1204. As facilidades para o estudo da lei, sob o
regime dos Paleólogos, não são conhecidas.

O Direito romano-bizantino estava em transformação, e suas concepções


fundamentais e emendas posteriores frequentemente eram desconhecidas, ou mal
compreendidas, pelos cidadãos do império. Não obstante, continuou sendo uma
parte essencial da Constituição imperial, a única autoridade a que o próprio
imperador se deveria curvar. Os tribunais de justiça tinham precedência sobre a
corte imperial. O senador que jantou com o Imperador Justino II, ao invés de
comparecer a uma sessão do tribunal, foi punido por isso. No século XIV, o
jovem Andronico, convocado a comparecer, como rebelde, à presença de seu
avô o velho imperador, conquistou a simpatia dos observadores, pedindo para
ser julgado por um poder acima do imperador, o Direito.

A Constituição Imperial, elegendo o imperador pelo Senado, o exército e o povo


de Constantinopla para ser o vice-rei de Deus, mas ao mesmo tempo para
governar segundo o Direito Romano, era sob muitos aspectos ilógica e
incompleta, mas tinha o mérito supremo e essencial de funcionar. Sua eficiência
se ilustra de modo notável pelo fato de que, enquanto no Ocidente numerosos
autores se ocupam em discutir os difíceis problemas da Igreja e do Estado, dos
imperadores, reis e papas e de suas relações mútuas, durante séculos Bizâncio
não necessitou de um único autor de teorias políticas. A Constituição funcionava
muito bem, não necessitando de discussões teóricas. Só nos últimos anos do
império, quando este evidentemente agonizava, foi que os teóricos surgiram com
esquemas para endireitar o mundo — que os fanáticos de Tessalônica
planejaram uma cidade-Estado que combinaria, segundo parece, os ideais
teocráticos do Monte Atos com as práticas mercantis das repúblicas italianas, e
que Gemisto Pléton sonhava fazer no Peloponeso uma comunidade guiada pelo
platonismo e pelas glórias da Grécia antiga.
IV. A ADMINISTRAÇÃO (23)

O tempo do imperador era inteiramente absorvido por suas obrigações. Tinha


que comparecer quase diariamente a uma cerimônia, a uma festa da Igreja, à
recepção de um embaixador, à investidura de um ministro, a uma visita ao
Hipódromo. Entre tais solenidades tinha de despachar com seus secretários e
auxiliares e presidir os conselhos. Habitualmente, também dirigia pessoalmente
o exército. Constantino V e Nicéforo II, por exemplo, saiam todos os verões para
alguma campanha nas fronteiras. Foram realmente muito poucos os imperadores
que não quiseram ser soldados. Dessa forma, restava-lhes escasso tempo para
seus prazeres pessoais. Se, como Miguel III, procurassem divertir-se muito, logo
perdiam o controle da administração e caíam. Leão VI e seu filho Constantino
VII, nenhum deles soldado, conseguiram escrever diversos livros quando no
trono. Não sabemos, porém, até que ponto seus secretários se incumbiam dos
afazeres imperiais. Era difícil ao imperador sair de Constantinopla. Cecaumeno,
que escreveu no século XI uma série de conselhos ao imperador, recomendava
que viajasse e inspecionasse seus domínios. Mas na realidade faltava-lhe tempo
para isso, e Constantinopla controlava de tal forma todo o império que não era
prudente deixá-la, a não ser à frente de um exército. Cecaumeno nota, em outro
trabalho, que quem controla Constantinopla sempre vence uma guerra civil.

Para as questões práticas, o imperador tinha a assistência de um pequeno


conselho, uma espécie de subcomissão não-oficiais do Senado. Ocasionalmente,
vemos tal comissão em atividade, tal como na famosa reunião durante os motins
de Nica, quando o discurso de Teodora salvou o trono de Justiniano, ou quando
em 812 Miguel Rangabé discutiu a conveniência de declarar ou não guerra à
Bulgária, devido ao ataque búlgaro a Mesêmbria. Todos os membros desse
conselho parecem ter sido eclesiásticos, o patriarca, os metropolitanos de Nicéia
e Cízieo e o abade de Estúdio.

O imperador estava à frente de tudo. Depois dele vinham todos os dignitários e


autoridades do império, colocados estritamente segundo sua hierarquia. No
império, tal como na Inglaterra de hoje, havia títulos (que não eram, porém,
hereditários) que davam ao seu possuidor precedência, mas não obrigações, e a
maioria dos altos cargos estatais atribuía a seu ocupantes uma certa posição.
Algumas dessas honrarias, porém, podiam ser compradas abertamente e traziam
certa recompensa material — eram, na prática, uma espécie de seguro feito pelo
Governo. As dignidades e cargos variaram durante os séculos em que o império
existiu, e delas nos ficaram apenas três relatos detalhados — um do século V (a
Notida Dignitatum), um de princípios do século X (o Cleterologium de Filoteu)
e outro do século XIV (De Officiis, erroneamente atribuído a Codino). Dessas
obras, e de referências menos precisas em outras fontes, é possível ter uma ideia
aproximada da administração imperial, embora não se possam descrever
detalhadamente suas várias modificações e desenvolvimento. A tendência mais
ou menos permanente foi tornar honorários os cargos oficiais, com a
burocratização da administração, enquanto os títulos, assim aumentados em
número, iam baixando na escala de precedência, e outros eram criados, no alto.

Os membros da família imperial não ocupavam, como tal, nenhum cargo. Seu
poder estava restrito à influência não-oficial — uma influência sobre cujos
perigos Cecaumeno advertiu o imperador. Raramente trabalhavam na
administração, exceto como soldados, embora habitualmente tivessem altos
títulos. O herdeiro ostensivo era quase invariavelmente coroado imperador ainda
em vida de seu predecessor, se bem que originalmente Diocleciano pretendesse
que tais herdeiros tivessem o título de César. Gradualmente, porém, esse título se
foi tornando menos definido. O César era coroado, mas sua coroa não levava a
cruz, e sua posição hierárquica era inferior à do Patriarca. Era, portanto, uma
situação adequada a um alto príncipe de linhagem, um regente ou mesmo um
herdeiro presuntivo. Tibério, quando regente do louco Justino II, teve o título de
César; Heráclio e Constantino V nomearam seus segundo e terceiro filhos como
Césares, tendo provavelmente em vista uma sucessão pacífica, caso morresse o
primogênito, de saúde delicada; Teófilo fez o mesmo com seu genro Aleixo
Musele, pois na época não tinha filhos e queria fazer dele seu sucessor. Mas a
mulher de Aleixo, Maria, morreu, ele retirou-se para um mosteiro, e Teófilo
coroou a filha Tecla como imperatriz, para que o marido pudesse sucedê-lo.
Finalmente, porém, nasceu-lhe um filho, Miguel, que nomeou César seu tio
Bardas, o regente. Romano Lecapeno tomou tal título como um degrau para o
trono, Nicéforo Focas atribuiu-o a seu velho pai. Com Aleixo I, o título decaiu
um grau, pois a nova honraria de Sebastocrator tomou-lhe precedência. Sob os
Paleólogos, o mais alto título principesco era o de Déspota, que tinha porém um
sentido territorial. César passou à terceira classe. Os demais títulos reservados à
família imperial, até os dias dos Comnenos, eram Nobilíssimos e Curopalates. O
último, entretanto, foi dado como título hereditário ao rei da Ibéria por Leão VI e
foi atribuído a titulares não-reais, francamente, no século XI. Aleixo I inventou
novos títulos, colocados abaixo de César — Sebasto, Protessebastos e Pan-
hipersebasto; os sogros ambiciosos dos imperadores podiam usar o título de
Basileopator. Os portadores de tais títulos, e suas mulheres, podiam sentar-se à
mesa imperial, como também a Zoste Patrícia, a principal dama de companhia,
que habitualmente era, segundo parece, membro da família. (24) O sobrenome
de Porfirogêneto, dado aos filhos da imperatriz, cujos partos ocorriam sempre na
Câmara Purpúrea do Palácio, aparentemente não significava uma posição oficial,
embora seu prestígio fosse enorme.

O título mais alto (25) ao alcance de todos foi, durante muitos séculos, o de
Patrício, inicialmente atribuído com muita parcimônia por Constantino, o
Grande. Gradualmente, porém, o número de Patrícios aumentou, e alguns deles
adquiriram certa precedência, como os Patrícios Antipatos; no século X havia
um título superior, o de Magister, que acabou por se tornar muito difundido,
tendo Nicéforo II inventado o título de Proedro, superior a ele. Abaixo dos
Patrícios, havia no século X outros onze títulos, que na época dos Paleólogos
tinham, em sua maioria, desaparecido. Os numerosos títulos então em uso eram
antigas denominações de cargos. Quase todos os seus portadores haviam
exercido anteriormente uma função, que acabaram perdendo. Os eunucos
dispunham de títulos próprios, privativos. Quando as honrarias eram idênticas,
gozavam de precedência, e dessa forma o eunuco patrício estava em posição
superior aos patrícios comuns. No século X eram oito os títulos dados aos
eunucos. Todos os títulos tinham urna insígnia especial: o Espatário, por
exemplo, tinha uma espada de punho de ouro, o Patrício uma placa de marfim
com inscrições, o Magister uma túnica branca com bordados de ouro.

A ordem de precedência se complicava pelo fato de que os postos, bem como os


títulos, atribuíam uma determinada posição social aos seus titulares. No século
IV o império fora dividido em quatro grandes prefeituras, governadas por
prefeitos pretorianos, que eram a autoridade máxima do governo e dispunham de
poderes de vice-rei, com inteira competência administrativa, financeira e
jurídica. Podiam, até, legislar sobre assuntos de menor importância. Os
governadores provinciais eram nomeados e demitidas por eles, ad referendum do
imperador, e a administração das dioceses e províncias em que as prefeituras se
subdividiam estava sob seu controle, embora os procônsules das províncias da
África e Ásia fossem supervisionados pelo imperador e este pudesse entender-se
diretamente com os vigários ou governadores das dioceses. Não tinham, porém,
o controle do exército, embora os oficiais tivessem que ajoelhar-se à sua entrada.
As capitais, Roma e Constantinopla- estavam cada uma sob a administração de
um prefeito da cidade, posto civil de atribuições bem definidas, imediatamente
inferior, em hierarquia, ao de prefeito pretório, e que era responsável pelo
policiamento e pela ordem da cidade e pela distribuição gratuita do pão. Na
própria corte, na comitiva que cercava o imperador, havia o ministro de assuntos
jurídicos, o Questor do Palácio Sagrado, os dois principais ministros de assuntos
financeiros, o Conde das Dádivas Sagradas, que administrava as rendas e gastos
públicos, e o Conde das Propriedades Privadas que, como o nome indica,
administrava as grandes propriedades pessoais do imperador. O principal
ministro da corte, porém, era o Magister Officii, chefe de todo o serviço civil,
diretor dos Correios Estatais, controlador do serviço secreto, mestre das
cerimônias imperiais e, como responsável pela recepção dos embaixadores,
ministro das Relações Exteriores do império. O imperador tinha também outros
secretários, os Magistri Scrinicrum, ministros de Estado, aos quais o Magister
Officii fornecia pessoal dos seus vários escritórios. Até então, os eunucos
parecem só ter sido empregados como atendentes do imperador. Todo o serviço
público em Ilírico e no Oriente (isto é, no império governado de Constantinopla)
consistia de dez mil pessoas no século V. O exército era organizado
separadamente, sob a chefia de Magistri Militum, dos quais havia, sob Teodósio
I, nada menos de cinco.

Esse sistema inicial de administração não durou muito. As invasões bárbaras do


século V restringiram as proporções do império, alterando também a distribuição
da riqueza entre as províncias. Justiniano tentou reorganizar sua máquina
administrativa. O governo se havia tornado muito corrupto. Durante o século V,
o sistema conhecido como Suffragia era usado nas províncias: o governador
provincial comprava seu posto com somas que eram divididas entre o imperador
e o prefeito pretoriano, e para recuperar com lucro tal importância servia-se dos
impostos locais. Justiniano, a instâncias de Teodora, aboliu a venda de postos e
deu ao governador um salário do qual era obrigado a viver. Restabeleceu-se a lei
que mandava o governador permanecer durante 50 dias em sua província, depois
de deixar o cargo, para responder a qualquer acusação. Elegia-se localmente uma
autoridade, o Defensor Civitatis, para fiscalizar o governador e julgar pequenos
casos legais. As províncias foram redivididas em 536-7. Um sistema curioso
unia as ricas às pobres, para que as primeiras pudessem ajudar as segundas.
Dessa forma, Cária, as Cidades e Chipre eram reunidas numa unidade com os
devastados distritos da Mésia Inferior e da Cítia. Justiniano não introduziu a
uniformidade. Os governadores da Pôntica (devido aos assaltantes) e Capadócia
(devido aos vastos domínios imperiais) tinham poderes disciplinatórios
especiais. Por outro lado, a existência de legislações locais, tal como a Armênia,
eram cerceadas em parte, talvez, pelo fato de que o direito armênio colocava nas
mãos do filho mais velho todos os bens paternos, contrariando o desejo do
imperador de desmembrar as grandes propriedades. Justiniano cumpriu o
preceito de Diocleciano, obrigando os filhos a seguirem a profissão dos pais,
particularmente no amanho da terra. Chegou mesmo a nomear um funcionário
especial, o Quesitor ou Questor, que impedia a entrada de provincianos em
Constantinopla, quando não em negócios, e que obrigava os vagabundos da
cidade a trabalhar nas padarias ou fábricas estatais. Mais espetacular, porém
menos importante, foi a abolição do consulado por Justiniano. Desde os
primeiros dias do império, dois cônsules eram nomeados anualmente, numa
continuação apenas nominal do velho sistema republicano. Era, porém, um cargo
apenas honorário, e extremamente caro. O ano era ainda chamado segundo os
nomes dos cônsules. Tudo o que lhes competia fazer era distribuir donativos e
verbas para os jogos e espetáculos. Um ano no cargo custava ao cônsul mais de
CrS 60.000.000,00, soma que quase invariavelmente era paga pelo Tesouro
Imperial, pois nenhum particular poderia arcar com ela. Justiniano procurou
fazer com que a doação de esmolas fosse voluntária, mas ninguém teve a
coragem bastante de não ser generoso, e por isso, após 542, não nomeou mais
cônsules. Por algumas décadas, os anos foram datados a partir do último
consulado. Justiniano introduziu, porém, um novo sistema de datar pelo ano de
reinado do imperador — sistema provavelmente copiado aos vândalos — e pelo
ano da Indição, o ciclo de quinze anos iniciado por Diocleciano, com o objetivo
de cobrança de impostos. Esse sistema foi empregado em toda a história do
império, a partir daí. Mais tarde, porém, o Annus Mundi (o mundo foi criado em
5508 a. C.) era dado ao lado, ou em substituição, ao ano do governo do
imperador.

Os problemas enfrentados pelo império em fins do século VI e no século VII


demandavam uma nova organização. Justiniano já havia acalentado a ideia de
militarizar os governadores provinciais. Ao reconquistar a África, nomeou para
lá um homem que reunia os postos de Magister Militum e de prefeito. Colocou
na Itália um vice-rei conhecido como exarca, que dentro em pouco se tornava
uma autoridade militar com poderes civis. Tais nomeações, porém, só eram
feitas para as províncias que corriam perigo de guerra e invasões. Às guerras
persas e árabes do século VII mostravam que nenhuma província estava imune a
tais perigos; até a Ásia Menor, o coração do império, teve de ser colocada em
permanente estado de defesa. Tornou-se um hábito estacionar certos regimentos
ou themata, permanentemente, em certos distritos, e dar aos generais que os
comandavam poderes civis sobre os habitantes. Aos poucos, os distritos
passaram a ser conhecidos coletivamente como themata, ou “temas”, e cada qual
tomou o nome do regimento nele acampado. Assim, em fins do século VII havia
grandes áreas na Ásia Menor, conhecidas como o “tema” bucclário, o anatólio, o
opsício, o trácio, e assim por diante, segundo os regimentos dos bucelários, dos
anatólios, dos obséquios e dos trácios. Leão, o Isáurio, aperfeiçoou o sistema,
subdividindo os “temas” asiáticos e estendendo-os à Europa. Estes últimos, não
tendo origem em regimentos, receberam nomes geográficos, embora
ocasionalmente a evolução histórica fizesse com que a Geografia errasse. Foi
assim que o “tema” macedônio foi reduzido pelas invasões búlgaras a um distrito
em torno de Adrianópolis, enquanto os “temas” da própria Macedônia,
instituídos pouco mais tarde, eram chamados de tessalonicenses e de “tema” de
Estrimon. A Calábria era, no século X, denominada o “tema” siciliano, pois fora
parte da Sicília antes da conquista árabe. Quando as conquistas dos séculos IX e
X aumentaram o território do império, criaram-se novos “temas” de acordo com
as necessidades.

No fim do século IX encontramos uma descrição da organização imperial por


Filoteu, e duas listas árabes de “temas”, mostrando a existência de 25 deles
divididos em dois grupos, o Oriental e o Ocidental. O primeiro era formado
pelos “temas” asiáticos, inclusive a Trácia e a “Macedônia”, excluindo porém os
chamados “temas” marítimos. O segundo grupo era composto dos “temas”
europeus, incluindo os marítimos, Quersônia (Crimeia), Dalmácia e “Sicília”. Os
generais, ou strategi, do primeiro grupo tinham um salário fixo, dado pelo
governo central, e sua posição era superior à dos generais do outro grupo, cujos
salários eram pagos pelos impostos locais. O strategus de Quersônia tinha uma
classe própria. (26) O chefe de todos eles era o estratego do “tema” anatólio,
cujo posto descendia do posto de Magister Militum do Oriente. Desfrutava
sempre precedência especial, e durante o século VIII e princípios do IX, era esse
o posto militar mais importante. Os “temas” se subdividiam em dois ou três
tourmai, que por sua vez se desmembravam em três moirai ou drouggoi. O
strategus tinha onze classes de oficiais para auxiliá-lo tanto no governo civil
como militar. Seus poderes nos assuntos locais eram quase ilimitados, mas sua
nomeação e demissão dependiam da vontade do imperador, e era possível
formular queixas contra ele. Já o cartulário, posto na administração do strategus
encarregado de pagar aos soldados, aos oficiais e aos coletores de impostos,
recebia ordens diretamente do governo central. Além disso, as questões jurídicas
de importância eram resolvidas na capital. Strategi especiais, chamados ek
prosôpôn, podiam ser mandados a qualquer parte durante uma emergência.

Embora as províncias fossem governadas militarmente, o governo central


permanecia civil. As autoridades militares centrais, os domésticos e os
estratarcas, não participavam da administração, que era controlada por duas
grandes classes de funcionários, os Kritai e os Secretikoi. O Magister Officii
desaparecera, e apenas o título de Magister restava ainda de sua grandeza
passada. O mais importante dos Kritai era o prefeito da cidade, o eparco. Esse
cargo era tão antigo como a própria Constantinopla, e sempre gozou de alta
precedência. Era um dos poucos postos que os eunucos não podiam ocupar. O
prefeito era supremo na cidade, depois do imperador, e habitualmente recebia a
nomeação de regente da cidade, durante as ausências imperiais. Tinha a
responsabilidade da manutenção da ordem e da lei. Sua administração se dividia
em duas, a do Simpono, que controlava os corporações profissionais e
supervisionava as várias leis mercantis e as obrigações civis dos habitantes, e a
do Logóteta do Fretório, que era o responsável pela administração da justiça e
pelas prisões. Ambos dispunham de um número amplo e variado de auxiliares. O
prefeito era assistido pelo Questor, que reunia as funções do velho cargo de
Questor com as do Questor de Justiniano. Era um pouco legislador, rascunhando
leis novas, um pouco chefe do tribunal de recursos contra os magistrados e a
nobreza, um pouco Depositário Público, selando, abrindo e executando
testamentos e supervisionando a administração da propriedade de menores. Os
casos de falsificação eram de sua competência. Também se encarregava de dar
trabalho aos desempregados aptos e impedia visitas sem justificativa à capital.
Era grande o número de autoridades a ele subordinadas. O terceiro grande
Kritês, conhecido como epi tôn deêseôn, tratava das petições feitas ao
imperador. Tinha escritório, mas não séquito.

Os Secretikoi eram principalmente ministros das Finanças. As duas divisões


fundamentais, de tesouro público e privado, haviam sido suplementadas. No
século VI, o número de tesouros era de sete — o fisco, ou seja, as antigas
Dotações Sagradas ou Bolsa Pública, as arcas dos dois prefeitos pretorianos e o
Questor da Mésia e Síria, e três tesouros da Bolsa Privada. Outras ramificações
foram feitas durante os séculos seguintes, e as finanças passaram a ser
controladas por um determinado número de departamentos, colocados sob a
direção suprema do Sacellarius, posto que correspondia ao antigo Conde das
Propriedades Privarias, provavelmente elevado por Leão, o Isáurio.
Subordinados a ele estavam quatro Logótetas, tôn Dromôn, tôn genikôn (o
coletor central de impostos), tôn stratiôtikôn (principal pagador das tropas) e tôn
agclôn (administrador dos latifúndios imperiais), os vários coletores de impostos
provinciais (epoplai), os encarregados das fábricas do Estado (os epi tôn
eidikôn), das minas (Conde de Lâmia), dos aquedutos (Conde da Agua), das
alfândegas (os Commerciarii) e todos os curadores que administravam as verbas
secretas e os fundos de caridade do Estado, e as secretarias imperiais, as
Protoasecretis. O mais importante desses postos era o do Logóteta do Dromo,
que era diretor dos Correios, ministro do Exterior e controlava as comunicações
entre outros ministros e o imperador, com quem se avistava diariamente. Era,
por vezes, chamado simplesmente de Logóteta e em fins do século XI e no
século XII, sob o nome de Grande Logóteta, era o principal secretário de Estado.
Sob os Comnenos, o Sacellarius foi substituído pelo Grande Logariastes.

Os cargos ligados às pessoas do imperador e da imperatriz, os cargos palacianos,


eram reservados aos eunucos, hábito iniciado na época de Diocleciano e que se
intensificara com o tempo. Cada palácio tinha seu Papias, e o Papias do Grande
Palácio era assistido por um Deuteras, que tomava conta das vestes cerimoniais e
dos mobiliários da corte. Não sabemos exatamente qual o número de auxiliares
inferiores da Casa Imperial, nem suas funções. O imperador e a imperatriz
tinham, cada um seus encarregados da mesa e do guarda-roupa. O chefe dos
eunucos era o Alto Camareiro, o Paracoemomenus, que em fins do século IX e
no século X era o principal ministro do império. Samonas no governo de Leão
VI, Teófanes no de Romano I e Basílio durante quase toda a segunda metade do
século X eram praticamente grão-vizires. O cargo nem sempre era preenchido, e
uma vez chegou a ser atribuído não a um eunuco, mas a Basílio, o Macedônio,
no reinado de Miguel III. A vantagem de ter eunucos em postos altamente
confidenciais era evidente. Não tinham descendentes a cujos interesses servir, e
uma lei tácita mas inquebrável os impedia de chegar ao trono imperial. O
emprego de eunucos, característica particular do império em seu zênite, no
século X, foi um dos seus instrumentos mais eficientes contra a sucessão feudal.

Havia certos cargos, chamados Axiai eidikai, que não podemos classificar com
precisão. O mais importante deles era o de Reitor, cujas obrigações
desconhecemos, e o de Syncellus, funcionário imperial que agia como oficial de
ligação entre o imperador e o patriarca, aparentemente para os casos de suspeita
de heresia (heresia era crime contra o Estado) e que habitualmente sucedia ao
patriarca. Roma e os patriarcas orientais podem ter tido seus Syncellus, também,
e Constantino IX nomeou um para os católicos armênios — seu sobrinho e
sucessor designado. Os demais portadores do axiai eidikai eram ajudantes-de-
ordens e secretários pessoais do imperador. Um deles, o Protostrator, chegou
mais tarde a atingir uma alta posição.

Esse sistema administrativo central perdurou praticamente inalterado, até que foi
abruptamente encerrado em 1204 pela captura da cidade pelos cruzados. O
sistema provincial era necessariamente mais elástico, mudando com as
alterações de fronteiras do império. Na fronteira oriental havia vários pequenos
distritos sob a lei marcial, chamados Clissurae, onde os grande barões militares
das fronteiras, como Digenes Akritas, dominavam quase que soberanamente.
Com o recuo das fronteiras, essas Clissurae passaram a “temas”, e seus
estrategos tiveram de ser enquadrados na hierarquia imperial. Quando Antióquia
foi recapturada, colocaram-na sob um governador militar especial, conhecido
como Dux, ou Duque. Províncias difíceis, como a Longobárdia, tinham de ser
reorganizadas. Cerca do ano 975 o estratego da Longobárdia foi promovido ao
novo posto de Catepan e recebeu poderes de vice-rei sobre o “tema” da Calábria
e os Estados-vassalos italianos. O mesmo título foi dado, anos mais tarde, ao
governador do recém-conquistado “tema” armênio de Vaspurakan. Quando
Basílio II conquistou a Bulgária, fundou dois “temas” ali, a Bulgária e Paristrion,
o primeiro sob o governo de um Pronoctes. Mas, de acordo com os preceitos
citados por Constantino Porfirogêneto, permitiu-se aos búlgaros conservar seus
métodos nacionais de justiça e impostos, Na península grega, a presença de
eslavos e albaneses trouxe muitos problemas para o governo dos “temas” da
Hélade e do Peloponeso. Somente no reinado de Irene, o Peloponeso pôde ser
controlado com eficiência, e ainda mesmo no século X havia ali tribos que só
pagavam um tributo anual, sem qualquer outra interferência das autoridades
imperiais. Quando Romano I aumentou os tributos, eles se revoltaram e as taxas
antigas tiveram de ser restauradas. A data de sua absorção final é duvidosa.

As conquistas dos seljuques limitaram a área do império, e no reinado dos


Comnenos os “temas” tiveram de ser reorganizados. Foram reduzidos e seus
governadores passaram a chamar-se duques. É possível que seus poderes
tivessem sido um tanto restringidos.

A queda de Constantinopla em 1204 fez desmoronar inteiramente a máquina do


governo. Pouca informação temos sobre o sistema administrativo dos
imperadores de Nicéia; tentaram estabelecer ali uma burocracia central copiada
de Constantinopla, mas eram pobres e precisavam economizar, portanto sua
execução se fez em escala reduzida. A questão dos governos provinciais não
surgiu, inicialmente, pois cada centro provincial se havia tornado uma capital
política. Quando o império de Nicéia estendeu-se à Europa, os territórios
conquistados parecem ter ficado sob ocupação militar. A volta a Constantinopla
significava um certo retorno à grandeza. O De Officiis dá uma lista de todos os
funcionários, com suas obrigações e insígnias, em meados do século XIV.
Provavelmente, porém, era um quadro ideal; o Tesouro dos Paleólogos se foi
esvaziando, e por fim, ao que parece, muitos dos cargos não foram preenchidos.
Muitos dos antigos postos não passavam, então, de títulos vazios: o prefeito, o
questor e vários dos logótetas estão entre os que não tinham obrigações. Surgem
ali alguns nomes de cargos que não nos são familiares, como o de Grande
Tzausius, que parecem cargos ligados diretamente à pessoa do imperador. A
administração, tal como estava, era conduzida pelo Grande Logóteta, assistido
pelo ministro do exército, o Grande Doméstico, e o ministro da marinha, o
Grande Duque. Na prática, parece que o patriarca tinha o papel de ministro. No
reinado de Andronico II, o Patriarca Anastásio considerava a economia como
assunto seu e chegou mesmo a tentar ressuscitar para si as obrigações de prefeito
da cidade.

O império dos Paleólogos dominava, na realidade, apenas um território que


podia ser governado de Constantinopla e da Tessalônica, com o acréscimo da
Moréia ou do Peloponeso. O nome “tema” continuou a ser aplicado ao distrito
que cerca Tessalônica, mas a partir de meados do século XIV tanto a Tessalônica
como a Moréia foram colocadas sob o governo de déspotas, membros mais
jovens da família imperial. Esses déspotas parecem ter gozado de poderes
absolutos em suas províncias, e davam ao imperador um voto de fidelidade,
sendo por seus embaixadores representados no exterior. Finalmente, o déspota
da Tessalônica entregou sua província a Veneza, mas o despotato da Moréia,
apesar da permanente turbulência causada pela nobreza local, que havia
aprendido os maus hábitos do feudalismo com os francos, sobreviveu ao próprio
império, e a residência do déspota, Mistra, possuía todas as amenidades
intelectuais de uma capital.

A enorme burocracia pela qual se administrava o império era, naturalmente,


muito cara, e o custo adicional de um exército pronto, além dos gastos
diplomáticos, exigia uma renda grande. Não temos, porém, meios de calcular a
renda imperial em nenhum dos períodos da sua história. Foi ela estimada em
somas que vão de 105 a 120 milhões de francos-ouro, durante o governo de
Justiniano, e 640.000.000 de francos-ouro no século X. (27) O primeiro número
é certamente demasiado pequeno. Benjamim de Tudela diz que Manuel
Comneno obtinha uma renda anual de 106.000.000 de francos-ouro, apenas de
Constantinopla. Isso constitui sem dúvida um exagero, e a maioria dos
contemporâneos ocidentais foi ainda mais longe em suas afirmações. Só
podemos dizer que a renda era bastante para que Anastásio, que era mau
financista, acumulasse uma reserva de 355.600.000 francos-ouro para o Tesouro,
durante um reinado de 27 anos, e para que a imperatriz regente Teodora deixasse
140.000.000 no Tesouro, e Basílio II, após um reino caro, apesar de ter reduzido
as despesas da corte, deixasse 250.000.000 de francos. Todo o problema de
como se obtinha a renda e dos detalhes dos gastos está inteiramente envolto em
mistério e controvérsia. Os historiadores bizantinos fazem muitas referências
oblíquas à questão, mas nada que nos permita um cálculo definitivo.(28) Os
impostos diretos tinham duas classificações, os que recaíam sobre a terra e os
atribuídos às pessoas. A lei fundamental do imposto sobre a terra, a
zeugaratikion, baseava-se no valor da propriedade, calculado cada quinze anos,
no primeiro ano de cada indição. Todas as propriedades, mesmo os latifúndios
imperiais, eram taxadas, embora sob Irene e Manuel Comneno os mosteiros
estivessem isentos. Os lançamentos eram feitos nos cadastros e registros —
havia um registro completo no escritório central e nos escritórios das capitais
provinciais. É impossível saber se eram sempre atualizados; diz-se que Basílio I
tentou em vão fazer com que se realizassem novos lançamentos. Esse imposto
era, originalmente, pago em bens, mas finalmente passou a ser pago em dinheiro.
A dificuldade do governo imperial era impedir que a renda caísse, e um
proprietário ou arrendatário deixasse de pagar. Durante séculos, o sistema
chamado epiboli predominou. Toda a comunidade local era responsável por um
determinado total de impostos. Mas Nicéforo I, o único financista profissional a
se tornar imperador, reformou o sistema. As dificuldades generalizadas em sua
época tornaram a carga muito grande para as pequenas comunidades. Nicéforo
introduziu o allelengyon, segundo o qual o imposto não-pago por uma
propriedade tinha de ser atendido pelo vizinho próspero mais próximo, um
sistema injusto mas eficiente. Miguel, o Amório, rejeitou-o e voltou aos epiboli,
mas Basílio II, desejando golpear os ricos latifundiários, adotou novamente
aquele sistema, que foi outra vez revogado no século XI. Grandes propriedades
tiveram sempre que pagar uma quantia igual, mesmo que certas partes
estivessem temporariamente sem uso. Se, porém, as propriedades eram
divididas, cessava tal obrigação. Havia taxas adicionais, ou antes, tributos, sobre
animais, mercadorias e implementos, para fins militares, e a obrigação de alojar
os soldados.

A questão dos impostos per capita é particularmente obscura. Havia uma taxa
chamada de Kephaletion, ou taxa por pessoa, possivelmente limitada aos súditos
não-cristãos. Kapnikon, ou imposto predial, é ainda menos claro. Tudo o que
podemos dizer é que na época de Nicéforo I havia um kapnikon de 2 miliaressia
(ou 2,10 francos-ouro) per capita. Nicéforo insistia rigorosamente em seu
pagamento e os contribuintes isentados por Irene tiveram de pagar os atrasados.
Miguel II ganhou popularidade reduzindo-o. Segundo o árabe Ibn Ifauqat, no
século X havia um imposto de dois dinares para cada casa nos “temas”
marítimos, e de dez dinares para cada pai de família, nos outros “temas”, usado
para as despesas navais e militares. Um texto cipriota diz que os cipriotas tinham
de pagar por sua defesa no século X um imposto predial, aparentemente de 1
numisma (14,40 francos) nas cidades e de 3 numismas nos distritos rurais.
Nicetas Acominato, fazendo trocadilho com os impostos, diz que no fim do
século XII os corfiotas preferiam o fogo da escravidão estrangeira (aos
normandos) à fumaça do imposto. Do imposto chamado aerikon, criado por
Justiniano e que produziu três mil libras de ouro, nada sabemos, embora seja
mencionado novamente na Tactica, de Leão VI. Provavelmente era uma espécie
de taxa sobre terras, em propriedades urbanas — cada bizantinólogo, porém, dá
uma explicação diferente. Havia também um sistema de impostos fúnebres,
introduzidos por Augusto e lançados sobre as heranças não-provenientes de
ancestrais, sistema esse que foi rejeitado por Justiniano e retomado mais tarde,
recaindo inclusive sobre a herança direta. Nicéforo I, que o cobrou com rigor,
inventou também uma taxa sobre bens ganhos sem trabalho, considerando-os
como tesouros descobertos, dos quais o Estado tinha direito a uma parte. Os
impostos indiretos consistiam de direitos alfandegários, direitos portuários,
direitos de mercado, taxas e, durante certo tempo, selos de recibos. Apenas sobre
os primeiros temos informações dignas de crédito: haviam sido elevados, no
século IV, para a taxa uniforme de 12,5% e aí se mantiveram, aparentemente. Os
direitos de importação eram taxados em Abidos, no Helesponto, ou Hierão, no
Bósforo, e os direitos de exportação, em Constantinopla. Para evitar o
contrabando de escravos, uma tarifa especial de 2 numismas (28,80 francos) foi
estabelecida por Nicéforo para os escravos do sul, vendidos em qualquer parte
do império a oeste de Abidos. Os impostos alfandegários devem ter
proporcionado somas consideráveis. O namoro de Irene com o comércio livre,
abolindo impostos em Abidos, atingiu suas rendas muito seriamente, e Nicéforo
voltou à política de tarifas, mantendo os preços baixos com o recurso mais sutil
de limitar a moeda em circulação. Quando, sob os Comnenos, as repúblicas
italianas conquistaram o direito de importar com o imposto de apenas 4%, o
imperador perdeu muito de sua renda, além do golpe que isso representou para o
comércio do império.
Havia, ocasionalmente, supertaxas, como o dikeraton, o 1/12 extra que Leão, o
Isáurio, instituiu para reparar as muralhas de Constantinopla; ocasionalmente,
também os coletores de impostos aumentavam os lançamentos para ganhar mais
dinheiro. O Estado também ganhava dinheiro com as fábricas estatais e o
monopólio da seda, e pela venda de títulos. Controlava o comércio de cereais, e
alguns imperadores, como Nicéforo II, foram acusados de obter com isso lucros
pessoais. Nicéforo I proibiu a usura e os empréstimos de dinheiro e passou a
fazer empréstimos pelo Tesouro com juros de 16,5% — seus sucessores, porém,
não seguiram o método. Com os Paleólogos, quando a situação era desesperada,
João Cantacuzeno tentou coletar um tributo voluntário entre todas as classes,
para despesas de guerra, mas dificilmente alguém podia ou desejava contribuir.

Todo o sistema de impostos, dando ao imperador um suprimento constante de


dinheiro, e permitindo-lhe assim manter sua enorme burocracia e seu exército
pronto, colocava-o numa posição muito mais forte do que a de qualquer
imperador ocidental ou califa. Mas os altos impostos significavam que seus
súditos estavam permanentemente descontentes, e também o colocavam numa
posição fraca, quando surgiam rivais comerciais, pois não dispunham de capital
imediato para novos empreendimentos. E quando todo o sistema financeiro
entrou em colapso, sob os Comnenos, o peso dos impostos tornou-se intolerável.
O domínio dos seljuques ou dos normandos quase parecia preferível.

Desconhecemos igualmente os detalhes dos gastos, não há meios de dizer quanto


a manutenção do exército ou do serviço público custava ao Tesouro. As únicas
importâncias conhecidas são as dos salários de alguns altos funcionários, no
século X. Constantino VII, no De Ceremoniis, menciona as somas devidas
anualmente aos estrategos dos “temas”, no governo de Leão VI. Os estrategos
dos “temas” anatólios, armênios e trácios recebiam a bela soma de 40 libras de
ouro (43.200 francos-ouro), os estrategos dos opsicianos, bucelários e
macedônios, 30, e assim por diante, em ordem decrescente, até os estrategos das
fronteiras, que menos recebiam, pois coletavam os impostos das fronteiras; os
estrategos europeus nada recebiam, vivendo dos impostos locais. O embaixador
italiano Liudprand viu o Imperador Constantino VII pagando os pequenos
salários dos portadores de títulos, certo ano. A cerimônia realizava-se nos dias
que antecediam o Domingo de Ramos. Os Magistri, 24 deles, recebiam, cada
qual 24 numismas (345,6 francos) e 2 scaramangia, ou roupas de solenidades, os
patrícios 12 numismas e 1 scaramangion, e os outros títulos, 7, 6, 5, 4, 3, 2 e 1
numisma, segundo a hierarquia. Salários de menos de 1 numisma eram pagos
pelo Paracoemomenus. O deão de uma faculdade de Direito — a Universidade
era uma instituição estatal — recebia, no século XI, quatro libras de ouro por
ano, bem como certos emolumentos.

A máquina administrativa de Bizâncio era cara e confusa, mas suficientemente


elástica e, enquanto as finanças do império foram sadias, eficiente. Era
necessário que fosse ampla, pois cada detalhe na vida do império era
considerado como assunto governamental. À ideia do laissez-faire seria
inimaginável. Educação, religião, tudo o que se relacionasse com o comércio e
as finanças estava sob controle do Estado. Um manual do século explica as
obrigações do prefeito de Constantinopla. Entre elas, estava a de superintender
todas as atividades comerciais da cidade, fixar os preços, salários e horas,
licenciar a abertura de novas lojas comerciais, observar o cumprimento das
normas de exportação. Tinha também de fiscalizar o respeito devido aos
domingos. A vida provincial era regulamentada cora igual cuidado. Para facilitar
os impostos e a estabilidade geral, as viagens e migrações eram controladas. As
autoridades locais tinham de emitir passaportes para viajantes de bona fide, e ao
questor de Constantinopla competia impedir a entrada na cidade daqueles que
não apresentassem razões justas para isso. A cidade tinha de ser alimentada, e
era necessário um trabalho de assistência durante as fomes que periodicamente
devastavam o campo. Os desempregados aptos tinham de receber trabalho, e
portanto era necessário manter instituições de caridade. Uma interferência e
vigilância tão completas mantinham a burocracia inteiramente ocupada.

Esse paternalismo manifesta-se também na supervisão exercida pelo governo


sobre a religião. Desde o século V, um bom cidadão tinha de ser ortodoxo, e a
heresia era um crime contra o Estado. O filósofo herege João Ítalo e os chefes
bogomitos, no reinado de Aleixo I, foram perseguidos pelas autoridades civis.
Quando a heresia se generalizava num distrito, autoridades estatais removiam,
pela força, populações inteiras de uma aldeia para outras partes do império, onde
seriam absorvidas, ou convertidas pelos seus novos vizinhos, Foi assim que os
mardaítas, monotelitas sírios, foram removidos do Líbano, no século VII, para o
litoral da Ásia Menor, e que os armênios, particularmente os hereges paulicios,
estavam sempre sendo transferidos para a Europa, durante todo o século IX. O
governo tinha razão em combater os hereges, pois a heresia era habitualmente
um movimento político. O monofisismo no Egito e Síria inspirava-se antes na
inimizade aos coletores de impostos imperiais do que na oposição à teologia de
Calcedônia. A ortodoxia tinha também um interesse nisso, pois algumas taxas
pesadas tinham sido criadas para pagar um empréstimo feito pela Igreja de
Constantinopla a Heráclio. A Igreja Armênia existia grande parte como um foco
de separatismo armênio do império. Esse sistema de emigração forçada de vilas
inteiras era útil também para romper qualquer bloco de povos indóceis, nas
províncias, além da questão da heresia. Os eslavos da Macedônia seriam menos
formidáveis se tivessem entre eles aldeamentos armênios. Dessa forma,
preservava-se o equilíbrio necessário à estabilidade.

Os ideais da administração bizantina quase podem ser chamados de socialistas.


Todos deveriam ser bons cidadãos. O culto do Estado, do imperador como seu
chefe e símbolo, do Direito que o criava, era considerado como base essencial da
sociedade e, na realidade, foi essa religião rígida que preservou o império
durante muitos séculos. Bizâncio produziu muitos estadistas ambiciosos, mas
poucos foram os que esqueceram seus deveres para com o Estado. Até Basílio, o
Macedônio, ou Basílio, o Paracomomeno, ou João Cantacuzeno, embora
pudessem conquistar coroas ou fortunas para si mesmos, não sendo
excessivamente escrupulosas, colocavam sempre os interesses do império à
frente dos seus.

Havia, porém, uma classe que não se enquadrava nesse permanente culto do
Estado. Era a aristocracia latifundiária. A existência de grandes proprietários de
terra criara um problema para os velhos imperadores romanos, mas as
dificuldades que perduraram do século V ao VIII, quando nenhuma província
estava livre da devastação bárbara ou da emigração, destruíram o valor da terra e
desmembraram a maioria das grandes propriedades. Mas, em meados do século
IX, as províncias asiáticas, e um século mais tarde as europeias, gozavam de
relativa segurança, e a terra tornou-se, em virtude das restrições governamentais
sobre o comércio, o investimento mais lucrativo. Surgiu uma classe de
aristocratas, cuja riqueza provinha de propriedades que buscavam ampliar
constantemente. O pequeno proprietário tendia a ser comprado, e tornava-se um
arrendatário ou desaparecia. Isso prejudicou o sistema de impostos, bem como o
sistema de recrutamento militar, que estava ligado à propriedade da terra. Além
do mais, os afortunados nobres com um imenso séquito de servos e agregados,
aos quais armavam, constituíam uma ameaça óbvia ao Estado. A administração
estabelecia uma distinção clara entre os ricos — os dunatoi, ou poderosos — e
os pobres — os penêles. De modo geral, procurava confiar os aristocratas aos
assuntos militares, deixando livre e democrático o serviço público. Em todo o
século X os imperadores se preocupavam com a legislação contra o poder que
tinham os magnatas para adquirir terras aos pobres. Romano I proibiu-os de
adquirir qualquer terra nas aldeias, e ele e Constantino VII e Basílio II dedicaram
tempo e energia à imposição e elaboração de tais medidas. Basílio II foi
particularmente enérgico; como Henrique VII da Inglaterra, verificou durante
uma viagem que seus anfitriões eram extremamente poderosos e reduziu seu
poder e os puniu. Chegou mesmo a tomar medidas contra os latifundiários que
vieram do nada. Velhas famílias aumentavam seus domínios e novas famílias
surgiam. Mas o governo falhou. Até mesmo a retomada, por Basílio II, da
allelengyon, para multar os proprietários de terra, não pôde destruir-lhes o poder.
E já Nicéforo II, membro de uma grande família de proprietários, sustentava essa
política imperial. Em meados do século XI, os latifundiários, entre os quais se
incluía então a hierarquia religiosa, eram bastante fortes para tomar o governo
em meio ao caos causado pelas vitórias dos seljuques. Daí em diante, embora as
invasões e conquistas estrangeiras limitassem suas terras, os aristocratas
realmente comandaram a administração. O ingresso no serviço público dependia
menos dos méritos do que da influência familiar, e a perda de uma parte tão
grande do território significava que novas famílias dificilmente poderiam
prosperar. A aristocracia cerrava suas fileiras. Nas províncias já se acentuava a
tendência de uma independência semifeudal, quando chegou a conquista latina e
completou de uma vez a transformação. Os imperadores ainda faziam guerra aos
Magisters e os Comnenos e imperadores de Nicéia mais fortes mantiveram-nos,
deliberadamente, sob controle. Mas Miguel Paleólogo, no século XIII, e João
Cantacuzeno, no século XIV, mostraram sua força. Em Tessalônica, no século
XIV, o movimento conhecido como o dos fanáticos foi provocado em grande
parte por sua arrogância e pela tentativa de desafiar-lhes o poder, mas foi inútil.
Já no anoitecer do império a aristocracia, que perdera há muito suas terras para
os conquistadores estrangeiros, tornou-se quase um serviço público hereditário e
como tal era de utilidade para o governo. Mas o dano já fora causado.
Entretanto, até o final do império o serviço público continuou aberto a todos, e o
plebeu de mérito podia ainda subir muito alto. A administração manteve sempre
uma eficiência desconhecida na Europa ocidental. Os impostos podiam ser
pesados e pouco produtivos, mas eram recolhidos; os desejos do imperador,
manifestados pelos seus secretários, eram difundidos por todos os seus domínios
e, exceto quando se chocavam com a opinião pública, eram observados.

O governo tinha sua tarefa facilitada pelo respeito inato à lei que os bizantinos
herdaram de Roma, e sua eficiência se ilustra melhor pela administração da
justiça. O imperador era o juiz supremo, sendo sempre possível apelar para ele.
Certos imperadores ouviam pessoalmente os recursos: Justiniano gostava de
exercer tal função, e Teófilo ouvia os reclamantes durante sua caminhada através
da cidade, até Blachernae. Habitualmente, porém, as petições eram recebidas e
preparadas para o imperador pelo ministro epi tôn deeseôn. As decisões dos
prefeitos pretorianos, porém, eram inapeláveis em seus distritos. É provável que
o exarca italiano tenha herdado tal direito. Em Constantinopla, o prefeito da
cidade (ou seu sucessor, o Grande Drungário) e o questor dividiam a
administração da justiça. Nas províncias, havia juízes na capital de cada “tema”,
que ouviam os casos de interesse local ou de menor importância; processos de
maior vulto, porém, eram levados para Constantinopla, a uma Alta Corte de doze
juízes. Um processo judicial era uma das poucas justificativas aceitas para uma
visita a Constantinopla, e imperadores pios como Romano I construíram
hospedarias para abrigar litigantes durante sua permanência na cidade. Os casos
nos quais os eclesiásticos estavam envolvidos eram ouvidos nos tribunais
eclesiásticos, que também podiam decidir os processos civis, se ambas as partes
concordassem. Aleixo I ampliou a competência desses tribunais, atribuindo-lhes
audiência em casos relacionados com casamentos e com doações de caridade. A
propósito disso, devemos lembrar que a Igreja era um departamento do Estado e
que Aleixo principalmente tinha sobre ela um controle muito firme. No governo
dos Paleólogos, quando os patriarcas desempenhavam um papel cada vez maior
na administração, a competência dos tribunais da Igreja foi ampliada, e na época
da conquista turca sua organização já era bastante grande para assumir toda a
jurisdição das populações: cristãs.

Os castigos para os casos criminais eram multas e confisco da propriedade, ou


mutilação. A pena de morte estava reservada, a partir de Leão III, para a traição,
deserção para o inimigo, assassinato e vícios contra a natureza, e mesmo assim
raramente era posta em prática. Com João II, não foi jamais usada. À mutilação
era considerada como uma substituição humanitária da pena de morte e
justificada pelas palavras de Cristo, que mandavam arrancar o olho ofensor e
cortar o membro ofensor. Seu uso só se intensificou com Leão III, mas daí em
diante foi empregada com frequência. Hoje, nossa tendência é considerá-la como
um revoltante hábito bárbaro, mas o fato é que a maioria das pessoas preferiam,
e ainda preferem, a mutilação à morte. As penas eram ainda mitigadas pelo
direito de asilo nas igrejas, direito esse que após Leão III se aplicava a quase
todos os criminosos. Constantino VII chegou a permiti-lo aos criminosos, desde
que se tornassem monges, e nesse caso metade de suas propriedades ia
imediatamente para as mãos dos herdeiros do morto e metade para seus próprios
herdeiros, embora pudesse levar alguma coisa para o mosteiro. Até a traição era
cada vez menos punida pela morte. Usualmente a segregação monástica,
proporcionando ao ofensor a reclusão no presente e a salvação no futuro, era
considerada como um castigo bastante, embora fosse mais prudente acrescentar-
lhe a mutilação. A detenção, cara e improdutiva para o Estado, era praticamente
desconhecida. A prisão estatal, o Pretório, servia frequentemente para os
criminosos que aguardavam julgamento.

É difícil avaliar até que ponto a corrupção interferia na administração da justiça.


Até Leão III publicar sua Ecloga, podia-se dizer que havia oficialmente uma lei
para o rico e outra para o pobre, e histórias como a da viúva do século VII
oprimida pelo nobre Vutelino sugerem que, embora a justiça se fizesse quando o
caso chegava aos tribunais competentes, a influência podia frequentemente
retardar essa chegada. Leão III, no prefácio da Ecloga, queixa-se de que o
suborno e a corrupção se estavam tornando frequentes. Mas através da maior
parte da história bizantina há um número singularmente pequeno de reclamações
contra a justiça, e desse silêncio devemos concluir que o bizantino, em
comparação com qualquer de seus vizinhos e contemporâneos, tinha poucos
motivos para estar descontente.
V. A RELIGIÃO E A IGREJA

A eficiência prática da Constituição Imperial e da administração poderia ter


privado os cidadãos do império dos prazeres da discussão política e da
controvérsia, se não tivessem a sua frente um campo amplo de debates, na
religião. Para compreender a história bizantina é essencial ter em mente a
reduzida importância que a vida neste mundo tinha para o bizantino. O
cristianismo triunfou numa era desiludida porque prometia um mundo melhor no
porvir e proporcionava uma fuga do presente e da atualidade. Mas a bênção
eterna, o verdadeiro êxtase, só podia ser conseguida trilhando-se o caminho da
ortodoxia perfeita. Consequentemente, pontos insignificantes da doutrina
teológica tornavam-se infinitamente mais importantes do que os grandes
questões da política secular, que só se ocupavam deste mundo, ao passo que as
primeiras estavam ligadas à eternidade. Seria impossível, na verdade, eliminar os
instintos mundanos do conforto e do progresso, e problemas financeiros, bem
como o peso dos impostos excessivos, podiam despertar, sempre, fortes
sentimentos negativos. Mas a atenção principal do bizantino concentrava-se,
razoavelmente, nos detalhes que poderiam abrir-lhe ou fechar-lhe as portas do
Céu.

Adotando o cristianismo como religião do Estado, Constantino, o Grande, fez


dessa preocupação uma questão do governo e praticamente colocou o imperador
na posição de Guardião das Chaves, Pastor do Rebanho, como Pedro, Príncipe
dos Apóstolos, tal como pretendia Leão, o Isáurio. Essa posição do imperador
não foi nunca seriamente contestada no Oriente. Até o fim, a Igreja permaneceu
como um departamento do Estado. Isso encerrava certas desvantagens: o
imperador era frequentemente levado a controvérsias e debates dos quais um
governante menos erastiano poderia estar livre.

Os primeiros cristãos haviam determinado que a Igreja, para obter a mais ampla
influência possível, deveria modelar-se pela organização do Estado secular.
Desde os dias dos Apóstolos, as sés do cristianismo haviam sido colocadas nas
três capitais do mundo mediterrâneo — Roma, Alexandria e Antióquia — tendo
as outras cidades bispos e hierarquias segundo sua importância civil. Quando
Diocleciano reorganizou o Estado, a Igreja o acompanhou. A hierarquia teve
nova distribuição, para atender às novas províncias. A fundação da capital por
Constantino revolucionou a administração eclesiástica do mesmo modo pelo
qual revolucionara a administração secular. Bizâncio fora um bispado menor,
sob a jurisdição do metropolita de Heracléia, posição essa evidentemente
inadequada à nova capital cristã do mundo. O bispo de Bizâncio foi logo elevado
a patriarca de Constantinopla. Mas dentro da Igreja as velhas sés eram ciumentas
e resistentes: os imperadores heréticos e pagãos da Casa de Constantino não
puderam impor a nova autoridade do Estado. Somente sob o ortodoxo Teodósio
I reconheceu-se publicamente a nova situação eclesiástica de Constantinopla. O
Segundo Concilio Ecumênico deu ao patriarca de Constantinopla o segundo
lugar entre os patriarcas, “porque Constantinopla é a nova Roma”. O bispo da
Velha Roma tinha precedência, mas os patriarcas de Alexandria e Antióquia, e
seu recém-criado colega de Jerusalém, vinham depois dele. As províncias sobre
as quais a sé de Constantinopla passou a ter jurisdição foram a Ásia Menor e a
maior parte da península balcânica.

Roma nunca reconheceu a pretensão de Constantinopla ao segundo lugar,


desconfiando das possíveis consequências disso (29), Alexandria aceitou-a sob
protesto, esperando sempre uma oportunidade para afirmar sua independência e
sua ortodoxia mais rigorosa. Em toda a história das heresias dos séculos
seguintes, há sempre o ciúme entre os patriarcas, a tentativa de Roma em impor
sua autoridade sobre Constantinopla e o esforço de Alexandria em mostrar-se a
única depositária da ortodoxia.

A sorte, porém, favoreceu drasticamente Constantinopla, no século VII. Os


patriarcas de Alexandria, Antióquia e Jerusalém viram-se subitamente
transformados em bispos in partibus. As conquistas sarracenas, auxiliadas pelo
ódio que existia às autoridades de Constantinopla, roubaram-lhes metade de seus
rebanhos e quase toda a sua importância, transformando-os em escravos de um
senhor infiel. Entretanto as invasões bárbaras isolavam Roma, deixando que ela,
livre de qualquer controle secular rigoroso, desenvolvesse suas próprias noções
de teocracia. O império tornou-se contérmino do patriarcado de Constantinopla,
exceto por certos distritos sob a sé romana, que foram transferidos para
Constantinopla por Leão, o Isáurio. A partir daí, o patriarca de Constantinopla
foi indiscutidamente o chefe do Cristianismo no Oriente, compreendendo a sua
jurisdição toda a cristandade do mais poderoso império. No que se refere
concretamente ao poder, o próprio pontífice romano, com toda sua
independência maior, poderia muito bem invejá-lo. Mas o patriarca tinha de
pagar por sua autoridade: nunca lhe permitiam esquecer por muito tempo que era
servo do imperador.

A retomada de Antióquia em fins do século X em nada modificou n situação,


pois já então ela tivera sua importância reduzida ao ponto de ser considerada
apenas como um arcebispado de categoria especial e privilégios semiautônomos.
A Igreja cipriota gozava de prerrogativas de autonomia há muito concedida, mas
isso também não tinha grande importância.

A organização da Igreja de Constantinopla permaneceu sempre uma reprodução


do Estado secular (30): embora não seja possível dizer exatamente até que ponto
as grandes dioceses correspondiam aos “temas” do império. Sua constituição
fora estabelecida pelo Concilio in Trullo de 681, e não sofreu posteriormente
nenhuma modificação séria: depois do patriarca, vinham os metropolitas,
arcebispos das grandes cidades e centros provinciais. Depois destes estavam os
vários bispos, cada um deles controlando seu clero local até o humilde pároco de
aldeia. Havia, porém, uma grande diferença entre o clero local e as altas esferas.
Enquanto o sacerdote das aldeias tinha de ser casado, para que não estivesse
sujeito às distrações da tentação sexual e dos problemas de organização
doméstica, o alto clero, os bispos e seus superiores, era recrutado nos mosteiros,
dos quais havia também várias categorias. O mais humilde dependia do bispo
local ou de algum senhor local, mas outros estavam ligados a altos círculos
eclesiásticos, outros ainda admitiam apenas a autoridade do patriarca ou, quando
ainda mais altos, apenas a do imperador. Dos últimos o mais famoso exemplo
são os mosteiros do Monte Atos, onde a partir dos fins do século X havia uma
república de mosteiros com governo próprio, de fundações várias e até mesmo
de nacionalidades diversas, tendo o imperador como suserano. Os mosteiros
obedeciam, com rigor variável, a norma estabelecida por Santo Basílio no século
IV, aplicando-se ao estudo e ao trabalho. Havia também Laurae, comunidades de
eremitas, mais quietistas e por isso mais admiradas, e que também podiam ter
privilégios de governo similar ao dos mosteiros. O eremita local, isolado, estava,
rigorosamente falando, sob a autoridade do seu bispo local, embora fosse
provavelmente muito mais poderoso do que este, tal a veneração que despertava
a religiosidade, quando ligada aos sofrimentos físicos e desconforto. Os
conventos femininos seguiam mais ou menos as mesmas regras dos masculinos.
Tanto a Igreja secular como os mosteiros eram extremamente ricos. No século X
o bispo de Patras pôde equipar para as guerras um contingente muito maior do
que o de qualquer outro leigo no “tema”; e a frequência da legislação que a partir
do século X se fez contra a herança monástica mostrava como os mosteiros se
estavam transformando em latifundiários poderosos, ao passo que o último
movimento iconoclasta tinha intenções fundamentalmente antimonásticas. Mas o
poder dos mosteiros cresceu, e seus abades, higúmenos e arquimandritas,
particularmente nos mosteiros dentro de Constantinopla, eram frequentemente
homens de grande importância política. Teodoro de Estúdio incluía-se entre os
grandes estadistas da época.

Toda essa organização era rigorosamente controlada da corte patriarcal. Na


correspondência dos grandes patriarcas encontramos cartas escritas a sacerdotes
importantes, transmitindo ordens ou reclamações sobre questões menores de
política ou disciplina. Evidentemente, o patriarca mantinha-se admiravelmente
informado sobre tudo o que se passava em sua Igreja, e sua vontade se impunha
em toda parte. (31) Mas ele próprio estava sob o controle do imperador.
Nominalmente, sua eleição se fazia pelo conselho de bispos, mas na realidade
era o imperador que o indicava, e sua deposição se podia fazer por meio de um
símbolo subserviente nos ditames imperiais. À única arma que o patriarca podia
usar contra o imperador era a excomunhão, e por vezes, como no caso de
Polieucto e do assassino João Tzimices, a ameaça era bastante para amedrontar o
imperador. Mas o patriarca que, como Nicolau, o Místico, cumpria a ameaça
mesmo quando o imperador evidentemente infringia as leis de Deus, via-se logo
deposto e a caminho do exílio. O imperador exercia tal controle através de seu
ministro, o Syncellus.

Em seu todo, o controle imperial funcionava suavemente. Os imperadores não


interferiam muito nos negócios da Igreja, reconhecendo, como João Tzimices
disse quando fez de Basílio patriarca, que Deus tinha “imposto dois poderes”, o
imperador para o Estado, o patriarca para a Igreja. Certos patriarcas mais
enérgicos lutaram contra o cesaro-papismo, mas até mesmo Fócio caiu, não tanto
por ter desafiado o imperador, mas por ter realizado uma política eclesiástica
muito intensa, como caíram Crisóstomo, por ter censurado os costumes da corte,
que considerava razoavelmente como assunto de sua esfera, e Germano ou
Arsênio, principalmente pela resistência ao que consideravam como manobras
eclesiásticas ou doutrinais por parte do imperador. Só Miguel Cerulário, que
calçou os sapatos de púrpura e pretendia fazer e desfazer imperadores, procurou
libertar inteiramente a Igreja do controle do Estado, mas suas ambições foram
consideradas como bombásticas e impraticáveis. Quase todos os imperadores
cumpriam conscienciosamente seus deveres, e nomeavam patriarcas capazes.
Basílio I teve cinismo bastante para planejar a ascensão do filho ao trono
patriarcal, mas o rapaz morreu antes de ocupá-lo por muito tempo. Romano I
seguiu seu exemplo, colocando no trono patriarcal seu filho, o jovem Teofilacto,
folgazão e amante de cavalos. Mas Teofilacto, que tentou diminuir seu
aborrecimento introduzindo a representação dos milagres nos serviços da Igreja,
embora tivesse cumprido muitos de seus deveres, provocou escândalo pela sua
apatia evidente, e o expediente de colocar os filhos como patriarcas não se
repetiu.

Por vezes, particularmente quando o controle imperial se exercia com firmeza,


havia certa margem para o suborno e a simonia. São Lucas, o Estilita, arrancou a
soma de 100 numismas (1.420 francos-ouro) de seus pais, sob a alegação de que
estava tentando conseguir o bispado vacante de Sebástia. Isso acontecia
provavelmente quando a Igreja estava sob o governo de representantes de Leão
VI, cujos ministros foram notoriamente corruptos.

Desde o século V o império considerava a heresia como crime contra o Estado.


Consequentemente, eram as autoridades estatais, e não a Igreja, que tomavam
medidas contra ela. Via de regra, tais medidas só ocorriam quando os hereges
eram politicamente perigosos, como os bogomilos, que pregavam a
desobediência ao Estado, ou quando ocupavam posição de responsabilidade,
como o Professor João Ítalo. A julgar pela vida de São Simeão, o Novo Teólogo,
se a pessoa de quem se suspeitava heresia era um eclesiástico, parece que o
Syncellus, após submetê-la a interrogatório, fazia a comunicação ao patriarca,
que tomava a devida decisão. Havia, porém, o direito de recurso ao imperador —
o patriarca cedeu quando os poderosos amigos de Simeão ameaçaram levar o
caso ao imperador, Basílio II.

A heresia consistia, oficialmente, na rejeição de qualquer dos cânones dos


Concílios Ecumênicos. Um Concilio Ecumênico — assembléia presidida pelo
imperador, e na qual se faziam representar todas as Igrejas intercomungantes —
era o órgão inspirado cujas decisões tinham força de lei sobre a cristandade.
Desde os primeiros tempos o bispo de Roma, como bispo principal, fazia
pronunciamentos doutrinários, e Justiniano estabeleceu para o imperador uma
posição semelhante — mas durante toda a vida do império, um Conselho Geral
era necessário para assegurar o acatamento de tais pronunciamentos no Oriente.

Os Sete Concílios Ecumênicos foram considerados, com as Sagradas Escrituras,


como a base da fé ortodoxa. Cada um deles fora convocado para esclarecer um
determinado ponto da teologia e pronunciar-se contra determinada heresia em
particular. A doutrina da Trindade é de aceitação difícil, e não o é menos a
doutrina da Encarnação. A trilha da cristologia perfeita era muito estreita, e até
mesmo os melhores teólogos podiam escorregar para um lado ou outro. O
cristianismo triunfara sobre o paganismo em meio a uma dissensão interna,
quando os arianos, negando a divindade integral de Cristo, tentavam estabelecer
uma concepção mais unitária da Divindade. O Primeiro Concilio Ecumênico, o
de Nicéia, lançara sobre eles o anátema, mas durante todo o século IV o
arianismo gozou de popularidade nos círculos refinados de Constantinopla.
Somente após o Segundo Concilio Ecumênico de 381 desapareceu ele do
Oriente, sobrevivendo porém no Ocidente como a religião dos godos, durante
séculos. A vitória da ortodoxia fora a vitória de Alexandria sob Anastásio.
Durante todo o século V, Alexandria procurou aproveitar-se da vitória para
impor sua teologia particular sobre a cristandade.

A oportunidade chegou quando o patriarca de Constantinopla, Nestório, dividiu


a natureza de Cristo em duas, a humana e a divina. Foi uma atitude impopular,
porque logicamente levava a um ataque à amada padroeira de Constantinopla, a
Virgem Maria, ameaçada de perder o título de Mãe de Deus. Alexandria uniu-se
ao povo de Roma e Bizâncio contra ele. O Terceiro Concilio Ecumênico, de
Éfeso, também se opôs a ele, sob a influência da personalidade do patriarca de
Alexandria, Cirilo. Umas poucas igrejas do norte da Síria separaram-se,
formando organizações independentes, sob a proteção dos persas. Sua teologia e
seus rituais mostravam um puritanismo que seu fundador dificilmente teria
admitido. Eram missionários de energia, que viajavam até a China, e
conseguiram sobreviver até recentemente, nas montanhas do Curdistão,

Mas Alexandria superou-se. O patriarca seguinte, Dióscoro, mergulhou na


interpretação monofisita de Cristo. Roma não aprovou, e a corte imperial
preferiu ficar com Roma. Q Quarto Concilio Ecumênico de Calcedônia,
condenou Dióscoro. Os monofisitas tornaram-se hereges e foram perseguidos.

As questões teológicas em debate na controvérsia monofisita eram relativamente


pequenas — a diferença entre a Natureza Una e as Naturezas Duplas Indivisíveis
— mas as questões políticas eram enormes. Durante quase dois séculos, o
monofisismo dominou, como problema, a história imperial. No Quinto Concilio
Ecumênico, em Constantinopla, em 553, Justiniano admitiu seu fracasso em
chegar a um acordo. O Sexto Concilio Ecumênico, em Constantinopla em 680,
denunciou o acordo conhecido como monotelitismo, apoiado pelos imperadores
heraclidas. Mas já era, então, muito tarde; as Igrejas monofisitas se haviam
separado e a maioria de seus adeptos desviaram-se para o Islã.

O século VIII foi cheio de controvérsias iconoclastas (32).

O norte da Síria foi um centro de puritanismo. Ali, o nestorianismo fora popular


como movimento puritano. Seu adversário, o monofisismo, também conseguiu
certo apoio, sob a liderança puritana de Jacó Baradeu. E foi um sírio do norte,
Leão, cognominado o Isáurio, que procurou impor ao império o puritanismo.
Basicamente, o iconoclasmo era um problema teológico: poderia a divindade de
Cristo ser retratada? No caso negativo, não constituía uma idolatria adorar
reproduções d’Ele? Era fácil provar a origem monofisita ou nestoriana da
teologia iconoclasta, e distinções sutis sobre a natureza da idolatria foram
estabelecidas, mas o iconoclasmo realmente falhou porque ameaçava privar o
povo das imagens que amava. Tal como Nestório parecera atacar a Virgem, Leão
e seus sucessores pareciam insultar Cristo e todos os Santos. O iconoclasmo só
resistiu durante tanto tempo por ter sido conduzido com habilidade, e apoiado
pelo exército, cuja origem era principalmente asiática, e por todos os que não
viam com bons olhos o crescente poder da Igreja e dos mosteiros. O Sétimo
Concilio Ecumênico em Nicéia, em 787, condenou o iconoclasmo. A revisão que
se operou no século seguinte foi essencialmente política e teve curta duração.

Depois do iconoclasmo, nenhuma outra heresia interna séria perturbou a Igreja.


Era ainda possível aos incautos cair em erro, como Demétrio, que retornou de
uma viagem à Alemanha, no século XII, achando graça no fato de que os
alemães considerassem o Filho igual, mas inferior, ao Pai. Sua opinião sobre o
absurdo dessa concepção teve certo sucesso até que as autoridades eclesiásticas
mostraram-lhe que ele não estava compreendendo as sutilezas da Trindade. Mas
não houve nenhuma tentativa séria, posteriormente, para perturbar a cristologia
estabelecida pelos Sete Concílios. As controvérsias teológicas se centralizaram
mais em torno da teologia e do misticismo. A Igreja Grega favorecera sempre o
misticismo e tinha orgulho de seus autores místicos, como “Dionísio, o
Areopagita”, e Máximo, o Confessor, cujos trabalhos foram lidos livremente
durante toda a história do império. Surpreendia-se, porém, com a significação
teológica do êxtase místico. Vemos o problema chamar a atenção das
autoridades em princípios do século XI, na vida de Simeão, o Novo Teólogo,
mas só chegar a ser resolvido depois da questão hesicasta, no século XIV,
quando os extremistas quietistas, que eram chefiados por Palamas, induziram
finalmente a Igreja a admitir que os místicos eram realmente visitados pela luz
mesma que brilhou sobre o Monte Tabor. As principais heresias que o império
tinha agora que combater estavam fora da Igreja e se dirigiam claramente contra
ela, eram heresias na tradição maniqueia. O maniqueísmo nunca pôde firmar-se
no império, mas no século IX uma seita dualista, conhecida como os paulicios,
estabeleceu-se entre os armênios, no Alto Eufrates, formando ali uma república
religiosa. Basílio I esmagou-a politicamente e procurou suprimi-la, espalhando
os paulicios em pequenos agrupamentos na fronteira búlgara. Mas ali eles
inspiraram e se fundiram a um movimento herético búlgaro, que recebeu o nome
de seu fundador, Bogomilo. Os bogomilos não causaram problemas ao império
senão após a conquista da Bulgária, mas a partir de então, sustentando que todas
as coisas da carne, inclusive o trabalho, obediência à autoridade, procriação de
filhos, eram igualmente perniciosas, passaram a constituir um problema. Aleixo
I chegou a descobrir um ninho de bogomilos na própria capital, julgando e
executando seus líderes com severidade compreensível. O problema porém só
foi resolvido quando o império perdeu a maioria de suas províncias balcânicas,
em fins do século XII.

A Igreja, entretanto, era constantemente dividida por cismas, que inicialmente


eram consequência natural da heresia. A introdução do iconoclasmo, por
exemplo, provocou a suspensão de ordens de numerosos sacerdotes, que não
deram tréguas aos que foram nomeados para substituí-los. A partir do século IX,
os cismas tornaram-se mais pessoais, originando-se habitualmente das tentativas
do imperador de abusar de seus direitos. Assim, quando o patriarca Inácio foi
deposto, arbitrariamente, por Miguel III e César Bardas, metade do clero preferiu
o exílio a reconhecer seu sucessor Fócio, e no Concilio de 879, destinado a
estabelecer a paz entre os dois patriarcas, muitas sés estavam representadas por
dois bispos. O cisma só foi superado com a morte de Inácio, após seu retorno.
(33) Um cisma semelhante ocorreu poucos anos depois, quando Leão VI, tendo
ultrajado os sentimentos morais e violado a lei, casando-se com uma quarta
mulher, depôs o Patriarca Nicolau, que o havia excomungado. Metade da Igreja
ficou com Nicolau, outra metade com seu sucessor, o santo Eutímio, que
justificava a atitude do imperador. O terceiro cisma teve lugar no governo de
Miguel Paleólogo, que depôs o Patriarca Arsênio, sob alegações fúteis, pelo
verdadeiro motivo de não ter ele concordado com o assassinato do imperador
legal, João IV. Arsênio resistiu com seus partidários, e Miguel sofreu uma meia
derrota, quando teve de pedir ao Patriarca José a absolvição, após a morte de
Arsênio.
Houve, porém, um problema que preocupou a Igreja Ortodoxa em toda a sua
história, provocando cismas por vezes, outras surgindo como uma questão de
heresia: o problema de suas relações com Roma. (34) A essência do problema
estava no ciúme que a velha capital sentia da nova. Na época dos Apóstolos, era
evidente que Roma, capital secular, prestava-se melhor a ser a capital religiosa.
E Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, terminou sua carreira como bispo de Roma.
Quando Roma deixou de ser o centro político do mundo, sua Igreja agarrou-se à
origem pedrina como justificava para sua posição exaltada. Falta de
generosidade, não teria permitido a Constantinopla nem mesmo o segundo lugar,
porque Constantinopla pretendia-se a Nova Roma, e Roma só admitia tal
pretensão em bases apostólicas — embora nunca se explicasse bem por que a sé
de Marcos, Alexandria, devia ter precedência sobre a sé de Pedro, Antióquia.

As grandes heresias dos séculos V e VI agravaram a situação e tornaram


evidentes as atitudes já opostas. Os protagonistas foram Alexandria e
Constantinopla, e ambas pediram auxílio a Roma, que exigia acatamento total de
sua decisão. Constantinopla, porém, só aceitaria a decisão de Roma se tivesse o
endosso de um Concilio Ecumênico, e Alexandria preferia separar-se a
abandonar sua ideologia própria. Mas Constantinopla, nas mãos de autoridades
imperiais leigas, procurava continuadamente um entendimento com os
monofisitas, o que Roma, não tendo motivos políticos em jogo, estava decidida a
não tolerar. A inflexibilidade romana triunfou finalmente, embora a força das
autoridades leigas tivesse obrigado o Papa Vigílio a toda sorte de concessões, ao
passo que o Papa Honório I, imprudentemente, fez um pronunciamento ex
cathedra herege e monotelita. A cristologia imposta pelo Papa Leão I em seu
tomus, no século V, foi universalmente aceita como parte essencial da fé
ortodoxa. E, enquanto Roma considerava que o pronunciamento de Leão tornava
ortodoxa tal cristologia, Constantinopla só a aceitava por ter sido aprovada em
três Concílios Ecumênicos. Entretanto Constantinopla tornava-se cada vez mais
a grande cidade cristã, seus bispos adquiriam maior confiança e se iam tornando
arrogantes. Finalmente, em 595, provocado pelas exigências de Roma, o
Patriarca João, o Jejuador, tomou o título de ecumênico — isto é, de todo o
mundo. O Papa Gregório, o Grande, indignou-se, naturalmente, e bradou que era
o aparecimento do anticristo. Nenhuma sé, declarou, tinha qualquer jurisdição
sobre outra, e todas eram iguais perante Deus. Roma não manteve tal opinião em
épocas mais recentes. Além disso, novas antipatias e razões de desentendimentos
eram criadas pela questão linguística. Quase ninguém em Roma, naquela época,
conhecia o grego, ao passo que em Constantinopla o latim era cada vez menos
praticado.
A questão iconoclasta abriu uma brecha entre Roma e o governo imperial. Até
então, o papado havia reconhecido a soberania do imperador. Até o século VII,
era necessário a permissão de Constantinopla para que um novo papa fosse
eleito. Constantino IV, porém, declarou que o assentimento do exarca de Ravena
seria bastante. Durante o século VIII, a concomitância da questão iconoclasta e
das guerras lombardas fez com que Roma dispensasse esse ato de fidelidade. Os
papas, irritados com razão pelo confisco, por parte do imperador, de suas rendas
da Sicília e Calábria, procuraram aliados no ocidente, entre os francos. Muitos
círculos em Constantinopla, entretanto, não gostaram do rompimento com
Roma, inclusive o Patriarca Germano, julgando que uma inovação como o
iconoclasmo não devia ser feita sem consulta ao Concilio Ecumênico. Mais
tarde, em 784, o Patriarca iconoclasta Paulo deixou o cargo num drama de
consciência, pelo fato de “estar a Igreja sendo governada pela tirania e separada
das outras sés da cristandade”. E sendo Roma a mais destacada dessas sés, era
para ela que apelavam os dissidentes. Alguns foram ainda mais longe: Teodoro
de Estúdio, em sua aversão ao erastianismo, afirmava que Roma, estando livre
do controle imperial, devia decidir sobre as questões doutrinárias — o
sentimento generalizado era o de que a sé pedrina devia ser consultada, de
qualquer forma. Mas enquanto Teodoro escrevia, Roma lançava fora sua
oportunidade de estabelecer-se no Oriente, com um ato de grande imprevidência
política.

O Papa Leão coroou Carlos Magno num momento em que as Igrejas estavam
novamente em comunhão, e com isso tornou impossível ao governo imperial
acreditar futuramente no papado. Constantinopla considerou tal atitude como um
ato de traição. Mal se havia encerrado a questão iconoclasta, quando uma nova
disputa irrompeu; o Papa Nicolau I tentou intervir, estimulado pela parte
derrotada, numa querela interna da Igreja de Constantinopla. Quando se elegia
um novo patriarca para qualquer das grandes sés, era hábito que ele emitisse uma
declaração de fé, apresentando-a antes a seus colegas para aprovação. Nicolau
recusou-se a aprovar a carta de entronização do Patriarca Fócio, não devido à sua
fé, mas pelas dúvidas legais sobre sua eleição. Mas Fócio não se deixou
intimidar — os dois pontífices se excomungaram mutuamente, e pouco depois
Fócio, com grande satisfação, descobriu o papa subscrevendo uma heresia.

À aportação teológica do acréscimo da palavra Filioque ao credo não foi muito


grande, mas mesmo assim ela constituía um acréscimo à doutrina dos Sete
Concílios, e a própria Roma a condenara antes. Brincar com o credo era
imperdoável, aos olhos de Constantinopla e das Igrejas do Oriente, às quais
Fócio cuidadosamente informara sobre as iniquidades romanas. A diferença
pode ser pequena, mas existia. Introduzindo-a claramente, Roma afastava-se de
todo o corpo da ortodoxia. Daí por diante, embora os teólogos pudessem declarar
que Filioque estava implícito no credo, foi essa palavra, mais do que todas as
diferenças práticas, que tomou impossível a paz duradoura entre Roma e
Constantinopla. Roma não cederia, afirmando que sua atitude estava certa.
Constantinopla não aceitaria o que considerava uma heresia, simplesmente por
ter sido promulgada em Roma.

A disputa em torno de Fócio foi exacerbada por uma luta para assegurar-se o
domínio da nascente Igreja da Bulgária — luta em que Constantinopla foi
vitoriosa. Uma paz — sabiamente imprecisa — se fez após a segunda queda de
Fócio e durante século e meio as Igrejas viveram em comunhão completa,
ignorando a palavra Filioque. O Imperador Leão VI chegou a invocar a
autoridade doutrinária do papa para contrapô-la à do patriarca, na questão dos
quatro casamentos.

Durante todo esse período. Roma estava em fracas mãos, e Constantinopla no


auge de sua glória. Os bizantinos não se preocupavam com Roma. Quando a
embaixada do papa dirigiu-se a Nicéforo II como imperador dos gregos, a corte
imperial mostrou seu desagrado aprisionando os embaixadores e ignorando a
mensagem contida na carta papal.

Mas o ressurgimento cluniacense no século XI levou à renovação das pretensões


pedrinas de jurisdição mundial, e o choque com Constantinopla tornou-se
inevitável. O Patriarca Eustátio tentou, em 1024, evitá-lo, pedindo ao papa para
reconhecer as pretensões bizantinas de autonomia, mantendo Roma sua
precedência. O Papa João XIX teria concordado, mas seus conselheiros
cluniacenses o impediram. As relações, não obstante, continuaram cordiais. João
XIX concordou com a reforma, sugerida pelo patriarca, da Igreja do sul da Itália,
enquanto se estimulavam em Constantinopla as capelas que adotavam o rito
latino.

O choque final ocorreu durante o papado do reformador francês João IX e o


patriarcado de Miguel Cerulário. As invasões normandas do sul da Itália
complicaram, e finalmente prejudicaram, as relações políticas entre Roma e
Constantinopla. Irritado pelo tratamento que lhe dava o papa, de subordinado, e
decidido a não dar a ninguém precedência espiritual, Cerulário voltou a acusação
de heresia de Fócio. As cartas e embaixadas tornaram-se mais acrimoniosas, até
que em maio de 1054, mais uma vez, como nos dias de Fócio e Nicolau, os dois
grandes pontífices da cristandade excomungaram-se novamente. E mais uma vez
as Igrejas do Oriente acompanharam Cerulário, como campeão de uma atitude
que também era a delas. Dessa feita, o cisma foi duradouro. Mas tão pouco se
importavam então os bizantinos com Roma, que nenhum dos cronistas
contemporâneos deu-se sequer ao trabalho de registrar o acontecimento.

As Cruzadas colocaram o Oriente e o Ocidente em maior contato, com


resultados infelizes. Os imperadores Comnenos sentiram-se felizes por terem
conseguido incluir no jogo diplomático a esperança de união, mas de ano para
ano ela se tornava menos provável. A desconfiança política fez com que os
latinos odiassem e suspeitassem dos gregos cismáticos, ao passo que os gregos
desprezavam e amaldiçoavam os rude latinos hereges. A perseguição feita pelos
latinos aos cristãos sírios, que consideravam o imperador como seu protetor,
piorou a situação. A inimizade intensificou-se com o massacre dos italianos em
Constantinopla, em 1183, e chegou ao seu auge terrível na Quarta Cruzada.

Ela destruiu a última oportunidade de uma verdadeira união. O Papa Inocêncio


III horrorizara-se sinceramente com a notícia do saque de Constantinopla, mas
dispôs-se a tirar disso toda a vantagem possível para Roma. Em todos os
domínios recém-conquistados pelos latinos, a Igreja foi posta em mãos latinas e
os gregos cismáticos tiveram de trilhar o caminho da perseguição. Uns poucos se
inclinaram ante a autoridade papal e mantiveram seus postos, mas foram
considerados traidores e excomungados pela maioria, que preferiu
orgulhosamente o exílio, acreditando então, com Nicetas Ácominato, que devia
ter sido o papa que, apesar de todos os seus protestos, realmente puxava os
cordões da Quarta Cruzada. Miguel Ácominato mantinha ainda, é certo, relações
com os nômades hesitantes, muito embora desaprovasse sua fraqueza. Essa
tolerância, porém, era muito rara. (35) Inocêncio III adotou então um tom mais
comedido, reprovando o novo bispo latino de Atenas por um excesso de zelo nas
perseguições, e prometendo negociações. Seus emissários, porém — o hábil
Cardeal Benedito e o inábil Cardeal Pelágio — tinham instrução de não fazer
concessões. Os gregos, por sua vez, eram igualmente intransigentes. Em 1207 os
principais gregos de Constantinopla escreveram a Inocêncio uma carta que
resume todo o ponto de vista grego. Estavam dispostos a aceitar o governo de
Sireris (Sir Henrique, o mais hábil dos imperadores latinos), e dar distinção
honorária ao “Senhor Papa da Roma Antiga”, mas não concordavam com a
cláusula Filioque e afirmavam que a espécie de supremacia reivindicada pelo
Papa Inocêncio exigia a convocação de um Concilio.
Não houve conciliação entre as duas atitudes. E enquanto o império latino
perdurou, considerações políticas impediram qualquer tentativa séria de uma
reunião. Os imperadores de Nicéia eram partidários da autonomia e encontraram
seu mais forte apoio ao imperador ocidental Frederico II. João Yatatzes encarou
tão superficialmente a questão da união, a ponto de sugerir que se o papa
abandonasse a cláusula de Filioque, os gregos poderiam tolerar o uso latino do
pão ázimo (36).

A reconquista de Constantinopla modificou a situação. A princípio, Roma


alarmou-se, e o papa apressou-se em 1262 a oferecer aos que lutassem contra o
Imperador Miguel Paleólogo as mesmas indulgências propiciadas aos que
participavam das cruzadas contra os muçulmanos. Mas Miguel, em má situação
com sua própria Igreja, e aterrorizado pelos ataques do Ocidente, acreditava
sinceramente na oportunidade de uma união, qualquer que fosse seu preço. No
Concilio de Lião, em 1274, seus enviados concordaram, em seu nome, em
reconhecer a suserania de Roma. Mas Constantinopla não o seguiu. O protesto
foi geral. O Patriarca José e até Eulógia, sua irmã e conselheira mais íntima,
romperam com ele e lideraram a oposição. Não lhe foi possível realizar a
reunião. Roma irritou-se e adotou uma atitude provocadora. Roma exigia que ele
impusesse a união ao Império, até 1 de maio de 1282, ou seria excomungado e
seu inimigo, Carlos de Anjou, receberia apoio para combatê-lo. Miguel
desesperou-se, mas em março as Vésperas Sicilianas quebraram o poder de
Carlos e o salvaram. O episódio não tornara o papado mais agradável aos olhos
de Constantinopla. Miguel considerava-se pessoalmente comprometido pela
União de Lião durante toda a sua vida, mas seus sucessores voltaram à
independência. A ideia de reunião ainda persistia durante o século XIV. João
Cantacuzeno sugeriu que um concilio, o mais ecumênico possível, fosse
realizado nalguma cidade marítima entre Roma e Constantinopla, numa tentativa
de resolver o problema — mas nada se fez. Enquanto isso, o exílio de Avinhão e
o Grande Cisma enfraqueceram a influência do papado.

Quando, em princípio do século XV, o império evidentemente agonizava e o


papado havia recuperado um pouco de seu prestígio, políticos imperiais
desesperados reviveram o movimento. Manuel II manteve abertamente
esperanças de reunião, como uma isca ao Ocidente, e aconselhou seu filho a
prometer negociações, mas a procrastiná-las indefinidamente. O orgulho dos
latinos e a obstinação dos gregos não chegariam nunca a um acordo, dizia ele, e
a tentativa de união apenas ampliaria o cisma. Mas João VIII não aceitou o
conselho. Pela promessa de uma cruzada contra os turcos, comprometeu o
império no Concilio de Florença, onde, sob pressão sua, a maioria de uma
delegação do clero grego concordou, após discussões intermináveis, que ex Filio
significa o mesmo que per Filium, e que reconheciam a supremacia universal do
bispado romano, salvaguardados os direitos e privilégios das Igrejas Orientais —
o que tem um sentido vago.

Se a União de Florença tivesse sido seguida da prometida cruzada,


Constantinopla poderia tê-la aceito, em preito de gratidão. Mas o papa prometia
o que não podia cumprir. Ninguém mais fazia cruzadas à vontade do papa. A
única expedição ao Oriente foi a do rei da Hungria e seus aliados, que tinham
interesses próprios a proteger, e que sofreu em Varna, em 1446, um verdadeiro
desastre. João VIII só ganhou com a União o ódio de seus súditos. O acordo
estabelecido em Florença durou até a queda do império, mas não foi acatado
nunca pela grande maioria dos cidadãos de Constantinopla. Embora na fase
agônica do império as dissensões tivessem sido esquecidas e unionistas e
nacionalistas participassem da última missa solene em Santa Sofia, o Grão-
duque Lucas Notaras não foi o único a declarar que o turbante do sultão era
melhor do que o chapéu do cardeal. Nem deixava de ter certa razão, pois o sultão
permitiu aos gregos manter sua Igreja autônoma, para sustentar-lhes o espírito
durante os séculos de obscuridade política, ao passo que Roma lhes teria tirado
esse estímulo.

A história das relações entre as duas grandes Igrejas não é motivo de orgulho
para a cristandade. Tentar distinguir o bem do mal, moral ou historicamente, é
inútil, e os apologistas que escrevem longos trabalhos para justificar uma das
duas partes perdem seu tempo. A dificuldade essencial estava no fato de que
cada Igreja tinha sua concepção da organização e da autoridade cristã. Enquanto
Roma avançava cada vez mais pela trilha da infalibilidade papal, Constantinopla
permanecia fiel às ideias democráticas dos primeiros cristãos. “Como podemos
aceitar decretos sobre os quais não fomos consultados?” perguntava Nicetas da
Nicomédia a Anselmo de Havelbergue, quando debateram a questão da União,
no século XII. A exigência de completa submissão, feita em Roma, não
constituía uma resposta a essa pergunta.

A autonomia que Roma lhe negava, Constantinopla concedeu às Igrejas


nacionais dentro de sua esfera. A Igreja Cipriota reivindicava autonomia desde o
Concilio de Éfeso, em 431, e Constantinopla nunca procurou controlá-la, embora
tentasse influenciar os patriarcas do Oriente. As Igrejas criadas no estrangeiro
pelo seu zelo missionário, as várias Igrejas caucasianas e eslavônicas, recebiam
estímulo para manter língua própria e oportunamente tinham permissão para
autogoverno. O ideal bizantino estava numa série de Igrejas Estatais, autocéfalas
e ligadas pela intercomunhão e pela fé dos Sete Concílios. Até mesmo um país
vassalo podia conservar sua Igreja. Quando Basílio II conquistou a Bulgária,
deixou à Igreja Búlgara seus padres nativos e seu ritual eslavônico. Insistiu
apenas que o seu primaz fosse grego, a fim de que a organização religiosa não
fosse utilizada em propaganda nacionalista.

Foram muitas essas Igrejas autocéfalas filiadas, pois a Igreja Bizantina era uma
grande força missionária. O Cáucaso, a península balcânica, as planícies russas,
todos devem seu cristianismo a Constantinopla, e Cirilo e Metódio, os apóstolos
da Europa Central, foram enviados diretamente da corte imperial. Parece ter
havido, na época de Fócio, uma escola em Constantinopla para a educação de
missionários que pretendiam catequizar os eslavos. O Governo secular tinha,
naturalmente, interesse em estimular uma obra que tendia a aumentar sua esfera
de influência, mas não há razões para duvidar das intenções verdadeiramente
altruístas da Igreja, nem para depreciar as vantagens da civilização que assim,
eram levadas às nações convertidas.

A Igreja Bizantina não tem sido tratada com simpatia pelos historiadores. Seu
espírito religioso não era o mesmo do Ocidente. Seu monasticismo tendia, cada
vez mais, a transformar-se em quietismo. Atribuía um valor quase histérico ao
arrependimento. Suas paixões se levantavam facilmente, e muitos de seus
sínodos e concílios foram marcados por cenas da mais imprevista violência.
Enquanto no Ocidente o problema escatológico era o que ocupava
principalmente o espírito dos cristãos, a Igreja Oriental ansiava pelo estado de
graça, pela relação adequada com Deus, aqui e agora. Para tanto, a natureza da
Encarnação de Cristo, seu Mediador, era de capital importância, e se lhe fosse
possível a união mística com Deus, todas as outras formas de religião
pareceriam, em comparação, indignas. Frequentemente, porém, a Igreja
Ortodoxa tem sido denunciada como não-intelectual e não-progressista.
Nenhuma dessas duas acusações tem fundamento. O quietismo e a doutrina da
Graça não demandam, é certo, um apoio intelectual, mas a longa série de
autores, de São Paulo a Genádio, de cujos serviços ela se utilizou, constitui uma
refutação suficiente. É verdade que a Igreja de Bizâncio não produziu um Tomás
de Aquino, e sua doutrina não foi muito além dos Sete Concílios. A razão disso,
porém, era uma certa tolerância, um sentimento de que o cristão devia abrir seu
próprio caminho para a salvação dentro dos estreitos limites das ortodoxas
determinações de fé dos Concílios. Não devia haver um escolasticismo rígido
para determinar-lhe o que e como pensar. Muitos problemas doutrinários eram
deixados sem solução, particularmente os de natureza escatológica, como a
existência do Purgatório. Estimulava-se o estudo da filosofia grega, desde que
não levasse à heterodoxia, como o neopaganismo de João Ítalo. O homem
comum sentia realmente que, por vezes, o estudo dessa filosofia ia longe demais,
constituindo uma ameaça ao Estado. Mas João Mauropo, bispo de Eucaita,
escreveu no século XI um poema em que pedia a Cristo considerasse Platão e o
neoplatonista Plutarco como cristãos, porque suas doutrinas eram extremamente
nobres. Psellos julgou aconselhável, quando mergulhava profundamente na
taumaturgia e na astrologia, assegurar às autoridades eclesiásticas de que nada
fazia contrário à doutrina cristã, e para tanto bastou dar sua palavra. Gemisto
Pléton, que previa o desaparecimento da cristandade nuns poucos anos, opôs-se
violentamente à Igreja Latina, numa disputa entre esta e a Igreja Grega, por
considerá-la como uma ameaça maior ao pensamento. Após a queda do império,
o último livro de Pléton foi banido da Igreja Grega, o que não pode surpreender,
dada a sua natureza abertamente anticristã. Genádio entristeceu-se muito com a
necessidade de suprimir um trabalho intelectual tão bom. (37)

A Igreja não tinha uma atitude intolerantemente rígida para com suas práticas.
Os ortodoxos podiam combater nos latinos o uso do pão ázimo e o jejum aos
sábados, mas os bons religiosos aprendiam que era necessário fazer concessões e
que, sob certas circunstâncias, as regras podiam ser violadas. São Simeão, o
Novo Teólogo, reprovou severamente seu discípulo Ârsênio, que se
escandalizara pelo fato de ter o Santo dado a um visitante dispéptico a carne de
pomba exigida por sua dieta, embora fosse dia de abstinência.

Para os não-cristãos, as autoridades eram menos benevolentes. Os judeus,


particularmente, estavam sujeitos a perseguições periódicas. Heráclio foi
especialmente severo para com eles, devido a uma profecia de que o império
seria destruído por uma raça que admitia a circuncisão, e outros imperadores se
dedicaram à tarefa de eliminá-los. O fato de que Romano I tenha dado ordens
para que fossem banidos constitui um indício de sua admirável piedade. É digno
de nota, porém, que os perseguidores fossem os poderes leigos, e não a Igreja. A
Igreja frequentemente tinha relações amigáveis com os muçulmanos. Certos
califas e imperadores estimulavam os debates cordiais entre expoentes das duas
religiões. O Imperador Manuel Comneno chegou a pretender que a Igreja
removesse o anátema ao Deus do Islã, mas isso foi considerado como heresia.
No século XIII, porém, o Patriarca Arsênio teve visão bastante para permitir que
o sultão seljuque se banhasse num dos banhos que pertenciam à Igreja e mandar
um monge administrar o Sacramento a seus filhos, sem se ter certificado se estes
haviam sido devidamente batizados. Em época de guerra, os sentimentos se
exaltavam, e havia perseguições de ambos os lados, mas de modo geral as
relações entre Bizâncio e o Islã eram relativamente favoráveis, se comparadas as
que Bizâncio mantinha com Roma.

Como a maioria das entidades religiosas da Idade Média, a Igreja Bizantina


estava eivada de superstições. A paixão com que defendeu suas imagens fez com
que a história exagerasse tal qualidade. Na verdade, aos olhos do Oriente o
Ocidente parecia muito mais supersticioso. No Oriente, as estátuas de três
dimensões haviam sido proibidas como ídolos, nos dias que antecederam ao
iconoclasmo, e as imagens de duas dimensões foram poupadas devido à reação
espiritual direta que provocavam. A tendência puritana asiática dos bizantinos
não desapareceu nunca. La Brocquière julgava, no século XIV, que os bizantinos
não davam às relíquias a importância que seus concidadãos borgonheses teriam
dado. (38) Não obstante, havia no coração do povo um grande amor por suas
imagens e pela estupenda coleção de relíquias que a devoção de gerações de
imperadores reunira. A crença nos poderes miraculosos dos retratos, emblemas e
nos próprios ossos e pertences de Deus e Seus Santos era generalizada. Até os
intelectuais de maior cultura, como Ana Comnena, encontravam neles alguma
coisa. A taumaturgia que caracterizara os últimos séculos da Roma pagã
sobrevivia numa forma cristã, em Bizâncio. Os doentes buscavam a cura nas
Igrejas de São Cosme e São Damião ou do Arcanjo Miguel, tal como antes
tinham recorrido aos templos de Asclépio, e os milagres anda salvavam as
fortalezas da fé, embora o Paládio fosse, agora, o Manto da Virgem ou os ossos
de algum santo. Essa devoção intensa era uma das características mais
surpreendentes da vida bizantina. Dela a Igreja serviu-se amplamente, mas, se
tirou disso algum proveito, é um ponto a esclarecer.

Em seu conjunto, a Igreja Bizantina foi, como a administração civil, adequada às


circunstâncias e à época. Teve seus períodos sombrios. Sob Justiniano e sob os
Comnenos, tornou-se quase um departamento do Estado, sem vida; no extremo
oposto, a anarquia provocava o afrouxamento da disciplina. Os mosteiros, em
particular, deviam estar sujeitos a uma supervisão constante. Depois dos ataques
que contra eles desfecharam os iconoclastas, São Platão teve grande dificuldade
em restaurar as necessárias regras do celibato, recusando-se a permitir nos
mosteiros até mesmo a existência de fêmeas de animais. No caótico término do
século XI, a situação era ainda pior. São Cristódulo não podia convencer seus
monges a permanecerem tranquilos em Patenos, e Aleixo I teve de aconselhá-lo
a permitir que algumas famílias leigas se estabelecessem lá para amenizar a
severidade da vida. Até monges de Atos surgiam na corte imperial para reclamar
que a presença de jovens pastores nas montanhas sagradas estava provocando
vícios contra a Natureza, e Aleixo descobriu que haviam inventado tal escândalo
como pretexto para visitar Constantinopla. O patriarca empenhou-se em eliminar
esses erros, mas não encontrou apoio suficiente da parte dos metropolitas.

Tais episódios eram, entretanto, excepcionais. No todo, os membros do alto


clero constituíam uma garantia contra ocorrências semelhantes. A Igreja era uma
instituição democrática. Era possível a qualquer cristão ortodoxo, por mais
humilde que fosse sua origem, chegar ao trono patriarcal. Teoricamente, o
mérito era o único critério, e na prática os patriarcas sempre demonstraram
grande habilidade— exceto quando o imperador nomeava, deliberadamente, uma
nulidade para o posto, medida sempre impopular. Mesmo quando isso acontecia,
frequentemente a nulidade se compenetrava de sua posição e não envergonhava
o patriarcado, tal como aconteceu quando João Vatatzes nomeou Arsenio, ao
invés de Blemidas. Quase todos os patriarcas encaravam seriamente seu papel de
guardião da consciência do império, denunciavam sem temor o vício nas altas
esferas, como Crisóstomo ou Polieucto, ou procuravam salvar as vítimas da ira
popular, como José, que tentou salvar os odiados catalães do massacre de 1307.
Os metropolitas e os bispos surgem menos frequentemente nas páginas da
história, e é menos fácil generalizar sobre seu comportamento. Em toda a
história bizantina, houve entre eles homens como São Gregório Nazianzeno,
Jorge de Pisídia, João Mauropo de Eucaita e Miguel Acominato, de Atenas. E, a
despeito de simonia ocasional, não há motivo para supor que tais autoridades
religiosas fossem, em geral, de reduzida cultura ou incompetentes. Na verdade,
os bens materiais que eles deviam administrar exigiam uma certa competência,
que foi posta à prova durante as invasões estrangeiras, pois, quando os poderes
militares e civis se retiravam frente ao inimigo, cabia ao bispo zelar pelos
interesses de seu rebanho. Demétrio, bispo de Chitri, em Chipre, foi até Bagdá
na defesa dos interesses dos cristãos cipriotas, sob o jugo sarraceno. Mesmo os
santos e eremitas locais, embora seu modo de vida nos pareça hoje doloroso e
desnecessariamente limitado, exerciam frequentemente uma influência moral e
política benéfica. O fócio Lucas, o Menor, o argivo Nícon Metanocite, ou o
calabrês São Nilo — cuja carreira pertence mais à Itália dos imperadores saxões
— eram servidores importantes e valiosos, tanto da Igreja como do Estado.
Quanto aos sacerdotes das aldeias, nada sabemos, praticamente. É provável que
então, como hoje, fossem humildes de hábitos, de reduzida cultura, e
executassem suas tarefas da melhor forma possível.
A Igreja Bizantina foi uma admirável Igreja Estatal. A pompa de seu ritual
contribuiu para a majestade do império, seus santos e ícones colocaram-na ao
alcance do povo, sua recusa obstinada em sujeitar-se a ditames estrangeiros
formou um sentimento de nacionalidade, e houve bastante liberdade em sua
teologia para não sufocar a atividade intelectual de que o império se orgulhava.
Séculos de opressão turca obrigaram os ortodoxos a aprender a arte de viver nas
sombras, mas, enquanto Constantinopla foi uma cidade cristã livre, sua Igreja
manteve-se como a mais civilizada organização religiosa até então conhecida
pelo mundo.
VI. EXÉRCITO, MARINHA E
DIPLOMACIA

I. O EXÉRCITO (39)
A administração de Bizâncio estava intimamente relacionada com suas forças
militares. Com o império cercado de inimigos o governo não pôde nunca sentir-
se, nem por um momento, livre do perigo de uma invasão, de uma incursão que
poderia ameaçar a própria capital. Sua existência mesma dependia do controle
adequado das nações que o cercavam — da eficiência e da vigilância do exército
e da marinha e de uma diplomacia incessante.

Os bizantinos não eram um povo de tendências militares. Admiravam as proezas


marciais, mas não as consideravam como qualidade fundamental, ao contrário do
que ocorria no Ocidente cavalheiresco. O general triunfante continuava sendo
um servidor do Estado, por mais valioso que fosse. Foi a necessidade que os
obrigou, com o tempo, a se organizarem em moldes militares e dedicar a tal
assunto sua atenção cientifica. E isso só lhes trouxe vantagens. Bizâncio foi o
lugar em que, durante toda a Idade Média, os meios de guerra, organização
militar e estratégia foram cuidadosamente estudados. Produziu uma série de
autores militares capazes, e muitos de seus historiadores se interessaram pelos
assuntos militares. Graças a eles podemos traçar, com certas interrupções, a
história das armas bizantinas, Nos primeiros séculos, temos o italiano Vegécio,
do século IV; o pedante teórico Urbício, de fins do século V; Procópio, do século
VI, é acima de tudo um historiador militar; o Imperador Maurício, algumas
décadas mais tarde, escreveu seu Strategicon, valioso tratado sobre o exército da
época. Cerca do ano 900, o Imperador Leão VI, um dos poucos imperadores que
não se dedicaram às armas, compilou um tratado sobre todos os assuntos
militares, conhecido como Tactica; cerca de 960, um dos generais de Nicéforo
Focas dedicou ao seu soberano um manual tratando da guerra na frente oriental,
e pouco mais tarde outro manual semelhante era escrito por autor desconhecido.
No século XI, o velho soldado Cecaumeno registrou, em estilo discursivo,
alguns dos frutos de sua experiência; em princípios do século XII, nem toda a
verbosidade de Ana Comnena pôde esconder seu interesse e sua compreensão
dos assuntos militares. Mas já então o exército bizantino entrara em decadência.

Quando Constantino fundou sua cidade no Bósforo, o exército romano


atravessava um período de transformação. O século III fora desastroso, e a
organização do exército mostrara-se perigosa. A Guarda Pretoriana fazia e
desfazia imperadores, e os grandes governadores de províncias, com legiões
inteiras à sua disposição, estavam quase que em rebelião permanente.
Diocleciano e depois dele Constantino tentaram uma reforma. Organizaram uma
tropa regular das fronteiras, com soldados hereditários, que recebiam em terras
seu pagamento — os limitanei — e outro exército central móvel — os
comitatenses — chefiado pelo imperador, e que podia ser enviado rapidamente a
qualquer ponto.

Isso, porém, não bastava. O exército envelhecia, tanto nas táticas como no
equipamento. O legionário pesado já não era adversário para o cavaleiro dos
bárbaros. A vitória de Juliano contra os germanos em Estrasburgo, em 357, foi a
última vitória da infantaria romana. Vinte e um anos mais tarde, no colossal
desastre de Adrianópolis, ela deixou patente sua impotência contra os cavaleiros
godos. A utilidade da cavalaria já fora percebida, e seus efetivos aumentados.
Essa necessidade, porém, superava os contingentes existentes. Teodósio I,
convocado para reconstruir o império o mais depressa possível, revolveu usar,
contra a cavalaria bárbara, a própria cavalaria bárbara. Organizou os foederati,
regimentos bárbaros ou tribos inteiras, que serviam junto com os romanos, sob a
chefia de seu príncipe. Foi um remédio ditado pelo desespero, e arruinou o
Ocidente. Os foederati podiam conter Atila, mas seus chefes, transformados em
generais romanos, eram poderosos demais. Bárbaros como Ricimero e Odoacro
dispuseram da coroa imperial a seu bel-prazer, até se convencerem de que era
mais simples não ter nenhum imperador na Itália. No Oriente, após a derrota do
godo Gainas, a família imperial conseguiu conter os foederati até que Leão I e
seu genro Zeno lhes reduziram o poder, convocando tribos mais selvagens do
império, para enfrentá-los: os isáurios e armênios das montanhas asiáticas.

No século VI os foederati foram confinados a limites razoáveis e úteis. Para


contê-los, havia a cavalaria pesada da Ásia Menor, os catafractos que Procópio
tanto admirava, e foram essas tropas montadas, armadas de couraça e arcos, que
conquistaram as vitórias do reinado de Justiniano. Mas os foederati haviam
deixado um péssimo sistema de recrutamento, que se espalhou por todo o
exército. Era o general quem reunia e mantinha seus homens, e não o governo
central. Regimentos e legiões com denominações regulares eram, então,
desconhecidos. As tropas recebiam os nomes de seus comandantes.
Coletivamente, eram chamadas de bucelários. O sistema foi ainda agravado pelo
hábito de Justiniano de não confiar a seus generais nem muito poder nem muito
dinheiro. Em consequência, suas guerras eram continuamente perturbadas por
motins e descontentamento. As vitórias foram obtidas graças ao gênio de seus
dois grandes comandantes, Belisário e o eunuco Narses.

As dificuldades financeiras dos últimos dias de Justiniano e do reinado de


Justino II levaram à redução dos mercenários estrangeiros. O império não podia
manter os foederati. Isso pode ter enfraquecido as fileiras do exército imperial,
mas permitiu aos imperadores seguintes, Tibério e Maurício, abolir o sistema
dos bucelários — embora o nome fosse conservado para um regimento — e
reorganizar todo o exército, tornando-o dependente do imperador. O Strategicort
pinta-nos um quadro do novo exército, A unidade é o grupo, numerus, arithmos
ou tagma — a transição do latim para o grego ainda não estava completada, e
palavras das duas origens se misturavam. O grupo consistia de 300 ou 400
homens, comandados por um comes, ou tribuno. Seis, sete ou oito grupos
formavam uma moira, comandada por um merarca, ou dux. Os números exatos
eram propositadamente vagos, para que o inimigo não pudesse calcular nunca a
magnitude exata do exército. A disposição dos grupos cabia ao comandante-
chefe, quando irrompia a guerra. Não havia regimentos permanentes, exceto os
bucelários, os foederati e os optimati, remanescentes dos mercenários
estrangeiros que formavam uma espécie de guarda imperial. Maurício tinha
ainda planos de criar uma força territorial. Desejava que todos os homens
nascidos livres aprendessem a manejar o arco, e tivessem um arco e flechas, para
que defendessem seu distrito em caso de invasão. É impossível dizer até que
ponto essa ideia foi posta em prática. É certo, porém, que nas fortalezas de
fronteira os cidadãos eram chamados a participar da defesa.

Foi o exército reorganizado por Tibério e Maurício que Heráclio levou à vitória
nas prolongadas Guerras Persas, e que, exausto, foi dominado pelas invasões
árabes. As conquistas sarracenas roubaram ao império o Egito, a África e a Síria,
e foi com dificuldade, após anos caóticos, que a fronteira da Ásia Menor pôde
ser defendida contra eles. Durante esse período, a reorganização do exército foi
completada, através de fases que não podemos acompanhar; até que no século
VIII, finalmente, os imperadores isáurios aperfeiçoaram o sistema do “temas”.

A origem desse sistema está no estacionamento de certos regimentos ou “temas”,


certas combinações regulares de grupos, para defender determinados distritos
fixos, e a nomeação do comandante do regimento, ou strategus, para a chefia
também do governo civil. Os distritos eram por isso conhecidos como “temas”, e
a princípio cada um deles recebeu o nome do regimento que o ocupava, como os
optimácios ou os bucelários. Mas à medida que o império se ordenava e a vida
civil se recuperava novos temas eram criados em distritos reclamados pelo
governo e na fronteira. Recebiam, então, nomes geográficos, como carsiniano ou
selêucio, de acordo com suas principais cidades, ou capadócios ou peloponesos,
segundo o velho nome da província. Os “temas” eram subdivididos em duas ou
talvez três turmarquias, ou merê, distrito ocupado pela turma, ou principal
divisão do regimento, comandado por um turmarca ou merarca. A turma, por sua
vez, se dividia em três moirai, cada um deles sob um drungário, e a moira em
dez grupos ou tagmata, tendo à frente um comes. À medida que a fronteira
avançava, as turmarquias iam sendo separadas de seus “temas” originais, e com
o acréscimo de novos territórios, passavam a constituir “temas”. Foi assim que
Leão VI criou o “tema” de Selêucia. Certos distritos de fronteira, particularmente
os passos, não eram incluídos na organização temática, ficando sob ocupação
militar permanente. Eram chamados kleisourai ou clissurae, e seu comandante
era um clissurarea. Também eles podiam ser elevados a “temas”.

O exército assim organizado era principalmente uma arma de defesa, e nos


períodos em que o império estava na defensiva constituía a sua arma mais
importante. O estratego do “tema” anatólio, o mais importante dentre eles, era
até o século IX o comandante-chefe da Ásia, e até mesmo no século X ocupava
um lugar extraordinariamente alto na hierarquia oficial. Junto às tropas das
clissurae — e possivelmente por vezes controlando-as — estavam os barões da
fronteira, os acritas, tais como o herói épico Digenes, que realizava uma
guerrilha de pilhagem permanente contra os sarracenos, mas que provavelmente
se unia aos exércitos imperiais para qualquer expedição organizada.

Durante o século IX aumentou a importância de um novo ramo do exército, a


tagmata, ou os quatro regimentos dos guardas imperiais — os scholac, os
excubitors, os arithmos ou vigia (vigias) e os kicanati. Os últimos foram,
aparentemente, organizados por Nicéforo I, e os outros descendiam dos guardas
palacianos do império antigo. Constituíam-se de regimentos de cavalaria,
provavelmente sem grande poderio — as “escolas” do século X tinham apenas
1.500 homens — cada um deles comandado por um “doméstico”, exceto o
regimento vigia, que tinha como comandante um drungário. Adidos a eles
estavam os numeri, soldados de infantaria cujo número era de 4.000
aproximadamente, e os hetaeria, a verdadeira Guarda Imperial, recrutada entre
estrangeiros — últimos sucessores dos foederati. Essas tropas ficavam
estacionadas habitualmente na Trácia ou na Bitínia e acompanhavam o
imperador em suas campanhas ou, com o tempo, o “doméstico” dos schulae
assumia as funções de comandante-chefe, quando o imperador não ia
pessoalmente à frente das tropas. Durante o longo período de quase um século
que vai de Basílio I a Nicéforo II, e quando nenhum dos imperadores era
soldado, o “doméstico” tinha sem dúvida o posto militar mais importante do
império, embora sua precedência fosse inferior ao do estratego dos anatólios. A
transição para a guerra ofensiva, no curso desse período, apenas fortaleceu sua
posição, até que em 963 o “doméstico” Nicéforo Focas era o candidato natural
para o império durante a menoridade dos imperadores porfirogênetos.

Os deveres das diferentes tropas eram claramente estabelecidos. O exército


temático guardava as fronteiras contra as invasões estrangeiras. Quando os
sarracenos cruzavam a fronteira, o comandante local comunicava imediatamente
o estratego dos “tema”, que avisava sem demora os “temas” vizinhos lançando
sua cavalaria em perseguição dos invasores, enquanto a infantaria ocupava os
lugares por onde eles teriam de passar, no regresso. Os “temas” vizinhos, nesse
meio tempo, reuniam suas tropas principais e preparavam-se para convergir
sobre um mesmo ponto, para onde se supunha que o inimigo iria. Se a
concentração dessas forças fosse bem preparada e calculada, os invasores
poderiam ser surpreendidos e cercados, como ocorreu em 863, ocasião em que o
general sarraceno Omar foi sitiado no Hális pelo exército temático da Ásia.
Faziam-se também contra-ataques, dando instruções a frota para devastar a costa
sarracena.

Quando o exército bizantino realizava um contra-ataque, o imperador ou o


“doméstico” da scholae saía de Constantinopla com a tagmata, e a ele se uniam,
em determinados pontos da grande Estrada Militar da Ásia, contingentes de
tropas dos vários “temas”, principalmente infantes, embora também enviassem
alguma cavalaria, pois sabemos que o imperador devia ser sempre acompanhado
de 8.200 cavaleiros no mínimo, e a tagmata provavelmente não dispunha de mais
de 6.000. Restam-nos muito poucas informações sobre os processos adotados
durante as ofensivas em território inimigo. Quando Leão VI escreveu sua
Tactica, elas eram raras, e pouco mencionadas. Até mesmo o soldado de
Nicéforo Focas, que descreveu a antiga guerra defensiva, declarava que suas
experiências estavam desatualizadas, na época. Somente num pequeno manual
anônimo, (o Liber de Re Militari) é analisada a invasão de terras estrangeiras, e
mesmo assim — embora na época já João Tzimices levasse seus exércitos à
Palestina e aos arredores de Bagdá — as regras mencionadas são cautelosas e
imprecisas, tratando principalmente do sítio de cidades inimigas.

A cautela, na verdade, era a chave da estratégia bizantina. Os ataques dos


bárbaros e dos infiéis eram tão frequentes e por vezes tão inesperados que uma
política agressiva, ousada, dificilmente era praticável. O exército bizantino não
era grande, como o dos sarracenos, e sua manutenção era custosa. Tinha, por
isso, de ser usado do melhor modo, sem perda de vidas ou de equipamento.
Todos os livros didáticos militares bizantinos insistem nas advertências contra a
precipitação — os generais deviam sempre prevenir as emboscadas e ataques de
surpresa e não deixar nunca seus flancos descobertos. Deviam possuir batedores
de confiança e servir-se de estratagemas sempre que possível. Na verdade a ética
ensinada era a menos rigorosa possível. A palavra empenhada devia ser mantida,
a vida dos prisioneiros poupada, as mulheres respeitadas; os termos da paz não
deviam ser impiedosos, se o inimigo lutara bravamente. Recomendavam-se,
porém, as conversações insinceras para ganhar tempo e espionar o inimigo, o
envio de cartas falsas aos generais inimigos, para intrigá-los com seus
comandantes, e a manutenção da boa disposição das tropas narrando-se-lhes
histórias de vitórias imaginárias.

Tais recursos podem ter sido úteis, mas a força real dos bizantinos estava na
inteligência com que enfrentavam seus vários inimigos. Aprendiam os métodos
bélicos particulares de cada um dos adversários, e o melhor processo de anulá-
los. Assim, os francos foram vítimas de sua precipitação, pois facilmente se
deixavam levar a emboscadas. Seu abastecimento era mau, e a fome provocava
deserções. Eram indisciplinados e corruptos. Evitando uma batalha direta, onde a
coragem e força individual muito os ajudavam, constituíam um adversário fácil
de desgastar. Os turcos, que incluíam os magiares e os petchenegos, eram
também astutos, e suas tropas se constituíam de hordas de cavaleiros com armas
leves. O general bizantino devia, ao enfrentá-los, precaver-se contra emboscadas
e forçá-los à batalha o mais depressa possível. Seus cavaleiros pesados podiam
derrotá-las sem que os turcos conseguissem atingir as linhas da infantaria
bizantina. Os eslavos, infantes de armas leves, só eram perigosos em terreno
montanhoso e difícil. Nas planícies, seu armamento deficiente e sua indisciplina
não lhes permitiam resistir às tropas imperiais. Os sarracenos eram, portanto, os
inimigos mais importantes. Podiam reunir exércitos enormes, moviam-se com
grande rapidez e haviam feito estudos da arte da guerra. Continuavam, porém,
um tanto desorganizados, e seu ânimo se alquebrava à derrota. Um ataque
noturno num momento em que, carregados com os resultados das pilhagens, se
viam obrigados a mover-se mais devagar, podia lançá-los em pânico. Também o
clima os atingia, principalmente o frio e a chuva. Homem por homem, seus
cavaleiros não eram adversários para os bizantinos e portanto estes não temiam a
batalha aberta, exceto quando a proporção numérica era muito desfavorável.
Também a arte do sítio tinha suas regras especiais, segundo a natureza da cidade
sitiada e da região que a circundava. Tais regras foram cuidadosamente
estabelecidas, mas não eram rígidas. Um recurso novo era sempre bem recebido.
Cecaumeno pedia aos generais que pensassem sempre em novos métodos, e Ana
Comnena louvava seu pai, Aleixo I, pelas novidades por ele criadas. Os sitiados
deviam examinar e descobrir a força e o temperamento do inimigo. Cecaumeno
recomendava sortidas e certas artimanhas. Por outro lado, as fortificações foram
objeto de um estudo cuidadoso.

A força do exército bizantino estava nos cavaleiros de armamento pesado, os


caballarii. Usavam capacetes de aço e cola de malha, com um frontal de aço para
oficiais e soldados da linha de frente; tinham mantos de linho e lã para recobrir a
armadura, segundo o tempo. Suas armas eram a espada, a adaga, o arco e flecha,
e uma lança. As cores dos ornatos e mantos variavam segundo o regimento. Os
infantes eram principalmente arqueiros — certas províncias forneciam soldados
com azagaias, ao invés de arqueiros. Havia também infantes com machados,
lanças, espadas e escudos, e que defendiam os passos montanhosos, onde o
emprego da cavalaria era difícil. O fogo grego, principal característica da guerra
naval bizantina, era usado pelo exército apenas para afastar os sitiantes.

Informações diversas são dadas quanto ao salário das tropas. Os estrategos dos
“temas” militares da Ásia recebiam entre 20 a 40 fibras de ouro por ano. Os
turmarcas recebiam aparentemente pelo menos 3 libras, e os oficiais de menor
patente, 2 ou 1. Entre os soldados, os recrutas, ao que parece, ganhavam 1
numisma no primeiro ano, 2 no segundo, e assim por diante, até chegar a 12 ou
mesmo 18. Cecaumeno recomendava enfaticamente que o salário dos soldados
não fosse nunca reduzido. Calculou-se que os exércitos dos “temas” ocidentais,
inclusive a Trácia e a Macedônia, custavam ao Tesouro pelo menos 500.000
libras esterlinas, ou 22.500.000 francos-ouro por ano. O pagamento era efetuado
pelo cartulário de cada “tema”, autoridade essa controlada pelo governo central.
Frequentemente, porém, o pagamento dos soldados se fazia em terras. Os
soldados da cavalaria eram recrutados principalmente entre os pequenos
proprietários, que tinham uma obrigação hereditária de prestar serviço militar, e
em compensação estavam isentos de todos os impostos, exceto o territorial. A
obrigação do serviço militar podia, entretanto, ser evitada. A mãe de santo
Eutímio, o Jovem (n. cerca de 820), que era viúva, casou-o muito cedo para que,
tendo duas mulheres e uma casa a sustentar, pudesse ele livrar-se do serviço
militar. Os hetaerii eram tão bem remunerados que os estrangeiros costumavam
pagar para ser admitidos às suas fileiras.

Em seus melhores dias, o exército bizantino tinha provavelmente apenas cerca


de 120.000 homens, dos quais 70.000 nos exércitos do Oriente, e o resto nos
“temas” ocidentais e nos regimentos do exército central. A esse total, porém,
devemos acrescentar o grande número de pessoas que acompanhavam o
exército. Os soldados podiam levar criados e escravos, para que não se
cansassem com as tarefas de armar tendas e cavar trincheiras. O abastecimento
ficava a cargo de não-combatentes. Um corpo de engenheiros, também não-
combatentes, estava sempre presente para organizar o acampamento noturno.
Além disso, havia um corpo médico muito eficiente, com uma organização de
transporte de feridos de que se podia orgulhar qualquer exército. Nos grandes
postos militares, como Dorileu, havia grandes bandos coletivos para os soldados.

Em 1071 o Imperador Romano Diógenes, violando todos os cânones da


estratégia bizantina, levou suas tropas à derrota em Manziquerte. O exército
bizantino não se recuperou jamais, não tanto devido a esse grande desastre, mas
devido ao fato de ter ele provocado a perda da maior parte da Ásia Menor e a
desordem de toda a organização temática. O eunuco Nicéforo, o Logóteta, e,
depois dele, Aleixo I, conseguiram reunir um exército que bateu os normandos e
os petchenegos e prestou bom serviço no reinado de João, filho de Aleixo —
sendo desgastado na Armênia e na Hungria por seu neto Manuel, finalmente,
perdido em Miriocéfalo. Foi porém um exército quase improvisado, reunido dia
a dia, da melhor forma possível, sem uma organização estável para mantê-lo. Por
medida de economia, tinha de ser desmobilizado cada inverno. Os imperadores
eram obrigados a se valerem, cada vez mais, de mercenários estrangeiros. A
guarda pessoal da corte imperial sempre fora constituída de estrangeiros, e o
rebelde Bardas Focas tinha uma guarda de georgianos escolhidos, todos da
mesma altura e vestidos com uma armadura branca. A famosa guarda varangiana
foi organizada durante a primeira metade do século XI, e no reinado de Aleixo
dela participavam estrangeiros de todas as origens — russos, “colbíngios”,
turcos, alanos, ingleses, germanos e búlgaros. Formavam eles, com os hicanali,
os vestiantes, os imortais (remanescentes da antiga tagmata, reunidos após
Manziquerte pelo eunuco Nicéforo em 1078) e os archontopuli, (organizados por
Aleixo para os filhos dos nobres mortos) o núcleo do exército. Foi a guarda
varangiana, composta principalmente de ingleses, que os normandos derrotaram
em Dirráquio, em 1081. Já não havia exército temático: os “temas” foram
dissolvidos e os Comnenos preferiam centralizar. Passou a haver dois comandos
principais, o “doméstico” do Oriente e o “doméstico” do Ocidente, ao invés dos
vários estrategos. Organizaram-se novas tropas com mercenários estrangeiros.

No princípio do século XI, fora uma norma fixa não dar altos comandos a
estrangeiros. Pedro, sobrinho do rei da Germânia, que serviu sob Basílio II, com
todos os seus méritos não teve posto superior ao de “doméstico” provincial. No
governo dos Comnenos, os estrangeiros foram colocados em posições de grande
importância. O grande heteriarca de Aleixo era um cítio, mas apesar disso
Boemundo foi considerado como impertinente quando reivindicou o cargo de
“doméstico” do Oriente. Manuel I e Maria de Antióquia deram muitos dos
lugares mais importantes aos latinos.

O sistema de mercenários exigia grandes somas à sua disposição, no Tesouro.


No governo dos Ângelos, o dinheiro começou a escassear. Finalmente, na crise
de 1204, quando os soldados estrangeiros exigiram seus salários, foi impossível
atendê-los. Os estrangeiros, cuja única lealdade era financeira, recusaram-se a
lutar e Constantinopla ficou indefesa.

Os imperadores de Nicéia, com sua rigorosa economia, conseguiram organizar


um pequeno exército e colocar nas fronteiras uma milícia, pagando-a com o
antigo sistema de pequenas propriedades. Mas os Paleólogos não podiam manter
tropas nativas. A história da companhia catalã ensinou-lhes os perigos de
contratar mercenários, mas não havia alternativa. O posto de Grande Doméstico,
o comandante-chefe, era quase sempre uma sinecura. O potencial humano do
império declinava rapidamente, e manter um exército em época de paz era uma
extravagância em que não se podia pensar. Muito antes que Constantinopla
caísse frente aos turcos, o exército bizantino era coisa do passado. Todo o legado
deixado pelos grandes soldados aos seus descendentes empobrecidos foi a longa
linha de muralhas que, por tantos séculos, constituíram o baluarte do Oriente
Cristão.
II. A MARINHA (40)
O exército era a principal força armada de Bizâncio. A marinha nunca teve a
mesma importância e atenção. Até que Leão VI escrevesse sua Tactica, não
havia qualquer livro sobre a guerra naval em Bizâncio, e Leão só lhe dedicou
uns poucos e curtos capítulos. Um único autor voltou ao assunto, o
paracoemomeno Basílio, cuja Naumachia não foi jamais publicada. Constantino
VII fornece algumas informações incidentais, mas historiadores como Ana
Comnena evidentemente consideram os assuntos navais como de pouco
interesse, em relação aos militares. Consequentemente, pouco sabemos da
história naval do Bizâncio, e nos sentimos tentados a reduzir a sua importância.

Nos grandes dias do Império Romano, quando o Mediterrâneo era um lago


romano, não havia necessidade de uma frota grande. A fortaleza de Bizâncio
mantinha os piratas do Mar Negro longe das águas civilizadas, para as quais
apenas uma pequena força de polícia era necessária. Mesmo durante as primeiras
invasões godas, uns poucos navios haviam bastado para bloquear a costa e forçar
a retirada dos bárbaros. A ineficiência da política naval romana só se evidenciou
quando os vândalos chegaram à África e construíram uma armada. Mas os
imperadores do século V, tanto no Oriente como no Ocidente, não passaram das
meias tentativas para superar a deficiência, e até mesmo Justiniano foi mais
auxiliado pelo declínio do poderio marítimo dos vândalos do que por uma força
naval própria.

A marinha bizantina começou realmente sob os imperadores heraclidas. O


crescente poderio naval dos árabes exigia uma correspondência, e os muitos
invasores do império tornavam tão difíceis as viagens por terra que as rotas
marítimas, devidamente protegidas, tornavam-se aconselháveis. Quando se
organizavam os “temas”, dois “temas” navais foram criados, nos quais o
governador era um almirante, ao invés de um general. Eram o “tema” cibirreota,
incluindo a cosia sul da Ásia Menor, e o egeu, formado pelas ilhas e partes da
costa ocidental da Ásia Menor. Cada um deles era comandado por um drungário,
e o dois estavam sob o comando supremo do estratego de Carabisiani. Foi essa
frota que por duas vezes afastou os árabes de Constantinopla e preservou a
Sicília para o império. Em 698 ela destronou Leôncio, colocando no trono o
Almirante Apsimar. Em 711, destronou Justiniano II. Os soldados imperadores
da dinastia isáuria se atemorizaram. Além disso, enquanto a soldadesca apoiava
sua política iconoclasta, a marinha recrutava seus homens principalmente nas
províncias dedicadas ao culto das imagens, devoção que se coaduna com a alma
supersticiosa do marinheiro. O poderio marítimo árabe estava em declínio, e por
isso considerou-se possível abolir o supremo comando, degradar os “temas”
marítimos e reduzir grandemente o número de navios, sem pôr em risco a
segurança.

Foi uma política errônea. No século IX, as frotas árabes voltaram a aparecer e
tomaram ao império a Sicília e, pior ainda, Creta, transformando-a numa base de
piratas que punha em perigo todo o litoral do Egeu. Tornava-se necessário
ressuscitar a armada. Seu renascimento coincidiu, possivelmente com razão, com
a morte final do iconoclasmo. Teodora e Miguel III, e, após eles Basílio I,
reorganizaram toda a marinha. Restauraram-se os “temas” marítimos e, um
pouco mais tarde, o “tema” de Samos, incluindo Estruma, foi criado. Os temas
europeus da Hélade, do Peloponeso, da Cefalônia e os temas italianos receberam
instalações navais. Uma grande frota imperial deveria estacionar em
Constantinopla, sob o comando do Grande Drungário, um dos altos oficiais da
hierarquia. Os estrategos dos “temas” navais tinham, porém, salário menor do
que seus colegas militares: apenas dez libras de ouro por ano.

A nova marinha era eficiente e teve êxito. Não pôde salvar a Sicília, mas
reconquistou o sul da Itália para o império, e suas expedições no Adriático,
comandadas pelo grande almirante de Basílio I, Oorifas, obrigaram a costa
dalmácia a recordar-se de uma aliança há muito esquecida. O pirata sarraceno
Leão de Trípoli conseguiu, apesar de tudo, saquear Tessalônica em 904, mas isso
lhe custou a vida alguns anos mais tarde. Sob Zoé Carbopsina, destruiu um
reduto de ladrões sarracenos no rio Garigliano, e sob Romano I realizou tarefa
semelhante bem mais longe, indo até Fréjus. Em 961 Creta foi retomada, após
duas tentativas fracassadas, em 902 e 949. Com isso, o poder marítimo dos
árabes estava encerrado, e Nicéforo Focas pôde dizer, sem mentir, ao
embaixador italiano Liudprand, “Somente eu domino o mar”. Já Constantino VII
havia reivindicado o direito de supremacia sobre o estreito de Gibraltar.

Mas o poder marítimo de Bizâncio, por sua vez, declinava. Em parte, a razão
disso era o poder excessivo a que podia chegar um almirante — Romano
Lecapeno teve em seu comando naval o melhor trampolim para o trono — o que
provocou a deliberada redução dos armamentos pelos imperadores civis do
século XI. A ausência de qualquer forte potência marítima rival fazia com que a
frota parecesse uma extravagância desnecessária. Já em 992 Basílio II atribuiu
aos venezianos o policiamento do Adriático, e permitiu-lhe levar tropas
imperiais, quando necessário. No Oriente, as conquistas dos seljuques
desorganizaram os temas marítimos. Na época de Aleixo Comneno, quando o
império necessitava novamente de navios para sua defesa, mercenários italianos
tiveram de ser contratados. Aleixo tentou reconstruir a armada imperial e
conseguiu uma frota capaz de enfrentar os pisanos e genoveses. Tempos depois,
entretanto, os Comnenos não dispunham nem de homens nem de dinheiro.
Manuel I gastou todos os recursos existentes em campanhas militares, e a frota
desapareceu. O resultado foi o desastre de 1204.

Os imperadores de Nicéia parecem ter voltado suas energias para a armada. É


fora de dúvida que no reinado de Miguel Paleólogo e quando da retomada de
Constantinopla, havia uma frota imperial pequena, mas útil. Na verdade, durante
todo o período dos Paleólogos, a frota provavelmente estava em melhores
condições do que o exército. O almirante-chefe, então chamado Grão-Duque,
tinha uma posição quase tão importante quanto a do Grande Doméstico —
relativamente mais alta do que o Grande Drungário jamais chegara a atingir.
Mas a marinha era muito fraca para enfrentar as grandes armadas italianas e no
caos das últimas décadas também ela quase desapareceu. Restavam, porém,
ainda alguns navios gregos para lutar contra os turcos no sítio final, notadamente
os navios de transporte imperiais, que levavam gêneros à cidade bloqueada e que
tinham de abrir caminho, com enormes dificuldades, até o porto.

O navio de guerra bizantino era usualmente uma dromunda, birreme que podia
ter de 100 a 300 homens. Havia birremes de outros tipos, aparentemente mais
rápidas, chamadas panfilias. A nave capitânia era, no século X, uma panfília.
Havia ainda galeras com um único banco de remos. Também os barcos
mercantes podiam ser adaptados para a guerra. A armada de Justiniano II que
lutou contra Quersônia, incluía navios de carga, e foi uma frota improvisada de
velhos navios e cargueiros que derrotou os russos na invasão de 941, quando a
armada imperial estava longe, no Egeu.

Conhecemos certos números quanto à magnitude da armada, em seus grandes


dias. Trezentos navios foram, ao que se sabe, enviados contra o Egito em 1353,
embora muitos deles possam ter sido barcos pequenos. Na expedição a Creta, em
902, a marinha imperial forneceu 60 dromundas e 40 panfílias, os “temas”
cibirreota, egeu e samiano forneceram 35 dromundas e 35 panfílias, enquanto a
Hélade contribuiu com 10 dromundas. Ao que parece, os “temas” calabreses
mantinham sete navios em 929.

Os navios podiam dispor de aríetes, mas sua grande arma era o fogo grego, (41)
substância química de composição variada e usada de formas diversas,
principalmente como granada de mão que explodia e se incendiava ao atingir o
navio inimigo ou, ainda, lançada em grande quantidade, pelo ar, através de
catapultas. Ao que parece, a pólvora foi usada, de alguma forma, para lançar
combustíveis através de tubos, a certa distância, A fórmula do fogo grego era
conservada em segredo rigoroso e jamais deveria ser conhecida. Havia depósitos
do fogo nas grandes cidades marítimas. A captura de Mesêmbria por Krum em
812 constituiu um grande desastre pelo fato de ter colocado nas mãos do cã da
Bulgária certa quantidade do fogo. A invenção é atribuída a uma certo Calinico
de Heliopolis no século VII e serviu para derrotar os árabes nos grandes sítios de
Constantinopla. Entretanto, é provável que suas várias formas só tenham sido
aperfeiçoadas no século IX. Leão VI fala do fogo como de uma descoberta nova.
No século X, Marcos, o Grego, dá sua fórmula, um tanto vagamente; e, ao que
parece, os árabes aprenderam a fabricá-lo antes das Cruzadas. O fogo só caiu em
desuso no século XIV, quando foi superado pela pólvora e pelo canhão.

As táticas recomendadas por Leão VI para a marinha são ainda mais cautelosas
do que as recomendadas para operações militares. As batalhas diretas deveriam
ser evitadas, exceto quando a armada inimiga estivesse em situação de
inferioridade; aconselhavam-se as escaramuças isoladas. Se a batalha fosse
inevitável, recomendava-se a disposição em forma de meia-lua, preferida dos
gregos antigos. A sinalização era feita com bandeiras e, à noite, com luzes. A
navegação era estudada com cuidado — ventos e correntes deviam ser
conhecidos e contra eles tomadas as devidas precauções. Evitavam-se os litorais
difíceis. Entretanto, se as condições atmosféricas pudessem ser usadas para
destruir uma esquadra inimiga, essa era a forma de vitória mais barata e, por
conseguinte, melhor.

Leão VI não se interessou muito, evidentemente, pela guerra naval, nem a


compreendeu bem. O caráter amadorístico de seus conhecimentos se torna ainda
mais aparente no capítulo sobre questões navais. Não há nenhum registro, feito
por profissional, das funções e dos ideais da guerra naval em Bizâncio. A
marinha prestou muitos serviços relevantes e Cecaumeno tinha razão ao
considerá-la “a glória de Roma”, mas os romanos mais recentes viam sua glória
sem entusiasmo. Tempestades e rochedos enchiam o mar de perigos. Mais de
uma frota foi destruída pela mão de Deus. Queriam uma ciência em que sua
inteligência constituísse uma vantagem mais certa e por isso preferiam estudar a
guerra terrestre.

III. A DIPLOMACIA
Embora organizassem bem seu exército e sua marinha, os bizantinos preferiam
economizá-los. Mantinham, por isso, uma diplomacia ativa, intrigando as nações
estrangeiras umas com as outras, a fim de manter um equilíbrio que impedia
qualquer inimigo em potencial de invadir o território do império.

Restam poucas informações sobre a organização da diplomacia bizantina. O


ministro do Exterior era, ao que parece, o que estava em contato mais direto com
o imperador, sendo recebido diariamente. Os assuntos externos eram, portanto,
em grande parte dirigidos pessoalmente pelo imperador. A função do ministro
era a de receber as embaixadas estrangeiras e provavelmente também equipar e
selecionar as embaixadas que partiam para o exterior. Certos assuntos
diplomáticos eram conduzidos pelas autoridades locais, sendo o estratego de
Quersônia, na Crimeia, quem organizava as missões para os países das Estepes.
Na história das aventuras de Justiniano II, foi de Quersônia que partiram as
embaixadas aos cazares. Sob Zoé Carbopsina, foi o estratego João Bogas quem
visitou os petchenegos para incitá-los contra os búlgaros. Constantino VII
considerava Quersônia como a base adequada da diplomacia para as Estepes.
Possivelmente, o toparca da Gótia, autoridade que aparentemente existia no
começo do século X, era o chefe do departamento diplomático de Quersônia. Na
Itália, há indícios de que o estratego local, ou calepan, manteve contatos com os
árabes, embora as grandes embaixadas para as cortes italianas fossem
organizadas em Constantinopla. Em meados do século X, foi o arcebispo de
Otranto, Vlato, e não o estratego, que viajou para El-Mahdia para pagar o resgate
de prisioneiros cristãos. É verdade que o arcebispo tinha certa influência pessoal
no caso, pois sua irmã fazia parte do harém do califa; entretanto, quando voltou
ali não-oficialmente, para continuar sua boa obra, foi condenado à morte.

Não havia uma diplomacia, no sentido moderno. Não se mantinham


representações diplomáticas permanentes em nenhum país estrangeiro, embora o
estratego de Quersônia tivesse um grande departamento onde reunia informações
sobre a política das Estepes. Havia, provavelmente, certos funcionários que eram
sempre enviados como embaixadores, quando as circunstâncias o exigiam. No
reinado de Leão VI, Leão Cerosfacta foi enviado como embaixador, primeiro a
Bagdá, e posteriormente à corte da Bulgária. (42) Habitualmente, eram os
mesmos ministros que iam sempre que havia trégua com os árabes, realizar a
troca de prisioneiros na fronteira — é de presumir que tais embaixadores fossem
conhecedores da língua árabe. No reinado de Romano I. o patrício Constante
chefiou várias embaixadas ao Cáucaso, sendo pouco depois promovido a Grande
Almirante.

A característica externa da diplomacia bizantina era a formalidade rígida,


destinada a ressaltar a dignidade imperial. O embaixador estrangeiro que
chegava a Constantinopla era logo imobilizado pela etiqueta — em grande parte
para evitar que visse pessoas que para isso não tinham autorização. Quando
levado à presença do imperador, era saudado de acordo com determinada
fórmula e recebido segundo a precedência devida à importância de seu país. Pelo
tratado de 927 os embaixadores búlgaros, representando um monarca ligado à
casa imperial, tinham precedência especial sobre todos os outros, o que durou até
a supressão da dinastia búlgara por João Tzimices. Durante toda a primeira
entrevista, o imperador permanecia impassível, como uma divindade. O
embaixador devia prostrar-se ante ele. Mais tarde, poderia estabelecer relações
pessoais com o imperador num banquete de Estado, ou possivelmente lhe seria
concedida uma entrevista pessoal. Se viesse de um país bárbaro, os brinquedos
mecânicos do palácio seriam postos a funcionar, para impressioná-lo. Os leões
dourados rugiam, os pássaros dourados cantavam e enquanto o embaixador se
prostrava o trono se elevava ao céu e a Majestade surgia envolta num manto
diferente e mais rico. Os embaixadores mais cultos eram levados a ver os
tesouros e relíquias do palácio — com o objetivo de maravilhá-los com objetos
tão preciosos — ou, ocasionalmente, levavam-no aos Jogos. Durante toda a sua
permanência na corte imperial, ficava sujeito a uma supervisão rigorosa — devia
voltar ao seu país sem ter visto senão aquilo que o governo imperial desejava
que visse. Se seu comportamento fosse desrespeitoso, ou suas credenciais se
dirigissem somente ao imperador “dos Gregos”, como a dos legados papais em
968, seria imediatamente lançado à prisão. Não havia imunidade diplomática
para quem ofendesse a dignidade imperial e as normas prescritas pela corte
imperial.

As embaixadas imperiais ao estrangeiro viajavam em caravanas suntuosas,


carregadas de ricos presentes, joias, ouro, sedas e brocados, que se destinavam
principalmente ao monarca a cuja corte eram enviadas. Ministros influentes
também podiam receber presentes. O departamento imperial de informações
devia saber quais as personalidades cujo apoio valia a pena conquistar, em Pavia
ou em Bagdá. Quando Nicéforo Ébano foi mandado a Bagdá em 980, recebeu
instruções de ser particularmente cordial para com Adhoud ed-Dauleh, o mais
importante dos conselheiros do califa.

Sob o verniz da pompa, a diplomacia bizantina era sutil, clarividente e um tanto


sem escrúpulos. As obrigações dos tratados eram sempre observadas com
cuidado, mas os bizantinos não consideravam deslealdade incitar tribos
estrangeiras contra um vizinho pacífico. Leão VI, que era religioso demais para
se dedicar pessoalmente à luta contra seus companheiros cristãos, os búlgaros,
não hesitava em apoiar os ímpios húngaros para que atacassem os primeiros pela
retaguarda. Do mesmo modo, Nicéforo Focas incitava os russos contra os
búlgaros, embora estivesse em paz com estes. Era uma regra básica da política
externa bizantina induzir uma outra nação a se opor no inimigo, reduzindo dessa
forma os riscos e as despesas da guerra. Foram, assim, as tropas francas do
imperador ocidental Luís II, ao invés de tropas bizantinas, que expulsaram os
sarracenos do sul da Itália e recapturaram Bari em 871. Os bizantinos apenas
conseguiram chegar a tempo de colher os frutos da vitória e afastar os francos da
província reconquistada. Ainda no sul da Itália, um século depois, quando o
ocidental Oto II procurou pôr em prática seus planos de conquista, num
momento em que Basílio II estava às voltas com uma grande rebelião, a pequena
guarnição bizantina retirou-se após estimular, e provavelmente financiar, os
sarracenos a conter o avanço germânico. Quando a causa germânica foi
derrotada em Estilo e os sarracenos se retiraram carregados com o resultado das
pilhagens, as guarnições bizantinas retornaram. E foi assim que Aleixo I, embora
não as tivesse convidado nem desejasse seu auxílio, serviu-se das primeiras
vitórias dos cruzados contra os seljuques, em seu próprio benefício.

Essas táticas eram comumente empregadas com as nações das Estepes.


Frequentemente, no passado, as agitações ali ocorridas tinham como
consequência a penetração das tribos bárbaras no território do império; após o
século VII, porém, nenhuma delas conseguiu instalar-se ao sul do Danúbio. Os
invasores potenciais eram esmagados nas Estepes ou, como os húngaros, eram
encurralados na Europa Central, Constantino VII proporciona a receita segundo
a qual tais resultados foram obtidos no século X. Contra os cazares, por
exemplo, podia-se convocar os petchenegos ou os búlgaros negros; contra os
petchenegos, os russos e húngaros, e assim por diante. Cada nação tinha
inimigos potenciais, que podiam ser usados para contrabalançar suas forças. Até
os últimos dias, os bizantinos foram adeptos da arte de jogar as nações umas
contra as outras.

O casamento ocupava grande papel da diplomacia bizantina. Até os imperadores


podiam ser levados a se casarem com noivas estrangeiras. Duas princesas
cazares sentaram-se no trono imperial, as mulheres de Justiniano II e
Constantino V. Romano I casou seu neto, o futuro Romano II, com uma princesa
bastarda da Itália. A mulher de Miguel VII foi a adorável Maria de Alânia. No
reinado dos Comnenos e dos Paleólogos, as esposas ocidentais tornaram-se
comuns; há uma longa série de imperatrizes nascidas no Ocidente e mal-
adaptadas em seu novo ambiente, que o orgulho bizantino jamais permitiu que se
tornassem populares em Constantinopla. Diplomaticamente, tais casamentos
foram um fracasso — nenhuma vantagem trouxeram, e só serviram para
provocar reprovação geral ao imperador. O último imperador, Constantino XI,
viu sua inutilidade, e às vésperas da queda da cidade procurava uma noiva no
Oriente. Por outro lado, o casamento de damas bizantinas com potentados
estrangeiros era, às vezes, expediente proveitoso. Constantino VII afirmava que
havia três coisas que nenhum imperador devia conceder a um estrangeiro — a
coroa, o segredo do fogo grego e a mão de uma princesa imperial. O preceito foi
desobedecido com frequência. Romano I, para tristeza de Constantino, deu sua
neta Maria em casamento ao tzar da Bulgária, e as próprias netas de Constantino,
Teófano e Ana, tornaram-se respectivamente imperatriz ocidental e grã-duquesa
da Rússia. O último caso foi particularmente humilhante, pois o Grão-Duque
Vladimir era um bárbaro incorrigível. Basílio II só consentiu no sacrifício de sua
irmã para conseguir objetivos diplomáticos urgentes — converter os russos,
transformá-los em aliados e salvar Quersônia. Foi durante o governo em Nicéia e
os Paleólogos que as filhas dos imperadores se casaram frequentemente no
exterior, principalmente com os monarcas dos eslavos. Nos últimos séculos, os
imperadores da Trebizonda verificaram que a famosa beleza de suas filhas era
bem de grande valor, mas ao se servirem dela agiam de um modo que a
diplomacia imperial tradicional desaprovava. Damas de origem menos alta,
porém, saíam frequentemente de Constantinopla para, com proveito, civilizar um
noivo principesco numa terra distante. A medida que as dinastias armênias e
caucásicas se foram colocando sob a esfera de influência imperial, seus membros
eram estimulados a buscar suas noivas na grande cidade. Alguma jovem bela, de
boa família, de preferência ligada à Casa Imperial, partia de vez em quando para
Tarona ou Aui, com um dote suntuoso e provavelmente uma relíquia não muito
importante como presente de núpcias do imperador — Romano III deu à sua
sobrinha um prego da Verdadeira Cruz quando de seu casamento com o Rei
Bagrate de Abasgia; Teófano foi para o Ocidente levando o corpo de São
Pantaleão de Nicomédia — e o marido agradecido olhava ainda com maior
respeito para a corte de Constantinopla. Os príncipes lombardos do sul da Itália
já haviam recebido, em fins do século VIII, esposas de Bizâncio — como
Grimaldo de Benevento, que desposou a cunhada de Constantino VI. No século
XI, dois doges de Veneza, João Orseolo e Domenico Selvio, casaram-se com
damas bizantinas. No trono da Rússia, no século XI, sentaram bizantinas. No
século XII, no reinado dos Comnenos, o fato tornou-se ainda mais comum.
Maria Comnena e Teodora Comnena, sobrinhas do imperador, foram rainhas de
Jerusalém; outra sobrinha de Manuel I casou-se com o Duque da Áustria —
sacrificada à besta selvagem do Ocidente, como disse o poeta da corte de sua
mãe. Já então, a antiga reserva dos Porfirogênetos desaparecera, resultando disso
que a honra de ter uma esposa imperial era menor, e portanto o seu valor
diplomático declinava.

Ao mesmo tempo, Bizâncio gostava de colecionar pretendentes a tronos


estrangeiros. Encontravam-se invariavelmente na corte imperial pretendentes aos
tronos da Bulgária e da Sérvia, quase sempre casados com damas de
Constantinopla. Romano I, embora tivesse Pedro da Bulgária desposado sua
filha, procurou instalar no trono búlgaro o irmão mais velho, Miguel, a quem
conservava em Constantinopla com todas as honrarias. Quando Carlos Magno
pôs fim ao seu reinado lombardo, o antigo príncipe Adelquis fugiu para
Constantinopla, onde todos os seus planos receberam apoio. Apenas meio século
antes da queda final do império, um pretendente turco abrigou-se em
Constantinopla e dali partiu para atacar o Sultão Murad II.

A diplomacia bizantina era bastante cara. Presentes, dotes, subsídios a nações


inteiras, tudo isso recaía sobre o Tesouro, em somas enormes. Até mesmo os
bloqueios econômicos, por vezes realizados com eficiência contra os sarracenos,
eram também custosos ao império. O governo estava inteiramente disposto a
pagar aos seus inimigos, diretamente, para que não invadissem seu território. Os
príncipes sem lei, do outro lado da fronteira, tornavam-se assim clientes, quase
assalariados, preferindo a renda regular do ouro bizantino às incertezas de uma
incursão. Quando, por vezes, Bizâncio tinha alguma razão para não querer ir à
guerra, pagava uma quantia anual a Bagdá ou Preslav. O califa ou o tzar podiam
chamá-la de tributo, se quisessem. Para o imperador, era apenas um investimento
prudente; quando estivesse pronto para a luta, o pagamento cessava. Tudo isso,
porém, dependia de um tesouro abarrotado. Enquanto houvesse dinheiro,
florescia a diplomacia bizantina. Mas quando Constantinopla deixou de ser o
centro financeiro do mundo, o declínio chegou.
VII. COMÉRCIO

Se Bizâncio devia sua força e segurança à eficiência dos seus Serviços Públicos,
era o comércio que lhe permitia pagá-los. Sua história é fundamentalmente a
história da sua política financeira e a do comércio da Idade Média.

Poucas cidades gozavam de uma localização comercial tão privilegiada quanto


Constantinopla, situada que estava à margem do canal marítimo entre o Norte e
o Sul e a ponte peninsular entre o Leste e o Oeste. E poucas raças foram tão
aptas para o comércio quanto os gregos e armênios, que constituíam seus
cidadãos. Não é surpresa o fato de ter sido Constantinopla, durante séculos,
sinônimo de riqueza, uma cidade cujo tesouro “não tinha fim nem medida”. Mas
esse tesouro não fora adquirido por acidente. Os desvelos e as circunstâncias é
que enriqueceram a cidade.

Até Colombo e Vasco da Gama abrirem uma nova era, o principal comércio do
mundo realizava-se do Extremo Oriente para o Mediterrâneo. A esfera
mediterrânea podia abastecer-se de alimentos e suprir as próprias necessidades;
mas, sempre que se tornava próspera, punha-se a desejar os artigos de luxo que
só o Oriente podia fornecer. Nos primeiros séculos da era cristã, o comércio
oriental era muito florescente. Roma importava largamente especiarias, ervas e
madeira de sândalo das Índias e, acima de tudo, seda bruta da China. Tudo isso
custava bom preço e as exportações de vidro, esmalte e artigos manufaturados
do Mediterrâneo não eram suficientes para pagá-lo. Uma soma enorme de ouro
ia anualmente para o Leste e essa drenagem conduziu à depressão que
gradualmente envolveu o mundo romano. Mas a procura da seda continuava e a
busca de uma rota menos dispendiosa para importá-la passou a constituir a
preocupação das autoridades.

Várias rotas eram utilizadas pelo comércio oriental. Podia seguir através do
Turquestão até o Cáspio e daí, quer pelo norte até o Volga e o Mar Negro, no
Quersoneso, quer pelo sul, através da Pérsia Setentrional até Nisibin, na fronteira
imperial, ou através da Armênia, para Trebizonda. Podia atravessar a Índia e o
Afeganistão e o centro da Pérsia, até Nisibin ou a Síria; ou podia seguir por mar
até o Golfo Pérsico e então atravessar para a Síria; ou ainda fazer todo o trajeto
marítimo, Mar Vermelho acima até o Egito. Apenas duas rotas evitavam a
Pérsia, a do extremo norte, que dependia da rara estabilidade dos povos das
Estepes ou a do extremo sul, a rota marítima, que exigia uma frota mercante a
leste de Suez. A Pérsia constituía uma ameaça ao comércio. Levantava altas
barreiras tarifárias e, em tempo de guerra, cortava todo o abastecimento. Na
realidade, restrições forçadas periódicas não eram más para o equilíbrio
comercial do império, mas provocavam o desemprego nas suas fábricas de seda.
A diplomacia imperial, durante todo o século V e especialmente o VI, procurou
salvaguardar as duas rotas livres, negociando com os reinos dos hunos e turcos,
nas Estepes, ou com os abissínios, cujo Reino de Axum comandava o Mar
Vermelho.

O século VI foi a grande era do comércio oriental. O império, sob Anastásio e


nos primeiros anos da Casa de Justino, encontrava-se num estado de renovada
prosperidade e o caminho para Leste atravessava povos ordeiros. A seda ainda
viajava principalmente por terra, através da Pérsia, para os postos alfandegários
de Nisibin e Dara. Daí, partia para as fábricas de Constantinopla ou de Tiro e
Bérito. Mas alguns viajavam com todas as especiarias das Índias pela rota
marítima. Um marítimo aposentado, Cosme, apelidado Indicopleustes, o
Marinheiro das Índias, escreveu um livro para provar, com base na sua larga
experiência, que a terra era plana; e nele descreve o comércio com a Índia.

O centro distribuidor, ou empório, do Oriente, era Ceilão. Ali, as mercadorias


orientais — seda da China, seda, aloés, cravo e sândalo da Indochina, pimenta de
Malabar, cobre de Callana (perto de Bombaim) e almíscar e rícino de Sindu —
eram reunidas às joias de Ceilão. A seda era em geral adquirida pelos
mercadores persas que a levavam Golfo Pérsico acima. As outras mercadorias
eram transportadas principalmente por embarcações abissínias para Adulis, no
Mar Vermelho, a capital do Axum e daí, mais exclusivamente por navios
imperiais, até o ponto alfandegário de Jotabe, na extremidade da península do
Sinai e daí para Clisma, perto de Suez, onde residia um funcionário imperial, o
Logóteta, que visitava anualmente a Índia. Os navios imperiais não iam com
frequência ao Ceilão, embora ali houvesse colônias cristãs nestorianas, e em
Calianu, Malabar e Socotra muitos habitantes falassem o grego. Mas a moeda
preferida pelos mercadores orientais de todas as raras era a imperial, o que
constituía grande vantagem para o comércio imperial. Os abissínios também
mantinham relações comerciais com a África Central, muitas vezes
acompanhados por mercadores imperiais. Cada dois anos, velejavam para o sul,
depois marchavam a pé para o interior e, em troca de diversos artigos
manufaturados, voltavam carregados de lingotes de ouro. O próprio Cosme,
numa viagem para o sul, viu uma vez albatrozes. Através do mundo
mediterrâneo, as mercadorias orientais eram distribuídas por mercadores sírios,
que possuíam estações em cada porto e agiam incidentalmente como portadores
de notícias. Um mercador sírio contou a São Simeão, o Estilita, a história de
Santa Genoveva.

Durante o reinado de Justiniano, a situação começou a se alterar. As guerras


persas interferiam no abastecimento da seda e a tentativa de manter baixo o
preço desse produto serviu apenas para arruinar os fabricantes particulares, cujas
fábricas então comprou, tornando assim a seda, quase incidentalmente, um
monopólio imperial. Justino II, encontrando o império ainda esfomeado por seda
devido às guerras pérsicas, tentou abrir, de maneira adequada, o caminho através
das Estepes, mas a tarefa foi superior à diplomacia imperial. Nesse ínterim,
porém, dois monges nestorianos tinham chegado a Constantinopla com o
segredo do bicho-da-seda e alguns ovos em seus bordões ocos. Passou-se algum
tempo antes que a criação do bicho-da-seda se espalhasse pelo império; mas daí
por diante a importação do Oriente começou a declinar. (43)

Veio em seguida a conquista árabe da Síria e do Egito. Embora o império em seu


todo possa ter sofrido, Constantinopla ganhou. A frota mercante síria foi
destruída e os gregos ficaram com o comércio do Mediterrâneo Oriental. À
princípio, o tráfego direto entre a Síria e o império foi interrompido.

Mesmo no século VIII, o comércio se desviara pelo Egito, África, Sicília e, por
Monenvásia, para o Egeu — a rota escolhida pela praga que devastou
Constantinopla sob Constantino V. Mas, gradualmente, as mercadorias orientais
redescobriram o caminho por terra através da Ásia Menor ou foram, com
frequência cada vez maior, ao Mar Negro, em Trebizonda, de onde naves gregas
as transportavam para o mercado de Constantinopla. A indústria da seda estava
crescendo, entretanto, e a fábrica imperial de Constantinopla logo se viu dona do
monopólio mundial de artigos manufaturados preciosos. Os árabes, a leste, e os
cazares, ao norte, assim como as nações ocidentais, todos clamavam pela compra
dos brocados de Bizâncio.
Nos séculos IX e X, o comércio bizantino atingiu o apogeu. Naves gregas
entregavam-se de preferência ao comércio de cabotagem, especialmente no Mar
Negro. O comércio do Mediterrâneo Oriental era pequeno. A importação de
milho do Egito e da África cessou com a conquista árabe e o constante
desenvolvimento da agricultura na Ásia Menor; e os piratas árabes do Egeu
desencorajavam os empreendimentos marítimos. Mas as mercadorias do
Extremo Oriente e as ervas da Índia ainda eram importadas, viajando, quer
através da Pérsia e da Armênia para Trebizonda, ou Golfo Pérsico acima para
Bagdá e daí na direção norte para o mesmo porto. Os árabes tinham dominado
todo o comércio do Oceano Índico — o Reino Axumita caíra — mas não
queriam abrir a rota de Suez. Harum Al-Raxide pensara em construir um canal
ali, mas temia que os navios gregos viessem a tomar o comércio do Mar
Vermelho. Mas isso apenas aumentava a importância de Trebizonda, que se
tornou o grande porto do Oriente. Depois da reconquista de Antióquia, certa
parcela do comércio oriental foi desviada por Alepo para Antióquia e para o mar,
em Selêucia. Entrementes, o comércio setentrional estava crescendo. As peles,
os escravos, o peixe salgado das Estepes eram trazidos pelos cazares e seus
vizinhos para Quersônia, na Crimeia, ou transportados por navios russos do
Dnieper para Constantinopla, enquanto o âmbar do Báltico e as peles e metais da
Europa Central se dirigiam a Tessalônica, de onde eram distribuídos por navios
gregos. Também navios gregos transportavam parte do comércio entre
Constantinopla e o Ocidente. Bari, a capital da Itália bizantina, era um porto
florescente, se bem que servido principalmente pela marinha mercante local. E
gradualmente as frotas mercantes italianas expulsaram os gregos das águas
italianas. O incremento da riqueza do Ocidente significava nova atividade em
todos os portos italianos. Cerca do século X, Amalfi e, em menor escala,
Nápoles e Gaeta, tinham desenvolvido amplas relações além-mar e, um pouco
mais tarde, apareceram os comerciantes pisanos e genoveses. Por volta do século
X, havia um Residente Amalfiense permanente em Constantinopla e uma
colônia crescente; em cerca de 1060, o patrício amalfiense Pantaleso possuía ali
um palácio magnífico. Mas o principal porto do Ocidente era Veneza,
admiravelmente situado para realizar tanto o comércio com a Lombardia como
com a Alemanha. Em fins do século X, o Adriático estava nas mãos dos
venezianos. Estes ainda eram nominalmente vassalos do império, e as
autoridades imperiais continuamente e com êxito variável publicavam editos
proibindo-os de negociar com os árabes. Basílio II concedeu-lhes privilégios
especiais; permitiu-lhes que pagassem um imposto de exportação reduzido à
saída de Constantinopla, sob a condição de policiarem o Adriático e garantirem
o transporte das tropas imperiais. O mercado de escravos de Veneza era
particularmente famoso. O embaixador de Basílio I ali adquiriu alguns
missionários eslavônicos e surgiam protestos frequentes contra a venda de
cristãos aos infiéis. Os embaixadores do Ocidente, tais como Liudprand, em
geral viajavam em navios venezianos, que também transportavam o correio.

O século XI viu o início do declínio do comércio bizantino. No último quartel,


os infortúnios sucederam-se no império. Sua vida econômica foi conturbada pela
perda da maior parte da Ásia Menor em mãos dos seljuques, que destruíram a
organização do exército e da armada imperiais, assim como a linha de
abastecimento de alimentos. Invasores normandos perturbaram o Ocidente e, em
1147, Rogério II capturou Tebas e Corinto, carregando bichos-da-seda e tecelões
para a Itália e destruindo as rotas comerciais do mundo em detrimento de
Constantinopla. As mercadorias não mais viajavam para Trebizonda ou através
da Ásia Menor — os seljuques fechavam o caminho — mas eram embarcadas
nos portos da Síria Latina e transportadas por barcos italianos diretamente para o
Ocidente, evitando os direitos tarifários de Bizâncio. Só restava a Constantinopla
o comércio do Norte. Este poderia ter sido suficiente, uma vez que o comércio
do Extremo Oriente cada vez mais seguia uma rota setentrional, viajando por
terra através do Turquestão para o Mar Negro. Mas as circunstâncias políticas
também o entregaram nas mãos dos italianos. Em troca do auxílio necessário às
suas armadas ou como precaução contra as incursões de piratas, os imperadores
da dinastia dos Comnenos concederam privilégios cada vez maiores primeiro a
Veneza e depois a Pisa e Gênova. Os mercadores dessas cidades obtiveram
licença para pagar direitos tarifários de apenas 4% em vez dos 10% que os
próprios cidadãos do império tinham que pagar. Entrementes, receberam
distritos dentro da própria cidade em outros portos, onde estabeleceram colônias
de governo autônomo. Cerca de 1180, havia 60.000 ocidentais em
Constantinopla. Sob Andronico I houve uma reação: grandes massacres de
italianos ocorreram através do império e os privilégios foram extintos. Mas era
muito tarde. A amarga situação conduziu à Quarta Cruzada e à ruína do império.

O Império Latino morreu na infância. Os principados latinos não deviam durar


muito tempo. Mas Veneza lançou os fundamentos de um domínio comercial que
comandaria todo o comércio do Oriente. Suas colônias situavam-se ao longo de
todo o Mediterrâneo Oriental, o Egeu e o Mar Negro.

Os Paleólogos recuperaram o império com o auxílio dos genoveses; e os


genoveses tiveram que receber sua paga. Sua recompensa foi o resto do
comércio do Mar Negro e a cidade de Pera, do outro lado do Chifre de Ouro.
Com apenas duas cidades do Mar Negro tinham proibição de comerciar: Matraca
(provavelmente na península de Tamânia) e Rosia (Kertch), reservadas aos
gregos. Mas a marinha mercante grega foi liquidada com a concorrência. O
enorme incremento do comércio do Mar Negro, causado pela prosperidade do
Império Mongol, enriqueceu apenas os cofres de Gênova. Sob o império dos
Paleólogos, enquanto Pera florescia e se desenvolvia, Constantinopla
gradualmente decaía. Suas fábricas de seda ainda produziam tecidos luxuosos
conhecidos no mundo inteiro, mas seus mercados permaneciam vazios e seus
cais desertos, salvo pelos barcos que transportavam as mercadorias para os
trapiches fronteiros de Pera. Tessalônica conservou-se próspera mais tempo. Ali,
mercadores gregos ainda controlavam as exportações dos Balcãs, mas o
movimento marítimo estava principalmente nas mãos de italianos. O mesmo
ocorria com Trebizonda, onde o comércio com a Pérsia e o Cáucaso ainda trazia
dinheiro para o Tesouro do Grande Comneno, mas os genoveses o levavam para
o Ocidente.

Foi sua posição nas rotas do comércio mundial que deu a Constantinopla seus
grandes dias de prosperidade. Uma taxa geral de 10% recaia sobre todas as
exportações e importações. Os direitos de importação eram cobrados em Abidos,
no Helesponto, ou em Hierão, no Bósforo; os direitos de exportação, em
Constantinopla. Até que os italianos obtivessem privilégios especiais, nenhuma
mercadoria podia passar pelos canais sem pagar direitos. Estes forneceram ao
Tesouro Imperial um fluxo constante de riqueza, enquanto os vizinhos do
império foram bastante prósperos para comprar mercadorias aos preços gravados
por essa sobrecarga. Quando o mundo inteiro, como no século VII, ou mesmo
apenas o Oriente, como no século XI, se encontrou num estado de desordem e
empobrecimento, imediatamente o império veio a sofrer. Suas alfândegas
tornaram o comércio de trânsito demasiado dispendioso.

Ele também sofreu pelo fato de as manufaturas locais serem de artigos de luxo.
As fábricas situavam-se sobretudo em Constantinopla. A maior delas era
provavelmente o gineceu imperial, em que numerosos operários e mulheres eram
empregados na confecção das sedas, brocados e tecidos dourados que faziam o
encanto do mundo. Os ourives e joalheiros tinham quase a mesma importância.
As taças de ouro, os relicários esmaltados, os entalhes em marfim ou pedras
preciosas de Bizâncio eram igualmente famosos, e de vez em quando produziam
uma obra-prima como os leões de ouro do Palácio, que rugiam. Várias partes do
império também produziam vinhos, vendidos às tribos do Norte. Essas
exportações eram severamente controladas. Não interessava às autoridades
permitir que os artigos de luxo se tornassem muito vulgarizados fora do império.
Seu preço e sua raridade tinham que ser mantidos. Alguns tecidos nem sequer
eram colocados no mercado e só chegavam ao exterior como presentes
ocasionais a cortes estrangeiras. Liudprand, o embaixador italiano, que tentou
contrabandear algumas sedas para fora de Constantinopla em 968, viu-as
confiscadas pelos funcionários da alfândega. As mercadorias, antes de
exportadas, tinham de ser marcadas com o sinete do Estado.

Outras cidades possuíam suas fábricas. Antes da conquista árabe, Tiro, Bérito e
Alexandria fabricavam seda e, por volta do século XI, Tebas e Corinto eram
centros dessa indústria. Fabricavam-se tapetes no Peloponeso. Cerca do século
X, Esparta os exportava para a Itália.

As principais importações eram de seda bruto, especialmente até o século VII,


embora as chamadas “mercadorias da Índia” fossem populares mesmo no século
X; madeira e peles vinham do Norte; armas — as lanças árabes eram muito
apreciadas e os venezianos traziam muito armamento do Ocidente; uns poucos
artigos manufaturados de luxo, tais como tapetes persas e especiarias do Oriente;
e, acima de tudo, escravos, tanto de Veneza como das Estepes. Todas essas
importações estavam sujeitas ao imposto de 10%, cobrado em Abidos ou Hierão.
A Imperatriz Irene permitiu importações livres durante algum tempo, mas seu
sucessor, Nicéforo I, tornou a lançar o imposto e até tomou medidas para que as
mercadorias, principalmente escravos, vendidas por negociantes ocidentais nos
mercados a Oeste de Abidos, não escapassem ao lançamento, como ocorria até
então. Durante o império niceno, João Vatatzes lançou um embargo total sobre
as mercadorias estrangeiras. Os funcionários da alfândega eram conhecidos
como Commerciarii e faziam parte do gabinete do Sacellarius.

Os mercadores estrangeiros eram cuidadosamente fiscalizados pelo prefeito da


Cidade. Tinham que se apresentar à chegada no seu gabinete e só podiam ter
uma permanência de três meses na cidade. A venda de qualquer de suas
mercadorias, depois desse período, ficava a cargo do prefeito, que prenderia o
dinheiro até o ano seguinte. Suas compras eram cuidadosamente fiscalizadas
pelas autoridades, a fim de que não cometessem infrações aos regulamentos das
alfândegas. Algumas nações, tais como os russos e mais tarde os italianos,
adquiriram privilégios especiais e liberação de taxas em troca de serviços
políticos. No século X, os russos tiveram permissão de ocupar gratuitamente
alojamentos e banhos em São Mamas, nos arredores da cidade, nos quais porém
só podiam entrar sob escolta durante sua estada, enquanto os comissários do
grão-duque da Rússia, que os conduzia, possuíam concessões especiais.

O comércio interno do império atendia principalmente às necessidades vitais. O


trigo vinha do Egito e da África, antes da conquista árabe. Depois, foi cultivado
na Ásia Menor e mais tarde na Trácia, e era transportado para Constantinopla
principalmente por mar, partindo dos portos locais. A carne também vinha dos
mesmos distritos, A conquista seljuque restringiu a agricultura na Ásia Menor e,
nos últimos anos do império, o declínio da população de Constantinopla foi sem
dúvida acelerado pela crescente dificuldade de obter alimentos para uma grande
cidade, principalmente quando o Estado não tinha meios para importar muito.

A vida comercial do império era cercada por inúmeros regulamentos. Bizâncio


foi acusada de ser o paraíso dos privilégios de monopólio e do protecionismo. A
acusação não é completamente válida. O protecionismo era, sem dúvida, um
ideal bizantino. A intervenção do Estado em auxílio da indústria era frequente,
embora as tarifas servissem também ao propósito de produzir receita.
Concediam-se privilégios a mercadores estrangeiros, especialmente e por força
das circunstâncias a partir do século XII; havia monopólios estatais, como o do
comércio da seda e, por motivos óbvios, a manufatura de armamentos. Mas não
havia corrupção legalizada, tanto quanto podemos julgar. Quando os favoritos de
Leão VI receberam privilégios especiais em relação ao comércio da Tessalônica,
a transação foi considerada tão escandalosa que tais fatos não podiam ter sido
comuns. As restrições e regulamentos baixados pelo Governo e os amplos
órgãos empregados para executá-los impediam muito a iniciativa privada,
mesmo de natureza corrupta.

Tudo era circunscrito. O dinheiro só podia ser emprestado a uma taxa de juros
fixa. Antes de Justiniano, a taxa máxima tinha de ser de 12%. Justiniano
permitiu 12% apenas para dinheiro empregado em empreendimentos
ultramarinos; os agiotas profissionais (em geral, os ourives) podiam cobrar 8%,
as pessoas comuns 6% e os magnatas ricos apenas 4%. Mas esses cálculos
tinham sido efetuados originalmente quando havia 100 numismas para 1 libra de
ouro. Constantino reduziu o número de numismas para 72 e através da história
bizantina a taxa fixa de juros tendeu sempre a ajustar-se ao novo valor, com
vantagens para o agiota, até que, cerca do século X, 6% tinham-se transformado
em 6 numismas por 1 libra de ouro, o que significa 8,33%. Mas isto ainda não
era bastante; tempestades, piratas, cartas geográficas defeituosas, representavam
demasiados perigos de viagem. Os investidores, particularmente porque o
processo legal de recuperação de dívidas era difícil e demorado e causava
prejuízos aos usurários, preferiam naturalmente investir em terras, em
detrimento, em última análise, do império. Os riscos do comércio marítimo são
melhor ilustrados pelo “Código Ródio”, a lei comercial dos Isáurios. Segundo
essa lei, a hipótese era a de que o mercador e o armador, em geral o comandante,
trabalhavam de sociedade e compartilhavam os encargos de qualquer dano
sofrido pela carga, embora os passageiros também pudessem ser sócios da
companhia. É provável que essas condições se tenham mantido mesmo depois da
legislação isáuria se ter tornado obsoleta.

O controle exercido pelo Estado sobre o comércio e a indústria se efetuava


através de um sistema de corporação. Um manual escrito por volta do ano 900,
conhecido como o Eparchikon Biblion, ou Livro do Prefeito, sobrevive para dar
uma ideia do sistema. O prefeito era o funcionário encarregado de tudo, embora
o questor tivesse a incumbência das obras públicas e uma ou duas corporações
ficassem sob a sua jurisdição. Cada indústria possuía sua corporação e nenhum
homem podia pertencer a duas simultaneamente; cada corporação nomeava seu
presidente, nomeação essa que provavelmente tinha que ser aprovada pelo
prefeito. A corporação comprava a matéria-prima necessária à indústria e a
dividia entre seus membros, que vendiam o produto fabricado num local público
definido com um lucro fixado pelo gabinete do prefeito. As horas de trabalho e
os salários dos operários eram igualmente regulamentados. Os intermediários
tornavam-se assim desnecessários e qualquer tentativa de adquirir grandes
quantidades de mercadorias e vendê-las a varejo nos momentos apropriados era
estritamente proibida. Os padeiros e os açougueiros, de cuja eficiência dependia
o abastecimento da cidade, estavam sujeitos a fiscalização ainda mais severa e
minuciosa, e o preço dos gêneros alimentícios era mantido em baixo nível
mesmo em tempo de fome. Às padarias constituíam um monopólio estatal,
controlado pelo questor, até que Heráclio aboliu as doações de pão e a tradição
da interferência estatal desvaneceu-se. Nicéforo Focas foi acusado de obter um
magnífico lucro, quando imperador, com a compra do fornecimento de trigo do
império durante uma época de fome e com a venda do mesmo à corporação, a
preço mais elevado. Qualquer infração aos regulamentos da corporação era
punida com a expulsão, o que significava uma aposentadoria forçada. Vários
graus de mutilação podiam ser acrescentados à penalidade, quando a infração
fosse particularmente grave. As corporações podiam também ser chamadas, ao
que parece, a desempenhar certos serviços públicos gratuitos. Os armadores
tinham que prestar auxílio em caso de emergência naval; e provavelmente os
direitos dos demes quanto às multas passavam, quando se tornaram mais ou
menos nominais, às corporações. Não havia desemprego. Os operários só
podiam ser dispensados com as maiores dificuldades e se qualquer homem
válido ficasse desempregado forçavam-no a ocupar um emprego qualquer de
utilidade pública ou de caridade, sob a jurisdição do questor. “A falta de
ocupação”, dizia Leão, o Isáurio, na Ecloga, “conduz ao crime e qualquer
supérfluo resultante do trabalho de uns deve ser dado aos fracos, e não aos
fortes”. A corporação da seda possuía uma posição à parte, uma vez que sua
indústria constituía um monopólio estatal. Era dirigida por um funcionário do
governo de importância considerável. O conspirador Leão Focas, em 972, tentou
ganhar o apoio do diretor da época, devido à sua grande influência sobre os
operários.

Esse sistema perdurou durante todo o império. Constantinopla, ao que parece,


conservou-o até o fim e ainda pode ser observado em Tessalônica no século
XIV. Garantia os interesses do consumidor e permitia um certo lucro ao
mercador, embora este nunca pudesse fazer fortuna, o que desencorajava a
iniciativa. Mas provou ser muito dispendioso para o Estado e só funcionou
enquanto Constantinopla gozou do monopólio do comércio do seu mundo. A
concorrência estrangeira destruiu-o. A partir do século XI, a intervenção da Itália
no comércio do Mediterrâneo Oriental, intensificada um pouco mais tarde pelas
Cruzadas, apressou a constante desvalorização da moeda, o que constituiu a
causa principal do declínio e queda de Bizâncio.

Cosme, o Marinheiro das Índias, atribuiu a prosperidade do comércio imperial a


duas causas, o cristianismo e a moeda. Enquanto as vantagens comerciais de
cristianismo podem ser discutíveis, a cunhagem imperial foi
inquestionavelmente fator positivo. De Constantino I até Nicéforo Botoniato,
durante mais de seis séculos, seu valor se manteve inalterado. Bizâncio era
monometálica; a cunhagem baseava-se na libra de ouro. A moeda padrão, o
numisma, desde os dias de Constantino, valia setenta e dois avos de libra de ouro
— o equivalente a 14,40 francos-ouro. (44) O numisma subdividia-se em 12
miliaressia, cada qual por sua vez subdividida em 12 pholles. Nicéforo Focas foi
acusado de introduzir um numisma desvalorizado — é provável que falsamente,
uma vez que não deixou vestígios. Botoniato reduziu a quantidade de ouro na
moeda. Aleixo I tentou restaurá-la, mas viu-se forçado a pagar as próprias
despesas numa moeda que inventou — numismas principalmente de latão, com o
valor dois terços inferior ao numisma de ouro. O sistema não funcionou. Sob os
Comnenos, o numisma começou a cair, a princípio muito lentamente; o
“bezante” ainda era aceito no exterior. Depois de 120-1, porém, e sob os
Paleólogos, a queda tornou-se cada vez mais rápida, até atingir um sexto do seu
valor primitivo e perder a estabilidade que lhe permitia circular fora do império.

Do custo de vida em Bizâncio restou-nos muito pouca informação precisa. O


trigo tinha o mesmo preço em 960 e em 1914 (1,85 francos-ouro por módium),
mas todos as outras mercadorias eram provavelmente cinco ou seis vezes mais
baratas. Nicéforo I tentou manter os preços em baixo nível restringindo a
quantidade de moeda em circulação, mas é provável que haja ocorrido um
aumento gradativo do custo de vida em todo o império, com um acréscimo do
volume de moeda a partir dos Isáurios. O preço do trigo elevou-se com certeza
até atingir, no tempo dos Paleólogos, o dobro do verificado sob os macedônios,
mas isso principalmente porque os seljuques destruíram a agricultura da Ásia
Menor, e as guerras e as dificuldades de transporte reduziram o trigo disponível.
Além disso, o incessante colapso da moeda acarretava um caos financeiro
crescente.

Na realidade, os dias dos Paleólogos constituem um triste capítulo final do


império. A moeda que o rei do Ceilão amava acima de todas as outras estava
então desonrada até em Pera. As mercadorias que pagavam altos direitos nos
trapiches de Constantinopla eram transportadas ao longo dos seus muros pelos
genoveses sem se deterem, ou seguiam uma rota distante pela Síria e barcos de
Veneza. Sua situação era agora insignificante e seu orgulho monetário fora
humilhado e desprezado. A tragédia da longa agonia de Bizâncio é acima de
tudo uma tragédia financeira.
VIII. VIDA URBANA E VIDA
RURAL

Seria perigoso generalizar a respeito da vida quotidiana dos habitantes do


império. Nossas fontes são muito escassas. As vidas dos grandes, da corte
imperial e da alta nobreza, são ilustradas, em pormenores variados, pelos
historiadores e cronistas; mas as das classes mercantes, dos agricultores, dos
pobres da cidade e do campo, sabemos apenas umas poucas informações, obtidas
em sua maioria na vida dos santos populares ou nos manuais legais de
regulamentos, que governavam suas vidas. Além disso, nos onze séculos
decorridos entre o primeiro e o último Constantino, todas as circunstâncias
exteriores da vida se alteraram muitas vezes. O cidadão do império permaneceu
até o fim consciente de ser o produto mais civilizado da raça humana, consciente
de ser romano, consciente de sua ortodoxia e consciente de ser o herdeiro do
refinamento grego; mas o nobre de rosto escanhoado do século IV, envolto nas
pregas soltas de uma toga e falando um latim sonoro, nunca teria reconhecido
seu sucessor do século XV, barbado e coberto por um turbante, vestido num
pesado casaco de brocado e falando um grego cujas vogais haviam perdido a
diversidade de sons.

A própria base racial do império estava sofrendo contínua modificação. O


império era no início cosmopolita, o que os gregos chamavam ecumênico,
englobando todo o mundo civilizado. A nacionalidade constituía um conceito
que lhe era estranho. Quando o velho Império Romano começou a se
desintegrar, o novo império baseou-se não na nacionalidade, mas na ortodoxia,
depois do século V, e na língua grega, no VII. Sua etnologia permaneceu
complexa. A proporção de gregos puros era provavelmente menor. Novas raças,
ilírios, cítios e asiáticos, se haviam misturado ao sangue grego ainda na era
helenística. Sob os romanos, as raças de todo o mundo mediterrâneo se
entrelaçaram e amalgamaram. Os camitas do Egito, os semitas da Síria uniram-
se às tribos na Europa. O Imperador Filipe era árabe, Heliogábalo, um mestiço
romano-sirio. Essa catolicidade durou até a era bizantina. Arcádio, espanhol de
ascendência, desposou uma goda, Eudóxia, e seu filho, Teodósio II, casou-se
com uma helena pura. Em fins do século VII, um sírio foi bispo de Roma. Os
habitantes de Constantinopla descendiam de todas as tribos, embora a nobreza
gostasse de reivindicar ascendência romana.

A perda do Egito e da Síria, no século VII, restringiu a mistura de sangue. Daí


por diante, a espinha dorsal do império foi o povo da Ásia Menor, um misto de
frígios, hititas, gálios, iranianos e semitas, além de muitas outras raças, em
proporções que ninguém pode calcular. Mas novas misturas ainda vinham,
principalmente as de eslavos e armênios.

As invasões eslavas, iniciadas no século VI, a princípio perturbaram apenas a


etnologia das províncias balcânicas e, um pouco mais tarde, a península grega.
Quando começou a ocorrer uma certa estabilização, aumentaram os casamentos
mistos e, em fins do século IX, homens de raça eslava pura ou mestiça
ocupavam altas posições no império. O Pretendente Tomás era eslavo, assim
como o eram muitas das grandes figuras dos séculos X e XI: a Imperatriz Sofia,
mulher de Cristóvão Lecapeno, ou o Patriarca Nicetas. Depois da conquista da
Bulgária, a aristocracia ainda foi mais fermentada pelos casamentos inter-raciais
com as famílias reais e de nobres búlgaros. Em fins do século XI, os eslavos
estavam ora completamente absorvidos dentro do império, ora inteiramente
atraídos para os Estados eslavos independentes dos Balcãs.

O caso dos armênios foi um pouco diferente. Não imigravam em tribos


completas, exceto quando havia migrações forçadas, mas sim como aventureiros
individuais, desempenhando um papel muito parecido com o dos escoceses na
história da Inglaterra. Demasiado prolífica para seus estreitos vales, a raça
enviava seus filhos mais empreendedores à procura de poderio e fortuna no
campo mais vasto que o império oferecia. Já no século VI, o grande general de
Justiniano, Narses, era um armênio; no entanto, foi nos séculos IX e X que o
movimento atingiu o auge. O Imperador Leão V foi um aventureiro armênio;
Basílio I, filho de deportados armênios; João I Tzimices era um nobre armênio.
Quando Romano I dirigia o Estado e seu filho Teofilacto dirigia a igreja, João
Curcuas era o general-chefe — todo o império estava em mãos de armênios.
Ouvia-se continuamente falar em princesas ou altos oficiais de sangue armênio e
em todas as cidades encontravam-se artesões e mercadores armênios. A única
esfera em que eles não penetravam (com exceção de Teofilacto, uma cínica
nomeação erastiana), era a Igreja. O imigrante armênio, ao ser admitido no
serviço imperial, tinha que renunciar à sua heresia e aceitar a doutrina de
Calcedônia, mas as autoridades eclesiásticas nunca simpatizavam com os
conversos e desconfiavam de sua conversão. As invasões dos seljuques e os
subsequentes levantes da Ásia separaram a Armênia do resto do império e o
fluxo gradualmente cessou, o que foi uma perda para o império. Os armênios
tinham fornecido não só muitos dos seus dirigentes mais vigorosos, mas também
uma grande proporção dos seus melhores homens de negócios; possuíam
também uma grande — se bem que discutida — influência sobre a arte e o
artesanato bizantinos.

Nenhuma outra raça imigrou em escala tão importante quanto a armênia, mas
através da história bizantina um fluxo de aventureiros, provenientes de inúmeros
países, veio buscar fortuna sob o imperador. A passagem de um lado para o
outro da fronteira sarracena era contínua. Os bizantinos passavam-se para o Islã
e os árabes para o cristianismo, conforme o imperador ou o califa oferecessem
melhores oportunidades. O pai do herói épico Digenes Acritas era um converso
sarraceno; o Imperador Nicéforo I era de sangue árabe. Os imigrantes do Norte e
do Oeste, especialmente nos últimos séculos do império, tendiam a voltar aos
seus lares uma vez feita fortuna — os varangios para as brumas da Escandinávia
ou da Inglaterra, os francos para a Flandres ou a Catalunha. Mas por vezes
ficavam; casavam-se; seus filhos mestiços podiam vir a governar o império na
próxima geração. Havia muito pouco preconceito racial entre os bizantinos, seu
sangue era misturado demais. Quem fosse ortodoxo e falasse grego era aceito
como cidadão. Seu profundo desprezo pelos estrangeiros dirigia-se aos heréticos
e selvagens ignorantes dos refinamentos da civilização imperial. O estrangeiro
convertido e naturalizado podia desposar qualquer bizantino, qualquer que fosse
sua origem. As mulheres nobres bizantinas casavam-se livremente com
aventureiros francos ou orientais, e entre as noivas dos imperadores contam-se
duas cazares de pura origem turca e inúmeras princesas ocidentais. É verdade
que quando Justiniano II obrigou uma dama de família do Senado a desposar seu
cozinheiro negro, os cortesãos se sentiram ultrajados, mas com certeza mais por
preconceito social do que racial. O crescente contato com o Ocidente e o lento
martírio do império às mãos das repúblicas italianas tornaram os estrangeiros
mais odiados em Constantinopla, mas era antes a civilização do que o sangue
que constituía o anátema. As nações eslavas que deviam sua cultura a Bizâncio
só abrigavam esses ódios raciais em tempo de guerra e mesmo os turcos, que
copiavam os engodos de Bizâncio, pareciam preferíveis aos seus irmãos cristãos
francos.
A única raça instalada no império que nunca pôde ser assimilada devido a
religião foi a judaica. Os judeus nunca foram, porém, muito numerosos. Havia
colônias suas, de língua grega, na Ásia Menor, mas no século XII, pelo menos,
encontravam-se pequenas colônias judaicas em todas as cidades bizantinas; nos
negócios, porém, eles não eram mais astutos do que os gregos e armênios e, ao
que parece, estavam sujeitos a impostos maiores e perseguições periódicas. No
caso de se converterem, porém, podiam até unir-se às fileiras da aristocracia. A
irmã da Imperatriz Irene desposou um descendente de um certo Sarantapequis,
judeu renegado de Tiberíades.

Tanto a miscigenação de raças quanto a intensidade do sentimento nacionalista


podiam ser observadas em seus extremos na própria capital, Constantinopla.
Desde o momento de sua fundação, Constantinopla dominou o império. A
burocracia e as finanças centralizavam-se cada vez mais ali; sua posição fazia
dela a chave econômica e estratégica de dois continentes. Para reger o império
era essencial, em primeiro lugar, tomar Constantinopla. Roma já estava em
declínio quando foi fundada a nova capital e não havia nenhuma outra grande
cidade no Ocidente; Cartago e Milão ainda estavam bem atrasadas. As cidades
patriarcais do Oriente, Alexandria e Antióquia, eram as suas rivais mais sérias;
Alexandria, até a conquista árabe, era pouco menos importante do que
Constantinopla, mas o ódio que dedicava ao governo imperial levou-a a tomar
uma atitude de campeã dos direitos e aspirações locais, o que diminuiu sua
importância ecumênica. Antióquia, por outro lado, sofreu um declínio gradual
por motivos de ordem geográfica. À medida que o Ocidente se tornava mais
pobre e desorganizado, as mercadorias do Oriente, que eram transportadas para o
Mediterrâneo através de Antióquia, tomaram um caminho mais setentrional e
atravessavam a Ásia Menor com destino à nova metrópole. Por volta do século
VII, Constantinopla não tinha rival.

Já pelo século V, a população de Constantinopla, com exclusão dos subúrbios,


devia atingir cerca de um milhão de pessoas e permaneceu mais ou menos nesse
nível até à conquista latina, declinando, a partir de então, rapidamente até
possuir menos de cem mil almas em 1453. (45) A área da cidade era ainda maior
do que essa população poderia justificar. A base do triângulo sobre a qual ela
assentava possuía cerca de oito quilômetros de comprimento, estendendo-se as
muralhas terrestres construídas por Teodósio II, numa dupla linha de Marmara
até o Chifre de Ouro, e perfuradas por onze portas, alternadamente militares e
civis. De cada lado, as muralhas marítimas estendiam-se por mais de onze
quilômetros cada uma, antes de se encontrarem no vértice rotundo do Bósforo.
Dentro das muralhas havia várias cidades e aldeias super-povoadas, separadas
por pomares e parques. Tal como a velha Roma, Constantinopla orgulhava-se de
sete colinas. Estas se elevavam sobre o Bósforo e o Chifre de Ouro, mas no Mar
de Marmara as encostas eram mais suaves e a distribuição mais espaçosa.

O viajante que chegasse por mar do sul ou do oeste, ao se aproximar da cidade,


veria à sua direita as cúpulas e os pórticos ladrilhados do Grande Palácio, com
Santa Sofia erguendo-se por trás e jardins estendendo-se em declive até o
Bósforo; depois, a enorme muralha curva que ainda sustenta a extremidade sul
do Hipódromo elevando-se acima da baía do Palácio e da Igreja de São Sérgio e
São Baco, e um bairro baixo semeado de pequenos palácios. A intervalos, à
esquerda, a muralha marítima, com suas torres ocasionais, seria interrompida
para permitir um pequeno porto artificial para os barcos que não desejassem
fazer a volta pelo Chifre de Ouro. Em redor desses portos, as casas seriam
próximas umas das outras; atrás, especialmente no vale do pequeno rio Lico,
havia pomares e até trigais, mas o cume da serra era dominado pela Igreja dos
Santos Apóstolos e outros grandes edifícios. Mais longe ainda, para a esquerda,
a paisagem era plana. Na praia, havia o bairro populoso de Estúdio, com o seu
famoso mosteiro. For trás, os topos das muralhas terrestres podiam ser avistados
descendo até o mar, mas, mesmo além das muralhas, as casas dos subúrbios
aglomeravam-se ao longo da costa por outros dois quilômetros ou mais. Do
outro lado do Chifre de Ouro, a aparência da cidade era muito diferente. Lá, em
frente das muralhas, via-se uma praia, que crescia gradualmente com os séculos,
coberta de depósitos, armazéns e cais, nos quais ancoravam navios mercantes e,
mais acima, até casas eram construídas sobre pilares dentro da água. Numerosas
portas abriam-se para os ruidosos bairros situados logo atrás. Aqui se via pouca
verdura. As ladeiras íngremes que levavam à elevação central eram cobertas de
casas, exceto apenas no quarteirão da cidadela, na extremidade oriental, e o
bairro mais espaçoso de Blaquerne, no extremo oeste, onde um palácio imperial
e uma igreja muito consagrada davam certa dignidade ao local. No meio ficava o
centro da atividade comercial da cidade, os escritórios dos armadores e dos
exportadores, os estabelecimentos dos comerciantes estrangeiros. Foi ali que os
negociantes italianos obtiveram licença para se instalar pela primeira vez.

O bairro comercial mais elegante ficava para o interior. Ao longo da serra


central, três quilômetros a partir da entrada do Palácio e do Hipódromo, corria na
direção do ocidente uma rua chamada Mesê, a Rua Central, larga, com arcadas
de ambos os lados, que atravessava dois foros — espaços abertos decorados com
estátuas — o Foro de Constantino, próximo ao palácio, e o Foro de Teodósio,
maior — e finalmente se subdividia em dois ramos principais; o que atravessava
os Foros do Touro e do Arcádio, dirigindo-se para Estúdio, a Porta de Ouro e a
Porta de Pega, e outro que passava pela Igreja dos Santos Apóstolos em direção
a Blaquerne e a Porta Carisiana. Ao longo das arcadas da Rua Mesê ficavam as
lojas mais importantes, ordenadas em grupos segundo as mercadorias — os
ourives, ao lado os cinzeladores de prata, os vendedores de tecidos, os
fabricantes de móveis, e assim por diante. Os mais ricos ficavam todos perto do
Palácio, nos banhos de Zeuxipo. Havia os empórios de seda no grande bazar
conhecido como a Casa das Luzes porque suas vitrines se iluminavam à noite.

Não havia nenhum bairro residencial elegante. Palácios, tugúrios e casas de


cômodos acotovelavam-se lado a lado. As casas dos ricos eram construídas no
velho estilo romano, de dois andares, com uma fachada exterior fechada, e
abertas para o interior em torno de um pátio, às vezes coberto e em geral
adornado com unia fonte ou qualquer outro ornamento exótico que a fantasia
pudesse sugerir. As casas mais pobres eram construídas com balcões ou janelas
em balanço sobre a rua, nos quais as senhoras preguiçosas da família pudessem
observar a vida quotidiana dos vizinhos. As ruas residenciais tinham sido em sua
maioria edificadas por construtores particulares, mas uma lei de Zeno tentou
introduzir-lhes alguma ordem. As ruas tinham que ter 4 metros de largura, e os
balcões não podiam estender-se a mais de três metros do muro fronteiro e ficar 5
metros acima do nível do solo. As escadas exteriores eram proibidas e nos locais
em que as ruas já tivessem sido edificadas com menos de 4 metros não eram
permitidas janelas largas, mas apenas grades para ventilação. Essa lei conservou-
se como carta básica do planejamento urbanístico de Bizâncio. Havia
regulamentos severos para os esgotos. Todos os esgotos levavam
cuidadosamente ao mar e ninguém, exceto uma personagem imperial, podia ser
enterrado dentro da cidade. Funcionários médicos em cada paróquia cuidavam
da saúde pública.

Em contraste com as ruas estreitas havia amplos jardins públicos, conservados a


expensas da municipalidade. O Grande Palácio e seus jardins ocupavam o canto
sudeste da cidade, estendendo-se por quase um quilômetro. Vizinho ficava o
Palácio do Patriarca, com todas as suas dependências, e havia outros palácios
imperiais pela cidade. Quase que em cada esquina se encontrava uma igreja;
havia enormes Igrejas de Santa Sofia, dos Santos Apóstolos, a Nova Basílica de
Basílio I e uma centena de santuários menores. Muitos deles tinham em anexo
mosteiros, em enormes claustros austeros e hospitais, orfanatos e hospedarias.
Havia edifícios de universidade, bibliotecas, aquedutos, cisternas, banhos
públicos e acima de tudo o grande Hipódromo. Uma estátua de Afrodite assinala
o único bordel da cidade, no bairro chamado Zeugma, no Chifre de Ouro. As
ruas principais, especialmente os foros e o Hipódromo, eram museus em que as
melhores peças da escultura antiga eram expostas. Nos primeiros séculos existira
um verdadeiro Museu, a Casa de Lauso, mas foi incendiado com todos os seus
tesouros no ano 476. A estatuaria das ruas, porém, sobreviveu até ser destruída
ou roubada pelos cruzados latinos.

Em torno da cidade ficavam os subúrbios, alguns dos quais, como Calcedônia,


ou mais tarde o italiano Cálata, movimentadas cidades comerciais, outras, como
Hierão, onde Teodósia possuía seu palácio favorito, ou as aldeias Bósforo acima,
simples vilegiaturas residenciais, onde os ricos se refugiavam no verão. Em
Pega, logo além das muralhas, ficava um famoso santuário da Virgem. Em
Hebdomonte, sete milhas além da pedra fundamental da Porta do Grande
Palácio, ficava um famoso campo de paradas, onde se passaram muitas das cenas
vitais da história bizantina.

A aparência exterior da cidade nos seus dias de fausto permanece objeto de


conjeturas. As abóbadas e peristilos fantásticos, as arcadas coloridas que formam
o pano de fundo dos manuscritos iluminados dão uma impressão demasiado
alegre, porque o arquiteto bizantino conservava seus efeitos mais ricos para os
interiores. Mas mesmo sob os Paleólogos, quando enormes trechos da cidade
jaziam em ruínas e o próprio Grande Palácio era inabitável, os viajantes ficavam
impressionados pelo esplendor que Constantinopla ainda apresentava.

A aparência dos cidadãos de posses era igualmente impressionante. A toga


romana foi abandonada no século V pelos longos casacos de pesado brocado. O
scaramangium, a veste que todos os nobres usavam nas cerimônias — e eram
guardadas principalmente no Palácio —, tinha sido copiado dos hunos e
provavelmente se inspirara, muito antes disso, nas túnicas dos mandarins da
China. (46) À medida que os séculos avançam, as vestes se tornam mais
trabalhadas; estranhas peças ornavam as cabeças de homens e mulheres, chapéus
pontudos enfeitados de peles ou altos turbantes acolchoados. A partir do século
VII as barbas tornaram-se comuns; barbear o queixo era ocidental e vulgar. Os
cosméticos estavam na moda, especialmente no tempo dos Paleólogos. Mesmo
as mulheres jovens e bonitas cobriam o rosto de pintura. O borgonhês La
Brocquière ficou horrorizado pela quantidade usada pela Imperatriz Maria, que
era uma dessas belezas famosas, as Princesas de Trebizonda.
A vida quotidiana tinha uma regulamentação e um cerimonial tão rígidos quanto
o vestuário. As autoridades interferiam em tudo. Preços, lucros, horas de
trabalho, tudo era controlado pelo gabinete do prefeito da cidade. A Igreja
possuía suas próprias instruções para jejuns e festas. O imperador, regente
supremo do império, tinha uma vida ainda mais circunscrita do que seus súditos.
Além dos assuntos do governo que, se fosse consciencioso, lhe tomavam a maior
parte do tempo, ainda tinha quase diariamente de comparecer a cerimônias, nas
quais era adorado como uma divindade e, quaisquer que fossem seus pontos de
vista a respeito dos esportes, tinha que se mostrar ao povo nos espetáculos do
Hipódromo. Continuamente, era obrigado a mudar de roupa, a andar em longas
procissões com um pesado diadema na cabeça, a receber embaixadores e estar
preparado para ser levantado de repente bem alto no ar, sentado em seu trono,
para impressionar os simples forasteiros. No verão podia retirar-se para passar as
férias num arejado palácio, mas é mais provável que tivesse que conduzir seus
exércitos através dos altiplanos da Ásia Menor. Leão VI e seu filho Constantino
VII acharam tempo para escrever livros, mas nem um nem outro foi soldado,
como também Teodósio II, que como Constantino VII, foi hábil pintor. Os
imperadores que desejavam levar vida de prazeres no trono ou tinham que ter
ministros capazes e leais ou nele permaneciam muito pouco tempo.

Até o século XII, o imperador vivia quase inteiramente no Grande Palácio,


embora pudesse por vezes visitar outro de seus palácios, dentro ou fora da
cidade. O Grande Palácio, chamado pelos viajantes ocidentais de Bucoleão, do
porto do Palácio do mesmo nome, onde uma enorme estátua de um touro em luta
com um leão ficava antigamente, era um aglomerado sem método de
edificações, vestíbulos, oratórios, banheiros, alas residenciais, construídas por
diversos imperadores. Do Palácio dos dias de Justiniano sabe-se pouco. Depois
do século VII, parece que certas partes precisavam de reparos. Teófilo construiu
o famoso salão de recepção, o Triconco. Basílio I fez muitos acréscimos,
enquanto Nicéforo Focas construiu uma ala baixa perto do mar, onde gostava de
residir e onde foi assassinado. Os Comnenos, embora tanto Aleixo I como João I
permanecessem em geral fiéis ao Grande Palácio, preferiam o Palácio de
Blaquerne, no Chifre de Ouro, ao noroeste da cidade, e Manuel I residiu quase
exclusivamente ali. Este foi um grande caçador e achava melhor residir junto às
muralhas do que ser obrigado a percorrer oito quilômetros pelas ruas antes de
atingir o campo. Os primeiros imperadores latinos instalaram-se no Grande
Palácio, mas Balduíno II não pôde mantê-lo. Durante o seu reinado, até o Palácio
de Blaquerne caiu em ruína. Quando Miguel Paleólogo entrou na cidade, o
Grande Palácio estava em condições ruins demais para valer a pena ser reparado,
considerando a pobreza geral, e mesmo Blaquerne necessitou de várias semanas
de limpeza antes de poder ser habitado. Todos os Paleólogos moraram era
Blaquerne e o Grande Palácio, à época da conquista turca, tinha de pé apenas
alguns dos seus edifícios.

A riqueza total de Constantinopla surpreendeu os Cruzados de 1204.


Villehardouin não podia crer que fosse real. Mas enquanto o palácio de
Blaquerne, com seus mármores e mosaicos, afrescos e brocados, os
impressionou desmedidamente, o Grande Palácio ainda lhes pareceu mais
surpreendente. Nele se conservavam os principais depósitos de tesouros, moeda,
joias e materiais preciosos. Havia os salões de recepções imperiais, com os leões
de ouro que urravam e os pássaros de ouro que cantavam, feitos para o
Imperador Teófilo. Nele também, a fim de santificar o local acima de todos os
outros, estava a mais bela coleção de relíquias de toda a cristandade. Numa
colina dentro dos limites do Palácio ficava um farol cuja luz guiava as
embarcações pelo Bósforo e, ao seu lado uma capela da Mãe de Deus, o museu
em que se guardavam esses tesouros sem preço, até que os Cruzados os
dividiram entre si e Balduíno II empenhou o melhor do que restara.

O Palácio era o centro de Constantinopla. De seu interior o império era


governado. Era a casa comercial mais rica do império. O comércio da seda era
monopólio imperial e no gineceu, a habitação das mulheres, ficavam os teares
em que se faziam os tecidos mais caros. Além dos escritórios públicos, e da
vasta habitação do imperador, havia os edifícios em que residiam a imperatriz e
sua corte, aposentos sob seu controle exclusivo, onde o imperador nunca
penetrava sem sua permissão. De fato, quando a Imperatriz Teodora morreu em
548 e seu viúvo Justiniano se pôs a examinar seus pertences encontrou
escondido numa camarinha o ex-patriarca herético Antimo, que ela ocultara
durante doze anos. Mas, embora o gineceu fosse guardado por eunucos e nele
nunca penetrassem homens, a imperatriz entrava e saía a seu bel-prazer. Visitava
o imperador em seus aposentos e jantava com ele em seus salões; como regente,
entrevistava os ministros quando o desejava. Dentro do Palácio era quase tão
poderosa quanto o imperador.

Escolhia-se tradicionalmente a imperatriz na Parada das Noivas. Emissários


percorriam o império arrebanhando moças bonitas e bem-educadas, dentre as
quais o imperador faria sua escolha. Frequentemente, considerações de ordem
política ou uma paixão intempestiva forneciam noiva ao imperador e o
expediente tornava-se desnecessário. Foi empregado, porém, quando Irene quis
casar seu filho Constantino VI — a seleção parece ter sido feita mais por Irene
do que pelo imperador: a noiva era moralmente admirável, mas nada atraente,
embora os agentes lhe tivessem medido cuidadosamente a altura e os pés; foi
usado também quando do casamento de Estaurácio e, caso mais famoso, quando
Teófilo escolheu Teodora, deixando de lado a poetisa Cássia por causa da
ousadia de suas respostas.

Junto ao Palácio havia dois outros grandes centros da vida da Cidade, a Igreja da
Sabedoria Divina, Santa Sofia, e o Circo ou Hipódromo. O Hipódromo era uma
vasta construção, capaz de conter umas 10.000 pessoas sentadas. Nos edifícios
que se aglomeravam em torno ficavam os estábulos de todos os animais usados
nas lutas, e os tugúrios dos inúmeros empregados do Circo. Os espetáculos eram
gratuitos, subsidiados pelo Estado. Assistir aos jogos no Hipódromo, aos
combates com animais e às corridas de carros eram as grandes distrações do
populacho e, na competição entre as facções do Circo, os Azuis e os Verdes, as
paixões eram tão exaltadas que chegavam a causar complicações políticas e
motins. O imperador e a imperatriz eram obrigados a assistir aos espetáculos;
podia-se chegar ao camarote imperial vindo diretamente do Palácio. Seus
movimentos obedeciam a um ritual complicado, que prescrevia todo o processo
da corrida e da premiação. Nos primeiros séculos, o Hipódromo tornou-se o
local onde o imperador podia avistar-se com o povo e fazer-lhe proclamações.
Ali era aclamado imperador. Foi lá que Ariadne anunciou a seus súditos quem
havia escolhido para esposo e imperador; foi lá que Justiniano discutiu com os
amotinados enfurecidos na sedição de Nica. Mais tarde, porém, cerca do século
X, essas cenas passaram a ter lugar na grande praça fronteira ao Palácio. Foi ali
que o populacho exigiu Constantino VII como imperador em 944 e Zoé como
imperatriz em 1032. O Hipódromo tornava-se menos popular. Os corredores de
carros dos séculos V e VI, como Porfírio, no reino de Anastásio, tinham sido os
ídolos da cidade e as intrigas do Hipódromo, tais como as que cercavam o
juventude de Teodoro, podiam afetar a política do império. Por volta do século
IX, tudo estava mudado. O corredor de carro profissional mergulhou na
obscuridade. Era o cavaleiro amador, como Basílio, o Macedônio, que atraía a
atenção, ou como Filoreu, o moço de cavalariça do século X, que foi alvo da
admiração de toda Bizâncio por ter galopado em redor do Circo de pé sobre o
cavalo, manejando a espada com ambos as mãos. A introdução da cavalaria
ocidental por Manuel Comneno fez do Hipódromo durante algum tempo o local
de torneios de cavalaria. Sob os Paleólogos, foi praticamente abandonado,
embora jovens príncipes e nobres o frequentassem de tempos em tempos para
praticar a cavalaria e para jogar polo.
Todos os nobres que dispunham de recursos possuíam casas na cidade, embora
pudessem visitar suas residências de campo no verão; no entanto, a residência
permanente forçada nestas últimas equivalia ao exílio e à desgraça. Em geral, os
homens ocupavam alguma posição no governo e passavam o tempo
desempenhando essas funções. Em caso contrário, com suas mulheres,
ocupavam-se na corte imperial — nos dias de festa os homens desfilavam
cerimoniosamente diante do imperador e as senhoras diante da imperatriz — e
entregavam-se às intrigas. Tanto quanto possível transformavam seus palácios
em pequenas cortes, formando um círculo de clientes, santos e poetas. A
primitiva nobreza do império tinha a fortuna e o poder durante as invasões do
século VII e sob a tirania dos imperadores, tais como Focas e Justiniano II. Até o
século IX a terra constituía um investimento incerto. À única grande família que
sobreviveu foi a dos Melissenos, que parece ter sido originária de Constantinopla
e obtido sua riqueza provavelmente através de propriedades urbanas, embora
mais tarde se tenha estabelecido na península grega e ainda era florescente no
próprio crepúsculo do império — a última duquesa de Atenas era uma
Melissena. Mas, a partir da segunda metade do século IX, as famílias parecem
possuir grandes propriedades na Ásia Menor, por exemplo, os Focas, os Ducas,
os Escleros, os Comnenos. Um pouco mais tarde, depois que a conquista da
Bulgária fixou as províncias da Europa, as grandes famílias europeias entraram
em cena: os Cantacuzenos, os Briênios ou os Tornicas, uma casa principesca da
Armênia, estabeleciam-se nas proximidades de Adrianópolis, enquanto os Ducas
adquiriam propriedades na Europa. Traçar a descendência das grandes famílias
bizantinas é, porém, difícil, de vez que, quer por requinte, quer por amor à
variedade, os filhos frequentemente tomavam o nome da mãe, e não o do pai.
Assim, o pai de Ana Dalassena chamava-se Cáron, sendo Dalassena o nome de
sua mãe; o último Ducas, segundo Psellos, só era Ducas pela linha feminina; os
filhos de Ana Comnena tinham os sobrenomes Comneno e Ducas, enquanto seu
pai era um Briênio.

As grandes famílias levavam vida de clã, trabalhando e até habitando em


comum. Nas primeiras páginas da história de Ana Comnena, veem-se os irmãos
Comneno agindo como uma unidade sob as ordens de sua mãe, Ana Dalassena, e
promovendo os interesses do mais hábil, embora não o mais velho deles, Aleixo.
Essas mesmas páginas mostram como era excitante e agitada a vida da
aristocracia em tempo de crise, os homens sempre galopando para fora da cidade
durante a noite em busca de refúgio ou para tentar conquistar o apoio do exército
e as mulheres, em geral as intrigantes mais perigosas, precipitando-se, muitas
vezes em vão, para o santuário de algum altar. Mesmo em épocas mais pacíficas,
a riqueza dos nobres tornava sua posição insegura. Sob Nicéforo Focas, Romano
Saronites, sob a suspeita e a fiscalização às quais estava sujeito apenas devido ao
fato de ser muito rico — era dono do cavaleiro de circo Filoreu — e de ser genro
de um antigo imperador, Romano I, sentiu uma tensão tão forte que, em
desespero de causa, pensou em rebelar-se, retirando-se porém para um mosteiro
a conselho de São Basílio, o Menor.

De que consistiam as grandes riquezas em Bizâncio não podemos conjeturar.


Não há informação sobre a riqueza nos primeiros tempos do império. Quando
Justiniano aboliu o Consulado, este custava aos seus ocupantes mais de Cr$
60.000.000,00 por ano e nenhum particular tinha recursos para sustentá-lo. As
riquezas diminuíram nos séculos VII e VIII. Teoctiste, a mãe de Teodoro de
Estúdio, que era rica e muito generosa, só dava aos criados pão, toucinho e
vinho, com carne ou frango nos dias santos e domingos, e era considerada um
tanto extravagante; não sabemos, porém, quantos criados tinha. Os Sessenta
Mártires de Jerusalém viajaram, segundo consta, com um séquito principesco,
com cerca de 730 pessoas. Danielis, a viúva que era amiga de Basílio I, possuía a
melhor parte do Peloponeso e deixou ao imperador 3.000 escravos. O Basílio
Paracomomeno, embora filho bastardo de um imperador, mesmo nos piores dias
de desgraça, levava consigo um séquito de 3.000 pessoas. As somas
mencionadas no poema de Digenes Acritas foram infelizmente alteradas pela
licença poética. É difícil acreditar que o dote de sua esposa fosse na realidade de
cerca de 9.000.000 de francos-ouro e muito maior se o herói o desejasse,
enquanto seu palácio, inteiramente revestido de ouro e mosaicos, representa a
casa de campo ideal e não uma que realmente tivesse sido construída. Mas
mesmo o humilde agricultor Filáreto, em seus melhores dias, oferecia jantares a
trinta e seis convivas em torno de uma mesa de marfim e ouro e possuía 12.000
cabeças de gado ovino, 600 bois e 800 cavalos nas suas pastagens, 200 bois e 80
cavalos e mulas de trabalho e um grande número de servos. Sua riqueza
provinha de propriedades nos arredores das cidades-feiras da Ásia Menor; não
possuía casa em Constantinopla. A riqueza privada subsistiu mesmo sob os
Paleólogos. A descrição feita por Metoquites do seu palácio destruído nas
arruaças mostra-o cheio de mármores e metais preciosos, suntuoso numa medida
desconhecida no Ocidente contemporâneo, e, segundo seus inimigos, Lucas
Notaras escondia, em 1453, ouro em quantidade suficiente para ter comprado um
exército inteiro para a salvação da cidade. Até o fim, a aristocracia permaneceu
uma aristocracia de dinheiro.

Em consequência, as fileiras da aristocracia não eram fechadas. Qualquer um


com dinheiro suficiente investido em terras, o único investimento permanente
seguro, podia encontrar uma família nobre, comprar-lhe o título e ver assim seus
filhos se tornarem membros das classes senatoriais. A maneira mais comum era
tornar-se servidor público, provavelmente soldado, e ser recompensado pela
doação de grandes propriedades. Foi assim que a prosperidade dos Focas
começou com o grande soldado, o Nicéforo mais velho. Ou então o imperador
podia interessar-se pelos filhos de algum estadista ou de algum amigo. Assim
Teófanes, o cronista santo, foi em criança protegido do Imperador Leão IV,
porque seu defunto pai se tinha distinguido como estratego das ilhas egéias: e
tivesse Teófanes querido, poderia ter gozado de todas as regalias mundanas.
Assim também os Comnenos, dois jovens irmãos trácios, foram protegidos por
Basílio II, a quem seu pai tinha servido, e receberam terra na Paflagônia; ou, de
maneira mais humilde, Romano Lecapeno foi ajudado na marinha pela
influência imperial por ter seu pai, um camponês chamado Teofilacto, o
Insuportável, salvo certa vez a vida de Basílio I. Adquirir propriedade por pura
habilidade financeira, como, por exemplo, o patrício Nicetas no começo do
século X, era ao que parece menos respeitável. Era também menos seguro. Os
imperadores ficavam aterrorizados com tais tendências e o proprietário de terras
ambicioso podia ver-se obrigado, como o protovestiário Filocales, a voltar à
pobreza a pretexto de ter cometido uma contravenção aos Estatutos da
Preempção. Os imperadores procuravam também impedir o crescimento das
propriedades cujo núcleo houvesse sido adquirido de forma respeitável; isto
porém era mais difícil.

Sabe-se muito pouco das amenidades da vida da sociedade bizantina. As


cerimônias da corte provavelmente forneciam toda a diversão formal na própria
Constantinopla, mas festas íntimas parecem ter sido frequentes. Pulquéria
jantava todos os domingos depois do ofício com o patriarca para com ele discutir
a política da Igreja. Foi num jantar íntimo que Basílio, o Macedônio, e sua
mulher ofereciam a Miguel III que Basílio foi levado a planejar o assassinato do
imperador. Nas vidas dos santos ouve-se falar de amigos jantando com os
monges em seus mosteiros ou santos recusando-se a comparecer a festas
oferecidas pelos seus ricos patronos. Fócio dava festas intelectuais em que se
discutiam livros e assim fazia, séculos mais tarde, Metoquites. Festas em casas
de campo não existiam, porque a casa de campo era lugar de exílio ou de retiro
discreto, salvo apenas quando viajantes distintos estavam de passagem,
embaixadores, ministros do império ou o próprio imperador. Filáreto teve de
receber a missão que estava em busca de uma possível noiva para Constantino
VI. Aleixo I hospedara-se com parentes de sua mulher quando em viagem pela
Trácia. Quando Eustátio Maleino recebeu Basílio II, a magnificência da
hospitalidade provocou, como no caso inglês de Lord Oxford e Henrique VII, a
desgraça do hospedeiro. Basílio não tinha compreendido que seus súditos eram
tão poderosos. Cecaumeno era enfaticamente de opinião que as festas que
incluíssem a hospedagem dos convidados eram um erro. Os convidados
hóspedes, dizia ele, servem apenas para criticar a administração da casa e seduzir
a mulher do dono da casa.

Tal como o Palácio Imperial, os palácios da nobreza tinham seu gineceu, as


habitações das mulheres. Mas estas participavam plenamente da vida dos
homens. As moças solteiras viviam em certa reclusão e podiam só ver seus
maridos depois de fixado o casamento, mas, uma vez casadas, agiam com a
maior liberdade, muitas vezes, como Teoctiste, dominando todo o círculo
familiar. A mãe era particularmente respeitada. O poder de Aim Dalassena era
famoso, mas a deferência do filho para com ela não era considerada
desarrazoada. Quando Digenes Acritas jantava em casa — jantava
simplesmente, servido por apenas um criado, que ele chamava com uma
campainha — ele e sua mulher dirigiam-se para a sala de jantar logo que a
refeição estivesse pronta e deitavam-se em divãs; sua mãe chegava um pouco
mais tarde e sentava-se numa cadeira. Mesmo no crepúsculo do império foi
apenas a influência da última das imperatrizes, a anciã Helena Dragases, que
conservou a paz entre seus filhos, Constantino XI e os irmãos.

Nas frequentes conspirações que agitavam a vida dos aristocratas, as mulheres


invariavelmente desempenhavam uma parte e em geral partilhavam com seus
homens das punições, sendo porém poupadas das piores indignidades e
sofrimentos físicos. Ana Dalassena foi certa vez recolhida a um convento; a
mulher de Constantino Ducas, quando sua rebelião falhou em 913 e ele foi
cegado, viu-se obrigada a retirar-se para sua propriedade rural. Por outro lado, a
mulher de Bardas Focas, que tinha até defendido a fortaleza de Tirieu contra as
forças do imperador, nunca foi punida, tanto quanto sabemos, após a derrota de
seu marido, em Abidos.

A vida dos pobres é mais ou menos igual em qualquer época ou país e decorre
numa ansiosa luta pelos meios de subsistência. Os pobres de Constantinopla
viviam em grande miséria, seus casebres acotovelando-se ao lado dos palácios
dos ricos, mas passavam talvez melhor do que os pobres de muitas nações. O
Circo, sua única recreação, era-lhes aberto gratuitamente. A distribuição gratuita
de pão tinha cessado com Heráclio, mas os homens que trabalhavam para o
Estado na conservação dos parques e aquedutos, na reparação ou no serviço das
padarias do Estado ainda recebiam comida de graça. Era função do questor
providenciar para que os desvalidos tivessem trabalho útil e que não houvesse
desemprego. Para promover esse estado de coisas, ninguém podia entrar na
cidade, a não ser autorizado. Havia, além disso, abrigos e hospitais para os
velhos e enfermos, fundados em geral pelo imperador ou por algum nobre,
anexos a um mosteiro ou convento, que os administravam. Possuímos vários
títulos de diversas fundações dos Comnenos. Para os filhos dos pobres havia
orfanatos do Estado. O orfanótrofo, funcionário encarregado dos orfanatos, tinha
sido a princípio considerado um membro importante da hierarquia do Estado,
dispondo de enormes somas sob seu controle. Sob os iconoclastas, a Igreja,
durante certo tempo, apoderou-se dos orfanatos, mas os imperadores macedônios
os retomaram para as autoridades civis e realçaram a posição do orfanótrofo. O
maior orfanato ficava dentro dos muros do Grande Palácio. Um terremoto o
destruiu no remado de Romano III, mas Aleixo I tornou a fundá-lo, esquecendo
os encargos do Estado quando cuidava das crianças.

Com todas essas instituições de caridade era provável que existisse de fato pouca
fome. Note-se que quando o populacho se sublevava em arruaças nunca era
levado por desejos anárquicos ou comunistas. O povo podia depor um ministro
opressor ou destruir estrangeiros odiados, mas nunca procurava alterar a
estrutura da sociedade. Na realidade, era para salvar o rubro sangue imperial do
excesso de ousadia de algum usurpador que o povo, o mais das vezes, dava
expressão à sua soberania básica.

Havia, no entanto, além dos pobres livres, uma considerável população escrava.
Qual era seu número é impossível dizer. Logo se sentiu que não era correto
escravizar cristãos, embora os servos dos distritos rurais fossem pouco menos do
que escravos. Mas em todo caso, até o século XII, os infiéis e os escravos pagãos
eram empregados no serviço particular, nas minas do Estado e em outras obras
oficiais. Eram cativos sarracenos não-resgatados ou, mais frequentemente,
vinham como mercadorias, trazidos pelos mercadores das Estepes. Em particular
os russos costumavam vender as vítimas das suas incursões nos mercados de
Constantinopla. Mas durante todo o tempo havia um sentimento crescente contra
a escravatura. Teodoro de Estúdio proibiu os mosteiros de empregar escravos e
lançou um imposto especial sobre estes últimos. Aleixo I, em particular, legislou
no sentido de permitir que eles se casassem livremente. No entanto, mesmo em
fins do século XII, o Arcebispo Eustátio de Tessalônica possuía um grande
número de escravos que exigiu fossem libertados após a sua morte, porque a
escravidão não era natural. Gradualmente, o desenvolvimento da civilização
elevou o preço da mercadoria humana a alturas impossíveis, mas ainda se
encontravam escravos domésticos em Constantinopla no século XIV. Os
escravos em mãos de particulares provavelmente levavam vida bastante
confortável e não intolerável, embora seus companheiros de propriedade do
Estado pudessem ser tratados como gado (47).

Entre os pobres e a nobreza flutuavam classes médias. Diocleciano pretendeu


que cada qual seguisse a profissão de seu pai o filho de soldado teria de ser
soldado, o do padeiro, padeiro. Até certo ponto, essa situação prevaleceu, mas a
sociedade não permaneceu tão estática quanto Diocleciano desejara. Se havia um
filho para continuar a tradição paterna, seus irmãos poderiam entrar para a
Igreja, o exército ou o serviço público, e, caso tivessem êxito, toda a família
partilharia da nova fortuna. Haveria doações de dinheiro, compras de terras e
assim um novo ramo da nobreza aparecia. João, o Orfanótrofo, ministro de Zoé,
nascera na classe média e sua irmã desposou um fornecedor de navios, mas
conseguiu elevar um de seus irmãos e depois deste o sobrinho, filho do
fornecedor, até o trono imperial. Ou uma irmã poderia fazer um bom casamento,
porque a beleza frequentemente elevava uma mulher acima de sua situação
social. Teodora, atriz nascida no circo, e Teófano, filha de hoteleiro, tornaram-se
ambas imperatrizes e houve outros exemplos quase tão espetaculares.
Regularmente os novos parentes afins do imperador acorriam ao Palácio e
davam início, qualquer que fosse sua origem, a uma nova carreira na
aristocracia, A ambição era característica comum em Bizâncio, e os pais da
classe média faziam tudo para estimular seus filhos mais inteligentes. A mãe de
Psellos fez grandes esforços para dar ao rapaz a educação que ela própria nunca
recebera, embora seus parentes se reunissem para comentar que ele não o
merecia. À mãe de São Teodoro, o Siceota, sonhava com uma grande carreira
para seu filho no exército e ficou profundamente desapontada quando ele
escolheu o caminho pouco lucrativo da santidade. A irmã de Santa Maria, a
Jovem, ela própria mulher de um oficial, casou-a com um colega do marido,
cheio de futuro, que se elevou em pouco tempo de drungário a turmarca de Bízia
e teria chegado a maiores alturas não fosse a terrível tragédia da morte da
esposa, mártir de sua brutalidade. Seus filhos gêmeos estavam destinados um ao
exército, outro à Igreja.

A narrativa de Psellos sobre a vida familiar, na oração fúnebre a sua mãe, mostra
uma família muito unida, que ela dominava inteiramente, A única pessoa que
Psellos verdadeiramente amava era uma irmã, morta aos dezoito anos. Não eram
muito abastados, mas tinham um ou dois criados, e Teódote achou tempo, depois
de seu casamento, para aprender a ler e escrever corretamente, porque sua
educação tinha sido descurada de maneira invulgar. O pai era mercador, mas
Psellos, com suas aptidões excepcionais, foi educado para ser erudito e até o
mandaram viajar, para estudar com os melhores mestres. Era uma família muito
piedosa, especialmente Teódote, que alimentava uma esperança de que Psellos
abrigasse ambições eclesiásticas.

A casa do turmarca de Dizia era um pouco mais rica. Possuía diversos criados e
um gineceu, mas sua tentativa para manter a esposa dentro do gineceu foi
consideraria como errada, e pouco cristã a atitude de impedir que ela fosse à
festa do domingo anterior à Páscoa.

Para que um rapaz tivesse realmente êxito poderia ser sensato mandar castrá-lo,
porque Bizâncio era o paraíso dos eunucos. Mesmo os pais mais nobres não
hesitavam em mutilar seus filhos para promover o seu progresso, nem havia
nisso nenhuma desgraça. Um eunuco não podia usar a coroa imperial nem
tampouco, por sua natureza, transmitir direitos hereditários e nisso residia seu
poder. Um menino nascido muito perto do trono podia ser, assim, afastado da
sucessão, seguir tranquilo, atingindo altas posições. Assim Nicetas, filho de
Miguel I, foi castrado quando seu pai caiu e mais tarde, apesar do seu
nascimento perigoso, chegou a ser o Patriarca Inácio. Romano I castrou não
apenas seu filho bastardo Basílio, que, como Paracomomeno, o Grande
Camareiro, dirigiu o império durante várias décadas, mas também seu filho
legítimo mais moço, Teofilacto, que ele desejava viesse a ser patriarca. Grande
proporção dos patriarcas de Constantinopla era de eunucos, e os eunucos
recebiam estímulos especiais no serviço civil, onde um portador castrado de um
título tinha precedência sobre o competidor não-mutilado e onde muitas carreiras
eram reservadas apenas aos eunucos. Mesmo no exército e na marinha o eunuco
ocupava frequentemente um comando. Narses, no século VI, e Nicéforo Urano,
no X, foram talvez os exemplos mais brilhantes. Aleixo I tinha um eunuco por
almirante, Eustátio Cimineano, e após o desastre de Manziquerte foi um eunuco,
Nicéforo, o Logóteta, que conseguiu reformar o exército. Uns poucos postos, tais
como a prefeitura da cidade, lhes eram tradicionalmente vedados; entretanto,
somente quando as noções ocidentais de sexo e cavalaria começaram a
influenciar Bizâncio foi que se começou a estigmatizar a castração. Na realidade,
foi o emprego de eunucos, de uma forte burocracia controlada por eunucos, a
grande arma de Bizâncio contra a tendência feudal da concentração do poder nas
mãos de uma nobreza hereditária, que provocou tantas perturbações no Ocidente.
A significação dos eunucos na vida bizantina era a de que davam ao imperador
uma classe dirigente na qual ele podia confiar. Não há tampouco nenhuma
evidência de que suas limitações físicas deformassem seu caráter. Através da
história bizantina, os eunucos não parecem mais corruptos nem intrigantes, nem
menos vigorosos ou padiolas do que seus companheiros mais completos.

Nas classes inferiores, os eunucos eram mais raros, embora pudesse ser de
utilidade para a clientela de um médico o fato de ser ele castrado, como neste
caso poderia atender os conventos e hospitais de mulheres. Algumas instituições
femininas porém eram tão estritas que só permitiam médicas.

A fluidez geral da sociedade era fomentada pelo interesse geral pelo comércio. A
ideia de que ganhar dinheiro fosse coisa degradante é outra noção ocidental
alheia a Bizâncio. A corte imperial era a maior casa comercial de
Constantinopla, com o seu monopólio do negócio da seda, Nicéforo Focas
especulava no comércio do trigo, com lucro maior do que honestidade, enquanto
João Vatatzes ganhou com a sua granja avícola dinheiro bastante para comprar
uma nova coroa para a imperatriz. A nobreza frequentemente entregava-se a
atividades comerciais; a viúva Danielis era fabricante de tapetes e o favorito de
Leão VI, Músico, tinha interesses no porto de Tessalônica. Até a Igreja figura
ocasionalmente como empresa bancária, financiando as guerras de Heráclio
contra os persas. Não era porém possível fazer uma grande fortuna no comércio.
Com os severos regulamentos impostos pelo Estado para o bem-estar dos
cidadãos, os lucros eram forçosamente mantidos em baixo nível. Mas é provável
que o controle do Estado fosse exercido com certa elasticidade. Os pais de São
Tomás de Lesbos, cujo negócio ia mal na ilha, foram autorizados a mudar se
para Calcedônia e ali instalar seu comércio, apesar da desaprovação oficial à
movimentação dentro do império, e a proibição de imigração em Constantinopla
não impedia um grande número de armênios de se transferirem para a capital e
abrir lojas e fábricas.

Ir para Constantinopla constituía o objetivo natural de todo homem ambicioso


porque Constantinopla era, sem dúvida, o centro do império. Na Europa, só
Tessalônica podia, até certo ponto, competir com ela. Tessalônica ficava na
extremidade de uma das grandes rotas comerciais da Europa, descendo da
planície húngara para Belgrado e correndo na direção sul pelo Morava acima e
pelo Vardar abaixo. Tinha sido uma grande cidade desde os primeiros dias do
império. No fim do século IX, tomou o maior volume do comércio búlgaro e a
partir daí, apesar do saque pelos piratas árabes em 908, cresceu sempre. Na
grande feira anual de São Demétrio a cidade ficava cheia, durante uma semana
inteira, de mercadores e aventureiros de todas as partes do mundo. O satírico
Timarion deixou uma descrição muito vivida da agitação e da alegria de tudo
isso. Sob os Paleólogos, Tessalônica ainda se tornou mais próspera do que a
própria capital. Seus nobres e mercadores eram provavelmente mais ricos que os
de Constantinopla e ela tornou-se um centro intelectual. As outras cidades
europeias do império, com exceção de uns poucos portos, Mesêmbria, Dirráquio,
Palras e Bari, eram cidades-feiras adormecidas ou então importantes como
fortalezas, embora por volta do século XII Tebas tivesse uma importante
indústria local de seda.

Nos primeiros tempos, Alexandria e Antióquia tinham sido dignas rivais de


Constantinopla, mas a perda das grandes províncias do sudeste para os árabes
inaugurou seu declínio. Na Ásia Menor havia diversas grandes cidades
fortificadas e capitais provinciais, mas só os portos possuíam vida ativa. Esmirna
perdeu alguma de sua importância quando a rota comercial se desviou pelo
norte, para o Bósforo. Trebizonda, no entanto, foi até o fim o grande porto para a
Armênia, a Pérsia e o Oriente e, como capital de um império independente por
dois séculos e meio, seu prestígio aumentou muito; tal como Tessalônica,
tornou-se um centro intelectual, particularmente famoso por seus astrônomos e
matemáticos. Nicéia tinha seu passado sagrado para distingui-la e gozou de nova
prosperidade como capital do império no exílio. Brusa era famosa por suas
águas. Era a principal cidade balneária de Bizâncio e frequentada especialmente
pela Imperatriz Irene. Antióquia ainda era uma grande cidade quando as tropas
de Nicéforo Focas a reconquistaram para Bizâncio, mas estava declinando e
ainda declinou mais durante as Cruzadas, embora fosse a capital de um
principado latino — o comércio árabe atingiu o Mediterrâneo mais ao sul.

A vida nos distritos rurais não era, em absoluto, uniforme. Nos distritos europeus
podiam-se encontrar eslavos, albaneses ou valáquios levando uma existência
pastoral segundo velhos costumes tribais através das propriedades da nobreza
greco-romana. Mesmo na Ásia Menor havia pequenas colônias de raças
alienígenas, sírios, possivelmente, ou búlgaros, esparsos pelas terras. Em
conjunto, o campo era ocupado pelas comunidades rurais de duas espécies, a
serva e a livre (48). O aldeão, ou servo, estava preso ao solo, cujo proprietário
pagava os impostos, mas também tomava o produto da terra. Os filhos dos
servos eram servos como seus pais, embora por favor dos senhores pudessem ser
liberados e entrar em outras profissões, tais como a Igreja. Havia também
agricultores arrendatários em muitas propriedades de ricos, que pagavam o
aluguel em dinheiro ou em espécie e eram contados como homens livres, mas na
prática não tinham possibilidade de mudar seu destino para melhor. Estavam
fixados onde se encontravam. O aldeão estava quase igualmente preso ao solo,
porque as autoridades centrais não gostavam de deserções da terra. Sua grande
preocupação era o abastecimento de Constantinopla e para tal os trigais das
províncias, da Trácia e da Ásia Menor, tornavam-se cada vez mais necessários.
O aldeão livre devia pagar certos impostos sobre sua propriedade, o mesmo
ocorrendo a seus herdeiros, o que dificultava sua liberação da terra. Por
conseguinte, não podia deixar a aldeia. Outro sistema estreitou esses laços ainda
mais. A comunidade rural foi taxada como comunidade. Assim, se qualquer
membro faltasse ao pagamento do imposto, um ônus extra recaía sobre todos os
seus vizinhos. Era de interesse deles, portanto, conservá-lo trabalhando em seu
meio.

Os aldeãos servos tinham sido mais comuns no tempo dos grandes proprietários
de terras do começo do império, mas no caos dos fins do século VI e do século
VII, a sociedade rural foi reorganizada e as comunidades livres tornaram-se a
regra geral. O Estado costumava pagar aos soldados com doações de terras,
conservadas sob condição de serviço militar, criando assim uma classe de
pequenos proprietários rurais militares hereditários. Gradualmente, à medida que
a ordem era restaurada, o grande proprietário rural reaparecia. O rico assumia as
obrigações do homem pobre e assim transformava-o num locatário ou num
servo. Às vezes a safra falhava e o pequeno proprietário não podia mais existir
como homem livre. Ou um aldeão piedoso morria e deixava sua propriedade
para a Igreja, e a Igreja, tal como a nobreza, procurava investir seus bens em
terras. Assim, apareciam novos magnatas territoriais leigos e eclesiásticos, que
eram perigosamente ricos e cuja intervenção perturbava o sistema tributário.
Contra isto legislaram, em vão, vários imperadores. Romano I em seus estatutos
da preempção ordenava que apenas os pobres podiam comprar terras dos pobres
e o comprador devia pertencer a uma comunidade rural, tendo os parentes
precedência na oferta. Mas embora os imperadores subsequentes insistissem
nessas determinações elas eram sem dúvida inúteis porque nas épocas difíceis
apenas os ricos tinham dinheiro para pagar os impostos que o Estado exigia sem
piedade. Era um círculo vicioso, levando inevitavelmente o pequeno proprietário
livre a se tornar cada vez menos frequente à medida que os séculos avançavam;
os Isáurios haviam tentado abolir a servidão; os Macedônios foram obrigados a
restaurar seu direito legal.

A Lei dos Agricultores do século VIII dá uma ideia da vida da comunidade. Em


torno da aldeia ficavam os pomares e os vinhedos, cercados, e além deles os
campos aráveis, não cercados, mas também de propriedade privada. No círculo
exterior ficavam as pastagens naturais, de propriedade comum, mas se estas
fossem limpas e cultivadas passavam às mãos do que as houvesse recuperado.
Pesadas penalidades recaíam sobre quem, voluntariamente ou por descuido,
danificasse a propriedade dos aldeãos. O ladrão de uma campainha de gado era
responsabilizado pelo animal, o ladrão de um cão-pastor, pelo rebanho todo. O
homem que soltasse seus animais em seu campo, antes de que todas as safras de
seus vizinhos estivessem recolhidas, estava sujeito a uma multa, porque os
animais podiam extraviar-se. Tomavam-se providências contra todas as
possibilidades e seguia-se o critério do dano que poderia ser causado à
agricultura da comunidade, em seu todo. A vida dos santos complementam esse
quadro. O senso de obrigação de vizinhança era sempre muito forte. Quando
Filáreto, em fins do século VIII, se achou em dificuldade, seus vizinhos o
ajudaram e quando teve de receber a missão imperial, eles o abasteceram de
mantimentos. O serviço militar era uma carga, especialmente em distritos da
fronteira, em que uma milícia especial se reunia em caso de invasões —
justificadamente, porque os invasores costumavam abater-se sobre o distrito
destruindo as safras do ano e carregando consigo o gado e os rebanhos ovinos.
Mas era possível fugir do serviço militar mesmo quando numa propriedade
militar. Havia sempre queixas contra o peso dos impostos, mas o coletor agia
como amigo do povo em época de fome, fornecendo alimentos ao distrito. A
ordem era bem mantida. Havia polícia para coibir os roubos. Era necessário
passaporte para viajar pelos distritos da fronteira. Exceto entre os nobres e a
Igreja, a riqueza era pouca. Santa Teodora de Tessalônica, filha de um pároco de
aldeia de Egina, fez no juízo geral, um ótimo casamento quando desposou um
homem que morreu logo após, deixando-lhe 300 numismas (4.320 francos-ouro)
e 9 escravos. O medo das invasões tinha despovoado e empobrecido o campo. O
Estado tomava medidas drásticas para atrair novos colonos. NO século IX, Santa
Atanásia de Egina, uma bela e piedosa viúva, viu-se obrigada certo dia, com
horror, a desposar um imigrante bárbaro. No entanto, muitos distritos, em
especial nas ilhas egéias, permaneceram desertos durante muito tempo. A
história do século X de Santa Teoctiste de Lesbos, apesar de sua suspeita
semelhança com a de Santa Maria, a Egipcíaca, era perfeitamente possível. Ela
viveu nua e tranquila durante muitos anos numa ilha do Egeu, depois de ter
escapado aos piratas sarracenos, e foi finalmente encontrada por alguns eubeus,
que ali tinham ido praticar esporte. Falaram dela a um monge de Paros, que
repetiu a história a Nicetas, uma noite em que uma tempestade os fez aportar na
ilha numa viagem diplomática a Creta.
As viagens não eram muito estimuladas no império; as comunidades fixas eram
mais fáceis de taxar e controlar e as únicas migrações aprovadas pelas
autoridades eram as migrações forçadas de armênios para a Europa e de eslavos
para a Ásia, para isolar elementos rebeldes. Mas homens empreendedores, como
Basílio, o Macedônio, conseguiam encontrar modo de chegar a Constantinopla;
jovens de futuro tinham de boa vontade permissão para percorrer o império em
busca dos melhores mestres e as peregrinações à Terra Santa, ou para ver as
coleções de relíquias de Constantinopla, eram sempre permitidas. Processos
legais traziam continuamente visitantes à capital e imperadores caridosos, como
Romano I, construíram albergues onde eles pudessem hospedar-se. Dos distritos
da costa, de Trebizonda ou de Tessalônica, a viagem em geral era feita por mar.
Havia no entanto boas estradas, sempre bem conservadas, principalmente pelo
seu valor militar e provavelmente vedadas ao tráfego civil quando utilizadas por
tropas. A conservação era paga em parte por pedágios; apenas os funcionários do
governo, embaixadores estrangeiros e certos altos membros da nobreza estavam
isentos dessas taxas. Duas estradas principais levavam de Constantinopla para o
Oriente, uma a Estrada Militar, que corria através de Dorileu, se subdividia a
leste do Hális, um ramo dirigindo-se através de Sebástia para a Armênia e outro
voltando-se para o sul e levando a Cesaréia e Comagena ou através de Tiana
para as Portas Cilícias e a Síria; a outra, a Estrada dos Peregrinos, era um pouco
mais curta, mas menos fácil. Começava mais ao norte através de Ancira, depois
voltava-se para o sul, em direção a Tiana. Na Europa a estrada principal, se as
condições permitissem seu uso, era a antiga Via Inácia, que ia de Dirráquio a
Tessalônica e de lá a Constantinopla. A estrada Belgrado-Sófia-Adrianópolis
raramente estava em mãos bizantinas.

Considerando a diversidade de sangue, os meios de vida e os longos séculos de


transformação da existência do império, pode parecer audacioso atribuir a
Bizâncio características nacionais. No entanto, através da história bizantina
certos traços aparecem com tamanha persistência que merecem ser considerados
como o temperamento bizantino. O mais notável é o sentimento religioso. Toda
a cristandade da Idade Média era profundamente religiosa, profundamente
preocupada com o futuro da alma. Mas o bizantino era religioso com uma
intensidade selvagem, rara de se encontrar no Ocidente. Exigia precisão
teológica, mas aspirava mais ainda por contato e experiência pessoal. Seu
império era teocrático. A pompa e a glória da corte eram para elevar o vice-rei
de Deus; faziam parte do culto divino tal como os ofícios das igrejas. Os
festivais e o carnaval que davam vida ao ano bizantino, embora permitissem
alegrias mundanas, eram simples incidentes da liturgia perpétua. A simples
atitude pagã dos antigos gregos em relação ao prazer perdera-se totalmente; um
senso religioso transcendental obscurecia as alegrias da vida. Os poetas
bizantinos encontravam sua depressão natural em hinos, em elegias que
celebravam a majestade divina ou descrições de comunhão mística. Mesmo os
escritores mais vividos, homens como Psellos, aceitam a religião sem discutir e
têm como certa a falta de importância da vida na Terra, desculpando-se por
mostrarem interesse pelas ciências pagãs, enquanto os adversários da religião, os
racionalistas como Constantino V, que não admitia o título de santo nem para os
Apóstolos, e os debochados, como Miguel III w Alexandre, exprimiam sua
emancipação através da caricaturas dos rituais e da Missa Negra. Não se podiam
libertar inteiramente do ambiente.

Mas, embora o esplendor de sua vida fosse planejado em homenagem a Deus, os


bizantinos admiravam acima de tudo aqueles que abandonavam os prazeres do
mundo e se preparavam para a eternidade através da contemplação e da sujeição
da carne. Os mosteiros e conventos viviam repletos. Depois das preocupações da
administração doméstica, dos ardores da vida comercial ou da tensão da alta
política, era agradável retirar-se para a paz monástica e fortificar a alma em
lugares calmos e cheios de beleza. Mas a vida monástica não era suficientemente
rigorosa. Os monges constituíam uma classe profundamente respeitada e
procurar sua companhia era sinal de graça — esse gosto fez crescer muito a
popularidade de Romano I, e Aleixo I, para agradar sua mãe, sempre mantinha
um monge em sua tenda quando em campanha. Muito mais reverentes e
influentes eram os eremitas, que viviam em miséria solitária em cavernas.
Muitas vidas desses santos abnegados ilustram a prodigiosa influência que
exerciam. O beato Lucas, o Menor, era quase a autoridade máxima na Grécia no
século X; o estratego visitava-lhe continuamente a caverna para pedir e seguir
seu conselho. São Nícon, cognominado Metanocite ou “Arrepende-te”, governou
o Peloponeso pouco antes, e pouco mais tarde São Nilo dominou a Calábria,
chegando a exercer seu poder na Roma dos Olos. São Nicéforo de Mileto era
bastante poderoso para fazer Nicéforo II perdoar o imposto sobre o óleo da
Igreja. Os santos estilitas que passavam a vida no alto de plataformas sobre
colunas eram particularmente admirados. Houve uma longa e venerada
sequência deles, desde o primeiro Simeão, a partir do século IV. São Daniel, o
Estilita, tinha uma coluna em Constantinopla no século V e era muito popular na
corte. Sempre que havia uma tempestade, o Imperador Teodósio II mandava
imediatamente saber como ele estava passando e finalmente, depois de muita
persuasão, induziu-o a permitir a construção de um pequeno telhado sobre sua
cabeça. Quando se descobriu que a coluna era de construção defeituosa, o
arquiteto foi ameaçado de morte. Era um grande curandeiro, tal como São
Simeão, o Jovem, que, depois de ter dito com grande precocidade, na idade de
dois anos: “Eu tenho um pai, mas não tenho nenhum, eu tenho uma mãe, mas
não tenho nenhuma’’, foi viver no alto de uma rocha perto de Antióquia. Santo
Alípio, o Paflagônio, e São Lázaro, o Galisioto, governaram mosteiros de suas
colunas; o primeiro ficou paralítico depois de estar em pé cinquenta e três anos e
teve que ser deitado. São Teodoro, o Siceota, do século VII, passou uma Páscoa
numa jaula, mas seu discípulo Arsino viveu quarenta anos numa plataforma
perto de Damasco. São Teódulo, um correspondente de Teodoro de Estúdio,
pintou quadros audaciosos do alto de sua coluna. Houve mesmo uma ou duas
mulheres estilitas. O último estilita eminente, São Lucas, viveu no tempo de
Romano I, cujo reino foi a idade de ouro dos santos. A plataforma de São Lucas
ficava na Calcedônia e sua proximidade da capital fez dele um curandeiro útil.
Curou dois criados da Imperatriz Sofia, um mordomo e o homem que alimentava
a fornalha que aquecia o banho da imperatriz, e até curou uma doença de
infância do príncipe patriarca em perspectiva, Teofilacto. Seu contemporâneo,
São Basílio, o Menor, também foi protegido pela corte dos Lecapenos.
Aconselhou a imperatriz como fazer para ter um filho.

Depois do século X os santos se tornaram mais raros, embora ainda houvesse


estilitas nos séculos XI e XII e mesmo mais tarde ainda era possível alcançar a
coroa do martírio e um halo, como, por exemplo, São Nicetas, o Jovem, no
século XIV, infiltrando-se entre os turcos maometanos e provocando
perturbações durante o Ramadã. O apelo dos mosteiros nunca diminuiu. As
princesas da dinastia dos Comnenos frequentemente declaravam sua intenção de
se retirarem do mundo, embora poucas a realizassem e muitas senhoras que
terminavam a vida em mosteiros em geral o faziam contra a vontade. Mas a
última imperatriz, Helena, terminou voluntariamente seus dias num convento
com o nome de Irmã Hipômene.

Era possível também que homens de ação, não desejosos de se retirar


completamente do mundo, fizessem votos parciais de ascetismo. Nicéforo Focas
era muito admirado pela sua abstenção de carne e quando, tentado pela ambição
do império e pelo amor da imperatriz, ele infringiu esse preceito na noite do
casamento com Teófano, seu prestígio recebeu um duro golpe e embora
conservasse o corpo e a roupa em venerável sujeira, para desgosto do
embaixador italiano Liudprand, aquele voto quebrado custou-lhe para sempre o
afeto de Constantinopla.
O gosto de quase todos os imperadores pela companhia monástica era
incentivado pelo interesse que tinham na teologia. As discussões religiosas
constituíam a substância principal da conversa em muitas mesas dos imperadores
e foi com terrível surpresa e choque que Cinamo e o bispo de Neopatras ouviram
Andronico I pedir-lhes que falassem em outro assunto, já que a religião era tão
cacete. Andronico mereceu o horrendo destino que encontrou logo depois.

A religião era acompanhada abertamente da superstição. O amor dos bizantinos


pelas suas relíquias era evidente pelo grande orgulho que mostravam diante das
coleções de Constantinopla. Cada século, elas eram aumentadas de novas
relíquias. Santa Helena lançou os fundamentos da coleção do Palácio nos dias de
Constantino. Heráclio acrescentou muitos objetos sacros conservados em
Jerusalém, para salvá-los dos persas e dos árabes a Madeira da Cruz, o Sangue
Sagrado, a Coroa de Espinhos, a Lança, a Túnica Inconsútil e os Cravos.
Cadáveres santos já começavam a chegar de todos os lados. Helena trouxe
Daniel; São Timóteo, Santo André e São Lucas vieram no tempo de Constantino,
Samuel no tempo de Arcádio e Isaías no de Teodósio II; os Três Inocentes no
tempo de Leão I, Santa Ana no de Justiniano e Maria Madalena e Lázaro no de
Leão VI; Romano I acrescentou a imagem de Odessa, Nicéforo Focas, os rabelos
de João Batista e João Tzimices as sandálias de Cristo. O manto de Elias era
conservado na Nova Basílica, os pães do milagre sob a coluna de Constantino,
enquanto as relíquias da Virgem podiam, em sua maior parte, ser vistas nas
igrejas de Blaquerne e Calcoprácia, a ela dedicadas. Os museus de relíquias não
tinham rivais no mundo e, apesar do Estado não gostar de estrangeiros não-
autorizados, os peregrinos que quisessem cultuá-las eram sempre bem recebidos
e assistidos. A história da questão iconoclástica mostra o quanto valiam as
imagens para os bizantinos. Mas os objetos religiosos possuíam também um
grande valor prático. Não só eram muitos dos monges e eremitas eficientes
curandeiros, mas os santuários cristãos assumiram as qualidades benéficas dos
templos pagãos, que os antecederam. Os homens e as mulheres não iam mais aos
templos de Asclépio e de Lucina para curar seus males. Comprimiam-se, ao
invés, na Igreja de São Damião e São Cosme, os Anargiros, os Médicos do Povo.
Os santuários de São Miguel Arcanjo eram muito medicinais, em especial sua
catedral em Cone, enquanto São Diomedes tinha quase a mesma eficiência. Para
os males sexuais, os homens recorriam a Santo Artêmio e as mulheres à sua
companheira, Santa Febrônia. Os santos podiam até proteger uma cidade. Por
duas vezes São Demétrio em pessoa salvou Tessalônica, e Constantinopla estava
sob a proteção da Virgem; Edessa durante muito tempo ficou tranquila,
confiando na promessa de Cristo de que nunca seria capturada. A promessa, no
entanto, caducou.

A superstição possuía o seu lado negro. Diabos e demônios estavam em toda


parte. Satã, em forma de cão, atacou o Bispo Partênio de Lâmpsaco. Até o
grande Justiniano vendeu a própria alma e era possível vê-lo à noite vagando
pelo Palácio carregando a própria cabeça entre as mãos. João, o Gramático, o
patriarca iconoclasta do século IX, entregava-se à feitiçaria e realizava sessões
com freiras que agiam como médiuns, e julgava-se que Fócio tinha conseguido
seus prodigiosos conhecimentos ao preço de negar Cristo. O Patriarca Cosme, no
século XII, amaldiçoou a Imperatriz Berta para que ela nunca tivesse filhos. Seu
contemporâneo Miguel Sicidites podia tornar as coisas invisíveis e pregava
peças com o auxílio dos demônios. Cometas e eclipses pressagiavam desastres.
Havia homens que podiam ler o futuro; continuamente, monges loucos ou
crianças inspiradas reconheciam o futuro imperador. A Astrologia era uma
ciência. O Professor Leão, o Filósofo, no século IX, conhecia o significado das
estrelas, embora o povo esperasse que os seus maiores êxitos, tais como a
previsão e prevenção da fome na Tessalônica, fossem resultado de orações e não
de magia. Um cartomante previu para Leão V, Miguel II e o usurpador Tomás o
alto destino que teriam, e como este seria interligado. Leão V soube de sua morte
próxima por um livro de oráculos e figuras simbólicas. O Imperador Leão VI foi
cognominado o Sábio por sua capacidade divinatória. Sabia exatamente quanto
tempo seu irmão Alexandre devia reinar e uma série de versos que lhe são
atribuídos são proféticos e previam o desastre de 1204 e a restauração do
império pelos Paleólogos. Havia muitas outras profecias sobre a queda da
cidade. Apolônio de Tiana, o grande mágico, que se fez contemporâneo da
fundação de Constantinopla, escreveu uma lista de todos os futuros imperadores
e enterrou-a na coluna de Constantino. Ocasionalmente, porém, as profecias
erravam. O ateniense Catanances era muito popular no tempo de Aleixo I, mas
quando profetizou a morte do imperador, apenas o leão predileto do Palácio
morreu. Tentou de novo, e dessa vez foi a imperatriz-mãe. Sonhos e visões
dirigiam os acontecimentos. Um sonho revelou a Leão V que Miguel, o Amório,
o apunhalaria. João II não quis coroar seu filho mais velho por causa de um
sonho. A mãe de João Cantacuzeno, quando no balcão de sua casa de campo
apreciava o nascer da Lua, foi prevenida por um visitante fantasma que seu filho
estava em perigo. Acreditava-se que toda gente possuía um stoicheion, um
objeto inanimado, ao qual sua vida estava ligada. Assim, Alexandre exigia que
se tomassem os maiores cuidados com um javali de bronze do Circo que ele
julgava fosse o seu, e um monge sábio disse a Romano I que certo pilar era o
stoicheion de Simeão da Bulgária. O pilar foi decapitado e o velho tzar por
conseguinte morreu. Outras estatuas sofreram destruição por motivos igualmente
surpreendentes. Em 1204 uma multidão enfurecida destruiu uma grande estátua
de Atena porque parecia estar acenando para os latinos do Ocidente.

Os bizantinos tinham reputação de corruptos, intrigantes e cruéis bem como de


supersticiosos. Os raros imperadores que morreram de morte natural são citados
como prova disso. Que a ambição pessoal desempenhava um grande papel na
vida de quase todo estadista bizantino conhecido não pode ser negado, mas
deve-se recordar que os menos ambiciosos raras vezes têm suas vidas
registradas. Houve certamente figuras como Justino I, Irene, o César Bardas,
Basílio I ou Cerulário em quase toda geração, intrigantes despidos de escrúpulos
e de honra, embora poucas vezes de patriotismo. Mas também deve ter havido
muitos como o Paracemomeno Teófanes, no começo do século X, servidores
desinteressados do Estado, de quem se ouviu muito pouco. Não se pode julgar a
extensão da corrupção. Por vezes, como no tempo de Leão VI, era certamente
muito difundida, mas não temos motivos para supor que sob Teófilo ou Basílio
II o poder do dinheiro desempenhasse papel preponderante. A crueldade foi
também muito exagerada. O populacho de Constantinopla, como qualquer
multidão meridional, quando suas paixões e ódios eram despertados, tornava-se
terrível. Imperadores e ministros caídos em desgraça podiam sofrer tormentos
indizíveis em suas mãos. Miguel V foi arrastado, aos gritos, do santuário de
Estúdio, Andronico I teve a barba arrancada, os dentes quebrados e um olho e
uma das mãos cortados, feito em pedaços no Hipódromo — imagens nada
agradáveis de contemplar. Mas nenhuma multidão enfurecida se lembra de ser
boa.

Nos momentos de calma, Constantinopla era menos brutal. O caminho para o


trono era frequentemente semeado de cadáveres, mas nem sempre. A punição
que as autoridades mais gostavam de infligir era a internação num convento para
salvar a alma do criminoso. A pena de morte raramente era empregada. A
mutilação, a penalidade comum do crime, embora horrorize os princípios
modernos, constituía uma alternativa humanitária à morte e era certamente
preferível à prisão ou a multas que deixavam o criminoso na miséria. Em muitas
ocasiões a mercê das autoridades mitigava até castigos muito bem merecidos. A
Imperatriz Teodósia não permitiu que Miguel, o Amório, fosse queimado vivo,
embora ele tivesse sido, sem sombra de dúvida, julgado responsável por crime
de alta traição em relação ao marido dela, Leão V. O castigo imposto aos
conspiradores Ducas em 913 foi considerado ultrajado, porque diversos
cúmplices foram condenados à morte e toda gente lamentou a preferência de
Constantino VIII pela cegueira, mesmo quando as vítimas eram
reconhecidamente criminosas: ele, porém, considerava esse castigo mais suave
do que a pena de morte. Quanto aos prazeres, os bizantinos podem comparar-se
muito favoravelmente com os romanos. Os presos não eram lançados aos leões
no Hipódromo; as corridas de canos, e não os combates de gladiadores, eram a
melhor diversão. As organizações de caridade, abrigos e hospitais não
constituem indicação de um povo desalmado. Os defeitos dos bizantinos
parecem ser antes a inconstância e a falta de lealdade pessoal, a amargura e um
cinismo pouco caridoso, o que torna pouco atraente mesmo os mais reveladores
de seus escritores, Psellos, Ana Comnena ou Frantzes. Não era a vida humana,
mas sim a natureza humana, que eles consideravam baixa demais.

No entanto, possuíam muitas qualidades. Orgulhavam-se do império e de sua


civilização. Amavam o conhecimento e a beleza. Cultivavam seus gostos
intelectuais até o requinte. Era a educação, e não o nascimento, que permitia o
ingresso na sociedade bizantina. Foi a ignorância da cultura que tornou Romano
I o seus amigos desprezados nos melhores círculos, enquanto o Patriarca
Nicetas, no século XI, foi objeto de ridículo por causa do seu sotaque eslavônico
e o estadista Margarites foi tratado com desrespeito no século XIII porque falava
com voz pouco agradável. Os bizantinos apreciavam um espírito bem educado,
capaz de se exprimir com delicadeza e de citar os clássicos. Muitos atingiam
essa educação, e sua cultura não era apenas afetação: interessavam-se
apaixonadamente, desejavam conhecer os negócios dos seus vizinhos e tomavam
de empréstimo de boa vontade os contos dos árabes e os divertimentos do
Ocidente.

O amor que dedicavam à beleza era ainda mais profundo. A beleza humana os
atraía. No século VII, os soldados quiseram fazer do armênio Mizizo imperador
porque o achavam belo. A absurda Imperatriz Zoé salvou-se do ridículo pela sua
beleza. Mesmo nos sessenta anos parecia uma jovem, com seus cabelos louros e
sua pele impecável, e os simples vestidos brancos que usava eram objeto de
grande admiração. Amavam as belas paisagens. Jardins, parques e flores
constituíam para eles objetos de encantamento — os jardins de Digenes Acritas
são descritos com grande entusiasmo — e construíam seus mosteiros em locais
de onde se descortinavam os mais belos panoramas que pudessem encontrar.
Seus edifícios, seus tecidos, seus livros, tudo refletia o mesmo anseio de beleza,
mas uma beleza não inteiramente deste mundo. A beleza possuía um sentido
interior para eles. Ajudava-os na contemplação mística; era parte da glória de
Deus. A vida era monótona e feia, mas o adorador, o cidadão de Santa Sofia ou o
eremita do Monte Atos estava longe de tudo isso. A arquitetura humana da
Catedral e a divina arquitetura da Montanha o elevavam acima do mundo
comum e o aproximavam de Deus e da Realidade Verdadeira. Para os
bizantinos, a beleza e a religião caminhavam de mãos dadas, para vantagem de
ambas.

Compreende-se melhor essa aliança quando se recorda a origem da vida


bizantina. Os bizantinos viviam num mundo muito pouco digno de confiança.
Além das fronteiras vagavam os bárbaros, e eram demasiado frequentes as vezes
em que irrompiam através das províncias ou do mar e suas hordas atingiam as
portas da própria capital. As fogueiras dos hunos, dos persas, dos búlgaros,
luziam diante da cidade, os navios dos sarracenos e dos russos cobriam o mar no
pé de suas muralhas. Grandes forças armadas quase tiveram êxito antes dos
piratas venezianos e dos turcos. No começo do século VIII, todo cidadão recebeu
ordem de manter provisões capazes de durar três anos, tais eram os perigos que
espreitavam em torno.

Assediados pelo medo e pela incerteza, os bizantinos não podiam deixar de


desconfiar, de ter nervos que facilmente explodiam em fúria ou pânico.
Inevitavelmente procuravam refúgio nas coisas extra terrenas, na união com
Deus e na esperança da vida eterna. Sabiam que a existência era triste. O riso
simples e a felicidade dos pagãos estavam perdidos. O espírito do bizantino era
ácido; seu humor exprimia-se por motejos e sarcasmos. Na verdade, a vida
parecia uma pilhéria. O grande império, o último lar da civilização num mundo
tempestuoso e sombrio, estremecia continuamente diante dos bárbaros e só se
recuperava para enfrentar um novo ataque. Durante séculos a grande cidade
permaneceu inviolada, parecendo aos olhos dos forasteiros um símbolo de poder
e riqueza eternos. Mas os bizantinos sabiam que o fim chegaria algum dia, que
um desses assaltos triunfaria. As profecias escritas por toda Constantinopla em
colunas ou em livros de sabedoria contavam a mesma história, dos dias em que
não mais existiriam imperadores, dos últimos dias da cidade, dos últimos dias da
civilização.
IX. EDUCAÇÃO E ENSINO

Uma boa educação era o ideal de todo bizantino. Apaideusia, a falta de cultura
mental, era considerada um infortúnio e uma desvantagem, quase um crime. O
ignorante era alvo de constantes zombarias — o grosseiro Imperador Miguel II,
vítima de inúmeros libelos, o patrício eslavo Nicetas, de quem Constantino VII
zombava, o filósofo João Ítalo, que nunca perdera o sotaque italiano, e
Constantino Margarites, cuja linguagem era tão vulgar (parecia criado com
cevada e farelo) — enquanto escritores tais como Ana Comnena elogiavam
sempre a pessoa dotada de espírito bem cultivado.

O objetivo e o processo da educação não variaram muito através da história


bizantina. A primeira matéria ensinada a um menino, pelos seis anos de idade,
era a gramática ou “a helenização da língua”. Incluía, além da leitura e da
escrita, da gramática e da sintaxe no sentido moderno, o conhecimento e
comentário dos clássicos, particularmente Homero, cujas obras tinham que ser
decoradas. Sinésio no século V, fala da habilidade de seu jovem sobrinho, capaz
de recitar Homero (decorava cinquenta versos por dia), enquanto Psellos, no
século XI, sabia a Ilíada de cor na mais tenra idade. O resultado é que todo
bizantino era capaz de reconhecer uma citação de Homero. Ana Comnena, que
emprega sessenta e seis na sua Alexíada, raras vezes acrescenta “como diz
Homero”: era inteiramente desnecessário. Outros poetas eram lidos e até
estudados, mas nenhum teve posição tão elevada e duradoura. Pelos quatorze
anos, o aluno passava a Retórica, que incluía a correção da pronúncia e o estudo
de autores como Demóstenes e outros prosadores. Depois da Retórica, vinham
uma terceira ciência, a Filosofia, e as quatro artes, a Aritmética, a Geometria, a
Música e a Astronomia; e o Direito, a Medicina e a Física podiam ser
acrescentados. A educação religiosa era ministrada passo a passo com o ensino
leigo, mas sempre em separado e ministrada por sacerdotes. As crianças
estudavam a Bíblia a fundo; logo depois de Homero, esta era a principal fonte de
alusões e citações na literatura bizantina.
Os professores podiam pertencer a escolas ou universidades ou eram mestres
particulares. Toda a questão dos estabelecimentos de ensino de Constantinopla é
um tanto obscura. (49) No início do império, as primeiras letras eram
ministradas provavelmente por monges, mas logo o aluno entrava para alguma
escola onde recebia todo o resto de sua educação secular. Constantino fundou
uma escola no Pórtico e Constâncio transferiu-a para o Capitólio. Juliano, o
Apóstata, proibiu os cristãos de nela ensinarem e embora a proibição tivesse sido
levantada, os principais professores do século V parece terem sido pagãos.
Teodósio II estabeleceu nela dez gramáticos gregos e dez latinos, cinco sofistas
gregos e três latinos, dois juristas e um filósofo. Anexa à escola havia uma
biblioteca pública fundada por Juliano, com um acervo de 120.000 volumes.
Esta incendiou-se durante o reinado de Basilisco, em 476. Havia outras
universidades fora de Constantinopla — Antióquia, onde ensinava Libânio;
Alexandria, a terra de Hipácia; Bérito, com suas escolas de Direito; Atenas,
famosa por sua filosofia e Gaza, por sua retórica.

Depois de Justiniano, a Escola é raramente mencionada. Sabe-se que, com sua


paixão pelo cristianismo e pela uniformidade, ele fechou a escola de Atenas,
confiscando-lhe os bens deixados em doação, proibindo o ensino do Direito fora
de Constantinopla, Roma e Bérito; e todos os professores universitários tinham
que ser cristãos. Nos últimos tempos de seu reinado diminuiu-lhes os salários.
Diz-se que Focas finalmente fechou a Universidade. Na obscuridade do século
VII, a educação tornou-se menos difundida. Durante os séculos seguintes os
meninos eram educados principalmente por professores particulares; Teodoro de
Estúdio e o Patriarca Nicéforo começaram os estudos com um grammatistes e
mais tarde entraram para um seminário. Ananias de Xiraque (que viveu em cerca
de 600-650) foi educado por um professor da moda Tíquico de Bizâncio, que
tinha aprendido Filosofia em Atenas e depois se fixado em Trebizonda, onde sua
vasta biblioteca constituía mais uma atração. Mas entrementes a Igreja estava
chamando a si a educação. Heráclio fundou uma escola sob o controle do
patriarca na Calcoprácia e havia escolas anexas ao mosteiro de Estúdio e à Igreja
dos Quarentas Mártires, além de uma grande escola na Igreja dos Santos
Apóstolos onde, no século XI, uma educação leiga muito geral era ministrada.
Mesmo os jovens que iam a Trebizonda estudar com Tíquico eram levados a
essa escola pelo diácono do patriarca.

O controle eclesiástico aumentava os infortúnios do império com o seu trabalho


contra um ensino universal. O ensino leigo com seu passado pagão era visto com
certa suspeita. Pacômio, no século VIII, contrasta o verdadeira ciência da
Teologia com a ciência profana “que conduz muitos à perdição” e o Patriarca
Nicéforo compara a última a Agar e a primeira a Sara. E as perturbações da
Igreja durante o período iconoclasta acentuaram essa suspeita. Mas no século IX,
a situação tornou-se mais calma e a suspeita das autoridades eclesiásticas se
reduziu. O melhoramento das relações com os árabes levaram ao estudo das
lendas do Islã. Houve um grande reflorescimento do ensino, embora seus
pioneiros, homens como Fócio e João, o Gramático, fossem considerados pelo
populacho como mágicos. O tio e ministro de Miguel III, o César Bardas, fundou
uma nova universidade do Estado em Magnaura. O professor de Filosofia era o
reitor — o Oeconemicos Didaskalos — com os professores de Gramática,
Geometria e Astronomia a ele subordinados. Leão, o Filósofo, que estava
ensinando na Escola Religiosa dos Quarenta Mártires foi nomeado para o posto.
Mas um grupo da Igreja — os inimigos do erudito Fócio — ainda permanecia
hostil; um dos discípulos de Leão, um monge chamado Constantino, escreveu
um poema venenoso contra o mestre, expondo os perigos do Helenismo, como a
cultura paga da Grécia era conhecida.

No século X, o autor do Philopatris podia ainda injuriar o estudante de


platonismo e, mesmo no século XI, o velho soldado Cecaumeno podia declarar
que o conhecimento da Bíblia e de um pouco de raciocínio teórico e lógico era o
que bastava a um rapaz. Mas o ensino se difundia cada vez mais. De fato, no
reino de Constantino VII a corte era quase uma academia para o estudo da
História. O santo do século X, nascido de pais de classe média ou superior,
aprendia a “helenizar a língua” obrigatoriamente, embora a piedade o levasse a
especializar-se, ainda muito jovem, em Teologia. No entanto, em certa época a
universidade fundada por Bardas foi extinta. Provavelmente isto foi por obra de
Basílio II, que pensava, como o autor de Philopatris, que um ensino muito
desenvolvido não fazia bem ao Estado, além de constituir uma extravagância
custosa. Quanto Psellos e seus contemporâneos, nascidos em princípios do
século XI, quiseram receber educação, tiveram que ser autodidatas ou estudar
com professores particulares ou nas escolas religiosas.

O Imperador Romano III, que se orgulhava da própria cultura, nada fez para
remediar a situação. Mas Constantino IX impelido pela lamentável situação do
conhecimento jurídico — os advogados eram quase todos autodidatas e
incompetentes — fundou em 1045 uma escola de Direito que todos os
advogados eram obrigados a frequentar antes de exercer a profissão; e ao mesmo
tempo estabeleceu uma cadeira de Filosofia, compreendendo Teologia e os
clássicos. O professor de Direito, a Nomophylax, era o reitor da Universidade.
Constantino nomeou para o posto um juiz notável, João Xifilim, enquanto
Psellos se tornava professor de Filosofia. Parece que esta organização durou até
1204. As facilidades educacionais aumentaram quando Aleixo I voltou a fundar
as escolas-orfanatos. A Universidade do Estado e os Orfanatos estavam
diretamente subordinados ao Imperador. Ele nomeava, pagava e demitia os
professores e frequentemente inspecionava as aulas, fazendo perguntas e
assistindo às preleções — existe ainda um retrato de Miguel VII ouvindo uma
conferência de Psellos. Aleixo advogava, acima de tudo, o estudo da Bíblia, mas
no tempo dos Comnenos o ensino dos clássicos teve um impulso que nunca
alcançara antes. É no entanto difícil dizer até que ponto o ensino atingia as várias
camadas sociais. O poeta paupérrimo Pródromo estudou Gramática, Retórica,
Aristóteles e Platão, mas queixava-se de que os sotaques ásperos da praça do
mercado tinham expulsado a prosódia elegante e que os pobres não dispunham
de bibliotecas para estudar. De fato a falta de bibliotecas parece ter constituído
uma dificuldade constante. Desde 476 não havia biblioteca pública. Os mosteiros
e as igrejas possuíam frequentemente bibliotecas, mas, se a coleção de livros do
estabelecimento de São Cristódulo em Patmos era típica, aquelas eram em
primeiro lugar teológicas. De 330 livros de Patmos, 129 eram de liturgia e
apenas 15 seculares. Por certo existiam grandes bibliotecas particulares, às quais
sem dúvida tinham acesso os eruditos; e havia numerosos escribas —
principalmente leigos, embora alguns monges fossem copistas — que copiavam
manuscritos; os belos livros constituíam um dos produtos de exportação de
Bizâncio. Mas os livros continuavam caros. No princípio do século X, Aretas, o
bibliófilo bispo de Cesaréia, pagou 4 numismas — quase CrS 900.00, segundo o
poder aquisitivo atual — por uma boa edição de Euclides.

O saque de 1204 pôs por terra toda a organização educacional. O movimento


helenístico estava no apogeu; Miguel Acominato tinha acabado de viajar para
Atenas cheio de entusiasmo pelo seu passado clássico e um grande homem da
Igreja, Eustátio de Tessalônica, vinha de terminar recentemente os comentários a
Píndaro. Com o saque, os eruditos se dispersaram, seus fundos desapareceram e
seus livros foram destruídos pelas chamas latinas. Apesar disso, a erudição
sobreviveu e logo se centralizou em torno da corte em exílio, em Nicéia. Aí, o
erudito Blemidas se estabeleceu. Seu pai tinha sido médico em Constantinopla e
se retirara para Brusa em 1204. No caos que se seguiu à catástrofe, Blemidas
tinha encontrado dificuldade em achar professores e finalmente tinha aprendido
mais com um recluso, chamado Pródromo, nas montanhas de Bitínia, que lhe
ensinou Aritmética, Geometria e Astronomia. Em 1238, viajou pelo antigo
mundo bizantino coletando manuscrito, armado com cartas de apresentação do
imperador niceno. Graças em grande parte aos seus esforços, a educação atingiu
um nível elevado em Nicéia; Paquíinero e Acropolita ali estudaram e ensinaram,
e a corte nicena, especialmente sob a Imperatriz Irene, mulher de João Vatatzes,
e seu filho Teodoro, patrocinava o ensino com grande dedicação. Irene certa vez
chamou Acropolita de tolo porque este disse que o eclipse era causado pela
interposição da Lua entre o Sol e a Terra, mas depois lhe pediu desculpas,
dizendo ao marido, que a aconselhava a não se aborrecer — Acropolita não
passava de um menino — “Não é justo aplicar essa expressão a uma pessoa que
expõe teorias cientificas”. Mas, apesar dessa atitude, parece que não havia
escolas ou universidades organizadas em Nicéia. O Governo provavelmente não
podia mantê-las.

Os dias dos Paleólogos, quando Bizâncio já perecia de forma lenta, mas


inexorável, foram, em contraste, o período mais esplêndido do ensino bizantino.
Cheios de problemas, com um futuro negro diante de si, os bizantinos dos
séculos XIV e XV voltavam-se, mais ansiosos do que nunca, para as glórias do
passado. Escritores como o estadista Teodoro Metoquites ou Nicéforo Grégoras,
ou as últimas grandes figuras. Gemisto Pléton, Genádio e Bessarion, estavam
profundamente imbuídos das lendas clássicas além dos estudos dos teólogos
cristãos. Os professores da época, Planudes Moscópulo ou Triclínio, possuíam
um belo conhecimento da filologia e da literatura. Crisoloras, cuja erudição
surpreendeu seus discípulos na Itália, era um representante pouco digno da
educação bizantina do seu tempo. O pensamento ocidental era também estudado;
Acindino e Cidones sofreram ambos a influência do escolasticismo tomista. Até
em Tessalônica havia círculos de leitura onde as melhores obras literárias eram
debatidas; e Trebizonda era famosa pelos seus laboratórios astronômicos. Seus
doutores letrados, tais como Jorge Coníades e Jorge Crisococes, estudaram na
Pérsia e trouxeram para a pátria os segredos do conhecimento oriental.

Se havia alguma escola do Estado no tempo dos Paleólogos, não se pode saber.
Gregos de todo o mundo, particularmente os cipriotas, ainda gostavam de vir a
Constantinopla para seus estudos; mas é provável que tivessem que estudar em
academias particulares de diversos professores. As escolas religiosas
provavelmente continuavam, mas agora seus currículos se limitavam, sem
dúvida, à Teologia. Apesar disso, a extensão do ensino era com certeza muito
ampla e viajantes estrangeiros ficavam vivamente impressionados pela pureza do
grego falado pelos poucos habitantes da Cidade até as vésperas de sua queda.

Das facilidades da educação feminina nada se sabe. Havia muitas mulheres


eruditas na história bizantina, desde a professora Hipácia ou Atenaíde, mulher de
Teodósio II, que estudava todas as ciências, escrevia poesia e fazia discursos, até
Cássia, a espirituosa compositora de hinos, cujas respostas lhe custaram o trono,
ou a grande historiadora Ana Comnena, além de outras cultas princesas das
Casas Comnenos e Paleólogos. Sabe-se com certeza que havia mulheres médicas
e a maioria das correspondentes dos grandes cultores do gênero epistolar
parecem ter sido pessoas bem-educadas. Mas a mãe de Psellos não tinha
nenhuma instrução, embora considerasse isso um desgosto e uma desvantagem.
Em nenhum ponto da história bizantina ocorre menção a escolas femininas. É
provavelmente justo admitir que as moças das classes mais abastadas recebiam,
grosso modo, a mesma educação que seus irmãos, embora estudassem com
professores particulares em casa; mas, nas classes médias, eram em geral apenas
alfabetizadas e nada mais.

O ensino era considerado eminentemente desejável, mas grande parte do ensino


bizantino nos pareceria rude ou estranho.

A língua grega era, na verdade, ensinada a fundo. Os autores clássicos,


prosadores ou poetas, eram lidos e apreciados. A Bibliotheca de Fócio, sua lista
de leituras de formação durante um ano, apresenta uma extraordinária amplitude,
indo desde Heródoto a Sinésio, com inteligentes comentários, enquanto Ana
Comnena conhecia os poetas tão bem que citava os trágicos, embora atribua a
Safo um verso em geral atribuído a Alceu. Mas os bizantinos possuíam uma
paixão infeliz pelas condensações, as edições melhoradas e as anotações.
Cometas, no século X corrigiu e repontuou Homero, enquanto Constantino
Hermoníaco, no século XV, condensou a Miada; e o professor do século XI,
Nicetas, via alegorias em cada verso de Homero. Psellos orgulhava-se de
restaurar a ciência da Esquedografia, o bicho-papão de Ana Comnena — que
consistia na análise gramatical minuciosa de trechos selecionados — exaltando a
Gramática acima da Literatura, na opinião de Ana — e era ainda popular no
tempo dos Paleólogos. Moscópulo escreveu um glossário esquedográfico. Os
bizantinos achavam difícil o estudo da poesia grega clássica porque a
pronunciavam de conformidade com a acentuação escrita e tinham que aprender
a pronúncia antiga para apreciar-lhe a métrica e ritmo.

O estudo do Latim estava morrendo no tempo de Justiniano, embora ele próprio


fosse de língua latina. Cerca do século VIII, a ‘língua dos romanos” era o grego.
Quase ninguém em Constantinopla falava o latim, enquanto ninguém em Roma,
mesmo no tempo de Gregório, o Grande, falava o grego. No século IX, o próprio
erudito Fócio não falava latim. Às letras latinas ainda eram empregadas, porém,
na cunhagem de moedas, mesmo no tempo de Alexandre, e aclamações latinas
deturpadas eram lançadas nas cerimônias do Estado, No século X houve um
reflorescimento dos estudos latinos, coincidindo com um reflorescimento do
grego em Roma — nomes gregos cristãos, tais como Teofilacto e Teodora
ficaram então na moda. Por volta do século X, o conhecimento do latim não era
invulgar em Constantinopla. Romano III falava latim; Psellos afirmava conhecer
essa língua; e o seu conhecimento era obrigatório para o professor de Direito da
Universidade de Constantino IX. As cartas de Aleixo I para o Monte Cassino são
escritas num latim surpreendentemente ruim — é possível que se trate de
simples rascunhos. Ana Comnena aparentemente não sabia latim nem tampouco,
com certeza, seu sobrinho Manuel I, embora filho este de mãe húngara. Mas sua
mulher, uma princesa francesa de Antióquia, sabia ambas as línguas e pegou em
flagrante um intérprete que estava tentando enganá-lo. A conquista latina
forçosamente tornou mais vulgar o conhecimento do latim e no tempo dos
Paleólogos diversos gregos, tal como Leão Coríntio, traduziam obras gregas —
principalmente hagiográficas — para o latim.

Estudavam-se poucas línguas além dessas. (50) É provável que existissem


eruditos hebreus e a corte possuía intérpretes para as necessidades diplomáticas.
É óbvio que existiam numerosos linguistas arábicos em Constantinopla e
armênios que ainda sabiam sua língua de origem. Mas os filólogos como Santo
Cirilo, o missionário, — que com certeza conhecia o hebraico, aprendeu o cazar
e foi o fundador dos estudos eslavônicos — eram sem dúvida uma raridade.
Bizâncio herdou a arrogância da antiga Grécia em relação ao mundo bárbaro.
Ana chega a pedir desculpas por introduzir nomes bárbaros em sua história.
Embora apaixonadamente curioso, o bizantino não podia considerar as línguas
bárbaras como matéria digna de erudição séria.

A História também não era matéria de erudição. Pelo contrário, a julgar pelo
número de historiadores e ainda mais de cronistas populares e as edições
frequentes das crônicas, parece tratar-se de assunto de interesse geral. Os
bizantinos gostavam de ler a respeito das passadas glórias do império e as
crônicas preferidas chegavam até à Criação e a Adão e Eva, incluindo a Lenda
de Tróia. Os imperadores e santos do passado surgiam vividos diante dos seus
olhos. Um dos mais comoventes momentos da reconquista de Constantinopla em
1201 foi quando Miguel Paleólogo encontrou numa capelinha diante das
muralhas o corpo de seu grande antecessor, Basílio, o matador de búlgaros. O
imperador morto há tanto tempo foi novamente sepultado com o maior
entusiasmo. E Constantino XI, quando a cidade estava caindo, pôde estimular
seus concidadãos a um esforço final, falando das proezas de seus ancestrais da
antiga Grécia e de Roma.

A Filosofia sempre foi assunto favorito para os bizantinos. Os patriarcas da


Igreja conheciam os filósofos pagãos e muito deviam ao neoplatonismo. Nos
séculos VII e VIII a decadência do conhecimento desmereceu os estudos
filosóficos — embora o monge Cosme, em 710, tivesse lido Platão e Aristóteles
— mas o século IX via o seu reflorescimento. Leão, o Filósofo, gostava
particularmente de Aristóteles, mas sob a sua direção Platão, Epicuro e os
neoplatônicos eram todos lidos. No século XI, houve um grande reflorescimento
do neoplatonismo, liderado por Psellos, embora sua afirmação de ter sido o
iniciador desse movimento seja um tanto arrogante. Romano III e seus cortesãos
fizeram o possível para entender Platão — sem êxito, diz Psellos, e o retrato que
o imperador fazia de si mesmo como um segundo Marco Aurélio é patético. O
contemporâneo de Psellos, João Mauropo, bispo de Eucaita, era adepto do
platonismo, enquanto o discípulo de Psellos, João Ítalo, deixou que o
pitagorismo o tentasse a uma enorme heresia. No século seguinte, Miguel
Acominato preferia o estoicismo ao aristotelismo. Então, o estudo da filosofia
grega era aceito como parte da educação e no tempo dos Paleólogos o estudo do
escolasticismo ocidental era muitas vezes acrescentado àquele. Mas nenhum
filósofo bizantino produziu obra original, exceto o último deles, Jorge Gemisto
Pléton, o último grande neoplatônico — cuja liberdade de pensamento era
favorecida pela sua indiferença ao cristianismo. Porque embora a Igreja não
desaprovasse o ensino filosófico, era um tanto difícil combinar um sistema
filosófico com a ortodoxia.

À Teologia continuou uma ciência à parle, sob o controle da Igreja. Mas era uma
ciência muito complicada e a sutileza e a erudição dos grandes teólogos — João
Damasceno ou Fócio, Marcos de Éfeso ou Bessarion — eram imensas. Homens
educados gostavam de se dedicar à Teologia — Fócio deve ter adquirido seus
vastos conhecimentos como leigo — principalmente os imperadores como
Chefes Supremos da Igreja, mas esses amadores imperiais raramente eram bons
teólogos. Os Isáurios, de fato, levaram o império a heresias horríveis. Justiniano
e Heráclio, apesar de sua admirável piedade, enveredaram por um caminho
errado e Manuel I tentou ser hábil demais na questão do halosfirismo, enquanto
muitos dos Paleólogos enganaram-se com os erros dos latinos. Até o erudito
João Vatatzes demonstrou uma lamentável ignorância em relação a duas
espécies de culto, proskunêsis e latreia. Era mais sensato admirar a Teologia de
longe. Ana Comnena ficou vivamente surpreendida ao descobrir que a leitura
favorita de sua mãe eram as obras do místico do século VII, Máximo, o
Confessor.

O conhecimento bizantino da Matemática, embora constituísse fonte de orgulho


para eles, não ultrapassava provavelmente o da antiga Grécia. Na Aritmética
prejudicavam-se pelos seus números desajeitados. Os gregos já tinham avançado
tanto quanto possível com o emprego de letras em lugar de algarismos, sem um
sistema decimal. Coube aos árabes trazer a contribuição seguinte. Na Geometria,
embora os árabes também estudassem Euclides, os bizantinos contavam casos
para mostrar que conheciam melhor o raciocínio geométrico. O aluno de Leão, o
Filósofo, que era um escravo de Bagdá, surpreendeu os sábios da corte do
erudito califa Mamum com a sua mestria no assunto. Mas Euclides permaneceu,
como até épocas recentes, o limite do conhecimento geométrico.

Os gregos antigos também continuaram insuperáveis em outros ramos do


conhecimento. Ptolomeu ainda dominava a Astronomia; enquanto Ana Comnena
aparentemente aceita a doutrina das esferas de rotação, com a Terra no centro de
um grupo concêntrico de globos, para explicar o universo — doutrina
promulgada por Anaximandro no século V a. C. Havia revoltas ocasionais contra
a teoria de Ptolomeu. Cosme Indicopleustes escreveu suas memórias depois que
o comércio com a Índia lhe permitiu provar a si mesmo que a Terra era
retangular e plana, como uma sala térrea, tendo o céu como teto e o Paraíso no
primeiro andar — Moisés usara tal desenho no Tabernáculo. O Sol era muito
menor do que a Terra e estava escondido à noite por uma montanha cônica muito
alta na extremidade ocidental. Em redor da Terra ficava o oceano e além deste a
região onde os homens viviam além do Dilúvio.

O conhecimento geográfico dos bizantinos era bom. Seus mapas não


sobreviveram — será injusto julgá-los pelo mosaico do século VI da Palestina,
em Madaba, embora este possua seus méritos. Constantino Porfirogêneto comete
pouquíssimos erros geográficos, embora seja frequentemente obscuro. Ana
Comnena é muito bem informada, em geral correta, a respeito de correntes e
ventos; Aleixo I, diz ela, possuía um mapa do Adriático, em que esses estavam
assinalados. Os fenômenos da Natureza eram mal entendidos. Cecaumeno tenta
explicar o trovão e compreende que o ruído e o relâmpago são simultâneos; e
Acropolita sabia a causa dos eclipses. Mas esses fenômenos eram em geral
considerados como avisos ou castigos enviados do alto — até Aleixo I, que
acreditava realmente que um cometa “dependia de alguma causa natural”,
consultava os adivinhos quando algum aparecia — porque a verdadeira
explicação parecia ser antes moral do que física.

Na Química, a única boa contribuição de Bizâncio foi o fogo grego, o líquido


inflamável que lhe permitiu ganhar batalhas. Mas o segredo de sua fórmula era
tão bem guardado que não pôde servir de ponto de partida para experiências
subsequentes. Na mecânica, o gênio prático dos bizantinos encontrou-se mais à
vontade. Suas realizações arquitetônicas, principalmente a perfeição das
abóbadas, foram consideráveis. Executaram e desenvolveram o sistema romano
de abastecimento de água e drenagem, produzindo belas obras de engenharia. Os
relógios e brinquedos, os leões uivantes e o trono que se elevava, que tornavam o
Palácio tão impressionante para os bárbaros, constituem exemplos de seu
crescente engenho mecânico,

A Medicina era um assunto de grande interesse para os bizantinos. O ensino


medico não era restrito aos futuros profissionais, e em consequência amadores
como Psellos e Ana Comnena estavam convencidos que sabiam tanto quanto os
profissionais autênticos, enquanto Manuel I foi capaz de medicar seu convidado,
o Imperador Conrado. Eram muitos os que se ocupavam da profissão.
Hipocondríacos, como Romano III, não faziam nada sem consultar os doutores,
mas Cecaumeno diz que estes constituíam uma ameaça positiva e provocavam
doenças com o fim de enriquecer. Comendo pimenta para o fígado e fazendo
uma sangria três vezes por ano e, em caso de doença fazendo repouso, jejum e
conservando-se agasalhado, poder-se-á passar sem médicos, afirma ele. E com
certeza a saúde e os nervos de Teodoro II foram destruídos por excessivos
cuidados médicos. Mas em seu todo, a Medicina bizantina era admirável mais
pelo seu bom-senso do que pelas suas teorias. A teoria não tinha avançado além
de Hipócrates. Sua base eram os quatro humores do corpo, o sangue, a fleuma, a
bile amarela e a bile negra, e os quatro graus, seco e úmido, quente e frio, e tudo
dependia das respectivas proporções. Todos os grandes escritores médicos de
Bizâncio, Oribásio, Aécio, Paulo de Egina, Simeão Sete e Agápio de Creta,
trabalhavam nessa base e os populares calendários dietéticos aconselhando a
respeito do que se deveria comer em cada estação do ano faziam uma
interpretação primária dos graus. O resultado disso foi criar uma tendência à
gota, uma doença infelizmente comum em Bizâncio. Mas o tratamento médico
parece ter sido tão sensato quanto tudo o que a Europa conheceu até épocas
comparativamente recentes. A sangria e a cauterização eram talvez drásticas e
nem sempre bem sucedidas, mas na gota fizeram-se tentativas razoáveis de
purgar o ácido; empregavam-se massagens; prescreviam-se repouso e
temperatura constante em todas as doenças e receitavam-se ervas. Ana Comnena
recomenda exercícios regulares como preventivo de doenças, provavelmente
repetindo a melhor opinião corrente no seu tempo — embora sua descrição
extraordinariamente viva e precisa da última doença de seu pai demonstre um
interesse e um dom invulgares para os assuntos médicos. Mas a medicina de
Bizâncio atingiu seu máximo na organização de hospitais. Não somente o
exército possuía um corpo médico eficiente, mas as grandes instituições de
caridade dispunham de enfermarias altamente eficientes em anexo às mesmas. O
hospital do mosteiro Pantocrator, fundado por João II em 1112, era atendido por
dez médicos e uma médica, doze assistentes do sexo masculino e quatro do
feminino, oito auxiliares do sexo masculino e dois do sexo feminino, oito
serventes do sexo masculino e dois do sexo feminino e três cirurgiões e dois
patologistas para darem o diagnóstico em consultórios. Hospitais menores
possuíam a mesma organização, em menor escala. A enfermagem era exercida
pelos pacientes em estado menos grave — porque os hospitais eram sempre
anexos a mosteiros, conventos ou asilos para os desamparados. Não se pode
calcular quantos desses hospitais havia, mas os imperadores e nobres piedosos
costumavam fazer doações a essas instituições e, embora sem dúvida grande
número de miseráveis sofresse sem socorro em seus tugúrios, ainda assim
qualquer um tinha a possibilidade de ser admitido nessas enfermarias. As
médicas só trabalhavam ao que parece nos hospitais. As senhoras da sociedade
em geral tratavam-se com eunucos e estes atendiam também muitos dos
conventos.

Em tudo isso, a Medicina é típica do ensino bizantino. Porque o amor bizantino


pela teoria e a cultura, embora largo e altamente louvado, era estéril.
Inesperadamente, era na eficiência prática que seu gênio se patenteava.
X. LITERATURA BIZANTINA (51)

A literatura bizantina sofria algumas das mesmas limitações do ensino bizantino.


Faltava-lhe uma certa espontaneidade criadora. Enquanto o gênio bizantino
encontrava plena e magnífica expressão na arte, na literatura florescia apenas nos
dois extremos de profundo misticismo e bom senso prático. Apenas em hinos e
obras de devoção mística, de um lado, e em simples histórias e biografias, de
outro, conseguiram os autores bizantinos alcançar elevação. Mas embora
Bizâncio produzisse poucos triunfos literários imortais, podia orgulhar-se de
uma longa série de escritores capazes e inteligentes, em número muito maior do
que o de qualquer nação contemporânea.

Desde seus primórdios, a literatura bizantina foi prejudicada pelas dificuldades


da linguagem. Havia três formas de grego conhecidas em Constantinopla: a
romaica, o grego popular das ruas e a linguagem elíptica e descuidada com um
vocabulário selecionado e uma gramática infantil; o grego falado pelas classes
educadas, a língua em que escreviam cartas, em que as palavras eram frisadas de
acordo com a acentuação e a maioria das vogais e ditongos estavam adquirindo o
som de um iola longo. Esta língua variou através das épocas; nos séculos XI e
XII, era muito mais próxima do grego clássico do que nos séculos VIII e IX, e
um grego excelente era falado na sociedade no tempo dos Paleólogos.
Finalmente havia o grego clássico com sua pronúncia arcaica acentuada, que
toda pessoa educada aprendia cuidadosamente. O homem de letras tinha de
escolher entre essas línguas. Até o século VII não havia muita dificuldade para a
prosa. A gramática e o vocabulário estavam pouco adulterados, de modo que um
estilo cuidadoso podia passar por clássico, mas na poesia a nova acentuação
acarretava novas regras de prosódia, que eram seguidas pelos poetas do século
VI. Mas os versos clássicos, principalmente os iâmbicos, escritos em obediência
rigorosa aos valores clássicos, foram produzidos durante toda a existência do
império. O cronista Teófanes, no século IX, foi o primeiro escritor a usar
definidamente a linguagem falada, uma linguagem simples não muito elegante,
repleta de palavras de origem mista, latina, eslava e oriental. Um século mais
tarde, Constantino VII compilou livros na linguagem falada, mas tratava-se de
uma língua que seria ligeiramente mais compreensível a um grego antigo.
Depois do grande renascimento clássico da metade do século XI, o grego
clássico tornou-se quase exclusivamente o único veículo de um escritor de certa
cultura, em detrimento de sua livre individualidade e auto-expressão, pois estava
sempre escrevendo numa língua ligeiramente diferente da sua. Bizâncio não
produziu um Dante para legitimar seu vernáculo, porque o seu vernáculo, o
romaico, foi desprezado pelas classes cultas e na realidade tornou-se quase
incompreensível a elas, enquanto o vernáculo erudito foi impedido pelos
numerosos renascimentos clássicos de se libertar do seu antigo modelo.

A prosa sofreu menos do que a poesia. Quando Constantino fundou a nova


capital, os Pais da Igreja e os últimos filósofos neoplatônicos ainda estavam
produzindo obras dentro da tradição clássica. Os últimos tornavam-se vagos ou
fantásticos em seus pensamentos, mas homens como Proclo e Porfírio ainda
eram escritores elegantes e vigorosos. Os pais cristãos estavam em seu apogeu.
Se hoje em dia apenas o historiador ou o teólogo se aprofunda na leitura de São
Basílio, São Gregório de Nissa ou São Gregório Nazianzeno, a literatura grega
pode ainda orgulhar-se deles, pois a sabedoria prática de São Basílio, o
pensamento místico de São Gregório de Nissa, a exaltação feroz do Nazianzeno,
exprimem-se todos com uma certa grandeza. Comparados a eles, Eusébio de
Cesaréia, o teólogo-biógrafo de Constantino, parece um pouco cru, embora tenha
sido escritor de mérito considerável; mas os sermões de São João Crisóstomo, no
século seguinte, fornecem alguns dos mais belos trechos de prosa retórica da
língua grega. No mesmo século, apareceu uma obra anônima, que se dizia ser de
Dionísio, O Areopagita, obra que exerceu larga influência sobre a cristandade:
era uma tentativa de combinar o misticismo neoplatônico com a fé cristã,
admiravelmente exposta num grego que bem podia ter sido do século I.

Nos séculos VI e VII, houve ainda grandes escritores religiosos, tais como
Leôncio de Bizâncio e o místico Máximo, o Confessor, cujas obras eram difíceis
demais para a compreensão de Ana Conmena, embora sua mãe quase não lesse
outras. Mas já a Teologia se tornava polêmica e de certo modo perdera sua
antiga plenitude. Os grandes teólogos iconódulos, João Damasceno, Teodoro de
Estúdio e o Patriarca Nicéforo, e mais tarde o anti-romano Fócio, estavam
demasiado ocupados em contar pontos na argumentação de suas obras teológicas
para possuírem o alcance dos Pais primitivos. Depois de Fócio, a Teologia em
Bizâncio quedou adormecida por mais de dois séculos, até que no tempo dos
Paleólogos floresceram o grande antibogomilo Eutímio Zigabeno e os teólogos
humanistas dos fins do século XII, Eustátio de Tessalônica e Miguel Acominato
de Cone. Na época dos Paleólogos, a questão hesicasta e a questão romana
deram novo ímpeto à Teologia. Os participantes da última, Marcos de Éfeso e
Genádio, de um lado, e Bessarion, de outro, não passavam de secos polemistas,
mas do hesicasina emergiam algumas das mais belas obras do misticismo
oriental, os de Palamas e Nicolau Cabasilas.

O século VI, que viu o declínio da Teologia, viu o nascimento da História


profana. O primeiro grande historiador depois da fundação de Constantinopla foi
o biógrafo de Constantino, o teólogo Eusébio de Cesaréia, mas os historiadores
do século V não se destacaram. Com a época de Justiniano começou uma nova
era. Procópio, embora sua História Secreta seja um conglomerado amargo de
mexericos, deve, pela sua narrativa das guerras do imperador, colocar-se entre os
maiores historiadores de todos os tempos. Sua linguagem é vigorosa, seus
julgamentos claros e seus poderes descritivos vividos. Seu contemporâneo mais
jovem, Agatias, também historiador de mérito, fazia com ele um perfeito
contraste: era um poeta e seu amor às palavras por vezes obscurece o sentido. O
reino de Justiniano viu também o início de um novo gênero de literatura
histórica. João Malalas, de Antióquia, escreveu a primeira dessas crônicas
simples, que começavam em geral com Adão e Eva e que constituíam a delícia
do mais humilde leitor bizantino. Malalas é beato, discursivo e muitas vezes
impreciso, no entanto consegue dar pormenores valiosos e vividos da vida
quotidiana de seu tempo e sua obra contém as primeiras concessões à língua
falada.

Os principais historiadores dos fins do século VI e do princípio do século VII, o


soldado Menandro Protetor, o supersticioso Evágrio e o autor da Crônica Pascal,
foram dignos sucessores dos historiadores de Justiniano. Mas depois deles, a
história bizantina silencia durante dois séculos, até que, em princípios do século
IX, o monge Teófanes escreveu sua longa crônica em grego popular. Teófanes
escreveu com definida tendenciosidade monástica, mas não fez julgamento, e
sua obra permanece a única autoridade fidedigna para os séculos anteriores. Seu
contemporâneo, Nicéforo, o Patriarca, era um historiador menos admirável. Quis
que sua crônica adquirisse popularidade e deliberadamente incluiu nela apenas o
que julgava capaz de divertir o público ou influenciá-lo na direção certa. Obras
menores do século IX, como o fragmento anônimo sobre Leão, o Armênio,
mostram que a história ainda não fora desprestigiada e no século X ela recebeu o
estímulo do patrocínio da corte. Constantino VII mostrava-se ansioso para que a
crônica de Teófanes fosse atualizada e quando Genésio escolhido para isso
deixou de executar a contento a tarefa, ele próprio editou a compilação
conhecida como Theophanes Continuatus e acrescentou a ela uma biografia
cheia de tato e muito bem escrita do seu avô Basílio I. Os autores dessa
compilação serviram-se amplamente das obras de um cronista monástico do
século IX, Jorge, o Monge, e de um cronista secular do princípio do século X,
Simeão, o Logóteta — escritores que fizeram surgir inúmeros problemas para os
modernos bizantinistas. As obras do próprio Constantino sobre administração e
cerimônias do império, apesar de seu grande valor histórico, mal podem ser
consideradas como literatura devido à falta de acabamento.

A partir daí a sequência de historiadores e cronistas é contínua, exceto durante o


reinado de Basílio II, que desprezava todas as formas de literatura. Os mais
notáveis deles foram Leão Diácono, em fins do século X, cuja história do seu
tempo é talvez o exemplar mais bem escrito da Historiografia bizantina — cheia
de sabedoria, vivida e escrita num estilo clássico simples e direito (embora
chamasse os búlgaros de mésios e os russos de citas); Miguel Psellos, em
meados do século XI, o mais moderno dos escritores bizantinos, cínico,
divertido, culto e sensível, mas auto laudatório, inábil e ligeiramente afetado;
Miguel Ataliates, seu contemporâneo, cuja narrativa mais honesta constitui um
corretivo útil; o César Nicéforo Briênio e sua portentosa esposa, a Porfirogeneta
Ana Comnena, que apesar da sua elaboração e consciência de si mesma
permanece a maior das historiadoras; Cinamo, menos exuberante, mas quase tão
bem informado; os cronistas Cedreno, Zonaras e Glicas, o primeiro enfeixando a
crônica primitiva de Cilitze, o segundo uma crônica escrita com um esforço
consciente de estilo, o terceiro didático e amante da História Natural; e Nicetas
Acominato de Cone, o historiador da queda de 1204, o mais imparcial dos
historiadores bizantinos. A sequência continua no reino dos imperadores nicenos
e os Paleólogos — Jorge Acropolita, cuja obra abrange a maior parte do século
XIII até a reconquista da cidade; Jorge Paquímero, teólogo apaixonado, que
levou a história do império até 1308, e cuja linguagem empolada, obrigatória dos
literatos do seu tempo, deixava perceber um verdadeiro espírito humorista e
espontâneo; Nicéforo Grégoras, que iniciou sua história em 1204, mas na
realidade concentrou-se em sua própria época (1320-1359); o Imperador João
Cantacuzeno, cuja apologia é, apesar de tendenciosa, uma obra fidedigna e bem
escrita; e finalmente os historiadores da agonia do império, Calcondilas,
Erantzes, o leal cortesão, o doméstico Ducas e Critóbulo, turco pelo sentimento e
excelente imitador do seu herói Tucídides quanto ao estilo.
Os historiadores de Bizâncio comparam-se favoravelmente com os de qualquer
nação até os tempos modernos. Em estilo, julgamento, sutileza e capacidade
critica ultrapassaram de muito seus contemporâneos ocidentais. Compilavam
suas informações cuidadosamente e estudavam as obras de seus antecessores. Na
realidade, Cilitze começou sua crônica com uma crítica de todos os historiadores
desde Teófanes — alguns são demasiado tendenciosos, outros muito estreitos
quanto à amplitude ou à visão.

Próximos dos historiadores e até mais numerosos foram os biógrafos. Estes eram
quase exclusivamente hagiógrafos. Desde que Atanásio escreveu sua Vida de
Santo Antônio, raro o eminente eclesiástico que não foi objeto de uma Vida, em
geral variando de mérito de acordo com a posição do herói. Há poucas vidas de
santos dos primeiros séculos, exceto por diversas biografias curtas escritas por
Cirilo de Citópolis, no século VI, e Leóncio de Nápoles, no VII, mas foi a
perseguição dos iconoclastas que produziu a primeira grande safra de biografias.
Humildes mártires iconódulos, os patriarcas ortodoxos, até a piedosa Imperatriz
Teodora, tiveram seus feitos cantados por admiradores devotos. Logo
apareceram mais e mais biografias: biógrafos contavam dos estilitas, de
mulheres sovadas pelos maridos, assim como de bispos e patriarcas. Algumas
dessas obras eram de alto valor literário, tal corno a vida fragmentária do
Patriarca Eutímio, ou a vida do século XI de São Simeão, o Menor, por Nicetas
Estétato, que dava como testemunha dos incidentes relatados a abadessa Ana ou
outros amigos seus. No século X, a maior parte das vidas de santos foram
coletadas por Simeão Metafrastes e ordenadas num menológio. Nem sempre era
ele porém cuidadoso na redação; na vida de São Teoctiste deixou ficar um trecho
que dizia que a glória tinha desaparecido com Leão VI, o que tanto irritou
Basílio II que este tentou destruir toda a edição. Depois do século XI, a
hagiografia tornou-se um pouco mais frequente. Biografias menores foram
produzidas em orações fúnebres, em que amigos falavam a respeito de mortos
distintos. A maioria das que sobreviveram, tais como a de Teodoro de Estúdio
sobre sua mãe, a do bibliófilo bispo Aretas de Cesaréia sobre o Patriarca
Eutímio, ou as inúmeras escritas por Psellos sobre sua mãe, sobre o jurista
Xifilino, o estadista Lieudes e o patriarca Miguel Cerulário são belas obras de
literatura retórica.

Autobiografias e memórias são raras. A única autobiografia memorável é a de


Nicéforo Blemidas, o grande sábio mal-humorado do Império Niceno. As
histórias de Psellos e João Cantacuzeno quase podem ser classificadas como
memórias e muito próximas destas estão a descrição de João Cameniates de suas
aventuras no saque sarraceno de Tessalônica de 904, uma história bem escrita,
vivida e terrível, contada por um padre teimoso e ignorante, e as obras do velho
soldado Cecaumeno, rude e vigoroso amontoado de conselhos e anedotas
extraídos das experiências pessoais do autor, seus amigos e seus ancestrais.

Fora dessa categoria poucas foram as obras bizantinas em prosa dignas de


importância. Houve um ou dois tratados semi-científicos, semidescritivos, tais
como o de Cosme Indicopleustes e os diversos manuais militares, legais e
administrativos, todos escritos com grande clareza e competência. Houve várias
obras descritivas, tais como o De Aedificiis, de Procópio, a Pátria, narração dos
monumentos de Constantinopla, tradicional e erroneamente atribuída a Codino,
ou o pequeno livro de Nicetas Acominato sobre as estátuas destruídas pelos
latinos em 1204; havia obras enciclopédicas, tais como o Lexicon de Suídas,
comentários frequentes aos clássicos ou a valiosa Bibliotheca de Focio,
coletânea de comentários dos prosadores clássicos e bizantinos que o autor havia
lido durante um ano. Mas todas essas obras, embora escritas com algum esforço
de estilo, eram mais didáticas do que literárias em seu principal objetivo. Até a
sátira era rara. Havia um ou dois diálogos pseudoluciânicos, tais como o
Philopatris e o mais digno de admiração, Timarion, e a Visita de Mazáris ao
Inferno — o primeiro uma produção espirituosa do século XII contendo uma
vivida descrição da grande feira anual de Tessalônica, a última uma obra um
tanto elaborada do século XIV.

O romance bizantino praticamente não existia. Havia um ou dois romances em


prosa na língua popular, tais como Syntipas, o Filósofo, que Miguel Andreópulo
traduziu do sírio mais ou menos no século XII e Slephaniles e Icnelates,
traduzido por Simeão Sete um pouco mais cedo do árabe, ambos baseados em
histórias indianas — o Livro dos Sete Mestres Sábios e o Espelho dos Príncipes.
Mas o único grande romance bizantino foi o romance religioso e moral de
Barlaão e Josafá — uma história também de origem indiana, mas com a teologia
budista transformada em cristã. Esta história, bem escrita embora longa, que
realmente pode ser de João Damasceno, a quem é atribuída, era merecidamente
um dos livros mais lidos da Idade Média oriental.

Mas o ramo mais prolifico da literatura em prosa bizantina é o epistolar. Existem


copiosas coleções, muitas ainda não publicadas, da correspondência de ilustres
romanos, imperadores, patriarcas, bispos e estadistas, desde os grandes Pais do
século IV até os sábios da corte dos séculos XIV e XV — São Basílio ou São
João Crosóstomo até Nicéforo Grégoras ou Genádio. Entre as cartas há algumas
que constituem verdadeiros documentos de Estado, outras tratam da
administração da Igreja, inúmeras cartas de condolências e de exortação, e
quadros pessoais de notícias e mexericos. As cartas mais longas são escritas com
cuidado, em geral em estilo retórico; as curtas são frequentemente simples,
diretas e íntimas. Como grande literatura, as cartas são em geral destituídas de
importância, mas quase todas mostram o dom bizantino de auto-expressão
prática à sua melhor luz e muitas delas, tais como as do embaixador Leão
Querosfacta, em fins do século IX, ou de Nicéforo Grégoras, no XIV, são de
grande interesse social, enquanto, para fins históricos, o interesse e o cuidado
epistolar dos bizantinos tornaram a posteridade extremamente grata.

Na poesia, a falta de espírito literário criador dos bizantinos é mais aparente. O


número de poetas bizantinos é comparativamente pequeno e embora o gosto e a
cultura consciente de Bizâncio impedissem o padrão de cair realmente muito,
também combinavam com o problema linguístico para esterilizar a
espontaneidade e a autenticidade. Apenas a poesia religiosa conseguiu, através
da genuína intensidade do sentimento religioso bizantino, atravessar a barreira e
atingir a grandeza. Sua forma, tal como a religião que ela celebrava, vem da
Síria oriental.

Havia poetas entre os Pais do século IV, principalmente Gregório Nazianzeno.


No século V, a Imperatriz Gudócia, mulher de Teodósio II, era compositora de
hinos de não poucos méritos, mas a educação clássica que recebera de seu pai, o
professor pagão Leôncio, transparecia por vezes em detrimento da sinceridade
religiosa. O maior dos poetas de hinos de Bizâncio viveu no século VI, o
diácono Romano, um judeu convertido de Bérito. Em estâncias aerósticas, cujo
ritmo variado, baseado na acentuação, parece mais complexo do que de fato é,
frequentemente empregando o diálogo, para ser cantado em antífonas e refrões,
Romano consegue uma combinação de simplicidade de linguagem e
magnificência de imaginação incomparável na poesia religiosa. Cerca dessa
mesma época foi escrito o Acathistits, um grande hino anônimo em louvor da
Virgem. O segundo poeta religioso em importância, também um sírio, João
Damasceno, era mais místico — Romano se tinha preocupado mais com a glória
do Senhor, a grandeza do contraste entre Sua majestade e Seu sofrimento — mas
no seu tempo a simplicidade estava desaparecendo. Pouco antes de sua época,
André, arcebispo de Creta, inaugura uma nova forma de poesia religiosa, os
Cânones, versos de métrica variável reunidos num todo bastante longo. João era
excelente nessa arte, em detrimento de sua poesia, e ela arruinou a obra de seu
contemporâneo Cosme de Jerusalém. A freira Cássia, no século IX, candidata
rejeitada à mão do Imperador Teófilo, é típica dos poetas de hinos subsequentes.
Certo senso do belo, da originalidade e de uma piedade real está presente em
seus hinos, lidos mais como obras de composição do que como espontâneas
explosões de sentimento. Os poetas dos fins do império, homens como João
Mauropo no século XI e Teodoro Metoquites, no XIV, todos apresentam
igualmente uma inspiração antes acadêmica do que emocional. Mas há tantos
hinos bizantinos por publicar nas bibliotecas da Europa que é impossível que a
pesquisa não possa ainda desenterrar um grande poeta religioso. O drama
religioso de Christus Paschon, atribuído outrora a Gregório Nazianzeno, mas
cuja data hoje varia entre os séculos IV e XII, é uma obra um tanto cansativa em
iâmbicos, mas em certos pontos atinge a alturas emocionais; algumas de 9uas
passagens eram cópias de Romano, o Hinodista, ou foram por ele copiadas.

Os autores bizantinos de hinos compunham suas próprias músicas que


permanecem, exceto pelas canções populares tradicionais, a única música
bizantina a sobreviver. Mas tanto a notação musical paleobizantina quanto a
notação redonda, introduzida no século XIII, ainda são até certo ponto objeto de
controvérsia. A música de hino era modal e antifonal quanto à forma e para ser
cantada, como toda música da Igreja Ortodoxa, sem acompanhamento.

Enquanto os hinos bizantinos tomavam a forma de cânones, a poesia profana


bizantina variava entre três métricas principais, o clássico iâmbico, em geral
restrito aos epigramas, o trimétrico iâmbico de doze sílabas e o chamado verso
político, troqueus de quinze sílabas, iniciados fora do acento tônico. Devido ao
que se chamou a atitude objetiva dos escritores bizantinos, a poesia lírica não
floresceu. A forma mais próxima da lírica foi o epigrama, em que a elegância e a
sofisticação do sentimento secular bizantino encontravam sua mais adequada
expressão. Jorge de Pisídia, no século VII, o inaugurador do iâmbico trimétrico,
escreveu epigramas, alguns demasiado longos, sobre os principais
acontecimentos do seu tempo. Teodoro de Estúdio escreveu uma série vivida de
epigramas sobre os incidentes da vida monástica e Cássia diversos epigramas
espirituosos semirreligiosos. Mas o apogeu do epigrama foi nos séculos X e XI.
Não só foi então compilada a Antologia Palatina, cujo conteúdo é, em grande
parte, obra de autores bizantinos, como entre os autores de epigramas da época
estavam muitos dos melhores poetas bizantinos, Constantino de Rodes, João
Geômetro, Cristóvão de Mitilene e João Mauropo. Mais tarde o epigrama
declinou; nem Teodoro Pródiomo, no tempo dos Comnenos, nem Manuel Files,
no tempo dos primeiros Paleólogos, escreveram poemas que se revestissem de
outra coisa além de mérito histórico. O epigrama em certas épocas fundiu-se
com a poesia descritiva, gênero em que mais uma vez os poetas bizantinos
encontravam fácil expressão. Ao cantar as glórias de Constantinopla sentiam
algo da reverência que emprestava sentimento verdadeiro aos seus hinos. A
descrição de Santa Sofia por Paulo, o Sileneiário, e a descrição dos mosaicos dos
Santos Apóstolos por Constantino de Rodes foram feitas com verdadeiro senso
de magnificência e admiração. O horror e a tristeza emprestavam alguma dessa
intensidade aos poemas de João Geômetro sobre os desastres que recaíram sobre
o império na segunda metade do século X. Mas a maioria dos poemas bizantinos
são produções enfadonhas de intenção didática, tais como as obras filológicas de
João Tzetzes ou as obras astrológicas de João Camatero, ambos escritores do
século XII, ou as obras cientificas de Manuel Files; ou são poemas da corte, tais
como os versos de súplica dirigidos por Teodoro Pródromo a vários membros da
dinastia dos Comnenos, os epitáfios cheios de tato escritos por Teodoro
Metoquites por ocasião da morte de vários príncipes Paleólogos ou a descrição
fastidiosa das guerras de Nicéforo Focas por Teodósio, o Diácono. A poesia
épica deixou praticamente de existir com o egípcio Nono, o último autor a
empregar hexâmetros, que escreveu em princípios do século V um poema épico
fantástico sobre os dias de Dioniso na Índia e após sua conversão, outro que
constitui, decididamente, uma paráfrase do Evangelho de São João. No século
XIV, Jorge Lapites escreveu uma longa alegoria épica, mas seu tom moral e
didático e seu estilo autoconsciente e alentado tornam sua leitura extremamente
difícil.

O único poema longo digno de nota produzido em Bizâncio pertence à categoria


do romance popular. A maior parte da poesia popular bizantina é crua. As
chamadas Profecias de Leão, o Sábio, mal merecem a designação de poesia; as
crônicas rimadas de Manasses e Efraim (escritas respectivamente nos séculos
XII e XIV) não podem ser designadas por esse nome. Mas por vezes os
romanceiros são realmente vivos e vigorosos. Durante o século X apareceu,
escrito em versos políticos, um longo poema épico popular em dez livros
relatando a carreira de um guerreiro na fronteira oriental, Digenes Acritas. Foi
comparado à Chanson de Rolarui. O poema ocidental é talvez mais dramático,
mas, no brilho de suas descrições e na delicadeza de sua psicologia, Digenes
Acritas é obra infinitamente superior e pode bem reivindicar o título de melhor
canção de gesta jamais escrita. Nenhum dos romances posteriores atingiu tal
elevação. O renascimento clássico do século XI introduziu os antigos romances
gregos como modelo, de um lado, e de outro tornaram-se conhecidos os
romances ocidentais de cavalaria. O resultado disso foi tornar as canções de
gesta bizantinas autoconscientes. Os romanceiros do século XII, como
Callimachus e Chrisorrhoe ou Beltandrus e Chrysantz são escritos sobre temas
ocidentais numa tentativa artificial de linguagem clássica, enquanto mesmo
poetas de Constantinopla como Teodoro Pródromo e Eustátio Macrebolites
tentavam sem êxito produzir histórias de amor rimadas. Havia adaptações
populares de romances franceses — Flora e Brancaflor aparece como Phlorius e
Flatziaphlora e Reynard a Raposa produziu uma numerosa descendência de
poemas animais no Oriente. Mas nos dias finais do império surgiram novos tipos
de poemas populares. As canções de amor de Rodes do século XIV inauguram
um gênero de poesia erótica, possuindo alguns encanto e beleza espontâneos.
Havia também poemas relatando as grandes histórias clássicas do declínio do
império — trenodias da queda de Constantinopla, de Atenas, de Trebizonda. Em
sua sinceridade despretensiosa formam um estranho canto de cisne da literatura
requintada de Bizâncio.

A literatura bizantina permanece um tanto remota da corrente principal da


literatura mundial. Suas primeiras obras teológicas, até João Damasceno, tiveram
influência profunda sobre o pensamento ocidental e suas obras históricas
estabeleceram o modelo de crônica minuciosa que os eslavos, principalmente os
russos, seguiram durante muito tempo. No entanto é antes aos feitos
conservadores do que aos criadores da literatura bizantina que a posteridade se
sente grata. Devemos aos literatos de Bizâncio não só os seus triunfos originais
como a conservação carinhosa de tantos tesouros do passado e da tradição
clássica da filosofia, da especulação e da curiosidade. Apesar disso, seu triunfo é
real no que toca aos hinos, à história e a um único grande poema épico.
XI. ARTE BIZANTINA (52)

O gênio bizantino pode, na literatura, ter tido falta de força criadora e


originalidade. Na arte, porém, não o foi: nas obras de arte, Bizâncio deixou ao
mundo o mais magnífico e permanente dos legados.

A arte bizantina é um espelho fiel da síntese que constituiu a civilização


bizantina. Nela podem ver-se todos os seus elementos constituintes — greco-
romanos, aramaicos e iranianos — em proporções variáveis, mas sempre
fundidos perfeitamente num todo, em algo único e original em todas as suas
derivações. O nome bizantino tem atemorizado os modernos historiadores de
arte. Tal como os historiadores políticos procuram hoje, cuidadosamente, dar ao
Império Bizantino antes o nome de Império Romano Oriental, ou Império
Romano Posterior, assim também sua arte é disfarçada com os nomes de cristã
oriental, ou crista primitiva. Tais precauções são desnecessárias, e até errôneas.
Sua arte foi, essencialmente, a arte da Constantinopla imperial, perdurando suas
características fundamentais enquanto imperadores reinaram no Bósforo. Arte
sobretudo religiosa, mas nem por isso cristã. Era antes o produto da época
religiosa em que o cristianismo triunfou. Suas características podem ser vistas na
arte da Igreja antes de Constantino, mas são também aparentes nas
manifestações artísticas empregadas por Diocleciano para aumentar a deificação
da majestade imperial.

Constantino fundiu essas duas religiões, transformando-se no vice-rei de Deus, e


a partir de então a arte que glorificava o Estado glorificava também o Deus
cristão. Entretanto, sua inspiração estava num sentimento transcendental, quase
místico, de adoração, e não no simbolismo particular do cristianismo, que
limitava a influência da arte eclesiástica.

Em fins do século III, a arte greco-romana já não podia progredir. O antigo


naturalismo grego, disposto com graça e gosto, fora complicado no período
helenístico (e ainda mais sob os romanos) com uma minúcia de detalhes e um
aumento no tamanho que fazia de cada trabalho de arte um tour de force
colossal. O século IV provocou uma reação do Oriente. As religiões de origem
síria, ou sírio-egípcia, se haviam tornado mais populares em todo o mundo. Seus
adeptos eram fundamentalmente esotéricos e descontentes com o inundo; a
complacência do naturalismo helênico não tinha sentido para eles. A Natureza
parecia-lhes, com frequência, feia e estavam preparados para enfrentar essa
feiura. Deixaram de lado a delicadeza do desenho e o equilíbrio da composição
— queriam uma arte que lhes falasse diretamente sem concessões, que
despertasse uma emoção intensa, e não que os embalasse numa satisfação
estética. O triunfo do cristianismo inevitavelmente implicava o fortalecimento
dessa concepção aramaica da arte. Cristo não poderia ser retratado do mesmo
modo que Apoio. Ele era o Deus que sofrera, o Grande Juiz, o Redentor. Seus
seguidores deviam senti-lo como tal, e para isso as linhas do sofrimento, da força
e da benevolência divina deviam estar evidentes em seu rosto. A religião exigia
um impressionismo desconhecido do mundo greco-romano.

O Oriente contribuiu ainda com outro elemento. A nova concepção de soberania


que viera da Pérsia, dos Sassânidas, tinha uma majestade mais simples e mais
direta do que a complicada magnificência de Roma. Seu caminho fora preparado
pelo mitraísmo, a religião surgida no Irã para o culto do Sol todo glorioso. O
mitraísmo, ou o masdeísmo de que derivava, tinha uma arte própria, igualmente
distante do naturalismo helênico e do realismo emocional aramaico, e dotada de
um simbolismo que parecia ter vindo, originariamente, dos altiplanos do
Turquestão. Essa arte já influenciava os artistas aramaicos do Oriente Próximo e,
de certa forma, compensava-lhes a indiferença pelo sentido grego da
composição.

A nova arte, composta desses elementos, surgiu no início mesmo do século. Nas
estátuas que representam a tetrarquia de Diocleciano os retratos imperiais dos
séculos anteriores, nos quais o imperador era apresentado com um porte
magnífico, para distingui-lo dos súditos, haviam dado lugar a uma arte impessoal
simbólica que acentuava diretamente a majestade de Roma frente aos bárbaros.
O cristianismo completou o movimento. O público cristão exigia da arte um
apelo emocional direto, ao invés da perfeição técnica, tal como as autoridades
imperiais exigiam que o retrato do imperador representasse antes a soberania
romana e não uma semelhança individual com os vários imperadores efêmeros.
Os artistas helênicos, tendo esgotado todos os segredos técnicos de sua arte,
enfrentavam o problema de adaptar sua técnica ao novo mundo. Provavelmente,
tal como os requintados, atiraram fora, de boa vontade, os antigos desenhos que
copiavam caprichosamente a vida com uma anatomia cuidadosa e exagerada,
com suas perspectivas brilhantes e sua riqueza de detalhes, para fazer
experiências com a nova corrente artística. Enquanto isso, o artista oriental ainda
rude viu-se apoiado pela corte. Não lhe era possível mostrar o mesmo domínio
técnico dos artistas requintados, e o gosto pela arte elaborada foi diminuindo.
Assim, ocorreu durante o século IV uma revolução, da qual Constantinopla saiu
como a capital do novo mundo estético.

Embora derrotado, o helenismo não morreu. Suas concepções estavam muito


enraizadas no sangue dos gregos. Durante toda a existência do Império
Bizantino, ele costumava reaparecer de tempos em tempos, para forçar a arte
bizantina a um retrocesso no sentido do velho naturalismo.

A nova arte era direta, mas não simples. A adoração, principalmente dos
imperadores, devia ser retratada com fausto. O artista bizantino teve de atingir
essa suntuosidade com seus próprios recursos. O pintor bizantino preferia
trabalhar com mosaicos do que com tintas, em painéis ou afrescos. Mesmo nos
trabalhos em painel usava um fundo de ouro. E o ouro dominava as iluminuras
dos manuscritos. As estátuas eram talhadas em pórfiro, em bronze colorido ou
dourado. Nos tecidos, sedas e brocados, os fios de ouro tinham um papel
saliente. Esse amor pelos materiais ricos evitou que a magnificência ficasse
limitada ao volume, apenas. Eram materiais muito raros, de alto custo. Exceto
quando as finanças do império vinham em seu auxílio — o que aconteceu
quando Justiniano construiu Santa Sofia ao custo de, segundo diziam 320.000
libras de ouro (53) — o artista bizantino trabalhava habitualmente em escala
pequena, e frequentemente era nos trabalhos mais delicados, nos pequenos
entalhes de esteatita, nos baixos-relevos de marfim ou nas placas esmaltadas em
miniaturas que sua arte atingia o equilíbrio perfeito, a riqueza de tessitura ou de
cor que correspondia à simplicidade da linha.

Os diversos ramos da arte bizantina revelam as diferentes proporções do


elemento oriental e helênico nela existente. A pintura e a escultura eram
frequentemente influenciadas pelo helenismo. A arquitetura, porém, encontrou
uma síntese própria e desenvolveu-se naturalmente dentro de linhas peculiares.

Na verdade, a arquitetura bizantina tem um lugar à parte. O pintor e o escultor


parecem ter, no século IV, recuado um passo na técnica; o arquiteto, pelo
contrário, avançava firmemente.
A principal contribuição da arquitetura bizantina foi o segredo do equilíbrio de
uma cúpula sobre uma construção quadrada, segundo as necessidades do novo
mundo. É na arquitetura das igrejas que melhor podemos observar essa
realização, pois somente as igrejas sobreviveram em número bastante para servir
de estudo. Os edifícios seculares do império desapareceram. Para os primeiros
cristãos, como para os pagãos, bastava uma sala para seu culto. Sua basílica
tinha um interior tão simples como o dos templos clássicos. Gradualmente,
porém, e em especial no século IV, a Igreja começou a copiar o ritual cerimonial
do Estado. Como as novas dinastias de imperadores semidivinos exigiam
palácios com salas de trono e salas de vestir, e um gineceu para a imperatriz, a
Igreja começou a sentir-se insatisfeita com seus interiores simples. Exigiu um
ambiente mais complicado, sem sacrifício da unidade de desenho. Uma cúpula
colocada sobre o centro da basílica teve o efeito de dividir o interior, dando-lhe
ainda maior impressão de esplendor. Mas o problema era fixar a cúpula. A
cúpula sobre uma rotunda, tal como a do Panteão em Roma, era conhecida, de há
muito, pelos arquitetos. Agora, porém, tornava-se necessário colocá-la sobre um
retângulo. O método mais simples era sustentá-la em consolos, o que constituía
uma solução primária e poderia provocar elipses. No século V, encontrou-se um
processo mais satisfatório.

Se essa solução se deve aos nômades do extremo iraniano ou aos arquitetos da


Itália, é assunto controverso, e nenhuma das duas hipóteses é bastante
convincente. A primeira teoria é forçada, a segunda muito improvável, pois a
cúpula deixou a Itália com a corte, acompanhando o patrocínio imperial, para
Constantinopla. A fonte de inspiração continua ainda duvidosa. Os arquitetos
que aperfeiçoaram a técnica foram gregos e armênios, sendo os primeiros os
construtores mais procurados pelos Sassânidas da Pérsia. (54) Eram dois os
processos. Podiam usar-se pendículos — triângulos que se elevavam dos ângulos
do retângulo e se curvavam unindo-se num círculo — ou arcos, pequenas
abóbodas absidais ligando os ângulos do retângulo, seja num tambor quadrado
ou ao nível dos principais arcos de suporte. Os pendículos eram conhecidos nas
épocas anteriores a Constantino. Um antigo exemplo existe em Jerash, na
Transjordânia, e encontram-se indícios deles na Ásia Menor. Seu exemplo mais
famoso no século V é a tumba de Gala Placídia em Ravena e, no século VI,
Santa Sofia de Constantinopla. O arco foi recurso um pouco posterior. Talvez
sua origem seja oriental, embora os primeiros exemplos que podem ser datados
com segurança estejam 11a Itália: o batistério de Nápoles e São Vital em Ravena
(século VI). Mas foi nos séculos X e XI que atingiu a plenitude, em construções
como a Grande Igreja no Mosteiro de São Lucas, em Fócia.
A basílica sofria, nesse ínterim, modificações. Evidenciara sempre duas
tendências principais. A basílica helena tinha um teto achatado de madeira, com
três ou cinco alas e galerias, e, mais tarde, um clerestório nas alas laterais. A
basílica oriental era arqueada, com paredes maciças. A cúpula, porém, forçou
modificações estruturais. A compressão sobre as paredes laterais, as paredes
norte e sul da igreja direcional, demandava reforço, particularmente porque, com
o advento da cúpula, a altura tornou-se mais importante do que o comprimento.
Arcobotantes como os usados pelos arquitetos góticos eram estranhos ao espírito
bizantino, que continuava bastante clássico para insistir na adequação estrutural
do desenho, em si mesmo. As igrejas de câmara única, quadrada ou poligonal,
passaram a ser o desenho indicado, com adaptação da cúpula à construção
quadrangular. Nelas, a compressão se fazia igualmente em toda a volta. Na
Igreja Octogonal dos Santos Sérgio e Baco, em Constantinopla, que data do
início do reinado de Justiniano, pode-se observar esse tipo de construção, numa
de suas melhores formas. A piedade ou a ingenuidade dos arquitetos já os levava
a tentar fazer edifícios em forma de cruz. Há igrejas de cemitério com essa
forma, e a tumba de Gala Placídia é uma cruz com braços do mesmo tamanho e
uma cúpula no cruzamento. A Igreja dos Santos Apóstolos em Constantinopla,
com uma cúpula central e uma cúpula sobre cada braço, foi considerada como o
exemplo perfeito. Copiaram-na os arquitetos da Igreja de São Marcos, em
Veneza. Finalmente, esses três tipos — a basílica, a retangular e a cruciforme —
foram sintetizados pelos arquitetos Antêmio de Trales e Isidoro de Mileto, na
grande Igreja de Santa Sofia. Uma longa linha de colunas preserva o interior no
estilo basílica, embora as proporções externas sejam, praticamente, as de uma
construção retangular, enquanto a pressão lateral é solucionada por transeptos
com arcobotantes, coroados por uma meia-cúpula. A primeira cúpula central
caiu com um terremoto, em 558, e a segunda teve a mesma sorte em 989, quando
foi construída a atual, por um armênio, Tiridates, arquiteto da grande catedral
armênia de Ani.

Santa Sofia foi a realização arquitetural bizantina máxima. Os próprios


bizantinos assim a consideravam, e por muito tempo serviram-se dela como
modelo. Mas a arquitetura bizantina não era estacionária. Gradualmente — e
quase certamente devido ao problema do peso — o tipo de desenho, conhecido
como de cruz grega, evoluiu. Nele, os transeptos são altos e abobadados,
usualmente cobertos, como a nave e o coro, com um espigão baixo. Os ângulos
da cruz são ocupados por câmaras baixas, os do ocidente servem como alas
laterais da nave, e os do oriente, como a prótese e o diacônico exigidos pelo
ritual. A simplicidade e o perfeito equilíbrio estrutural de seu risco fazem desse
tipo de planta talvez o mais admirável na arquitetura.

A cruz grega originou-se provavelmente na Armênia. As conquistas árabes


haviam aumentado a importância daquela nação. As guerras mais ao sul fizeram
dela a mais segura rota comercial entre o Oriente e o Ocidente, e um número
cada vez maior de armênios buscou fortuna no império. Sua posição geográfica
tornava-os receptivos às ideias artísticas que vinham tanto do Leste como do
Oeste, e eram bastante engenhosos para experimentá-las. A cruz grega surge na
Grécia em fins do século VIII, em Skiprou, na Beócia, província que tinha muito
contato com o Oriente. Seu exemplo mais célebre foi a Nova Igreja construída
por Basílio I no recinto do palácio. Essa igreja, destruída pelos turcos, era
provavelmente o único edifício de grandes proporções na forma de cruz grega.
Via de regra, as igrejas bizantinas eram então de reduzidas proporções. A
tendência era no sentido de fazê-las graciosas e leves — apenas a altura tinha
importância. Uma abside tríplice, na extremidade oriental, a tricora ou trifólio,
fora por vezes usada, desde o século VI, para tornar mais leve o efeito. Seu uso
fez-se mais comum. Colunas substituíram os pilares que sustentavam a cúpula,
que poderia ser colocada sobre um tambor alto. Meias-cúpulas poderiam ser
colocadas nos braços da cruz. As linhas retas do espigão do forro eram
substituídas por curvas. As ligações com o Ocidente introduziram
ocasionalmente torres de campanário, com sinos em lugar das simandra, os
gongos de madeira que convocavam os ortodoxos para as orações. A cruz grega,
assim modificada, continuou e ainda continua como a base de quase toda a
arquitetura eclesiástica ortodoxa, mas não teve em Constantinopla a mesma
popularidade que desfrutou nas províncias, onde os arquitetos parecem ter sido,
em grande parte, armênios.

É difícil falar das formas das construções seculares, pois muito poucas
sobreviveram. As salas dos palácios, como o crisotriclínio ou o triconco no
Grande Palácio, eram formadas, como as igrejas da época, com cúpulas, absides,
nártexes e trifólios. A casa de campo ideal, de Digenes Acritas, tinha três
cúpulas, e sua principal sala de recepções era cruciforme. Nas casas antigas, na
Fanar de hoje, muitas salas têm absides e trifólios, frequentemente. Mas uma
casa não podia ter a unidade de uma igreja. O Palácio era, na verdade, um
aglomerado de salas, galerias, igrejas, banheiros, guarda-roupas, salas de armas,
bibliotecas e conjuntos de aposentos, museu, tudo isso ajuntado sem unidade de
planejamento, em três grupos principais. As alas residenciais eram
habitualmente de dois andares, estando no primeiro os aposentos principais. O
andar térreo era baixo e quase sempre abria para uma arcada num jardim interno.
Dificilmente os edifícios tinham mais de dois andares, exceto as torres militares.
Digenes Acritas gaba-se de um palácio de quatro pavimentos — mas ao redor
deles, tudo era notável. Para as fortificações, aquedutos e pontes, copiavam-se e
aperfeiçoavam-se os modelos romanos, e o Circo, embora mais comprido do que
os romanos, tinha naqueles a sua inspiração. As cisternas subterrâneas de
Constantinopla, construídas nos séculos V e VI, eram mais originais. Uma de
suas características são as numerosas e bem trabalhadas colunas que sustentavam
o teto.

As portas eram quase todas quadrangulares. As janelas dos edifícios seculares


podiam ser retangulares ou arqueadas. Nas salas e nas igrejas eram quase
circulares, alongadas e estreitas, para afastar a brilhante luz oriental. Ficavam
habitualmente colocadas num canto, em grupo de três, com persianas de
mármore ou madeira na base, cobertas de vidro, mica ou alabastro, no alto.

O material empregado variava de acordo com a região. Em locais de muita


pedra, as paredes eram revestidas de pedra trabalhada, com cascalho por dentro.
Constantinopla estava construída principalmente de tijolos queimados, embora a
pedra fosse usada com frequência em camadas alternadas com os tijolos, para
decorar exteriores. A pedra das paredes externas era por vezes modelada ou
entalhada, principalmente na Armênia e nos distritos onde predominava a
influência oriental. A pequena igreja metropolitana em Atenas é exemplo disso.
As paredes interiores dos edifícios importantes eram revestidas do material
decorativo, com mármores de várias cores dispostos em combinações ou ainda
mosaicos. Nas regiões mais pobres, e em Constantinopla na época dos
Paleólogos, quando o dinheiro era escasso, o mais habitual era decorar as
paredes inteiramente com afrescos. As colunas, tendo de suportar maior peso do
que nas épocas clássicas, tinham de ser mais sólidas, particularmente nos
capitéis, trabalhados com esmero. Sobreviveram modificações do acanto
coríntio, mas os desenhos entrançados, a escultura de animais ou os medalhões
com monogramas cristãos simples tornaram-se mais comuns.

Também na escultura o Oriente triunfou, e nesse campo houve antes uma


revolução do que um aperfeiçoamento. A escultura tridimensional clássica era
estranha aos arameus, que viam as coisas sem relevo, em duas dimensões —
mais pictoriamente do que esculturalmente. A estatuária tinha de ser vista de
apenas um ângulo — somente a sombra poderia representar a terceira dimensão.
A aplicação desse princípio à escultura ocorreu simultaneamente com o
aparecimento dos motivos iranianos. O planejamento na escultura começou a
seguir desenhos geométricos, ao invés das curvas naturalistas da arte helênica.
As estátuas da nova arte eram, frequentemente, quase desagradáveis. Os traços
do rosto eram exagerados pelo amor da sensação que tinham os arameus. O
corpo era envolto em vestes geométricas. O conjunto era impessoal e, com toda
a sua imperfeição, bastante impressionante. Atendia às novas condições do
mundo. A estátua do século IV que se vê em Barleta é típica dessa transição.
Nela, a figura foi visualizada em profundidade, e trata-se evidentemente de um
retrato; foi feita, porém, sem dúvida, para ser vista de frente, e não há nenhum
realismo nos trajes militares, o rosto é simples, com a linha do nariz à boca
intensificada para acentuar o símbolo da força majestosa. É quase um trabalho
dedicado à religião do império.

Dentro em pouco, as tentativas de estatuária tridimensional tornavam-se muito


raras. Os artistas cristãos nunca a adotaram. Era uma arte não apreciada pelo
oriental, e a Igreja Oriental começou, desde o princípio, a associá-la com o ídolo
anematizado por Jeová. Sobreviveu quase integralmente nos retratos imperiais,
um tanto impessoais, feitos em Constantinopla e por vezes ali utilizados para
celebrar a majestade imperial, ou enviados a uma comunidade vassala, tal como
Roma, para que o imperador pudesse estar presente às deliberações do governo
local. A escultura tornou-se rapidamente uma arte do baixo-relevo, pouco mais
do que a pintura, onde as sombras tomavam o lugar dos efeitos de cor. As portas,
os púlpitos, ou mais remotamente, os sarcófagos, eram entalhados em madeira
ou pedra com uma técnica bidimensional, A princípio, o artista tentou conservar
a capacidade de mostrar um fundo, acumulando-o verticalmente atrás do assunto
principal, mais ou menos como uma perspectiva chinesa. Mais tarde, porém,
abandonou a tentativa sem êxito.

Os melhores baixos-relevos eram feitos em escala pequena, entalhes em metal,


em esteatita e mais ainda em marfim. (55) Marfim entalhado, porta-joias ou
relíquia, díptieos consulares, capas de livros, díptieos e trípticos devotos foram
produzidos durante toda a história do império. Nos primeiros quinhentos anos,
até o século IX, predominaram as influências orientais — as figuras com cabeças
expressivas, mal proporcionadas e por vezes mal desenhadas. Com o
renascimento clássico dos séculos IX e X, surgiu um sentimento de composição
e graciosidade que no entanto não destruiu a simplicidade e a força da escola
oriental. Os melhores dos pequenos entalhes bizantinos — o escrínio de Veroli,
do Museu Vitória e Alberto, e o painel de Romano e Eudócia, na Sala de
Medalhas, pertencem a esse período. O último é realmente um dos triunfos do
artesanato bizantino, composto com sentimento e habilidade, bem desenhado e
admiravelmente executado. Após o século XI, o entalhar declinou: os
entalhadores parecem ter perdido o gosto e a habilidade técnica. Dentro em
pouco, a crescente pobreza do império dificultava a aquisição do material caro.
Os entalhes de marfim eram habitualmente ornados a ouro e, ao que parece,
também coloridos.

A escultura decorativa em função da arquitetura, os capitéis de colunas, ornatos


de portas, mostravam, na variedade de suas formas, a origem mista. A folha de
acanto e o desenho de animais da fase naturalista pertenciam ao helenismo puro.
O desenho geométrico, frequentemente fluindo com graciosidade helênica,
lembrava os desenhos iranianos. A superfície lisa podia ser adornada por um
simples monograma de Cristo, dentro do espírito grave e dramático dos arameus.
A partir do século V, encontram-se todos esses tipos de decoração, com uma
técnica que se manteve num nível bastante razoável. O método, porém,
modificou-se ligeiramente. O primeiro processo de tratar essa escultura
decorativa foi o de desbaste, que atingiu seu auge no século V. O capitel
teodosiano, ou de acanto, é típico do processo, destacando-se levemente a folha
contra um fundo apenas desbastado. No século VI, o desbastamento foi
substituído pelo entalhe, no qual o desenho se destacava como uma renda,
aparentemente separado do fundo. Os capitéis de desenho entrançado de Santa
Sofia foram feitos por esse processo, tal como os da Igreja de São Sérgio e São
Baco. Após o século VII, esse tipo de escultura perdeu popularidade, embora
não fosse nunca inteiramente abandonado, e possa ser visto com caboclions no
século XIV, em Mistra. A escultura “rendada” foi a mais empregada nos séculos
que se seguiram ao VII. Nela o desenho é aplicado à pedra lisa, em fitas e traços
que se interligam, muitas vezes cercando uma figura geométrica, ou painéis com
animais ou rosáceas. Capitéis com entalhes de animais pertencem ainda a esse
estilo. A quarta forma foi o champlevé, no qual os furos que formam o fundo são
cobertos com uma composição marrom-avermelhada, feita principalmente de
cera, que contornava o desenho. Esse processo ficou na moda no século X,
aproximadamente. Pode ser visto na pequena Igreja de São Teodoro, em Atenas.

Se a escultura livre perdeu com o triunfo do Oriente, a pintura só teve a lucrar.


(56) A pintura helênica havia degenerado numa graciosidade superficial. Os
arameus deram-lhe nova força, com sua visão concisa e a intensidade de seu
sentimento. O impacto foi saudável, particularmente porque a influência
helênica não desapareceu totalmente. Os dois estilos existiram lado a lado, cada
qual procurando falhas no outro. O desenho descuidado dos arameus podia não
satisfazer o público, mas demandava uma intensidade maior de emoção do que
os helenos podiam dar, importava-lhe antes de mais nada o valor espiritual do
quadro. O material utilizado na confecção dos trabalhos mais importantes
contribuiu para a vitória aramaica. Os mosaicos, graças a seu esplendor,
ultrapassavam qualquer outra forma pictórica, e nos mosaicos o claro-escuro
delicado é quase impossível. O desenho deve ser ousado, as cores contrastantes,
as linhas simples. Os afrescos seguiram naturalmente a orientação dos mosaicos.
Foi apenas nas miniaturas, nos manuscritos iluminados, que a técnica helênica
levou vantagem, e é, em consequência, nos manuscritos que a continuidade da
influência helênica pode ser observada e foi através deles que ela se fez sentir, já
que os artistas dos mosaicos e afrescos confiavam sua inspiração a miniaturas,
facilmente portáveis.

Mesmo nos mosaicos, a escola helênica, tendo os melhores artistas, levou


vantagem durante muito tempo, adaptando-se apenas um pouco às exigências da
época. Nos edifícios do século V, como o Mausoléu de Cala Placídia, ou a Igreja
de São Jorge em Tessalônica, os assuntos são tratados numa maneira naturalista
fluente. O fundo é, por vezes, colocado ao alto, tal como nos baixos-relevos, pois
o artista não podia tolerar que ficasse vazio. Mas seu naturalismo já se fundia
com o naturalismo do Irã. Os pavões e animais fabulosos que surgiam em sua
arte eram inspirados pelo Oriente distante, e o Irã, através dos artistas armênios,
ensinava a usar os animais de forma decorativa, e não como motivo principal,
sem sacrifício da exatidão do desenho. No século VI, a influência semita tornou-
se ainda maior. As figuras de Justiniano e Teodora e seus séquitos, em São Vital,
em Ravena, são estilizadas e sem flexibilidade, mas vivas. Os mosaicos de Santa
Sofia são provavelmente do mesmo estilo. Em Tessalônica, porém, as ideias
helênicas resistiram mais. As decorações feitas no século VI, em São Demétrio,
conservam muito do antigo naturalismo, embora as figuras dos painéis tenham
sido desenhadas com os mesmos traços duros e marcantes que se observam em
São Vital.

Enquanto isso, os mosaicos de chão, que por sua natureza tinham uma função
mais decorativa, seguiram o mesmo movimento de afastamento do helenismo.
Os pássaros e árvores continuaram naturalistas, mas eram envoltos por motivos
de natureza meramente decorativa, que acabaram por superá-los. Os mosaicos
são mais comuns na Síria e Palestina, e parecem ter sido feitos principalmente
por alexandrinos e armênios. Os primeiros conservaram, naturalmente,
tendências helênicas de Alexandria. O mapa em mosaico, do século V, existente
em Jerash, é evidentemente helênico. O mapa da Palestina e do Egito, que se
encontra em Madaba, no Moabe, e feito no século VI, é menos formal, embora
persista ainda uma certa delicadeza de desenho. Os armênios trabalhavam
segundo sua própria síntese de desenhos geométricos e naturalismo. Os
mosaicos de chão tornam-se raros após o século VI. Ao invés deles, os pisos são
cobertos com grandes formas geométricas, de mármore colorido.

A iluminação de manuscritos foi, ao que parece, originalmente uma arte


alexandrina. Os modelos alexandrinos foram copiados em todo o mundo greco-
romano e continuaram clássicos até o séc. VI. Josué Roll, do séc. V, de quem
temos apenas uma cópia do século X, tenta perspectivas e figuras em toda
espécie de atitudes. Os quadros são pintados com leves camadas de tinta e as
cores recebem uma gradação graciosa. As iluminuras da Ilíada existente na
biblioteca ambrosiana, (57) aproximadamente da mesma data, têm um
tratamento perfeitamente clássico. Nas obras do século VI, particularmente as
seculares, a tradição alexandrina ainda é respeitada. As iluminuras feitas no
Dioscórides de Juliana Anícia, em cerca de 512, só evidencia influência oriental
por ter as margens das páginas ornamentadas. (58) E até mesmo os manuscritos
do topógrafo cristão Cosme Indicopleustes, o negociante moralista, e
provavelmente copiados do original do século VI, têm ilustrações não-religiosas
executadas no estilo clássico, enquanto as ilustrações de caráter religioso são
profundamente orientais. Na verdade, as iluminuras religiosas ficavam, então,
inteiramente a cargo do orientalismo. As produções foram, não poucas vezes,
magníficas. O Evangelho de Rossano (59) e a Gênese de Viena (60) têm um
fundo purpurino, e as letras são inteiramente prateadas. Os desenhos decorativos
eram, com frequência, ao mesmo tempo delicados e suntuosos. O desenho da
pessoa humana porém era rude e desajeitado; tentava-se sem êxito a perspectiva
vertical para o fundo.

Dessa forma, a arte pictórica bizantina do século VI havia chegado a uma síntese
difícil, na qual predominava a contribuição oriental. As conquistas árabes do
século VII provocaram uma revolução. As províncias semíticas foram decepadas
do império, e cresceu a influência armênia. Os muçulmanos, que não tinham
pela arte representativa nenhuma simpatia, encontraram no Irã, à medida que
avançavam para o Leste, uma arte ornamental que se adaptava admiravelmente
ao seu gosto. Adotaram-na, revitalizando-a. A arte aramaica, com suas figuras
rígidas e intensas, tornou-se privativa dos monges de Bizâncio. O século VII foi
muito agitado para produzir grande número de trabalhos de arte. As únicas
coleções de mosaicos importantes estão em território muçulmano, na cúpula da
Rocha, em Jerusalém, e nos jardins da mesquita de Omã, em Damasco. Os
antigos califas empregavam artistas e arquitetos gregos, mas essas duas obras
parecem antes trabalho de nativos. A primeira consiste de ricos ornamentos com
folhas e decorações geométricas, evidentemente de inspiração iraniana. A
segunda é uma magnífica série de paisagens, árvores, montes e casas, dispostos
num desenho fluente, ricamente coloridos e desenhados com leveza. Mas o
naturalismo não é helênico: o desenho, e não a composição, é o mais importante.
As duas séries representam o auge a que a arte síria chegara, antes que a força
esterilizante do Islã tivesse tempo para atuar (61).

O movimento iconoclasta do século VIII teve um efeito ainda mais profundo na


arte pictórica. Esteticamente, foi uma luta entre armênios e iranianos, na qual
interveio e saiu vitorioso o helenismo, tendo aprendido muito de ambos os rivais.
O edito que proibiu o culto de ícones significava que a arte religiosa
representativa perdia o patrocínio leigo e tornava-se ofício clandestino de
monges perseguidos. Nessas circunstâncias, dificilmente poderia progredir. Ao
invés dela, as autoridades imperiais estimularam a arte de desenhos decorativos,
figuras geométricas e, principalmente, os desenhos de pássaros e folhas tão ao
gosto de armênios e iranianos. A pintura da figura humana não podia, entretanto,
ser suprimida — apenas secularizou-se. Os artistas utilizavam a pintura
decorativa de pássaros, animais e árvores em cenas de caça, que a impiedade dos
imperadores iconoclastas consideravam próprias para a ornamentação de igrejas.
Mas o bizantino era bastante oriental para amar as histórias. Se não lhe era
permitido contar histórias religiosas, se não podia pintar o Cristo na Cruz, ou os
santos aguardando o martírio, voltava à sua outra fonte de lendas, a mitologia
clássica. O século IX trouxe um renascimento clássico, recebido com satisfação
pela arte, mas que provocou, inevitavelmente, o reaparecimento de todas as
velhas teorias helênicas sobre a pintura. As figuras já não ficavam eretas, de
frente, mas se colocavam em atitudes graciosas; a perspectiva voltava a
participar do quadro. Mas esse neo-helenismo foi enriquecido pelos desenhos do
Oriente, pelos pavões e pelas folhagens. Nenhuma manifestação importante
dessa arte secular sobreviveu. Conhecemo-la apenas através de descrições, como
a dos saguões construídos e decorados por Teófilo no Grande Palácio, e dos
mosaicos da sala principal do palácio de Digenes Acritas — embora este tivesse
sido levantado após a derrubada do iconoclasmo e quadros de Moisés e Sansão
ficassem lado a lado com o de Aquiles e Alexandre. O manuscrito de Cinegética
de Opiano, em Veneza, do século X, dá uma ideia desse estilo. Os temas são
quase idênticos aos descritos em Digenes e enriquecidos por cenas de caçadas
em medalhões decorativos.

A vitória das imagens trouxe a religião de volta à arte. Mas seus patronos,
especialmente em Constantinopla, passaram a gostar do estilo neo-helênico. Os
pintores religiosos tiveram de adaptar-se a um público helenista, tal como os
pintores helênicos, quatro séculos antes, a um público religioso. A síntese desse
conflito constituiu um êxito notável. Os séculos X e XI são os melhores períodos
da arte bizantina, tanto na escultura como nas artes da pintura. As duas correntes,
a helênica e a aramaica, ainda podem ser identificadas, mas agindo em conjunto.
Os pintores religiosos, como os artistas que decoraram a Igreja de São Lucas, em
Fócia, no século X, têm todo o fervor e intensidade dos séculos primitivos, o
desenho e o colorido têm a mesma ousadia, mas já sem aquela rudeza, com
grande variedade de atitudes, e transformando a antiga rigidez em dignidade de
porte. O Livro dos Salmos existente no Museu Britânico, e que foi completado
em 1066 por Teodoro da Cesaréia, é do mesmo gênero. As figuras são bem
desenhadas, e embora não tenham fundo, guardam um sentido de profundidade.
A própria Constantinopla preferia um sabor mais helênico nessa síntese. O Livro
de Salmos do século X, existente na Biblioteca Nacional de Paris, e o de Basílio
II, atualmente em Veneza, (62) recuam quase até o helenismo do século V,
sendo talvez influenciados por um antigo modelo alexandrino. Apenas uma certa
objetividade na composição demonstra a influência da Igreja. O famoso
Menológio de Basílio II, existente no Vaticano, mostra uma mistura de origem
um pouco maior ainda — e que foi melhor sucedida, embora uma certa
monotonia prejudique um pouco o efeito. Nele, a figura principal se destaca, por
vezes com intensidade, contra um fundo simples de arquitetura formal, ou de
paisagem. O desenho é simples, mas elegante e funcional; o colorido é rico, mas
bem graduado. Cada quadro é emoldurado por uma margem de desenho
diferente. À mesma síntese pode ser observada nos mosaicos da Igreja de Nea
Moni, em Quios, e numa forma ainda mais perfeita, na Igreja de Dafni, na Ática
— ambas construídas no século XI. Falta-lhes, porém, a força e o sentimento dos
mosaicos de São Lucas, e em Dafni o corpo inclinado e as faces delicadas dos
santos tornam-se ainda mais graciosas e frágeis em contraste com o Cristo
Pantocrator da cúpula, onde um hábil artista monástico deu toda asa à sua
concepção da majestade de Deus, sem procurar conciliá-la com o gosto de
Constantinopla.

No século XII, a influência helenizante continuou, embora a expensas da força e


da unidade. Os mosaicos executados pelos artistas gregos para Manuel, na Igreja
da Natividade, em Belém, são decorativos inexpressivos, ao passo que os
executados pelos mestres bizantinos para os governantes normandos da Sicília
são ricos e esplêndidos, faltando-lhes estranhamente, porém, qualquer força
espiritual. O grande Cristo de Monreale não tem metade da força expressiva do
Cristo de Dafni. Há nos mosaicos de Veneza e Torcelo o mesmo defeito. Notam-
se neles a habilidade e o valor decorativo, mas não a intensidade da arte
bizantina primitiva.

A conquista latina não teve sobre a arte bizantina o efeito mortal que se tem
pretendido, A queda da cidade causou a diáspora; o trabalho das escolas e suas
tradições foram interrompidos. Além disso, durante o século XIII as condições
políticas eram muito instáveis para permitir o florescimento artístico, e depois
dele o império, mesmo após a retomada de Constantinopla, era muito pobre para
patrocinar a aquisição dos materiais até então usados. Os mosaicos, que haviam
sido o meio de expressão favorito, eram caros. Os afrescos tomaram lugar de
destaque nos palácios. A pintura do afresco fora praticada desde as épocas
remotas como substitutivo do mosaico nas regiões mais pobres, ou nos locais das
igrejas e palácios considerados menos importantes. Seu estilo seguia o dos
mosaicos contemporâneos, exceto em regiões remotas, como as igrejas de rocha
na Capadócia, onde uma austera, mas eficiente, tradição monástica aramaica
permaneceu ininterrupta. Os novos afrescos tornaram-se, então, as formas mais
importantes de pintura. A técnica do afresco introduzia novas possibilidades,
permitindo uma certa dramaticidade, quase sentimentalismo, praticamente
impossível nos mosaicos. Os bizantinos da época dos Paleólogos eram clássicos
convictos — o helenismo revigorara suas energias, mais uma vez. Reapareceram
neles a perspectiva, os desenhos complicados da figura humana, os fundos. Era
porém um helenismo sem alegria de viver. O vigor presente neles era antes fruto
da vontade do que espontâneo, e deixa entrever, através de uma certa tensão, o
misticismo acendrado dos ortodoxos. O resultado foi uma arte muito próxima da
praticada pelos pintores de Siena, e possivelmente influenciada por eles, já que
Oriente e Ocidente estavam em contato íntimo, então. Entretanto, as datas
inscritas em alguns afrescos desse tipo, nos altares laterais de São Demétrio da
Tessalônica são muito antigas para justificar tal hipótese. (63) Talvez seja
possível ver a origem comum da pintura italiana e da pintura de Bizâncio na fase
final, na Armênia Cilícia, cujos manuscritos iluminados do século XIII
combinam riqueza e força com um humanismo gracioso, que os bizantinos não
conheceram nunca. As iluminuras bizantinas voltavam, entretanto, aos velhos
modelos helênicos, ao estilo alexandrino dos séculos IV e V, tornados mais leves
por um toque da decoração posterior.

A dramaticidade humana chegou a penetrar também os mosaicos. Na Igreja de


Cora, em Constantinopla, os mosaicos feitos por Teodoro Metoquites, com todo
seu esplendor, exprimem antes emoções humanas do que a força espiritual das
épocas anteriores, evidenciando ainda a fraqueza helênica.

A dramaticidade perdurou, mas aos poucos a luta entre helenos e orientais


recomeçou. Na capital, manteve-se a arte formada pela síntese das duas
correntes, mas a pintura bizantina nas províncias dividiu-se em duas escolas,
habitualmente chamadas de macedônia e cretense. A primeira, emanada da
Sagrada Montanha, Atos, embora sentisse em 1300 a influência sienita, ou quase
sienita, desenvolveu-se dentro dos padrões de objetividade e austeridade
monástica. Embora mostrasse um certo sentimento da tragédia humana, sua
ousadia e liberdade tornavam-na mais adequada às manifestações impessoais,
aos espaços largos. A escola cretense estava em contato mais íntimo com a
Itália, particularmente com Veneza. Ainda que basicamente bizantina, e helênica
na gradação dos tons e na contenção, adquiriu um certo encanto e intimismo. No
século XVI, foi bastante vigorosa para expulsar a escola macedônia do próprio
monte Atos. Mas já então o império tinha caído, a arte secular estava morta e a
Igreja tomara a si o controle da arte eclesiástica, determinando como e onde cada
cena sagrada e cada santo deveriam ser pintados.

Somente os painéis de ícones permitiam ainda ao artista uma certa (64) latitude,
e poucos dos painéis anteriores ao século XVI sobreviveram, embora sua pintura
devesse ter sido frequente desde os primeiros dias do império, e tenham chegado
até nós alguns pequenos painéis em mosaicos. Mas o painel de madeira, ou o de
tela, mais raro, era provavelmente demasiado perecível.

As artes menores de Bizâncio seguiram, na medida em que sua natureza o


permitia, a moda da pintura e do baixo-relevo. Os bizantinos brilharam em todas
as artes decorativas. O trabalho com materiais ricos, o ouro, o verniz ou a seda
era-lhes extremamente adequado, pois tanto a contenção clássica como a ousada
simplicidade religiosa davam às suas obras o valor decorativo que tinham,
mantendo ao mesmo tempo a suntuosidade do assunto, sem sobrecarregá-lo. Os
trabalhos em metal fazem antes parte da escultura. As sedas, os brocados, a
púrpura ou as aplicações bordadas com ricos fios de ouro tinham em geral uma
figura ou um animal no medalhão, repetindo-se noutro medalhão semelhante,
voltado para a direção oposta. A seda viera, a princípio, da Pérsia, e era portanto
natural que predominassem os desenhos baseados em motivos persas da época
dos Sassânidas, principalmente por serem tão adequados ao gênero. Os brocados
bizantinos mantiveram-se sempre fiéis à arte decorativa iraniana, embora o
desenho se modificasse, ocasionalmente, pela influência clássica.
Também na arte do esmalte o Oriente triunfou. Bizâncio foi pioneira nesse setor.
Encontram-se raros exemplos de esmaltes vindos das épocas romano-egípcias,
mas a arte do cloisonné foi praticamente criada pelos artesãos bizantinos. A
técnica é trabalhosa; as linhas da base — quase invariavelmente feita de ouro,
metal mais adequado à fusão a altas temperaturas — colocadas entre as várias
placas de cor, preservavam a delicadeza de qualquer desenho, particularmente
pelo fato de que o todo nunca podia ter mais de alguns centímetros de
comprimento ou largura. Os desenhos decorativos eram quase sempre, os de
maior efeito. Mas o bizantino, com seu sentimento religioso, não podia deixar de
colocar a arte a serviço do cristianismo. Introduziu nos medalhões figuras
humanas, desenhadas da forma mais simples possível, num fundo chato, Era
impossível manter o estilo helênico. No século XI, entretanto, quando a arte
bizantina estava em seu apogeu, os artesãos haviam aperfeiçoado a técnica a tal
ponto que podiam reproduzir no cloisonné não só retratos com uma razoável
semelhança, mas também, como na coroa que Constantino IX deu ao Rei André
da Hungria, figuras de dançarinos com extraordinária delicadeza e vigor. Nos
últimos dias do império 0 esmalte, como outros materiais artísticos refinados, era
muito caro para ser usado livremente.

Os trabalhos de Nielo e Damasceno foram feitos em Constantinopla. Seus


desenhos eram semelhantes aos desenhos contemporâneos em medalhões de
esmalte.

É difícil falar do vidro e da cerâmica bizantinos, (65) já que foram poucos os


exemplares que chegaram até nós, particularmente da cerâmica. Á técnica parece
ter sido surpreendentemente rudimentar, e a inspiração dos ornatos
principalmente iraniana ou sarracena. Numa igreja do século X, em Patleina, na
Bulgária, encontrou-se um ícone de cerâmica de São Teodoro. Sua inspiração é
claramente bizantina, mas não conhecemos nenhum ícone de cerâmica
semelhante, de origem bizantina.

Fazer justiça à arte bizantina num espaço tão limitado é difícil. Durante muito
tempo, ela foi desprezada e somente agora começa a receber a devida
apreciação. A energia da pesquisa moderna está ampliando seu âmbito,
propiciando melhor compreensão. Afrescos desconhecidos são descobertos,
mosaicos há muito ocultos por várias camadas de tintas estão sendo recuperados.
Historiadores e estudiosos da estética concentram suas atenções sobre essas
descobertas, com uma intensidade nova. Dentro de uns poucos anos, poderemos
avaliar melhor a grande dívida que o mundo da beleza tem para com os artistas
de Bizâncio.
XII. OS VIZINHOS DE BIZÂNCIO

Supõe-se frequentemente que o papel de Bizâncio na História foi passivo:


constituir, por cerca de mil anos, o baluarte da cristandade contra o infiel
oriental-persa, árabe ou turco — e preservar para a Renascença Ocidental os
tesouros da literatura e do pensamento clássicos. Os que assim julgam
esquecem-se de que, durante toda a sua existência, o império exerceu uma
influência ativa sobre a civilização do mundo, que a Europa oriental devia quase
toda a sua civilização aos missionários e estadistas de Constantinopla e, além
disso, que a Europa ocidental estava permanentemente em débito para com ele,
muito antes que os eruditos levassem os manuscritos e o neoplatonismo de
Bizâncio para a Itália, e que o Islã recebia um fluxo constante de ideias, vindas
do Bósforo.

Até a tomada pelos latinos, Constantinopla era a capital indiscutida da


civilização europeia. O ocidental podia fingir desprezo por Bizâncio, acusando-a
de luxúria e esperteza, mas a riqueza e as facilidades existentes em
Constantinopla faziam dela uma cidade encantada, com que sonhavam os
homens da França, da Escandinávia, da Inglaterra. Na Europa oriental, junto
mesmo das portas da cidade, o efeito era imensamente maior. Está ela próxima
daquelas sombrias planícies da Ásia que lançavam onda após onda de bárbaros
no mundo civilizado. Mesmo na península balcânica, o choque das invasões
godas, dos hunos e dos avaros apagaram os traços da velha civilização romana.
Quando finalmente a região foi inundada pelos eslavos, não encontraram eles
tradições locais, nem trouxeram tradições próprias. Viam apenas num dos
extremos da península uma enorme, brilhante e invencível cidade, cuja idade,
comparativamente reduzida na realidade, parecia-lhes imensurável, remontando
a um passado de que não tinham consciência. Tsarigrad, a cidade do imperador,
tornou-se para eles sinônimo de civilização.

Em princípios do século VII os eslavos dos Balcãs reconheceram a soberania do


Imperador Heráclio. Mas durante os dois séculos seguintes o império foi
assolado pelo caos, pelos grandes ataques dos sarracenos e as perseguições dos
iconoclastas. Somente no século IX Bizâncio pôde voltar para os eslavos uma
atenção mais do que pragmática. Enquanto isso, várias modificações ocorriam
entre eles. Em fins do século VII, uma tribo húngaro-huna, a quem davam o
nome de búlgaros, atravessara o Danúbio (66). Não eram, provavelmente, muito
numerosos, mas possuíam a capacidade de organização que faltava aos eslavos.
Gradualmente, levantaram um forte reino que ocupou todo o interior da
península, e lá pelo ano 800 controlavam a Transilvânia e a planície valáquia.
Enfrentaram as tropas imperiais em várias guerras; em 811 seu chefe, o cã
Krum, matou numa batalha o Imperador Nicéforo I. Até então, os búlgaros se
haviam mantido fora do alcance da civilização. O cã Krum (cerca de 797-814-) e
seu filho Omortag (815-833) foram, porém, administradores hábeis. Sob seu
governo ordeiro, gregos e armênios começavam a penetrar no país. Os cãs
queriam residências reais, e gregos e armênios iam construí-las. O país oferecia
oportunidades ao comércio, que os negociantes do imperador não desprezaram.
Nas guerras, as grandes fortalezas de Adrianópolis e Mesêmbria estiveram,
durante certo tempo, em mãos dos búlgaros. Os cativos e as mercadorias
capturadas falavam dos recursos e da riqueza da civilização bizantina. Mas os
cãs eram, a princípio, desconfiados, e evidenciaram seu alarme perseguindo
quaisquer mostras de cristianismo que surgiam. Gradualmente, o elemento
búlgaro fundiu-se mais com o eslavo, e o reino da Bulgária experimentou por
Constantinopla urna atração irresistível. Finalmente, em 865, o cã Bóris, neto de
Omortag, resolveu — em parte devido às necessidades diplomáticas imediatas,
em parte devido a uma política previdente — converter-se ao cristianismo.
Prontamente, o governo imperial enviou-lhe missionários. Os bizantinos
acorreram ao palácio de Plisea. Após seu batismo, Bóris — com o nome de
Miguel, e tendo como padrinho Miguel III — procurou aproximar-se de Roma,
para ver se encontrava ali uma forma mais conveniente de cristianismo. A
intransigência e a disciplina romanas, porém, não foram de seu agrado. Voltou à
Igreja de Constantinopla, e recebeu do Patriarca Fócio o estímulo para uma
igreja vassala autônoma, usando a liturgia no vernáculo.

O estabelecimento final de uma Igreja Búlgara foi auxiliado por um movimento


missionário contemporâneo, criado por Bizâncio. Ao término do século VIII
Carlos Magno, com os búlgaros auxiliando-o no outro flanco, destruiu o reino
que os avaros tinham estabelecido nas planícies do Danúbio Central, pouco mais
de um século antes. Mas os francos ganharam muito pouco com a vitória. Meio
século depois a planície era dominada pelo grande reino eslavo dos morávios.
Em 862 Rostislav, o rei morávio, decidiu que um monarca tão grande como ele
devia ser cristão, e mandou pedir instruções a Constantinopla. O Regente Bardas
e o Patriarca Fócio escolheram para missionário um de seus amigos, o
macedônio Constantino ou Cirilo, linguista distinto, que realizara experiências
com a filologia eslava e inventara um alfabeto para satisfazer as necessidades
das línguas eslavas. Cirilo e seu irmão Metódio partiram para Morávia e ali
fundaram uma Igreja que tinha tanto a Bíblia como a liturgia no vernáculo. A
Igreja Morávia, porém, era muito jovem para sustentar-se sozinha.
Constantinopla estava muito longe e entre elas havia o reino da Bulgária. Cirilo,
encontrando cristãos latinos entre seus vizinhos, resolveu colocar sua Igreja sob
a sé de Roma. O grande Papa Nicolau I aceitou com alegria a filiação. Mas
Roma nunca viu com simpatia as liturgias no vernáculo. Após a morte de Cirilo
e de Nicolau, os novos papas criaram tantas dificuldades para Metódio e os
bispos latinos da Alemanha intrigaram de tal forma contra ele, que o monarca
morávio, Svatopulk, sucessor de Rostislav, desanimou. Quando Metódio morreu,
sua obra de aproximação com o cristianismo fracassava. A conselho dos latinos,
seus principais discípulos foram banidos da Morávia, ao passo que os adeptos de
menor projeção eram vendidos nos mercados de escravos de Veneza, onde o
embaixador bizantino os comprou e mandou para Constantinopla. Fócio
recebeu-os com prazer, e com eles fundou um seminário para missionários
eslavos. Enquanto isso, os discípulos exilados chegavam à Bulgária, onde não
eram menos bem recebidos por Bóris, que os utilizou para “eslavonizar” sua
Igreja. Com seu auxílio e o patrocínio do imperador e do patriarca, começou a
existir a Igreja da Bulgária autônoma que empregava apenas a língua nativa.

Morávia perdeu, assim, os frutos do trabalho dos irmãos macedônios. Pouco


depois, era castigada por sua ingratidão. Em fins do século os ímpios magiares
invadiram a planície do Danúbio e extinguiram o reino morávio. Foi a Bulgária
que impediu que a obra de Cirilo perecesse, e os búlgaros, fino-húngaros de
origem, têm a glória de terem sido o primeiro grande Estado civilizado entre os
eslavos.

Era uma civilização muito bizantina, apesar de ter um alfabeto próprio. Simeão,
filho de Bóris, que se intitulava tzar e principal patrono da nova cultura, fora
educado em Constantinopla, onde lera muito Demóstenes e João Crisóstomo. Os
tradutores afluíram à sua corte para passar ao eslavo as crônicas, homílias e
romances gregos; seus edifícios na enorme capital, Preslav, copiavam e
concorriam ambiciosamente com os esplendores de Constantinopla — embora
escavações mais recentes mostrem acentuada influência iraniana, como na maior
parte da arte búlgara primitiva. Isso se deve, sem dúvida, em grande parte aos
artesãos armênios, que já haviam chegado, em grande número, à Bulgária.
Entretanto, os modernos historiadores búlgaros veem nela traços de uma arte
nativa proto-búlgara, levada pelos nômades búlgaros ao norte do Mar Negro,
durante as migrações.

O Tzar Simeão inaugurou nova moda, copiada por seus sucessores e pelos
vizinhos sérvios, até os dias de Fernando, o Coburguense. Sonhava ele em reinar
em Constantinopla, como herdeiro de todos os césares. Coroou-se imperador e
deu à sua Igreja um patriarca, lançando-se em seguida contra as muralhas de
Constantinopla. Foi em vão. Seu filho Pedro (927- 969), embora mantivesse o
título imperial e patriarcal, desposou uma princesa bizantina, e o governo como a
cultura caiu sob a influência bizantina,

Quando Bizâncio recuperou sua força em fins do século X, tomou a si a tarefa de


esmagar o nascente império dos búlgaros. Foi um trabalho lento, porque os
búlgaros lutaram arduamente, sob a chefia do Tzar Samuel. Basílio II, o matador
de búlgaros, concluiu a conquista. Mas, embora a Bulgária ficasse reduzida a
uma província, deixaram-lhe sua língua e a organização de sua igreja — o
núcleo de um novo reino independente, quando surgisse a oportunidade. Além
do mais, ela havia inaugurado uma nova civilização, devendo tudo — literatura e
arte — a Constantinopla ou aos armênios, mas eslava em si mesma.

A Sérvia se convertera durante as missões dos irmãos macedônios. Como


inimiga inevitável da Bulgária, ela caiu na órbita de influência de
Constantinopla, mas era muito pobre, de início, para ter qualquer civilização
firmada. Os Estados servo-croatas localizados mais para o oeste voltavam-se
antes para o Adriático. Também eles eram filhos espirituais de Cirilo, mas
somente Rascia (Montenegro) manteve-se fiel a ele. A Croácia, surgindo como
grande potência militar em fins do século IX, compreendeu, sob o reinado de
Tomislav, que suas ambições na Dalmácia tornavam imprescindível a boa
vontade de Roma. Nos Sínodos de Espalato, em 924 e 927, a Croácia e os países
de sua esfera passaram à liturgia latina. Sua civilização teve, portanto, um
colorido latino-dalmácio, sendo bizantina apenas de segunda mão.

A derrocada do primeiro Império Búlgaro fora auxiliada pelo aparecimento, na


Bulgária, da heresia iniciada pelo Padre Bogomilo e que era indubitavelmente
influenciada pelos hereges armênios paulicios. Era um credo dualista,
desaprovando ao mesmo tempo o trabalho e a procriação, e adotando uma
atitude de resistência passiva, fatal a um Estado. Produziu uma literatura nativa
de lendas e contos de fadas, alguns deles indígenas, mas na sua maioria de
origem grega, armênia ou oriental. Na Bulgária, as autoridades imperiais
esmagaram os bogomilos no século que se seguiu à conquista. Mas a doutrina
difundiu-se pelo Oeste, em direção à Sérvia, e firmou-se na Bósnia e na Croácia.
Foi, na primeira, a religião predominante, até a chegada dos turcos.

O século X viu um segundo grande movimento missionário. Os russos, como os


búlgaros, eram um povo eslavo organizado por uma aristocracia estrangeira. (67)
Bizâncio mantivera, durante algum tempo, contatos com os grão-duques de
Novgorod e Kiev, que mandavam todo ano flotilhas a Constantinopla para
comerciar, e ocasionalmente assaltar, e haviam adquirido certos direitos
comerciais na capital. Em meados do século, a Grã-Duquesa Olga convertera-se
ao cristianismo e fizera uma visita a Constantinopla. Cinquenta anos mais tarde,
aproximadamente, seu neto Vladimir, o Grande, concordou em batizar-se, bem
como a seus súditos, em troca da mão da irmã do imperador, Ana. A partir de
então, a influência bizantina generalizou-se rapidamente na Rússia. Foi
permitida aos russos a utilização da liturgia e do alfabeto cirílico, e fizeram bom
uso de ambos. Foram os únicos dos povos eslavos que produziram uma literatura
que não consistia meramente de traduções. Suas crônicas, como as chamadas
crônicas de Nestor e de Novgorod, são trabalhos históricos de mérito. Sua arte,
de origem bizantina, adquiriu características próprias, em grande parte pelas
influências recebidas do Oriente. A grande Igreja de Santa Sofia, em Kiev, cujos
planos gerais e os mosaicos são bizantinos, tem características que a aproximam
das igrejas da Geórgia, e esse intercâmbio de ideias aos poucos deu origem, a um
estilo genuinamente russo. É difícil dizer até que ponto desenvolveu-se a
civilização medieval russa. O país era amplo e difuso, e no século XIII sofreu a
invasão dos mongóis, que sufocaram seu crescimento e perturbaram-lhe a
orientação. Quando a Rússia ressurgiu, era um país oriental. Até a Igreja, não
mais inspirada pelo pensamento dinâmico de Bizâncio, mergulhou na
passividade. As mulheres eram mantidas em reclusão, a ignorância e o
analfabetismo invadiram mesmo a aristocracia. Pouco mais do que fórmulas e
hábitos sem conteúdo, e o alfabeto cirílico, lembravam à Rússia a influência
bizantina. Os Romanovs introduziram um híbrido verniz bizantino-ocidental e
deram ao país uma grandeza superficial — mas o Oriente triunfaria ainda uma
vez. A mesma autocracia impiedosa e impessoal permitiu a Stalin, como a
Genghis-Cã, governar do Báltico ao Pacífico.

Na verdade, nenhum dos afilhados de Bizâncio pôde atingir a maturidade em


paz. A Bulgária e a Sérvia reviveram em fins do século XII, e cada uma delas
fundou impérios; o primeiro teve a duração de quase dois séculos, antes de cair
frente aos turcos; o segundo durou cem anos mais, até que a campanha de
Kosovo o reduzisse a uma vassalagem que logo se tornou escravidão. Ambos
desenvolveram uma civilização bizantina. A história da Bulgária sob a dinastia
Asen é obscura. Pouco sobreviveu de sua literatura, e os registros existentes são
esparsos e confusos. Mais de uma vez os tzares ameaçaram Constantinopla,
durante o Império Latino. Mas a recuperação dos Paleólogos e o crescimento do
império rival da Sérvia obscureceram os búlgaros. Tzares influentes, sérvios ou
nascidos em Bizâncio, enfraqueceram-lhe a independência. Não obstante,
produziram uma arte que se pode ver nas igrejas de Brnovo e nos afrescos de
Boiana, cujas características básicas são bizantinas, mas que apresenta um
caráter próprio, na simplicidade da forma e no colorido mais quente.

O Império Sérvio foi mais faustoso. Na verdade, no século XIV o Tzar Estêvão
Dusan era provavelmente o monarca mais poderoso da Europa, e Constantinopla
parecia indubitavelmente ao seu alcance. O disciplinado sistema de governo
búlgaro prestava-se facilmente à imperialização. A Sérvia tinha, porém, um
sistema nativo que quase podia ser chamado de feudal — o monarca não era, de
forma alguma, senhor absoluto de seus vassalos. A Sérvia não chegou, por isso,
a ser inteiramente bizantina, mas sofreu constantemente sua influência. Várias
princesas bizantinas casaram-se ali, muitas embaixadas partiram de
Constantinopla para a corte sérvia — que princesas e embaixadores descreveram
como desconfortável e austera. (68) Quando Estêvão Dusan resolveu promulgar
um código, foi nos livros de Direito de Bizâncio que mais se inspirou, mantendo
entretanto o feudalismo básico do país. A arte pictórica sérvia era muito
bizantina, embora a arquitetura tivesse desenvolvido características nacionais. A
proximidade da Dalmácia e uma rainha latina, Helena, filha do imperador latino
e mulher de Estêvão Uros I, deram à Sérvia no século XIII uma tintura ítalo-
gótica. No século XIV, sua idade de ouro, os ideais e as rainhas bizantinas
dominavam novamente; os arquitetos sérvios, porém, conservaram ideias
próprias. Mas como a Rússia, nem a Bulgária nem a Sérvia tiveram tempo de
levar seu desenvolvimento à plena maturidade. Os turcos logo os reduziram à
escravidão, e sua civilização desmoronou — salvando-se apenas o que a Igreja,
lutando com humildade contra dificuldades inumeráveis, conseguiu, pela
tenacidade, preservar.

Não é, portanto, justo julgar a obra missionária bizantina pelo estado atual dos
países balcânicos, pois estes só recentemente emergiram de uma noite de quatro
séculos. Ao invés disso, deveríamos compará-los, tal como eram antes da
conquista turca, com o Ocidente do século XIV — comparar a Catedral de
Salisbury com a grande igreja servia de Gratchenitsa. A primeira pode alçar-se
em direção ao céu, graciosamente; a segunda, com a simplicidade de seu
desenho, a economia de seu equilíbrio, a rica mas discreta decoração de seu
interior, é obra de um povo não menos espiritual, mas muito mais requintado e
culto.

Em outros países da Europa a influência bizantina não chegou nunca a dar frutos
maduros. Na Hungria como na Croácia, seus primeiros êxitos deram lugar à
influência de Ocidente e de Roma. Na Valáquia e na Moldávia só surgiram
Estados permanentes durante o declínio de Bizâncio. A influência bizantina se
fez sentir neles indiretamente, através de búlgaros e sérvios, e possivelmente
com mais intensidade, através dos russos, sobre os lituanos, e destes de volta ao
Danúbio — mas o problema da influência lituana e de suas origens é ainda
assunto controverso. Foi somente sob os turcos que os governadores Fanariotas
deram a seus principados uma forma superficial e deturpada de bizantinismo.

Os bizantinos realizaram outras missões, que falharam. Os cazares se obstinaram


em considerar o judaísmo como religião melhor do que o cristianismo, e nem
todo o esforço de Santo Cirilo, que aprendeu cazar e hebraico para realizar sua
tarefa, conseguiu convencê-los. Os alanos das encostas norte do Cáucaso
converteram-se, por algum tempo, em princípios do século X. Mas sentiram logo
que a fé cristã era insípida para seu gosto, e exilaram todos os padres.

As relações de Bizâncio com as nações ao sul do Cáucaso — armênios, georgios


e albanos — eram algo estranhas. Na verdade, a influência armeniana sobre
Bizâncio foi provavelmente maior do que a influência bizantina na Armênia.
(69) O cristianismo fora levado aos armênios no século III por São Gregório, o
Iluminador, partindo do oriente grego. Antes da vitória da Igreja, ou da fundação
de Constantinopla, o cristianismo era a religião oficial da Armênia, embora
tivesse sofrido alguns retrocessos. Os armênios tinham grande orgulho de seu
velho cristianismo e, ao não serem consultados no Quarto Concilio Ecumênico
da Calcedônia, rejeitaram seus decretos. A partir de então, passaram a ser
cismáticos, e para os espíritos ortodoxos, ligados aos monofisitas. Houve, assim,
uma desconfiança mútua entre o império e a Armênia, fortalecida pela ligação
armênia com a civilização persa — a primeira grande dinastia armênia, os
Arsácidas, era um ramo da família real parta e, durante as guerras imperiais
contra os Sassânidas, a Armênia foi o campo de batalha habitual, continuamente
devastada por ambos os lados. Devido às ligações com a Pérsia, a arte e a
arquitetura armênias adquiriram traços dos Sassânidas, que ali desenvolvidos
foram levados, de tempos em tempos, para o Ocidente, para dar nova vida à arte
do império.

Após a queda dos Sassânidas, os árabes dominaram a Armênia durante dois


séculos. Nada lucraram eles com a civilização árabe, e pouco com a de
Constantinopla. Muitos armênios partiam para buscar fortuna no império, e eram
poucos os que regressavam. Foi no século IX que a ligação entre a capital e a
Armênia voltou a estreitar-se. Uma grande dinastia nativa surgiu nas encostas do
monte Ararate, os Bagrátidas, que pretendiam descender de Davi e Betsabé e
consideravam a Virgem Maria como sua prima. Estabeleceram uma certa
hegemonia sobre os principados menores que enchiam os vales armênios; seu
título de rei dos reis foi reconhecido tanto em Bagdá como em Constantinopla e
gradualmente, após um retrocesso em princípios do século X, libertaram-se do
domínio árabe. Receberam, para isso, grande ajuda do crescente poder do
império, sob a dinastia macedônia, que se considerava ancestral dos Bagrátidas.

O século X foi a idade de ouro da Armênia. Nessa época, os seus melhores


edifícios, em Aktamar e em Ani, foram construídos; os seus melhores
historiadores, João, o Católico, e Tomás Ardzruni, escreveram. É difícil, porém,
dizer até que ponto essa civilização foi influenciada por Bizâncio. Os armênios
ainda se dirigiam ao império em grandes números, mas os que permaneciam em
sua nação eram fortemente nacionalistas, nutrindo pelos gregos cismáticos e por
suas obras um verdadeiro ódio. Sua literatura, após o século IV, nada devia aos
gregos. Um armênio, São Mesróbio, inventara um alfabeto próprio — sobre
bases gregas, é certo — e seus historiadores antigos, como Fausto de Bizâncio e
Ananias de Xiraque, tinham um estilo nativo e ingênuo. A Igreja armênia tinha
organização própria, com seu primado, o Católico — prelado que habitualmente
tinha o sobrinho como sucessor. Até mesmo os escritores da idade dourada
desconheciam, evidentemente, o grego. Não obstante, Constantinopla exercia
uma atração irresistível. Era em Constantinopla que os armênios esperavam
enriquecer; para Constantinopla iam suas princesas, cujo prestígio aumentava ao
serem recebidas pela corte imperial. Os príncipes das províncias mais próximas
do império, como Taron, mantinham mesmo um palácio em Constantinopla e
muitos deles se casaram com bizantinas. Entre esses príncipes e aventureiros, as
idiossincrasias da Igreja Armênia desapareciam rapidamente.

Mas nos vales do Ararate, eles continuavam sendo obstinadamente nacionalistas.


Bizâncio tentou todos os recursos para estabelecer sua influência, e o Imperador
Romano III chegou a casar sua sobrinha Zoé com o rei Bagrátida João Sembat.
Os armênios, porém, continuaram sem merecer muita fé, e o governo imperial
acabou decidindo que a nação devia ser anexada, como precaução contra o
provável ataque dos seljuques. Os príncipes de Taron já faziam parte da família
bizantina dos Taronitas; o principado de Ardzruni, de Vaspurakan, às margens
do lago Van, fora tomado em 1023. Em 1044 o Rei Bagrátida Gagic II foi
deposto e seu país tornou-se um dos “temas” imperiais. Gagic recebeu uma casa
em Constantinopla e grandes propriedades na Ásia Menor, onde provocou
escândalo ao convidar o bispo Marco de Cesaréia a jantar, e assassinando-o
juntamente com seu cachorro, porque o bispo, tendo pelos armênios o mesmo
sentimento que os ingleses do século XVIII tinham pelos escoceses, chamou o
cão de “armênio”.

O governo bizantino foi conciliador. Os armênios continuaram com sua Igreja e


sua língua. Basílio II já havia orientado a política nesse sentido. Quando estava
na Trebizonda, em 1022, convidou Católico para presidir a Bênção das Águas na
Epifania. Após a anexação, quando Constantino IX chamou Católico a
Constantinopla, nomeou seu sobrinho como o “sincelo” da Igreja Armênia,
dando-lhe assim um reconhecimento oficial.

Mas a anexação foi inútil. Em três décadas, a Armênia e grande parte da Ásia
Menor, tinham passado às mãos dos turcos. Como os povos balcânicos alguns
séculos mais tarde, o povo do Ararate foi esmagado pela servidão — só sua
Igreja manteve vivo o ânimo, governando-o da Igreja metropolitana de
Etchmiadzan, onde ainda existem os ossos de seus mártires, um pedaço da Cruz
e uma tábua da arca de Noé.

Não obstante, a vitalidade dos armênios era inquebrantável. Vencendo o caos,


construíram na Cilícia um novo reino, vassalo do Império Bizantino no século
XII, mas Estado independente de considerável poder e riqueza no século XIII. É
difícil fazer uma estimativa da influência mútua entre o império e essa Armênia,
mas provavelmente foi menor do que a influência mútua entre a Armênia e os
cruzados do Ocidente. Na verdade, em seus últimos dias, o reino foi um
apanágio dos governantes franceses de Chipre. Tanto na pintura bizantina como
italiana, a influência cilicia-armênia foi provavelmente considerável.

Com os povos além da Armênia — albaneses, circassianos e as tribos do


Cáucaso, das quais o geógrafo árabe Mas’udi, do século X, disse que só Deus
sabia o número, (70) Bizâncio teve poucas relações, embora seus nomes
estivessem anotados nos registros diplomáticos imperiais. Apenas os georgios
tiveram um papel destacado no mundo bizantino. (71) Com seus vários
descendentes — abasgianos, mingrelianos, iberos — os georgios se haviam
convertido ao cristianismo pouco depois dos armênios, e o mesmo São
Mesróbio, com sua capacidade inventiva, dera-lhes um alfabeto. Mas ao
contrário dos armênios, continuaram em perfeita comunhão com a Igreja
Ortodoxa.

A história georgia antiga é obscura. No princípio do século VIII Leão, o Tsáurio,


ainda jovem, chegou uma missão diplomática aos montes georgios, e ali teve
grandes aventuras. Provavelmente, sua missão era principalmente a de recrutar
homens, pois a função básica do Cáucaso era, para os bizantinos, fornecer
mercenários. A Geórgia só surgiu como país civilizado em fins do século IX,
quando uma dinastia abasgiana governou o país de suas fortalezas no litoral do
Mar Negro, conquistando seu poderio a princípio em consequência da política
bizantina, mas em fins do século X interferindo — nem sempre para ajudar —
nas guerras civis imperiais. Em princípios do século XI os abasgianos fundiram-
se com um ramo da dinastia Bagrátida, que atingira seu zênite com a rainha
Tamar (1181-1212) e durou até o século XIX. Os georgios foram sempre
receptivos às influências bizantinas, particularmente após a fundação do império
de Trebizonda, podendo encontrar-se ideias bizantinas em sua arquitetura e nas
iluminuras de seus livros, apesar dos fortes traços sassânidas-armênios que
perduram em seu estilo. As igrejas, altas, mais largas do que compridas, com
pequenas janelas e cúpulas sob tetos cônicos de acentuada inclinação, eram
características do país, embora tivessem influenciado um pouco a arquitetura da
Rússia antiga. O prestígio espiritual de Bizâncio era, porém, tão grande, que o
biógrafo do mártir Constantino da Ibéria, que era um armênio herege, desejando
aumentar a glória de seu herói, forjou uma carta de condolências da imperatriz
regente Teodora aos parentes dele, após sua morte, copiando a carta na realidade
escrita pela imperatriz a sua irmã Sofia, por ocasião da morte do marido desta,
Constantino Babutzico, martirizado em Arriório em 838.

O papel de Bizâncio na evolução da civilização islâmica foi enorme. Os árabes


que vinham do deserto eram um povo simples, muitos deles analfabetos,
respirando ascetismo. Quase todos os requintes que adquiriram posteriormente
foram aprendidos com os povos que lhes eram vassalos, alguns com os persas e
muitos outros com a civilização helênica, semita e cristã da Síria e do Egito.
Essa civilização, já bizantina, era continuamente revitalizada por influência de
Constantinopla, mesmo depois da Conquista. Não só os cristãos que viviam na
Síria, como o autor dos Troféus de Damasco de fios de século VII,
consideravam-se súditos do imperador, como os califas omíadas de Damasco se
viram obrigados a empregar arquitetos, artistas e até estadistas gregos, cristãos
tão conhecidos como o próprio João Damasceno. Os antigos edifícios
muçulmanos, a mesquita dos Omíadas em Damasco ou o palácio campestre de
Q’alat eram de linhas bizantinas e, na medida que a religião o permitia, bizantina
era também a sua decoração. Mas não só isso: os registros senatoriais do califado
eram mantidos em grego até princípios do século VIII.

A transferência da capital muçulmana para Bagdá aumentou a influência persa,


fazendo decrescer a influência bizantina, embora até mesmo Bagdá tivesse sido
parcialmente construída por arquitetos e pedreiros gregos. O movimento
iconoclasta mostrou os efeitos do Islã sobre Bizâncio, e no século IX o
Imperador Teófilo foi sem dúvida estimulado pelas histórias da magnificência da
corte dos Abácidas. Mas seu reinado foi também a época de um renascimento
intelectual era Constantinopla, pressurosamente copiado em Bagdá. Os grandes
geômetras bizantinos, como João, o Gramático, não atenderam aos apelos para
que instruíssem os sábios muçulmanos. A partir de então, as escolas de
Constantinopla eram a Estrela Polar da intelligentsia do Islã. Dois séculos mais
tarde, Psellos relacionava entre seus alunos vários árabes e mesmo um babilônio.

Nas fronteiras, o intercâmbio de ideias era permanente. O casamento entre


noivos de nações diferentes não era raro, como evidencia a história de Digenes
Acritas: dizia-se ainda que João Tzimices tivera uma ligação com uma senhora
muçulmana de Âmicla. Nesses casos, provavelmente a civilização crista, e não a
árabe, predominava.

A proteção não-oficial do império sobre os súditos cristãos do califa não sofreu


interrupção. Harum al-Raxide podia mandar as chaves do Santo Sepulcro para
Carlos Magno, mas esse gesto visava mais aborrecer o Imperador Nicéforo do
que demonstrar admiração pelos francos, e suas consequências foram logo
esquecidas. Na verdade, tornou-se um hábito de Bagdá fazer pressão contra
Constantinopla perseguindo os cristãos. Estes, sempre que o podiam, visitavam a
corte imperial. O patriarca Teófilo de Alexandria passou várias semanas com
Basílio II em 1016 e atuou como mediador entre ele e o Patriarca Sérgio. Os
patriarcas orientais seguiram Cerulário, tal como seus predecessores tinham
seguido Fócio no cisma com Roma. Em 1042 Constantino IX reconstruiu a
Igreja do Santo Sepulcro, destruída pelo califa louco Hakim. As Cruzadas
dificultavam essa proteção. A Síria tornou-se um país de governo cristão, de
hereges latinos na verdade, mas sem dúvida cristãos. Os imperadores Comnenos
procuraram continuar exercendo tal proteção da melhor forma possível; Manuel
I doou os mosaicos para o coro da Igreja da Natividade em Belém, e ornamentos
para o Santo Sepulcro, tendo mandado artistas para pintar a pequena igreja
gótica de Abu Gusch. Mas os cristãos latinos haviam deitado raízes profundas na
terra, e após 1204 a Igreja de Constantinopla, juntamente com o império, já não
tinha recursos para continuar patrocinando os cristãos governados pelo sultão.
Daí por diante, a influência bizantina sobre as antigas terras do califado foi
indireta e rara.

Entre os turcos, porém, encontrou um novo campo. Os seljuques eram bárbaros e


destruidores. (72) Haviam adotado o islamismo e adquirido um frágil verniz de
cultura persa, mas não passaram disso. Como os antigos árabes, tinham de
aceitar a ajuda dos gregos em todos os processos mais complicados de sua vida.
Ao contrário dos árabes, nunca desenvolveram uma intensa cultura própria. Sua
arte produziu apenas algumas mesquitas em Konia, imitação dos gregos com
traços persas. Não perseguiram os cristãos, que preferiam, com frequência, o
governo deles ao do imperador, devido aos impostos menores. Em fins do século
XIII, os doutrinadores cristãos obtinham êxito entre eles, até mesmo em famílias
de príncipes. É possível que se não tivessem sido revitalizados pelos otomanos,
talvez se tornassem súditos cristãos de um Império Bizantino pobre, mas
renascente.

O Império dos Sultões Otomanos tem sido chamado de Bizantino, o que é


errôneo, pois embora fossem ambos impérios governados pelo exército, os
otomanos nada tinham além de uma magnífica organização militar. Sua
burocracia era uma farsa. De Bizâncio pouco tomaram, a não ser a capital.
Mesmo sua autocracia teocrática vinha não de Constantino, o Décimo-Terceiro
Apóstolo, mas dos califas do Islã.

A influência exercida pelos bizantinos sobre a cultura italiana do século XV é


reconhecida. O papel de homens como Crisoloras e Gemisto Pléton no estímulo
do estudo do grego e do platonismo no Ocidente colocou toda a Renascença em
débito com os bizantinos. Mas a influência não começou então. Fez-se sentir na
Europa Ocidental, com intervalos, durante toda a história do império.

Vários foram os canais por ela utilizados. As conquistas de Justiniano, embora


de curta duração, não desapareceram inteiramente. Não só o exarcado de Ravena
proporcionava um distrito na Itália onde a civilização e a arte bizantinas, e o
Direito Romano, podiam ser estudados, bem como o contato restabelecido com
Constantinopla estimulava o interesse pelos assuntos gregos. Muitos dos monges
irlandeses do século Vil falavam o grego, e o bispo de Ruão julgava que o grego
era estudado com excesso em sua diocese; o Rei Ina de Wessex convidou para
seu reino dois sábios gregos de Atenas. (73) A luta iconoclasta rompeu essa
ligação. A princípio, a onda de refugiados, artistas religiosos, do império para
Roma, frutificou em mosaicos e afrescos em muitas igrejas romanas, (74) mas, à
parte os refugiados e suas obras, as coisas bizantinas eram recebidas com
desaprovação no Ocidente, onde na verdade a civilização se reduzira. A
renascença carolíngia provocou a renovação do interesse pelo Oriente Próximo.
O eunuco Eliseu, que foi a Aachen preparar a princesa Rotruda para ser noiva de
Constantino V, ensinando-lhe o grego, encontrou ali vários alunos interessados,
e Ravena proporcionou a maioria dos modelos da arte carolíngia. O exarcado foi
então extinto, mas houve um novo canal: Veneza já iniciara seu papel de
intermediária entre o Ocidente e o Oriente. Sua língua era o latim popular e
manteve contato estreito com os imperadores ocidentais, embora com
Constantinopla o contato fosse ainda mais estreito. Sua arte era bizantina — São
Marcos era a réplica dos Santos Apóstolos. Mantinha uma missão comercial
quase permanente no Bósforo e, até o século XI, seus doges mandavam os filhos
mais velhos terminar os estudos sob a égide do imperador.

Havia ligações também mais para o sul. Até mesmo em vida de Teodoro de
Estúdio seus hinos eram citados na Sardenha e a reconquista do sul da Itália por
Basílio I ampliou as vias de ligação. As cidades comerciais do sul — Nápoles,
Amalfi e Gaeta — aproveitaram-se das oportunidades comerciais que surgiam.
Também elas enviaram missões a Constantinopla, que voltaram trazendo ideias
bizantinas. Seus principais magistrados enviavam os filhos para concluir sua
educação na corte imperial, e os príncipes lombardos do sul seguiram o exemplo.
Em Roma, os nomes greco-cristãos tornaram-se moda e, mais ao norte, o Rei
Hugo da Itália cortejava o imperador com embaixadas frequentes. As emoções
do embaixador Liudprand ao visitar Constantinopla, seu orgulho por conhecer o
grego, sua admiração por tudo o que era bizantino, ilustram bem a época —
época em que Desidério, abade de Monte Cassino, mandava fazer sua placa
dourada de abade em Constantinopla. Mas a moda não se generalizou, fora da
Itália, e mais tarde no mesmo século, foi modificada pela conquista saxônica.
Italianos oportunistas acharam prudente dirigir sua admiração para o imperador
que lhes estava às portas. Quando Liudprand visitou Constantinopla novamente,
como enviado de Oto I, num momento escolhido com pouco tato, teve uma
recepção fria, e regressou declarando que tudo em sua terra natal era muito
melhor, embora tivesse feito o possível para contrabandear peças de brocados.
Poucos anos depois a moda voltou, quando Oto II casou-se com a princesa
Teófano. No séquito dessa dama de espírito determinado, afluíram gregos do
oriente e do sul da Itália, que se dirigiram para o norte e acompanharam a corte à
Alemanha, onde ela escandalizava os habitantes tomando banhos e usando seda
— hábitos horríveis que a mandariam para o inferno (onde uma freira a vira, em
sonhos) — tal como sua prima Maria Argira provocara um choque no bom São
Pedro Damiano, introduzindo garfos em Veneza.

O filho de Teófano, Oto III, tinha extremo orgulho de seu sangue grego. Gostava
de falar o grego e cercou-se do que julgava ser o verdadeiro cerimonial imperial.
Sob seu patrocínio, muitos gregos foram para a Alemanha. Monges gregos
estabeleceram-se em Reichenau, em Constança, muito antes de fins do século X.
Na mesma época um certo Gregório — que segundo se dizia era aparentado com
a Imperatriz Teófano — fundava a casa religiosa de Burlscheid próximo de
Aachen, e monges gregos construíam a capela de São Bartolomeu na Catedral de
Paderbom. Pouco mais tarde, monges gregos, provavelmente ganhando pão
como artesãos, eram tão numerosos que o bispo Codehard de Hildesheim
anunciava que eles só poderiam passar duas noites nos albergues que lhes eram
destinados — o bispo não aprovava os monges errantes. A marca desses artistas
bizantinos pode ser vista nos ricos ornamentos da arquitetura germano-
romanesca.

Na França, a influência foi mais indireta. As grandes catedrais bizantinas de


Aquitânia devem sua natureza mais provavelmente aos modelos venezianos do
que aos modelos bizantinos, de primeira mão. Santo Frontão, em Perigueux, tem
uma forte semelhança com São Marcos. Hugo Capoto, da França, ficou tão
impressionado com o casamento de Oto II que desejou uma noiva bizantina para
seu filho Roberto. O desejo não foi atendido. O intercâmbio entre as duas cortes
continuou a ser extremamente raro.

Com a Inglaterra, os pontos de contato foram poucos. As pedras esculpidas da


Nortúmbria, datadas do século VII, são extraordinariamente bizantinas, no
sentido e na execução, e o ritual da coroação inglesa tem semelhanças curiosas
com o bizantino. Provavelmente ambos os fatos se explicam pela ininterrupta
ligação que a Inglaterra anglo-saxônica manteve com Roma, e esta com o
Oriente.
As Cruzadas colocaram o Ocidente e Bizâncio num contato mais forte do que
nunca. Mas a civilização sarracena constituía para o Ocidente uma novidade
maior, e sua influência se fez sentir com mais força na Síria. Às últimas
princesas bizantinas que se casaram na Alemanha, damas da família Comneno,
ou a adorável e trágica Irene Ângela, rainha dos romanos, não eram missionárias
como Teófano ou as primeiras dogaresas. O ocidental de então via o bizantino
com desprezo, como um cismático rusé. Preferia receber as obras da Grécia
clássica, de Aristóteles ou de Galeno, antes através dos sarracenos do que
diretamente dos gregos medievais. Mesmo depois da conquista de 1204, os
senhores latinos pouco aprenderam com seus súditos mais civilizados. Tinham
vindo para saquear e destruir, e não para serem educados. Somente Frederico II,
a quem era estranha a complacência que habitualmente dominava a Europa
Ocidental, aprendeu, graças à sua amizade com a corte de Nicéia, algumas das
ideias e métodos da velha forma de governo imperial.

Foi somente no século XIV que os eruditos ocidentais começaram a


compreender que tesouros de conhecimentos estavam armazenados em
Constantinopla. Petrarca tentou, em vão, aprender o grego — seu mestre foi o
calabrês Barlaão que mais tarde provocou a questão hesicasta. (75) Mas no
século XV os sábios que acompanharam os imperadores Paleólogos em suas
viagens de esmoleres ao Ocidente prestaram-se à tarefa de ensinar. As multidões
que ouviam até mesmo um erudito medíocre como Crisoloras evidenciam o
novo estado de coisas. Poucos anos mais tarde, a queda da cidade levou para a
Itália novos sábios refugiados. O próprio Bessarion da Trabizonda, então
cardeal, era patrono deles, e com sua ajuda homens como Lascáris, pioneiro da
impressão, Argirópulo e Calcocôndilas instalaram-se nas universidades
ocidentais. Por fim a obra de conservação bizantina, quase destruída em 1204,
começava a ser apreciada pelo Ocidente.

Para o Oriente Cristão, Constantinopla continuou sendo a capital, até o fim.


Mesmo os súditos do imperador da Trebizonda para lá se dirigiam sempre que
podiam, os russos realizavam peregrinações até ela, e os cipriotas para lá
enviavam os filhos, a fim de receberem educação. Na verdade, até mesmo os
cipriotas mais ricos se sentiam como no exílio, pouca importância dando a seus
reis Lusignanos. Lepentreno escreveu de Chipre uma longa carta a seu amigo
Nicéforo Grégoras sobre o triste estado do mundo grego no século XIV. O receio
da censura fez com que respondesse de modo evasivo à pergunta de Grégoras
sobre como podia tolerar a insolência dos latinos; entretanto, sua verdadeira
opinião se mostra tristemente através de cada linha. Até mesmo o humilde
cronista Maqueras, amigo dos Lusignanos, comoveu-se com a queda de
Constantinopla e manifestou simpatia pela rainha Helena Paleologena, sobrinha
do imperador, pelo que sofreu na tragédia final.

Pois a tragédia foi, realmente, final. A 29 de maio de 1453 uma civilização foi
irrevogávelmente destruída. Deixara um legado glorioso na cultura e na arte,
tirara do barbarismo países inteiros e dera refinamento a outros; sua força e
inteligência constituíram, por séculos, a proteção do cristianismo. Durante onze
séculos, Constantinopla fora o centro do mundo de luzes. Seu brilho, seu
interesse pela estética dos gregos, a orgulhosa estabilidade e a competência
administrativa dos romanos, a intensidade transcendental dos cristãos do
Oriente, amai gamados numa massa sensível, foram apagados. Constantinopla
deveria tornar-se o centro da força bruta, da ignorância, do mau gosto
esplendoroso. Apenas nos palácios russos, para os quais fugiu a águia de duas
cabeças da Casa dos Paleólogos, perduram vestígios de Bizâncio por mais alguns
séculos, — somente ali, e em sombrias salas do Chifre de Ouro, ocultas entre as
casas do Fanar, onde o patriarca mantinha sua corte sombria, desfrutando a
permissão de governar o povo cristão sujeito e dar-lhe alguma sensação de
segurança, que lhe era concedida pela capacidade de estadista do sultão
conquistador, e pelos esforços de Genádio...

Mas a águia de duas cabeças já não paira sobre a Rússia, e o Fanar está perdido
em incerteza e modo. Os últimos remanescentes estão agonizando ou mortos.

Foi tudo como profetizaram os videntes de Bizâncio, os profetas que falavam


incessantemente da sorte que se aproximava, dos dias finais da cidade. O
bizantino exausto sabia que o destino sombrio tantas vezes anunciado acabaria,
algum dia, por envolvê-lo. E que importava? Era desnecessário queixar-se. O
mundo era uma paródia louca, cheia de sofrimentos e de dolorosas lembranças e
pressentimentos. A paz e a verdadeira felicidade estavam além dele. O que era o
imperador, o par dos apóstolos, o que era a própria Constantinopla, a grande
cidade amada de Deus e de Sua Mãe, comparados ao Cristo Pantocrator e às
gloriosas cortes celestes?
NOTAS DE RODAPÉ

I. A FUNDAÇÃO DE CONSTANTINOPLA
(1) Sobre as reformas de Diocleciano e Constantino, v. especialmente Stein,
Geschichte des spätrömischen Reiches, I passim; Maurice, Numismatique
Constantinienne vol. II, Introdução, e Constantin le Grand; Leclercq, artigo
sobre Constantino, no Dictioneire d'Archéologie Chrétienne, pp. 2262-95, de
Cabrol. Baynes, Constantine and the Christian Church, in British Academy vol.
XV (com bibliografia completa).

(2) Essas causas são apresentadas em Rostovtzeff, Social and Economic History
of the Roman Empire; Bury, Later Roman Empire, I.

(*) Montanistas, adeptos de Montano, do século II, que se julgava possuído pelo
Espirito Santo, e por ele utilizado como instrumento para purificar os homens e
guiá-los na vida cristã. (N. do T.)

(3) Os conventos de freiras são, na verdade, anteriores aos mosteiros. No Egito


houve vários deles no século III: Smith, Early Mysticism in the Near East, 34 e
ss

(4) Ut puto, deus fio — Creio que me estou transformando num deus.

(5) Genádio. Disputatio contra Judaeum, ed, Jahn, 2.

II. RESUMO HISTÓRICO


(6) Melhores histórias resumidas de Bizâncio: Gelzer, Byzantinischen
Kaiseryeschlchte, em Krumbacher, Geschichte der Bysantinische Litteratur (2
edição); Diehl. Histoire de L’Empire Byzantin; histórias mais detalhadas:
Vasiliev, Histoire de L’Empire Byzantin (mais recente); Gfrörer, Byzantinisch
Geschichte; Kulakovski, Byzantine History; capítulos na Cambridge Medieval
History, volumes 1, 2 e 4.

(*) Ou seja, de uma seita monofisita. (N. do T.)

(7) Justino coroou-o oito dias antes de morrer.

(8) Até a cronologia se toma duvidosa nesse período.

(9) Menino de estábulo, ou chamado das fezes.

(10) Basílio nasceu no “Tema” Macedônio, próximo de Adrianópolis. Dizia-se


armênio de nascimento.

(11) A paternidade de Leão á duvidosa. Sua mãe foi amante de Miguel III.

(12) Sicília, perdida para os árabes em fins do século IX, fora parcialmente
reconquistada em princípios do século XI.

III. A CONSTITUIÇÃO IMPERIAL E O REINO DO


DIREITO
(13) V. Bréhier, Les Origines des Titres Imp., B. Z. vol. 15.

(14) A expressão aparece primeiro em Filoteu, Cleterologium, em Constantino


Porfirogeneto, De Ceremoniis, I, 712.

(15) Para a questão da unção, v. Brightman, Byzantine Coronation Cerimonies


no Journal of Theological Studies, vol. 2, 383-5; também Sickel, Das
Byzantinische Krönungsrecht, B. Z., 547-8.

(16) Augusta foi sempre o título formal, embora do século VII em diante
Basilissa fosse adotado como expressão coloquial.
(17) A coroação não é descrita em nenhum documento, mas ela visava o título
de Augusta.

(18) Para os demes, v. Bury, Appendix 10 a Gibbon, Decline and Fall, vol. 4,
531 ss.; idem, Later Roman Empire, I, 84 ss.; e especialmente Uspenski, Circuit
Factions and Demes in Constantinopla.

(19) V. Bury, Later Roman Em pire, I, 12 ss.; Buckler, Anna Comnena, 274-6;
Diehl, Le Sónat et le Peuple Byzantin, em Byzantion, vol. I, 201.

(20) Zacharlae von Lingenthal, Geschichte des Griechisch-Römischen Rechts;


Siciliano Villanueva, Diritto Bizantino; Cambridge Medieval History, vol. 4,
cap. XXII.

(21) Adultério da esposa, impotência do marido, tentativa de morte de um


esposo contra o outro e lepra. Ecloga, trad. Freshfiel, 78-9.

(22) O Tomos Unionis de 821 proibia quatro casamentos e censurava o de Leão.


Teófano Continuato, 398.

IV. A ADMINISTRAÇÃO
(23) V. Bury, Luter Roman Empire, II, 334-48; idem, Imperial Administratitive
System in the Ninth Century (British Academy, Supplemental Papers, I) — o
trabalho mais importante sobre o assunto.

(24) Sob Teófilo, era a mãe da imperatriz, Teófanes Continuato.

(25) Para títulos v. Bury, op. cit., 20-36, 121-4.

(26) Era o mais baixo, na escala (Filoteu, 147); v. Constantino Porfirogêneto, De


Aministrando Império, 178-9, 244 e ss.

(27) A primeira estimativa é de Stein, a segunda de Paparrigopoulos; v. a


discussão em Andreades, Le Montant du Budget.

(28) Para exposições mais completas, v. Dölger, Beitrage sur Geschichte der
Byzantivischen Finanzenverivaltung (Byz. Arch., 1927); Ostrogorsky, Die
Ländliche Steuergemeinde em Vierteljahrsschrijt fur Sozia- und
Wirtschaftsgeschichte, vol. 20, 108 e ss.; e artigo de Andreades sobre esses dois
livros, em B. Z., vol. 28, 287 e ss.

V. A RELIGIÃO E A IGREJA
(29) Reconheceu-a apenas durante a ocupação latina de Constantinopla, quando
a sé estava firmemente sob seu controle. (Manst, Concilia, vol. 22, 991).

(30) Para a organização, v. Le Quien, Oriens Christianus; Pargoire, L'Eglise


Byssantine, 199 ss.

(31) V., por exemplo, a correspondência dos vários patriarcas.

(32) V. Bréhier, LA Querelle des Images; Ostrogorsky, Studien zur Geschichte


des Byzantinischen Bildestreites.

(33) Bury, Eastern Roman Empire, 180-209; Ruinaut, Le Schisme de Photius;


Hergenröther, Photius, passim.

(34) V. Hergenröther, Photius, passim; Norden, Das Papsttum und Byzanz,


passim; Bréhier, The Greek Church, in Cambridge Medieval History, v. 4, 241-
73, 594-626, e bibliografias.

(35) Escreveu ainda cartas cordiais ao clero que permaneceu na Ática.

(36) Negociações citadas em Mansi, Concilia, vol. 23, 47 e ss.

(37) Genádio, carta em M.P.G., vol. 160, 663 e ss.

(38) La Brocquière, Voyaye d’Outremer, em Schefer, Recuiel de Voyages, vol.


12, 163.

VI. EXÉRCITO, MARINHA E DIPLOMACIA


(39) V. Oman, History of the Art of War, 3-37, 169-226; Diehl, Justinian, 145-
245 (com bibliografia); Aussaresses, L’Armée Byzantine.

(40) V. Neumann, Die Byzantinische Marine, H. Z., vol. 45, 1 e ss.; Bury,
Apêndice 5 a Gibbon. Decline and Fall, vol. 6, e Naval Policy, em Centenário di
M. Amari, II, 21-34; Baynea, Byzantine Empire, 143-9, 217-20; Buckler, Anna
Comnena, 381-6.

(41) Bury, loc. cit.; Schlumberger, Récits de Byzance, 2me. série, 37-48.

(42) Sua interessante correspondência está publicada — ed. Sakkelion, em


Deltion, vol. I, 377-410.

VII. COMÉRCIO
(43) Quanto a seda, ver Bury, Later Roman Empire, II, 330 e ss.

(44) Andreades, De la Monnaie dans l’Empire Byzantin, em Byzantion, v. I, 75 e


ss.

VIII. VIDA URBANA E VIDA RURAL


(45) V. Andreades, De la Population de Constantinople, em Metroov, v. I; Pears,
Destruction of the Greek Empire, 192 e ss.

(46) Kondakov, Les Costumes Orientaux à la Cour Byzantine, em Byzantion, v.


I, 7 e ss.

(47) Quanto à questão da escravatura, ver Chalandon, Jean ler Comnène, 612;
Constantinescu, Bulletin of the Roumanian academy, v. 11, 100; Boissonnade,
Le Travaíl dans l'Europe Chrétienne au Moyen Age, 53, 76, 413 (diminuindo a
extensão da escravatura).

(48) Quanto à questão agrária, v. Panchenko, Propriedade Rural em Bizâncio,


em Revestia, do Instituto Russo de Constantinopla. v. 9; Soltojov, Lei da
Propriedade no Império Greco-Romano (ambos em russo); Ashburner, The
Farmeris Law, v. 30, 97 e ss., v. 32. 875 e ss.; Testaud, Des Rapports des
Puissants et des Petits Proprietaries Ruraux dam l'Empire Byzantin.

IX. EDUCAÇÃO E ENSINO


(49) Ver Bréhier, L’Enseignement Supérier a Constantinople, em Bysantion, v,
3, 73-94; v. 4, 13-28; Schemmel, Die Hochschule von Konstantinopel, passim.

(50) Ana menciona um grego que sabia o normando francês, (Anna Comnena,
343).

X. LITERATURA BIZANTINA (51)


(51) Ver Krumbacher, Geschichte der Byzantinischen Litteratur, o livro
essencial sobre este assunto. Contém as edições de obras bizantinas publicadas
até 1897. As publicações mais recentes podem ser encontradas na bibliografia do
artigo de Dieterich sobre Literatura Bizantina na Catholic Encyclopaedia, v. 3, e
nas bibliografias da Cambridge Medieval History, v. 4.

XI. ARTE BIZANTINA (52)


(52) V. Dalton, Byzantine Art and Archaeology e East Christian Art; Diehl,
Manuel d’Art Byzantin; Kondakov, Histoire de L’Art Byzantin; Bréhier, L’Art
Byzantin; Bayet, L’Art Byzantin; Millet, L’Art Byzantin, em Michel, Histoire de
L'Art, vols. 1 e 3 — todos trabalhos gerais. Para o período inicial, v.
Strzygowsky, Origin of Christian Church and Art, e Tyler, L’Art Byzantin, vol.
X.

(53) Ou seja, 345.600.000 francos-ouro (£14.000.000) — evidentemente, um


grande exagero. (Scriptores Originum Constantinopolitani, ed. Teubner, 102).
(54) Fausto de Bizâncio, trad. Langlois, 281. O general persa diz a seus
soldados, antes da batalha contra os gregos e armênios aliados, para capturarem
o maior número possível de gregos, para que construam palácios para os persas.

(55) V. Ebersolt, Les Arta Somptuaires de Bysance.

(56) V. Muratov, La Peinture Bysantine; Ebersolt, La Miniature Bysantim; van


Berchem e Clouzot, Mosaíques Chrétiennes.

(57) Milão. Ambrosiana, No. F205.

(58) Viena, Biblioteca Nacional, Med. Gr., N 1.

(59) Em Rossano, na Calábria.

(60) Viena, Ibid., Theol. Gmt., N 31.

(61) V. Mile. van Berchem, análise detalhada desses mosaicos, em Creswell,


Early Muslem Architecture.

(62) Veneza, Biblioteca Marciana, Gr., N 17.

(63) A. D. 1304, Dalton, East Christian Art, 255.

(64) Restam vários quadros da Virgem, o melhor deles talvez um do século XII,
Nossa Senhora de Vladimir, atualmente em Moscou. A maioria desses retratos
foi atribuída ao pincel de São Lucas.

(65) V. Rice, Bysantine Glazed-Pottery.

XII. OS VIZINHOS DE BIZÂNCIO


(66) Para detalhes sobre os búlgaros, v, Zlatarskl, História do Reino da Bulgária
(em búlgaro) e Runciman, The First Bulgarian Empire.

(67) Para maiores detalhes sobre os russos, v. Soloviev, História da Rússia, (em
russo); Uspenaki, Rússia e Bizâncio (em russo); Kluchevsky, História da Rússia
(existe uma tradução Inglesa de Hogarth); Golubmski, História da igreja, Russa
(em russo); Leib, Kiev, Roma et Byzance; Vasiliev, Was old Rússia a Vassal-
State of Byzantium? em Speculum, vol. 7, 350.

(68) V. Lascáris, Princesas Bizantinas na Sérvia Medieval (em sérvio), passim,


principalmente o trecho em que é reproduzido o relatório de Grégoras sobre sua
missão; v. relato de Metoquites sobre sua missão, em B. G. M., vol. I, 154-93.

(69) Para detalhes sobre a Armênia, v. Chamich, History of Armênia; Adonts,


História, da Armênia (em russo); Laurent, L’Armênie entre Byzance et L’Islam;
Strzygowsky, Baukunst der Armenier und Europa; Macler, em Cambridge
Medieval History, vol. 4, 153-93.

(70) Maçoudi, Prairies d'Or, II, 2-3; ele calcula em 72 tribos.

(71) V. Brosset, Histoire de la Gêorgie; Allen, History of the Georgian People.

(72) V. o artigo “Seljuques’’ da Enciclopédia Britânica.

(73) Bury, Later Roman Empire from Arcadius to Irene, II, 392-3; James,
Learning and Literatura, em Cambridge Medieval History, vol. 3, 502 e ss.

(74) Por exemplo, na Igreja de Santa Maria em Cosmedina.

(75) V. Gibbon, Decline and Fall, ed. Bury, vol. 7, 317-20.

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